Existe uma linha muito tênue entre retratar fatos (mesmo que na ficção) e espetacularizar os horrores de um atentado terrorista - e é aqui que talvez esteja o maior mérito de "O Dia do Atentado". Seu roteiro consegue respeitar todos os limites narrativos do bom senso enquanto a direção não precisa abrir mão de um único plano que pudesse, de alguma forma, nos deixar fora do inferno que se tornou a maratona de Boston em 2013. Bem na linha de "Voo United 93", o diretor Peter Berg (de "Hancock") conecta cenas reais e encenações com uma habilidade incrível, dando uma conotação documental e imersiva para o filme, sem perder aquela atmosfera de thriller policial que nos envolve ao mesmo tempo em que nos provoca inúmeras sensações!
Em 15 de abril de 2013, o sargento da polícia Tommy Saunders (Mark Wahlberg) está trabalhando na segurança da maratona anual de Boston quando duas bombas caseiras explodem em um ato de terrorismo. Após os atentados, o grupo formado por Tommy, o Agente Especial Richard Deslauries (Kevin Bacon), o Comissário da Polícia Ed Davis (John Goodman) e o Sargento Jeffrey Pugliese (J.K. Simmons) se unem aos bravos sobreviventes para tentar identificar e capturar os responsáveis pelos ataques antes que eles possam fazer novas vítimas. Confira o trailer:
Logo de cara percebemos uma escolha criativa que acaba se mostrando das mais acertadas: ao apresentar (mesmo que superficialmente) algumas subtramas e seus respectivos personagens, antes dos acontecimentos que marcariam aquele dia, fica estabelecido que a vida nada mais é que um sopro e que será essa relação de imprevisibilidade que nos acompanhará por toda essa dura jornada. Veja, se à primeira vista os personagens parecem desconectados, é por causa da individualização de suas histórias que entendemos seus anseios, seus desejos, suas motivações, e, aos poucos, conforme as cartas vão sendo colocadas na mesa, é que percebemos o valor de cada um dentro desse enorme quebra-cabeça - e o mais interessante, aliás, é que todas essas histórias são, de fato, reais (por isso não deixem de assistir os créditos)!
Como Paul Greengrass, que recriou um dos momentos mais tensos dos atentados em 11 de setembro se apoiando no fator humano, Berg também combina uma série de técnicas cinematográficas para exaltar a humanidade do evento e assim manipular nossas sensações - e ele faz isso com uma maestria impressionante. A partir de uma montagem cirúrgica da dupla Gabriel Fleming e Colby Parker Jr (ambos de "Horizonte Profundo"), o diretor alterna planos nervosos com a câmera mais soltas, onde a lente está mais suja; com inúmeros materiais de arquivo, esses com imagens de noticiários da época, de câmeras de vigilância das lojas e restaurantes próximas da explosão; e até das gravações dos próprios agentes do FBI que participaram das investigações. É lindo de ver e repare como isso simula um senso de urgência que dá o tom do filme.
"O Dia do Atentado" tem tiroteios e explosões, com planos filmados ao melhor "estilo blockbuster", mas em nenhum momento esquece do fator humano, dos dramas mais íntimos pela qual os policiais estão passando enquanto tentam encontrar os criminosos. E é aí que somos surpreendidos de novo já que o filme tinha tudo para cair na armadilha do patriotismo barato, mas não é o que acontece - o que vemos no final das contas é uma história eficiente, dinâmica, coerente, tecnicamente perfeita, com momentos de tirar o fôlego enquanto outros são extremamente emocionantes. Olha, de fato, estamos diante de um filmaço!
Vale muito seu play!
Existe uma linha muito tênue entre retratar fatos (mesmo que na ficção) e espetacularizar os horrores de um atentado terrorista - e é aqui que talvez esteja o maior mérito de "O Dia do Atentado". Seu roteiro consegue respeitar todos os limites narrativos do bom senso enquanto a direção não precisa abrir mão de um único plano que pudesse, de alguma forma, nos deixar fora do inferno que se tornou a maratona de Boston em 2013. Bem na linha de "Voo United 93", o diretor Peter Berg (de "Hancock") conecta cenas reais e encenações com uma habilidade incrível, dando uma conotação documental e imersiva para o filme, sem perder aquela atmosfera de thriller policial que nos envolve ao mesmo tempo em que nos provoca inúmeras sensações!
Em 15 de abril de 2013, o sargento da polícia Tommy Saunders (Mark Wahlberg) está trabalhando na segurança da maratona anual de Boston quando duas bombas caseiras explodem em um ato de terrorismo. Após os atentados, o grupo formado por Tommy, o Agente Especial Richard Deslauries (Kevin Bacon), o Comissário da Polícia Ed Davis (John Goodman) e o Sargento Jeffrey Pugliese (J.K. Simmons) se unem aos bravos sobreviventes para tentar identificar e capturar os responsáveis pelos ataques antes que eles possam fazer novas vítimas. Confira o trailer:
Logo de cara percebemos uma escolha criativa que acaba se mostrando das mais acertadas: ao apresentar (mesmo que superficialmente) algumas subtramas e seus respectivos personagens, antes dos acontecimentos que marcariam aquele dia, fica estabelecido que a vida nada mais é que um sopro e que será essa relação de imprevisibilidade que nos acompanhará por toda essa dura jornada. Veja, se à primeira vista os personagens parecem desconectados, é por causa da individualização de suas histórias que entendemos seus anseios, seus desejos, suas motivações, e, aos poucos, conforme as cartas vão sendo colocadas na mesa, é que percebemos o valor de cada um dentro desse enorme quebra-cabeça - e o mais interessante, aliás, é que todas essas histórias são, de fato, reais (por isso não deixem de assistir os créditos)!
Como Paul Greengrass, que recriou um dos momentos mais tensos dos atentados em 11 de setembro se apoiando no fator humano, Berg também combina uma série de técnicas cinematográficas para exaltar a humanidade do evento e assim manipular nossas sensações - e ele faz isso com uma maestria impressionante. A partir de uma montagem cirúrgica da dupla Gabriel Fleming e Colby Parker Jr (ambos de "Horizonte Profundo"), o diretor alterna planos nervosos com a câmera mais soltas, onde a lente está mais suja; com inúmeros materiais de arquivo, esses com imagens de noticiários da época, de câmeras de vigilância das lojas e restaurantes próximas da explosão; e até das gravações dos próprios agentes do FBI que participaram das investigações. É lindo de ver e repare como isso simula um senso de urgência que dá o tom do filme.
"O Dia do Atentado" tem tiroteios e explosões, com planos filmados ao melhor "estilo blockbuster", mas em nenhum momento esquece do fator humano, dos dramas mais íntimos pela qual os policiais estão passando enquanto tentam encontrar os criminosos. E é aí que somos surpreendidos de novo já que o filme tinha tudo para cair na armadilha do patriotismo barato, mas não é o que acontece - o que vemos no final das contas é uma história eficiente, dinâmica, coerente, tecnicamente perfeita, com momentos de tirar o fôlego enquanto outros são extremamente emocionantes. Olha, de fato, estamos diante de um filmaço!
Vale muito seu play!
Mais pela sua história do que propriamente pela qualidade do documentário, "O Diabo no Tribunal" é um filme imperdível para aqueles que gostam de tramas impactantes na linha do sobrenatural e que se deliciaram com "Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio" - até porquê a história de um é a base do outro, naquela linha tênue entre o "true crime" e o "filme de horror". Aqui temos um mergulho dos mais intrigantes em uma atmosfera, de fato, obscura do mundo da possessão demoníaca - as imagens e gravações disponibilizadas pelo diretor Chris Holt (do elogiado "I, Sniper") são realmente impressionantes, contextualizando (e para muitos justificando) o notório caso de David Glatzel, Arne Cheyenne Johnson e o trágico assassinato de Alan Bono.
"The Devil on Trial" (no original) acompanha as investigações dos eventos assustadores que cercam o caso Glatzel-Johnson. O pesadelo começa no início da década de 1980 quando David Glatzel, um garoto de 11 anos, acredita ter sido possuído por uma entidade demoníaca. A situação, no entanto, toma um rumo ainda mais trágico quando Arne Cheyenne Johnson, cunhado de David, diz ser o novo hospedeiro da força sobrenatural e que por isso assassinou seu amigo, Alan Bono. Confira o trailer:
Em um primeiro olhar, o filme se destaca pelo tom assustador da sua narrativa que é 100% validado pela presença de quem realmente esteve envolvido no caso em todas as suas fases, incluindo o próprio David, seus irmãos (Alan e Carl), e até mesmo Arne. A partir de algumas gravações caseiras, com fotos e áudios que nunca antes foram mostrados ao público, as reconstituições com atores que recontam os eventos dão um ar de ficção para o documentário, mas o que mais nos provoca mesmo é o fato de sabermos que tudo aquilo é verdade - ou pelo menos que é a verdade que cada um tem para contar! "Existem pessoas que mentem. Mas eu sentei com o David, o Arne, o Alan e Carl por horas a fio e a história nunca mudou. Eu acho que eles estão me contando a verdade - mas é a interpretação deles da verdade, em vez de ser um fato consolidado. Mas eles acreditam, e eu também acredito, que o que dizem é verdadeiro", disse o diretor Chris Holt para a Variety na época do lançamento.
No entanto, e aí eu acho que "O Diabo no Tribunal" poderia ter ido um pouquinho mais longe, algumas questões vão sendo postas em dúvida. Para começar, o famoso casal Ed e Lorraine Warren, são tratados com certa superficialidade pelo roteiro. Veja, ao mesmo tempo que a participação e histórico da dupla de investigadores soem importantes, a veracidade de suas conquistas são colocadas a prova em todo momento - nem mesmo a rápida retrospectiva sobre eles e os depoimentos de seu neto, Chris McKinnell, ajudam a audiência a ter uma noção definitiva sobre as intenções dos Warren com o caso. Outro ponto que poderia ser melhor explorado (e não da forma "plot twist" que o roteiro propôs) é a relação de Judy Glatzel com seus filhos e marido - a dinâmica familiar me pareceu problemática, no entanto faltou um estilo mais "Making a Murderer" de abordagem.
Para finalizar, eu diria que "O Diabo no Tribunal" transcende as convenções dos documentários de true crime ao adicionar uma camada de horror que explora o impacto visceral da possessão demoníaca na vida daquelas pessoas. A habilidade do Chris Holt em equilibrar a recriação dos eventos com depoimentos reais e evidências que os Warren coletaram proporciona uma experiência mais autêntica e angustiante do que estamos acostumados encontrar no gênero. No entanto, minha única crítica fica pela falta de uma pesquisa mais minuciosa e não apenas na espetacularização dos fatos - essa estratégia narrativa instiga reflexões? Claro que sim, mas fica a sensação de que daria para ir além (sem trocadilhos).
Se você é curioso e gosta do assunto, seu entretenimento está garantido!
Mais pela sua história do que propriamente pela qualidade do documentário, "O Diabo no Tribunal" é um filme imperdível para aqueles que gostam de tramas impactantes na linha do sobrenatural e que se deliciaram com "Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio" - até porquê a história de um é a base do outro, naquela linha tênue entre o "true crime" e o "filme de horror". Aqui temos um mergulho dos mais intrigantes em uma atmosfera, de fato, obscura do mundo da possessão demoníaca - as imagens e gravações disponibilizadas pelo diretor Chris Holt (do elogiado "I, Sniper") são realmente impressionantes, contextualizando (e para muitos justificando) o notório caso de David Glatzel, Arne Cheyenne Johnson e o trágico assassinato de Alan Bono.
"The Devil on Trial" (no original) acompanha as investigações dos eventos assustadores que cercam o caso Glatzel-Johnson. O pesadelo começa no início da década de 1980 quando David Glatzel, um garoto de 11 anos, acredita ter sido possuído por uma entidade demoníaca. A situação, no entanto, toma um rumo ainda mais trágico quando Arne Cheyenne Johnson, cunhado de David, diz ser o novo hospedeiro da força sobrenatural e que por isso assassinou seu amigo, Alan Bono. Confira o trailer:
Em um primeiro olhar, o filme se destaca pelo tom assustador da sua narrativa que é 100% validado pela presença de quem realmente esteve envolvido no caso em todas as suas fases, incluindo o próprio David, seus irmãos (Alan e Carl), e até mesmo Arne. A partir de algumas gravações caseiras, com fotos e áudios que nunca antes foram mostrados ao público, as reconstituições com atores que recontam os eventos dão um ar de ficção para o documentário, mas o que mais nos provoca mesmo é o fato de sabermos que tudo aquilo é verdade - ou pelo menos que é a verdade que cada um tem para contar! "Existem pessoas que mentem. Mas eu sentei com o David, o Arne, o Alan e Carl por horas a fio e a história nunca mudou. Eu acho que eles estão me contando a verdade - mas é a interpretação deles da verdade, em vez de ser um fato consolidado. Mas eles acreditam, e eu também acredito, que o que dizem é verdadeiro", disse o diretor Chris Holt para a Variety na época do lançamento.
No entanto, e aí eu acho que "O Diabo no Tribunal" poderia ter ido um pouquinho mais longe, algumas questões vão sendo postas em dúvida. Para começar, o famoso casal Ed e Lorraine Warren, são tratados com certa superficialidade pelo roteiro. Veja, ao mesmo tempo que a participação e histórico da dupla de investigadores soem importantes, a veracidade de suas conquistas são colocadas a prova em todo momento - nem mesmo a rápida retrospectiva sobre eles e os depoimentos de seu neto, Chris McKinnell, ajudam a audiência a ter uma noção definitiva sobre as intenções dos Warren com o caso. Outro ponto que poderia ser melhor explorado (e não da forma "plot twist" que o roteiro propôs) é a relação de Judy Glatzel com seus filhos e marido - a dinâmica familiar me pareceu problemática, no entanto faltou um estilo mais "Making a Murderer" de abordagem.
Para finalizar, eu diria que "O Diabo no Tribunal" transcende as convenções dos documentários de true crime ao adicionar uma camada de horror que explora o impacto visceral da possessão demoníaca na vida daquelas pessoas. A habilidade do Chris Holt em equilibrar a recriação dos eventos com depoimentos reais e evidências que os Warren coletaram proporciona uma experiência mais autêntica e angustiante do que estamos acostumados encontrar no gênero. No entanto, minha única crítica fica pela falta de uma pesquisa mais minuciosa e não apenas na espetacularização dos fatos - essa estratégia narrativa instiga reflexões? Claro que sim, mas fica a sensação de que daria para ir além (sem trocadilhos).
Se você é curioso e gosta do assunto, seu entretenimento está garantido!
"O Eleito" pode te surpreender, mas será preciso embarcar na proposta de seu criador Mark Millar e ter alguma paciência já que a série de 6 episódios da Netflix começa a engrenar mesmo, lá pelo terceiro episódio. Muito bem dirigida pelo Everardo Gout (de "Caleidoscópio"), essa produção americana falada em espanhol, se aproveita da premissa do ótimo (e até hoje lembrado pelo seu cancelamento prematuro) "Messiah", para discutir o comportamento humano a partir de dogmas religiosos, nos dias de hoje, pela perspectiva de 5 jovens que moram em uma cidadezinha no México em 1999. Além da dinâmica "Stranger Things"da narrativa, é muito importante ressaltar a profundidade que a história vai ganhando ao discutir temas como a idolatria e a megalomania do "todo" perante a jornada mais íntima e, claro, repleta de imperfeições do "indivíduo".
Na trama acompanhamos a história de Jodie (Bobby Luhnow), um jovem de 12 anos que passa a suspeitar ser a reencarnação de Jesus Cristo. Capaz de fazer uma pessoa voltar a andar, transformar água em vinho e até mesmo ressuscitar os mortos, ele precisa aprender a lidar com seu destino durante a fase das maiores descobertas da vida, a adolescência.. Entre a ideia de ser alguém especial ou um garoto que quer apenas se divertir com os amigos, cabe a Jodie decidir se vai ou não atender esse "chamado divino". Confira o trailer:
De fato, a série derrapa um pouco na sua contextualização. Os primeiros episódios soam infantis e desconexos - como se o roteiro tivesse necessidade de estabelecer o conflito logo de cara para rapidamente começar a explorar como Jodie lida com seu destino divino, enfrentando seus desafios pessoais e as forças obscuras que o rodeiam, enquanto tenta compreender e aceitar sua missão. Eu diria, inclusive, que o conceito estético escolhido pelo diretor pouco ajuda nesse momento, já que a montagem é extremamente fragmentada, o aspecto de tela é um pouco desconfortável em seu "antigo" 4:3 e a imagem é bastante granulada. No entanto, ao entender que esse conceito está 100% alinhado com aquele universo onde a história acontece em seu tempo, espaço e assunto, tudo muda - e aí passamos a achar tudo aquilo bem envolvente e imersivo.
A jornada pessoal de Jodie é o coração de "O Eleito" e quando entendemos que suas dúvidas, medos e anseios diante da revelação de sua identidade divina são muito mais profundos do que uma trama infanto-juvenil com toques de sobrenatural, nos conectamos com a série e passamos a nos surpreender com as soluções propostas pelo roteiro. Os relacionamentos complexos entre os personagens que inicialmente soavam superficiais, se transformam em reflexões relevantes: suas lutas internas (e cada um tem a sua) ao lado da necessidade constante dos discursos religiosos de definir o que é do bem e o que é do mal, evocam uma gama de emoções, que vão desde a empatia por alguns personagens até uma tensão improvável pelas ações de outros. Reparem como a paleta de cores, o desenho de produção e arte, além da iluminação e da trilha sonora, são capazes de refletir os aspectos espirituais e terrenos da história com a mesma propriedade.
"O Eleito" é muito feliz em trazer para tela temas universais como identidade, fé e destino - temas esses que naturalmente nos provocam algumas reflexões sobre nossas próprias crenças e escolhas. Agora, o ponto alto dessa premissa, sem dúvida, está em projetar o "e se" de fato algo parecido acontecesse na vida real? Ao explorar com muita habilidade "o sagrado" e "o profano" na jornada de um adolescente com um destino extraordinário, a série oferece uma experiência que desafia, inspira e nos mantém ansiosos por mais episódios - e que as próximas temporadas tragam ainda mais respostas, porque o gancho do final é simplesmente excelente!
Vale seu play!
"O Eleito" pode te surpreender, mas será preciso embarcar na proposta de seu criador Mark Millar e ter alguma paciência já que a série de 6 episódios da Netflix começa a engrenar mesmo, lá pelo terceiro episódio. Muito bem dirigida pelo Everardo Gout (de "Caleidoscópio"), essa produção americana falada em espanhol, se aproveita da premissa do ótimo (e até hoje lembrado pelo seu cancelamento prematuro) "Messiah", para discutir o comportamento humano a partir de dogmas religiosos, nos dias de hoje, pela perspectiva de 5 jovens que moram em uma cidadezinha no México em 1999. Além da dinâmica "Stranger Things"da narrativa, é muito importante ressaltar a profundidade que a história vai ganhando ao discutir temas como a idolatria e a megalomania do "todo" perante a jornada mais íntima e, claro, repleta de imperfeições do "indivíduo".
Na trama acompanhamos a história de Jodie (Bobby Luhnow), um jovem de 12 anos que passa a suspeitar ser a reencarnação de Jesus Cristo. Capaz de fazer uma pessoa voltar a andar, transformar água em vinho e até mesmo ressuscitar os mortos, ele precisa aprender a lidar com seu destino durante a fase das maiores descobertas da vida, a adolescência.. Entre a ideia de ser alguém especial ou um garoto que quer apenas se divertir com os amigos, cabe a Jodie decidir se vai ou não atender esse "chamado divino". Confira o trailer:
De fato, a série derrapa um pouco na sua contextualização. Os primeiros episódios soam infantis e desconexos - como se o roteiro tivesse necessidade de estabelecer o conflito logo de cara para rapidamente começar a explorar como Jodie lida com seu destino divino, enfrentando seus desafios pessoais e as forças obscuras que o rodeiam, enquanto tenta compreender e aceitar sua missão. Eu diria, inclusive, que o conceito estético escolhido pelo diretor pouco ajuda nesse momento, já que a montagem é extremamente fragmentada, o aspecto de tela é um pouco desconfortável em seu "antigo" 4:3 e a imagem é bastante granulada. No entanto, ao entender que esse conceito está 100% alinhado com aquele universo onde a história acontece em seu tempo, espaço e assunto, tudo muda - e aí passamos a achar tudo aquilo bem envolvente e imersivo.
A jornada pessoal de Jodie é o coração de "O Eleito" e quando entendemos que suas dúvidas, medos e anseios diante da revelação de sua identidade divina são muito mais profundos do que uma trama infanto-juvenil com toques de sobrenatural, nos conectamos com a série e passamos a nos surpreender com as soluções propostas pelo roteiro. Os relacionamentos complexos entre os personagens que inicialmente soavam superficiais, se transformam em reflexões relevantes: suas lutas internas (e cada um tem a sua) ao lado da necessidade constante dos discursos religiosos de definir o que é do bem e o que é do mal, evocam uma gama de emoções, que vão desde a empatia por alguns personagens até uma tensão improvável pelas ações de outros. Reparem como a paleta de cores, o desenho de produção e arte, além da iluminação e da trilha sonora, são capazes de refletir os aspectos espirituais e terrenos da história com a mesma propriedade.
"O Eleito" é muito feliz em trazer para tela temas universais como identidade, fé e destino - temas esses que naturalmente nos provocam algumas reflexões sobre nossas próprias crenças e escolhas. Agora, o ponto alto dessa premissa, sem dúvida, está em projetar o "e se" de fato algo parecido acontecesse na vida real? Ao explorar com muita habilidade "o sagrado" e "o profano" na jornada de um adolescente com um destino extraordinário, a série oferece uma experiência que desafia, inspira e nos mantém ansiosos por mais episódios - e que as próximas temporadas tragam ainda mais respostas, porque o gancho do final é simplesmente excelente!
Vale seu play!
"O Enfermeiro da Noite" é uma ótima pedida para quem gosta de "true crime", mas é preciso ter em mente que essa produção da Netflix se apropria de uma narrativa muito mais cadenciada e intimista do que se apoia na tensão de complexas investigações ou de reviravoltas surpreendentes como costumamos encontrar no gênero. O filme dirigido pelo dinamarquês Tobias Lindholm (que escreveu nada menos que "Druk - Mais Uma Rodada" e "A Caça") é para quem gosta de drama e não de thriller!
A trama acompanha a história de Charlie Cullen (Eddie Redmayne), enfermeiro que foi apontado como um dos assassinos em série mais perigosos de todos os tempos. Levando uma vida aparentemente normal, Charles trabalhou em diversos hospitais durante décadas e teria assassinado cerca de 400 pessoas ao longo dos anos. Quando Charlie se aproxima de Amy (Jessica Chastain), uma enfermeira com sérios problemas de coração, responsável pela UTI de um hospital e que precisa cuidar de suas duas filhas pequenas quando não está de plantão, surge uma relação de confiança e amizade entre eles, porém quando algumas suspeitas de erros médicos começam a aparecer no setor em que trabalham, Amy é forçada a arriscar sua vida e a segurança de seus filhos para tentar descobrir a verdade. Confira o trailer:
Baseado no livro de Charles Graeber, "The Good Nurse: A True Story of Medicine, Madness, and Murder", o roteiro de "O Enfermeiro da Noite" (que curiosamente não foi escrito por Lindholm e sim pela também competente Krysty Wilson-Cairns, de "1917" e "Last Night in Soho") é muito inteligente em fazer um recorte bastante especifico da vida de Charlie Cullen, criando assim um dinâmica que vai direto ao ponto, com situações mais sugeridas do que escancaradas. Ao priorizar o olhar (de certa forma ingênuo) de Amy, a história se preocupa muito mais em encaixar as peças do que em descobrir "quem é" ou "como" o assassino em série atuava.
Escolhido esse caminho, o que vemos na tela não impacta visualmente pela violência e muito menos nos provoca algum estado de tensão permanente, porém nos deixa, sim, desconfortáveis. A forma como Lindholm conta a história, com um certo distanciamento, é de se elogiar pela criatividade - eu diria que a experiência do diretor em outro projeto, "Mindhunter", só colaborou para que ele encontrasse o tom certo para essa narrativa, entregando para Chastain e Redmayne, dois ótimos e profundos personagens que só cresceram a partir da excelente química entre eles. E aqui cabe uma outra citação: embora menos presente, o trabalho de Noah Emmerich (como o detetive Tim Braun) também merece destaque.
"O Enfermeiro da Noite" não será daqueles inesquecíveis, mas saiba que ele acerta ao propor uma experiência mais angustiante, que procura fugir do lugar comum e da banalização visual da morte. O filme a todo momento brinca com a imaginação da audiência, pontuando os crimes de Graeber sempre pelo prisma da especulação e pela força do silêncio. Sem cair em clichês, onde o assassino deixa pequenos rastros de seu comportamento mesmo quando sua verdadeira identidade ainda é um mistério, aqui o mérito está mais para o realismo do que para o espetáculo - deixando que a verdade faça seu trabalho de nos tocar a alma, não pela brutalidade, mas sim pela crueldade.
Vale muito o seu play!
"O Enfermeiro da Noite" é uma ótima pedida para quem gosta de "true crime", mas é preciso ter em mente que essa produção da Netflix se apropria de uma narrativa muito mais cadenciada e intimista do que se apoia na tensão de complexas investigações ou de reviravoltas surpreendentes como costumamos encontrar no gênero. O filme dirigido pelo dinamarquês Tobias Lindholm (que escreveu nada menos que "Druk - Mais Uma Rodada" e "A Caça") é para quem gosta de drama e não de thriller!
A trama acompanha a história de Charlie Cullen (Eddie Redmayne), enfermeiro que foi apontado como um dos assassinos em série mais perigosos de todos os tempos. Levando uma vida aparentemente normal, Charles trabalhou em diversos hospitais durante décadas e teria assassinado cerca de 400 pessoas ao longo dos anos. Quando Charlie se aproxima de Amy (Jessica Chastain), uma enfermeira com sérios problemas de coração, responsável pela UTI de um hospital e que precisa cuidar de suas duas filhas pequenas quando não está de plantão, surge uma relação de confiança e amizade entre eles, porém quando algumas suspeitas de erros médicos começam a aparecer no setor em que trabalham, Amy é forçada a arriscar sua vida e a segurança de seus filhos para tentar descobrir a verdade. Confira o trailer:
Baseado no livro de Charles Graeber, "The Good Nurse: A True Story of Medicine, Madness, and Murder", o roteiro de "O Enfermeiro da Noite" (que curiosamente não foi escrito por Lindholm e sim pela também competente Krysty Wilson-Cairns, de "1917" e "Last Night in Soho") é muito inteligente em fazer um recorte bastante especifico da vida de Charlie Cullen, criando assim um dinâmica que vai direto ao ponto, com situações mais sugeridas do que escancaradas. Ao priorizar o olhar (de certa forma ingênuo) de Amy, a história se preocupa muito mais em encaixar as peças do que em descobrir "quem é" ou "como" o assassino em série atuava.
Escolhido esse caminho, o que vemos na tela não impacta visualmente pela violência e muito menos nos provoca algum estado de tensão permanente, porém nos deixa, sim, desconfortáveis. A forma como Lindholm conta a história, com um certo distanciamento, é de se elogiar pela criatividade - eu diria que a experiência do diretor em outro projeto, "Mindhunter", só colaborou para que ele encontrasse o tom certo para essa narrativa, entregando para Chastain e Redmayne, dois ótimos e profundos personagens que só cresceram a partir da excelente química entre eles. E aqui cabe uma outra citação: embora menos presente, o trabalho de Noah Emmerich (como o detetive Tim Braun) também merece destaque.
"O Enfermeiro da Noite" não será daqueles inesquecíveis, mas saiba que ele acerta ao propor uma experiência mais angustiante, que procura fugir do lugar comum e da banalização visual da morte. O filme a todo momento brinca com a imaginação da audiência, pontuando os crimes de Graeber sempre pelo prisma da especulação e pela força do silêncio. Sem cair em clichês, onde o assassino deixa pequenos rastros de seu comportamento mesmo quando sua verdadeira identidade ainda é um mistério, aqui o mérito está mais para o realismo do que para o espetáculo - deixando que a verdade faça seu trabalho de nos tocar a alma, não pela brutalidade, mas sim pela crueldade.
Vale muito o seu play!
Você pode ter deixado passar esse filme - o que é um grande pecado, principalmente se você gostar de um drama profundo sobre espionagem, mas sem aquele elemento de ação tão presente com cenas de perseguições hollywoodianas e tal. Em "O Espião Inglês", a narrativa se apoia na força de personagens reais como aqueles raros indivíduos dispostos a, de alguma forma, salvar o mundo; mesmo que para isso seja necessário arriscar sua própria vida - e acreditem: isso trás uma camada visceral de angústia e tensão absurda.
Durante a Guerra Fria, diversos civis atuaram como espiões para impedir o avanço soviético no mundo. Greville Wynne (Benedict Cumberbatch), um engenheiro elétrico e empresário, foi um desses homens recrutados pelo Serviço de Inteligência Militar Britânico, o MI5. Através de informações cruciais obtidas por uma de suas fontes, o russo Oleg Penkovsky (Merab Ninidze), Wynne arrisca sua própria vida para colaborar na luta pelo fim da Crise dos Mísseis de Cuba, em 1962. Confira o trailer:
É inegável que o filme do diretor Dominic Cooke (de "Na Praia de Chesil") tenta trazer para a realidade uma história que por muito tempo fez parte do inconsciente coletivo inglês como uma das passagens mais curiosas das relações diplomáticas do país. De uma nação onde uma figura imbatível como o "007" é considerado praticamente um super-herói, foi um homem comum, pai de família e empresário singelo que, na mais tenra inocência, se tornou peça-chave entre a CIA e a União Soviética, em um relato que soa impossível ter sido contado em primeira pessoa.
Dito isso, fica fácil definir o caminho que Cooke escolheu para seu "O Espião Inglês": um filme denso que se apoia no talento de dois atores para tentar (e quase sempre conseguir) mostrar a importância das relações humanas mesmo quando o perigo vai muito além do aceitável. Tanto Cumberbatch quanto Ninidze, conseguem alcançar um nível de performance tão palpável que nos faz ter a exata impressão de estarmos assistindo um documentário sobre seus personagens - existe uma troca tão intensa entre os dois, cheio de nuances, receios, (des)confiança e cumplicidade, que fica impossível não sentir a tensão de estar vivendo em uma linha tão tênue entre a glória e a morte.
Embora o filme pareça ser divido em apenas dois atos (e não em três como de costume), "The Courier" (no original) é eficiente em construir uma linha do tempo coerente e fácil de entender, ao mesmo tempo em que nos provoca uma empatia imediata com os protagonistas - muito mérito disso se deve ao Tom O`Connor (de "Dupla Explosiva") que usou como base para o seu roteiro, os livros do próprio Wynne : “The Man From Moscow” (1967) e “The Man From Odessa” (1981), que validaram o filme como um drama histórico dos mais fiéis aos fatos e com uma riqueza de detalhes absurda.
Por tudo isso, eu te asseguro: "O Espião Inglês" vale muito a pena!
Você pode ter deixado passar esse filme - o que é um grande pecado, principalmente se você gostar de um drama profundo sobre espionagem, mas sem aquele elemento de ação tão presente com cenas de perseguições hollywoodianas e tal. Em "O Espião Inglês", a narrativa se apoia na força de personagens reais como aqueles raros indivíduos dispostos a, de alguma forma, salvar o mundo; mesmo que para isso seja necessário arriscar sua própria vida - e acreditem: isso trás uma camada visceral de angústia e tensão absurda.
Durante a Guerra Fria, diversos civis atuaram como espiões para impedir o avanço soviético no mundo. Greville Wynne (Benedict Cumberbatch), um engenheiro elétrico e empresário, foi um desses homens recrutados pelo Serviço de Inteligência Militar Britânico, o MI5. Através de informações cruciais obtidas por uma de suas fontes, o russo Oleg Penkovsky (Merab Ninidze), Wynne arrisca sua própria vida para colaborar na luta pelo fim da Crise dos Mísseis de Cuba, em 1962. Confira o trailer:
É inegável que o filme do diretor Dominic Cooke (de "Na Praia de Chesil") tenta trazer para a realidade uma história que por muito tempo fez parte do inconsciente coletivo inglês como uma das passagens mais curiosas das relações diplomáticas do país. De uma nação onde uma figura imbatível como o "007" é considerado praticamente um super-herói, foi um homem comum, pai de família e empresário singelo que, na mais tenra inocência, se tornou peça-chave entre a CIA e a União Soviética, em um relato que soa impossível ter sido contado em primeira pessoa.
Dito isso, fica fácil definir o caminho que Cooke escolheu para seu "O Espião Inglês": um filme denso que se apoia no talento de dois atores para tentar (e quase sempre conseguir) mostrar a importância das relações humanas mesmo quando o perigo vai muito além do aceitável. Tanto Cumberbatch quanto Ninidze, conseguem alcançar um nível de performance tão palpável que nos faz ter a exata impressão de estarmos assistindo um documentário sobre seus personagens - existe uma troca tão intensa entre os dois, cheio de nuances, receios, (des)confiança e cumplicidade, que fica impossível não sentir a tensão de estar vivendo em uma linha tão tênue entre a glória e a morte.
Embora o filme pareça ser divido em apenas dois atos (e não em três como de costume), "The Courier" (no original) é eficiente em construir uma linha do tempo coerente e fácil de entender, ao mesmo tempo em que nos provoca uma empatia imediata com os protagonistas - muito mérito disso se deve ao Tom O`Connor (de "Dupla Explosiva") que usou como base para o seu roteiro, os livros do próprio Wynne : “The Man From Moscow” (1967) e “The Man From Odessa” (1981), que validaram o filme como um drama histórico dos mais fiéis aos fatos e com uma riqueza de detalhes absurda.
Por tudo isso, eu te asseguro: "O Espião Inglês" vale muito a pena!
"O que é poder? Poder é ficar impune!" - Talvez a resposta do mega-empresário argentino Alfredo Yabrán tenha sido inocente ou uma armadilha para expor seu caráter, o fato é que essa frase define perfeitamente o que representa o documentário da Netflix, "O Fotógrafo e o Carteiro", que tem no seu subtítulo o tamanho da comoção que o assassinato do fotógrafo José Luiz Cabezas provocou no país. De fato foi "O Crime que Parou a Argentina"!
Em pouco mais de 90 minutos, acompanhamos a investigação sobre a morte de Cabezas. Sequestrado, torturado e assassinado, José foi morto um ano após ter feito a foto que tirou do anonimato Alfredo Yabrán, considerado um mafioso com forte influência no governo, acusado de utilizar suas empresas para o tráfico de drogas, de armas e lavagem de dinheiro. Por meio de material de arquivo e depoimentos, o documentário investiga o caso e reconstrói, passo a passo, o crime ocorrido em 1997. Confira o trailer (em espanhol):
Seguindo uma proposta narrativa que busca nas obras de "True Crime" dos EUA uma dinâmica narrativa mais envolvente, eu diria que "O Fotógrafo e o Carteiro: O crime que parou a Argentina" está mais para uma reportagem especial do Fantástico. Não falo isso com demérito algum, mas é claro que o trabalho do diretor argentino Alejandro Hartmann (o mesmo de "Quem Matou María Marta?") se apoia muito mais no jornalismo do que no entretenimento.
A forma como Hartmann constrói a linha do tempo, mesmo que não respeitando sua linearidade ao buscar no passado algumas explicações que poderiam ajudar no entendimento da audiência, é primorosa. Para nós brasileiros, pouco familiarizados com os bastidores da politica e da sociedade argentina, essa escolha do diretor cai como uma luva, pois facilmente entendemos o caso, reconhecemos seus personagens e suas motivações, mas, principalmente, nos envolvemos com a história - inclusive com muitas referências do caso PC Farias, além de aspectos narrativos que vi em "O Caso Celso Daniel" da Globoplay.
Era 27 de janeiro de 1997 quando encontraram o cadáver de Cabezas algemado e completamente carbonizado dentro de um carro em uma vala em um dos principais pontos turísticos do litoral portenho da época. A investigação que revelou esquemas de corrupção e atos de repressão à imprensa é o tema central do documentário, mas o que impressiona são os nomes envolvidos no caso que vão do ex-presidente Carlos Menem, passando pelo ex-ministro da economia do país, Domingo Cavallo, e do ex-governador de Buenos Aires, Eduardo Duhalde, até chegar no nome de Alfredo Yabrán.
Para quem gosta de conspirações politicas, investigações jornalísticas e, claro, de um bom "true crime" sem o sensacionalismo da narrativa, "O Fotógrafo e o Carteiro: O crime que parou a Argentina" é uma curiosa e até surpreendente pedida!
"O que é poder? Poder é ficar impune!" - Talvez a resposta do mega-empresário argentino Alfredo Yabrán tenha sido inocente ou uma armadilha para expor seu caráter, o fato é que essa frase define perfeitamente o que representa o documentário da Netflix, "O Fotógrafo e o Carteiro", que tem no seu subtítulo o tamanho da comoção que o assassinato do fotógrafo José Luiz Cabezas provocou no país. De fato foi "O Crime que Parou a Argentina"!
Em pouco mais de 90 minutos, acompanhamos a investigação sobre a morte de Cabezas. Sequestrado, torturado e assassinado, José foi morto um ano após ter feito a foto que tirou do anonimato Alfredo Yabrán, considerado um mafioso com forte influência no governo, acusado de utilizar suas empresas para o tráfico de drogas, de armas e lavagem de dinheiro. Por meio de material de arquivo e depoimentos, o documentário investiga o caso e reconstrói, passo a passo, o crime ocorrido em 1997. Confira o trailer (em espanhol):
Seguindo uma proposta narrativa que busca nas obras de "True Crime" dos EUA uma dinâmica narrativa mais envolvente, eu diria que "O Fotógrafo e o Carteiro: O crime que parou a Argentina" está mais para uma reportagem especial do Fantástico. Não falo isso com demérito algum, mas é claro que o trabalho do diretor argentino Alejandro Hartmann (o mesmo de "Quem Matou María Marta?") se apoia muito mais no jornalismo do que no entretenimento.
A forma como Hartmann constrói a linha do tempo, mesmo que não respeitando sua linearidade ao buscar no passado algumas explicações que poderiam ajudar no entendimento da audiência, é primorosa. Para nós brasileiros, pouco familiarizados com os bastidores da politica e da sociedade argentina, essa escolha do diretor cai como uma luva, pois facilmente entendemos o caso, reconhecemos seus personagens e suas motivações, mas, principalmente, nos envolvemos com a história - inclusive com muitas referências do caso PC Farias, além de aspectos narrativos que vi em "O Caso Celso Daniel" da Globoplay.
Era 27 de janeiro de 1997 quando encontraram o cadáver de Cabezas algemado e completamente carbonizado dentro de um carro em uma vala em um dos principais pontos turísticos do litoral portenho da época. A investigação que revelou esquemas de corrupção e atos de repressão à imprensa é o tema central do documentário, mas o que impressiona são os nomes envolvidos no caso que vão do ex-presidente Carlos Menem, passando pelo ex-ministro da economia do país, Domingo Cavallo, e do ex-governador de Buenos Aires, Eduardo Duhalde, até chegar no nome de Alfredo Yabrán.
Para quem gosta de conspirações politicas, investigações jornalísticas e, claro, de um bom "true crime" sem o sensacionalismo da narrativa, "O Fotógrafo e o Carteiro: O crime que parou a Argentina" é uma curiosa e até surpreendente pedida!
"O Golpista do Tinder" é excelente, mas chega embrulhar o estômago! Eu diria até que o documentário é surpreendente, pela sua história bizarra e pela qualidade narrativa impressa pela diretora estreante Felicity Morris (que já havia produzido "Don't F**k with Cats: Uma Caçada Online"). O fato é que essa produção original da Netflix é uma mistura muito equilibrada de sucessos como "Fyre Festival" e "A Bad Boy Billionaires" com "Dirty John – O Golpe do Amor".
O filme tem uma premissa básica, acompanhar a história real de Simon Leviev, um prolífico vigarista conhecido por ganhar a confiança e aplicar golpes financeiros em várias mulheres que o conheceram pelo Tinder, a partir dos relatos de suas próprias vítimas. Confira o trailer:
Talvez o grande mérito de "O Golpista do Tinder" tenha sido humanizar uma história que para muitos pode parecer absurda (ou um ato de ingenuidade) com tantas ferramentas e informações que temos hoje em dia para nos proteger. Veja, quando Marcelo Nascimento da Rocha se passou por Henrique Constantino, filho do fundador daGol, e deu entrevista para Amaury Jr. falando (olha a cara de pau) dos planos de expansão da empresa aérea no meio de um famoso camarote do carnaval de Salvador, os tempos eram outros - era quase impossível validar uma informação (ou uma identidade) tão rapidamente para evitar o constrangimento de dar voz para um picareta. Hoje não, bastam alguns cliques e temos praticamente todas as informações que precisamos antes de conhecer uma pessoa pessoalmente - e mesmo assim histórias como essa continuam a se repetir.
Isso só mostra como Simon Leviev era profissional (além de doente). Partindo do principio que não é fácil achar o "amor da vida online", Cecilie (que teve mais de mil "matches" pelo app) mal conseguia acreditar quando encontrou um playboy boa pinta e bilionário que, de cara, se interessou por ela. Seu depoimento é tão sincero quanto desafiador - já que é impossível, sentado no sofá e sem conhecer profundamente o contexto de vida da vítima, não julgar suas atitudes desde o primeiro momento. Muito bem montado pelo premiado Julian Hart (Fórmula 1: Dirigir para Viver) e com um roteiro redondinho de Morris, "O Golpista do Tinder" vai construindo uma linha temporal coerente e dinâmica, usando de vários elementos narrativos muito pessoais para ilustrar os depoimentos das vitimas como mensagens de WhatsApp, ligações telefônicas, fotos do Instagram, etc.
Do depoimento da vítimas até a descoberta do golpe e o envolvimento da imprense norueguesa,"O Golpista do Tinder" constrói um conto de fadas, montando um verdadeiro palácio com cartas de baralho que depois simplesmente desmoronam - o interessante é que esse processo levou tempo e o documentário é muito feliz em nos posicionar nessa jornada a partir do desespero das vitimas perante as descobertas e do cinismo com que o golpista fortalecia suas relações. Aliás, esse cinismo é tão provocador que nos sentimos insultados pelas vitimas, impactando diretamente na nossa experiência ao assistir as quase duas horas de filme.
Olha, o que eu posso dizer é que vale muito a pena o seu play, mas o sentimento quando subirem os créditos não será dos mais agradáveis. Você vai entender!
Ah, e antes de finalizar, olhe são essa história: Em dezembro de 2020, Simon fingiu ser um paramédico para furar a fila das vacinas e ser imunizado contra a Covid-19. Em uma entrevista à emissora israelense Channel 12, ele comentou: “Não sou alguém que costuma esperar em filas”!
Sem comentários!
"O Golpista do Tinder" é excelente, mas chega embrulhar o estômago! Eu diria até que o documentário é surpreendente, pela sua história bizarra e pela qualidade narrativa impressa pela diretora estreante Felicity Morris (que já havia produzido "Don't F**k with Cats: Uma Caçada Online"). O fato é que essa produção original da Netflix é uma mistura muito equilibrada de sucessos como "Fyre Festival" e "A Bad Boy Billionaires" com "Dirty John – O Golpe do Amor".
O filme tem uma premissa básica, acompanhar a história real de Simon Leviev, um prolífico vigarista conhecido por ganhar a confiança e aplicar golpes financeiros em várias mulheres que o conheceram pelo Tinder, a partir dos relatos de suas próprias vítimas. Confira o trailer:
Talvez o grande mérito de "O Golpista do Tinder" tenha sido humanizar uma história que para muitos pode parecer absurda (ou um ato de ingenuidade) com tantas ferramentas e informações que temos hoje em dia para nos proteger. Veja, quando Marcelo Nascimento da Rocha se passou por Henrique Constantino, filho do fundador daGol, e deu entrevista para Amaury Jr. falando (olha a cara de pau) dos planos de expansão da empresa aérea no meio de um famoso camarote do carnaval de Salvador, os tempos eram outros - era quase impossível validar uma informação (ou uma identidade) tão rapidamente para evitar o constrangimento de dar voz para um picareta. Hoje não, bastam alguns cliques e temos praticamente todas as informações que precisamos antes de conhecer uma pessoa pessoalmente - e mesmo assim histórias como essa continuam a se repetir.
Isso só mostra como Simon Leviev era profissional (além de doente). Partindo do principio que não é fácil achar o "amor da vida online", Cecilie (que teve mais de mil "matches" pelo app) mal conseguia acreditar quando encontrou um playboy boa pinta e bilionário que, de cara, se interessou por ela. Seu depoimento é tão sincero quanto desafiador - já que é impossível, sentado no sofá e sem conhecer profundamente o contexto de vida da vítima, não julgar suas atitudes desde o primeiro momento. Muito bem montado pelo premiado Julian Hart (Fórmula 1: Dirigir para Viver) e com um roteiro redondinho de Morris, "O Golpista do Tinder" vai construindo uma linha temporal coerente e dinâmica, usando de vários elementos narrativos muito pessoais para ilustrar os depoimentos das vitimas como mensagens de WhatsApp, ligações telefônicas, fotos do Instagram, etc.
Do depoimento da vítimas até a descoberta do golpe e o envolvimento da imprense norueguesa,"O Golpista do Tinder" constrói um conto de fadas, montando um verdadeiro palácio com cartas de baralho que depois simplesmente desmoronam - o interessante é que esse processo levou tempo e o documentário é muito feliz em nos posicionar nessa jornada a partir do desespero das vitimas perante as descobertas e do cinismo com que o golpista fortalecia suas relações. Aliás, esse cinismo é tão provocador que nos sentimos insultados pelas vitimas, impactando diretamente na nossa experiência ao assistir as quase duas horas de filme.
Olha, o que eu posso dizer é que vale muito a pena o seu play, mas o sentimento quando subirem os créditos não será dos mais agradáveis. Você vai entender!
Ah, e antes de finalizar, olhe são essa história: Em dezembro de 2020, Simon fingiu ser um paramédico para furar a fila das vacinas e ser imunizado contra a Covid-19. Em uma entrevista à emissora israelense Channel 12, ele comentou: “Não sou alguém que costuma esperar em filas”!
Sem comentários!
O adjetivo "idiota" foi redefinido em "O Homem mais odiado da Internet" - e não falo apenas do personagem, mas também de todos que viam nele um herói! Dito isso, prepara-se para uma jornada completamente indigesta, cruel e revoltante! Essa minissérie de 3 episódios da Netflix expõe, de fato, uma das figuras mais desprezíveis que você vai conhecer na sua vida - e ver ele se dar muito mal, será a força motivadora que vai te fazer suportar essa história absurda!
Hunter Moore ganhou fama por se considerar um profissional especializado em arruinar a vida dos outros graças a um site que ele criou chamado "IsAnyoneUp", focado em fotos de mulheres nuas sem o consentimento das vítimas e ainda indicando seus respectivos perfis nas redes sociais. O mais mórbido, porém, é que, com a popularidade do site, Hunter conquistou milhares de seguidores fiéis, em especial por fortalecer misoginia e todo tipo de discurso de ódio em seu fórum. Além da busca de uma mãe para que Hunter fosse punido por seus crimes, a minissérie expõe o ponto de vista de várias vítimas que tiveram sua intimidade exposta e por isso sua vida transformada completamente.
Dirigida pelo praticamente estreante Rob Miller, "O Homem mais odiado da Internet" surpreende pela qualidade técnica e artística que além de criar uma linha do tempo extremamente cuidadosa para que a audiência tenha a exata noção do que aconteceu com algumas das vitimas do "IsAnyoneUp", ainda denuncia um verdadeiro submundo de depravação virtual e desmascara o que há de mais nojento na internet.
Miller foi muito inteligente ao construir um perfil do Hunter Moore a partir de suas próprias atitudes e declarações - essa escolha é provocativa já que naturalmente exalta nossas emoções não pelo olhar da vitima, mas pela perspectiva de alguém que um dia poderia ter sido sua vitima. Já ao detalhar os bastidores da saga de Charlotte Laws, que foi até às últimas consequências para impedir que outras mulheres fossem expostas como sua filha, o diretor usa da empatia imediata como gatilho para criar nossa conexão com a jornada e nos manter grudados na tela - como disse acima, a cada nova aparição de Moore temos mais vontade de vê-lo se dar mal (para manter a educação) - aqui é preciso mencionar o excelente trabalho do montador Jules Cornell (indicado ao Emmy em 2019 por "Deixando Neverland").
O fato é que no decorrer das quase três horas de documentário, acompanhamos a ascensão de Moore, que alcançou veículos de imprensa do nível de "The Rolling Stones", "Village Voice" e "Vice", até sua queda que envolveu o coletivo hacker "Anonymous" e uma grandiosa investigação do FBI - tudo graças à Laws. Mais do que uma caçada ao criminoso, "O Homem mais odiado da Internet" é um retrato de uma sociedade doentia, basta pensar que o site de Moore tinha mais 100 milhões de acessos em 2012, e que mesmo com muito mérito, parece ter chegado alguns anos atrasado.
PS: a título de curiosidade, Charlotte Laws ajudou a implementar legislações sobre o tema em mais de 40 estados nos EUA.
Vale muito o seu play!
O adjetivo "idiota" foi redefinido em "O Homem mais odiado da Internet" - e não falo apenas do personagem, mas também de todos que viam nele um herói! Dito isso, prepara-se para uma jornada completamente indigesta, cruel e revoltante! Essa minissérie de 3 episódios da Netflix expõe, de fato, uma das figuras mais desprezíveis que você vai conhecer na sua vida - e ver ele se dar muito mal, será a força motivadora que vai te fazer suportar essa história absurda!
Hunter Moore ganhou fama por se considerar um profissional especializado em arruinar a vida dos outros graças a um site que ele criou chamado "IsAnyoneUp", focado em fotos de mulheres nuas sem o consentimento das vítimas e ainda indicando seus respectivos perfis nas redes sociais. O mais mórbido, porém, é que, com a popularidade do site, Hunter conquistou milhares de seguidores fiéis, em especial por fortalecer misoginia e todo tipo de discurso de ódio em seu fórum. Além da busca de uma mãe para que Hunter fosse punido por seus crimes, a minissérie expõe o ponto de vista de várias vítimas que tiveram sua intimidade exposta e por isso sua vida transformada completamente.
Dirigida pelo praticamente estreante Rob Miller, "O Homem mais odiado da Internet" surpreende pela qualidade técnica e artística que além de criar uma linha do tempo extremamente cuidadosa para que a audiência tenha a exata noção do que aconteceu com algumas das vitimas do "IsAnyoneUp", ainda denuncia um verdadeiro submundo de depravação virtual e desmascara o que há de mais nojento na internet.
Miller foi muito inteligente ao construir um perfil do Hunter Moore a partir de suas próprias atitudes e declarações - essa escolha é provocativa já que naturalmente exalta nossas emoções não pelo olhar da vitima, mas pela perspectiva de alguém que um dia poderia ter sido sua vitima. Já ao detalhar os bastidores da saga de Charlotte Laws, que foi até às últimas consequências para impedir que outras mulheres fossem expostas como sua filha, o diretor usa da empatia imediata como gatilho para criar nossa conexão com a jornada e nos manter grudados na tela - como disse acima, a cada nova aparição de Moore temos mais vontade de vê-lo se dar mal (para manter a educação) - aqui é preciso mencionar o excelente trabalho do montador Jules Cornell (indicado ao Emmy em 2019 por "Deixando Neverland").
O fato é que no decorrer das quase três horas de documentário, acompanhamos a ascensão de Moore, que alcançou veículos de imprensa do nível de "The Rolling Stones", "Village Voice" e "Vice", até sua queda que envolveu o coletivo hacker "Anonymous" e uma grandiosa investigação do FBI - tudo graças à Laws. Mais do que uma caçada ao criminoso, "O Homem mais odiado da Internet" é um retrato de uma sociedade doentia, basta pensar que o site de Moore tinha mais 100 milhões de acessos em 2012, e que mesmo com muito mérito, parece ter chegado alguns anos atrasado.
PS: a título de curiosidade, Charlotte Laws ajudou a implementar legislações sobre o tema em mais de 40 estados nos EUA.
Vale muito o seu play!
Angustiante, claustrofóbico e um excelente entretenimento para quem gosta de sentir essas sensações ao assistir um filme! Talvez essa seja a melhor forma de definir "O Homem nas Trevas", um típico thriller com fortes elementos de suspense psicológico, absolutamente arrepiante, comandado pelo talentoso Fede Alvarez (de "Calls"), um diretor capaz de nos manter grudados na tela desde o primeiro plano - é impressionante como ele constrói essa atmosfera de tensão permanente e brinca com nossos receios antes mesmo de chegar ao clímax do filme. Com um roteiro engenhoso e algumas reviravoltas surpreendentes, eu diria esse filme entrega uma experiência das mais interessantes!
A história gira em torno de um grupo de jovens ladrões que decidem invadir a casa de um homem cego para roubar uma fortuna. No entanto, eles logo descobrem que ele é muito mais perigoso e implacável do que imaginavam. O que começa como um simples roubo se transforma em uma luta desesperada pela sobrevivência enquanto tentam escapar das garras desse homem misterioso com sede de vingança. Confira o trailer:
O roteiro escrito pelo próprio Alvarez, ao lado de seu parceiro Rodo Sayagues, tem o mérito de conseguir manter a tensão e o suspense ao longo de toda jornada, sem se preocupar em pegar atalhos para nos prender à trama - claro que existem alguns clichês tão particulares do gênero, mas a forma como eles são inseridos dentro do contexto deixa tudo tão fluido que não nos sentimos obrigados a embarcar na proposta do diretor e sim somos levados até ela sem nos darmos conta. As reviravoltas são tão bem executadas que temos a exata sensação que aquele caos pela qual os personagens estão passando soa interminável - essa gramática cinematográfica do gênero é tão bem aplicado no filme que merece elogios.
Os personagens são complexos, especialmente o homem cego de Stephen Lang - a forma como sua expressão corporal canaliza suas marcas mais íntimas, cria uma camada emocional realmente impressionante. O jovem Dylan Minnette, mais uma vez não decepciona - seu personagem Alex é muito bem desenvolvido (mesmo que soe o contrário), permitindo que o público se envolva e, principalmente, se conecte emocionalmente com suas lutas e desafios. Ao criar essa atmosfera sombria e claustrofóbica de um interminável embate dentro de uma única locação, Alvarez ao lado de seu conterrâneo, o fotógrafo uruguaio, Pedro Luque (de "Atividade paranormal"), utilizam magistralmente enquadramentos mais fechados com o foco nem sempre perfeito para aumentar a sensação de perigo iminente, de medo e de desconforto de uma forma quase insuportável - reparem como eles nos privam da visão dos personagens durante os conflitos.
Apesar de todas as qualidades que pontuamos, "O Homem nas Trevas" pode ser um pouco previsível em certos momentos - algumas situações podem ser antecipadas por uma audiência mais atenta e isso, de fato, pode diminuir um pouco o impacto emocional para algumas pessoas. No entanto, é admirável como o filme compensa esse pequeno deslize com uma narrativa eficaz, que cativa ao mesmo tempo que entretém e, mesmo sem essa pretensão, acaba marcando seu espaço como um dos melhores thrillers dessa nova geração de diretores.
Vale muito o seu play!
Angustiante, claustrofóbico e um excelente entretenimento para quem gosta de sentir essas sensações ao assistir um filme! Talvez essa seja a melhor forma de definir "O Homem nas Trevas", um típico thriller com fortes elementos de suspense psicológico, absolutamente arrepiante, comandado pelo talentoso Fede Alvarez (de "Calls"), um diretor capaz de nos manter grudados na tela desde o primeiro plano - é impressionante como ele constrói essa atmosfera de tensão permanente e brinca com nossos receios antes mesmo de chegar ao clímax do filme. Com um roteiro engenhoso e algumas reviravoltas surpreendentes, eu diria esse filme entrega uma experiência das mais interessantes!
A história gira em torno de um grupo de jovens ladrões que decidem invadir a casa de um homem cego para roubar uma fortuna. No entanto, eles logo descobrem que ele é muito mais perigoso e implacável do que imaginavam. O que começa como um simples roubo se transforma em uma luta desesperada pela sobrevivência enquanto tentam escapar das garras desse homem misterioso com sede de vingança. Confira o trailer:
O roteiro escrito pelo próprio Alvarez, ao lado de seu parceiro Rodo Sayagues, tem o mérito de conseguir manter a tensão e o suspense ao longo de toda jornada, sem se preocupar em pegar atalhos para nos prender à trama - claro que existem alguns clichês tão particulares do gênero, mas a forma como eles são inseridos dentro do contexto deixa tudo tão fluido que não nos sentimos obrigados a embarcar na proposta do diretor e sim somos levados até ela sem nos darmos conta. As reviravoltas são tão bem executadas que temos a exata sensação que aquele caos pela qual os personagens estão passando soa interminável - essa gramática cinematográfica do gênero é tão bem aplicado no filme que merece elogios.
Os personagens são complexos, especialmente o homem cego de Stephen Lang - a forma como sua expressão corporal canaliza suas marcas mais íntimas, cria uma camada emocional realmente impressionante. O jovem Dylan Minnette, mais uma vez não decepciona - seu personagem Alex é muito bem desenvolvido (mesmo que soe o contrário), permitindo que o público se envolva e, principalmente, se conecte emocionalmente com suas lutas e desafios. Ao criar essa atmosfera sombria e claustrofóbica de um interminável embate dentro de uma única locação, Alvarez ao lado de seu conterrâneo, o fotógrafo uruguaio, Pedro Luque (de "Atividade paranormal"), utilizam magistralmente enquadramentos mais fechados com o foco nem sempre perfeito para aumentar a sensação de perigo iminente, de medo e de desconforto de uma forma quase insuportável - reparem como eles nos privam da visão dos personagens durante os conflitos.
Apesar de todas as qualidades que pontuamos, "O Homem nas Trevas" pode ser um pouco previsível em certos momentos - algumas situações podem ser antecipadas por uma audiência mais atenta e isso, de fato, pode diminuir um pouco o impacto emocional para algumas pessoas. No entanto, é admirável como o filme compensa esse pequeno deslize com uma narrativa eficaz, que cativa ao mesmo tempo que entretém e, mesmo sem essa pretensão, acaba marcando seu espaço como um dos melhores thrillers dessa nova geração de diretores.
Vale muito o seu play!
O maior "problema" de “O Homem nas Trevas 2” é ser uma sequência. Digo isso, pois as principais críticas que a produção vem recebendo estão relacionadas às comparações com o primeiro filme que é, diga-se de passagem, excelente! Comparações são inevitáveis e toda continuação de um grande sucesso carrega o peso de ter que manter o nível lá em cima. Analisado individualmente, “O Homem nas Trevas 2” é ótimo, mas ao avaliá-lo em conjunto com o primeiro, algumas falhas acabam ficando mais aparentes. E talvez nem sejam “falhas”, mas sim, propostas diferentes, então antes de seguir, vamos alinhar essas expectativas.
Dessa vez, o enredo mostra o paradeiro de Norman, após os eventos ocorridos no filme anterior. Ele está vivendo tranquilamente em um local isolado, e a novidade é que agora o ex-militar cego tem a companhia de uma jovem que foi adotada. Porém, sua paz é destruída quando criminosos invadem sua casa e sequestram a garota. Assim, Norman revive os seus instintos mais sombrios para tentar salvá-la. Confira o trailer:
Dirigido pelo estreante Rodo Sayagues (um dos produtores do excelente "Calls" da AppleTV+) “O Homem nas Trevas 2” possui um enredo mais absurdo, enquanto o primeiro tinha uma trama mais crível. Algumas situações são realmente irreais, mas isso só fica mais evidente quando, mais uma vez, comparamos as duas obras - basta lembrar que no comando de "Don't Breathe" (no original) tínhamos o talentoso, mas sempre realista, Fede Alvarez. Outro ponto que vem sendo muito criticado é a mudança no perfil do vilão cego. Ao tentar humanizá-lo e torná-lo um anti-herói, o enredo acaba se afastando do que havia dado muito certo no filme anterior, que era justamente não ter um lado certo na história para a gente torcer!
Veja, deixando as comparações de lado, o que posso afirmar é que “O Homem nas Trevas 2” se garante no quesito entretenimento. Não faltam cenas para agradar os fãs dos subgêneros slasher (subgênero de filmes de terror quase sempre envolvendo assassinos psicopatas que matam aleatoriamente) e gore (aqueles com cenas extremamente violentas, com muito sangue), assim como não faltam momentos eletrizantes para manter a nossa adrenalina alta. E para quem gosta de reviravoltas, o roteiro também apresenta algumas boas surpresas! Resumindo, o filme entrega muito, mas não tanto quanto o primeiro! E isso, a meu ver, não é um defeito!
Vale seu play. O entretenimento está garantido!
Escrito por Lucio Tannure - uma parceria @dicas_pra_maratonar
O maior "problema" de “O Homem nas Trevas 2” é ser uma sequência. Digo isso, pois as principais críticas que a produção vem recebendo estão relacionadas às comparações com o primeiro filme que é, diga-se de passagem, excelente! Comparações são inevitáveis e toda continuação de um grande sucesso carrega o peso de ter que manter o nível lá em cima. Analisado individualmente, “O Homem nas Trevas 2” é ótimo, mas ao avaliá-lo em conjunto com o primeiro, algumas falhas acabam ficando mais aparentes. E talvez nem sejam “falhas”, mas sim, propostas diferentes, então antes de seguir, vamos alinhar essas expectativas.
Dessa vez, o enredo mostra o paradeiro de Norman, após os eventos ocorridos no filme anterior. Ele está vivendo tranquilamente em um local isolado, e a novidade é que agora o ex-militar cego tem a companhia de uma jovem que foi adotada. Porém, sua paz é destruída quando criminosos invadem sua casa e sequestram a garota. Assim, Norman revive os seus instintos mais sombrios para tentar salvá-la. Confira o trailer:
Dirigido pelo estreante Rodo Sayagues (um dos produtores do excelente "Calls" da AppleTV+) “O Homem nas Trevas 2” possui um enredo mais absurdo, enquanto o primeiro tinha uma trama mais crível. Algumas situações são realmente irreais, mas isso só fica mais evidente quando, mais uma vez, comparamos as duas obras - basta lembrar que no comando de "Don't Breathe" (no original) tínhamos o talentoso, mas sempre realista, Fede Alvarez. Outro ponto que vem sendo muito criticado é a mudança no perfil do vilão cego. Ao tentar humanizá-lo e torná-lo um anti-herói, o enredo acaba se afastando do que havia dado muito certo no filme anterior, que era justamente não ter um lado certo na história para a gente torcer!
Veja, deixando as comparações de lado, o que posso afirmar é que “O Homem nas Trevas 2” se garante no quesito entretenimento. Não faltam cenas para agradar os fãs dos subgêneros slasher (subgênero de filmes de terror quase sempre envolvendo assassinos psicopatas que matam aleatoriamente) e gore (aqueles com cenas extremamente violentas, com muito sangue), assim como não faltam momentos eletrizantes para manter a nossa adrenalina alta. E para quem gosta de reviravoltas, o roteiro também apresenta algumas boas surpresas! Resumindo, o filme entrega muito, mas não tanto quanto o primeiro! E isso, a meu ver, não é um defeito!
Vale seu play. O entretenimento está garantido!
Escrito por Lucio Tannure - uma parceria @dicas_pra_maratonar
"O Inocente" é uma minissérie muito bacana, que se você se permitir um pouco de abstração da realidade, vai se divertir muito! Para os mais atentos, foi exatamente assim que eu comecei o review de "Um Contratempo", filme espanhol de 2016 e um dos maiores sucessos da história da Netflix. Não por acaso, o diretor de "Um Contratempo" é o mesmo Oriol Paulo de "O Inocente" e seu protagonista, Mario Casas, também. Ou seja, se você gostou de um, certamente vai gostar do outro!
Essa é mais uma adaptação de Harlan Corben para a Netflix. Depois de "Safe" e "Não Fale com Estranhos", "O Inocente" acompanha a história Mateo (Mario Casas), um jovem estudante de direito que, numa noitada, foi arrastado para uma briga e acabou empurrando um de seus agressores contra a calçada, causando sua morte. Após seu julgamento, ele é mandado para prisão para cumprir uma pena de quatro anos. Ao retomar a sua vida, ele monta um escritório de advocacia com seu irmão e acaba reencontrando Olivia Costa (Aura Garrido), uma linda jovem com quem passou a noite anos antes. Apaixonados, eles resolvem começar uma vida juntos até que Mat percebe que algumas histórias não resolvidas começam a vir à tona e, pior, Olivia, a pessoa em quem ele mais confia, parece esconder segredos obscuros que podem ter relação com o seu passado. Confira o trailer:
Mesmo com um roteiro com algumas soluções preguiçosas, "O Inocente" é entretenimento puro - e de qualidade, eu diria! Sem dúvida que a dinâmica narrativa tem um valor muito maior do que a originalidade da trama e esse é um grande trunfo de Oriol Paulo - ele realmente sabe criar uma atmosfera de tensão e mistério, mesmo não contando com um elenco excepcional, Paulo é inteligente ao resgatar muito do que funcionou em "Um Contratempo" para entregar uma minissérie que nos surpreende a cada episódio! Escrita pelo próprio diretor os episódios são bem construidos e o conceito narrativo de focar em como o passado de um personagem impacta na história que está sendo contada no presente, funciona perfeitamente. Reparem como a disparidade entre o 1º e 2º episódio é tão grande que, por um momento, chegamos a acreditar que estamos assistindo outra série.
Em cada episódio, vamos reconhecendo na trajetória dos personagens uma série de conexões com o arco principal da trama: a morte acidental que levou Matteo para prisão. Característico da literatura de Corben, a história vai abrindo muitas questões e inevitavelmente é preciso voltar a cada plot para recontar uma determinada passagem e assim deixar claro que tudo foi muito bem pensado. Isso não é ruim, mas traz um certo didatismo para o roteiro que vai incomodar os mais críticos. Por outro lado, é de se elogiar a forma como as pontas vão sendo amarradas - a sensação de que nada é por acaso, mesmo que inicialmente muita coisa soe ser, é reflexo de uma boa condução e de um trabalho minucioso do diretor.
É um fato que "O Inocente" possui um número exagerado de reviravoltas e isso vai dividir opiniões, mas que fique claro que não deve atrapalhar a experiência. A busca insaciável para surpreender a todo instante e assim manter o ritmo instigante do começo é falha em alguns momentos, mas em muitos outros, funciona bem.
Olha, não é uma minissérie inesquecível, mas vale demais pela pela diversão. Pode pegar a pipoca e apertar o play sem receio!
"O Inocente" é uma minissérie muito bacana, que se você se permitir um pouco de abstração da realidade, vai se divertir muito! Para os mais atentos, foi exatamente assim que eu comecei o review de "Um Contratempo", filme espanhol de 2016 e um dos maiores sucessos da história da Netflix. Não por acaso, o diretor de "Um Contratempo" é o mesmo Oriol Paulo de "O Inocente" e seu protagonista, Mario Casas, também. Ou seja, se você gostou de um, certamente vai gostar do outro!
Essa é mais uma adaptação de Harlan Corben para a Netflix. Depois de "Safe" e "Não Fale com Estranhos", "O Inocente" acompanha a história Mateo (Mario Casas), um jovem estudante de direito que, numa noitada, foi arrastado para uma briga e acabou empurrando um de seus agressores contra a calçada, causando sua morte. Após seu julgamento, ele é mandado para prisão para cumprir uma pena de quatro anos. Ao retomar a sua vida, ele monta um escritório de advocacia com seu irmão e acaba reencontrando Olivia Costa (Aura Garrido), uma linda jovem com quem passou a noite anos antes. Apaixonados, eles resolvem começar uma vida juntos até que Mat percebe que algumas histórias não resolvidas começam a vir à tona e, pior, Olivia, a pessoa em quem ele mais confia, parece esconder segredos obscuros que podem ter relação com o seu passado. Confira o trailer:
Mesmo com um roteiro com algumas soluções preguiçosas, "O Inocente" é entretenimento puro - e de qualidade, eu diria! Sem dúvida que a dinâmica narrativa tem um valor muito maior do que a originalidade da trama e esse é um grande trunfo de Oriol Paulo - ele realmente sabe criar uma atmosfera de tensão e mistério, mesmo não contando com um elenco excepcional, Paulo é inteligente ao resgatar muito do que funcionou em "Um Contratempo" para entregar uma minissérie que nos surpreende a cada episódio! Escrita pelo próprio diretor os episódios são bem construidos e o conceito narrativo de focar em como o passado de um personagem impacta na história que está sendo contada no presente, funciona perfeitamente. Reparem como a disparidade entre o 1º e 2º episódio é tão grande que, por um momento, chegamos a acreditar que estamos assistindo outra série.
Em cada episódio, vamos reconhecendo na trajetória dos personagens uma série de conexões com o arco principal da trama: a morte acidental que levou Matteo para prisão. Característico da literatura de Corben, a história vai abrindo muitas questões e inevitavelmente é preciso voltar a cada plot para recontar uma determinada passagem e assim deixar claro que tudo foi muito bem pensado. Isso não é ruim, mas traz um certo didatismo para o roteiro que vai incomodar os mais críticos. Por outro lado, é de se elogiar a forma como as pontas vão sendo amarradas - a sensação de que nada é por acaso, mesmo que inicialmente muita coisa soe ser, é reflexo de uma boa condução e de um trabalho minucioso do diretor.
É um fato que "O Inocente" possui um número exagerado de reviravoltas e isso vai dividir opiniões, mas que fique claro que não deve atrapalhar a experiência. A busca insaciável para surpreender a todo instante e assim manter o ritmo instigante do começo é falha em alguns momentos, mas em muitos outros, funciona bem.
Olha, não é uma minissérie inesquecível, mas vale demais pela pela diversão. Pode pegar a pipoca e apertar o play sem receio!
Assista esse filme - especialmente se você se identifica com tramas que transitam entre a força de um drama de tribunal e a sensibilidade de um drama de relações, nesse caso, familiar, com aquele toque de humor, ironia e acidez quase uma comédia britânica. Diante de uma trama que tenta (e evidentemente consegue) se levar a sério, o filme do diretor David Dobkin, que fez carreira entre os vídeos musicais de bandas como Maroon 5 e as comédias despretensiosas como "Penetras Bons de Bico", "O Juiz" apresenta um excelente resultado no que tange aos aspectos narrativos, mesmo que a obra em si não seja algo, digamos, tão inovador. Não é à toa que o filme recebeu diversas indicações em importantes premiações, incluindo uma nomeação ao Oscar de 2015 pela performance magistral de Robert Duvall como ator coadjuvante.
Na trama, um advogado de sucesso, Hank Palmer (Robert Downey Jr.), precisa retornar para a pacata cidadezinha onde nasceu assim que recebe a notícia da morte de sua mãe. Lá, no entanto, ele reencontra seu pai, Joseph Palmer (Duvall), o juiz da cidade e uma espécie de bastião moral perante a comunidade, depois de décadas de um difícil rompimento familiar. Tudo muda de figura quando Hank se vê em uma situação inusitada: seu pai é acusado de um assassinato e ele é a única opção para livrá-lo da prisão. Confira o trailer:
Só pelo trailer você já consegue sentir o moodque vai te acompanhar por mais de duas horas de uma emocionante jornada e acredite, você vai se surpreender ainda mais! Partindo de um princípio básico: "o reencontro forçado entre pai e filho que vai revelando segredos do passado e que desencadeiam uma narrativa intensa, onde a busca pela verdade colide com as emoções profundas de uma família dividida", "O Juiz" não só te prende como te provoca inúmeras reflexões, especialmente se alguma relação familiar anda estremecida.
O conceito narrativo de Dobkin que praticamente nos força olhar para o passado, está incrivelmente alinhada com a fotografia de Janusz Kaminski, vencedor do Oscar "só" por "A Lista de Schindler" e "O Resgate do Soldado Ryan" - ele captura a essência da cidade pequena de Carlinville de maneira sublime, transmitindo visualmente a tensão e a nostalgia que permeiam o retorno de Hank. A escolha assertiva de planos e enquadramentos contribui para a construção de uma atmosfera tão imersiva que intensifica nossa conexão emocional com os personagens e a história em si, como poucas vezes você vai encontrar no gênero. Sem exageros.
Já o desempenho do elenco é outro elemento que coloca "O Juiz" em um patamar superior - certamente construído para chegar ao Oscar. Robert Downey Jr. entrega uma atuação excepcional, transcendendo as expectativas ao retratar a complexidade e a vulnerabilidade de Hank Palmer. A química entre Downey Jr. com seu parceiro Robert Duvall é palpável, proporcionando momentos de pura intensidade emocional - chega ser um absurdo ele também não ter recebido sua indicação em 2015.
Se Dobkin conduz a história com tanta maestria, equilibrando habilmente os aspectos jurídicos com as complexidades familiares em uma jornada emocional cheia de camadas, posso garantir que é na narrativa intrincada, que oferece reflexões profundas sobre a natureza humana, que está o maior desafio - é impressionante como ela nos faz questionar nossas próprias convicções e preconceitos sem pedir licença. Dito isso, é quase impossível não recomendar "O Juiz" de olhos fechados por essa experiência que vai além das barreiras didáticas de uma disputa de tribunal e que mergulha no cerne da condição humana nos presenteando com um entretenimento de primeiríssima qualidade!
Imperdível!
Assista esse filme - especialmente se você se identifica com tramas que transitam entre a força de um drama de tribunal e a sensibilidade de um drama de relações, nesse caso, familiar, com aquele toque de humor, ironia e acidez quase uma comédia britânica. Diante de uma trama que tenta (e evidentemente consegue) se levar a sério, o filme do diretor David Dobkin, que fez carreira entre os vídeos musicais de bandas como Maroon 5 e as comédias despretensiosas como "Penetras Bons de Bico", "O Juiz" apresenta um excelente resultado no que tange aos aspectos narrativos, mesmo que a obra em si não seja algo, digamos, tão inovador. Não é à toa que o filme recebeu diversas indicações em importantes premiações, incluindo uma nomeação ao Oscar de 2015 pela performance magistral de Robert Duvall como ator coadjuvante.
Na trama, um advogado de sucesso, Hank Palmer (Robert Downey Jr.), precisa retornar para a pacata cidadezinha onde nasceu assim que recebe a notícia da morte de sua mãe. Lá, no entanto, ele reencontra seu pai, Joseph Palmer (Duvall), o juiz da cidade e uma espécie de bastião moral perante a comunidade, depois de décadas de um difícil rompimento familiar. Tudo muda de figura quando Hank se vê em uma situação inusitada: seu pai é acusado de um assassinato e ele é a única opção para livrá-lo da prisão. Confira o trailer:
Só pelo trailer você já consegue sentir o moodque vai te acompanhar por mais de duas horas de uma emocionante jornada e acredite, você vai se surpreender ainda mais! Partindo de um princípio básico: "o reencontro forçado entre pai e filho que vai revelando segredos do passado e que desencadeiam uma narrativa intensa, onde a busca pela verdade colide com as emoções profundas de uma família dividida", "O Juiz" não só te prende como te provoca inúmeras reflexões, especialmente se alguma relação familiar anda estremecida.
O conceito narrativo de Dobkin que praticamente nos força olhar para o passado, está incrivelmente alinhada com a fotografia de Janusz Kaminski, vencedor do Oscar "só" por "A Lista de Schindler" e "O Resgate do Soldado Ryan" - ele captura a essência da cidade pequena de Carlinville de maneira sublime, transmitindo visualmente a tensão e a nostalgia que permeiam o retorno de Hank. A escolha assertiva de planos e enquadramentos contribui para a construção de uma atmosfera tão imersiva que intensifica nossa conexão emocional com os personagens e a história em si, como poucas vezes você vai encontrar no gênero. Sem exageros.
Já o desempenho do elenco é outro elemento que coloca "O Juiz" em um patamar superior - certamente construído para chegar ao Oscar. Robert Downey Jr. entrega uma atuação excepcional, transcendendo as expectativas ao retratar a complexidade e a vulnerabilidade de Hank Palmer. A química entre Downey Jr. com seu parceiro Robert Duvall é palpável, proporcionando momentos de pura intensidade emocional - chega ser um absurdo ele também não ter recebido sua indicação em 2015.
Se Dobkin conduz a história com tanta maestria, equilibrando habilmente os aspectos jurídicos com as complexidades familiares em uma jornada emocional cheia de camadas, posso garantir que é na narrativa intrincada, que oferece reflexões profundas sobre a natureza humana, que está o maior desafio - é impressionante como ela nos faz questionar nossas próprias convicções e preconceitos sem pedir licença. Dito isso, é quase impossível não recomendar "O Juiz" de olhos fechados por essa experiência que vai além das barreiras didáticas de uma disputa de tribunal e que mergulha no cerne da condição humana nos presenteando com um entretenimento de primeiríssima qualidade!
Imperdível!
"O Labirinto" é mais um daqueles filmes "ame ou odeie", bem na linha do espanhol "O Poço". Essa produção italiana que tem Dustin Hoffman (falando em inglês) no elenco, é bem peculiar - tanto na forma quanto no seu conteúdo, ou seja, é possível amar a história, mas odiar a estética e vice-versa. O fato é que essa adaptação da obra homônima do aclamado escritor italiano Donato Carrisi (que também dirige o filme) é um suspense psicológico com elementos que remetem ao drama policial e que tenta, de várias maneiras, revitalizar o estilo noir trazendo para os dias de hoje, toda aquela experiência do exagero visual e da narrativa pontuada por uma trilha sonora igualmente marcante.
Na história, Samantha (Valentina Bellè) está no hospital, em estado de choque, quinze anos depois de ser raptada a caminho da escola. Ao lado dela, Dr. Green (Dustin Hoffman) busca resgatar suas memórias para tentar encontrar o criminoso que a manteve em cativeiro por tanto tempo. É nesse processo que Green descobre o labirinto - uma prisão subterrânea, aparentemente sem saída, onde a jovem era obrigada a resolver alguns enigmas em troca de recompensas por seus sucessos (ou sendo punida por seus fracassos). Paralelo a isso, Bruno Genko (Toni Servillo), um investigador particular de talento excepcional, também está ansioso para resolver o mistério já que não tem muito tempo de vida e ainda guarda uma relação de dívida com os pais de Samantha que o contrataram na época do sequestro. Confira o trailer:
Partindo do principio que dois protagonistas (um italiano e um americano) buscam encontrar o mesmo criminoso, mas usando de métodos e estilos distintos, a sensação de urgência e dúvida nos fisga logo de cara. A pergunta sobre qual deles conseguirá chegar até a verdade primeiro, nos guia por duas linhas narrativas distintas que, é preciso que se diga, deve ter funcionado muito melhor no livro do que no filme - e aqui cabe um comentário pertinente: muito dessa falta de conexão entre o propósito e os personagens é culpa do diretor que não teve (e não tem) a capacidade de construir uma jornada inesquecível a partir de uma história ótima, por simplesmente não dominar a gramática cinematográfica do suspense policial. Para mim a forma é falha, o conteúdo não - para você a inverso pode ser verdadeiro e tudo bem, será uma questão de gosto.
É de se ressaltar que essa é uma adaptação das mais difíceis, já que os elementos narrativos pedem uma atmosfera repleta de cenários abstratos para trazer uma forte sensação de terror psicológico com base em ambientes apavorantes - daqueles que nunca sabemos se é real ou produto da imaginação dos personagens. Essa mistura entre o pesadelo juvenil e o cabaréhardcore, mesmo em sua complexidade, funciona em vários momentos e entrega a sustentação para uma trama cheia de peças e informações espalhadas e que, a todo momento, nos convida a participar de uma investigação interessante - sempre esperando aqueles plots twistsmatadores.
Veja, como todo filme "ame ou odeie", se você se permitir mergulhar no exagero estético que comentamos, abstrair o senso de realidade e ainda se permitir embarcar na proposta do diretor, é muito provável que você vai se divertir (e muito) com "L'uomo del Labirinto" (no original). Agora, se você procura uma história mais palpável, com um realismo narrativo e estético mais conservador, esse filme definitivamente não vai te agradar.
Na linha de Harlan Coben (de "Não Fale com Estranhos") ou dos games de investigação como "Black Dahlia", vale a pena experimentar!
"O Labirinto" é mais um daqueles filmes "ame ou odeie", bem na linha do espanhol "O Poço". Essa produção italiana que tem Dustin Hoffman (falando em inglês) no elenco, é bem peculiar - tanto na forma quanto no seu conteúdo, ou seja, é possível amar a história, mas odiar a estética e vice-versa. O fato é que essa adaptação da obra homônima do aclamado escritor italiano Donato Carrisi (que também dirige o filme) é um suspense psicológico com elementos que remetem ao drama policial e que tenta, de várias maneiras, revitalizar o estilo noir trazendo para os dias de hoje, toda aquela experiência do exagero visual e da narrativa pontuada por uma trilha sonora igualmente marcante.
Na história, Samantha (Valentina Bellè) está no hospital, em estado de choque, quinze anos depois de ser raptada a caminho da escola. Ao lado dela, Dr. Green (Dustin Hoffman) busca resgatar suas memórias para tentar encontrar o criminoso que a manteve em cativeiro por tanto tempo. É nesse processo que Green descobre o labirinto - uma prisão subterrânea, aparentemente sem saída, onde a jovem era obrigada a resolver alguns enigmas em troca de recompensas por seus sucessos (ou sendo punida por seus fracassos). Paralelo a isso, Bruno Genko (Toni Servillo), um investigador particular de talento excepcional, também está ansioso para resolver o mistério já que não tem muito tempo de vida e ainda guarda uma relação de dívida com os pais de Samantha que o contrataram na época do sequestro. Confira o trailer:
Partindo do principio que dois protagonistas (um italiano e um americano) buscam encontrar o mesmo criminoso, mas usando de métodos e estilos distintos, a sensação de urgência e dúvida nos fisga logo de cara. A pergunta sobre qual deles conseguirá chegar até a verdade primeiro, nos guia por duas linhas narrativas distintas que, é preciso que se diga, deve ter funcionado muito melhor no livro do que no filme - e aqui cabe um comentário pertinente: muito dessa falta de conexão entre o propósito e os personagens é culpa do diretor que não teve (e não tem) a capacidade de construir uma jornada inesquecível a partir de uma história ótima, por simplesmente não dominar a gramática cinematográfica do suspense policial. Para mim a forma é falha, o conteúdo não - para você a inverso pode ser verdadeiro e tudo bem, será uma questão de gosto.
É de se ressaltar que essa é uma adaptação das mais difíceis, já que os elementos narrativos pedem uma atmosfera repleta de cenários abstratos para trazer uma forte sensação de terror psicológico com base em ambientes apavorantes - daqueles que nunca sabemos se é real ou produto da imaginação dos personagens. Essa mistura entre o pesadelo juvenil e o cabaréhardcore, mesmo em sua complexidade, funciona em vários momentos e entrega a sustentação para uma trama cheia de peças e informações espalhadas e que, a todo momento, nos convida a participar de uma investigação interessante - sempre esperando aqueles plots twistsmatadores.
Veja, como todo filme "ame ou odeie", se você se permitir mergulhar no exagero estético que comentamos, abstrair o senso de realidade e ainda se permitir embarcar na proposta do diretor, é muito provável que você vai se divertir (e muito) com "L'uomo del Labirinto" (no original). Agora, se você procura uma história mais palpável, com um realismo narrativo e estético mais conservador, esse filme definitivamente não vai te agradar.
Na linha de Harlan Coben (de "Não Fale com Estranhos") ou dos games de investigação como "Black Dahlia", vale a pena experimentar!
"O Labirinto de Mentiras" não é um filme fácil - em sua "forma" e muito menos em seu "conteúdo". Trazer os fantasmas do passado nazista pelos olhos de um povo que teve sua história (e essência) manchada durante o período da segunda guerra mundial, não é uma tarefa muito confortável. O diretor italiano Giulio Ricciarelli estreia em um longa-metragem "pisando em ovos" justamente por isso, embora consiga entregar um filme honesto em sua proposta e dolorido por sua veracidade - aliás, foi esse o filme que disputou uma vaga no Oscar 2014 pela Alemanha.
Em 1958, na Alemanha, o jovem procurador Johann Radmann (Alexander Fehling) investiga casos relacionados aos crimes nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, e descobre diversos fatos capazes de incriminar pessoas que passaram a levar uma vida comum, na impunidade. Mesmo sofrendo grande pressão para abandonar a investigação, Radmann se mantém determinado a revelar todas as atrocidades cometidas por seus compatriotas, principalmente em Auschwitz, na Polônia. Confira o trailer:
Bem na linha do elogiado "O Caso Collini", "O Labirinto de Mentiras" constrói uma trama bastante linear e coerente com os fatos reais, porém (é preciso que se diga) se perde com algumas distrações que acabam funcionando muito mais como um alivio narrativo do que como impulso para a história caminhar - é o caso da relação amorosa entre Radmann e Marlene Wondrak (Friederike Becht). Existem pontos que justificariam esse arco, porém é pouco aproveitado pelo roteiro; dando muito mais um tom hollywoodiano para a produção do que a camada dramática que a história merecia.
Deixo claro que esse deslize não prejudica nossa experiência, mas impacta no andamento do filme. A impressão é que o terceiro ato é muito mais acelerado do que os dois primeiros, por outro lado o encaixe de algumas peças tornam a história ainda mais envolvente - as insinuações são tão verdadeiras quanto a obsessão de Radmann por Josef Mengele, médico alemão conhecido como "Anjo da Morte" que fazia experiências em crianças nos campos de concentração. Por outro lado, alguns temas que são pincelados no roteiro como a relação da sociedade alemã perante o nazismo, parecem se perder conforme o protagonista vai mergulhando naquele labirinto de investigação e descobertas - muito provavelmente essa escolha conceitual tenha sido até proposital, mas é impossível deixar de lado a sensação de vazio e confusão que o filme nos provoca.
"O Labirinto de Mentiras" tem uma história muito interessante para quem gosta de discutir os reflexos do nazismo na Alemanha pós-guerra. Com alguns momentos bem dramáticos, o filme foge do entretenimento usual e mergulha em um assunto espinhoso (e importante) com uma linguagem que mistura o tradicional com o independente - nesse sentido eu achei a proposta do filme excelente. Ricciarelli conduz uma narrativa quase documental ao mesmo tempo em que usa e abusa de clichês como a trilha sonora marcante (linda por sinal - bem ao estilo "Lee Miserables") para pontuar a emoção.
Ao explorar os dramas psicológicos de uma geração que vivia uma realidade sem ao menos saber qual a posição de seus pais perante todas aquelas atrocidades, "O Labirinto de Mentiras" se coloca como uma boa surpresa no catálogo do streaming. Vale o seu play!
"O Labirinto de Mentiras" não é um filme fácil - em sua "forma" e muito menos em seu "conteúdo". Trazer os fantasmas do passado nazista pelos olhos de um povo que teve sua história (e essência) manchada durante o período da segunda guerra mundial, não é uma tarefa muito confortável. O diretor italiano Giulio Ricciarelli estreia em um longa-metragem "pisando em ovos" justamente por isso, embora consiga entregar um filme honesto em sua proposta e dolorido por sua veracidade - aliás, foi esse o filme que disputou uma vaga no Oscar 2014 pela Alemanha.
Em 1958, na Alemanha, o jovem procurador Johann Radmann (Alexander Fehling) investiga casos relacionados aos crimes nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, e descobre diversos fatos capazes de incriminar pessoas que passaram a levar uma vida comum, na impunidade. Mesmo sofrendo grande pressão para abandonar a investigação, Radmann se mantém determinado a revelar todas as atrocidades cometidas por seus compatriotas, principalmente em Auschwitz, na Polônia. Confira o trailer:
Bem na linha do elogiado "O Caso Collini", "O Labirinto de Mentiras" constrói uma trama bastante linear e coerente com os fatos reais, porém (é preciso que se diga) se perde com algumas distrações que acabam funcionando muito mais como um alivio narrativo do que como impulso para a história caminhar - é o caso da relação amorosa entre Radmann e Marlene Wondrak (Friederike Becht). Existem pontos que justificariam esse arco, porém é pouco aproveitado pelo roteiro; dando muito mais um tom hollywoodiano para a produção do que a camada dramática que a história merecia.
Deixo claro que esse deslize não prejudica nossa experiência, mas impacta no andamento do filme. A impressão é que o terceiro ato é muito mais acelerado do que os dois primeiros, por outro lado o encaixe de algumas peças tornam a história ainda mais envolvente - as insinuações são tão verdadeiras quanto a obsessão de Radmann por Josef Mengele, médico alemão conhecido como "Anjo da Morte" que fazia experiências em crianças nos campos de concentração. Por outro lado, alguns temas que são pincelados no roteiro como a relação da sociedade alemã perante o nazismo, parecem se perder conforme o protagonista vai mergulhando naquele labirinto de investigação e descobertas - muito provavelmente essa escolha conceitual tenha sido até proposital, mas é impossível deixar de lado a sensação de vazio e confusão que o filme nos provoca.
"O Labirinto de Mentiras" tem uma história muito interessante para quem gosta de discutir os reflexos do nazismo na Alemanha pós-guerra. Com alguns momentos bem dramáticos, o filme foge do entretenimento usual e mergulha em um assunto espinhoso (e importante) com uma linguagem que mistura o tradicional com o independente - nesse sentido eu achei a proposta do filme excelente. Ricciarelli conduz uma narrativa quase documental ao mesmo tempo em que usa e abusa de clichês como a trilha sonora marcante (linda por sinal - bem ao estilo "Lee Miserables") para pontuar a emoção.
Ao explorar os dramas psicológicos de uma geração que vivia uma realidade sem ao menos saber qual a posição de seus pais perante todas aquelas atrocidades, "O Labirinto de Mentiras" se coloca como uma boa surpresa no catálogo do streaming. Vale o seu play!
"O Limite" (ou "The Line" no original) é uma minissérie documental em quatro episódios, simplesmente surpreendente. Embora os primeiros episódios sugiram se tratar de um impactante e imersivo documentário sobre "guerra" ao melhor estilo "1917" (só que dos dias atuais), essa produção da Apple, na verdade, está muito mais para um excelente "True Crime" - com o diferencial de que seu personagem principal é um oficial da marinha americana que está sendo acusado de ter cometido "crimes de guerra" e que precisa provar sua inocência antes de ser condenado a prisão perpétua.
Nas guerras, há uma linha tênue entre o certo e o errado. "O Limite" analisa justamente essas ambiguidades morais dentro de uma das missões mais difíceis, porém bem sucedida, da recente intervenção americana no Iraque, a partir das acusações feitas contra o oficial Eddie Gallagher. Denunciado em 2018 por grande parte dos seus subordinados e companheiros de pelotão, Gallagher acabou sendo levado aos tribunais dos EUA em um julgamento que mexeu com a opinião publica e até com o então presidente dos EUA, Donald Trump. Confira o trailer (em inglês):
Dirigido pelos documentaristas Jeff Zimbalist e Doug Shultz, "O Limite" é mais uma aula de construção narrativa - daquelas que nos fazem ficar grudados na frente da TV até o último episódio sem a menor ideia do que realmente encontraremos pela frente.
Tanto na forma quanto no conteúdo, a minissérie chama atenção pela jornada de cada um dos personagens, quebrando a linha temporal entre o presente e o passando, nos colocando dentro de uma missão dos SEALs no Iraque "sem cortes" - como poucas vezes vi (e senti), tudo é muito impactante. Os diretores não economizaram nas imagens e muito menos nas histórias dos próprios soldados - nos entregando assim, uma trama complexa do ponto de vista moral, mas também cheia de camadas, onde os códigos de conduta de um esquadrão de elite são rapidamente colocados a prova, tamanho era a hostilidade da situação e o caráter de alguns soldados.
Veja, essa historia é contada por quem esteve lá, no campo de batalha e vivenciou os horrores da guerra - são depoimentos duros, fotografias impactantes e imagens das câmeras acopladas nos capacetes dos próprios soldados que chegam a embrulhar o estômago em vários momentos: é uma realidade de fato muito cruel. A edição também cria uma dinâmica bem interessante, que remete aos bons filmes de guerra na ficção, com os diretores construindo uma trama envolvente e ao mesmo tempo em que vão desconstruindo nossa percepção sobre o que realmente aconteceu. Quando o "Documentário de Guerra" dá lugar para o "True Crime", com bons elementos de um "Drama de Tribunal", temos a impressão que a história fica ainda melhor. Os desdobramentos são bem surpreendentes, com direito a ótimas reviravoltas e inacreditáveis desfechos - bem na linha de "Making a Murderer" ou até "The Jinx" (inclusive com um depoimento chocante já no apagar das luzes).
"O Limite" é sem dúvida uma das melhores minisséries documentais do ano. Um retrato de uma realidade cruel por um lado e hipócrita por outro. Uma enorme e polêmica discussão sobre moralidade, direitos humanos e até sobre comportamento geracional - tudo isso arquitetado por uma narrativa ágil em alguns momentos e reflexiva em outros. Um convite empolgante para a reflexão, mesmo que isso faça nossa opinião mudar a cada nova descoberta.
Vale muito a pena!
"O Limite" (ou "The Line" no original) é uma minissérie documental em quatro episódios, simplesmente surpreendente. Embora os primeiros episódios sugiram se tratar de um impactante e imersivo documentário sobre "guerra" ao melhor estilo "1917" (só que dos dias atuais), essa produção da Apple, na verdade, está muito mais para um excelente "True Crime" - com o diferencial de que seu personagem principal é um oficial da marinha americana que está sendo acusado de ter cometido "crimes de guerra" e que precisa provar sua inocência antes de ser condenado a prisão perpétua.
Nas guerras, há uma linha tênue entre o certo e o errado. "O Limite" analisa justamente essas ambiguidades morais dentro de uma das missões mais difíceis, porém bem sucedida, da recente intervenção americana no Iraque, a partir das acusações feitas contra o oficial Eddie Gallagher. Denunciado em 2018 por grande parte dos seus subordinados e companheiros de pelotão, Gallagher acabou sendo levado aos tribunais dos EUA em um julgamento que mexeu com a opinião publica e até com o então presidente dos EUA, Donald Trump. Confira o trailer (em inglês):
Dirigido pelos documentaristas Jeff Zimbalist e Doug Shultz, "O Limite" é mais uma aula de construção narrativa - daquelas que nos fazem ficar grudados na frente da TV até o último episódio sem a menor ideia do que realmente encontraremos pela frente.
Tanto na forma quanto no conteúdo, a minissérie chama atenção pela jornada de cada um dos personagens, quebrando a linha temporal entre o presente e o passando, nos colocando dentro de uma missão dos SEALs no Iraque "sem cortes" - como poucas vezes vi (e senti), tudo é muito impactante. Os diretores não economizaram nas imagens e muito menos nas histórias dos próprios soldados - nos entregando assim, uma trama complexa do ponto de vista moral, mas também cheia de camadas, onde os códigos de conduta de um esquadrão de elite são rapidamente colocados a prova, tamanho era a hostilidade da situação e o caráter de alguns soldados.
Veja, essa historia é contada por quem esteve lá, no campo de batalha e vivenciou os horrores da guerra - são depoimentos duros, fotografias impactantes e imagens das câmeras acopladas nos capacetes dos próprios soldados que chegam a embrulhar o estômago em vários momentos: é uma realidade de fato muito cruel. A edição também cria uma dinâmica bem interessante, que remete aos bons filmes de guerra na ficção, com os diretores construindo uma trama envolvente e ao mesmo tempo em que vão desconstruindo nossa percepção sobre o que realmente aconteceu. Quando o "Documentário de Guerra" dá lugar para o "True Crime", com bons elementos de um "Drama de Tribunal", temos a impressão que a história fica ainda melhor. Os desdobramentos são bem surpreendentes, com direito a ótimas reviravoltas e inacreditáveis desfechos - bem na linha de "Making a Murderer" ou até "The Jinx" (inclusive com um depoimento chocante já no apagar das luzes).
"O Limite" é sem dúvida uma das melhores minisséries documentais do ano. Um retrato de uma realidade cruel por um lado e hipócrita por outro. Uma enorme e polêmica discussão sobre moralidade, direitos humanos e até sobre comportamento geracional - tudo isso arquitetado por uma narrativa ágil em alguns momentos e reflexiva em outros. Um convite empolgante para a reflexão, mesmo que isso faça nossa opinião mudar a cada nova descoberta.
Vale muito a pena!
"O Mal que nos Habita" é um terror clássico com aquele toque independente do cinema argentino. Esse filme, aliás, foi considerado o melhor lançamento do gênero em 2023 e mesmo que possa soar um exagero para alguns, é inegável sua qualidade como narrativa e força como gramática visual. O fato é que "Quando acecha la maldade", no original, chega forte ao streaming depois de conquistar crítica e público por sua atmosfera claustrofóbica, por sua proposta mais original e por performances visceralmente convincentes - a repercussão lembrou muito a onda dos elogiados filmes espanhóis de terror e suspense como "Verônica", por exemplo. Agora fica o aviso: a sensação de estar assistindo algo verdadeiramente perturbador vai te acompanhar até subirem os créditos, ou seja, esteja preparado para uma jornada realmente desconfortante!
A trama se passa em uma pacata cidade do interior, onde dois irmãos encontram um corpo mutilado perto de sua propriedade. Ao iniciar uma investigação eles acabam descobrindo um homem infectado por algo misterioso que os mais religiosos dizem ser obra do diabo que está prestes a dar a luz a um demônio. Desesperados, os irmãos tentam avisar os habitantes e assim escapar do local antes que o ser maligno venha à terra, no entanto o tempo parece não estar a seu favor e o caos é instaurado por completo. Confira o trailer:
O interessante desse filme dirigido pelo Demián Rugna (de "Aterrorizados") é justamente sua abordagem crua e sem concessões que raramente encontramos no gênero terror ou do suspense. Muito mais que impactar, os gatilhos narrativos fazem com que a história não se limite em criar oportunidades para os sustos fáceis, mas sim em construir uma atmosfera densa e sufocante, explorando os medos mais primitivos do ser humano em uma jornada cheia de simbolismos. O bacana é que Rugna não esquece do seu propósito de entreter, sem complicar demais, nos confrontando, a cada cena, com sua visão sobre a brutalidade do ser humano sob a perspectiva mística de um Mal que assola aquela cidade - é sério, o que testemunhamos são atos verdadeiramente terríveis que testam a sanidade dos personagens com a mesma força que nos tiram do equilíbrio.
Rugna, que também assina o roteiro, tem uma enorme capacidade de explorar as profundezas da alma humana sem soar pretensioso demais. Repare como a cada decisão tomada pelos protagonistas, somos convidados a questionar nossos próprios limites morais e a refletir sobre a fragilidade da psique diante de situações limite onde o horror pauta ações desesperadas. Obviamente que a possessão demoníaca serve como metáfora para os males que residem dentro de cada um de nós, criando uma sensação de confronto iminente com nossos próprios demônios interiores. Criando um ritmo frenético e hipnotizante desde os primeiros minutos, "O Mal que nos Habita" prende a nossa atenção - a fotografia escura e claustrofóbica contribui para essa imersão em uma atmosfera opressiva, enquanto a trilha sonora mais minimalista estabelece a tensão e desespero ao melhor estilo Stephen King.
"O Mal que nos Habita" vai além do terror convencional, propondo uma reflexão mais profunda sobre a natureza do mal, a fragilidade da psique humana e as consequências de nossas ações. Sem querer ser didático demais, o roteiro nos faz pensar, sentir e questionar aquela realidade - que tem tudo para deixar uma marca profunda em quem o assiste. Agora, é preciso que se diga: a beleza do filme não está nas respostas fáceis - se ele não tem a complexidade de "Midsommar", ele também não é um entretenimento pipoca como "Maligno". Então se você é um apreciador do terror em sua forma mais clássica e perturbadora, sem deixar de ser autêntico, esse filme pode ser mesmo imperdível.
"O Mal que nos Habita" é um terror clássico com aquele toque independente do cinema argentino. Esse filme, aliás, foi considerado o melhor lançamento do gênero em 2023 e mesmo que possa soar um exagero para alguns, é inegável sua qualidade como narrativa e força como gramática visual. O fato é que "Quando acecha la maldade", no original, chega forte ao streaming depois de conquistar crítica e público por sua atmosfera claustrofóbica, por sua proposta mais original e por performances visceralmente convincentes - a repercussão lembrou muito a onda dos elogiados filmes espanhóis de terror e suspense como "Verônica", por exemplo. Agora fica o aviso: a sensação de estar assistindo algo verdadeiramente perturbador vai te acompanhar até subirem os créditos, ou seja, esteja preparado para uma jornada realmente desconfortante!
A trama se passa em uma pacata cidade do interior, onde dois irmãos encontram um corpo mutilado perto de sua propriedade. Ao iniciar uma investigação eles acabam descobrindo um homem infectado por algo misterioso que os mais religiosos dizem ser obra do diabo que está prestes a dar a luz a um demônio. Desesperados, os irmãos tentam avisar os habitantes e assim escapar do local antes que o ser maligno venha à terra, no entanto o tempo parece não estar a seu favor e o caos é instaurado por completo. Confira o trailer:
O interessante desse filme dirigido pelo Demián Rugna (de "Aterrorizados") é justamente sua abordagem crua e sem concessões que raramente encontramos no gênero terror ou do suspense. Muito mais que impactar, os gatilhos narrativos fazem com que a história não se limite em criar oportunidades para os sustos fáceis, mas sim em construir uma atmosfera densa e sufocante, explorando os medos mais primitivos do ser humano em uma jornada cheia de simbolismos. O bacana é que Rugna não esquece do seu propósito de entreter, sem complicar demais, nos confrontando, a cada cena, com sua visão sobre a brutalidade do ser humano sob a perspectiva mística de um Mal que assola aquela cidade - é sério, o que testemunhamos são atos verdadeiramente terríveis que testam a sanidade dos personagens com a mesma força que nos tiram do equilíbrio.
Rugna, que também assina o roteiro, tem uma enorme capacidade de explorar as profundezas da alma humana sem soar pretensioso demais. Repare como a cada decisão tomada pelos protagonistas, somos convidados a questionar nossos próprios limites morais e a refletir sobre a fragilidade da psique diante de situações limite onde o horror pauta ações desesperadas. Obviamente que a possessão demoníaca serve como metáfora para os males que residem dentro de cada um de nós, criando uma sensação de confronto iminente com nossos próprios demônios interiores. Criando um ritmo frenético e hipnotizante desde os primeiros minutos, "O Mal que nos Habita" prende a nossa atenção - a fotografia escura e claustrofóbica contribui para essa imersão em uma atmosfera opressiva, enquanto a trilha sonora mais minimalista estabelece a tensão e desespero ao melhor estilo Stephen King.
"O Mal que nos Habita" vai além do terror convencional, propondo uma reflexão mais profunda sobre a natureza do mal, a fragilidade da psique humana e as consequências de nossas ações. Sem querer ser didático demais, o roteiro nos faz pensar, sentir e questionar aquela realidade - que tem tudo para deixar uma marca profunda em quem o assiste. Agora, é preciso que se diga: a beleza do filme não está nas respostas fáceis - se ele não tem a complexidade de "Midsommar", ele também não é um entretenimento pipoca como "Maligno". Então se você é um apreciador do terror em sua forma mais clássica e perturbadora, sem deixar de ser autêntico, esse filme pode ser mesmo imperdível.
Na linha do excelente "O Relatório", eu te garanto: é impossível você não se sentir impactado pelo que você vai assistir em "O Mauritano"! De fato você está diante de uma história realmente poderosa e inspiradora que ganha outra proporção por ser baseada em fatos reais - embora em muitos momentos temos a nítida sensação de que gostaríamos que aquela jornada fosse apenas uma ficção. Vencedor do Globo de Ouro de 2021 na categoria "Melhor Atriz Coadjuvante" para Jodie Foster e com cinco indicações ao BAFTA Awards do mesmo ano, esse filme é uma experiência transformadora que te fará questionar suas próprias convicções sobre a justiça, sobre a verdade e, essencialmente, sobre a legalidade das investigações pós 11 de setembro feitas pelos EUA.
Aqui, acompanhamos a história de Mohamedou Ould Slahi (Tahar Rahim) que, capturado em 2001 na Mauritânia, é acusado de ter ligações diretas com os ataques terroristas de 11 de Setembro. O problema é que ele nunca foi formalmente indiciado ou julgado pelos seus supostos crimes. Durante anos ele foi torturado física e psicologicamente, mas nunca perdeu a esperança de ser libertado até que sua única chance de justiça vem da advogada Nancy Hollander (Jodie Foster), que se dedica incansavelmente para provar sua inocência. Confira ao trailer:
Dirigido pelo talentoso Kevin Macdonald (de "O Último Rei da Escócia"), o filme tece um retrato visceral e comovente da terrível experiência de Slahi na prisão de Guantánamo, em Cuba - experiência que inclusive, rendeu um livro chamado “O Diário de Guantánamo”, baseado nas cartas que ele mesmo escrevia para sua advogada. O roteiro do Michael Bronner (de "Vôo United 93") com colaboração do Rory Haines e do Sohrab Noshirvani (ambos de "Adão Negro") é muito inteligente em humanizar seu protagonista logo de cara - gerando uma imediata empatia com a audiência, mesmo com alguns planos que ainda coloque em dúvida sua inocência. Porém, com o tempo, vamos entendendo que "O Mauritano" não se trata de um filme investigativo ou de tribunal, mas sim um filme que serve como relato histórico do que Slahi vivenciou quando estava preso e quando precisava lidar com as tão famosas “táticas avançadas” - nome dado para tortura sancionada pelo governo Bush.
A fotografia austera do Alwin H. Küchle (de "Tetris") chega a ser cruel ao retratar com incrível realismo os resultados de espancamentos, privações de sono, afogamentos, humilhação sexual e até as torturas psicológicas que Slahi viveu - a ameaça de que sua mãe seria capturada e estuprada por soldados americanos é de cortar o coração sem a menor dó. E aqui dois pontos merecem destaque: primeiro o trabalho do elenco principal - Tahar Rahim entrega uma performance impecável, transmitindo a força interior e a resiliência de Slahi ao mesmo tempo que Jodie Foster brilha como uma obstinada advogada que luta contra um sistema implacável do seu próprio país. Embora com uma pequena participação, a performance de Benedict Cumberbatch também não passa despercebida. O segundo ponto, sem dúvida, está na qualidade do desenho de som (e da mixagem da trilha sonora) - repare como ele cria uma atmosfera melancólica de tensão e claustrofobia impressionante!
Em suma, "O Mauritano" é mais que um filme importante e necessário, é um lembrete urgente dos perigos do extremismo ideológico e da fragilidade dos direitos humanos. O terceiro ato não só confirma todas essas falhas, como expõe o que há de mais terrível na relação humana com o poder. Mesmo que artisticamente o filme esteja longe de ser diferenciado, sem dúvida que sua veracidade reforça o papel do cinema em criar filmes com o poder de chocar enquanto documenta a história para ser eternizada. Essa história merecia e precisava ser conhecida e eternizada - é mínimo que a humanidade poderia devolver para Mahammedou Slahi.
Vale seu play e não deixem de ver os créditos quando os verdadeiros personagens se encontram.
Na linha do excelente "O Relatório", eu te garanto: é impossível você não se sentir impactado pelo que você vai assistir em "O Mauritano"! De fato você está diante de uma história realmente poderosa e inspiradora que ganha outra proporção por ser baseada em fatos reais - embora em muitos momentos temos a nítida sensação de que gostaríamos que aquela jornada fosse apenas uma ficção. Vencedor do Globo de Ouro de 2021 na categoria "Melhor Atriz Coadjuvante" para Jodie Foster e com cinco indicações ao BAFTA Awards do mesmo ano, esse filme é uma experiência transformadora que te fará questionar suas próprias convicções sobre a justiça, sobre a verdade e, essencialmente, sobre a legalidade das investigações pós 11 de setembro feitas pelos EUA.
Aqui, acompanhamos a história de Mohamedou Ould Slahi (Tahar Rahim) que, capturado em 2001 na Mauritânia, é acusado de ter ligações diretas com os ataques terroristas de 11 de Setembro. O problema é que ele nunca foi formalmente indiciado ou julgado pelos seus supostos crimes. Durante anos ele foi torturado física e psicologicamente, mas nunca perdeu a esperança de ser libertado até que sua única chance de justiça vem da advogada Nancy Hollander (Jodie Foster), que se dedica incansavelmente para provar sua inocência. Confira ao trailer:
Dirigido pelo talentoso Kevin Macdonald (de "O Último Rei da Escócia"), o filme tece um retrato visceral e comovente da terrível experiência de Slahi na prisão de Guantánamo, em Cuba - experiência que inclusive, rendeu um livro chamado “O Diário de Guantánamo”, baseado nas cartas que ele mesmo escrevia para sua advogada. O roteiro do Michael Bronner (de "Vôo United 93") com colaboração do Rory Haines e do Sohrab Noshirvani (ambos de "Adão Negro") é muito inteligente em humanizar seu protagonista logo de cara - gerando uma imediata empatia com a audiência, mesmo com alguns planos que ainda coloque em dúvida sua inocência. Porém, com o tempo, vamos entendendo que "O Mauritano" não se trata de um filme investigativo ou de tribunal, mas sim um filme que serve como relato histórico do que Slahi vivenciou quando estava preso e quando precisava lidar com as tão famosas “táticas avançadas” - nome dado para tortura sancionada pelo governo Bush.
A fotografia austera do Alwin H. Küchle (de "Tetris") chega a ser cruel ao retratar com incrível realismo os resultados de espancamentos, privações de sono, afogamentos, humilhação sexual e até as torturas psicológicas que Slahi viveu - a ameaça de que sua mãe seria capturada e estuprada por soldados americanos é de cortar o coração sem a menor dó. E aqui dois pontos merecem destaque: primeiro o trabalho do elenco principal - Tahar Rahim entrega uma performance impecável, transmitindo a força interior e a resiliência de Slahi ao mesmo tempo que Jodie Foster brilha como uma obstinada advogada que luta contra um sistema implacável do seu próprio país. Embora com uma pequena participação, a performance de Benedict Cumberbatch também não passa despercebida. O segundo ponto, sem dúvida, está na qualidade do desenho de som (e da mixagem da trilha sonora) - repare como ele cria uma atmosfera melancólica de tensão e claustrofobia impressionante!
Em suma, "O Mauritano" é mais que um filme importante e necessário, é um lembrete urgente dos perigos do extremismo ideológico e da fragilidade dos direitos humanos. O terceiro ato não só confirma todas essas falhas, como expõe o que há de mais terrível na relação humana com o poder. Mesmo que artisticamente o filme esteja longe de ser diferenciado, sem dúvida que sua veracidade reforça o papel do cinema em criar filmes com o poder de chocar enquanto documenta a história para ser eternizada. Essa história merecia e precisava ser conhecida e eternizada - é mínimo que a humanidade poderia devolver para Mahammedou Slahi.
Vale seu play e não deixem de ver os créditos quando os verdadeiros personagens se encontram.
Sabe aqueles filmes de suspense psicológico bem anos 90 que faziam nossa cabeça explodir, mas muito mais pelo entretenimento que eles ofereciam do que por se tratar de uma obra perfeita com um roteiro impecável? Pois bem, "O Melhor Lance" é justamente isso - embora aqui seja chancelado pelo excelente trabalho do diretor italiano Giuseppe Tornatore, responsável por verdadeiras pérolas como "Cinema Paradiso" e "Malena". O filme é eficaz em sua proposta de fomentar o mistério e ao desvendar-lo, criar ramificações interessantes que exploram o drama, o erotismo (muito mais platônico do que visual) e algum romance que se misturam em uma trama envolvente e fácil de assistir - lembrando muito o estilo de "A Grande Mentira" de 2019, em seus méritos e falhas.
"La Migliore Offerta" (no original) segue a história de Virgil Oldman (Geoffrey Rush), um excêntrico especialista em arte que é contratado para avaliar a coleção de uma misteriosa herdeira, Claire Ibbetson (Sylvia Hoeks). À medida que Virgil mergulha no mundo fascinante das obras de arte, ele se vê cada vez mais intrigado e envolvido com a figura enigmática de Claire que nunca aparece - dada sua condição médica, já que aparentemente ela sofre de agorafobia. O que começa como uma relação profissional entre eles, logo se transforma em uma jornada emocional e existencial que leva Virgil a confrontar seus próprios demônios interiores. Confira o trailer:
De fato "O Melhor Lance" instiga desde o primeiro olhar e nos faz parecer se tratar de um filme excepcional. No entanto o roteiro acaba não sustentando sua proposta inicial, entregando um primeiro e um terceiro ato excelentes, mas um segundo ato pouco inspirado. A maneira habilidosa como Tornatore constrói sua narrativa ameniza essa deficiência, ajudando a diminuir o impacto dessa instabilidade na nossa experiência, especialmente com um visual deslumbrante que se confunde com próprio pano de fundo da trama - os bastidores dos leilões e avaliações de obras de arte. Existe uma elegância estética que funciona muito bem nessa atmosfera mais poética de mistério criada pelo diretor - essencialmente na fotografia, rica em detalhes e com composições impecáveis de segundo plano.
Com uma trama até certo ponto complexa na sua essência, mas fluida e até previsível na sua forma, o filme acaba se beneficiando da performance emocionalmente rica de Geoffrey Rush - ele é um verdadeiro tour de force, proporcionando uma profundidade e nuances ao personagem que são ao mesmo tempo cativantes e comoventes. O fotógrafo Fabio Zamarion (de "A Desconhecida") sabe muito bem disso e não por acaso potencializa o deslumbrante trabalho de Rush, capturando cada detalhe de um Virgil cheio de camadas ao mesmo tempo em que personifica nele (e no seu fiel amigo, Billy Whistler) a beleza e as intrigas do mundo da arte. Além disso, é impossível não citar a trilha sonora do gênio Ennio Morricone - ela eleva ainda mais essa experiência, nos envolvendo em um mood de completo mistério e simbolismo.
Saiba que "O Melhor Lance" é um filme sobre os dilemas do ser humano bem emoldurado pela beleza da arte - é uma reflexão sobre a natureza da solidão, os perigos do desejo e da busca pela redenção. Mas saiba também que, na verdade, diferente de "Retrato de uma Jovem em Chamas", o que nos move mesmo é o mistério de sua trama, de sua narrativa envolvente, com performances interessantes e uma direção magistral de Tornatore. Aqui temos um filme que desafia nossas percepções com o único e claro objetivo de nos entreter o tempo todo. É um filme inesquecível? Longe disso, mas certamente vai te proporcionar duas horas de muitas teorias e algumas emoções.
Vale o seu play!
Sabe aqueles filmes de suspense psicológico bem anos 90 que faziam nossa cabeça explodir, mas muito mais pelo entretenimento que eles ofereciam do que por se tratar de uma obra perfeita com um roteiro impecável? Pois bem, "O Melhor Lance" é justamente isso - embora aqui seja chancelado pelo excelente trabalho do diretor italiano Giuseppe Tornatore, responsável por verdadeiras pérolas como "Cinema Paradiso" e "Malena". O filme é eficaz em sua proposta de fomentar o mistério e ao desvendar-lo, criar ramificações interessantes que exploram o drama, o erotismo (muito mais platônico do que visual) e algum romance que se misturam em uma trama envolvente e fácil de assistir - lembrando muito o estilo de "A Grande Mentira" de 2019, em seus méritos e falhas.
"La Migliore Offerta" (no original) segue a história de Virgil Oldman (Geoffrey Rush), um excêntrico especialista em arte que é contratado para avaliar a coleção de uma misteriosa herdeira, Claire Ibbetson (Sylvia Hoeks). À medida que Virgil mergulha no mundo fascinante das obras de arte, ele se vê cada vez mais intrigado e envolvido com a figura enigmática de Claire que nunca aparece - dada sua condição médica, já que aparentemente ela sofre de agorafobia. O que começa como uma relação profissional entre eles, logo se transforma em uma jornada emocional e existencial que leva Virgil a confrontar seus próprios demônios interiores. Confira o trailer:
De fato "O Melhor Lance" instiga desde o primeiro olhar e nos faz parecer se tratar de um filme excepcional. No entanto o roteiro acaba não sustentando sua proposta inicial, entregando um primeiro e um terceiro ato excelentes, mas um segundo ato pouco inspirado. A maneira habilidosa como Tornatore constrói sua narrativa ameniza essa deficiência, ajudando a diminuir o impacto dessa instabilidade na nossa experiência, especialmente com um visual deslumbrante que se confunde com próprio pano de fundo da trama - os bastidores dos leilões e avaliações de obras de arte. Existe uma elegância estética que funciona muito bem nessa atmosfera mais poética de mistério criada pelo diretor - essencialmente na fotografia, rica em detalhes e com composições impecáveis de segundo plano.
Com uma trama até certo ponto complexa na sua essência, mas fluida e até previsível na sua forma, o filme acaba se beneficiando da performance emocionalmente rica de Geoffrey Rush - ele é um verdadeiro tour de force, proporcionando uma profundidade e nuances ao personagem que são ao mesmo tempo cativantes e comoventes. O fotógrafo Fabio Zamarion (de "A Desconhecida") sabe muito bem disso e não por acaso potencializa o deslumbrante trabalho de Rush, capturando cada detalhe de um Virgil cheio de camadas ao mesmo tempo em que personifica nele (e no seu fiel amigo, Billy Whistler) a beleza e as intrigas do mundo da arte. Além disso, é impossível não citar a trilha sonora do gênio Ennio Morricone - ela eleva ainda mais essa experiência, nos envolvendo em um mood de completo mistério e simbolismo.
Saiba que "O Melhor Lance" é um filme sobre os dilemas do ser humano bem emoldurado pela beleza da arte - é uma reflexão sobre a natureza da solidão, os perigos do desejo e da busca pela redenção. Mas saiba também que, na verdade, diferente de "Retrato de uma Jovem em Chamas", o que nos move mesmo é o mistério de sua trama, de sua narrativa envolvente, com performances interessantes e uma direção magistral de Tornatore. Aqui temos um filme que desafia nossas percepções com o único e claro objetivo de nos entreter o tempo todo. É um filme inesquecível? Longe disso, mas certamente vai te proporcionar duas horas de muitas teorias e algumas emoções.
Vale o seu play!
As vezes eu tenho a nítida impressão que até a Netflix se perde dentro do seu sistema de produção e divulgação de conteúdo, deixando títulos excelentes de lado para priorizar aquilo que é, digamos, bem mais duvidoso. Feita essa observação inicial, é impossível não citar a qualidade narrativa e visual de "O Milagre", adaptação do livro homônimo de Emma Donoghue, brilhantemente dirigido pelo chileno Sebastián Lelio (de "Uma Mulher Fantástica"). Embora cadenciado e sem a menor pressa de conectar as pontas soltas, o filme é um drama denso, envolvente e, principalmente, provocador quando usa da metalinguagem para questionar as histórias e crenças enquanto expõe a miopia parental de lidar com fatos extremos através do fundamentalismo - é de embrulhar o estômago.
Na Irlanda de 1862, uma jovem de 11 anos para de comer por 4 meses, mas permanece milagrosamente viva e razoavelmente bem de saúde, chamando a atenção de toda comunidade e de jornalistas mundo afora. A enfermeira inglesa Lib Wright (Florence Pugh) é então chamada para observar Anna O'Donnell (Kíla Lord Cassidy) e assim tentar entender o que está acontecendo e provar a veracidade dos fatos. Nesse drama psicológico, o grande mistério gira em torno de uma aldeia extremamente religiosa que acredita estar abrigando uma santa - ou mistérios mais sinistros do que parecem. Confira o trailer:
Adaptado pelo próprio Lelio ao lado Alice Birch (do ótimo "Normal People"), o roteiro de "O Milagre" é extremamente feliz ao equilibrar alguns elementos narrativos que pontuam assuntos espinhosos como "fé" e "ceticismo", transportando temas tão atuais para um universo quase figurado do século XIX em um período marcado pela "Grande Fome". Aliás, essa ligação entre a forma e o conteúdo com que observamos determinados temas ao longo do tempo, cria um verdadeiro embate emocional na história do filme, permitindo ao diretor se aproveitar de uma proposta curiosa (que se inicia no prólogo) para nos convidar a embarcar em uma jornada aparentemente real, mas com claros ares de ficção, como se procurasse nos detalhes, o nosso julgamento ideológico que se encerra em um epílogo muito criativo onde uma pergunta parece martelar nossa cabeça: estamos "dentro" (in) ou "fora" (out) daquilo tudo?
O filme é uma pintura, o que naturalmente contrasta com o peso da narrativa e das introspectivas performances de Pugh e Cassidy. A diretora de fotografia Ari Wegner (indicada ao Oscar por "Ataque dos Cães"), se aproveita das belas locações, bem como do desenho de produção digno de prêmios, para construir planos lindos e sensivelmente profundos - sem exagero, lembra muito o elogiado trabalho de Claire Mathon em "Retrato de uma Jovem em Chamas" de 2019. Esse esmero visual funciona tão bem para narrativa que Lelio chega a dar um leve toque de Robert Eggers (de "A Bruxa") para a trama, criando uma a sensação permanente de desconforto apoiado em um quase insuportável grunhido de cordas e de sons da natureza do compositor Matthew Herbert.
Inexplicavelmente esquecido no Oscar 2023, "O Milagre" foi indicado na categoria "Melhor Filme" no BAFTA - chancelando a qualidade técnica e artística da produção da Netflix que, sem a menor sombra de dúvidas, consegue entregar um drama da melhor qualidade e poderoso para aqueles dispostos a refletir sobre temas que vão além do que é mostrado nas telas, mas que de alguma maneira fazem parte de nossa percepção de como enxergamos o mundo - mesmo que em outra realidade.
Vale muito o seu play!
As vezes eu tenho a nítida impressão que até a Netflix se perde dentro do seu sistema de produção e divulgação de conteúdo, deixando títulos excelentes de lado para priorizar aquilo que é, digamos, bem mais duvidoso. Feita essa observação inicial, é impossível não citar a qualidade narrativa e visual de "O Milagre", adaptação do livro homônimo de Emma Donoghue, brilhantemente dirigido pelo chileno Sebastián Lelio (de "Uma Mulher Fantástica"). Embora cadenciado e sem a menor pressa de conectar as pontas soltas, o filme é um drama denso, envolvente e, principalmente, provocador quando usa da metalinguagem para questionar as histórias e crenças enquanto expõe a miopia parental de lidar com fatos extremos através do fundamentalismo - é de embrulhar o estômago.
Na Irlanda de 1862, uma jovem de 11 anos para de comer por 4 meses, mas permanece milagrosamente viva e razoavelmente bem de saúde, chamando a atenção de toda comunidade e de jornalistas mundo afora. A enfermeira inglesa Lib Wright (Florence Pugh) é então chamada para observar Anna O'Donnell (Kíla Lord Cassidy) e assim tentar entender o que está acontecendo e provar a veracidade dos fatos. Nesse drama psicológico, o grande mistério gira em torno de uma aldeia extremamente religiosa que acredita estar abrigando uma santa - ou mistérios mais sinistros do que parecem. Confira o trailer:
Adaptado pelo próprio Lelio ao lado Alice Birch (do ótimo "Normal People"), o roteiro de "O Milagre" é extremamente feliz ao equilibrar alguns elementos narrativos que pontuam assuntos espinhosos como "fé" e "ceticismo", transportando temas tão atuais para um universo quase figurado do século XIX em um período marcado pela "Grande Fome". Aliás, essa ligação entre a forma e o conteúdo com que observamos determinados temas ao longo do tempo, cria um verdadeiro embate emocional na história do filme, permitindo ao diretor se aproveitar de uma proposta curiosa (que se inicia no prólogo) para nos convidar a embarcar em uma jornada aparentemente real, mas com claros ares de ficção, como se procurasse nos detalhes, o nosso julgamento ideológico que se encerra em um epílogo muito criativo onde uma pergunta parece martelar nossa cabeça: estamos "dentro" (in) ou "fora" (out) daquilo tudo?
O filme é uma pintura, o que naturalmente contrasta com o peso da narrativa e das introspectivas performances de Pugh e Cassidy. A diretora de fotografia Ari Wegner (indicada ao Oscar por "Ataque dos Cães"), se aproveita das belas locações, bem como do desenho de produção digno de prêmios, para construir planos lindos e sensivelmente profundos - sem exagero, lembra muito o elogiado trabalho de Claire Mathon em "Retrato de uma Jovem em Chamas" de 2019. Esse esmero visual funciona tão bem para narrativa que Lelio chega a dar um leve toque de Robert Eggers (de "A Bruxa") para a trama, criando uma a sensação permanente de desconforto apoiado em um quase insuportável grunhido de cordas e de sons da natureza do compositor Matthew Herbert.
Inexplicavelmente esquecido no Oscar 2023, "O Milagre" foi indicado na categoria "Melhor Filme" no BAFTA - chancelando a qualidade técnica e artística da produção da Netflix que, sem a menor sombra de dúvidas, consegue entregar um drama da melhor qualidade e poderoso para aqueles dispostos a refletir sobre temas que vão além do que é mostrado nas telas, mas que de alguma maneira fazem parte de nossa percepção de como enxergamos o mundo - mesmo que em outra realidade.
Vale muito o seu play!
"O Mistério de Maya" está muito longe de ser uma jornada das mais tranquilas, pois envolve alguns elementos que realmente nos impactam emocionalmente e adianto: impactam de uma forma devastadora (principalmente se você já tem filhos). Essa produção da Netflix é dirigida pelo estreante Henry Roosevelt e em um primeiro olhar pode até soar como mais um daqueles "true crime" que estamos acostumados, mas com o andar da narrativa fica muito claro que não é o caso - eu diria que a obra está mais para um "documentário denúncia' como vimos em boa parte de "Prescrição Fatal", por exemplo.
O documentário conta a história de Maya Kowalski, uma garota de 10 anos diagnosticada com uma rara doença e que acabou sendo tratada de forma alternativa, fora dos EUA, até melhorar. Acontece que um tempo depois ela tem um forte recaída e ao dar entrada às pressas em um hospital, aí sim nos EUA, Maya e seus pais, Jack e Beata, foram pegos de surpresa com uma notícia desoladora: por suspeitas da equipe médica acerca da relação familiar e dos cuidados (na visão deles incorretos) com a garota, Maya foi colocada sob a custódia do Estado, e qualquer tipo de contato com os pais foi proibido. Confira o trailer (em inglês):
O ponto forte de "O Mistério de Maya" está longe de ser seu conceito estético, embora Roosevelt encontre formas muito criativas para cobrir a falta de imagens de determinadas passagens do caso - principalmente com gravações em áudio e de algumas câmeras de segurança. A base narrativa mesmo, é construída a partir de depoimentos dos envolvidos, especialmente com o pai de Maya, Jack; e simulações que criam toda uma atmosfera de suspense e angústia que o filme sugere. Existe sim um tom sensacionalista no roteiro e talvez até na direção, mas nada que prejudique nossa experiência, pois é a história envolvendo Maya que nos provoca, que nos indigna.
O caso em si desperta várias questões e levanta preocupações em relação à justiça e ao sistema penal americano, mas isso não é entregue de cara. A contextualizarão do problema de Maya feita no primeiro ato, serve para nos conectarmos com o drama da família ao mesmo tempo em que também nos deixa uma pulga atrás da orelha - é impossível não nos colocarmos no lugar daquela mãe e daquele pai e até de julga-los, mas olha, é incrível como as peças vão se encaixando e o desenrolar da história vai nos fazendo entender a razão de determinadas atitudes e de determinadas escolhas.
Existe uma falta de dinâmica em "Take Care of Maya" (no original) que nos deixa clara a sensação que o jornalismo se desconectou do entretenimento para não sobrar muito espaço para nossa imaginação - e de fato esse é um ponto a ser observado, que pode incomodar parte da audiência, mas que até acaba fazendo sentido no final das contas. Talvez um aprofundamento maior em algumas passagens tenha deixado algumas dúvidas sobre esse ou aquele assunto (os jurídicos principalmente). Agora é inegável como essa jornada é marcante, como o drama da família Kowalski é potente e como tudo isso mexe com a gente!
Vale muito o seu play!
"O Mistério de Maya" está muito longe de ser uma jornada das mais tranquilas, pois envolve alguns elementos que realmente nos impactam emocionalmente e adianto: impactam de uma forma devastadora (principalmente se você já tem filhos). Essa produção da Netflix é dirigida pelo estreante Henry Roosevelt e em um primeiro olhar pode até soar como mais um daqueles "true crime" que estamos acostumados, mas com o andar da narrativa fica muito claro que não é o caso - eu diria que a obra está mais para um "documentário denúncia' como vimos em boa parte de "Prescrição Fatal", por exemplo.
O documentário conta a história de Maya Kowalski, uma garota de 10 anos diagnosticada com uma rara doença e que acabou sendo tratada de forma alternativa, fora dos EUA, até melhorar. Acontece que um tempo depois ela tem um forte recaída e ao dar entrada às pressas em um hospital, aí sim nos EUA, Maya e seus pais, Jack e Beata, foram pegos de surpresa com uma notícia desoladora: por suspeitas da equipe médica acerca da relação familiar e dos cuidados (na visão deles incorretos) com a garota, Maya foi colocada sob a custódia do Estado, e qualquer tipo de contato com os pais foi proibido. Confira o trailer (em inglês):
O ponto forte de "O Mistério de Maya" está longe de ser seu conceito estético, embora Roosevelt encontre formas muito criativas para cobrir a falta de imagens de determinadas passagens do caso - principalmente com gravações em áudio e de algumas câmeras de segurança. A base narrativa mesmo, é construída a partir de depoimentos dos envolvidos, especialmente com o pai de Maya, Jack; e simulações que criam toda uma atmosfera de suspense e angústia que o filme sugere. Existe sim um tom sensacionalista no roteiro e talvez até na direção, mas nada que prejudique nossa experiência, pois é a história envolvendo Maya que nos provoca, que nos indigna.
O caso em si desperta várias questões e levanta preocupações em relação à justiça e ao sistema penal americano, mas isso não é entregue de cara. A contextualizarão do problema de Maya feita no primeiro ato, serve para nos conectarmos com o drama da família ao mesmo tempo em que também nos deixa uma pulga atrás da orelha - é impossível não nos colocarmos no lugar daquela mãe e daquele pai e até de julga-los, mas olha, é incrível como as peças vão se encaixando e o desenrolar da história vai nos fazendo entender a razão de determinadas atitudes e de determinadas escolhas.
Existe uma falta de dinâmica em "Take Care of Maya" (no original) que nos deixa clara a sensação que o jornalismo se desconectou do entretenimento para não sobrar muito espaço para nossa imaginação - e de fato esse é um ponto a ser observado, que pode incomodar parte da audiência, mas que até acaba fazendo sentido no final das contas. Talvez um aprofundamento maior em algumas passagens tenha deixado algumas dúvidas sobre esse ou aquele assunto (os jurídicos principalmente). Agora é inegável como essa jornada é marcante, como o drama da família Kowalski é potente e como tudo isso mexe com a gente!
Vale muito o seu play!