"O Acontecimento" é um drama pesadíssimo, visceral eu diria! A jornada que começa amena, quase juvenil, vai ganhando força e brutalidade até alcançar o seu ápice no terceiro ato. Sim, durante os mais de 90 minutos de filme, em vários momentos você sentirá a dor da protagonista - e aqui eu não falo apenas da dor física, embora ela exista e seja brilhantemente retratada pela diretora Audrey Diwan (de "À Beira da Loucura "); eu falo daquela dor na alma que nos tira do eixo, que nos faz refletir sobre o outro - algo como vimos recentemente em “Pieces of a Woman”, por exemplo.
O filme conta a história de Anne (Anamaria Vartolomei), uma jovem garota que engravida e que simplesmente não quer e não pode ter aquela criança, já que seu futuro brilhante seria comprometido. No entanto, na França dos anos 1960, o direito ao aborto ainda não existia. Pelo contrário: qualquer um que praticasse o aborto, tanto a mulher quanto o médico, seria preso. Anne então precisa correr contra o tempo para encontrar uma solução antes de colocar sua própria vida em risco. Confira o trailer:
Essa produção francesa chega ao streaming chancelada pelo "Golden Lion" e pelo "FIPRESCI Prize" no Festival de Veneza em 2021. Além de uma carreira internacional de respeito, "O Acontecimento" ainda rendeu muitos elogios da crítica especializada e do público, o que coloca o filme naquela disputada prateleira de grandes surpresas do ano. E não é para menos, de fato "L'événement" (no original) impressiona ao se aprofundar de uma maneira muito cruel no realismo de uma situação tão atual que nem nos damos conta que o filme se passa na década de 60.
Graças ao aspecto 4:3 (aquele mais quadrado das TVs de tubo de antigamente) em que foi filmado, a diretora é capaz de provocar sensações das mais desagradáveis para audiência - essa escolha conceitual incomoda muito, gera uma certa percepção de angústia, de opressão, de limite. Curiosamente, a história da protagonista, ou seja, o "conteúdo" do filme, está completamente alinhado à "forma" com que presenciamos o seu sofrimento. A jornada de Anne é dura, solitária demais - chega a ser impressionante como a atriz Anamaria Vartolomei encontra o tom certo, introspectivo, para lidar com suas decisões e consequências. A cena em Anne tenta fazer o aborto por si só, por exemplo, é simplesmente desesperadora, além de impactante.
Baseado no aclamado livro de Annie Ernaux, o que vemos na tela é um adaptação extremamente autoral e de altíssima qualidade cinematográfica. "O Acontecimento" é cadenciado, sem nenhuma ação aparente, até repetitivo em alguns momentos, mas com o tempo se apropria de uma verdadeira experiência sensorial para entregar um mergulho no íntimo da mulher e na forma como ela é julgada pela sociedade. Não é uma jornada confortável da mesma forma em que se mostra necessária a discussão sobre um tema polêmico e muito importante nos dias de hoje (mesmo 60 anos depois).
Vale muito o seu play!
"O Acontecimento" é um drama pesadíssimo, visceral eu diria! A jornada que começa amena, quase juvenil, vai ganhando força e brutalidade até alcançar o seu ápice no terceiro ato. Sim, durante os mais de 90 minutos de filme, em vários momentos você sentirá a dor da protagonista - e aqui eu não falo apenas da dor física, embora ela exista e seja brilhantemente retratada pela diretora Audrey Diwan (de "À Beira da Loucura "); eu falo daquela dor na alma que nos tira do eixo, que nos faz refletir sobre o outro - algo como vimos recentemente em “Pieces of a Woman”, por exemplo.
O filme conta a história de Anne (Anamaria Vartolomei), uma jovem garota que engravida e que simplesmente não quer e não pode ter aquela criança, já que seu futuro brilhante seria comprometido. No entanto, na França dos anos 1960, o direito ao aborto ainda não existia. Pelo contrário: qualquer um que praticasse o aborto, tanto a mulher quanto o médico, seria preso. Anne então precisa correr contra o tempo para encontrar uma solução antes de colocar sua própria vida em risco. Confira o trailer:
Essa produção francesa chega ao streaming chancelada pelo "Golden Lion" e pelo "FIPRESCI Prize" no Festival de Veneza em 2021. Além de uma carreira internacional de respeito, "O Acontecimento" ainda rendeu muitos elogios da crítica especializada e do público, o que coloca o filme naquela disputada prateleira de grandes surpresas do ano. E não é para menos, de fato "L'événement" (no original) impressiona ao se aprofundar de uma maneira muito cruel no realismo de uma situação tão atual que nem nos damos conta que o filme se passa na década de 60.
Graças ao aspecto 4:3 (aquele mais quadrado das TVs de tubo de antigamente) em que foi filmado, a diretora é capaz de provocar sensações das mais desagradáveis para audiência - essa escolha conceitual incomoda muito, gera uma certa percepção de angústia, de opressão, de limite. Curiosamente, a história da protagonista, ou seja, o "conteúdo" do filme, está completamente alinhado à "forma" com que presenciamos o seu sofrimento. A jornada de Anne é dura, solitária demais - chega a ser impressionante como a atriz Anamaria Vartolomei encontra o tom certo, introspectivo, para lidar com suas decisões e consequências. A cena em Anne tenta fazer o aborto por si só, por exemplo, é simplesmente desesperadora, além de impactante.
Baseado no aclamado livro de Annie Ernaux, o que vemos na tela é um adaptação extremamente autoral e de altíssima qualidade cinematográfica. "O Acontecimento" é cadenciado, sem nenhuma ação aparente, até repetitivo em alguns momentos, mas com o tempo se apropria de uma verdadeira experiência sensorial para entregar um mergulho no íntimo da mulher e na forma como ela é julgada pela sociedade. Não é uma jornada confortável da mesma forma em que se mostra necessária a discussão sobre um tema polêmico e muito importante nos dias de hoje (mesmo 60 anos depois).
Vale muito o seu play!
Noventa minutos de muita tensão e angústia, é isso que você vai encontrar no ótimo "O Acusado". Na linha tênue entre "Zona de Confronto", "O Homem nas Trevas" e "Bata Antes de Entrar", o novo filme do talentoso diretor inglês Philip Barantini (o mesmo do sucesso, "O Chef") surpreende tanto pela dinâmica claustrofóbica de sua narrativa quanto pela critica extremamente atual contra uma geração "rede social" que se coloca em uma posição de superioridade ao achar que sua opinião é de fato uma verdade universal sem pensar nas consequências que ela pode representar para o ser humano, ainda mais se esse se encaixar no estereótipo de quem sofre algum tipo de discriminação. Disseminar "incertezas" pode ser muito mais perigoso em tempos de "justiça digital".
Aqui acompanhamos a história de terror vivida por Harri Bhavsar (Chaneil Kular), um jovem paquistanês que precisa lidar com uma injustiça brutal: ele é apontado como o responsável por uma atentado a bomba no metrô de Londres, simplesmente por parecer com um possível suspeito - sim, eu disse "possível" suspeito. De uma hora para a outra o jovem passa a ser perseguido e ameaçado pela internet até que justiceiros começam a caça-lo-lo em busca de vingança. Confira o trailer (em inglês):
É de se elogiar a capacidade que o roteiro, escrito pela dupla de novatos Barnaby Boulton e James Cummings, tem de retratar o lado ruim das relações digitais, principalmente quando pautadas por "fake news". Reparem como antes mesmo da chegada de um clímax simplesmente aterrorizante no segundo ato, o diretor já parece antecipar o real poder de sua trama sem deixar de provocar uma reflexão audiência: o que acontece com Harri Bhavsar poderia acontecer com qualquer um (dada, obviamente, toda a suspensão de uma realidade muito particular da história) e isso, basicamente, eleva nossa ansiedade para o que vem pela frente. Se apropriando dessa angustia crescente, o filme vai apresentando camadas emocionais de seu protagonista ao mesmo tempo em que assistimos de camarote (leia-se pelos olhos dele) todo aquele circo que vai se construindo com o único e claro objetivo de "caça às bruxas" - algo, aliás, bem comum na internet.
Barantini sabe que essa situação especifica pode se transformar na pior experiência da vida de um jovem e ao alinhar o tema com uma gramática cinematográfica mais próxima do suspense do que do drama em si, vivenciamos em "O Acusado" exatamente aquilo que mais tememos. O tribunal virtual, que efetivamente analisa, julga e condena sem chance de um mero desconhecido se defender, é o mesmo que dá o direito para pessoas completamente sem noção resolver os problemas com as próprias mãos. Quando o fotógrafo Matthew Lewis (também de "O Chef") limita seus enquadramentos respeitando a geografia daquele cenário, seja com um jogo de luz e sombra ou com as trocas de perspectiva pelo movimento óptico do foco, temos a exata noção do que é estar preso onde, teoricamente, deveríamos estar seguros e como o ser humano poder sim ser doentio - e aqui cabem mais dois elogios: o filme é muito bem montado, com cortes precisos que ajudam a criar todo esse mood de tensão constante e o desenho de som, delicado, orgânico e muito pontual, coloca um elemento de realismo que é impressionante.
"O Acusado" mesmo curto, parece interminável - graças a capacidade de Barantini (e de seu time) em adequar o tempo de cada cena, da forma mais meticulosa possível, com a ação essencial que o talentoso Chaneil Kular precisa experienciar para mexer com nossas sensações - aliás, me lembrou muito o trabalho de Riz Ahmed em "The Night Of". Enfim, mesmo que tímido em sua campanha de marketing dentro da Netflix, esse é o tipo do filme que merece muita atenção pelo que assistimos na tela e pelo que deve ser discutido assim que os créditos sobem!
Um filme que vai te surpreender de verdade e que faz valer muito a pena o seu play!
Noventa minutos de muita tensão e angústia, é isso que você vai encontrar no ótimo "O Acusado". Na linha tênue entre "Zona de Confronto", "O Homem nas Trevas" e "Bata Antes de Entrar", o novo filme do talentoso diretor inglês Philip Barantini (o mesmo do sucesso, "O Chef") surpreende tanto pela dinâmica claustrofóbica de sua narrativa quanto pela critica extremamente atual contra uma geração "rede social" que se coloca em uma posição de superioridade ao achar que sua opinião é de fato uma verdade universal sem pensar nas consequências que ela pode representar para o ser humano, ainda mais se esse se encaixar no estereótipo de quem sofre algum tipo de discriminação. Disseminar "incertezas" pode ser muito mais perigoso em tempos de "justiça digital".
Aqui acompanhamos a história de terror vivida por Harri Bhavsar (Chaneil Kular), um jovem paquistanês que precisa lidar com uma injustiça brutal: ele é apontado como o responsável por uma atentado a bomba no metrô de Londres, simplesmente por parecer com um possível suspeito - sim, eu disse "possível" suspeito. De uma hora para a outra o jovem passa a ser perseguido e ameaçado pela internet até que justiceiros começam a caça-lo-lo em busca de vingança. Confira o trailer (em inglês):
É de se elogiar a capacidade que o roteiro, escrito pela dupla de novatos Barnaby Boulton e James Cummings, tem de retratar o lado ruim das relações digitais, principalmente quando pautadas por "fake news". Reparem como antes mesmo da chegada de um clímax simplesmente aterrorizante no segundo ato, o diretor já parece antecipar o real poder de sua trama sem deixar de provocar uma reflexão audiência: o que acontece com Harri Bhavsar poderia acontecer com qualquer um (dada, obviamente, toda a suspensão de uma realidade muito particular da história) e isso, basicamente, eleva nossa ansiedade para o que vem pela frente. Se apropriando dessa angustia crescente, o filme vai apresentando camadas emocionais de seu protagonista ao mesmo tempo em que assistimos de camarote (leia-se pelos olhos dele) todo aquele circo que vai se construindo com o único e claro objetivo de "caça às bruxas" - algo, aliás, bem comum na internet.
Barantini sabe que essa situação especifica pode se transformar na pior experiência da vida de um jovem e ao alinhar o tema com uma gramática cinematográfica mais próxima do suspense do que do drama em si, vivenciamos em "O Acusado" exatamente aquilo que mais tememos. O tribunal virtual, que efetivamente analisa, julga e condena sem chance de um mero desconhecido se defender, é o mesmo que dá o direito para pessoas completamente sem noção resolver os problemas com as próprias mãos. Quando o fotógrafo Matthew Lewis (também de "O Chef") limita seus enquadramentos respeitando a geografia daquele cenário, seja com um jogo de luz e sombra ou com as trocas de perspectiva pelo movimento óptico do foco, temos a exata noção do que é estar preso onde, teoricamente, deveríamos estar seguros e como o ser humano poder sim ser doentio - e aqui cabem mais dois elogios: o filme é muito bem montado, com cortes precisos que ajudam a criar todo esse mood de tensão constante e o desenho de som, delicado, orgânico e muito pontual, coloca um elemento de realismo que é impressionante.
"O Acusado" mesmo curto, parece interminável - graças a capacidade de Barantini (e de seu time) em adequar o tempo de cada cena, da forma mais meticulosa possível, com a ação essencial que o talentoso Chaneil Kular precisa experienciar para mexer com nossas sensações - aliás, me lembrou muito o trabalho de Riz Ahmed em "The Night Of". Enfim, mesmo que tímido em sua campanha de marketing dentro da Netflix, esse é o tipo do filme que merece muita atenção pelo que assistimos na tela e pelo que deve ser discutido assim que os créditos sobem!
Um filme que vai te surpreender de verdade e que faz valer muito a pena o seu play!
"O Amor de Sylvie" é basicamente uma linda homenagem aos romances clássicos do cinema dos anos 60 - em sua forma e em seu conteúdo! Um filme delicioso de assistir, leve e bem conduzido, mesmo quando se apoia em fórmulas e soluções completamente previsíveis. O fato é que o filme chega com a chancela de sua indicação ao Emmy 2021 como "Melhor Filme para TV".
Sylvie (Tessa Thompson) é uma moça comprometida e apaixonada por música que trabalha na loja de discos de seu pai, mas sonha em ser uma produtora de TV. Quando conhece Robert (Nnamdi Asomugha) vê que seu amor é personificado pelo talentoso músico em ascensão. A partir daí, Sylvie precisa lidar com suas escolhas antes de decidir entre ficar ao lado do grande amor da sua vida, buscar seus sonhos ou viver o futuro que sua mãe escolheu para ela. Confira o trailer (em inglês):
O filme tem uma ambientação criada em cima dos anos 60 de uma Nova Yorke movida pelo jazz - e é bastante competente nesse quesito. Desenho de Produção, Figurino e a Fotografia do Declan Quinn (o mesmo de "Hamilton" e "A Cabana") estão fielmente alinhadas com o conceito estético mais clássico que o Diretor Eugene Ashe (de "Homecoming") quis imprimir. As cores mais contrastadas são levemente esverdeados em alguns momentos e mais escuras ou amareladas em outros. Até a inserção de uma excelente trilha sonora e letterings de apresentação e encerramento se comunicam com o visual de "O Amor de Sylvie" organicamente - de fato é um excelente trabalho, coerente!
O roteiro em si é simples, mas potente. Os dois primeiros atos focam no romance como barreira social e o terceiro traz mais o lado pessoal para a narrativa. Elementos como racismo e igualdade de gêneros são delicadamente bem pontuados, passando a mensagem, mas sem levantar nenhum tipo de bandeira ou ser institucional demais - o que vale é o sentimento disso tudo, afinal, estamos falando de um romance clássico! Se Nnamdi Asomugha é uma ótima surpresa, é Tessa Thompson que conquista a nossa simpatia imediatamente - sua composição é suave, sem excessos, no tom exato para nos fazer sentir suas aflições ao mesmo tempo que é forte o suficiente para nos deixar claro suas intenções.
"O Amor de Sylvie" tem um gostinho de nostalgia, uma atmosfera encantadora, mas também, como comentei, é bastante previsível. O filme segue exatamente o arco do típico romance "Sessão da Tarde" - o que não significa que o resultado seja ruim, muito pelo contrário, ele é realmente bom. Pode dar o play sem medo, porque a história vai te deixar com o coração leve e com a alma preenchida!
E atenção: o filme não acaba com o "The End", atenção aos letterings finais.
"O Amor de Sylvie" é basicamente uma linda homenagem aos romances clássicos do cinema dos anos 60 - em sua forma e em seu conteúdo! Um filme delicioso de assistir, leve e bem conduzido, mesmo quando se apoia em fórmulas e soluções completamente previsíveis. O fato é que o filme chega com a chancela de sua indicação ao Emmy 2021 como "Melhor Filme para TV".
Sylvie (Tessa Thompson) é uma moça comprometida e apaixonada por música que trabalha na loja de discos de seu pai, mas sonha em ser uma produtora de TV. Quando conhece Robert (Nnamdi Asomugha) vê que seu amor é personificado pelo talentoso músico em ascensão. A partir daí, Sylvie precisa lidar com suas escolhas antes de decidir entre ficar ao lado do grande amor da sua vida, buscar seus sonhos ou viver o futuro que sua mãe escolheu para ela. Confira o trailer (em inglês):
O filme tem uma ambientação criada em cima dos anos 60 de uma Nova Yorke movida pelo jazz - e é bastante competente nesse quesito. Desenho de Produção, Figurino e a Fotografia do Declan Quinn (o mesmo de "Hamilton" e "A Cabana") estão fielmente alinhadas com o conceito estético mais clássico que o Diretor Eugene Ashe (de "Homecoming") quis imprimir. As cores mais contrastadas são levemente esverdeados em alguns momentos e mais escuras ou amareladas em outros. Até a inserção de uma excelente trilha sonora e letterings de apresentação e encerramento se comunicam com o visual de "O Amor de Sylvie" organicamente - de fato é um excelente trabalho, coerente!
O roteiro em si é simples, mas potente. Os dois primeiros atos focam no romance como barreira social e o terceiro traz mais o lado pessoal para a narrativa. Elementos como racismo e igualdade de gêneros são delicadamente bem pontuados, passando a mensagem, mas sem levantar nenhum tipo de bandeira ou ser institucional demais - o que vale é o sentimento disso tudo, afinal, estamos falando de um romance clássico! Se Nnamdi Asomugha é uma ótima surpresa, é Tessa Thompson que conquista a nossa simpatia imediatamente - sua composição é suave, sem excessos, no tom exato para nos fazer sentir suas aflições ao mesmo tempo que é forte o suficiente para nos deixar claro suas intenções.
"O Amor de Sylvie" tem um gostinho de nostalgia, uma atmosfera encantadora, mas também, como comentei, é bastante previsível. O filme segue exatamente o arco do típico romance "Sessão da Tarde" - o que não significa que o resultado seja ruim, muito pelo contrário, ele é realmente bom. Pode dar o play sem medo, porque a história vai te deixar com o coração leve e com a alma preenchida!
E atenção: o filme não acaba com o "The End", atenção aos letterings finais.
Tem Diretor que te dá a certeza de um grande filme e o iraniano Asghar Farhadié um desses caras. Todos os filmes dele são realmente muito bons, acima da média! "O apartamento" não é diferente: ganhou Cannes, Oscar, Globo de Ouro e mais de 80 festivais importantes pelo mundo!
"The Salesman" (em titulo internacional) conta a história de um casal que é obrigado a se mudar para um apto onde a antiga moradora era uma prostituta. Essa particularidade acaba gerando uma situação que marca a relação deles, iniciando um jogo psicológico ao melhor estilo Denis Villeneuve em "Os Suspeitos". Confira o trailer:
A trama de "O Apartamento" apresenta o casal Emad (Shahab Hosseini) e Rana (Taraneh Alidoosti) novos locatários do apartamento de Babak (Babak Karimi), que acabou despejando a antiga moradora, uma prostituta. Certa noite, Rana esquece a porta do apartamento aberta e acaba sendo estuprada por um intruso misterioso que deixa para trás algumas pistas de sua identidade. Revoltado, Emad prefere não avisar a polícia e inicia uma investigação por conta própria na tentativa de descobrir o autor do crime enquanto tenta apoiar sua esposa, manter seu emprego, superar o trauma e continuar sua vida.
Uma das coisas que precisamos elogiar no trabalho sensacional do Asghar Farhadi é sua discrição - ele dirige seus filmes sem querer aparecer mais do que sua obra. Em todos os seus trabalhos, ele coloca a câmera sempre no melhor lugar, mesmo que esse lugar seja o mais óbvio possível para contar aquela parte da história. Ele é muito técnico, seguro e prioriza o trabalho de direção de atores como poucos da sua geração - o que inegavelmente faz toda a diferença. Reparem aqui no trabalho profundo de Hosseini e Alidoosti!
Outra coisa que chama muito a atenção ao acompanhar o trabalho de Farhadi é que ele escreve todos os filmes que dirige - chega ser impressionante como ele consegue manter a qualidade da escrita alinhada com a sua capacidade como diretor. Em "O Apartamento", ele vai construindo uma narrativa densa e multifacetada, explorando as profundezas da psique humana e as complexas relações interpessoais - eu diria que seu principal gatilho está justamente em desvendar os segredos dos personagens e a questionar suas motivações. Isso cria uma atmosfera de angustia onde, a cada cena, a tensão e o suspense só aumentam, mas de uma forma muito palpável.
Asghar Farhadi tem 2 Oscars, e só não ganhou o terceiro com "O Passado" em 2014 porque seria barbada demais - tanto que já tinha levado o Globo de Ouro naquele ano. Agora é preciso que se diga: "O Apartamento" é indigesto ao retratar temas como violência, vingança, culpa e redenção em uma jornada que não oferece respostas fáceis, mas que nos leva por uma jornada profunda de julgamento e de análise moral dos personagens e, claro, de suas ações. Imperdível!
Sim, estamos diante de um cinema iraniano de muita qualidade!
Tem Diretor que te dá a certeza de um grande filme e o iraniano Asghar Farhadié um desses caras. Todos os filmes dele são realmente muito bons, acima da média! "O apartamento" não é diferente: ganhou Cannes, Oscar, Globo de Ouro e mais de 80 festivais importantes pelo mundo!
"The Salesman" (em titulo internacional) conta a história de um casal que é obrigado a se mudar para um apto onde a antiga moradora era uma prostituta. Essa particularidade acaba gerando uma situação que marca a relação deles, iniciando um jogo psicológico ao melhor estilo Denis Villeneuve em "Os Suspeitos". Confira o trailer:
A trama de "O Apartamento" apresenta o casal Emad (Shahab Hosseini) e Rana (Taraneh Alidoosti) novos locatários do apartamento de Babak (Babak Karimi), que acabou despejando a antiga moradora, uma prostituta. Certa noite, Rana esquece a porta do apartamento aberta e acaba sendo estuprada por um intruso misterioso que deixa para trás algumas pistas de sua identidade. Revoltado, Emad prefere não avisar a polícia e inicia uma investigação por conta própria na tentativa de descobrir o autor do crime enquanto tenta apoiar sua esposa, manter seu emprego, superar o trauma e continuar sua vida.
Uma das coisas que precisamos elogiar no trabalho sensacional do Asghar Farhadi é sua discrição - ele dirige seus filmes sem querer aparecer mais do que sua obra. Em todos os seus trabalhos, ele coloca a câmera sempre no melhor lugar, mesmo que esse lugar seja o mais óbvio possível para contar aquela parte da história. Ele é muito técnico, seguro e prioriza o trabalho de direção de atores como poucos da sua geração - o que inegavelmente faz toda a diferença. Reparem aqui no trabalho profundo de Hosseini e Alidoosti!
Outra coisa que chama muito a atenção ao acompanhar o trabalho de Farhadi é que ele escreve todos os filmes que dirige - chega ser impressionante como ele consegue manter a qualidade da escrita alinhada com a sua capacidade como diretor. Em "O Apartamento", ele vai construindo uma narrativa densa e multifacetada, explorando as profundezas da psique humana e as complexas relações interpessoais - eu diria que seu principal gatilho está justamente em desvendar os segredos dos personagens e a questionar suas motivações. Isso cria uma atmosfera de angustia onde, a cada cena, a tensão e o suspense só aumentam, mas de uma forma muito palpável.
Asghar Farhadi tem 2 Oscars, e só não ganhou o terceiro com "O Passado" em 2014 porque seria barbada demais - tanto que já tinha levado o Globo de Ouro naquele ano. Agora é preciso que se diga: "O Apartamento" é indigesto ao retratar temas como violência, vingança, culpa e redenção em uma jornada que não oferece respostas fáceis, mas que nos leva por uma jornada profunda de julgamento e de análise moral dos personagens e, claro, de suas ações. Imperdível!
Sim, estamos diante de um cinema iraniano de muita qualidade!
"O Caminho de Volta" não é sobre basquete ou como o esporte pode mudar a vida das pessoas. O filme dirigido pelo Gavin O'Connor (uma das mentes criativas por trás do sucesso que foi "Mare of Easttown") vai muito além, pois ele desconstrói, justamente, essa premissa; mostrando a realidade da luta diária que é combater o vício e, olhem só, mais do que isso, ele procura explorar os motivos que levam uma pessoa ao fundo poço. Eu diria que o filme é uma dura jornada sobre o divórcio, o luto, a saudade, a solidão e a dor de ter que conviver com tudo isso e não conseguir seguir em frente.
O ex-atleta e considerado um fenômeno do basquete em seus anos de colegial, Jack Cunningham (Ben Affleck) luta contra o alcoolismo ao mesmo tempo em que encara as dificuldades de um emprego monótono. Ele então recebe a oportunidade de treinar um time de basquete e recomeçar. Na medida em que o time começa a vencer, a sua vida melhora, mas as vitórias não parecem suficientes ao ponto de salvá-lo. Confira o trailer:
Muitos críticos consideram esse trabalho de Affleck como a atuação mais sincera de toda sua carreira - e isso pode não ser por acaso dado os problemas que o ator sofreu graças ao alcoolismo. O próprio ator comentou sobre a necessidade que uma pessoa tem de entender o vício, de procurar se recompor, aprender com ele, e depois aprender um pouco mais, para aí sim tentar seguir em frente. "O Caminho de Volta" discute o assunto de uma forma muito honesta e é até surpreendente o pouco destaque que o filme teve no circuito comercial. A escolha de O'Connor para comandar o projeto imprime o que o diretor tem de melhor: sua enorme capacidade de desvendar as camadas mais intimas de um personagem e explora-las sem sensacionalismo ou necessidade de chocar a audiência visualmente ("Mare of Easttown" foi assim).
Aqui, a qualidade técnica soa invejável para um filme (de orçamento) considerado tão pequeno, quase independente. Existe de fato um cuidado estético que tanto O'Connor quanto o fotógrafo Eduard Grau (do também excelente "Meu nome é Magic Johnson") insistem em preservar. Se o roteiro de Brad Ingelsby (de “The Friend”) sugere apresentar aquela fórmula clássica de filmes esportivos, onde um time fracassado e cheio de problemas de relacionamento muda de comportamento e começa a ganhar, rapidamente entendemos que o foco gira mesmo em torno do drama que é o simples ato de ir em bar e como isso ganha outra proporção quando o protagonista é um alcoólatra. Se a decisão conceitual de paralisar a imagem no inicio de quase todos os jogos do time e imediatamente mostrar seu placar final, parece ter sido acertada, ela ganha ainda mais mérito por estabelecer que nem tudo precisa ser mostrado, discutido ou exposto - quando o diálogo não é necessário, o impacto visual ganha muito mais potência. A cena de Jack no hospital assistindo seus amigos recebendo o resultado de um exame do filho, é um ótimo exemplo que fala por si só!
“O Caminho de Volta” é sensível e dolorido, não tem receio algum de provocar muitos momentos de emoção ao som de uma trilha sonora fabulosa composta pelo Rob Simonsen ( de “Tully”). Um filme com uma direção minimalista, impecável ao meu ver, com um ótimo roteiro e uma montagem primorosa, que utiliza o esporte como pano de fundo, mas que subverte a fórmula do caminho para a redenção. Como disse: não será um jornada das mais tranquilas, mas certamente vai te surpreender.
Vale muito seu play!
"O Caminho de Volta" não é sobre basquete ou como o esporte pode mudar a vida das pessoas. O filme dirigido pelo Gavin O'Connor (uma das mentes criativas por trás do sucesso que foi "Mare of Easttown") vai muito além, pois ele desconstrói, justamente, essa premissa; mostrando a realidade da luta diária que é combater o vício e, olhem só, mais do que isso, ele procura explorar os motivos que levam uma pessoa ao fundo poço. Eu diria que o filme é uma dura jornada sobre o divórcio, o luto, a saudade, a solidão e a dor de ter que conviver com tudo isso e não conseguir seguir em frente.
O ex-atleta e considerado um fenômeno do basquete em seus anos de colegial, Jack Cunningham (Ben Affleck) luta contra o alcoolismo ao mesmo tempo em que encara as dificuldades de um emprego monótono. Ele então recebe a oportunidade de treinar um time de basquete e recomeçar. Na medida em que o time começa a vencer, a sua vida melhora, mas as vitórias não parecem suficientes ao ponto de salvá-lo. Confira o trailer:
Muitos críticos consideram esse trabalho de Affleck como a atuação mais sincera de toda sua carreira - e isso pode não ser por acaso dado os problemas que o ator sofreu graças ao alcoolismo. O próprio ator comentou sobre a necessidade que uma pessoa tem de entender o vício, de procurar se recompor, aprender com ele, e depois aprender um pouco mais, para aí sim tentar seguir em frente. "O Caminho de Volta" discute o assunto de uma forma muito honesta e é até surpreendente o pouco destaque que o filme teve no circuito comercial. A escolha de O'Connor para comandar o projeto imprime o que o diretor tem de melhor: sua enorme capacidade de desvendar as camadas mais intimas de um personagem e explora-las sem sensacionalismo ou necessidade de chocar a audiência visualmente ("Mare of Easttown" foi assim).
Aqui, a qualidade técnica soa invejável para um filme (de orçamento) considerado tão pequeno, quase independente. Existe de fato um cuidado estético que tanto O'Connor quanto o fotógrafo Eduard Grau (do também excelente "Meu nome é Magic Johnson") insistem em preservar. Se o roteiro de Brad Ingelsby (de “The Friend”) sugere apresentar aquela fórmula clássica de filmes esportivos, onde um time fracassado e cheio de problemas de relacionamento muda de comportamento e começa a ganhar, rapidamente entendemos que o foco gira mesmo em torno do drama que é o simples ato de ir em bar e como isso ganha outra proporção quando o protagonista é um alcoólatra. Se a decisão conceitual de paralisar a imagem no inicio de quase todos os jogos do time e imediatamente mostrar seu placar final, parece ter sido acertada, ela ganha ainda mais mérito por estabelecer que nem tudo precisa ser mostrado, discutido ou exposto - quando o diálogo não é necessário, o impacto visual ganha muito mais potência. A cena de Jack no hospital assistindo seus amigos recebendo o resultado de um exame do filho, é um ótimo exemplo que fala por si só!
“O Caminho de Volta” é sensível e dolorido, não tem receio algum de provocar muitos momentos de emoção ao som de uma trilha sonora fabulosa composta pelo Rob Simonsen ( de “Tully”). Um filme com uma direção minimalista, impecável ao meu ver, com um ótimo roteiro e uma montagem primorosa, que utiliza o esporte como pano de fundo, mas que subverte a fórmula do caminho para a redenção. Como disse: não será um jornada das mais tranquilas, mas certamente vai te surpreender.
Vale muito seu play!
"O Canto do Cisne" é um filme sobre a "dor da despedida"! Mesmo fantasiada de ficção científica ao melhor estilo "Black Mirror", essa produção original da Apple é um drama dos mais profundos, onde uma trama aparentemente simples, vai se construindo em um complexo estudo de personagem, tocando em assuntos extremamente sensíveis e provocando discussões que vão da "ética" ao "perdão". Além de muito elegante cinematograficamente, estamos diante de mais uma aula de interpretação de Mahershala Ali!
Ambientado em um futuro próximo, "O Canto do Cisne" conta a história de uma jornada emocionante e poderosa pelo ponto de vista de Cameron (Mahershala Ali), um pai e marido amoroso que acaba de ser diagnosticado com uma doença terminal, mas que recebe de sua médica Dr. Jo Scott (Glenn Close) uma solução alternativapara proteger a família do luto. Enquanto Cam luta para decidir qual será o destino da família, ele aprende mais sobre a vida e o amor do que jamais havia imaginado. Confira o trailer (em inglês):
Existe uma sensibilidade em "O Canto do Cisne" que envolve a audiência sem precisar se apoiar em nenhum tipo de atalho para nos tocar fundo. As relações entre os personagens que o talentoso diretor Benjamin Cleary (vencedor do Oscar com seu curta-metragem "Stutterer" em 2016) vai estabelecendo, dita a cadência exata da narrativa com muita identidade e elegância. Se visualmente o filme chama atenção pela qualidade da fotografia do Masanobu Takayanagi (de "Spotlight: Segredos Revelados" e "O Lado bom da Vida") e pelo desenho de produção futurista da sempre incrível Annie Beauchamp (de "Moulin Rouge" e, claro, "Black Mirror"), é no roteiro do próprio Cleary e na montagem do Nathan Nugent (de "Normal People") que o filme sai do óbvio e brilha.
Lidar com uma decisão tão importante, que é fortemente acompanhada por inúmeras dúvidas existenciais, espirituais e, principalmente, pela difícil tarefa de redefinir a singularidade da essência do ser humano, faz de Cameron um personagem extremamente complexo, além de ser um presente para Mahershala Ali - já que o ator precisa se "duplicar" para servir de contraponto ético com o outro lado da história, a do seu clone Jack. Se a narrativa se apoia na ficção da transferência das memórias ou no aprendizado de uma inteligência artificial para discutir os principais elementos que definem o indivíduo, é no sentimento mais profundo de uma "saudade" que está por vir, que realmente nos conectamos com os dramas emocionais do personagem - e aqui cabe um comentário: mesmo com uma participação bem pontual, Awkwafina (e sua Kate) está perfeita. Ela funciona como uma espécie de catalisadora desse sentimento de vazio.
O fato é que "O Canto do Cisne" tem uma premissa muito parecida com um dos episódios da série "Solos"da Prime Vídeo, onde o ator Anthony Mackie também se relaciona com um novo produto tecnológico para evitar o sofrimento do "luto", porém aqui ampliamos as discussões trazendo ótimas referências na linha de "Ex-Machina" e "Black Mirror", mas sem esquecer da "alma" de "Tales from the Loop".
Vale muito a pena, mas saiba que estamos falando de um drama, sem nenhuma intenção de criar qualquer cena de ação - o que importa são as relações, com o outro e consigo mesmo!
"O Canto do Cisne" é um filme sobre a "dor da despedida"! Mesmo fantasiada de ficção científica ao melhor estilo "Black Mirror", essa produção original da Apple é um drama dos mais profundos, onde uma trama aparentemente simples, vai se construindo em um complexo estudo de personagem, tocando em assuntos extremamente sensíveis e provocando discussões que vão da "ética" ao "perdão". Além de muito elegante cinematograficamente, estamos diante de mais uma aula de interpretação de Mahershala Ali!
Ambientado em um futuro próximo, "O Canto do Cisne" conta a história de uma jornada emocionante e poderosa pelo ponto de vista de Cameron (Mahershala Ali), um pai e marido amoroso que acaba de ser diagnosticado com uma doença terminal, mas que recebe de sua médica Dr. Jo Scott (Glenn Close) uma solução alternativapara proteger a família do luto. Enquanto Cam luta para decidir qual será o destino da família, ele aprende mais sobre a vida e o amor do que jamais havia imaginado. Confira o trailer (em inglês):
Existe uma sensibilidade em "O Canto do Cisne" que envolve a audiência sem precisar se apoiar em nenhum tipo de atalho para nos tocar fundo. As relações entre os personagens que o talentoso diretor Benjamin Cleary (vencedor do Oscar com seu curta-metragem "Stutterer" em 2016) vai estabelecendo, dita a cadência exata da narrativa com muita identidade e elegância. Se visualmente o filme chama atenção pela qualidade da fotografia do Masanobu Takayanagi (de "Spotlight: Segredos Revelados" e "O Lado bom da Vida") e pelo desenho de produção futurista da sempre incrível Annie Beauchamp (de "Moulin Rouge" e, claro, "Black Mirror"), é no roteiro do próprio Cleary e na montagem do Nathan Nugent (de "Normal People") que o filme sai do óbvio e brilha.
Lidar com uma decisão tão importante, que é fortemente acompanhada por inúmeras dúvidas existenciais, espirituais e, principalmente, pela difícil tarefa de redefinir a singularidade da essência do ser humano, faz de Cameron um personagem extremamente complexo, além de ser um presente para Mahershala Ali - já que o ator precisa se "duplicar" para servir de contraponto ético com o outro lado da história, a do seu clone Jack. Se a narrativa se apoia na ficção da transferência das memórias ou no aprendizado de uma inteligência artificial para discutir os principais elementos que definem o indivíduo, é no sentimento mais profundo de uma "saudade" que está por vir, que realmente nos conectamos com os dramas emocionais do personagem - e aqui cabe um comentário: mesmo com uma participação bem pontual, Awkwafina (e sua Kate) está perfeita. Ela funciona como uma espécie de catalisadora desse sentimento de vazio.
O fato é que "O Canto do Cisne" tem uma premissa muito parecida com um dos episódios da série "Solos"da Prime Vídeo, onde o ator Anthony Mackie também se relaciona com um novo produto tecnológico para evitar o sofrimento do "luto", porém aqui ampliamos as discussões trazendo ótimas referências na linha de "Ex-Machina" e "Black Mirror", mas sem esquecer da "alma" de "Tales from the Loop".
Vale muito a pena, mas saiba que estamos falando de um drama, sem nenhuma intenção de criar qualquer cena de ação - o que importa são as relações, com o outro e consigo mesmo!
"O Caso Collini" merece sua atenção! Muito elogiado pela crítica e pelo público, essa produção alemã é uma adaptação do livro de Ferdinand von Schirach e apresenta uma história baseada em um caso real que aconteceu na Alemanha no começo dos anos 2000. E aqui eu já faço uma importante advertência: não busque mais informações sobre o filme, pois até algumas peças de divulgação já entregam spoilers que impactam diretamente na experiência investigativa de quem assiste o drama. Aliás, justamente por isso não vou publicar o trailer nesse review.
Veja, a premissa do filme é bastante simples: um jovem advogado, Caspar Leinen (Elyas M'Barek), é designado para defender um italiano que mora na Alemanha, Fabrizio Collini (Franco Nero), e que assassinou brutalmente um respeitado empresário local, Hans Meyer (Manfred Zapatka), aparentemente sem motivo algum.
O talentoso cineasta Marco Kreuzpaintner (responsável por dois episódios do ótimo "Soulmates" da Prime Vídeo) fez questão de mostrar a verdade sobre o assassinato de Hans Meyer já no seu prólogo, não estabelecendo assim qualquer tipo de dúvida ou mistério sobre o ato em si, apostando fielmente apenas nos motivos que levaram Collini a cometer esse crime tão brutal. Ao melhor estilo dos recentes documentários de "True Crime", a pergunta que fica martelando em nossa cabeça por 2/3 da história é: O que de fato aconteceu naquele quarto de hotel?
Kreuzpaintner impõe um ritmo bastante interessante desde o inicio, mesmo que em alguns momentos pareça vacilar quando escolhe trocar o drama pelo thriller de investigação - "Perfume", do seu compatriota e premiado diretor Philipp Kadelbach, trabalha essa dualidade com mais naturalidade, mas é inegável a quantidade de pontos em comum entre as duas obras: no conceito visual e até no narrativo.
Citando o conceito visual primeiro: "O Caso Collini" é extremamente carregado de contraste e saturação, transformando a imagem da maioria das cenas em uma atmosfera bastante carregada. O trabalho de Elyas M'Barek e Franco Nero colaboram para esse mood, mas talvez o grande destaque do elenco seja mesmo Heiner Lauterbach como o promotor e ex-professor de Caspar, Dr. Richard Mattinger - é irritante sua postura egocêntrica, reparem.
Já pontuando as similaridades do conceito narrativo, um dos grandes méritos do trabalho dos roteiristas Christian Zübert, Robert Gold, Jens-Frederik Otto; foi justamente criar linhas temporais paralelas para ir desvendando tudo que está por trás das relações entre os personagens e entre os envolvidos no crime diretamente. Ao se aprofundar na história de um dos julgamentos mais marcantes da Alemanha, "O Caso Collini" se aproveita de uma das camadas mais interessantes da trama para se diferenciar como gênero: a surpresa e a emoção perante os desdobramentos que deixaram muita gente sem chão (e que geraram muita reflexão na época).
"O Caso Collini" pode não ser excepcional, mas certamente vai agradar como entretenimento - daqueles que quanto menos você souber, melhor. Saiba apenas que sua narrativa vai muito além do drama de tribunal convencional - e isso é muito mais que um elogio, já que a intensidade da direção, da montagem, da fotografia e do elenco dão um aspecto quase independente para o filme que se apoia em um roteiro muito competente para se distanciar das produções americanas.
Vale a pena!
"O Caso Collini" merece sua atenção! Muito elogiado pela crítica e pelo público, essa produção alemã é uma adaptação do livro de Ferdinand von Schirach e apresenta uma história baseada em um caso real que aconteceu na Alemanha no começo dos anos 2000. E aqui eu já faço uma importante advertência: não busque mais informações sobre o filme, pois até algumas peças de divulgação já entregam spoilers que impactam diretamente na experiência investigativa de quem assiste o drama. Aliás, justamente por isso não vou publicar o trailer nesse review.
Veja, a premissa do filme é bastante simples: um jovem advogado, Caspar Leinen (Elyas M'Barek), é designado para defender um italiano que mora na Alemanha, Fabrizio Collini (Franco Nero), e que assassinou brutalmente um respeitado empresário local, Hans Meyer (Manfred Zapatka), aparentemente sem motivo algum.
O talentoso cineasta Marco Kreuzpaintner (responsável por dois episódios do ótimo "Soulmates" da Prime Vídeo) fez questão de mostrar a verdade sobre o assassinato de Hans Meyer já no seu prólogo, não estabelecendo assim qualquer tipo de dúvida ou mistério sobre o ato em si, apostando fielmente apenas nos motivos que levaram Collini a cometer esse crime tão brutal. Ao melhor estilo dos recentes documentários de "True Crime", a pergunta que fica martelando em nossa cabeça por 2/3 da história é: O que de fato aconteceu naquele quarto de hotel?
Kreuzpaintner impõe um ritmo bastante interessante desde o inicio, mesmo que em alguns momentos pareça vacilar quando escolhe trocar o drama pelo thriller de investigação - "Perfume", do seu compatriota e premiado diretor Philipp Kadelbach, trabalha essa dualidade com mais naturalidade, mas é inegável a quantidade de pontos em comum entre as duas obras: no conceito visual e até no narrativo.
Citando o conceito visual primeiro: "O Caso Collini" é extremamente carregado de contraste e saturação, transformando a imagem da maioria das cenas em uma atmosfera bastante carregada. O trabalho de Elyas M'Barek e Franco Nero colaboram para esse mood, mas talvez o grande destaque do elenco seja mesmo Heiner Lauterbach como o promotor e ex-professor de Caspar, Dr. Richard Mattinger - é irritante sua postura egocêntrica, reparem.
Já pontuando as similaridades do conceito narrativo, um dos grandes méritos do trabalho dos roteiristas Christian Zübert, Robert Gold, Jens-Frederik Otto; foi justamente criar linhas temporais paralelas para ir desvendando tudo que está por trás das relações entre os personagens e entre os envolvidos no crime diretamente. Ao se aprofundar na história de um dos julgamentos mais marcantes da Alemanha, "O Caso Collini" se aproveita de uma das camadas mais interessantes da trama para se diferenciar como gênero: a surpresa e a emoção perante os desdobramentos que deixaram muita gente sem chão (e que geraram muita reflexão na época).
"O Caso Collini" pode não ser excepcional, mas certamente vai agradar como entretenimento - daqueles que quanto menos você souber, melhor. Saiba apenas que sua narrativa vai muito além do drama de tribunal convencional - e isso é muito mais que um elogio, já que a intensidade da direção, da montagem, da fotografia e do elenco dão um aspecto quase independente para o filme que se apoia em um roteiro muito competente para se distanciar das produções americanas.
Vale a pena!
"O Castelo de Vidro" é excelente, mas, admito, achei pesado!
Baseado no livro autobiográfico da jornalistaJeannette Walls, o filme não foca na sua carreira profissional, e sim na sua vida em família desde a infância. É uma história (real) difícil, mas muito bem resolvida no roteiro, sobre uma jovem menina que atinge a maioridade em uma família nômade completamente desestruturada, com uma mãe excêntrica e um pai alcoólatra, e que tenta despertar a imaginação dos irmãos com a esperança que elas se abstraiam da pobreza em que vivem.
Muito bem filmado pelo Destin Daniel Cretton, outro jovem diretor que, de um curta, fez um outro filme de grande sucesso em festivais - chegando a ganhar Locarno em 2013 com seu "Short Term 12" (Temporário 12). Em "The Glass Castle" (título original), ele repete a parceria com a ótima Brie Larson, mas quem rouba a cena é o Woody Harrelson. Embora possa parecer um pouco fora do tom, apoiado em esteriótipos locais, ele traz a dor de quem vive uma dependência, mas acredita que pode compensar sua fraqueza com uma máscara de inabalável. Impressionante como ele trabalha essa dualidade e influencia nosso julgamento a cada cena. Naomi Watts também se desconstruiu para sua personagem e foi muito bem - ambos mereceram todos os elogios, porém foram completamente esquecidos no Oscar 2018!
"The Glass Castle" é um filme tecnicamente muito bem realizado, muito honesto na sua proposta e com uma história difícil de digerir pela sua complexidade moral. Vale muito a pena!!!
"O Castelo de Vidro" é excelente, mas, admito, achei pesado!
Baseado no livro autobiográfico da jornalistaJeannette Walls, o filme não foca na sua carreira profissional, e sim na sua vida em família desde a infância. É uma história (real) difícil, mas muito bem resolvida no roteiro, sobre uma jovem menina que atinge a maioridade em uma família nômade completamente desestruturada, com uma mãe excêntrica e um pai alcoólatra, e que tenta despertar a imaginação dos irmãos com a esperança que elas se abstraiam da pobreza em que vivem.
Muito bem filmado pelo Destin Daniel Cretton, outro jovem diretor que, de um curta, fez um outro filme de grande sucesso em festivais - chegando a ganhar Locarno em 2013 com seu "Short Term 12" (Temporário 12). Em "The Glass Castle" (título original), ele repete a parceria com a ótima Brie Larson, mas quem rouba a cena é o Woody Harrelson. Embora possa parecer um pouco fora do tom, apoiado em esteriótipos locais, ele traz a dor de quem vive uma dependência, mas acredita que pode compensar sua fraqueza com uma máscara de inabalável. Impressionante como ele trabalha essa dualidade e influencia nosso julgamento a cada cena. Naomi Watts também se desconstruiu para sua personagem e foi muito bem - ambos mereceram todos os elogios, porém foram completamente esquecidos no Oscar 2018!
"The Glass Castle" é um filme tecnicamente muito bem realizado, muito honesto na sua proposta e com uma história difícil de digerir pela sua complexidade moral. Vale muito a pena!!!
"O Céu da Meia-Noite" é uma difícil adaptação do livro "Good Morning, Midnight " da norte-americana Lily Brooks-Dalton, que trás elementos narrativos similares a filmes como, por exemplo, "Interestelar" (2014), para compor uma história de Ficção Científica, mas que fala mesmo é sobre "solidão" (e, talvez, sobre a necessidade de se perdoar como ser humano e como humanidade) - isso vai ficar muito claro no terceiro ato do filme!
Dirigido e protagonizado pelo George Clooney, o filme acompanha Augustine, um solitário cientista que precisa se comunicar com uma equipe de astronautas que estão em uma missão no espaço e assim impedir que eles retornem para a Terra em meio a uma misteriosa catástrofe ambiental que praticamente dizimou a humanidade. Confira o trailer:
"O Céu da Meia-Noite" é um ótimo entretenimento, mas certamente vai dividir opiniões. Veja, o filme tem cenas de ação que criam aquele senso de urgência, mas também se apoia muito no sentimentalismo e na necessidade de passar uma mensagem de esperança, que, na minha opinião, pareceu sem tanta profundidade e o propósito (até filosófico) de "Interestelar". O que eu quero dizer é que a própria dinâmica narrativa impediu um aprofundamento maior nos dramas de vários personagens (e muitos deles são completamente dispensáveis), já que a história é contada a partir de dois grandes arcos principais: o de Augustine na Terra e o de Sully (Felicity Jones), junto com os astronautas, no espaço - é muita coisa para apenas duas horas de filme! Embora o roteiro use alguns atalhos para minimizar esse problema e nos provocar uma certa empatia com os personagens (alguns vão chamar de "clichês"), faltou tempo de tela para que essa identificação justificasse nossa paixão, nossa torcida.
Tecnicamente o filme tem grandes momentos, conceitos visuais muito bacanas (e outros nem tanto). A ótima trilha sonora ajuda a pontuar nossas emoções que vão nos acompanhar durante todo filme e que, facilmente, nos ajuda encontrar seu ápice no final - o que é ótimo, mas nos dá até a sensação de que o filme é muito melhor do que ele realmente é! Mas é inegável: nos emocionamos sim e ficamos satisfeitos com o filme! É isso que importa!
Vale seu play, mas não espere todas as repostas, o "caos" que acompanhamos é apenas o pano de fundo para refletirmos sobre algumas escolhas e suas consequências!
"O Céu da Meia-Noite" é uma difícil adaptação do livro "Good Morning, Midnight " da norte-americana Lily Brooks-Dalton, que trás elementos narrativos similares a filmes como, por exemplo, "Interestelar" (2014), para compor uma história de Ficção Científica, mas que fala mesmo é sobre "solidão" (e, talvez, sobre a necessidade de se perdoar como ser humano e como humanidade) - isso vai ficar muito claro no terceiro ato do filme!
Dirigido e protagonizado pelo George Clooney, o filme acompanha Augustine, um solitário cientista que precisa se comunicar com uma equipe de astronautas que estão em uma missão no espaço e assim impedir que eles retornem para a Terra em meio a uma misteriosa catástrofe ambiental que praticamente dizimou a humanidade. Confira o trailer:
"O Céu da Meia-Noite" é um ótimo entretenimento, mas certamente vai dividir opiniões. Veja, o filme tem cenas de ação que criam aquele senso de urgência, mas também se apoia muito no sentimentalismo e na necessidade de passar uma mensagem de esperança, que, na minha opinião, pareceu sem tanta profundidade e o propósito (até filosófico) de "Interestelar". O que eu quero dizer é que a própria dinâmica narrativa impediu um aprofundamento maior nos dramas de vários personagens (e muitos deles são completamente dispensáveis), já que a história é contada a partir de dois grandes arcos principais: o de Augustine na Terra e o de Sully (Felicity Jones), junto com os astronautas, no espaço - é muita coisa para apenas duas horas de filme! Embora o roteiro use alguns atalhos para minimizar esse problema e nos provocar uma certa empatia com os personagens (alguns vão chamar de "clichês"), faltou tempo de tela para que essa identificação justificasse nossa paixão, nossa torcida.
Tecnicamente o filme tem grandes momentos, conceitos visuais muito bacanas (e outros nem tanto). A ótima trilha sonora ajuda a pontuar nossas emoções que vão nos acompanhar durante todo filme e que, facilmente, nos ajuda encontrar seu ápice no final - o que é ótimo, mas nos dá até a sensação de que o filme é muito melhor do que ele realmente é! Mas é inegável: nos emocionamos sim e ficamos satisfeitos com o filme! É isso que importa!
Vale seu play, mas não espere todas as repostas, o "caos" que acompanhamos é apenas o pano de fundo para refletirmos sobre algumas escolhas e suas consequências!
"O céu está em todo lugar" é um graça, embora discuta um tema extremamente delicado e que vai exigir certa sensibilidade para entender o conceito por trás da narrativa lúdica que simboliza o "luto na adolescência". Veja, o que você vai encontrar nesse filme dirigido pela Josephine Decker (de "Shirley") é um drama jovem, com toque de comédia romântica, alguns clichês, mas muita honestidade - é como se assistíssemos um mix de "No Ritmo do Coração" com o "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain".
"O céu está em todo lugar" segue Lennie (Grace Kaufman), uma jovem de 17 anos, após a morte da irmã mais velha e melhor amiga, Bailey (Havana Rose Liu). Ela se vê dividida entre Toby (Pico Alexander), o namorado de Bailey que na visão dela é o único que compartilha sua dor, e Joe (Jacques Colimon), o novo garoto da cidade que explode de vida. Cada um oferece a Lennie algo que ela precisa desesperadamente para superar seu luto. Através das experiências do primeiro relacionamento e da reflexão sobre as escolhas para o seu futuro, Lennie precisa encarar a vida real, mesmo que essa fique entre a linha tênue do sonho de um amor verdadeiro e o pesadelo da perda de alguém tão especial. Confira o trailer (em inglês):
Baseado no best-seller de Jandy Nelson, "O céu está em todo lugar" se beneficia da inteligência e criatividade de Josephine Decker que respeitou o "espirito" da história contada no livro, ao criar uma narrativa completamente lúdica que transformou uma premissa densa, onde uma família que não sabe lidar com a dor da perda e uma adolescente que tinha todos os motivos para viver em um mundo de lamentações, em uma jornada de aceitação e auto-descoberta através da arte - e aqui não falo apenas do amor de Lennie e Joe pela música, mas sim pelas representações cênicas que Decker utilizou para expressar alguns dos sentimentos e sensações dos personagens.
Obviamente que ter Jandy Nelson como roteirista ajudou nesse processo, mas de fato o filme transita muito bem entre a dura realidade do luto e a fantasia do recomeço, sem deixar de tocar nas feridas de uma forma muito dura até: quando Lennie pergunta para sua vó, Fiona, a incrível Cherry Jones, se o luto vai durar para sempre, a resposta é de cortar o coração, pela sinceridade e delicadeza da conversa. Aliás essa não é a única cena em que as duas juntas brilham: reparem na cena em que Fiona confronta Lennie sobre o egoísmo dela e expõe pela primeira vez seus sentimentos em relação a morte da neta - é lindo, mas toca fundo!
"The Sky is Everywherer" (no original) vai se conectar com os mais jovens pelas indagações e pela beleza da descoberta do amor; e com os mais velhos (como esse que vos escreve) pela capacidade que o roteiro tem de criar inúmeras camadas, em vários personagens, saindo completamente da superfície para discutir o luto como um sentimento muito particular, com visões, percepções e atitudes diferentes, mas não menos importante ou difícil de lidar, não importa para quem seja.
Vale seu play.
"O céu está em todo lugar" é um graça, embora discuta um tema extremamente delicado e que vai exigir certa sensibilidade para entender o conceito por trás da narrativa lúdica que simboliza o "luto na adolescência". Veja, o que você vai encontrar nesse filme dirigido pela Josephine Decker (de "Shirley") é um drama jovem, com toque de comédia romântica, alguns clichês, mas muita honestidade - é como se assistíssemos um mix de "No Ritmo do Coração" com o "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain".
"O céu está em todo lugar" segue Lennie (Grace Kaufman), uma jovem de 17 anos, após a morte da irmã mais velha e melhor amiga, Bailey (Havana Rose Liu). Ela se vê dividida entre Toby (Pico Alexander), o namorado de Bailey que na visão dela é o único que compartilha sua dor, e Joe (Jacques Colimon), o novo garoto da cidade que explode de vida. Cada um oferece a Lennie algo que ela precisa desesperadamente para superar seu luto. Através das experiências do primeiro relacionamento e da reflexão sobre as escolhas para o seu futuro, Lennie precisa encarar a vida real, mesmo que essa fique entre a linha tênue do sonho de um amor verdadeiro e o pesadelo da perda de alguém tão especial. Confira o trailer (em inglês):
Baseado no best-seller de Jandy Nelson, "O céu está em todo lugar" se beneficia da inteligência e criatividade de Josephine Decker que respeitou o "espirito" da história contada no livro, ao criar uma narrativa completamente lúdica que transformou uma premissa densa, onde uma família que não sabe lidar com a dor da perda e uma adolescente que tinha todos os motivos para viver em um mundo de lamentações, em uma jornada de aceitação e auto-descoberta através da arte - e aqui não falo apenas do amor de Lennie e Joe pela música, mas sim pelas representações cênicas que Decker utilizou para expressar alguns dos sentimentos e sensações dos personagens.
Obviamente que ter Jandy Nelson como roteirista ajudou nesse processo, mas de fato o filme transita muito bem entre a dura realidade do luto e a fantasia do recomeço, sem deixar de tocar nas feridas de uma forma muito dura até: quando Lennie pergunta para sua vó, Fiona, a incrível Cherry Jones, se o luto vai durar para sempre, a resposta é de cortar o coração, pela sinceridade e delicadeza da conversa. Aliás essa não é a única cena em que as duas juntas brilham: reparem na cena em que Fiona confronta Lennie sobre o egoísmo dela e expõe pela primeira vez seus sentimentos em relação a morte da neta - é lindo, mas toca fundo!
"The Sky is Everywherer" (no original) vai se conectar com os mais jovens pelas indagações e pela beleza da descoberta do amor; e com os mais velhos (como esse que vos escreve) pela capacidade que o roteiro tem de criar inúmeras camadas, em vários personagens, saindo completamente da superfície para discutir o luto como um sentimento muito particular, com visões, percepções e atitudes diferentes, mas não menos importante ou difícil de lidar, não importa para quem seja.
Vale seu play.
Curioso para quem gosta do universo cheio de glamour dos grandes chefs e angustiante para aqueles que entendem que o que acontece no palco não necessariamente reflete a vida real que se passa na coxia. "O Chef" é um filme intenso e verdadeiramente imersivo que coloca a audiência no meio do caos de um restaurante de alto nível em uma noite particularmente difícil. Tecnicamente irretocável graças ao seu plano-sequência de 90 minutos, o filme dirigido por Philip Barantini (de "O Acusado") acompanha o chef Andy Jones (Stephen Graham) que enfrenta uma série de crises pessoais e profissionais em seu restaurante. Olha, o fato de ter sido filmado em tempo real e sem cortes, só aumenta a tensão do início ao fim, oferecendo uma experiência que mistura a força emocional de "Whiplash" com o universo de "Pegando Fogo" ou de "O Urso"!
"Boiling Point" (no original) se passa em uma única noite, onde Andy tenta manter o controle enquanto tudo ao seu redor começa a desmoronar. Entre clientes exigentes, tensões entre a equipe e problemas pessoais sérios, o chef precisa lidar com a crescente sensação de um colapso iminente - o uso do plano-sequência amplifica a urgência, fazendo com que a audiência tenha a exata sensação do toda a pressão que um chef pode enfrentar na sua carreira. Confira o trailer (em inglês):
Talvez o grande segredo de "O Chef" seja seu roteiro. Escrito pelo próprio Barantini ao lado de seu parceiro de longa data, James Cummings, o texto vai além de apenas mostrar os bastidores de uma cozinha, já que ele explora as consequências emocionais de trabalhar sob a necessidade constante de excelência. A narrativa revela as fragilidades dos personagens e como o estresse extremo pode afetar suas vidas pessoais e suas performances profissionais. O trabalho de Barantini na direção é notável, especialmente por sua escolha ousada de filmar todo o roteiro sem cortes - a sensação de urgência é terrível, amplificando nossa imersão (o que nos leva a compartilhar o estresse dos personagens de uma maneira visceral). Repare como a câmera se move bem fluída pelos corredores estreitos e agitados do restaurante, seguindo os personagens organicamente e mantendo a atmosfera de tensão em cada momento. Repleto de diálogos rápidos e realistas, que ajudam a criar essa atmosfera autêntica e crua, eu diria que o filme, em sua "forma" e "conteúdo", tem uma pegada bem documental capaz de deixar muitas marcas!
Stephen Graham brilha como protagonista, trazendo uma performance cheia de nuances. Ele transmite a fragilidade de Andy, um homem à beira de um colapso, tentando manter uma fachada de controle enquanto sua vida pessoal e profissional se desfazem por sua culpa. O elenco de apoio, incluindo Vinette Robinson (a impagável, Carly) e a talentosa Lauryn Ajufo (como Andrea) também merecem elogios - são atuações impactantes, que enriquecem o drama principal com muito subtexto. Obviamente que a fotografia do jovem Matthew Lewis também brilha - ele destaca o ambiente claustrofóbico e o frenesi da cozinha como se a câmera fosse um personagem invisível, movendo-se pelos espaços apertados e capturando a tensão crescente entre os funcionários e os clientes. O desenho de som é incrível: o som natural da cozinha, com o barulho constante de pratos, panelas e ordens sendo gritadas, cria uma imersão completa no ambiente caótico que tenta se esconder na trilha sonora sutil e diegética, permitindo que os sons do ambiente, o silêncio e os diálogos ocupem sempre o primeiro plano.
Agora saiba que "O Chef" pode dividir opniões pelas suas escolhas conceituais e por ser um retrato real de uma profissão que precisa fugir dos holofotes para entregar o seu valor. Para aqueles que embarcarem na proposta do diretor, esteja preparado para um filme que se destaca tanto pelas escolhas técnicas quanto pela profundidade emocional de seus personagens - e isso vai te tirar da zona de conforto, pode apostar. Embora pequeno em escala, "O Chef" tem um impacto significativo na nossa experiência como audiência e certamente agradará tanto aos amantes de dramas mais intensos quanto os apaixonados por gastronomia.
Vale muito o seu play!
Uma curiosidade: o filme gerou uma série produzida pela BBC focada na personagem Carly que vem recebendo muitos elogios.
Curioso para quem gosta do universo cheio de glamour dos grandes chefs e angustiante para aqueles que entendem que o que acontece no palco não necessariamente reflete a vida real que se passa na coxia. "O Chef" é um filme intenso e verdadeiramente imersivo que coloca a audiência no meio do caos de um restaurante de alto nível em uma noite particularmente difícil. Tecnicamente irretocável graças ao seu plano-sequência de 90 minutos, o filme dirigido por Philip Barantini (de "O Acusado") acompanha o chef Andy Jones (Stephen Graham) que enfrenta uma série de crises pessoais e profissionais em seu restaurante. Olha, o fato de ter sido filmado em tempo real e sem cortes, só aumenta a tensão do início ao fim, oferecendo uma experiência que mistura a força emocional de "Whiplash" com o universo de "Pegando Fogo" ou de "O Urso"!
"Boiling Point" (no original) se passa em uma única noite, onde Andy tenta manter o controle enquanto tudo ao seu redor começa a desmoronar. Entre clientes exigentes, tensões entre a equipe e problemas pessoais sérios, o chef precisa lidar com a crescente sensação de um colapso iminente - o uso do plano-sequência amplifica a urgência, fazendo com que a audiência tenha a exata sensação do toda a pressão que um chef pode enfrentar na sua carreira. Confira o trailer (em inglês):
Talvez o grande segredo de "O Chef" seja seu roteiro. Escrito pelo próprio Barantini ao lado de seu parceiro de longa data, James Cummings, o texto vai além de apenas mostrar os bastidores de uma cozinha, já que ele explora as consequências emocionais de trabalhar sob a necessidade constante de excelência. A narrativa revela as fragilidades dos personagens e como o estresse extremo pode afetar suas vidas pessoais e suas performances profissionais. O trabalho de Barantini na direção é notável, especialmente por sua escolha ousada de filmar todo o roteiro sem cortes - a sensação de urgência é terrível, amplificando nossa imersão (o que nos leva a compartilhar o estresse dos personagens de uma maneira visceral). Repare como a câmera se move bem fluída pelos corredores estreitos e agitados do restaurante, seguindo os personagens organicamente e mantendo a atmosfera de tensão em cada momento. Repleto de diálogos rápidos e realistas, que ajudam a criar essa atmosfera autêntica e crua, eu diria que o filme, em sua "forma" e "conteúdo", tem uma pegada bem documental capaz de deixar muitas marcas!
Stephen Graham brilha como protagonista, trazendo uma performance cheia de nuances. Ele transmite a fragilidade de Andy, um homem à beira de um colapso, tentando manter uma fachada de controle enquanto sua vida pessoal e profissional se desfazem por sua culpa. O elenco de apoio, incluindo Vinette Robinson (a impagável, Carly) e a talentosa Lauryn Ajufo (como Andrea) também merecem elogios - são atuações impactantes, que enriquecem o drama principal com muito subtexto. Obviamente que a fotografia do jovem Matthew Lewis também brilha - ele destaca o ambiente claustrofóbico e o frenesi da cozinha como se a câmera fosse um personagem invisível, movendo-se pelos espaços apertados e capturando a tensão crescente entre os funcionários e os clientes. O desenho de som é incrível: o som natural da cozinha, com o barulho constante de pratos, panelas e ordens sendo gritadas, cria uma imersão completa no ambiente caótico que tenta se esconder na trilha sonora sutil e diegética, permitindo que os sons do ambiente, o silêncio e os diálogos ocupem sempre o primeiro plano.
Agora saiba que "O Chef" pode dividir opniões pelas suas escolhas conceituais e por ser um retrato real de uma profissão que precisa fugir dos holofotes para entregar o seu valor. Para aqueles que embarcarem na proposta do diretor, esteja preparado para um filme que se destaca tanto pelas escolhas técnicas quanto pela profundidade emocional de seus personagens - e isso vai te tirar da zona de conforto, pode apostar. Embora pequeno em escala, "O Chef" tem um impacto significativo na nossa experiência como audiência e certamente agradará tanto aos amantes de dramas mais intensos quanto os apaixonados por gastronomia.
Vale muito o seu play!
Uma curiosidade: o filme gerou uma série produzida pela BBC focada na personagem Carly que vem recebendo muitos elogios.
Mais um filme imperdível! Uma co-produção Argentina/Espanha, vencedor do Prêmio Goya (o Oscar Espanhol) em 2017 na categoria "Best Iberoamerican Film" e dirigido pela dupla Gastón Duprat e Mariano Cohn. E, olha, em um país onde a qualidade cinematográfica já é referência, "O Cidadão Ilustre" foi o filme argentino mais assistido do ano! O filme é sensacional, na delicadeza de tocar em assuntos pesados à qualidade de uma interpretação irretocável - é possível sentir cada sensação do personagem, a cada situação que ele vive e sem passar do tom em nenhum momento - o monstro responsável por isso (não é o Darin...rs) é Oscar Martínez (o mesmo de "Toc Toc").
Martínez interpreta um premiado escritor argentino que vive fora do seu país desde muito jovem e em um determinado momento da sua vida, se sentindo sem muita motivação (e até com uma certa melancolia), ele recebe um convite de sua cidade natal para participar de algumas homenagens pelas suas mais recentes conquistas profissionais. Ao aceitar, ele precisa enfrentar tudo que deixou para trás há 40 anos e ao mesmo tempo recuperar sua essência para continuar contando boas histórias. Veja o Trailer:
Por essa curta sinopse, é fácil pensar que se trata de um drama pesado, triste, mas não, o mérito do filme é justamente esse - tratar esse vazio existencial com um humor inteligente e dramático ao mesmo tempo, e sem perder a mão. Tem um overacting estereotipado de alguns atores que são magistralmente inseridos em um contexto completamente non-sente. É perfeito!!!! Reparem no prefeito da cidade (Manuel Vicente - ele é a personificação desse conceito!!!
É realmente um grande roteiro, muito bem dirigido, muito bem produzido - eu só não gostei muito da câmera solta em alguns momentos quando os diretores apresentavam aquele universo da cidade natal, pois os enquadramentos traduziam a melancolia e a simplicidade do lugar por si só, não precisava de um movimento - aquilo poderia ser um quadro lindo, quase uma pintura (mas foi uma escolha criativa e é preciso respeitar).
Certamente um dos melhores filmes que assisti esse ano!
Dê o play e seja feliz, pois é um entretenimento de primeira qualidade!!!!
Mais um filme imperdível! Uma co-produção Argentina/Espanha, vencedor do Prêmio Goya (o Oscar Espanhol) em 2017 na categoria "Best Iberoamerican Film" e dirigido pela dupla Gastón Duprat e Mariano Cohn. E, olha, em um país onde a qualidade cinematográfica já é referência, "O Cidadão Ilustre" foi o filme argentino mais assistido do ano! O filme é sensacional, na delicadeza de tocar em assuntos pesados à qualidade de uma interpretação irretocável - é possível sentir cada sensação do personagem, a cada situação que ele vive e sem passar do tom em nenhum momento - o monstro responsável por isso (não é o Darin...rs) é Oscar Martínez (o mesmo de "Toc Toc").
Martínez interpreta um premiado escritor argentino que vive fora do seu país desde muito jovem e em um determinado momento da sua vida, se sentindo sem muita motivação (e até com uma certa melancolia), ele recebe um convite de sua cidade natal para participar de algumas homenagens pelas suas mais recentes conquistas profissionais. Ao aceitar, ele precisa enfrentar tudo que deixou para trás há 40 anos e ao mesmo tempo recuperar sua essência para continuar contando boas histórias. Veja o Trailer:
Por essa curta sinopse, é fácil pensar que se trata de um drama pesado, triste, mas não, o mérito do filme é justamente esse - tratar esse vazio existencial com um humor inteligente e dramático ao mesmo tempo, e sem perder a mão. Tem um overacting estereotipado de alguns atores que são magistralmente inseridos em um contexto completamente non-sente. É perfeito!!!! Reparem no prefeito da cidade (Manuel Vicente - ele é a personificação desse conceito!!!
É realmente um grande roteiro, muito bem dirigido, muito bem produzido - eu só não gostei muito da câmera solta em alguns momentos quando os diretores apresentavam aquele universo da cidade natal, pois os enquadramentos traduziam a melancolia e a simplicidade do lugar por si só, não precisava de um movimento - aquilo poderia ser um quadro lindo, quase uma pintura (mas foi uma escolha criativa e é preciso respeitar).
Certamente um dos melhores filmes que assisti esse ano!
Dê o play e seja feliz, pois é um entretenimento de primeira qualidade!!!!
"O Conde" é simplesmente genial, no entanto não será uma jornada muito fácil já que sua narrativa cheia de simbolismo, ironia, sarcasmo e critica exige da audiência um certo conhecimento da história politica sangrenta do ditador Augusto Pinochet, no Chile, para que a experiência seja, de fato, marcante. Com uma habilidade impressionante, o diretor Pablo Larraín (de "Spencer"), resgata a figura de Pinochet emprestando um certo tom de fábula, com vários elementos fantásticos, capaz de transformar o conhecido genocida em um vampiro caricato, resignificando com muita inteligência a sua reconhecida sede por sangue. A capacidade de Larraín em revisitar o recente passado de seu país e recontar algumas passagens politicas tão marcantes quanto tristes, de uma forma quase nonsense, faz dessa produção da Netflix uma das melhores de 2023. Mas atenção: esse filme não deve agradar a todos, portanto sugiro uma leitura atenta antes do play!
O filme se passa em uma realidade alternativa que mostra Augusto Pinochet (Jaime Vadell) como um vampiro envelhecido e isolado em uma mansão abandonada. Após 250 anos se alimentando de sangue para sobreviver, ele está decidido a morrer de uma vez por todas. Frustrado pela forma como o povo chileno o reconhece, e cercado por uma família notavelmente oportunista, o vampiro já não vê nenhuma razão para continuar sua trajetória de conquistas pela vida eterna. Porém, quando tudo parece perdido, ele acaba descobrindo uma inspiração que lhe faz querer abandonar esses planos. Confira o trailer (com legendas em inglês):
Com um roteiro repleto de cinismo (daqueles que você ri de nervoso, mas aplaude mentalmente), Guillermo Calder (de "Neruda") ao lado do próprio Larraín, transitam entre o absurdo e a ignorância (obviamente sempre pontuada pela crítica irônica e respaldada pelos fatos) para contar a história do ditador Augusto Pinochet pelos seus próprios olhos - embora o filme seja narrado por uma personagem misteriosa que assim que é apresentada no terceiro ato, nos deixa de queixo caído. Para quem não sabe, Pinochet liderou um golpe de Estado em 1973, derrubando o governo democraticamente eleito de Salvador Allende. e assumiu o poder como líder da junta militar e posteriormente se autoproclamou presidente do Chile. Seu governo, que durou de 1973 a 1990, foi marcado por repressão política, violações dos direitos humanos e políticas econômicas que bebiam na fonte da corrupção - o curioso, no entanto, é como o filme insere informações relevantes sobre os bastidores dessas histórias e como o personagem interpreta seu legado em meio a uma crise existencial (ele sofrendo por ser reconhecido como "ladrão", é impagável).
Toda essa qualidade do texto é lindamente emoldurada por uma fotografia digna de Oscar. O fotografo americano Edward Lachman (indicado ao Oscar por "Carol" e "Longe do Paraíso") se apropria do preto e branco para criar um tom sombrio e misterioso - é como se assistíssemos "Nosferatu". Todo o desenho de produção, habilmente, explora esse aspecto de velho e carcomido para falar do passado, mas sem deixar de criar paralelos com o presente - as metáforas visuais são tão imponentes quanto as textuais e juntas, olha, é uma aula de cinema. Como diretor, Larraín é muito, mas muito, sagaz ao convidar a audiência a interpretar os eventos do filme e assim encontrar sentido com o que vimos ou vivemos na história recente do nosso país - fico imaginando como é rica essa experiência para um chileno, se para nós já é sensacional!
Outro ponto que merece destaque é a relação familiar de Augusto Pinochet, especialmente com sua mulher, Lucía Hiriart (Gloria Münchmeyer). Veja, embora essa relação tenha sido usada para criar uma imagem de estabilidade e moralidade, ela também foi marcada por acusações de corrupção e enriquecimento pessoal, que contribuíram para a controvérsia em torno de seu regime autoritário no Chile - a cena da freira Carmencita (Paula Luchsinger) entrevistando os cinco filhos do ditador e perguntando sobre algumas situações, digamos duvidosas, como aquela do caso Riggs, por exemplo, é muito engraçada. Quando embarcarmos nessa genialidade mais debochada de Larraín, nossa percepção muda de patamar!
"O Conde" talvez seja o "Roma" de Larraín - autoral, corajoso, bem executado tecnicamente, artisticamente impecável, e longe de ser um filme fácil e muito menos superficial. Toda essa linguagem mais satírica, misturada com uma bem equilibrada farsa política, não vai agradar aquela audiência que acha se tratar de um filme de terror sobre vampiros. Esquece! "O Conde" é muito mais do que isso e vale muito o seu play, principalmente se você tiver o cuidado de ler ou souber o que representou o governo Pinochet e como suas atitudes e discurso, além de hipócritas, foram fatais para aquele país.
Imperdível!
"O Conde" é simplesmente genial, no entanto não será uma jornada muito fácil já que sua narrativa cheia de simbolismo, ironia, sarcasmo e critica exige da audiência um certo conhecimento da história politica sangrenta do ditador Augusto Pinochet, no Chile, para que a experiência seja, de fato, marcante. Com uma habilidade impressionante, o diretor Pablo Larraín (de "Spencer"), resgata a figura de Pinochet emprestando um certo tom de fábula, com vários elementos fantásticos, capaz de transformar o conhecido genocida em um vampiro caricato, resignificando com muita inteligência a sua reconhecida sede por sangue. A capacidade de Larraín em revisitar o recente passado de seu país e recontar algumas passagens politicas tão marcantes quanto tristes, de uma forma quase nonsense, faz dessa produção da Netflix uma das melhores de 2023. Mas atenção: esse filme não deve agradar a todos, portanto sugiro uma leitura atenta antes do play!
O filme se passa em uma realidade alternativa que mostra Augusto Pinochet (Jaime Vadell) como um vampiro envelhecido e isolado em uma mansão abandonada. Após 250 anos se alimentando de sangue para sobreviver, ele está decidido a morrer de uma vez por todas. Frustrado pela forma como o povo chileno o reconhece, e cercado por uma família notavelmente oportunista, o vampiro já não vê nenhuma razão para continuar sua trajetória de conquistas pela vida eterna. Porém, quando tudo parece perdido, ele acaba descobrindo uma inspiração que lhe faz querer abandonar esses planos. Confira o trailer (com legendas em inglês):
Com um roteiro repleto de cinismo (daqueles que você ri de nervoso, mas aplaude mentalmente), Guillermo Calder (de "Neruda") ao lado do próprio Larraín, transitam entre o absurdo e a ignorância (obviamente sempre pontuada pela crítica irônica e respaldada pelos fatos) para contar a história do ditador Augusto Pinochet pelos seus próprios olhos - embora o filme seja narrado por uma personagem misteriosa que assim que é apresentada no terceiro ato, nos deixa de queixo caído. Para quem não sabe, Pinochet liderou um golpe de Estado em 1973, derrubando o governo democraticamente eleito de Salvador Allende. e assumiu o poder como líder da junta militar e posteriormente se autoproclamou presidente do Chile. Seu governo, que durou de 1973 a 1990, foi marcado por repressão política, violações dos direitos humanos e políticas econômicas que bebiam na fonte da corrupção - o curioso, no entanto, é como o filme insere informações relevantes sobre os bastidores dessas histórias e como o personagem interpreta seu legado em meio a uma crise existencial (ele sofrendo por ser reconhecido como "ladrão", é impagável).
Toda essa qualidade do texto é lindamente emoldurada por uma fotografia digna de Oscar. O fotografo americano Edward Lachman (indicado ao Oscar por "Carol" e "Longe do Paraíso") se apropria do preto e branco para criar um tom sombrio e misterioso - é como se assistíssemos "Nosferatu". Todo o desenho de produção, habilmente, explora esse aspecto de velho e carcomido para falar do passado, mas sem deixar de criar paralelos com o presente - as metáforas visuais são tão imponentes quanto as textuais e juntas, olha, é uma aula de cinema. Como diretor, Larraín é muito, mas muito, sagaz ao convidar a audiência a interpretar os eventos do filme e assim encontrar sentido com o que vimos ou vivemos na história recente do nosso país - fico imaginando como é rica essa experiência para um chileno, se para nós já é sensacional!
Outro ponto que merece destaque é a relação familiar de Augusto Pinochet, especialmente com sua mulher, Lucía Hiriart (Gloria Münchmeyer). Veja, embora essa relação tenha sido usada para criar uma imagem de estabilidade e moralidade, ela também foi marcada por acusações de corrupção e enriquecimento pessoal, que contribuíram para a controvérsia em torno de seu regime autoritário no Chile - a cena da freira Carmencita (Paula Luchsinger) entrevistando os cinco filhos do ditador e perguntando sobre algumas situações, digamos duvidosas, como aquela do caso Riggs, por exemplo, é muito engraçada. Quando embarcarmos nessa genialidade mais debochada de Larraín, nossa percepção muda de patamar!
"O Conde" talvez seja o "Roma" de Larraín - autoral, corajoso, bem executado tecnicamente, artisticamente impecável, e longe de ser um filme fácil e muito menos superficial. Toda essa linguagem mais satírica, misturada com uma bem equilibrada farsa política, não vai agradar aquela audiência que acha se tratar de um filme de terror sobre vampiros. Esquece! "O Conde" é muito mais do que isso e vale muito o seu play, principalmente se você tiver o cuidado de ler ou souber o que representou o governo Pinochet e como suas atitudes e discurso, além de hipócritas, foram fatais para aquele país.
Imperdível!
"O Consultor" vai dividir opiniões - principalmente pelas expectativas que ele cria (de uma forma genial) e a entrega que ele faz no final (embora mostre enorme potencial para uma sequência)! Veja, talvez o maior mérito da série, e que de fato chama atenção desde o inicio, no final se transforma em sua maior fraqueza e a razão pela qual vai te fazer questionar sobre a qualidade da história: a série da Prime Vídeo bebe de muitas referências que colocam o sarrafo lá em cima. Não é preciso ir muito fundo para perceber elementos conceituais usados em verdadeiros sucessos, mesmo que em tons diferentes, como "The Office", "Mythic Quest", "Ruptura" e até como "O Advogado do Diabo"- o grande problema é que aqui, propositalmente, o arco principal deixa muito mais um suspense, um mistério, e por isso um certo incômodo, do que se propõe a entregar respostas, por menor que sejam, para que tenhamos uma leve sensação de estarmos no caminho certo.
A questão é: existe um caminho?
Contratado como consultor para resgatar a CompWare da falência após um evento traumático para a startup especializada em games para celular, Regus Patoff (Christopher Waltz) gradualmente começa a colocar seu particular estilo de gestão, mesmo que isso não tenha absolutamente nada a ver com a cultura criada e estabelecida pelo seu fundador, o jovem Sang (Brian Yoon), o que cria uma verdadeira atmosfera de tensão e insegurança perante todos os colaboradores da empresa. Confira o trailer:
Se olharmos por um determinado ponto de vista, "O Consultor" é muito mais uma aula sobre cultura corporativado que propriamente um mero entretenimento, mas calma: é possível se divertir com a série criada pelo Tony Basgallop (de "Servant"). Inspirado no romance homônimo de Bentley Little, de 2015, "O Consultor" é uma espécie de sátira sobre a péssima relação entre umcolaborador e uma nova liderança desalinhada com a cultura da empresa, que acaba questionando o queseríamos capazes de fazer para sobreviverem um ambiente corporativo que da noite para o dia passa a ser tão tóxico quando volátil.
Christopher Waltz, de fato, constrói um protagonista brilhante, digno de prêmios! Mas a sensação é que, com o passar dos episódios, o "efeito Lost" parece fazer mais uma vitima, ou seja, mesmo com um personagem que nos provoca as mais diversas emoções, os mistérios inseridos no roteiro não entregam sequer uma resposta convincente - é como se todas as (interessantes) maluquices que vemos durante a temporada, simplesmente estão ali por estar. Diferente de "Ruptura" onde tudo parece ter algum sentido (mesmo que exija uma enorme suspensão da realidade), aqui as peças não se encaixam em nenhum momento - mesmo com um final conclusivo que, inclusive, coloca em dúvida a ideia de que uma continuidade para a história possa ter sido planejada.
"O Consultor" aposta suas fichas na sobriedade claustrofóbica de uma palheta de cores frias que contrasta com os neons que praticamente saltam ao olhos da audiência, como se precisassem pontuar um universo entre o tradicional e o moderno que não sabe muito bem o tamanho de sua importância - esse aspecto mais dúbio, envolvido por uma trilha sonora precisa e equilibrada, dá o tom do que o roteiro sugere, mas falha em validar qualquer que fosse a teoria que naturalmente levantamos desde o inicio da temporada. Entretanto, ainda que como entretenimento exista gaps narrativos imensos, é possível afirmar que algo bom pode estar por vir - a dúvida é se a audiência terá paciência e se o próprio Basgallop terá liberdade criativa para provar que tudo um dia fará sentido. Veremos!
"O Consultor" vai dividir opiniões - principalmente pelas expectativas que ele cria (de uma forma genial) e a entrega que ele faz no final (embora mostre enorme potencial para uma sequência)! Veja, talvez o maior mérito da série, e que de fato chama atenção desde o inicio, no final se transforma em sua maior fraqueza e a razão pela qual vai te fazer questionar sobre a qualidade da história: a série da Prime Vídeo bebe de muitas referências que colocam o sarrafo lá em cima. Não é preciso ir muito fundo para perceber elementos conceituais usados em verdadeiros sucessos, mesmo que em tons diferentes, como "The Office", "Mythic Quest", "Ruptura" e até como "O Advogado do Diabo"- o grande problema é que aqui, propositalmente, o arco principal deixa muito mais um suspense, um mistério, e por isso um certo incômodo, do que se propõe a entregar respostas, por menor que sejam, para que tenhamos uma leve sensação de estarmos no caminho certo.
A questão é: existe um caminho?
Contratado como consultor para resgatar a CompWare da falência após um evento traumático para a startup especializada em games para celular, Regus Patoff (Christopher Waltz) gradualmente começa a colocar seu particular estilo de gestão, mesmo que isso não tenha absolutamente nada a ver com a cultura criada e estabelecida pelo seu fundador, o jovem Sang (Brian Yoon), o que cria uma verdadeira atmosfera de tensão e insegurança perante todos os colaboradores da empresa. Confira o trailer:
Se olharmos por um determinado ponto de vista, "O Consultor" é muito mais uma aula sobre cultura corporativado que propriamente um mero entretenimento, mas calma: é possível se divertir com a série criada pelo Tony Basgallop (de "Servant"). Inspirado no romance homônimo de Bentley Little, de 2015, "O Consultor" é uma espécie de sátira sobre a péssima relação entre umcolaborador e uma nova liderança desalinhada com a cultura da empresa, que acaba questionando o queseríamos capazes de fazer para sobreviverem um ambiente corporativo que da noite para o dia passa a ser tão tóxico quando volátil.
Christopher Waltz, de fato, constrói um protagonista brilhante, digno de prêmios! Mas a sensação é que, com o passar dos episódios, o "efeito Lost" parece fazer mais uma vitima, ou seja, mesmo com um personagem que nos provoca as mais diversas emoções, os mistérios inseridos no roteiro não entregam sequer uma resposta convincente - é como se todas as (interessantes) maluquices que vemos durante a temporada, simplesmente estão ali por estar. Diferente de "Ruptura" onde tudo parece ter algum sentido (mesmo que exija uma enorme suspensão da realidade), aqui as peças não se encaixam em nenhum momento - mesmo com um final conclusivo que, inclusive, coloca em dúvida a ideia de que uma continuidade para a história possa ter sido planejada.
"O Consultor" aposta suas fichas na sobriedade claustrofóbica de uma palheta de cores frias que contrasta com os neons que praticamente saltam ao olhos da audiência, como se precisassem pontuar um universo entre o tradicional e o moderno que não sabe muito bem o tamanho de sua importância - esse aspecto mais dúbio, envolvido por uma trilha sonora precisa e equilibrada, dá o tom do que o roteiro sugere, mas falha em validar qualquer que fosse a teoria que naturalmente levantamos desde o inicio da temporada. Entretanto, ainda que como entretenimento exista gaps narrativos imensos, é possível afirmar que algo bom pode estar por vir - a dúvida é se a audiência terá paciência e se o próprio Basgallop terá liberdade criativa para provar que tudo um dia fará sentido. Veremos!
Essa é para você matar a saudade de um bom drama policial nórdico! Embora "O Degelo" seja polonesa, todos os elementos narrativos e conceitos estéticos inevitavelmente nos levam para as ótimas séries dinamarquesas e suecas de investigação criminal - e mais uma vez, funciona demais! "Odwilż" (no original) é uma série criada pela novata, mas talentosa, Marta Szymanek (de "Wataha") e dirigida por Xawery Żuławski, que mergulha nas profundezas do luto e das complexidades das relações humanas para desenvolver o mistério da sua trama. Com uma narrativa realmente sombria e envolvente, bem ao estilo "The Killing" (ou melhor, "Forbrydelsen"), a série explora não apenas a investigação de um crime brutal, mas também as ramificações pessoais e as lutas internas dos personagens que transitam pela história. Ambientada em Szczecin, uma cidade fria e úmida no noroeste da Polônia, "O Degelo" faz de seu cenário um reflexo das emoções e tensões presentes em uma jornada que facilmente vai te conquistar..
A história, basicamente, segue Zawieja (Katarzyna Wajda), uma investigadora que, após a morte de seu marido, é encarregada de investigar o caso do desaparecimento de uma jovem mulher cujo corpo é encontrado em circunstâncias bastante misteriosas. À medida que Zawieja mergulha nessa investigação, ela descobre que a mulher assassinada, além de filha de um famoso procurador, estava grávida e que a criança provavelmente ainda está viva. Determinada a encontrar respostas, Zawieja precisa enfrentar não apenas os desafios do caso, como também o seu recente trauma familiar. Confira o trailer (em polonês):
É impressionante como "O Degelo" sabe construir uma narrativa que transforma o clima frio e opressivo em sensações pouco agradáveis para quem assiste. Se essa proposta de fato não é uma inovação narrativa., é preciso dizer que, pelo menos, a direção de Xawery Żuławski é extremamente eficaz em capturar a angústia desse ambiente para entregar uma história em constante tensão. A fotografia do Tomasz Naumiuk (o mesmo de "Rastros") utiliza os tons frios das paisagens desoladoras de Szczecin para intensificar a sensação de desconforto e perigo iminente, mantendo a audiência imersa em uma jornada que parece sempre estar à beira de um colapso emocional - como, aliás, manda a receita de um bom drama nórdico. Já o roteiro de Marta Szymanek, embora siga a estrutura clássica dos thrillers policiais, se diferencia pornão se contentar em ser apenas um mistério para ser resolvido; é também um estudo sobre a dor, o luto e a busca por redenção - é possível notar como o desaparecimento da criança se torna uma metáfora importante para as ausências e os vazios emocionais que assombram a protagonista e outros personagens. Repare como ao longo da série, temas como maternidade, sacrifício e o peso das escolhas são explorados de forma sensível, conferindo uma camada ainda mais profunda à narrativa.
Katarzyna Wajda, no papel de Zawieja, entrega uma atuação realmente poderosa e convincente na medida certa. Ela interpreta uma mulher com a frieza necessária de uma investigadora e as emoções que assombram sua vida pessoal. A dor pelo luto do marido de um lado e a determinação de Zawieja em solucionar o caso do outro, são tão palpáveis ao ponto dela conseguir transmitir a mesma intensidade entre uma cena e outra - ela se transforma apenas com o olhar e com a respiração. Tudo sem exageros, Wajda mantém sua personagem sempre crível e envolvente. Eu diria que sua atuação é um dos pilares da série, ancorando a narrativa que está estruturada de forma a revelar gradualmente as complexidades do caso. Esse formato nos mantém intrigados, enquanto as camadas de mistério são desvendadas, revelando segredos ocultos, tanto no passado da vítima quanto da própria vida de Zawieja.
Com um ritmo calculado, com um equilíbrio entre momentos de ação e introspecção, que permite um desenvolvimento interessante dos personagens e uma progressão eficaz do enredo, "O Degelo" oferece uma experiência cativante para quem já estava com saudades de um bom drama policial cheio de elementos psicológicos. Então, se você busca algo mais do que apenas resolver um crime e está pronto para um mergulho nos ecos emocionais que assombram os protagonistas, essa série é realmente imperdível!
Essa é para você matar a saudade de um bom drama policial nórdico! Embora "O Degelo" seja polonesa, todos os elementos narrativos e conceitos estéticos inevitavelmente nos levam para as ótimas séries dinamarquesas e suecas de investigação criminal - e mais uma vez, funciona demais! "Odwilż" (no original) é uma série criada pela novata, mas talentosa, Marta Szymanek (de "Wataha") e dirigida por Xawery Żuławski, que mergulha nas profundezas do luto e das complexidades das relações humanas para desenvolver o mistério da sua trama. Com uma narrativa realmente sombria e envolvente, bem ao estilo "The Killing" (ou melhor, "Forbrydelsen"), a série explora não apenas a investigação de um crime brutal, mas também as ramificações pessoais e as lutas internas dos personagens que transitam pela história. Ambientada em Szczecin, uma cidade fria e úmida no noroeste da Polônia, "O Degelo" faz de seu cenário um reflexo das emoções e tensões presentes em uma jornada que facilmente vai te conquistar..
A história, basicamente, segue Zawieja (Katarzyna Wajda), uma investigadora que, após a morte de seu marido, é encarregada de investigar o caso do desaparecimento de uma jovem mulher cujo corpo é encontrado em circunstâncias bastante misteriosas. À medida que Zawieja mergulha nessa investigação, ela descobre que a mulher assassinada, além de filha de um famoso procurador, estava grávida e que a criança provavelmente ainda está viva. Determinada a encontrar respostas, Zawieja precisa enfrentar não apenas os desafios do caso, como também o seu recente trauma familiar. Confira o trailer (em polonês):
É impressionante como "O Degelo" sabe construir uma narrativa que transforma o clima frio e opressivo em sensações pouco agradáveis para quem assiste. Se essa proposta de fato não é uma inovação narrativa., é preciso dizer que, pelo menos, a direção de Xawery Żuławski é extremamente eficaz em capturar a angústia desse ambiente para entregar uma história em constante tensão. A fotografia do Tomasz Naumiuk (o mesmo de "Rastros") utiliza os tons frios das paisagens desoladoras de Szczecin para intensificar a sensação de desconforto e perigo iminente, mantendo a audiência imersa em uma jornada que parece sempre estar à beira de um colapso emocional - como, aliás, manda a receita de um bom drama nórdico. Já o roteiro de Marta Szymanek, embora siga a estrutura clássica dos thrillers policiais, se diferencia pornão se contentar em ser apenas um mistério para ser resolvido; é também um estudo sobre a dor, o luto e a busca por redenção - é possível notar como o desaparecimento da criança se torna uma metáfora importante para as ausências e os vazios emocionais que assombram a protagonista e outros personagens. Repare como ao longo da série, temas como maternidade, sacrifício e o peso das escolhas são explorados de forma sensível, conferindo uma camada ainda mais profunda à narrativa.
Katarzyna Wajda, no papel de Zawieja, entrega uma atuação realmente poderosa e convincente na medida certa. Ela interpreta uma mulher com a frieza necessária de uma investigadora e as emoções que assombram sua vida pessoal. A dor pelo luto do marido de um lado e a determinação de Zawieja em solucionar o caso do outro, são tão palpáveis ao ponto dela conseguir transmitir a mesma intensidade entre uma cena e outra - ela se transforma apenas com o olhar e com a respiração. Tudo sem exageros, Wajda mantém sua personagem sempre crível e envolvente. Eu diria que sua atuação é um dos pilares da série, ancorando a narrativa que está estruturada de forma a revelar gradualmente as complexidades do caso. Esse formato nos mantém intrigados, enquanto as camadas de mistério são desvendadas, revelando segredos ocultos, tanto no passado da vítima quanto da própria vida de Zawieja.
Com um ritmo calculado, com um equilíbrio entre momentos de ação e introspecção, que permite um desenvolvimento interessante dos personagens e uma progressão eficaz do enredo, "O Degelo" oferece uma experiência cativante para quem já estava com saudades de um bom drama policial cheio de elementos psicológicos. Então, se você busca algo mais do que apenas resolver um crime e está pronto para um mergulho nos ecos emocionais que assombram os protagonistas, essa série é realmente imperdível!
Você vai se surpreender com essa produção original da Netflix, "O Desconhecido". Sem exagero algum, mas se me dissessem que o filme havia sido dirigido pelo David Fincher ou até pelo Nolan, eu acreditaria tranquilamente. Até por isso eu preciso avisar que não se trata de uma jornada das mais fáceis, nem na "forma" e muito menos no seu "conteúdo". Na "forma", existe uma certa morosidade no primeiro ato (e talvez até o meio do segundo), o conceito narrativo também soa confuso em um primeiro olhar (embora com o tempo as peças se encaixem perfeitamente, mesmo que isso exija alguma paciência) e a fotografia, escura e densa, amplifica essa sensação de cansaço que a história possa oferecer até "pegar no tranco". Já no "conteúdo", posso antecipar que se trata de uma história pesada, cheia de nuances e detalhes muito bem desenvolvidos, mas olha, difíceis de digerir.
Em "The Stranger" (no original), dois homens se encontram por acaso e iniciam uma parceria que se transforma em uma forte amizade. Para Henry Teague (Sean Harris), desgastado por uma vida inteira de trabalho físico e alguns crimes, essa conexão é um sonho realizado, uma oportunidade; seu novo amigo Mark (Joel Edgerton) pode ser seu salvador e aliado eterno. No entanto, nem tudo é o que parece ser e cada um carrega segredos que ameaçam arruiná-los a cada novo trabalho. Confira o trailer (em inglês):
Essa é uma das maiores operações policiais da história da Austrália e foi baseada no livro "The Sting" da jornalista e escritora Kate Kyriacou, no entanto o que mais impressiona desde o primeiro plano, é como o diretor Thomas M. Wright (de "Acute Misfortune") cria uma atmosfera de suspense e de muita tensão. Reparem como o diretor de fotografia, Sam Chiplin (da ótima minissérie "Em Prantos"), usa de uma paleta de cores sombria e com muito contrastante, juntamente com enquadramentos mais fechados, para enfatizar o clima opressivo e o desconforto emocional dos personagens - tudo se encaixa tão perfeitamente que parece se tratar de uma produção com muito mais grife do realmente é - e isso é um baita elogio!
O conceito narrativo de "O Desconhecido", de fato, é tão complexa quanto intrigante. O filme segue os dois protagonistas sem parecer querer entregar muitas informações, no entanto, conforme a trama vai se desenrolando, descobrimos lentamente os segredos ocultos, os medos, as inseguranças e até as conexões obscuras que eles vão criando. O roteiro habilmente estruturada pelo próprio Wright parece ganhar ainda mais potência (se é que isso é possível) com a notável qualidade da edição do Simon Njoo (de "The Nightingale"). Ela alterna entre o passado e o presente, criando uma sensação de angustia e mistério, impressionante.
No final das contas, "O Desconhecido" sabe muito bem trabalhar um abstrato (e difícil) componente narrativo com muita sabedoria: a antítese. Com performances brilhantes de Joel Edgerton e Sean Harris, temos a exata sensação de estarmos frente a frente em uma batalha onde um é o veneno mortal e o outro seu pior antídoto - essa análise comportamental e emocional dos protagonistas está em muitos detalhes, da relação de Mark com seu filho ao desejo de Henry pelo seu parceiro, criando assim camadas tão profundas que a própria investigação fica em segundo plano.
Olha, uma produção de se tirar o chapéu! Vale muito o seu play!
Você vai se surpreender com essa produção original da Netflix, "O Desconhecido". Sem exagero algum, mas se me dissessem que o filme havia sido dirigido pelo David Fincher ou até pelo Nolan, eu acreditaria tranquilamente. Até por isso eu preciso avisar que não se trata de uma jornada das mais fáceis, nem na "forma" e muito menos no seu "conteúdo". Na "forma", existe uma certa morosidade no primeiro ato (e talvez até o meio do segundo), o conceito narrativo também soa confuso em um primeiro olhar (embora com o tempo as peças se encaixem perfeitamente, mesmo que isso exija alguma paciência) e a fotografia, escura e densa, amplifica essa sensação de cansaço que a história possa oferecer até "pegar no tranco". Já no "conteúdo", posso antecipar que se trata de uma história pesada, cheia de nuances e detalhes muito bem desenvolvidos, mas olha, difíceis de digerir.
Em "The Stranger" (no original), dois homens se encontram por acaso e iniciam uma parceria que se transforma em uma forte amizade. Para Henry Teague (Sean Harris), desgastado por uma vida inteira de trabalho físico e alguns crimes, essa conexão é um sonho realizado, uma oportunidade; seu novo amigo Mark (Joel Edgerton) pode ser seu salvador e aliado eterno. No entanto, nem tudo é o que parece ser e cada um carrega segredos que ameaçam arruiná-los a cada novo trabalho. Confira o trailer (em inglês):
Essa é uma das maiores operações policiais da história da Austrália e foi baseada no livro "The Sting" da jornalista e escritora Kate Kyriacou, no entanto o que mais impressiona desde o primeiro plano, é como o diretor Thomas M. Wright (de "Acute Misfortune") cria uma atmosfera de suspense e de muita tensão. Reparem como o diretor de fotografia, Sam Chiplin (da ótima minissérie "Em Prantos"), usa de uma paleta de cores sombria e com muito contrastante, juntamente com enquadramentos mais fechados, para enfatizar o clima opressivo e o desconforto emocional dos personagens - tudo se encaixa tão perfeitamente que parece se tratar de uma produção com muito mais grife do realmente é - e isso é um baita elogio!
O conceito narrativo de "O Desconhecido", de fato, é tão complexa quanto intrigante. O filme segue os dois protagonistas sem parecer querer entregar muitas informações, no entanto, conforme a trama vai se desenrolando, descobrimos lentamente os segredos ocultos, os medos, as inseguranças e até as conexões obscuras que eles vão criando. O roteiro habilmente estruturada pelo próprio Wright parece ganhar ainda mais potência (se é que isso é possível) com a notável qualidade da edição do Simon Njoo (de "The Nightingale"). Ela alterna entre o passado e o presente, criando uma sensação de angustia e mistério, impressionante.
No final das contas, "O Desconhecido" sabe muito bem trabalhar um abstrato (e difícil) componente narrativo com muita sabedoria: a antítese. Com performances brilhantes de Joel Edgerton e Sean Harris, temos a exata sensação de estarmos frente a frente em uma batalha onde um é o veneno mortal e o outro seu pior antídoto - essa análise comportamental e emocional dos protagonistas está em muitos detalhes, da relação de Mark com seu filho ao desejo de Henry pelo seu parceiro, criando assim camadas tão profundas que a própria investigação fica em segundo plano.
Olha, uma produção de se tirar o chapéu! Vale muito o seu play!
"O diabo de cada dia" foi uma agradável surpresa e embora muita gente possa discordar, é um grande filme! Existe uma linha tênue entre violência e religiosidade, que veio se intensificando através dos anos e o filme soube trabalhar esses elementos dentro de um universo bem particular e, de fato, fez todo o sentido na jornada de cada um dos personagens.
Baseado no livro homônimo de Donald Ray Pollock, The Devil All the Time (mas que aqui no Brasil recebeu o título de "O mal nosso de cada dia"), o filme acompanha diversos personagens num canto esquecido de Ohio, nos EUA, entre a Segunda Guerra Mundial e a Guerra do Vietnã, que, de alguma forma, foram impactados pelos efeitos da violência e/ou pela fé, como justificativa de suas escolhas ou do seu destino. Sim, eu sei que parece confuso ou filosófico demais, mas veja o trailer e tudo passará a fazer um pouco mais sentido:
Talvez o único comentário que se faça necessário é que o filme não é um suspense, não tem nenhum elemento sobrenatural e muito menos é superficial. O terror e a violência existem, mas é o ser humano e a forma como ele interpreta alguns dogmas, que fazem de "O diabo de cada dia" realmente assustador - eu diria que é o terror do cotidiano, da ignorância, do extremismo, mas tudo isso contado de um forma bastante inteligente e dinâmica - sem falar no ótimo trabalho de direção, desenho de produção e edição! Típico filme que se fosse uma série da HBO levaria todos os prêmios possíveis nas premiações - e isso é um baita elogio!
Um dos pontos altos "O diabo de cada dia" é o seu roteiro! Por se tratar de uma adaptação, muito se especula sobre a qualidade ou sobre a fidelidade em relação ao livro. Pois bem, aqui já saímos tendo o escritor da obra ao lado dos roteiristas, Antonio e Paulo Campos, e isso fica muito claro pelas escolhas narrativas que encontramos no filme - o próprio Donald Ray Pollock é o narrador, o que dá o tom certo para a história.
Por se tratar de quatro histórias que vão se encontrando até fechar um grande ciclo, algumas resoluções acabam levando para um epílogo um pouco óbvio, mas isso não atrapalha em nada nossa experiência, já que é impossível saber qual será, exatamente, o fim de cada um dos personagens - e posso garantir que somos surpreendidos no encerramento de quase todas essas sub-tramas que servem como peças de um enorme quebra-cabeça. Veja, no primeiro ato conhecemos Willard Russell (Bill Skarsgard), um atormentado veterano de guerra, que sobreviveu à segunda guerra. Ele não consegue salvar sua jovem esposa, Charlotte (Haley Bennett), de um câncer, mesmo com toda sua fé e devoção. Já Carl (Jason Clarke) e Sandy Henderson (Riley Keough), se conhecem na mesma época que Russel e sua esposa, porém acabam se transformando em um casal de assassinos em série graças ao fetiche de Carl em fotografar Sandy com outros homens. No segundo ato, seguimos Arvin Russell (Tom Holland), órfão de Willard e Charlotte, que cresceu para ser um homem bom, mas que começa a demonstrar comportamentos violentos quando passa a desconfiar que o novo líder religioso da cidade, Preston Teagardin (Robert Pattinson) está abusando de sua irmã adotiva Lenora (Eliza Scanlen), filha da primeira vítima de Carl e Sandy.
Entendeu a dinâmica? E esse foi só um exemplo de como as histórias vão se cruzando. Existem outras sub-tramas que mereciam, inclusive, mais tempo de desenvolvimento - por isso aquele comentário sobre quanto seria bacana se "O diabo de cada dia" fosse uma minissérie! Com relação a produção, eu só posso elogiar: a reconstrução de época, desde as escolhas das locações até todo o trabalho de arte, está impecável - digno de prêmios. A fotografia do inglês Lol Crawley (The OA) é muito bonita e junto com a direção de Campos, fazem fluir a história sem muita inventividade, mas com ótimas escolhas de enquadramentos, extremamente alinhados com um elenco do mais alto nível - destaques para Bill Skarsgard, Tom Holland e Robert Pattinson!
"O diabo de cada dia" é tecnicamente competente para retratar um drama perturbador, com cenas violentas e histórias de embrulhar o estômago. O realismo que vemos na narrativa é completamente necessário e atual - principalmente se interpretarmos algumas passagens de uma maneira mais alegórica. Ele nos provoca uma dura reflexão: por que dois conceitos tão antagônicos como "religião" e "violência" andam tão próximos, sempre? Nós até sabemos a resposta, claro, mas as escolhas do filme vão nos conduzindo para a certeza de que o ser humano tem uma capacidade impressionante de deturpar conceitos em função das suas próprias escolhas, do seu ego ou até das expectativas de uma interpretação que apenas ele acredita que esteja sempre correta, custe o que custar!
"O diabo de cada dia" foi uma agradável surpresa e embora muita gente possa discordar, é um grande filme! Existe uma linha tênue entre violência e religiosidade, que veio se intensificando através dos anos e o filme soube trabalhar esses elementos dentro de um universo bem particular e, de fato, fez todo o sentido na jornada de cada um dos personagens.
Baseado no livro homônimo de Donald Ray Pollock, The Devil All the Time (mas que aqui no Brasil recebeu o título de "O mal nosso de cada dia"), o filme acompanha diversos personagens num canto esquecido de Ohio, nos EUA, entre a Segunda Guerra Mundial e a Guerra do Vietnã, que, de alguma forma, foram impactados pelos efeitos da violência e/ou pela fé, como justificativa de suas escolhas ou do seu destino. Sim, eu sei que parece confuso ou filosófico demais, mas veja o trailer e tudo passará a fazer um pouco mais sentido:
Talvez o único comentário que se faça necessário é que o filme não é um suspense, não tem nenhum elemento sobrenatural e muito menos é superficial. O terror e a violência existem, mas é o ser humano e a forma como ele interpreta alguns dogmas, que fazem de "O diabo de cada dia" realmente assustador - eu diria que é o terror do cotidiano, da ignorância, do extremismo, mas tudo isso contado de um forma bastante inteligente e dinâmica - sem falar no ótimo trabalho de direção, desenho de produção e edição! Típico filme que se fosse uma série da HBO levaria todos os prêmios possíveis nas premiações - e isso é um baita elogio!
Um dos pontos altos "O diabo de cada dia" é o seu roteiro! Por se tratar de uma adaptação, muito se especula sobre a qualidade ou sobre a fidelidade em relação ao livro. Pois bem, aqui já saímos tendo o escritor da obra ao lado dos roteiristas, Antonio e Paulo Campos, e isso fica muito claro pelas escolhas narrativas que encontramos no filme - o próprio Donald Ray Pollock é o narrador, o que dá o tom certo para a história.
Por se tratar de quatro histórias que vão se encontrando até fechar um grande ciclo, algumas resoluções acabam levando para um epílogo um pouco óbvio, mas isso não atrapalha em nada nossa experiência, já que é impossível saber qual será, exatamente, o fim de cada um dos personagens - e posso garantir que somos surpreendidos no encerramento de quase todas essas sub-tramas que servem como peças de um enorme quebra-cabeça. Veja, no primeiro ato conhecemos Willard Russell (Bill Skarsgard), um atormentado veterano de guerra, que sobreviveu à segunda guerra. Ele não consegue salvar sua jovem esposa, Charlotte (Haley Bennett), de um câncer, mesmo com toda sua fé e devoção. Já Carl (Jason Clarke) e Sandy Henderson (Riley Keough), se conhecem na mesma época que Russel e sua esposa, porém acabam se transformando em um casal de assassinos em série graças ao fetiche de Carl em fotografar Sandy com outros homens. No segundo ato, seguimos Arvin Russell (Tom Holland), órfão de Willard e Charlotte, que cresceu para ser um homem bom, mas que começa a demonstrar comportamentos violentos quando passa a desconfiar que o novo líder religioso da cidade, Preston Teagardin (Robert Pattinson) está abusando de sua irmã adotiva Lenora (Eliza Scanlen), filha da primeira vítima de Carl e Sandy.
Entendeu a dinâmica? E esse foi só um exemplo de como as histórias vão se cruzando. Existem outras sub-tramas que mereciam, inclusive, mais tempo de desenvolvimento - por isso aquele comentário sobre quanto seria bacana se "O diabo de cada dia" fosse uma minissérie! Com relação a produção, eu só posso elogiar: a reconstrução de época, desde as escolhas das locações até todo o trabalho de arte, está impecável - digno de prêmios. A fotografia do inglês Lol Crawley (The OA) é muito bonita e junto com a direção de Campos, fazem fluir a história sem muita inventividade, mas com ótimas escolhas de enquadramentos, extremamente alinhados com um elenco do mais alto nível - destaques para Bill Skarsgard, Tom Holland e Robert Pattinson!
"O diabo de cada dia" é tecnicamente competente para retratar um drama perturbador, com cenas violentas e histórias de embrulhar o estômago. O realismo que vemos na narrativa é completamente necessário e atual - principalmente se interpretarmos algumas passagens de uma maneira mais alegórica. Ele nos provoca uma dura reflexão: por que dois conceitos tão antagônicos como "religião" e "violência" andam tão próximos, sempre? Nós até sabemos a resposta, claro, mas as escolhas do filme vão nos conduzindo para a certeza de que o ser humano tem uma capacidade impressionante de deturpar conceitos em função das suas próprias escolhas, do seu ego ou até das expectativas de uma interpretação que apenas ele acredita que esteja sempre correta, custe o que custar!
Inspirado no livro “Agustín Corazón Abierto”, posso te garantir: "O Farol das Orcas" é uma graça! Sem a menor dúvida, não se trata de um filme inesquecível e muito menos tecnicamente perfeito, mas a história (até por ser real) é simplesmente cativante, surpreendente e o cenário onde tudo acontece é deslumbrante!
O filme acompanha a vida de Beto (Joaquín Furriel) que vive isolado no Sul da Patagônia onde realiza alguns estudos e mantém um relacionamento de confiança com as orcas do local, especialmente uma chamada Shaka. O assunto acabou virando um documentário da National Geographicque foi assistido por Lola (Maribel Verdú), mãe do menino autista Tristán (Joaquín Rapalini), que presenciou o filho demonstrando sinais de emoções pela primeira vez em muito tempo. Lola então sai da Espanha onde mora com o filho e aparece de surpresa na casa de Beto com a esperança de que ele possa ajudar Tris a se reconectar consigo mesmo a partir da relação com a natureza e com os animais. Confira o trailer (em espanhol):
Sem a menor dúvida que a fotografia do Óscar Durán é a primeira coisa que chama a atenção em "O Farol das Orcas" - tudo é muito bonito, da natureza aos enquadramentos de Beto com as orcas. Fica muito claro que o diretor usou de um conceito visual extremamente minimalista e natural para chamar a atenção para uma história que por si só já nos impactaria positivamente, mas o equilíbrio entre forma e conteúdo, aqui, funciona perfeitamente. Ter uma linda e sensível história real nas mãos, ajudou muito, trouxe credibilidade e fluidez para a narrativa, mas é preciso dizer que o roteiro derrapa em alguns pontos - o que mais pode incomodar é a previsibilidade da história de amor entre Beto e Lola.
Joaquín Furriel tem uma relação impressionante com Joaquín Rapalini e passa muita verdade ao expor seu cuidado com o garoto ou mesmo tempo que declara seu amor pelas orcas, mas vacila demais quando quer ser o galã mal humorado marcado pelo passado. Maribel Verdú, por outro lado, se mantém constante, no tom certo, mas não brilha a ponto de torcermos por sua personagem. A direção do espanhol Gerardo Olivares é apenas honesta, daquelas que não prejudica nossa experiência (embora alguns erros de continuidade saltem na tela). Dito tudo isso, a grande verdade é que a história é muito maior que o filme e justamente por isso, o filme vale a pena.
É claro que “O Farol das Orcas” merece ser assistido - a mensagem é bonita, o impacto visual do poder da natureza perante os seres humanos é real e a maneira como o roteiro trata o autismo é muito respeitosa e carinhosa até. É preciso alertar que a narrativa que envolve tudo isso é bem cadenciada, ou seja, quem espera cenas de impacto ou emoção vai odiar o filme. Por outro lado, as relações são muito bem trabalhadas e nos move pela empatia - eu diria que é um filme com alma.
Vale o play, para aqueles que buscam uma história que vai além do filme!
Inspirado no livro “Agustín Corazón Abierto”, posso te garantir: "O Farol das Orcas" é uma graça! Sem a menor dúvida, não se trata de um filme inesquecível e muito menos tecnicamente perfeito, mas a história (até por ser real) é simplesmente cativante, surpreendente e o cenário onde tudo acontece é deslumbrante!
O filme acompanha a vida de Beto (Joaquín Furriel) que vive isolado no Sul da Patagônia onde realiza alguns estudos e mantém um relacionamento de confiança com as orcas do local, especialmente uma chamada Shaka. O assunto acabou virando um documentário da National Geographicque foi assistido por Lola (Maribel Verdú), mãe do menino autista Tristán (Joaquín Rapalini), que presenciou o filho demonstrando sinais de emoções pela primeira vez em muito tempo. Lola então sai da Espanha onde mora com o filho e aparece de surpresa na casa de Beto com a esperança de que ele possa ajudar Tris a se reconectar consigo mesmo a partir da relação com a natureza e com os animais. Confira o trailer (em espanhol):
Sem a menor dúvida que a fotografia do Óscar Durán é a primeira coisa que chama a atenção em "O Farol das Orcas" - tudo é muito bonito, da natureza aos enquadramentos de Beto com as orcas. Fica muito claro que o diretor usou de um conceito visual extremamente minimalista e natural para chamar a atenção para uma história que por si só já nos impactaria positivamente, mas o equilíbrio entre forma e conteúdo, aqui, funciona perfeitamente. Ter uma linda e sensível história real nas mãos, ajudou muito, trouxe credibilidade e fluidez para a narrativa, mas é preciso dizer que o roteiro derrapa em alguns pontos - o que mais pode incomodar é a previsibilidade da história de amor entre Beto e Lola.
Joaquín Furriel tem uma relação impressionante com Joaquín Rapalini e passa muita verdade ao expor seu cuidado com o garoto ou mesmo tempo que declara seu amor pelas orcas, mas vacila demais quando quer ser o galã mal humorado marcado pelo passado. Maribel Verdú, por outro lado, se mantém constante, no tom certo, mas não brilha a ponto de torcermos por sua personagem. A direção do espanhol Gerardo Olivares é apenas honesta, daquelas que não prejudica nossa experiência (embora alguns erros de continuidade saltem na tela). Dito tudo isso, a grande verdade é que a história é muito maior que o filme e justamente por isso, o filme vale a pena.
É claro que “O Farol das Orcas” merece ser assistido - a mensagem é bonita, o impacto visual do poder da natureza perante os seres humanos é real e a maneira como o roteiro trata o autismo é muito respeitosa e carinhosa até. É preciso alertar que a narrativa que envolve tudo isso é bem cadenciada, ou seja, quem espera cenas de impacto ou emoção vai odiar o filme. Por outro lado, as relações são muito bem trabalhadas e nos move pela empatia - eu diria que é um filme com alma.
Vale o play, para aqueles que buscam uma história que vai além do filme!
Impossível não olhar Buenos Aires com um certo ar de romantismo e desejo depois de assistir aos cinco episódios dessa excelente (e despretensiosa) minissérie do Star+, "O Faz Nada". Ao melhor estilo Woody Allen de construir uma narrativa cinematográfica se apropriando de fortes elementos da crônica, com personagens complexos (e por isso charmosos), um cenário deslumbrante e um tema que normalmente se mistura entre o cotidiano e o imaginário, essa obra dos geniais Gastón Duprat e Mariano Cohn, ambos de "Cidadão Ilustre" e não por acaso sua maior referência conceitual, é uma divertida e sensível jornada pela gastronomia portenha pela perspectiva de quem é apaixonado pelos detalhes - para o bem e para o mal!
Na história, o bon vivant e icônico crítico gastronômico, Manuel Tamayo Prats (Luis Brandoni), mal tem recursos para manter seu estilo de vida abastado, mas nem por isso deixa de se aproveitar do respeito que adquiriu nos tempos áureos para viver e comer muito bem. Mal humorado e patologicamente sincero, Prats se vê em uma situação inédita quando precisa contratar uma jovem paraguaia, Antonia (Majo Cabrera), para substituir Celsa (María Rosa Fugazot) - uma antiga empregada que cuidou dele por mais de 40 anos, mas que "do nada" acaba de morrer. Confira o trailer (em espanhol):
Logo de cara, a presença de Robert De Niro já coloca nossa expectava em outro patamar. De Niro, com um certo ar "proposital" de superioridade, é basicamente o narrador dessa história que não sabemos exatamente onde vai nos levar. Suas aparições são cirurgias, misteriosas e cheias de elegância - como se estivesse nos preparando para uma epifania dramática matadora. De fato é isso que acontece, talvez sem tanto impacto narrativo, mas sem dúvida repleto de sentimento - e é ai que as conexões fazem sentido, já que a minissérie fala de arte de cultura, de gastronomia, mas são as relações de amizade que realmente tocam nossa alma.
O roteiro de Duprat e Cohn, ao lado do talentoso Emanuel Diez (de "A Extorsão"), sabe exatamente como equilibrar o drama com o cômico, ao mesmo tempo que se mostra extremamente capaz de discutir as nuances das relações humanas com muita honestidade (que personificado por Prats, soa até exagerado) e sensibilidade, sem nunca esquecer da ironia e do humor inteligente. A direção sabe que essa sagacidade e acidez criam laços improváveis entre a audiência e o protagonista - eles fizeram exatamente isso no premiado "Cidadão Ilustre", Marc Forster repetiu a fórmula em "O Pior Vizinho do Mundo" eChuck Lorre fechou com chave de ouro em "O Método Kominsky". Mas para tudo funcionar como se deve, esse protagonista tem que roubar a cena e é justamente o que Brandoni faz - não à toa, o seu Manuel Tamayo Prats sempre tem uma resposta na ponta da língua que contraria, provoca ou simplesmente debocha de alguém, com inteligência e crueldade (nunca uma sem a outra), nos causando até uma certa "inveja".
"Nada" (no original) sabe nos conquistar ao retratar a forma única de levar a vida de um senhor que já não espera muito da vida, mas que teima em não deixar de aproveita-la. As insinuações são excelentes (especialmente quando se trata da relação homem e mulher), mas é na qualidade do texto e na construção de uma atmosfera que celebra o amor de seus criadores pela cidade, pela gastronomia e pela ironia bem colocada, que a minissérie realmente decola. Como não poderia deixar de ser, essa brincadeira cosmopolita meio "woodyallenana" de Duprat e Cohn, é tão apaixonante e cheia de camadas que se dá o direito de trocar o tango pelo jazz, que mesmo mais casual traz leveza para as cenas, e até colocar no mesmo nível de importância o famoso bife de chorizo a cavalo com o conceito da gastronomia chinesa do Wen, Zhao e Wogh. Interessante, não?
Pois é! Eu diria, imperdível!
Impossível não olhar Buenos Aires com um certo ar de romantismo e desejo depois de assistir aos cinco episódios dessa excelente (e despretensiosa) minissérie do Star+, "O Faz Nada". Ao melhor estilo Woody Allen de construir uma narrativa cinematográfica se apropriando de fortes elementos da crônica, com personagens complexos (e por isso charmosos), um cenário deslumbrante e um tema que normalmente se mistura entre o cotidiano e o imaginário, essa obra dos geniais Gastón Duprat e Mariano Cohn, ambos de "Cidadão Ilustre" e não por acaso sua maior referência conceitual, é uma divertida e sensível jornada pela gastronomia portenha pela perspectiva de quem é apaixonado pelos detalhes - para o bem e para o mal!
Na história, o bon vivant e icônico crítico gastronômico, Manuel Tamayo Prats (Luis Brandoni), mal tem recursos para manter seu estilo de vida abastado, mas nem por isso deixa de se aproveitar do respeito que adquiriu nos tempos áureos para viver e comer muito bem. Mal humorado e patologicamente sincero, Prats se vê em uma situação inédita quando precisa contratar uma jovem paraguaia, Antonia (Majo Cabrera), para substituir Celsa (María Rosa Fugazot) - uma antiga empregada que cuidou dele por mais de 40 anos, mas que "do nada" acaba de morrer. Confira o trailer (em espanhol):
Logo de cara, a presença de Robert De Niro já coloca nossa expectava em outro patamar. De Niro, com um certo ar "proposital" de superioridade, é basicamente o narrador dessa história que não sabemos exatamente onde vai nos levar. Suas aparições são cirurgias, misteriosas e cheias de elegância - como se estivesse nos preparando para uma epifania dramática matadora. De fato é isso que acontece, talvez sem tanto impacto narrativo, mas sem dúvida repleto de sentimento - e é ai que as conexões fazem sentido, já que a minissérie fala de arte de cultura, de gastronomia, mas são as relações de amizade que realmente tocam nossa alma.
O roteiro de Duprat e Cohn, ao lado do talentoso Emanuel Diez (de "A Extorsão"), sabe exatamente como equilibrar o drama com o cômico, ao mesmo tempo que se mostra extremamente capaz de discutir as nuances das relações humanas com muita honestidade (que personificado por Prats, soa até exagerado) e sensibilidade, sem nunca esquecer da ironia e do humor inteligente. A direção sabe que essa sagacidade e acidez criam laços improváveis entre a audiência e o protagonista - eles fizeram exatamente isso no premiado "Cidadão Ilustre", Marc Forster repetiu a fórmula em "O Pior Vizinho do Mundo" eChuck Lorre fechou com chave de ouro em "O Método Kominsky". Mas para tudo funcionar como se deve, esse protagonista tem que roubar a cena e é justamente o que Brandoni faz - não à toa, o seu Manuel Tamayo Prats sempre tem uma resposta na ponta da língua que contraria, provoca ou simplesmente debocha de alguém, com inteligência e crueldade (nunca uma sem a outra), nos causando até uma certa "inveja".
"Nada" (no original) sabe nos conquistar ao retratar a forma única de levar a vida de um senhor que já não espera muito da vida, mas que teima em não deixar de aproveita-la. As insinuações são excelentes (especialmente quando se trata da relação homem e mulher), mas é na qualidade do texto e na construção de uma atmosfera que celebra o amor de seus criadores pela cidade, pela gastronomia e pela ironia bem colocada, que a minissérie realmente decola. Como não poderia deixar de ser, essa brincadeira cosmopolita meio "woodyallenana" de Duprat e Cohn, é tão apaixonante e cheia de camadas que se dá o direito de trocar o tango pelo jazz, que mesmo mais casual traz leveza para as cenas, e até colocar no mesmo nível de importância o famoso bife de chorizo a cavalo com o conceito da gastronomia chinesa do Wen, Zhao e Wogh. Interessante, não?
Pois é! Eu diria, imperdível!
O cinema de horror ou de sobrevivência em contextos extremos raramente oferece uma experiência tão visceral e imersiva quanto "O Filho de Saul". Dirigido pelo László Nemes (de "Entardecer"), essa produção húngara foi aclamada com o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes em 2015 e vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2016 - sem falar no BAFTA e no Goya de 2017, e no Critics Choice, no Cézar Awards e no Globo de Ouro também em 2016. Na verdade, esse filme é um testemunho impactante da brutalidade do Holocausto, contudo ao invés de se concentrar na vastidão do terror nazista, o roteiro opta por fazer um retrato íntimo, quase claustrofóbico, acompanhando cada passo de seu protagonista em uma narrativa que é tanto um ato de resistência quanto um grito silencioso de desespero. "O Filho de Saul" não só desafia as convenções do cinema atual sobre o Holocausto, como também redefine o próprio gênero com uma abordagem técnica inovadora e uma profundidade emocional sem paralelo - eu diria até comparável em seu impacto a "A Lista de Schindler" de Steven Spielberg, a "A Vida é Bela" de Roberto Benigni ou até o "Zona de Interesse" de Jonathan Glazer, mas com um realismo e uma intensidade que são inigualáveis.
A história segue Saul Ausländer (Géza Röhrig), um judeu-húngaro prisioneiro em um campo de concentração que trabalha como membro do Sonderkommando - esse era o tipo de prisioneiro que era forçado a ajudar na execução e cremação dos judeus. Em meio a uma dessas "missões", Saul encontra o corpo de uma criança que ele acredita poder ser seu filho. Em um gesto de profunda humanidade (e resistência), ele decide arriscar sua vida para dar aquela criança um enterro adequado, enfrentando obstáculos quase insuperáveis para encontrar um rabino que possa conduzir uma proibida cerimônia religiosa. Confira o trailer:
Partindo de premissa dessa missão desesperada e solitária de Saul que define o arco dramático do filme e traz à tona questões éticas e morais que transcendem o contexto histórico, o que encontramos na tela é um verdadeiro soco no estômago onde tudo, absolutamente tudo, é construído para nos tirar da zona de conforto. Certamente o diferencial técnico mais notável em "O Filho de Saul" seja o uso de uma cinematografia singular. Rodado em 35mm e com uma razão de aspecto de 1.37:1, o diretor de fotografia Mátyás Erdély (de "O Refúgio") captura a experiência do protagonista em closes extremos e com planos longos, o que mantêm o foco restrito no personagem central, enquanto o horror do campo de concentração permanece desfocado e praticamente indefinível no fundo. Essa escolha conceitual não apenas reforça a percepção de confinamento e opressão, mas também faz com que a audiência viva a jornada de Saul de forma quase que em primeira pessoa. Veja, a câmera se torna uma extensão da própria visão do protagonista, nos conduzindo pelos corredores e câmaras de gás de Auschwitz com uma proximidade sufocante e imersiva, que traduz a desumanização e o caos de forma brutalmente eficaz.
É inegável que a atuação contida de Géza Röhrig é fundamental para o sucesso deste experimento narrativo. Seu desempenho contrasta com a agonia e a urgência de sua missão. Röhrig infunde Saul com uma dignidade teimosa e uma dor interna que raramente se expressa através de palavras, mas que transborda a cada gesto e olhar - é um lindo trabalho de ator. O elenco de apoio, incluindo Levente Molnár como Abraham e Urs Rechn como Biedermann também merecem elogios ao complementar essa intensidade, oferecendo performances que, mesmo em papéis menores, contribuem demais para a atmosfera sufocante e tensa. Outros aspectos que merecem sua atenção é a trilha sonora (ou em muitos momentos, a falta dela) e o design de som - essa combinação amplifica nossa experiência de uma forma tão visceral que beira o insuportável. Saiba que em "O Filho de Saul", o silêncio é frequentemente interrompido apenas pelo som ambiente do campo - como em "Zona de Interesse", só ouvimos os gritos, ordens em alemão, tiros, sofrimento e dor. E tem mais: aqui ainda percebemos essa composição se entrelaçando com a respiração e com os passos de Saul, criando uma abordagem sonora minimalista que reforça a autenticidade da experiência e que evita qualquer sensação de sentimentalismo barato, permitindo que a brutalidade daquele cenário fale por si só.
Concluindo, "O Filho de Saul" é uma obra que transcende a mera representação do Holocausto para se tornar um estudo profundo sobre a resistência da humanidade em face da absoluta falta de amor e respeito. Esse é um filme difícil, cheio de identidade, que desafia a audiência a confrontar a brutalidade do passado pela perspectiva perturbadora da realidade, sem oferecer o consolo de uma narrativa mais tradicional. Nemes cria uma experiência cinematográfica que é ao mesmo tempo devastadora e necessária - um testamento à força de vontade e à luta incessante pela dignidade. Um filme que vai além do óbvio e que oferece uma visão angustiante, mas essencial, de uma história que não podemos esquecer.
Imperdível!
O cinema de horror ou de sobrevivência em contextos extremos raramente oferece uma experiência tão visceral e imersiva quanto "O Filho de Saul". Dirigido pelo László Nemes (de "Entardecer"), essa produção húngara foi aclamada com o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes em 2015 e vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2016 - sem falar no BAFTA e no Goya de 2017, e no Critics Choice, no Cézar Awards e no Globo de Ouro também em 2016. Na verdade, esse filme é um testemunho impactante da brutalidade do Holocausto, contudo ao invés de se concentrar na vastidão do terror nazista, o roteiro opta por fazer um retrato íntimo, quase claustrofóbico, acompanhando cada passo de seu protagonista em uma narrativa que é tanto um ato de resistência quanto um grito silencioso de desespero. "O Filho de Saul" não só desafia as convenções do cinema atual sobre o Holocausto, como também redefine o próprio gênero com uma abordagem técnica inovadora e uma profundidade emocional sem paralelo - eu diria até comparável em seu impacto a "A Lista de Schindler" de Steven Spielberg, a "A Vida é Bela" de Roberto Benigni ou até o "Zona de Interesse" de Jonathan Glazer, mas com um realismo e uma intensidade que são inigualáveis.
A história segue Saul Ausländer (Géza Röhrig), um judeu-húngaro prisioneiro em um campo de concentração que trabalha como membro do Sonderkommando - esse era o tipo de prisioneiro que era forçado a ajudar na execução e cremação dos judeus. Em meio a uma dessas "missões", Saul encontra o corpo de uma criança que ele acredita poder ser seu filho. Em um gesto de profunda humanidade (e resistência), ele decide arriscar sua vida para dar aquela criança um enterro adequado, enfrentando obstáculos quase insuperáveis para encontrar um rabino que possa conduzir uma proibida cerimônia religiosa. Confira o trailer:
Partindo de premissa dessa missão desesperada e solitária de Saul que define o arco dramático do filme e traz à tona questões éticas e morais que transcendem o contexto histórico, o que encontramos na tela é um verdadeiro soco no estômago onde tudo, absolutamente tudo, é construído para nos tirar da zona de conforto. Certamente o diferencial técnico mais notável em "O Filho de Saul" seja o uso de uma cinematografia singular. Rodado em 35mm e com uma razão de aspecto de 1.37:1, o diretor de fotografia Mátyás Erdély (de "O Refúgio") captura a experiência do protagonista em closes extremos e com planos longos, o que mantêm o foco restrito no personagem central, enquanto o horror do campo de concentração permanece desfocado e praticamente indefinível no fundo. Essa escolha conceitual não apenas reforça a percepção de confinamento e opressão, mas também faz com que a audiência viva a jornada de Saul de forma quase que em primeira pessoa. Veja, a câmera se torna uma extensão da própria visão do protagonista, nos conduzindo pelos corredores e câmaras de gás de Auschwitz com uma proximidade sufocante e imersiva, que traduz a desumanização e o caos de forma brutalmente eficaz.
É inegável que a atuação contida de Géza Röhrig é fundamental para o sucesso deste experimento narrativo. Seu desempenho contrasta com a agonia e a urgência de sua missão. Röhrig infunde Saul com uma dignidade teimosa e uma dor interna que raramente se expressa através de palavras, mas que transborda a cada gesto e olhar - é um lindo trabalho de ator. O elenco de apoio, incluindo Levente Molnár como Abraham e Urs Rechn como Biedermann também merecem elogios ao complementar essa intensidade, oferecendo performances que, mesmo em papéis menores, contribuem demais para a atmosfera sufocante e tensa. Outros aspectos que merecem sua atenção é a trilha sonora (ou em muitos momentos, a falta dela) e o design de som - essa combinação amplifica nossa experiência de uma forma tão visceral que beira o insuportável. Saiba que em "O Filho de Saul", o silêncio é frequentemente interrompido apenas pelo som ambiente do campo - como em "Zona de Interesse", só ouvimos os gritos, ordens em alemão, tiros, sofrimento e dor. E tem mais: aqui ainda percebemos essa composição se entrelaçando com a respiração e com os passos de Saul, criando uma abordagem sonora minimalista que reforça a autenticidade da experiência e que evita qualquer sensação de sentimentalismo barato, permitindo que a brutalidade daquele cenário fale por si só.
Concluindo, "O Filho de Saul" é uma obra que transcende a mera representação do Holocausto para se tornar um estudo profundo sobre a resistência da humanidade em face da absoluta falta de amor e respeito. Esse é um filme difícil, cheio de identidade, que desafia a audiência a confrontar a brutalidade do passado pela perspectiva perturbadora da realidade, sem oferecer o consolo de uma narrativa mais tradicional. Nemes cria uma experiência cinematográfica que é ao mesmo tempo devastadora e necessária - um testamento à força de vontade e à luta incessante pela dignidade. Um filme que vai além do óbvio e que oferece uma visão angustiante, mas essencial, de uma história que não podemos esquecer.
Imperdível!