Para o amante da sétima arte, é impossível não ser impactado por um filme que antes do seu início tem a ilustre presença do diretor Steven Spielberg olhando no fundo dos seus olhos e agradecendo por você estar ali para acompanhar duas horas e meia de suas memórias. Como o próprio Spielberg diz, não se trata de uma metáfora, mas sim de uma jornada de descobertas e, essencialmente, uma declaração de amor - mesmo que assumidamente dividida entre suas duas paixões!
O filme é um retrato profundamente pessoal da vida de um dos maiores cineastas de todos os tempos, o diretor Steven Spielberg. "Os Fabelmans", escrito e dirigido pelo próprio Spielberg, narra a história de um jovem, Sammy (Gabriel LaBelle/Mateo Zoryan), que descobre um segredo familiar devastador e que aprende o poder dos filmes para ajudar a enxergar a verdade sobre os outros e sobre si mesmo. Confira o trailer:
Daqui a alguns anos, talvez, "Os Fabelmans" tenha a mesma representatividade para algumas gerações que "Cinema Paradiso", do grande Giuseppe Tornatore, representou para outras. Escrevo isso sem o menor receio de estar exagerando, pois a forma como o roteirista Tony Kushner estrutura as memórias de Spielberg para dar sentido a uma vida aparentemente feliz e tranquila, mas que vai se quebrando sem que o protagonista possa controlar, é sensacional. São tantas nuances e simbologias que citá-las provavelmente influenciaria demais na sua experiência, então eu apenas aconselho: preste atenção em cada detalhe, nos diálogos, nas construções de cada quadro, de cada plano, de como o jovem Sam se relaciona com o mundo e em como as referências de sua vida foram fielmente reproduzidas em seus filmes.
Veja, a linha entre o que é de fato real e o que é pura interpretação é propositalmente confusa, porque Spielberg faz questão de deixar claro que: “é assim que eu me vejo” - você pode até achar que a iluminação recortada pelas árvores em um bosque soa artificial, mas era dessa forma quase poética que Sam se relacionava com seus sentimentos e sentidos. Repare! Também não serão poucas as vezes que você terá a sensação de "eu já vi isso antes" - a genialidade de Kushner e o perfeccionismo de Spielberg entregam dentro de um outro contexto, exatamente as mesmas cenas que um dia vieram a fazer sucesso em sua carreira como diretor. Rapidamente conseguimos identificar as inspirações de enquadramentos de "E.T."., "Tubarão", Contatos Imediatos do Terceiro Grau", "Lista de Schindler", "Cor Púrpura", "Indiana Jones", "Império do Sol", "O Resgate do Soldado Ryan" e até de "Encurralado" - encontrar esses easter eggsé tão divertido quanto nostálgico!
"Os Fabelmans" ainda encontra tempo para discutir sobre as relações familiares. Brilhantemente conduzido por Michelle Williams (como a mãe, Mitzi Fabelman), Paul Dano (como o pai, Burt Fabelman), Seth Rogen(como o melhor amigo da família, Bennie Loewy), além de uma participação tão especial quanto de gala de Judd Hirsch (o tio Boris - para mim o personagem fundamental para o que Spielberg se tornou), os assuntos são espinhosos, marcantes e delicados, mas o que não falta, claro, é sensibilidade para o diretor pontuar algumas passagens que mudaram a sua vida.
Para finalizar, é preciso dizer que a audiência familiarizada com a carreira do Diretor e com as particularidades da profissão de cineasta, deve até se divertir mais que, digamos, o público em geral - não foram poucas as vezes que me vi rindo sozinho de uma piada que ninguém entendeu. Saber a diferença entre uma câmera Bolex 8mm e uma Arriflex 16mm, de fato, não é usual, porém existe um cuidado em explorar as fragilidades do protagonista e até em como ele foi percebendo sua capacidade de manipular imagens para alcançar diferentes emoções, que transformam a história de "Os Fabelmans" em algo realmente universal e apaixonante!
Simplesmente imperdível!
Antes do play, não deixe de assistir o documentário da HBO Max "Spielberg".
Para o amante da sétima arte, é impossível não ser impactado por um filme que antes do seu início tem a ilustre presença do diretor Steven Spielberg olhando no fundo dos seus olhos e agradecendo por você estar ali para acompanhar duas horas e meia de suas memórias. Como o próprio Spielberg diz, não se trata de uma metáfora, mas sim de uma jornada de descobertas e, essencialmente, uma declaração de amor - mesmo que assumidamente dividida entre suas duas paixões!
O filme é um retrato profundamente pessoal da vida de um dos maiores cineastas de todos os tempos, o diretor Steven Spielberg. "Os Fabelmans", escrito e dirigido pelo próprio Spielberg, narra a história de um jovem, Sammy (Gabriel LaBelle/Mateo Zoryan), que descobre um segredo familiar devastador e que aprende o poder dos filmes para ajudar a enxergar a verdade sobre os outros e sobre si mesmo. Confira o trailer:
Daqui a alguns anos, talvez, "Os Fabelmans" tenha a mesma representatividade para algumas gerações que "Cinema Paradiso", do grande Giuseppe Tornatore, representou para outras. Escrevo isso sem o menor receio de estar exagerando, pois a forma como o roteirista Tony Kushner estrutura as memórias de Spielberg para dar sentido a uma vida aparentemente feliz e tranquila, mas que vai se quebrando sem que o protagonista possa controlar, é sensacional. São tantas nuances e simbologias que citá-las provavelmente influenciaria demais na sua experiência, então eu apenas aconselho: preste atenção em cada detalhe, nos diálogos, nas construções de cada quadro, de cada plano, de como o jovem Sam se relaciona com o mundo e em como as referências de sua vida foram fielmente reproduzidas em seus filmes.
Veja, a linha entre o que é de fato real e o que é pura interpretação é propositalmente confusa, porque Spielberg faz questão de deixar claro que: “é assim que eu me vejo” - você pode até achar que a iluminação recortada pelas árvores em um bosque soa artificial, mas era dessa forma quase poética que Sam se relacionava com seus sentimentos e sentidos. Repare! Também não serão poucas as vezes que você terá a sensação de "eu já vi isso antes" - a genialidade de Kushner e o perfeccionismo de Spielberg entregam dentro de um outro contexto, exatamente as mesmas cenas que um dia vieram a fazer sucesso em sua carreira como diretor. Rapidamente conseguimos identificar as inspirações de enquadramentos de "E.T."., "Tubarão", Contatos Imediatos do Terceiro Grau", "Lista de Schindler", "Cor Púrpura", "Indiana Jones", "Império do Sol", "O Resgate do Soldado Ryan" e até de "Encurralado" - encontrar esses easter eggsé tão divertido quanto nostálgico!
"Os Fabelmans" ainda encontra tempo para discutir sobre as relações familiares. Brilhantemente conduzido por Michelle Williams (como a mãe, Mitzi Fabelman), Paul Dano (como o pai, Burt Fabelman), Seth Rogen(como o melhor amigo da família, Bennie Loewy), além de uma participação tão especial quanto de gala de Judd Hirsch (o tio Boris - para mim o personagem fundamental para o que Spielberg se tornou), os assuntos são espinhosos, marcantes e delicados, mas o que não falta, claro, é sensibilidade para o diretor pontuar algumas passagens que mudaram a sua vida.
Para finalizar, é preciso dizer que a audiência familiarizada com a carreira do Diretor e com as particularidades da profissão de cineasta, deve até se divertir mais que, digamos, o público em geral - não foram poucas as vezes que me vi rindo sozinho de uma piada que ninguém entendeu. Saber a diferença entre uma câmera Bolex 8mm e uma Arriflex 16mm, de fato, não é usual, porém existe um cuidado em explorar as fragilidades do protagonista e até em como ele foi percebendo sua capacidade de manipular imagens para alcançar diferentes emoções, que transformam a história de "Os Fabelmans" em algo realmente universal e apaixonante!
Simplesmente imperdível!
Antes do play, não deixe de assistir o documentário da HBO Max "Spielberg".
Esse filme é simplesmente espetacular - e com a mais absoluta certeza, não fosse o fenômeno "Parasita", seria o grande vencedor do Oscar 2020 na categoria "Melhor Filme Estrangeiro". "Les Miserables" (no original) parte da premissa da famosa obra de Vitor Hugo para discutir a realidade multicultural na França, especialmente em Paris. Com um conceito visual extremamente poético na sua essência cinematográfica e contrastando com uma narrativa visceral do seu roteiro incrivelmente realista, o filme dirigido pelo talentoso (e estreante) Ladj Ly, sem exagero algum, pode ser considerado uma obra-prima - uma espécie de "Cidade de Deus" francês!
Stéphane (Damien Bonnard) é um jovem oficial que acaba de se mudar para Montfermeil e se junta ao esquadrão anti-crime daquela comuna (uma espécie de comunidade multi-racial situada nos subúrbios de Paris). Convocado para atuar no mesmo time de Chris (Alexis Manenti) e Gwada (Djibril Zonga), dois policiais de métodos pouco convencionais, em menos de 24 horas, ele logo se vê envolvido um uma verdadeira "guerra de percepções" resultado de uma enorme tensão entre as diferentes gangues do local e a própria polícia. Confira o trailer (em inglês):
Baseado em seu premiado curta-metragem de 2017, o diretor malinês Ladj Ly se apropria do contexto marcante das manifestações de 2005 na França para ampliar sua (já provada e bem sucedida) narrativa para entregar uma obra conectada com uma realidade europeia pautada na violência e na intolerância racial, social, religiosa e, claro, cultural. O aspecto documental de "Os Miseráveis" traz para uma potente narrativa, elementos tão marcantes de obras como "Florida Project" (no seu aspecto mais emocional) e "Je Suis Karl"(no seu lado mais impactante) - eu diria que é o encontro do caos com o sentimento mais íntimo do não-pertencimento. Impressionante!
O fato do diretor ser um morador de Montfermeil acaba chancelando um aspecto importante, mas que teria tudo para se tornar um problema: a caracterização dos personagens sempre pensado, construído e desenvolvido com o simples intuito de tipificar alguém - do branco racista ao muçulmano espiritualmente redescoberto. Fernando Meirelles fez muito disso em "Cidade de Deus" e, como lá, aqui também funcionou. O impacto dos personagens na história é essencial, principalmente quando explora temas sensíveis à sociedade moderna e também quando busca levantar questões que o próprio estilo de Ly faz questão de jogar na nossa cara com sua câmera nervosa ou com sua lente 85mm que coloca os atores em close-ups capazes de tocar nossa alma.
"Os Miseráveis" não é uma versão moderna do clássico francês como muitos podem achar, embora as referências, obviamente, sejam gigantescas. O filme também não é um drama policial ao melhor estilo "Dia de Treinamento" mesmo com suas similaridades narrativas. O que temos aqui é um encontro entre o cinema independente na sua forma, com a importância cultural que o cinema de ação pode provocar - uma aula de direção, de fotografia (do premiado com o César Awards, Julien Poupard) e de um roteiro que é capaz de trabalhar com muita sensibilidade a simbologia da união de uma nação em meio a uma Copa do Mundo (e o prólogo só reforça a ideia) com a dolorosa imagem de uma criança segurando um coquetel molotov achando que ali está a solução para todos os problemas estruturais de um país dividido na sua essência.
Olha, vale muito a pena!
Esse filme é simplesmente espetacular - e com a mais absoluta certeza, não fosse o fenômeno "Parasita", seria o grande vencedor do Oscar 2020 na categoria "Melhor Filme Estrangeiro". "Les Miserables" (no original) parte da premissa da famosa obra de Vitor Hugo para discutir a realidade multicultural na França, especialmente em Paris. Com um conceito visual extremamente poético na sua essência cinematográfica e contrastando com uma narrativa visceral do seu roteiro incrivelmente realista, o filme dirigido pelo talentoso (e estreante) Ladj Ly, sem exagero algum, pode ser considerado uma obra-prima - uma espécie de "Cidade de Deus" francês!
Stéphane (Damien Bonnard) é um jovem oficial que acaba de se mudar para Montfermeil e se junta ao esquadrão anti-crime daquela comuna (uma espécie de comunidade multi-racial situada nos subúrbios de Paris). Convocado para atuar no mesmo time de Chris (Alexis Manenti) e Gwada (Djibril Zonga), dois policiais de métodos pouco convencionais, em menos de 24 horas, ele logo se vê envolvido um uma verdadeira "guerra de percepções" resultado de uma enorme tensão entre as diferentes gangues do local e a própria polícia. Confira o trailer (em inglês):
Baseado em seu premiado curta-metragem de 2017, o diretor malinês Ladj Ly se apropria do contexto marcante das manifestações de 2005 na França para ampliar sua (já provada e bem sucedida) narrativa para entregar uma obra conectada com uma realidade europeia pautada na violência e na intolerância racial, social, religiosa e, claro, cultural. O aspecto documental de "Os Miseráveis" traz para uma potente narrativa, elementos tão marcantes de obras como "Florida Project" (no seu aspecto mais emocional) e "Je Suis Karl"(no seu lado mais impactante) - eu diria que é o encontro do caos com o sentimento mais íntimo do não-pertencimento. Impressionante!
O fato do diretor ser um morador de Montfermeil acaba chancelando um aspecto importante, mas que teria tudo para se tornar um problema: a caracterização dos personagens sempre pensado, construído e desenvolvido com o simples intuito de tipificar alguém - do branco racista ao muçulmano espiritualmente redescoberto. Fernando Meirelles fez muito disso em "Cidade de Deus" e, como lá, aqui também funcionou. O impacto dos personagens na história é essencial, principalmente quando explora temas sensíveis à sociedade moderna e também quando busca levantar questões que o próprio estilo de Ly faz questão de jogar na nossa cara com sua câmera nervosa ou com sua lente 85mm que coloca os atores em close-ups capazes de tocar nossa alma.
"Os Miseráveis" não é uma versão moderna do clássico francês como muitos podem achar, embora as referências, obviamente, sejam gigantescas. O filme também não é um drama policial ao melhor estilo "Dia de Treinamento" mesmo com suas similaridades narrativas. O que temos aqui é um encontro entre o cinema independente na sua forma, com a importância cultural que o cinema de ação pode provocar - uma aula de direção, de fotografia (do premiado com o César Awards, Julien Poupard) e de um roteiro que é capaz de trabalhar com muita sensibilidade a simbologia da união de uma nação em meio a uma Copa do Mundo (e o prólogo só reforça a ideia) com a dolorosa imagem de uma criança segurando um coquetel molotov achando que ali está a solução para todos os problemas estruturais de um país dividido na sua essência.
Olha, vale muito a pena!
"Os olhos de Tammy Faye" merecia mais - merecia uma minissérie! Não que o filme seja ruim, muito pelo contrário, achei muito bom (não genial), mas a história, essa sim, é impressionante! Obviamente que o limite de 120 minutos prejudica a experiência, os saltos temporais são inevitáveis quando você quer cobrir um recorte muito maior do que um roteiro de longa-metragem permite e é aí que o filme perde força. Passagens muito interessantes e curiosas da jornada de Tammy Faye e de seu marido, Jim Bakker, precisaram ficar de fora da montagem final e a sensação de urgência para que os pontos-chaves sejam expostos e a história faça sentido, atrapalha muito - uma pena!
O filme é baseado na história da maior apresentadora gospel da TV norte-americana de todos os tempos, a lendária Tammy Faye Bakker (Jessica Chastain). "Os olhos de Tammy Faye" acompanha a ascensão e queda da televangelista e de seu marido, Jim Bakker (Andrew Garfield) nas décadas de 1970 e 1980. Os dois vieram de origens humildes e conseguiram criar a maior rede de radiodifusão religiosa do mundo, alcançando respeito e reverência por sua mensagem de amor, aceitação e prosperidade. Tammy Faye era reconhecida por sua beleza extravagante, seus olhos e maquiagem bem marcados, sua forma singular de cantar e seu jeito empático com as pessoas. No entanto, os escândalos e seus rivais procuraram alguma forma de derrubar seu império... e conseguiram! Confira o trailer:
Em um primeiro momento, "Os olhos de Tammy Faye" me lembrou "Joy", quando na verdade o filme dirigido pelo Michael Showalter (de "The Dropout") é muito mais parecido (dadas suas devidas diferenças históricas) com o excelente documentário da Prime Vídeo "As Faces da Marca". Quando o roteiro escrito pelo trio improvável, mas de certa forma até coerente para o projeto, formado pelos multi-premiados Fenton Bailey e Randy Barbato da franquia "Drag RuPaul's" (e que já haviam escrito um documentário sobre a personagem) e Abe Sylvia de "The Affair", prioriza a estrutura "origem-ascensão-declínio-ressurgimento" temos a exata impressão que a preocupação do filme está muito mais em atenuar a parte problemática da protagonista e evidenciar as suas virtudes do que expor uma realidade (seja ela qual for) que condene suas falhas de caráter.
Obviamente que nos conectamos com Tammy Fay imediatamente, e eu diria que até certo ponto, com Jim Bakker também - e por isso a comparação com DeAnne Brady e Mark Stidham da LuLaRoe. Jessica Chastain e Andrew Garfield têm muitos méritos nisso e mesmo com toda inconsistência do roteiro, conseguem construir uma ligação emocional interessante para a narrativa, que nos ajuda a projetar certa verossimilhança - apesar dos personagens, principalmente Fay, serem extremamente caricatos. O fato é que assim que os crédito sobem temos duas certezas: Chastain mereceu o Oscar de melhor atriz pelo papel e Garfield provavelmente também seria indicado, não fosse sua incrível performance em "Tick, Tick... Boom!".
Embora me incomode que a transição daquele pequeno sucesso em uma TV local que se transforma em um verdadeiro império aconteça repentinamente (e sem parecer custar qualquer esforço), fica muito difícil não considerar que o problema está mais no formato do que no roteiro. Saiba que depois do play, você estará de frente com uma história poderosa e com uma personagem única, que está apoiada em uma narrativa apenas superficial, mas que nos momentos em que se permite ir além, é possível entender o tamanho do potencial do filme. Por isso "Os olhos de Tammy Faye" pode soar mais como um entretenimento do que como um convite para a reflexão ou até para julgamentos que gerem alguma discussão sobre moralidade, hipocrisia, identidade e até sobre o papel da religião como negócio, mas tudo está ali, mesmo que escondido.
Vale o seu play? Claro, mas vai ficar um gostinho de "quero mais"!
"Os olhos de Tammy Faye" merecia mais - merecia uma minissérie! Não que o filme seja ruim, muito pelo contrário, achei muito bom (não genial), mas a história, essa sim, é impressionante! Obviamente que o limite de 120 minutos prejudica a experiência, os saltos temporais são inevitáveis quando você quer cobrir um recorte muito maior do que um roteiro de longa-metragem permite e é aí que o filme perde força. Passagens muito interessantes e curiosas da jornada de Tammy Faye e de seu marido, Jim Bakker, precisaram ficar de fora da montagem final e a sensação de urgência para que os pontos-chaves sejam expostos e a história faça sentido, atrapalha muito - uma pena!
O filme é baseado na história da maior apresentadora gospel da TV norte-americana de todos os tempos, a lendária Tammy Faye Bakker (Jessica Chastain). "Os olhos de Tammy Faye" acompanha a ascensão e queda da televangelista e de seu marido, Jim Bakker (Andrew Garfield) nas décadas de 1970 e 1980. Os dois vieram de origens humildes e conseguiram criar a maior rede de radiodifusão religiosa do mundo, alcançando respeito e reverência por sua mensagem de amor, aceitação e prosperidade. Tammy Faye era reconhecida por sua beleza extravagante, seus olhos e maquiagem bem marcados, sua forma singular de cantar e seu jeito empático com as pessoas. No entanto, os escândalos e seus rivais procuraram alguma forma de derrubar seu império... e conseguiram! Confira o trailer:
Em um primeiro momento, "Os olhos de Tammy Faye" me lembrou "Joy", quando na verdade o filme dirigido pelo Michael Showalter (de "The Dropout") é muito mais parecido (dadas suas devidas diferenças históricas) com o excelente documentário da Prime Vídeo "As Faces da Marca". Quando o roteiro escrito pelo trio improvável, mas de certa forma até coerente para o projeto, formado pelos multi-premiados Fenton Bailey e Randy Barbato da franquia "Drag RuPaul's" (e que já haviam escrito um documentário sobre a personagem) e Abe Sylvia de "The Affair", prioriza a estrutura "origem-ascensão-declínio-ressurgimento" temos a exata impressão que a preocupação do filme está muito mais em atenuar a parte problemática da protagonista e evidenciar as suas virtudes do que expor uma realidade (seja ela qual for) que condene suas falhas de caráter.
Obviamente que nos conectamos com Tammy Fay imediatamente, e eu diria que até certo ponto, com Jim Bakker também - e por isso a comparação com DeAnne Brady e Mark Stidham da LuLaRoe. Jessica Chastain e Andrew Garfield têm muitos méritos nisso e mesmo com toda inconsistência do roteiro, conseguem construir uma ligação emocional interessante para a narrativa, que nos ajuda a projetar certa verossimilhança - apesar dos personagens, principalmente Fay, serem extremamente caricatos. O fato é que assim que os crédito sobem temos duas certezas: Chastain mereceu o Oscar de melhor atriz pelo papel e Garfield provavelmente também seria indicado, não fosse sua incrível performance em "Tick, Tick... Boom!".
Embora me incomode que a transição daquele pequeno sucesso em uma TV local que se transforma em um verdadeiro império aconteça repentinamente (e sem parecer custar qualquer esforço), fica muito difícil não considerar que o problema está mais no formato do que no roteiro. Saiba que depois do play, você estará de frente com uma história poderosa e com uma personagem única, que está apoiada em uma narrativa apenas superficial, mas que nos momentos em que se permite ir além, é possível entender o tamanho do potencial do filme. Por isso "Os olhos de Tammy Faye" pode soar mais como um entretenimento do que como um convite para a reflexão ou até para julgamentos que gerem alguma discussão sobre moralidade, hipocrisia, identidade e até sobre o papel da religião como negócio, mas tudo está ali, mesmo que escondido.
Vale o seu play? Claro, mas vai ficar um gostinho de "quero mais"!
Quando assisti o trailer de "Osmosis" minha primeira impressão foi que a série poderia, tranquilamente, ser um episódio (ou um spin-off) de "Black Mirror". Porém, quando você vai assistindo os episódios da primeira temporada, ela vai, pouco a pouco, se afastando de "Black Mirror" e se aproximando de "Sense 8" - tanto no seu conceito narrativo (e em muitos momentos até na sua estrutura, o que pode parecer cansativo para aqueles que preferem mais ação e menos reflexão) quanto nas escolhas estéticas da direção e da fotografia: tudo é mais poético, com planos mais fechados, lentos e câmeras um pouco mais soltas do que normalmente vemos em uma ficção científica. O fato é que "Osmosis" vai agradar alguns, mas muitos vão odiar!
A série francesa é mais uma Original da Netflix e parte da premissa, criada pela Audrey Fouché (do sucesso “Les Revenants”), de que uma nova tecnologia é capaz de decodificar algumas informações químicas do nosso corpo, identificando assim quem seria nossa alma gêmea. Para isso, a empresa detentora dessa tecnologia, recruta algumas pessoas para testar esse aplicativo e é aí que o projeto começa desandar, afinal a própria motivação dos irmãos que comandam a empresa são diferentes e conflitantes. Uma pergunta feita por uma personagem bem interessante, no episódio 3 (se não me engano), define bem as discussões que a série traz e que em muitos momentos derrapa em seu desenvolvimento pela superficialidade: "Seres humanos suportam um estado de felicidade permanente?"
Encontrar sua alma gêmea é ter a certeza de uma vida amorosa feliz, certo? Errado, porque as pessoas se relacionam com os sentimentos de formas completamente diferentes uma das outras! Essa camada é o ponto alto da série, mas, já adianto, é preciso uma boa dose de reflexão e de boa vontade para compreender coisas que o roteiro simplesmente parece ignorar (ou pelo menos aposta que deixar subentendido é o suficiente)! Os personagens são excelentes, mas ficaram na zona de conforto nessa 1ª temporada e nisso "Sense 8" dá de 10 a zero! As subtramas são fracas, especialmente a da protagonista Esther (Agathe Bonitzer) que quer usar a tecnologia que criou para salvar a vida da mãe que está em coma - tudo isso sem uma explicação plausível (pelo menos até agora) de como a finalidade do aplicativo pode servir para outra tão diferente - a série apenas cita o fato dela ter salvado o irmão de uma condição parecida, mas também sem muita coerência de fatos.
Eu pessoalmente gostei da série, mesmo com essas falhas narrativas. Achei a produção excelente, com uma fotografia linda e uma construção de futuro inteligente, pois usa dos detalhes (e um orçamento modesto) para nos ambientar, sem precisar de maiores intervenções de cenários em CG (que normalmente soam tão fakes) como em 3%, por exemplo. A direção também é muito bacana, autoral, delicada, poética! Os atores são mais inconstantes, as vezes internalizam uma situação chave muito bem, outras vezes saem completamente fora tom se apoiando em esteriótipos que escancaram a canastrice!
Bom, se você gostou de "Sense 8" é mais provável que você se identifique com "Osmosis". De "Black Mirror" você só vai encontrar uma lembrança distante "Hang the DJ"!!! Vale dar uma chance...
Quando assisti o trailer de "Osmosis" minha primeira impressão foi que a série poderia, tranquilamente, ser um episódio (ou um spin-off) de "Black Mirror". Porém, quando você vai assistindo os episódios da primeira temporada, ela vai, pouco a pouco, se afastando de "Black Mirror" e se aproximando de "Sense 8" - tanto no seu conceito narrativo (e em muitos momentos até na sua estrutura, o que pode parecer cansativo para aqueles que preferem mais ação e menos reflexão) quanto nas escolhas estéticas da direção e da fotografia: tudo é mais poético, com planos mais fechados, lentos e câmeras um pouco mais soltas do que normalmente vemos em uma ficção científica. O fato é que "Osmosis" vai agradar alguns, mas muitos vão odiar!
A série francesa é mais uma Original da Netflix e parte da premissa, criada pela Audrey Fouché (do sucesso “Les Revenants”), de que uma nova tecnologia é capaz de decodificar algumas informações químicas do nosso corpo, identificando assim quem seria nossa alma gêmea. Para isso, a empresa detentora dessa tecnologia, recruta algumas pessoas para testar esse aplicativo e é aí que o projeto começa desandar, afinal a própria motivação dos irmãos que comandam a empresa são diferentes e conflitantes. Uma pergunta feita por uma personagem bem interessante, no episódio 3 (se não me engano), define bem as discussões que a série traz e que em muitos momentos derrapa em seu desenvolvimento pela superficialidade: "Seres humanos suportam um estado de felicidade permanente?"
Encontrar sua alma gêmea é ter a certeza de uma vida amorosa feliz, certo? Errado, porque as pessoas se relacionam com os sentimentos de formas completamente diferentes uma das outras! Essa camada é o ponto alto da série, mas, já adianto, é preciso uma boa dose de reflexão e de boa vontade para compreender coisas que o roteiro simplesmente parece ignorar (ou pelo menos aposta que deixar subentendido é o suficiente)! Os personagens são excelentes, mas ficaram na zona de conforto nessa 1ª temporada e nisso "Sense 8" dá de 10 a zero! As subtramas são fracas, especialmente a da protagonista Esther (Agathe Bonitzer) que quer usar a tecnologia que criou para salvar a vida da mãe que está em coma - tudo isso sem uma explicação plausível (pelo menos até agora) de como a finalidade do aplicativo pode servir para outra tão diferente - a série apenas cita o fato dela ter salvado o irmão de uma condição parecida, mas também sem muita coerência de fatos.
Eu pessoalmente gostei da série, mesmo com essas falhas narrativas. Achei a produção excelente, com uma fotografia linda e uma construção de futuro inteligente, pois usa dos detalhes (e um orçamento modesto) para nos ambientar, sem precisar de maiores intervenções de cenários em CG (que normalmente soam tão fakes) como em 3%, por exemplo. A direção também é muito bacana, autoral, delicada, poética! Os atores são mais inconstantes, as vezes internalizam uma situação chave muito bem, outras vezes saem completamente fora tom se apoiando em esteriótipos que escancaram a canastrice!
Bom, se você gostou de "Sense 8" é mais provável que você se identifique com "Osmosis". De "Black Mirror" você só vai encontrar uma lembrança distante "Hang the DJ"!!! Vale dar uma chance...
Você provavelmente ainda não assistiu "Otros Pecados" - o que é até natural já que essa produção argentina de 2019 está escondida no catálogo da HBO Max e nunca chegou a chamar tanta atenção fora dos limites do seu território. No entanto, me sinto extremamente confortável em atestar: cinco anos após o excelente "Relatos Selvagens", essa nova antologia, aqui no formato de minissérie, traz o melhor daquele cinema argentino, na sua forma e no seu conteúdo, de uma maneira criativa e extremamente envolvente que vai fazer você maratonar e torcer para que o fim demore muito para chegar. Sempre com aquele misto de comédia, drama e sarcasmo, somos convidados a explorar outros pecados (daí o título) que não aqueles sete capitais que já conhecemos.
Em cada uma das dez histórias há uma construção única, original, que nos convida a ser espectadores de situações onde o limite está ligado ao inimaginável (alguém já viu isso em "Relatos"?). Onde essas situações abordadas fazem parte do nosso dia a dia, mesmo que aqui elevadas ao absurdo. É nesse contexto que surgem as misérias íntimas dos personagens, absorvidos pela culpa, pelo ciúme e pelas vicissitudes sociais, aquelas aptas a acabar com uma vida aparentemente tranquila e que embora pouco se saiba sobre quem de fato estaria disposto a agir de tal forma, suas consequências se tornam claras e irremediáveis. Confira o trailer (em espanhol):
As histórias de "Otros Pecados" navegam em situações difíceis de resolver, o que nos provoca sensações indescritíveis e talvez esteja aí a grande força dessa narrativa - o exercício de nos projetar para cada uma das histórias e assim refletir como nos comportaríamos em uma situação tão extrema, é tão forte quanto natural. Porém nada disso aconteceria não fosse o talentoso elenco para dar vida a esse personagens - Rafael Ferro, Leonardo Sbaraglia, Erica Rivas, Germán Palacios, Celeste Cid, Gonzalo Heredia, Violeta Urtizberea e Dady Brieva, entre muitos outros nomes que já são reconhecíveis para a audiência brasileira além de Ricardo Darín.
O tom de "Otros Pecados" foi um grande gancho para unificar essa estrutura de antologia. Os diretores Daniel Barone (de "El Lobista") e Jorge Nisco (de "Sua Parte do Trato") seguem um certo padrão, senão visual, pelo menos no mood. É verdade que cada história tem o seu encanto pessoal, umas são mais interessantes que outras, natural, mas todas oferecem uma perspectiva muito interessante no que diz respeito a complexidade das ações e dos dramas humanos. Seja em uma trama onde um fenômeno do tênis não consegue sobreviver sem sua treinadora abusiva, ou um rapaz que precisa lidar com o rancor de uma ex-namorada dez anos depois e até um publicitário capaz de tudo para não perder seu lugar (e status) para um talento mais novo; a minissérie entretem como poucas.
O fato é que "Otros Pecados" é uma jóia! Um entretenimento de primeiríssima qualidade para quem já está acostumado com um certo estilo argentino de contar histórias absurdas sem se levar tão a sério com o simples objetivo de se divertir. E o melhor de tudo isso é que as tramas são independentes, prontas para nos surpreender a cada episódio e olha, não decepcionam!
Vale muito o seu play!
Você provavelmente ainda não assistiu "Otros Pecados" - o que é até natural já que essa produção argentina de 2019 está escondida no catálogo da HBO Max e nunca chegou a chamar tanta atenção fora dos limites do seu território. No entanto, me sinto extremamente confortável em atestar: cinco anos após o excelente "Relatos Selvagens", essa nova antologia, aqui no formato de minissérie, traz o melhor daquele cinema argentino, na sua forma e no seu conteúdo, de uma maneira criativa e extremamente envolvente que vai fazer você maratonar e torcer para que o fim demore muito para chegar. Sempre com aquele misto de comédia, drama e sarcasmo, somos convidados a explorar outros pecados (daí o título) que não aqueles sete capitais que já conhecemos.
Em cada uma das dez histórias há uma construção única, original, que nos convida a ser espectadores de situações onde o limite está ligado ao inimaginável (alguém já viu isso em "Relatos"?). Onde essas situações abordadas fazem parte do nosso dia a dia, mesmo que aqui elevadas ao absurdo. É nesse contexto que surgem as misérias íntimas dos personagens, absorvidos pela culpa, pelo ciúme e pelas vicissitudes sociais, aquelas aptas a acabar com uma vida aparentemente tranquila e que embora pouco se saiba sobre quem de fato estaria disposto a agir de tal forma, suas consequências se tornam claras e irremediáveis. Confira o trailer (em espanhol):
As histórias de "Otros Pecados" navegam em situações difíceis de resolver, o que nos provoca sensações indescritíveis e talvez esteja aí a grande força dessa narrativa - o exercício de nos projetar para cada uma das histórias e assim refletir como nos comportaríamos em uma situação tão extrema, é tão forte quanto natural. Porém nada disso aconteceria não fosse o talentoso elenco para dar vida a esse personagens - Rafael Ferro, Leonardo Sbaraglia, Erica Rivas, Germán Palacios, Celeste Cid, Gonzalo Heredia, Violeta Urtizberea e Dady Brieva, entre muitos outros nomes que já são reconhecíveis para a audiência brasileira além de Ricardo Darín.
O tom de "Otros Pecados" foi um grande gancho para unificar essa estrutura de antologia. Os diretores Daniel Barone (de "El Lobista") e Jorge Nisco (de "Sua Parte do Trato") seguem um certo padrão, senão visual, pelo menos no mood. É verdade que cada história tem o seu encanto pessoal, umas são mais interessantes que outras, natural, mas todas oferecem uma perspectiva muito interessante no que diz respeito a complexidade das ações e dos dramas humanos. Seja em uma trama onde um fenômeno do tênis não consegue sobreviver sem sua treinadora abusiva, ou um rapaz que precisa lidar com o rancor de uma ex-namorada dez anos depois e até um publicitário capaz de tudo para não perder seu lugar (e status) para um talento mais novo; a minissérie entretem como poucas.
O fato é que "Otros Pecados" é uma jóia! Um entretenimento de primeiríssima qualidade para quem já está acostumado com um certo estilo argentino de contar histórias absurdas sem se levar tão a sério com o simples objetivo de se divertir. E o melhor de tudo isso é que as tramas são independentes, prontas para nos surpreender a cada episódio e olha, não decepcionam!
Vale muito o seu play!
"Oxigênio" segue o conceito narrativo de "Náufrago", filme lançado em 2000 com Tom Hanks. Mas calma, os ajustes entre gênero e modernidade, na minha opinião, funcionam muito melhor nessa ficção científica francesa da Netflix do diretor Alexandre Aja do que no filme do Robert Zemeckis . Veja, em pouco mais de 90 minutos acompanhamos uma única atriz, em um único cenário, atuando com uma voz sintetizada, ou seja, troque o ótimo trabalho de Tom Hanks pela igualmente competente Mélanie Laurent, uma ilha deserta por uma claustrofóbica câmara criogênica e o Wilson pela inteligência artificial, MILO (com um ótimo trabalho de voz de Mathieu Amalric) - e não acabou, adicione uma ambientação marcante cheia de mistério e incertezas, e a angústia da corrida contra o tempo na busca pela sobrevivência!
"Oxygène" (no original) conta a história de Elisabeth Hansen (Laurent), que acorda envolta de uma espécie de casulo em uma câmara criogênica. Ela retoma a consciência com dificuldade para lembrar o seu passado, sem entender como funciona a cápsula que se encontra trancada e ainda precisa correr contra o tempo para viver, afinal um monitor apresenta um limite de 35% de oxigênio disponível. A sensação de claustrofobia e o desespero a deixam confusa, sem saber o que é realidade e o que é uma memória falsa. No limite da sua sanidade, ela tenta entender o que está acontecendo, mas, principalmente, encontrar uma saída com vida. Confira o trailer:
Obviamente que dois elementos saltam aos olhos de cara: a capacidade de Mélanie Laurent carregar o filme praticamente sozinha sem contracenar com ninguém (nem com uma bola) e o roteiro inteligente e dinâmico da estreante Christie LeBlanc. É impressionante como não sentimos o tempo passar e como todos os melhores recursos de suspense e mistério funcionam em torno da história, conforme Elisabeth vai descobrindo cada novo dispositivo na câmara e como as pistas sobre como ela foi parar ali vão sendo apresentadas - aqui cabem duas ótimas referências: "Calls" e "A Chegada".
O trabalho do diretor Alexandre Aja merece elogios, afinal, mesmo preso em suas próprias limitações cênicas, ele consegue desenvolver uma movimentação de câmera bastante criativa, flutuando pelo espaço reduzido e criando momentos de alívios narrativos - que acaba trazendo uma sensação de "respiro", mas que imediatamente é diluída com a tensão limitadora da falta de oxigênio - aí ele usa e abusa das lentes mais fechadas, focando no rosto da protagonista para demonstrar suas reações perante essa situação. Reparem como a câmera, de fato, está ali para contar a história apoiada apenas em sensações que o diretor quer nos provocar! A fotografia, a base de leds e cirurgicamente azulada, do diretor Maxime Alexandre lembra muito o genial trabalho do Dion Beebe e do Paul Cameron em "Colateral".
“Oxigênio” transita entre o surpreendente e o óbvio, mas é inegável como tantos "pontos de virada" entregam um excelente ritmo ao filme. Veja, ele pode até começar com pegada claramente minimalista, mas não necessariamente terminará assim - na forma e no conteúdo. Minha única crítica diz respeito a última cena: completamente dispensável, mas aqui é uma opinião muito pessoal - sem impacto algum na ótima experiência que é assistir “Oxigênio”.
Embora seja uma ficção científica de qualidade, seus elementos de suspense psicológico só colaboram para que o roteiro e a performance da protagonista brilhem! Vale muito seu play por todos esses motivos e se você gostar do gênero!
"Oxigênio" segue o conceito narrativo de "Náufrago", filme lançado em 2000 com Tom Hanks. Mas calma, os ajustes entre gênero e modernidade, na minha opinião, funcionam muito melhor nessa ficção científica francesa da Netflix do diretor Alexandre Aja do que no filme do Robert Zemeckis . Veja, em pouco mais de 90 minutos acompanhamos uma única atriz, em um único cenário, atuando com uma voz sintetizada, ou seja, troque o ótimo trabalho de Tom Hanks pela igualmente competente Mélanie Laurent, uma ilha deserta por uma claustrofóbica câmara criogênica e o Wilson pela inteligência artificial, MILO (com um ótimo trabalho de voz de Mathieu Amalric) - e não acabou, adicione uma ambientação marcante cheia de mistério e incertezas, e a angústia da corrida contra o tempo na busca pela sobrevivência!
"Oxygène" (no original) conta a história de Elisabeth Hansen (Laurent), que acorda envolta de uma espécie de casulo em uma câmara criogênica. Ela retoma a consciência com dificuldade para lembrar o seu passado, sem entender como funciona a cápsula que se encontra trancada e ainda precisa correr contra o tempo para viver, afinal um monitor apresenta um limite de 35% de oxigênio disponível. A sensação de claustrofobia e o desespero a deixam confusa, sem saber o que é realidade e o que é uma memória falsa. No limite da sua sanidade, ela tenta entender o que está acontecendo, mas, principalmente, encontrar uma saída com vida. Confira o trailer:
Obviamente que dois elementos saltam aos olhos de cara: a capacidade de Mélanie Laurent carregar o filme praticamente sozinha sem contracenar com ninguém (nem com uma bola) e o roteiro inteligente e dinâmico da estreante Christie LeBlanc. É impressionante como não sentimos o tempo passar e como todos os melhores recursos de suspense e mistério funcionam em torno da história, conforme Elisabeth vai descobrindo cada novo dispositivo na câmara e como as pistas sobre como ela foi parar ali vão sendo apresentadas - aqui cabem duas ótimas referências: "Calls" e "A Chegada".
O trabalho do diretor Alexandre Aja merece elogios, afinal, mesmo preso em suas próprias limitações cênicas, ele consegue desenvolver uma movimentação de câmera bastante criativa, flutuando pelo espaço reduzido e criando momentos de alívios narrativos - que acaba trazendo uma sensação de "respiro", mas que imediatamente é diluída com a tensão limitadora da falta de oxigênio - aí ele usa e abusa das lentes mais fechadas, focando no rosto da protagonista para demonstrar suas reações perante essa situação. Reparem como a câmera, de fato, está ali para contar a história apoiada apenas em sensações que o diretor quer nos provocar! A fotografia, a base de leds e cirurgicamente azulada, do diretor Maxime Alexandre lembra muito o genial trabalho do Dion Beebe e do Paul Cameron em "Colateral".
“Oxigênio” transita entre o surpreendente e o óbvio, mas é inegável como tantos "pontos de virada" entregam um excelente ritmo ao filme. Veja, ele pode até começar com pegada claramente minimalista, mas não necessariamente terminará assim - na forma e no conteúdo. Minha única crítica diz respeito a última cena: completamente dispensável, mas aqui é uma opinião muito pessoal - sem impacto algum na ótima experiência que é assistir “Oxigênio”.
Embora seja uma ficção científica de qualidade, seus elementos de suspense psicológico só colaboram para que o roteiro e a performance da protagonista brilhem! Vale muito seu play por todos esses motivos e se você gostar do gênero!
"Pachinko" não é uma série fácil e muito menos daquelas que entregam respostas rápidas - e isso vai exigir uma certa paciência, mas que será recompensada com uma belíssima poesia visual e narrativa que se pauta no melodrama de uma história de vida através das gerações. Lançada em 2022 para o Apple TV+, essa série criada pela Soo Hugh ("The Killing"), é uma verdadeira jornada épica que narra a saga de uma família coreana ao longo de quatro gerações, explorando temas como identidade, resiliência e até como o impacto da colonização reflete na sociedade até hoje. Baseada no aclamado romance homônimo de Min Jin Lee, "Pachinko" é uma obra emocionalmente rica, que abrange décadas de histórias, oferecendo uma visão íntima da diáspora coreana no Japão. Com uma narrativa realmente cativante, em muitos momentos até flertando com novelesco, "Pachinko" inegavelmente se destaca como uma das séries mais ambiciosas e envolventes de 2022. Para os fãs de dramas históricos e narrativas intergeracionais que transitam entre um "The Crown" e um"This Is Us" , mas com um toque de "Minari", "Pachinko" oferece uma experiência igualmente emocionante e por si só, bastante profunda.
A trama de "Pachinko" começa no início do século 20, durante o período da ocupação japonesa na Coreia, e se estende até o final do século, traçando a jornada de Sunja, uma jovem coreana cuja vida é irrevogavelmente alterada por um romance proibido e uma série de escolhas difíceis. A história se desdobra em múltiplas linhas do tempo, acompanhando a vida de Sunja desde sua juventude até a velhice, bem como as experiências de seus descendentes, que lutam para encontrar seu lugar em um mundo que muitas vezes os rejeita. Confira o trailer (em inglês):
Soo Hugh adapta o romance de Min Jin Lee com uma sensibilidade que respeita tanto a riqueza histórica quanto a profundidade emocional do material original. A série é estruturada de forma não linear, saltando entre diferentes períodos e perspectivas, o que permite uma exploração mais rica e complexa dos temas propostos pelo roteiro, mas que também exige uma atenção maior da audiência. Essa estrutura narrativa reflete a natureza multifacetada da gênese coreana, onde o passado e o presente se entrelaçam constantemente para discutir as marcas profundas de sua colonização. A direção de "Pachinko", conduzida por nomes como Kogonada (de "After Yang") e Justin Chon (de "Blue Bayou"), ambos premiados em Cannes com o "Un Certain Regard Award", é notável por sua beleza visual e sua atenção meticulosa aos detalhes históricos e culturais. Kogonada, conhecido por seu estilo visual elegante e contemplativo em filmes como "Columbus", traz uma sensibilidade estética que eleva cada cena, transformando a série em uma obra de arte visual. Justin Chon, por sua vez, traz uma crueza emocional e uma autenticidade aos personagens, especialmente nas cenas que lidam com o racismo, a pobreza e a luta por dignidade em um ambiente hostil.
A Fotografia de Florian Hoffmeister (de "Tár") e de Ante Cheng (de "Blue Bayou"), de fato é um espetáculo à parte! Deslumbrante, capturando a rica diversidade de paisagens e ambientes que vão desde as aldeias costeiras da Coreia até as ruas densamente povoadas e industriais de Osaka. O uso de iluminação natural e enquadramentos cuidadosamente compostos contribui para a atmosfera imersiva da série, transportando a audiência para cada momento e lugar com uma autenticidade impressionante. Alinhado com um Desenho de Produção digno de muito prêmios, as mudanças da fotografia refletem o mood de cada época com perfeição - com tons mais suaves e nostálgicos para os flashbacks e uma abordagem mais sombria e gritante para o presente. Já o elenco de "Pachinko", o que dizer? É um dos maiores trunfos da série sem a menor dúvida. Minha Kim, como a jovem Sunja, entrega uma performance de partir o coração, capturando a inocência e a determinação de uma mulher jovem que se recusa a ser definida por suas circunstâncias. Youn Yuh-jung, vencedora do Oscar por "Minari", é igualmente impressionante como a versão mais velha da personagem - ela traz uma profundidade emocional impressionante, que reflete as muitas décadas de dor, perda e resistência de Sunja. Lee Min-ho, como Hansu, é simultaneamente charmoso e moralmente ambíguo - um personagem que personifica muitas das contradições e desafios enfrentados pelos coreanos que tentavam se integrar em uma sociedade que os marginalizava. Jin Ha, interpretando Solomon, neto de Sunja, é uma adição poderosa ao elenco, representando a geração mais jovem que luta para reconciliar seu patrimônio cultural com seu desejo de sucesso e pertencimento em um mundo globalizado.
"Pachinko" discute a importância de uma identidade cultural sólida. A série não apenas narra os desafios enfrentados pelos coreanos que migraram para o Japão, mas também examina como essas experiências moldaram as gerações futuras. É realmente uma exploração sensível de como a história, a cultura e as escolhas pessoais se entrelaçam para definir a individualidade perante sua comunidade. É importante pontuar que o roteiro ainda destaca as desigualdades e as injustiças sistêmicas que os personagens enfrentam, oferecendo uma crítica incisiva da xenofobia e do colonialismo. Veja, a decisão de intercalar múltiplas gerações permite uma discussão mais rica e matizada sobre como o legado, seja de um trauma ou de sua resistência, é transmitido e transformado ao longo do tempo. Aclamada por sua narrativa ambiciosa e produção de altíssima qualidade, "Pachinko" é um testemunho da resiliência humana e da complexidade da experiência migratória - uma visão ampla que é tanto educativa quanto emocionalmente ressonante.
Imperdível!
"Pachinko" não é uma série fácil e muito menos daquelas que entregam respostas rápidas - e isso vai exigir uma certa paciência, mas que será recompensada com uma belíssima poesia visual e narrativa que se pauta no melodrama de uma história de vida através das gerações. Lançada em 2022 para o Apple TV+, essa série criada pela Soo Hugh ("The Killing"), é uma verdadeira jornada épica que narra a saga de uma família coreana ao longo de quatro gerações, explorando temas como identidade, resiliência e até como o impacto da colonização reflete na sociedade até hoje. Baseada no aclamado romance homônimo de Min Jin Lee, "Pachinko" é uma obra emocionalmente rica, que abrange décadas de histórias, oferecendo uma visão íntima da diáspora coreana no Japão. Com uma narrativa realmente cativante, em muitos momentos até flertando com novelesco, "Pachinko" inegavelmente se destaca como uma das séries mais ambiciosas e envolventes de 2022. Para os fãs de dramas históricos e narrativas intergeracionais que transitam entre um "The Crown" e um"This Is Us" , mas com um toque de "Minari", "Pachinko" oferece uma experiência igualmente emocionante e por si só, bastante profunda.
A trama de "Pachinko" começa no início do século 20, durante o período da ocupação japonesa na Coreia, e se estende até o final do século, traçando a jornada de Sunja, uma jovem coreana cuja vida é irrevogavelmente alterada por um romance proibido e uma série de escolhas difíceis. A história se desdobra em múltiplas linhas do tempo, acompanhando a vida de Sunja desde sua juventude até a velhice, bem como as experiências de seus descendentes, que lutam para encontrar seu lugar em um mundo que muitas vezes os rejeita. Confira o trailer (em inglês):
Soo Hugh adapta o romance de Min Jin Lee com uma sensibilidade que respeita tanto a riqueza histórica quanto a profundidade emocional do material original. A série é estruturada de forma não linear, saltando entre diferentes períodos e perspectivas, o que permite uma exploração mais rica e complexa dos temas propostos pelo roteiro, mas que também exige uma atenção maior da audiência. Essa estrutura narrativa reflete a natureza multifacetada da gênese coreana, onde o passado e o presente se entrelaçam constantemente para discutir as marcas profundas de sua colonização. A direção de "Pachinko", conduzida por nomes como Kogonada (de "After Yang") e Justin Chon (de "Blue Bayou"), ambos premiados em Cannes com o "Un Certain Regard Award", é notável por sua beleza visual e sua atenção meticulosa aos detalhes históricos e culturais. Kogonada, conhecido por seu estilo visual elegante e contemplativo em filmes como "Columbus", traz uma sensibilidade estética que eleva cada cena, transformando a série em uma obra de arte visual. Justin Chon, por sua vez, traz uma crueza emocional e uma autenticidade aos personagens, especialmente nas cenas que lidam com o racismo, a pobreza e a luta por dignidade em um ambiente hostil.
A Fotografia de Florian Hoffmeister (de "Tár") e de Ante Cheng (de "Blue Bayou"), de fato é um espetáculo à parte! Deslumbrante, capturando a rica diversidade de paisagens e ambientes que vão desde as aldeias costeiras da Coreia até as ruas densamente povoadas e industriais de Osaka. O uso de iluminação natural e enquadramentos cuidadosamente compostos contribui para a atmosfera imersiva da série, transportando a audiência para cada momento e lugar com uma autenticidade impressionante. Alinhado com um Desenho de Produção digno de muito prêmios, as mudanças da fotografia refletem o mood de cada época com perfeição - com tons mais suaves e nostálgicos para os flashbacks e uma abordagem mais sombria e gritante para o presente. Já o elenco de "Pachinko", o que dizer? É um dos maiores trunfos da série sem a menor dúvida. Minha Kim, como a jovem Sunja, entrega uma performance de partir o coração, capturando a inocência e a determinação de uma mulher jovem que se recusa a ser definida por suas circunstâncias. Youn Yuh-jung, vencedora do Oscar por "Minari", é igualmente impressionante como a versão mais velha da personagem - ela traz uma profundidade emocional impressionante, que reflete as muitas décadas de dor, perda e resistência de Sunja. Lee Min-ho, como Hansu, é simultaneamente charmoso e moralmente ambíguo - um personagem que personifica muitas das contradições e desafios enfrentados pelos coreanos que tentavam se integrar em uma sociedade que os marginalizava. Jin Ha, interpretando Solomon, neto de Sunja, é uma adição poderosa ao elenco, representando a geração mais jovem que luta para reconciliar seu patrimônio cultural com seu desejo de sucesso e pertencimento em um mundo globalizado.
"Pachinko" discute a importância de uma identidade cultural sólida. A série não apenas narra os desafios enfrentados pelos coreanos que migraram para o Japão, mas também examina como essas experiências moldaram as gerações futuras. É realmente uma exploração sensível de como a história, a cultura e as escolhas pessoais se entrelaçam para definir a individualidade perante sua comunidade. É importante pontuar que o roteiro ainda destaca as desigualdades e as injustiças sistêmicas que os personagens enfrentam, oferecendo uma crítica incisiva da xenofobia e do colonialismo. Veja, a decisão de intercalar múltiplas gerações permite uma discussão mais rica e matizada sobre como o legado, seja de um trauma ou de sua resistência, é transmitido e transformado ao longo do tempo. Aclamada por sua narrativa ambiciosa e produção de altíssima qualidade, "Pachinko" é um testemunho da resiliência humana e da complexidade da experiência migratória - uma visão ampla que é tanto educativa quanto emocionalmente ressonante.
Imperdível!
"Padre Stu" não é sobre o que você está pensando ou baseado no marketing que foi construído em cima do filme. Não, "Padre Stu" é melhor, mais intenso, mais profundo e muito mais humano se nos permitirmos entender seu propósito. Aliás, o filme é justamente sobre encontrar um propósito depois de tantas rejeições - o prólogo expõe justamente essa condição e é a partir dele que toda narrativa é construída pelos olhos de quem busca uma chance de ser respeitado.
Baseado em uma história real, "Father Stu" (no original) acompanha a jornada de um boxeador que vira um padre. Quando uma lesão encerra sua carreira no boxe, Stuart Long (Mark Wahlberg) se muda para Los Angeles sonhando com uma nova carreira: se tornar ator. Enquanto trabalha no açougue de um supermercado, ele conhece Carmen (Teresa Ruiz), uma professora católica. Determinado a conquistá-la, o agnóstico de longa data começa a ir para igreja para impressioná-la. Mas sobreviver a um terrível acidente de motocicleta o deixa imaginando se ele poderia usar essa segunda chance para ajudar os outros a encontrar o caminho, levando à surpreendente percepção de que ele deveria ser um padre católico. Confira o trailer:
"Padre Stu" tem muitos elementos narrativos que nos remetem ao premiado "O Lutador" do Darren Aronofsky. O filme é muito bem dirigido pela estreante Rosalind Ross e tem na imersão através do íntimo do personagem um verdadeiro estudo sobre um homem marcado por uma única obsessão: provar que pode dar certo na vida, custe o que custar. Inegavelmente que Mark Wahlberg se aproveita da oportunidade para entregar um personagem extremamente visceral em todos os sentidos - sua performance é exemplar no que diz respeito ao range de atuação. Wahlberg transita entre extremos com muita naturalidade e usa do seu próprio corpo para simbolizar essa transformação de caráter - é chocante como ele se desconstrói. É só uma pena que uma inegável limitação técnica do roteiro lhe impeça um reconhecimento maior nas premiações - seria merecido.
Aliás é Ross que também assina o roteiro do seu primeiro longa-metragem. É um fato que ela escorrega na falta de experiência ao perder muito tempo pontuando as falhas e perdições do protagonista, para só depois explorar o seu interesse pela fé cristã - é como se o roteiro precisasse destacar o quão perdido Stu estava para assim valorizar seu processo de transformação. Não que isso seja um grande problema, mas em determinado momento temos a impressão que a história não evolui e quando ela de fato ganha força, o filme já está quase acabando e a emoção parece não ter tempo de aparecer. Eu não sei se essa escolha foi uma estratégia para o filme não parecer religioso demais, mas, sinceramente, em nenhum momento isso seria uma preocupação para quem assiste graças ao trabalho do próprio Wahlberg.
Inicialmente apresentado como "Luta Pela Fé: A História do Padre Stu", é preciso dizer que não se trata de um filme cristão em sua origem, embora tenha muitos elementos que justificariam essa classificação. Antes do play, saiba que mais do que a linda mensagem de superação e de transformação, a história por si só já se sustentaria sem a necessidade de se apegar tanto aos esteriótipos da religião (mesmo aproveitando o tema para discutir certos dogmas que em muitos momentos soam hipócritas) - eu diria até que "Padre Stu" tem uma trama mais espiritualista do que religiosa na sua essência, com aquele leve toque de lição de vida motivacional.
Agora, é um filme que vale sim por toda a jornada e que se apoia na qualidade da produção, na performance marcante de Wahlberg e na mensagem positiva do final para conquistar uma audiência bem especifica!
"Padre Stu" não é sobre o que você está pensando ou baseado no marketing que foi construído em cima do filme. Não, "Padre Stu" é melhor, mais intenso, mais profundo e muito mais humano se nos permitirmos entender seu propósito. Aliás, o filme é justamente sobre encontrar um propósito depois de tantas rejeições - o prólogo expõe justamente essa condição e é a partir dele que toda narrativa é construída pelos olhos de quem busca uma chance de ser respeitado.
Baseado em uma história real, "Father Stu" (no original) acompanha a jornada de um boxeador que vira um padre. Quando uma lesão encerra sua carreira no boxe, Stuart Long (Mark Wahlberg) se muda para Los Angeles sonhando com uma nova carreira: se tornar ator. Enquanto trabalha no açougue de um supermercado, ele conhece Carmen (Teresa Ruiz), uma professora católica. Determinado a conquistá-la, o agnóstico de longa data começa a ir para igreja para impressioná-la. Mas sobreviver a um terrível acidente de motocicleta o deixa imaginando se ele poderia usar essa segunda chance para ajudar os outros a encontrar o caminho, levando à surpreendente percepção de que ele deveria ser um padre católico. Confira o trailer:
"Padre Stu" tem muitos elementos narrativos que nos remetem ao premiado "O Lutador" do Darren Aronofsky. O filme é muito bem dirigido pela estreante Rosalind Ross e tem na imersão através do íntimo do personagem um verdadeiro estudo sobre um homem marcado por uma única obsessão: provar que pode dar certo na vida, custe o que custar. Inegavelmente que Mark Wahlberg se aproveita da oportunidade para entregar um personagem extremamente visceral em todos os sentidos - sua performance é exemplar no que diz respeito ao range de atuação. Wahlberg transita entre extremos com muita naturalidade e usa do seu próprio corpo para simbolizar essa transformação de caráter - é chocante como ele se desconstrói. É só uma pena que uma inegável limitação técnica do roteiro lhe impeça um reconhecimento maior nas premiações - seria merecido.
Aliás é Ross que também assina o roteiro do seu primeiro longa-metragem. É um fato que ela escorrega na falta de experiência ao perder muito tempo pontuando as falhas e perdições do protagonista, para só depois explorar o seu interesse pela fé cristã - é como se o roteiro precisasse destacar o quão perdido Stu estava para assim valorizar seu processo de transformação. Não que isso seja um grande problema, mas em determinado momento temos a impressão que a história não evolui e quando ela de fato ganha força, o filme já está quase acabando e a emoção parece não ter tempo de aparecer. Eu não sei se essa escolha foi uma estratégia para o filme não parecer religioso demais, mas, sinceramente, em nenhum momento isso seria uma preocupação para quem assiste graças ao trabalho do próprio Wahlberg.
Inicialmente apresentado como "Luta Pela Fé: A História do Padre Stu", é preciso dizer que não se trata de um filme cristão em sua origem, embora tenha muitos elementos que justificariam essa classificação. Antes do play, saiba que mais do que a linda mensagem de superação e de transformação, a história por si só já se sustentaria sem a necessidade de se apegar tanto aos esteriótipos da religião (mesmo aproveitando o tema para discutir certos dogmas que em muitos momentos soam hipócritas) - eu diria até que "Padre Stu" tem uma trama mais espiritualista do que religiosa na sua essência, com aquele leve toque de lição de vida motivacional.
Agora, é um filme que vale sim por toda a jornada e que se apoia na qualidade da produção, na performance marcante de Wahlberg e na mensagem positiva do final para conquistar uma audiência bem especifica!
"Pai, Filho, Pátria" (Father Soldier Son, título original) é um documentário que destrói seu coração - e é preciso dizer isso logo de cara, pois será necessário estar muito no clima para conseguir enfrentar a história da família Eisch até o final! O filme é uma produção do New York Times e foi um dos indicados como "Melhor Documentário" no Tribeca Film Festival de 2020 e vencedor na categoria "Melhor Edição" no mesmo evento. De fato, essa indicação só confirma o ótimo trabalho das jornalistas e diretoras Leslye Davis e Catrin Einhorn que acompanharam a jornada do sargento Brian Eisch para se reconectar com seus filhos depois de retornar da guerra do Afeganistão.
Propositalmente não vou colocar o trailer nessa primeira parte do review como de costume, pois a experiência de assistir "Pai, Filho, Pátria" sem saber muito sobre ele é visceral, quase devastadora, mas incrivelmente marcante - principalmente se você, como eu, já for pai. Eu admito que não tinha assistido cinco minutos do filme (fiz questão de pausar para ver o tempo) e já estava emocionado e, claro, muito angustiado pelo que poderia vir mais à frente. Posso adiantar que é um plot twist atrás do outro e muitos deles de difícil digestão. Olha, "Pai, Filho, Pátria" é cruel, mas vale muito a pena pela reflexão que ele nos provoca a fazer e pelo recorte de uma cultura que, mesmo conhecida, tem um impacto muito marcante dentro das famílias americanas!
Era pra ser apenas uma reportagem para o NYT sobre o drama de ser um jovem soldado, pai solteiro e obrigado a ficar longe dos filhos para lutar no Afeganistão, mas acabou se transformando em um documentário extremamente crítico sobre a real função das forças armadas, do patriotismo e da alternativa de ascensão social que o exército proporciona para muitos jovens. A equipe, então, passou a acompanhar Brian e seus dois filhos, Isaac, 12 anos, e Joey, com 7 anos,por dez anos. O que vemos a partir daí é uma série de situações que nos incomodam, seja pela ideologia, pelo modo de encarar a vida, pela maneira míope e antiquada de criar os filhos e também pelas surpresas que a vida teima em nos apresentar. Confira o trailer (em inglês):
Além do roteiro, tecnicamente o filme tem dois pontos altos: a direção foge um pouco da gramática documental - na verdade, ela se apoia muito mais na dinâmica de uma ficção quase poética, com enquadramentos belíssimos e uma sensibilidade muito grande para escolher o distanciamento exato de cada uma das discussões. A impressão que me deu é que as diretoras tinham sempre a lente certa para captar cada uma das emoções - como se já estivesse tudo programado. O outro ponto alto, claro, é a edição: a montadora Amy Foote foi brilhante ao encaixar as peças de 10 anos de material em apenas 1:40 de filme e mesmo assim contar uma história com uma lógica incrível, trazer tantas discussões e ainda por cima nos provocar tantas sensações.
"Pai, Filho, Pátria" é um documentário que não me surpreenderá se for indicado ao Oscar 2021 - tem potencial para isso, pelo tema e pela densidade que a história se transformou. Se prepare emocionalmente, dê o play e depois reflita sobre tudo o que acabou de assistir!
"Pai, Filho, Pátria" (Father Soldier Son, título original) é um documentário que destrói seu coração - e é preciso dizer isso logo de cara, pois será necessário estar muito no clima para conseguir enfrentar a história da família Eisch até o final! O filme é uma produção do New York Times e foi um dos indicados como "Melhor Documentário" no Tribeca Film Festival de 2020 e vencedor na categoria "Melhor Edição" no mesmo evento. De fato, essa indicação só confirma o ótimo trabalho das jornalistas e diretoras Leslye Davis e Catrin Einhorn que acompanharam a jornada do sargento Brian Eisch para se reconectar com seus filhos depois de retornar da guerra do Afeganistão.
Propositalmente não vou colocar o trailer nessa primeira parte do review como de costume, pois a experiência de assistir "Pai, Filho, Pátria" sem saber muito sobre ele é visceral, quase devastadora, mas incrivelmente marcante - principalmente se você, como eu, já for pai. Eu admito que não tinha assistido cinco minutos do filme (fiz questão de pausar para ver o tempo) e já estava emocionado e, claro, muito angustiado pelo que poderia vir mais à frente. Posso adiantar que é um plot twist atrás do outro e muitos deles de difícil digestão. Olha, "Pai, Filho, Pátria" é cruel, mas vale muito a pena pela reflexão que ele nos provoca a fazer e pelo recorte de uma cultura que, mesmo conhecida, tem um impacto muito marcante dentro das famílias americanas!
Era pra ser apenas uma reportagem para o NYT sobre o drama de ser um jovem soldado, pai solteiro e obrigado a ficar longe dos filhos para lutar no Afeganistão, mas acabou se transformando em um documentário extremamente crítico sobre a real função das forças armadas, do patriotismo e da alternativa de ascensão social que o exército proporciona para muitos jovens. A equipe, então, passou a acompanhar Brian e seus dois filhos, Isaac, 12 anos, e Joey, com 7 anos,por dez anos. O que vemos a partir daí é uma série de situações que nos incomodam, seja pela ideologia, pelo modo de encarar a vida, pela maneira míope e antiquada de criar os filhos e também pelas surpresas que a vida teima em nos apresentar. Confira o trailer (em inglês):
Além do roteiro, tecnicamente o filme tem dois pontos altos: a direção foge um pouco da gramática documental - na verdade, ela se apoia muito mais na dinâmica de uma ficção quase poética, com enquadramentos belíssimos e uma sensibilidade muito grande para escolher o distanciamento exato de cada uma das discussões. A impressão que me deu é que as diretoras tinham sempre a lente certa para captar cada uma das emoções - como se já estivesse tudo programado. O outro ponto alto, claro, é a edição: a montadora Amy Foote foi brilhante ao encaixar as peças de 10 anos de material em apenas 1:40 de filme e mesmo assim contar uma história com uma lógica incrível, trazer tantas discussões e ainda por cima nos provocar tantas sensações.
"Pai, Filho, Pátria" é um documentário que não me surpreenderá se for indicado ao Oscar 2021 - tem potencial para isso, pelo tema e pela densidade que a história se transformou. Se prepare emocionalmente, dê o play e depois reflita sobre tudo o que acabou de assistir!
"Palmer" é, essencialmente, um filme muito humano, daqueles que a história nos toca na alma e que nos faz torcer pelo protagonista desde o inicio, já que sabemos que sua transformação faz parte de uma jornada e é ela que vai nos mover em busca de um possível final feliz - eu disse, "possível"! A vida é assim!
Após 12 anos na prisão, Palmer (Justin Timberlake) sai da condicional e retorna para sua cidade natal, Sylvain, na Louisiana, onde sua avó o criou desde adolescente. Ainda sem rumo, tentando se reestabelecer na sociedade, Palmer acaba encontrando um propósito de vida ao conhecer um garoto de sete anos que mora com a mãe drogada em um trailer ao lado da sua casa. Sam (Ryder Allen) sofre todo tipo debullying por gostar de brincar com bonecas, de assistir animações “para” meninas e por vestir-se de maneira diferente dos demais garotos, ou seja, uma criança "diferente" do que a sociedade espera, especialmente em uma cidade tradicional e preconceituosa do interior dos EUA. Confira o trailer:
Ao assistir o trailer já sabemos exatamente onde vamos nos enfiar, certo? "Palmer" tem uma estrutura extremamente clichê, que sabe exatamente quais os atalhos sentimentais que precisa seguir para alcançar o seu objetivo: nos fazer refletir sobre os problemas da sociedade e a falta de empatia do ser humano, codificada em todas as formas de preconceito e personificada na figura de um garoto carismático e apaixonante - a relação com "Extraordinário" será natural, diga-se de passagem.
Como "Extraordinário", "Palmer" também não ousa, não vai além do suportável para mostrar todos os problemas que o roteiro pontua: bullying, drogas, abandono, racismo e preconceito. A narrativa faz o mínimo necessário para passar sua mensagem e nos provocar a reflexão, mas em nenhum momento nos impacta com tanta força como "Florida Project", por exemplo. Isso não é exatamente um problema, que fique claro, até porquê a idéia nunca foi se aprofundar realmente em nenhum desses assuntos tão espinhosos - o que facilita a jornada e fatalmente vai atingir um público muito maior.
O diretor Fisher Stevens (Amigos Inseparáveis) faz um "arroz com feijão" muito competente, mas é visível a falta de personalidade cinematográfica para transformar algumas situações em cenas melhores ou mais criativas - mesmo sem perder o conceito "soft" do projeto. Justin Timberlake faz um excelente trabalho e mostra, mais uma vez, potencial para voar alto na carreira de ator, se houver uma dedicação maior. O garoto Ryder Allen é um achado e não vou me surpreender se aparecer como indicado a "Ator Coadjuvante" em alguma grande premiação - no "Broadcast Film Critics Association Awards, ele já foi reconhecido.
"Palmer" vale muito a pena, é um filme simpático, bem realizado em todos os sentidos e muito inteligente em transformar um roteiro delicado da novata Cheryl Guerriero, em um filme emocionalmente na medida certa. Vai tranquilo!
"Palmer" é, essencialmente, um filme muito humano, daqueles que a história nos toca na alma e que nos faz torcer pelo protagonista desde o inicio, já que sabemos que sua transformação faz parte de uma jornada e é ela que vai nos mover em busca de um possível final feliz - eu disse, "possível"! A vida é assim!
Após 12 anos na prisão, Palmer (Justin Timberlake) sai da condicional e retorna para sua cidade natal, Sylvain, na Louisiana, onde sua avó o criou desde adolescente. Ainda sem rumo, tentando se reestabelecer na sociedade, Palmer acaba encontrando um propósito de vida ao conhecer um garoto de sete anos que mora com a mãe drogada em um trailer ao lado da sua casa. Sam (Ryder Allen) sofre todo tipo debullying por gostar de brincar com bonecas, de assistir animações “para” meninas e por vestir-se de maneira diferente dos demais garotos, ou seja, uma criança "diferente" do que a sociedade espera, especialmente em uma cidade tradicional e preconceituosa do interior dos EUA. Confira o trailer:
Ao assistir o trailer já sabemos exatamente onde vamos nos enfiar, certo? "Palmer" tem uma estrutura extremamente clichê, que sabe exatamente quais os atalhos sentimentais que precisa seguir para alcançar o seu objetivo: nos fazer refletir sobre os problemas da sociedade e a falta de empatia do ser humano, codificada em todas as formas de preconceito e personificada na figura de um garoto carismático e apaixonante - a relação com "Extraordinário" será natural, diga-se de passagem.
Como "Extraordinário", "Palmer" também não ousa, não vai além do suportável para mostrar todos os problemas que o roteiro pontua: bullying, drogas, abandono, racismo e preconceito. A narrativa faz o mínimo necessário para passar sua mensagem e nos provocar a reflexão, mas em nenhum momento nos impacta com tanta força como "Florida Project", por exemplo. Isso não é exatamente um problema, que fique claro, até porquê a idéia nunca foi se aprofundar realmente em nenhum desses assuntos tão espinhosos - o que facilita a jornada e fatalmente vai atingir um público muito maior.
O diretor Fisher Stevens (Amigos Inseparáveis) faz um "arroz com feijão" muito competente, mas é visível a falta de personalidade cinematográfica para transformar algumas situações em cenas melhores ou mais criativas - mesmo sem perder o conceito "soft" do projeto. Justin Timberlake faz um excelente trabalho e mostra, mais uma vez, potencial para voar alto na carreira de ator, se houver uma dedicação maior. O garoto Ryder Allen é um achado e não vou me surpreender se aparecer como indicado a "Ator Coadjuvante" em alguma grande premiação - no "Broadcast Film Critics Association Awards, ele já foi reconhecido.
"Palmer" vale muito a pena, é um filme simpático, bem realizado em todos os sentidos e muito inteligente em transformar um roteiro delicado da novata Cheryl Guerriero, em um filme emocionalmente na medida certa. Vai tranquilo!
"Pam & Tommy" é um retrato do que viria a ser o mundo das subcelebridades alguns anos depois, embora a sua própria história já seja o suficiente para entender o tamanho da hipocrisia que a sociedade custa em esconder ao mesmo tempo em que a exposição é seu maior ativo - e aqui é impossível não julgar alguns dos personagens da minissérie pelo simples fato de que sabemos exatamente o que aconteceu depois. Claro que é preciso colocar na balança o contexto da época, alguma ingenuidade (será?) e o impacto que aquele sex-tape teve devido o inicio da internet, mas também não se pode esquecer que do outro lado da tela estavam personagens controversos, com seus defeitos e qualidades - e é isso que a trama tenta nos mostrar: a história que não conhecemos!
Baseada em uma história real, "Pam & Tommy" segue o turbulento relacionamento de Pamela Anderson (Lily James), atriz conhecida por seu trabalho na série Baywatch e já um sex-symbol, com Tommy Lee (Sebastian Stan), baterista da decadente banda Mötley Crüe. Em 1996, o casal estampou tablóides do mundo inteiro com um vídeo de sua lua de mel que acabou roubada e distribuída para o público pelo ex-ator pornô Michael Morrison (Nick Offerman) e seu amigo Rand Gauthier (Seth Rogen). Confira o trailer:
Inicialmente "Pam & Tommy" usa de um tom mais descontraído, para não dizer pastelão, para estabelecer a personalidade de todos os personagens masculinos da história - essa escolha conceitual impacta diretamente na performance dos atores e mesmo com o over-acting muito presente, tanto Seth Rogen quanto Sebastian Stan vão bem. Quando as dores e fantasmas de Pamela Anderson começam a ganhar mais destaque após o terceiro episódio, o tom muda um pouquinho e Lily James brilha demais - o problema é que de um lado temos o espalhafatoso e do outro um mergulho profundo na alma feminina. Em muitos momentos o choque dessas duas linhas não se conversam e parece que a minissérie perde sua identidade ou, pior, busca o caminho mais fácil para tentar alcançar seus objetivos.
Veja, "Pam & Tommy"é, narrativamente, muito eficiente e tem uma produção com estilo, cuidadosa e muito bem concebida. O ótimo elenco e boas direções justificam os elogios que recebeu, minha critica é que falta unidade conceitual - um problema quando se tem vários diretores em um mesmo projeto. Os episódios funcionam perfeitamente quando pensado individualmente, mas como conjunto da obra, oscila. Essa dinâmica acaba tornando a narrativa maniqueísta demais com Tommy representando o inferno e Pam o angelical, quando na verdade eles são muito mais do que isso. Essa unidimensionalidade não deixa irmos além na experiência - a audiência que Pamela Anderson precisou passar em seu processo contra a Penthouse é um bom exemplo: poxa, ela sofre, escuta o que pior uma mulher pode escutar e logo depois diz para a senhora que vai limpar a sala de reunião "Desculpe pela bagunça que fizemos”"; não dá!
Após 8 episódios, o sentimento é que "Pam & Tommy" é um ótimo entretenimento, muito bacana de assistir, mas poderia ter sido um pouco mais corajosa e menos preocupada em estereotipar seus personagens - é nesse momento que conceitos narrativos interferem na nossa experiência. Vai funcionar mais para alguns do que para outros e acho que, sinceramente, vale muito o seu play; só não dá para carimbar a obra como algo excepcional.
Boa para maratonar, para reviver uma época especial para muitos e para curtir uma trilha sonora sensacional!
"Pam & Tommy" é um retrato do que viria a ser o mundo das subcelebridades alguns anos depois, embora a sua própria história já seja o suficiente para entender o tamanho da hipocrisia que a sociedade custa em esconder ao mesmo tempo em que a exposição é seu maior ativo - e aqui é impossível não julgar alguns dos personagens da minissérie pelo simples fato de que sabemos exatamente o que aconteceu depois. Claro que é preciso colocar na balança o contexto da época, alguma ingenuidade (será?) e o impacto que aquele sex-tape teve devido o inicio da internet, mas também não se pode esquecer que do outro lado da tela estavam personagens controversos, com seus defeitos e qualidades - e é isso que a trama tenta nos mostrar: a história que não conhecemos!
Baseada em uma história real, "Pam & Tommy" segue o turbulento relacionamento de Pamela Anderson (Lily James), atriz conhecida por seu trabalho na série Baywatch e já um sex-symbol, com Tommy Lee (Sebastian Stan), baterista da decadente banda Mötley Crüe. Em 1996, o casal estampou tablóides do mundo inteiro com um vídeo de sua lua de mel que acabou roubada e distribuída para o público pelo ex-ator pornô Michael Morrison (Nick Offerman) e seu amigo Rand Gauthier (Seth Rogen). Confira o trailer:
Inicialmente "Pam & Tommy" usa de um tom mais descontraído, para não dizer pastelão, para estabelecer a personalidade de todos os personagens masculinos da história - essa escolha conceitual impacta diretamente na performance dos atores e mesmo com o over-acting muito presente, tanto Seth Rogen quanto Sebastian Stan vão bem. Quando as dores e fantasmas de Pamela Anderson começam a ganhar mais destaque após o terceiro episódio, o tom muda um pouquinho e Lily James brilha demais - o problema é que de um lado temos o espalhafatoso e do outro um mergulho profundo na alma feminina. Em muitos momentos o choque dessas duas linhas não se conversam e parece que a minissérie perde sua identidade ou, pior, busca o caminho mais fácil para tentar alcançar seus objetivos.
Veja, "Pam & Tommy"é, narrativamente, muito eficiente e tem uma produção com estilo, cuidadosa e muito bem concebida. O ótimo elenco e boas direções justificam os elogios que recebeu, minha critica é que falta unidade conceitual - um problema quando se tem vários diretores em um mesmo projeto. Os episódios funcionam perfeitamente quando pensado individualmente, mas como conjunto da obra, oscila. Essa dinâmica acaba tornando a narrativa maniqueísta demais com Tommy representando o inferno e Pam o angelical, quando na verdade eles são muito mais do que isso. Essa unidimensionalidade não deixa irmos além na experiência - a audiência que Pamela Anderson precisou passar em seu processo contra a Penthouse é um bom exemplo: poxa, ela sofre, escuta o que pior uma mulher pode escutar e logo depois diz para a senhora que vai limpar a sala de reunião "Desculpe pela bagunça que fizemos”"; não dá!
Após 8 episódios, o sentimento é que "Pam & Tommy" é um ótimo entretenimento, muito bacana de assistir, mas poderia ter sido um pouco mais corajosa e menos preocupada em estereotipar seus personagens - é nesse momento que conceitos narrativos interferem na nossa experiência. Vai funcionar mais para alguns do que para outros e acho que, sinceramente, vale muito o seu play; só não dá para carimbar a obra como algo excepcional.
Boa para maratonar, para reviver uma época especial para muitos e para curtir uma trilha sonora sensacional!
É inegável a fragilidade do documentário da Netflix, "Pamela Anderson - Uma História de Amor". Por outro lado, com um pouco menos de olhar crítico, é perceptível seu magnetismo, onde, ao final de quase 120 minutos de filme, vemos o reflexo de uma mulher em busca de redenção sem ao menos se dar conta que seus maiores fantasmas apontam justamente para suas próprias escolhas - escolhas essas que a protagonista faz questão de dizer não se arrepender de ter feito, diga-se de passagem. A história é bem interessante (dolorida para ela) e a personagem é de fato marcante (se você tem mais que 40 anos vai saber do que estou falando), mas nem a soma desses dois elementos essenciais para uma boa narrativa, chega a nos provocar mais do que 20 minutos de empatia - embora o esforço para isso seja tremendo!
"Pamela, A Love Story" (no original) não é um documentário ruim, longe disso, mas talvez a forma como alguns assuntos foram abordados possa dar essa impressão errada. A história de vida que retrata a ascensão à fama e uma quebra de privacidade marcante, de uma vida pessoal turbulenta, bem como seu casamento com Tommy Lee, sua sex tape vazada, os fracassos como atriz e ainda sua ambígua relação com a mídia, fazem do documentário uma curiosa jornada pela intimidade da mulher, Pamela Anderson. Confira o trailer (em inglês):
Se pegarmos o documentário da HBO, "Tina", e compararmos com "Pamela Anderson - Uma História de Amor", encontramos inúmeras semelhanças narrativas - na forma e no conteúdo. O diferencial, e aí já é preciso uma certa reflexão, diz respeito ao que cada uma das personagens representou para sua arte. Obviamente que a comparação é mais teórica do que prática (eu diria até injusta), mas o enredo, repare, aponta para as mesmas lacunas emocionais: uma infância dura, sem muita referência afetiva, relacionamentos tóxicos por todos os lados, fracassos, sucessos, muito sensacionalismo e, claro, uma busca pelo auto-perdão. Indo um pouco mais longe, ambos documentários têm um importante e cruel fio condutor: o amor (ou a falta que ele faz).
O diretor Ryan White (do excelente "Boa Noite Oppy") usa e abusa dos depoimentos de Pamela para construir a imagem de uma mulher frágil, em certos momentos até infantil, o que de alguma forma (para quem conhece um pouco mais da vida da atriz) soa hipocrisia. Ela mesmo tenta se desvencilhar da imagem de vítima, mas com as narrações em off de passagens escritas por ela em seu diário, fica mais difícil. No entanto, uma característica nos chama atenção: a capacidade que Pamela Anderson tem de rir de si mesma é impressionante - e sempre foi assim. É perceptível seu constrangimento ao enfrentar as piadas mais infames e machistas dos Late Show's dos anos 80/90, mas ela se sai bem - já atualmente, quando em uma situação realmente mais desconfortável, ela simplesmente sai de cena.
Para quem assistiu a ótima minissérie do Star+ (no caso, do Hulu), "Pam & Tommy", e gostou; "Pamela Anderson - Uma História de Amor" é quase um complemento obrigatório que possibilita um mergulho mais profundo e real na intimidade de Anderson. A construção apoteótica do mito vs. a mulher que só queria uma família ao lado do amor de sua vida, está ali; o que nos resta é entender se seu ponto de vista, de fato, condiz com uma realidade que ela mesmo semeou, plantou e colheu - difícil dizer, mas o exercício, ao assistir o filme, é dos melhores. Ah, e não deixe de ver os créditos, ele conecta muitos pontos - vai por mim!
Vale seu play!
É inegável a fragilidade do documentário da Netflix, "Pamela Anderson - Uma História de Amor". Por outro lado, com um pouco menos de olhar crítico, é perceptível seu magnetismo, onde, ao final de quase 120 minutos de filme, vemos o reflexo de uma mulher em busca de redenção sem ao menos se dar conta que seus maiores fantasmas apontam justamente para suas próprias escolhas - escolhas essas que a protagonista faz questão de dizer não se arrepender de ter feito, diga-se de passagem. A história é bem interessante (dolorida para ela) e a personagem é de fato marcante (se você tem mais que 40 anos vai saber do que estou falando), mas nem a soma desses dois elementos essenciais para uma boa narrativa, chega a nos provocar mais do que 20 minutos de empatia - embora o esforço para isso seja tremendo!
"Pamela, A Love Story" (no original) não é um documentário ruim, longe disso, mas talvez a forma como alguns assuntos foram abordados possa dar essa impressão errada. A história de vida que retrata a ascensão à fama e uma quebra de privacidade marcante, de uma vida pessoal turbulenta, bem como seu casamento com Tommy Lee, sua sex tape vazada, os fracassos como atriz e ainda sua ambígua relação com a mídia, fazem do documentário uma curiosa jornada pela intimidade da mulher, Pamela Anderson. Confira o trailer (em inglês):
Se pegarmos o documentário da HBO, "Tina", e compararmos com "Pamela Anderson - Uma História de Amor", encontramos inúmeras semelhanças narrativas - na forma e no conteúdo. O diferencial, e aí já é preciso uma certa reflexão, diz respeito ao que cada uma das personagens representou para sua arte. Obviamente que a comparação é mais teórica do que prática (eu diria até injusta), mas o enredo, repare, aponta para as mesmas lacunas emocionais: uma infância dura, sem muita referência afetiva, relacionamentos tóxicos por todos os lados, fracassos, sucessos, muito sensacionalismo e, claro, uma busca pelo auto-perdão. Indo um pouco mais longe, ambos documentários têm um importante e cruel fio condutor: o amor (ou a falta que ele faz).
O diretor Ryan White (do excelente "Boa Noite Oppy") usa e abusa dos depoimentos de Pamela para construir a imagem de uma mulher frágil, em certos momentos até infantil, o que de alguma forma (para quem conhece um pouco mais da vida da atriz) soa hipocrisia. Ela mesmo tenta se desvencilhar da imagem de vítima, mas com as narrações em off de passagens escritas por ela em seu diário, fica mais difícil. No entanto, uma característica nos chama atenção: a capacidade que Pamela Anderson tem de rir de si mesma é impressionante - e sempre foi assim. É perceptível seu constrangimento ao enfrentar as piadas mais infames e machistas dos Late Show's dos anos 80/90, mas ela se sai bem - já atualmente, quando em uma situação realmente mais desconfortável, ela simplesmente sai de cena.
Para quem assistiu a ótima minissérie do Star+ (no caso, do Hulu), "Pam & Tommy", e gostou; "Pamela Anderson - Uma História de Amor" é quase um complemento obrigatório que possibilita um mergulho mais profundo e real na intimidade de Anderson. A construção apoteótica do mito vs. a mulher que só queria uma família ao lado do amor de sua vida, está ali; o que nos resta é entender se seu ponto de vista, de fato, condiz com uma realidade que ela mesmo semeou, plantou e colheu - difícil dizer, mas o exercício, ao assistir o filme, é dos melhores. Ah, e não deixe de ver os créditos, ele conecta muitos pontos - vai por mim!
Vale seu play!
"Paraíso" é um filme alemão lançado pela Netflix que chegou quietinho, mas que rapidamente se tornou bastante popular entre os assinantes ao redor do mundo. Combinando elementos de drama, suspense e, principalmente, ficção científica, bem ao estilo "Black Mirror", a série oferece uma visão muito particular sobre uma sociedade onde alguns avanços tecnológicos subvertem a forma como nos relacionamos com a vida finita do ser-humano. Sempre se apoiando em temas complexos que vão desde os problemas de distribuição de renda e os reflexos do capitalismo descontrolado até a questão dos refugiados na Europa, o filme dirigido pelo trio de novatos Boris Kunz, Tomas Jonsgården e Indre Juskute, acerta em cheio ao levar a expressão "tempo é dinheiro" para outro patamar, no entanto, e é preciso que se diga, a ansiedade em tratar tantos temas acaba prejudicando (um pouco) nossa experiência.
Max (Kostja Ullmann) é um executivo de vendas de uma empresa que fez fortuna ao comprar o tempo de pessoas pobres e vender para os muito ricos. Sim, com uma tecnologia revolucionária a AEON explora as pessoas que precisam mais de dinheiro do que do tempo para viver, para lucrar muito. Tudo vai bem entre ele e a esposa, Elena (Marlene Tanczik), até que o apartamento do casal pega fogo misteriosamente e os dois, completamente falidos, precisam ceder 40 anos da vida dela, para acertar as contas com o banco. Como ver sua esposa envelhecer tanto da noite para o dia parece não ser uma opção, Max inicia uma dura jornada para tentar salvá-la. Confira o trailer (com legendas em inglês):
Sem dúvida que o ponto alto de "Paraíso" está no forma como o roteiro contextualiza esse futuro distópico sem fugir da realidade - pelo menos nas discussões morais que implicam o conceito base da narrativa: o de trocar tempo por dinheiro. Com toda a frieza do já reconhecido cinema alemão, o trio de diretores nos colocam nessa história com certo requinte de crueldade, já que a conexão com os protagonistas é praticamente imediata - mesmo que alguns diálogos do primeiro ato soem muito mais institucionalizados do que naturais. Se em um primeiro momento os protagonistas parecem dois burgueses que não se importam em explorar os mais pobres em troca de uma condição de vida melhor, rapidamente eles se tornam vítimas do próprio sistema que ajudamalimentar (sim, você terá a sensação de ter assistido algo assim em algum momento).
Veja, o fato do protagonista em conflito não ser um herói de nada, cria camadas que poderiam ser melhor desenvolvidas, mas falta tempo (e desculpem o trocadilho)! Se fosse uma série, "Paraíso" certamente cadenciaria mais a narrativa, exploraria a situação de uma maneira mais intima, onde o protagonista, que até então estava em sua bolha, acomodado, a partir de seu trauma invocaria para si um sentido de heroísmo que poderia transforma-lo mesmo com seu passado condenável. Acontece que os 120 minutos do filme jogam contra, pois é preciso acelerar e entre uma cena e outra se perde o potencial da premissa.
Rodado todo na Lituânia o filme sabe equilibrar perfeitamente um ótimo desenho de produção com locações deslumbrantes - meio "Filhos da Esperança" do Alfonso Cuarón. A fotografia do Christian Stangassinger e a trilha sonora do David Reichelt merecem elogios, já que são essenciais para criar toda uma atmosfera distópica extremamente densa. Assim, é realmente uma pena que a história tenha sofrido com o formato já que poderia render algo muito mais impactante. Ao escolher ser uma aventura rápida e sem maiores pretensões, "Paraíso" sai da prateleira da disrupção narrativa dos primeiros anos de "Black Mirror" e entra na do entretenimento puro de "Osmosis" e "The One". Funciona, diverte, mas não marca!
"Paraíso" é um filme alemão lançado pela Netflix que chegou quietinho, mas que rapidamente se tornou bastante popular entre os assinantes ao redor do mundo. Combinando elementos de drama, suspense e, principalmente, ficção científica, bem ao estilo "Black Mirror", a série oferece uma visão muito particular sobre uma sociedade onde alguns avanços tecnológicos subvertem a forma como nos relacionamos com a vida finita do ser-humano. Sempre se apoiando em temas complexos que vão desde os problemas de distribuição de renda e os reflexos do capitalismo descontrolado até a questão dos refugiados na Europa, o filme dirigido pelo trio de novatos Boris Kunz, Tomas Jonsgården e Indre Juskute, acerta em cheio ao levar a expressão "tempo é dinheiro" para outro patamar, no entanto, e é preciso que se diga, a ansiedade em tratar tantos temas acaba prejudicando (um pouco) nossa experiência.
Max (Kostja Ullmann) é um executivo de vendas de uma empresa que fez fortuna ao comprar o tempo de pessoas pobres e vender para os muito ricos. Sim, com uma tecnologia revolucionária a AEON explora as pessoas que precisam mais de dinheiro do que do tempo para viver, para lucrar muito. Tudo vai bem entre ele e a esposa, Elena (Marlene Tanczik), até que o apartamento do casal pega fogo misteriosamente e os dois, completamente falidos, precisam ceder 40 anos da vida dela, para acertar as contas com o banco. Como ver sua esposa envelhecer tanto da noite para o dia parece não ser uma opção, Max inicia uma dura jornada para tentar salvá-la. Confira o trailer (com legendas em inglês):
Sem dúvida que o ponto alto de "Paraíso" está no forma como o roteiro contextualiza esse futuro distópico sem fugir da realidade - pelo menos nas discussões morais que implicam o conceito base da narrativa: o de trocar tempo por dinheiro. Com toda a frieza do já reconhecido cinema alemão, o trio de diretores nos colocam nessa história com certo requinte de crueldade, já que a conexão com os protagonistas é praticamente imediata - mesmo que alguns diálogos do primeiro ato soem muito mais institucionalizados do que naturais. Se em um primeiro momento os protagonistas parecem dois burgueses que não se importam em explorar os mais pobres em troca de uma condição de vida melhor, rapidamente eles se tornam vítimas do próprio sistema que ajudamalimentar (sim, você terá a sensação de ter assistido algo assim em algum momento).
Veja, o fato do protagonista em conflito não ser um herói de nada, cria camadas que poderiam ser melhor desenvolvidas, mas falta tempo (e desculpem o trocadilho)! Se fosse uma série, "Paraíso" certamente cadenciaria mais a narrativa, exploraria a situação de uma maneira mais intima, onde o protagonista, que até então estava em sua bolha, acomodado, a partir de seu trauma invocaria para si um sentido de heroísmo que poderia transforma-lo mesmo com seu passado condenável. Acontece que os 120 minutos do filme jogam contra, pois é preciso acelerar e entre uma cena e outra se perde o potencial da premissa.
Rodado todo na Lituânia o filme sabe equilibrar perfeitamente um ótimo desenho de produção com locações deslumbrantes - meio "Filhos da Esperança" do Alfonso Cuarón. A fotografia do Christian Stangassinger e a trilha sonora do David Reichelt merecem elogios, já que são essenciais para criar toda uma atmosfera distópica extremamente densa. Assim, é realmente uma pena que a história tenha sofrido com o formato já que poderia render algo muito mais impactante. Ao escolher ser uma aventura rápida e sem maiores pretensões, "Paraíso" sai da prateleira da disrupção narrativa dos primeiros anos de "Black Mirror" e entra na do entretenimento puro de "Osmosis" e "The One". Funciona, diverte, mas não marca!
Não é por acaso que "Parasita" é considerado um dos melhores filmes de 2019! Embora seja uma produção sul-coreana, que para muitos pode causar um certo estranhamento devido ao idioma, o filme de Bong Joon Ho (Okja) tem elementos narrativos (e até conceituais) que nos lembram "Era uma vez em Hollywood" do Tarantino e "Nós" de Jordan Peele. É preciso deixar claro que "Parasita" é um filme de metáforas e faz do seu roteiro uma das coisas mais bacanas que assisti recentemente. Então vamos partir do principio: parasita é um organismo que vive às custas de outro organismo, obtendo dele alimento e causando danos - agora aplique isso em uma crítica muito bem embasada sobre a sociedade moderna e a diferenciação de classes. Importante: a genialidade do filme está em tocar em assuntos extremamente delicados sem precisar impor qualquer tipo de discussão filosófica ou política (por mais que ele saiba perfeitamente onde quer chegar)!
"Parasita" conta a história de como duas famílias completamente distintas socialmente que acabam se relacionando: Os "Kim", representam uma família mais pobre, que sobrevive dobrando caixas de papelão. Eles vivem em uma espécie de sótão, bem na periferia, e que mal conseguem dinheiro para comer. Os "Park", já representam um família mais rica, com um homem bem sucedido no comando e uma mulher que cuida da casa cercada de empregados e cheia de neuroses sobre a educação dos filhos. Eles vivem em uma casa maravilhosa, com muito conforto e espaço! O mundo dessas duas famílias se encontram quando, depois de uma indicação, o jovem Ki-woo (Woo-sik Choi), da família "Kin", se torna tutor de inglês da filha mais velha dos "Park", Da-hye (Ji-so Jung). Ki-woo, ao perceber que se trata de uma família bastante ingênua e completamente fora da realidade, vê a oportunidade de colocar os outros membros da família para também trabalhar com os "Park" - mesmo que para isso seja necessário trapacear e tirar quem já trabalhava lá. O interessante é que essa dinâmica dos "Kin" não carrega o peso da desonestidade e isso é discutido durante o filme sem a obrigação de se fazer julgamentos, afinal, eles "só" queriam ganhar mais dinheiro e viver com mais dignidade, embora, como parasitas, para se obter o alimento, certamente, algum dano precisaria ser causado!
Um dos elementos que mais me impressionou enquanto assistia "Parasita" foi a facilidade de como o roteiro (do próprio Bong Joon Ho e do novato Jin Won Han) traduzia cada um dos extremos sociais dessa história sem efetivamente transformar nenhum dos lados em um vilão, mesmo que apontando seus defeitos e fraquezas. O roteiro deixa muito fácil de se entender que não se tratam de pessoas más, mas de pessoas aprisionadas em mundos completamente opostos e que por isso pagam o preço das oportunidades.
Reparem como o diretor enquadra a janela principal da casa dos "Kin" - é como se eles estivem dentro de um bueiro e depois insiste em mostrar a importância (e a imponência) das escadas na casa dos "Park". Ou quando Ki-woo diz que não estava enganando ninguém ao falsificar um diploma para conseguir o emprego, apenas imprimiu ele antes de fazer a faculdade! E quando Park comenta com a esposa sobre o cheiro dos empregados e que isso lembrava muito o cheiro do metro. Ela logo responde que fazia anos que não andava de metro e mesmo assim Park retruca dizendo que as pessoas no metro tinham um cheiro bem peculiar! - é muito interessante não enxergar a maldade que os diálogos sugerem, graças a uma apresentação de personagens incrível! Outro detalhe bem interessante é a forma como os atores se movimentam em cena: os "Kin" são como baratas, esperam o momento certo para ir de um lado para o outro, enquanto os "Park" não olham para baixo em momento algum, sendo assim não percebem nem os "insetos" que os rodeiam! O filme é cheio dessas metáforas. São só exemplos e acreditem: existe muito mais profundidade nos diálogos que podemos imaginar!
A fotografia é algo interessante também, além dos já citados enquadramentos e movimentos de câmera, Kyung-pyo Hong faz um trabalho incrível ao lado do departamento de arte: a casa dos "Kim", por exemplo, é apertada, com muita coisa amontoada, sem padrão de cor para criar a sensação de caos, mas com uma certa escuridão - chega a ser angustiante, sujo. Já na casa dos "Park" vemos um estilo totalmente "clean" com tudo hermeticamente organizado ao mesmo tempo que o tom mais "pastel" e a iluminação amarelada traduz um certo aconchego. Já caminhando para o final, tem uma sequência linda, onde chove muito e sentimos exatamente o que representa as dores de tanta diferença social - o diálogo de Park Yeon-kyo no dia seguinte, só fortalece a maneira como essas realidades lidam com cada detalhe da história - é muito bom!!! Vale ressaltar que o Desenho de Produção de "Parasita" foi indicado ao Oscar 2020 e não vou me surpreender se levar! Reparem em cada detalhe, porque é muito fácil perceber a mensagem que Bong Joon Ho quer passar. O elenco está incrível: todos, sem exceção! Me surpreende nenhum dos atores ter sido indicado ao Oscar, mas a recente vitória no SAG Awards, o prêmio do Sindicato de Atores de Hollywood, corrige esse conservadorismo da Academia - e vale ressaltar que o elenco do filme coreano foi aplaudido de pé durante a premiação!
Com um orçamento de US$ 11 milhões, "Parasita" arrecadou mais que dez vezes esse valor pelo mundo inteiro, chegando a US$ 140 milhões. Ganhou mais de 150 prêmios em Festivais Internacionais (inclusive Cannes) e foi indicado para outros 150. Teve papel importante em premiações de peso como Globo de Ouro e SAG Awards. É o grande favorito (eu diria que barbada) para levar o Oscar de Filme Estrangeiro e deve beliscar pelo menos mais uma ou duas categorias das seis em que foi indicado. "Parasita" é um fenômeno do mesmo nível (ou maior) que "A vida é bela" - acredito, inclusive, que se o filme fosse americano, seria o vencedor do ano! É fato que a Academia reconhece a obra, claro, mas não sei se teria coragem de coloca-la na frente de nomes como Tarantino ou Scorsese e de filmes como 1917 ou Coringa - por merecimento, seria o campeão da noite; por intuição o páreo ainda está aberto! Não deixe de assistir!
Up-date: "Parasita" ganhou em quatro categorias no Oscar 2020: Melhor Filme, Melhor Filme Internacional, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Original!
Não é por acaso que "Parasita" é considerado um dos melhores filmes de 2019! Embora seja uma produção sul-coreana, que para muitos pode causar um certo estranhamento devido ao idioma, o filme de Bong Joon Ho (Okja) tem elementos narrativos (e até conceituais) que nos lembram "Era uma vez em Hollywood" do Tarantino e "Nós" de Jordan Peele. É preciso deixar claro que "Parasita" é um filme de metáforas e faz do seu roteiro uma das coisas mais bacanas que assisti recentemente. Então vamos partir do principio: parasita é um organismo que vive às custas de outro organismo, obtendo dele alimento e causando danos - agora aplique isso em uma crítica muito bem embasada sobre a sociedade moderna e a diferenciação de classes. Importante: a genialidade do filme está em tocar em assuntos extremamente delicados sem precisar impor qualquer tipo de discussão filosófica ou política (por mais que ele saiba perfeitamente onde quer chegar)!
"Parasita" conta a história de como duas famílias completamente distintas socialmente que acabam se relacionando: Os "Kim", representam uma família mais pobre, que sobrevive dobrando caixas de papelão. Eles vivem em uma espécie de sótão, bem na periferia, e que mal conseguem dinheiro para comer. Os "Park", já representam um família mais rica, com um homem bem sucedido no comando e uma mulher que cuida da casa cercada de empregados e cheia de neuroses sobre a educação dos filhos. Eles vivem em uma casa maravilhosa, com muito conforto e espaço! O mundo dessas duas famílias se encontram quando, depois de uma indicação, o jovem Ki-woo (Woo-sik Choi), da família "Kin", se torna tutor de inglês da filha mais velha dos "Park", Da-hye (Ji-so Jung). Ki-woo, ao perceber que se trata de uma família bastante ingênua e completamente fora da realidade, vê a oportunidade de colocar os outros membros da família para também trabalhar com os "Park" - mesmo que para isso seja necessário trapacear e tirar quem já trabalhava lá. O interessante é que essa dinâmica dos "Kin" não carrega o peso da desonestidade e isso é discutido durante o filme sem a obrigação de se fazer julgamentos, afinal, eles "só" queriam ganhar mais dinheiro e viver com mais dignidade, embora, como parasitas, para se obter o alimento, certamente, algum dano precisaria ser causado!
Um dos elementos que mais me impressionou enquanto assistia "Parasita" foi a facilidade de como o roteiro (do próprio Bong Joon Ho e do novato Jin Won Han) traduzia cada um dos extremos sociais dessa história sem efetivamente transformar nenhum dos lados em um vilão, mesmo que apontando seus defeitos e fraquezas. O roteiro deixa muito fácil de se entender que não se tratam de pessoas más, mas de pessoas aprisionadas em mundos completamente opostos e que por isso pagam o preço das oportunidades.
Reparem como o diretor enquadra a janela principal da casa dos "Kin" - é como se eles estivem dentro de um bueiro e depois insiste em mostrar a importância (e a imponência) das escadas na casa dos "Park". Ou quando Ki-woo diz que não estava enganando ninguém ao falsificar um diploma para conseguir o emprego, apenas imprimiu ele antes de fazer a faculdade! E quando Park comenta com a esposa sobre o cheiro dos empregados e que isso lembrava muito o cheiro do metro. Ela logo responde que fazia anos que não andava de metro e mesmo assim Park retruca dizendo que as pessoas no metro tinham um cheiro bem peculiar! - é muito interessante não enxergar a maldade que os diálogos sugerem, graças a uma apresentação de personagens incrível! Outro detalhe bem interessante é a forma como os atores se movimentam em cena: os "Kin" são como baratas, esperam o momento certo para ir de um lado para o outro, enquanto os "Park" não olham para baixo em momento algum, sendo assim não percebem nem os "insetos" que os rodeiam! O filme é cheio dessas metáforas. São só exemplos e acreditem: existe muito mais profundidade nos diálogos que podemos imaginar!
A fotografia é algo interessante também, além dos já citados enquadramentos e movimentos de câmera, Kyung-pyo Hong faz um trabalho incrível ao lado do departamento de arte: a casa dos "Kim", por exemplo, é apertada, com muita coisa amontoada, sem padrão de cor para criar a sensação de caos, mas com uma certa escuridão - chega a ser angustiante, sujo. Já na casa dos "Park" vemos um estilo totalmente "clean" com tudo hermeticamente organizado ao mesmo tempo que o tom mais "pastel" e a iluminação amarelada traduz um certo aconchego. Já caminhando para o final, tem uma sequência linda, onde chove muito e sentimos exatamente o que representa as dores de tanta diferença social - o diálogo de Park Yeon-kyo no dia seguinte, só fortalece a maneira como essas realidades lidam com cada detalhe da história - é muito bom!!! Vale ressaltar que o Desenho de Produção de "Parasita" foi indicado ao Oscar 2020 e não vou me surpreender se levar! Reparem em cada detalhe, porque é muito fácil perceber a mensagem que Bong Joon Ho quer passar. O elenco está incrível: todos, sem exceção! Me surpreende nenhum dos atores ter sido indicado ao Oscar, mas a recente vitória no SAG Awards, o prêmio do Sindicato de Atores de Hollywood, corrige esse conservadorismo da Academia - e vale ressaltar que o elenco do filme coreano foi aplaudido de pé durante a premiação!
Com um orçamento de US$ 11 milhões, "Parasita" arrecadou mais que dez vezes esse valor pelo mundo inteiro, chegando a US$ 140 milhões. Ganhou mais de 150 prêmios em Festivais Internacionais (inclusive Cannes) e foi indicado para outros 150. Teve papel importante em premiações de peso como Globo de Ouro e SAG Awards. É o grande favorito (eu diria que barbada) para levar o Oscar de Filme Estrangeiro e deve beliscar pelo menos mais uma ou duas categorias das seis em que foi indicado. "Parasita" é um fenômeno do mesmo nível (ou maior) que "A vida é bela" - acredito, inclusive, que se o filme fosse americano, seria o vencedor do ano! É fato que a Academia reconhece a obra, claro, mas não sei se teria coragem de coloca-la na frente de nomes como Tarantino ou Scorsese e de filmes como 1917 ou Coringa - por merecimento, seria o campeão da noite; por intuição o páreo ainda está aberto! Não deixe de assistir!
Up-date: "Parasita" ganhou em quatro categorias no Oscar 2020: Melhor Filme, Melhor Filme Internacional, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Original!
"Passageiro Acidental" é uma excelente surpresa no catálogo da Netflix. Partindo do princípio que o filme chegou sem grandes expectativas e com uma estratégia de marketing bem tímida, fica fácil afirmar que o segundo filme dirigido pelo brasileiro Joe Penna (o primeiro foi o ótimo "Arctic") é um grande acerto da plataforma - o que para uma parcela de seus assinantes vem se tornando cada vez mais raros.
Na história acompanhamos uma talentosa tripulação de três pessoas em uma missão que vai durar dois anos até Marte: a Dra. Zoe Levenson (Anna Kendrick), o cientista David Kim (Daniel Dae Kim) e a comandante Marina Barnett (Toni Collete). No entanto, as coisas ficam complicadas para eles quando um passageiro inesperado, Michael Adams (Shamier Anderson), acidentalmente causa danos irreparáveis à nave. Com os recursos comprometidos e diante de um resultado fatal, a tripulação é obrigada a tomar uma difícil decisão: só existe oxigênio para três pessoas, ou seja, alguém vai ter que perder a vida! Confira o trailer:
Esse é o tipo de filme que vai dividir opiniões, já que sua estrutura narrativa não está linhada com aquele tipo de audiência que chegou ao título pelo gênero e sem saber muito sobre a história. Não será surpresa nenhuma que alguém se decepcione por não se tratar de uma trama cheia de suspense ou até de terror espacial - esquece! "Passageiro Acidental" está mais para "Gravidade" e anos luz de "Alien".
É até compreensível supor que um passageiro misterioso possa ter uma motivação maior para está ali, inclusive, sendo uma ameaça para todos - em muitos momentos do primeiro ato temos a sensação que algo aterrorizante está por vir, porém se lermos atentamente o conceito imposto logo na primeira sequência do filme (que é ótima por sinal) é de se imaginar que a imersão psicológica de estar em um ambiente sem total controle dos personagens, é o que vai pautar essa jornada. Se Penna não tem a experiência (e o orçamento) de Alfonso Cuarón é de se elogiar sua coerência ao transformar uma premissa simples em um experiência social que nos provoca reflexão e julgamentos a todo momento. Lembre-se: pouco importa qual é a verdadeira razão de um passageiro clandestino estar ali, o grande conflito está na luta pela sobrevivência e nos dilemas morais que isso representa!
Como em "Gravidade", temos um roteiro enxuto e uma edição muito competente para criar uma dinâmica consistente para nos prender por pouco mais de 120 minutos. As sequências são eficientes, envolventes e bem articuladas, mas carecia de um cuidado técnico maior, principalmente na fotografia e na composição entre edição de som e mixagem - faltou silêncio ao filme, muitos efeitos foram exagerados e a trilha para pontuar a emoção serviu quase como uma bengala. Não é um problema que atrapalhe a experiência, mas precisa ser pontuado.
"Passageiro Acidental" (ou "Stowaway" no original) é um drama no espaço! O drama na concepção da palavra se encaixa perfeitamente às sensações que temos ao assistir o filme e a escolha do roteiro em nos limitar algumas informações, como quando a comandante Barnett se comunica com a Terra, só colabora para transformar uma jornada que parece morna em algo angustiante e misterioso. Se você não gosta de filmes como "Gravidade" ou que testam os limites morais como "127 horas", por exemplo, não dê o play. Agora se você se identifica com os dilemas por trás de cenas bem construídas, vai tranquilo que sua surpresa está garantida.
Excelente entretenimento!
"Passageiro Acidental" é uma excelente surpresa no catálogo da Netflix. Partindo do princípio que o filme chegou sem grandes expectativas e com uma estratégia de marketing bem tímida, fica fácil afirmar que o segundo filme dirigido pelo brasileiro Joe Penna (o primeiro foi o ótimo "Arctic") é um grande acerto da plataforma - o que para uma parcela de seus assinantes vem se tornando cada vez mais raros.
Na história acompanhamos uma talentosa tripulação de três pessoas em uma missão que vai durar dois anos até Marte: a Dra. Zoe Levenson (Anna Kendrick), o cientista David Kim (Daniel Dae Kim) e a comandante Marina Barnett (Toni Collete). No entanto, as coisas ficam complicadas para eles quando um passageiro inesperado, Michael Adams (Shamier Anderson), acidentalmente causa danos irreparáveis à nave. Com os recursos comprometidos e diante de um resultado fatal, a tripulação é obrigada a tomar uma difícil decisão: só existe oxigênio para três pessoas, ou seja, alguém vai ter que perder a vida! Confira o trailer:
Esse é o tipo de filme que vai dividir opiniões, já que sua estrutura narrativa não está linhada com aquele tipo de audiência que chegou ao título pelo gênero e sem saber muito sobre a história. Não será surpresa nenhuma que alguém se decepcione por não se tratar de uma trama cheia de suspense ou até de terror espacial - esquece! "Passageiro Acidental" está mais para "Gravidade" e anos luz de "Alien".
É até compreensível supor que um passageiro misterioso possa ter uma motivação maior para está ali, inclusive, sendo uma ameaça para todos - em muitos momentos do primeiro ato temos a sensação que algo aterrorizante está por vir, porém se lermos atentamente o conceito imposto logo na primeira sequência do filme (que é ótima por sinal) é de se imaginar que a imersão psicológica de estar em um ambiente sem total controle dos personagens, é o que vai pautar essa jornada. Se Penna não tem a experiência (e o orçamento) de Alfonso Cuarón é de se elogiar sua coerência ao transformar uma premissa simples em um experiência social que nos provoca reflexão e julgamentos a todo momento. Lembre-se: pouco importa qual é a verdadeira razão de um passageiro clandestino estar ali, o grande conflito está na luta pela sobrevivência e nos dilemas morais que isso representa!
Como em "Gravidade", temos um roteiro enxuto e uma edição muito competente para criar uma dinâmica consistente para nos prender por pouco mais de 120 minutos. As sequências são eficientes, envolventes e bem articuladas, mas carecia de um cuidado técnico maior, principalmente na fotografia e na composição entre edição de som e mixagem - faltou silêncio ao filme, muitos efeitos foram exagerados e a trilha para pontuar a emoção serviu quase como uma bengala. Não é um problema que atrapalhe a experiência, mas precisa ser pontuado.
"Passageiro Acidental" (ou "Stowaway" no original) é um drama no espaço! O drama na concepção da palavra se encaixa perfeitamente às sensações que temos ao assistir o filme e a escolha do roteiro em nos limitar algumas informações, como quando a comandante Barnett se comunica com a Terra, só colabora para transformar uma jornada que parece morna em algo angustiante e misterioso. Se você não gosta de filmes como "Gravidade" ou que testam os limites morais como "127 horas", por exemplo, não dê o play. Agora se você se identifica com os dilemas por trás de cenas bem construídas, vai tranquilo que sua surpresa está garantida.
Excelente entretenimento!
"Passagem", de fato, não é um filme fácil! Sua narrativa, além de profunda e cheia de nuances emocionais, é cadenciada, reflexiva, provocativa até - algo como encontramos em "Nomadland", por exemplo. Dirigido pela talentosa Lila Neugebauer (de "Maid"), "Causeway" (no original) é um verdadeiro estudo sobre a solidão no sentido mais amplo da palavra - o roteiro se apoia na introspecção da dupla de protagonistas para discutir temas universais como os impactos dos traumas na vida das pessoas, como a resiliência pode ser a chave para uma segunda chance e, finalmente, como a amizade verdadeira pode mudar nossa perspectiva de mundo e nos dar um certo ar de esperança. Se a sinopse vai te apresentar a jornada de Lynsey como motivo para você dar o play, saiba que essa obra vai além, tecendo uma narrativa rica em detalhes que revelam a fragilidade e a força do ser humano sob vários pontos de vista.
A trama basicamente acompanha a história de Lynsey (Jennifer Lawrence) uma jovem militar que retorna para Nova Orleans e luta para se readaptar à vida civil após uma lesão traumática que sofreu no Afeganistão. Em meio à sua solidão e desespero, ela encontra em James (Brian Tyree Henry), um mecânico local, um inesperado refúgio e a chance de recomeçar. Confira o trailer (em inglês):
"Passagem" chama atenção pela profundidade de seu roteiro. Ao não se contentar em ser apenas mais uma história sobre os traumas de uma guerra, o filme acaba explorando de uma maneira muito sensível, as cicatrizes invisíveis que essa experiência deixa em seus soldados e como é árduo o processo de reconstrução da vida após um evento traumático. Sem passagens impactantes visualmente ou flashbacks que poderiam facilitar o caminho e dar uma ideia palpável do que é o horror de uma guerra, Neugebauer assume uma proposta narrativa menos expositiva nos convidando a refletir sobre a importância da conexão humana, do amor e da amizade como ferramenta de cura e redenção pela perspectiva da própria protagonista. Obviamente que essa escolha cobra o seu preço, sacrificando a dinâmica do primeiro ato e deixando para depois (e para quem tem um pouco mais de paciência) todas as conexões que vão se construindo entre Lynsey e James.
A direção de Neugebauer, nesse sentido, é impecável, pois ela arquiteta com muita inteligência todo um ambiente intimista e sensorial que nos joga na história sem pedir muita licença, ou seja, nada fica muito simples conforme vamos conhecendo os fantasmas do passado de cada um deles. Aliás, aqui a fotografia assinada por Diego García (de "Tokyo Vice"), ganha outro status como elemento narrativo - é impressionante como ele captura uma certa beleza da solidão e da melancolia colocando uma Nova Orleans cheia de contrastes como cenário sem perder o foco mais existencial dos personagens. A trilha sonora, composta por Alex Somers, é outro elemento fundamental para a construção dessa atmosfera, potencializando as emoções e intensificando o impacto das cenas quase sempre pontuando o silêncio e dando insumos para o incrível trabalho do elenco principal. Lawrence entrega uma performance visceral, transmitindo com maestria a dor e a angústia de Lynsey, enquanto Brian Tyree Henry exala carisma e magnetismo, mesmo quando destroçado emocionalmente. A química entre os dois atores é incrível e talvez o grande trunfo para a indicação de Tyree Henry ao Oscar de 2023.
Muito premiado em festivais por todo o globo, "Passagem" vai sim te tocar profundamente - mas te adianto que será preciso embarcar na proposta da diretora e no olhar menos usual de sua narrativa lenta para se conectar com a história. Saiba que mais do que um mero entretenimento, essa produção da A24 se apresenta como uma experiência de certa forma transformadora e que ficará marcada na sua memória, se não por uma trama impactante, pela atmosfera realista que Neugebauer foi capaz de imprimir ao preferir uma abordagem mais intimista, contemplativa e sensível de uma dor que teima em ser avassaladora: a dor da solidão, mesmo que acompanhada.
Vale seu play!
"Passagem", de fato, não é um filme fácil! Sua narrativa, além de profunda e cheia de nuances emocionais, é cadenciada, reflexiva, provocativa até - algo como encontramos em "Nomadland", por exemplo. Dirigido pela talentosa Lila Neugebauer (de "Maid"), "Causeway" (no original) é um verdadeiro estudo sobre a solidão no sentido mais amplo da palavra - o roteiro se apoia na introspecção da dupla de protagonistas para discutir temas universais como os impactos dos traumas na vida das pessoas, como a resiliência pode ser a chave para uma segunda chance e, finalmente, como a amizade verdadeira pode mudar nossa perspectiva de mundo e nos dar um certo ar de esperança. Se a sinopse vai te apresentar a jornada de Lynsey como motivo para você dar o play, saiba que essa obra vai além, tecendo uma narrativa rica em detalhes que revelam a fragilidade e a força do ser humano sob vários pontos de vista.
A trama basicamente acompanha a história de Lynsey (Jennifer Lawrence) uma jovem militar que retorna para Nova Orleans e luta para se readaptar à vida civil após uma lesão traumática que sofreu no Afeganistão. Em meio à sua solidão e desespero, ela encontra em James (Brian Tyree Henry), um mecânico local, um inesperado refúgio e a chance de recomeçar. Confira o trailer (em inglês):
"Passagem" chama atenção pela profundidade de seu roteiro. Ao não se contentar em ser apenas mais uma história sobre os traumas de uma guerra, o filme acaba explorando de uma maneira muito sensível, as cicatrizes invisíveis que essa experiência deixa em seus soldados e como é árduo o processo de reconstrução da vida após um evento traumático. Sem passagens impactantes visualmente ou flashbacks que poderiam facilitar o caminho e dar uma ideia palpável do que é o horror de uma guerra, Neugebauer assume uma proposta narrativa menos expositiva nos convidando a refletir sobre a importância da conexão humana, do amor e da amizade como ferramenta de cura e redenção pela perspectiva da própria protagonista. Obviamente que essa escolha cobra o seu preço, sacrificando a dinâmica do primeiro ato e deixando para depois (e para quem tem um pouco mais de paciência) todas as conexões que vão se construindo entre Lynsey e James.
A direção de Neugebauer, nesse sentido, é impecável, pois ela arquiteta com muita inteligência todo um ambiente intimista e sensorial que nos joga na história sem pedir muita licença, ou seja, nada fica muito simples conforme vamos conhecendo os fantasmas do passado de cada um deles. Aliás, aqui a fotografia assinada por Diego García (de "Tokyo Vice"), ganha outro status como elemento narrativo - é impressionante como ele captura uma certa beleza da solidão e da melancolia colocando uma Nova Orleans cheia de contrastes como cenário sem perder o foco mais existencial dos personagens. A trilha sonora, composta por Alex Somers, é outro elemento fundamental para a construção dessa atmosfera, potencializando as emoções e intensificando o impacto das cenas quase sempre pontuando o silêncio e dando insumos para o incrível trabalho do elenco principal. Lawrence entrega uma performance visceral, transmitindo com maestria a dor e a angústia de Lynsey, enquanto Brian Tyree Henry exala carisma e magnetismo, mesmo quando destroçado emocionalmente. A química entre os dois atores é incrível e talvez o grande trunfo para a indicação de Tyree Henry ao Oscar de 2023.
Muito premiado em festivais por todo o globo, "Passagem" vai sim te tocar profundamente - mas te adianto que será preciso embarcar na proposta da diretora e no olhar menos usual de sua narrativa lenta para se conectar com a história. Saiba que mais do que um mero entretenimento, essa produção da A24 se apresenta como uma experiência de certa forma transformadora e que ficará marcada na sua memória, se não por uma trama impactante, pela atmosfera realista que Neugebauer foi capaz de imprimir ao preferir uma abordagem mais intimista, contemplativa e sensível de uma dor que teima em ser avassaladora: a dor da solidão, mesmo que acompanhada.
Vale seu play!
O melhor elogio que um homem pode receber após ter um filho é que ele se tornou um bom pai (o melhor do mundo pelos olhos do filho)! A vida não se trata mais de conquistas profissionais ou materiais - tudo ganha um outro sentido, por mais que você não tenha a menor noção do que essa transformação vai fazer com você ou com seu coração! Dito isso, "Paternidade", produção da Netflix com Kevin Hart, é muito feliz ao captar a essência vital da relação ente pai e filha e é aí que o filme ganha força, não nas fracas piadas que o roteiro teima em propor durante o primeiro ato - é como se o filme também aprendesse com a relação que, por si só, já é o suficiente para contar um boa e divertida história!
Baseado em uma história real, "Paternidade" acompanha a jornada de um homem descobrindo como é ser pai. Matt (Hart) fica viúvo inesperadamente quando sua esposa morre no dia seguinte ao parto de sua filha Maddy (Melody Hurd). Ainda sob o efeito devastador do luto, ele decide criar a menina sozinho, mesmo que ninguém acredite que ele tenha vocação para isso. Confira o trailer:
Embora o roteiro vacile um pouco no texto, Paul Weitz (indicado ao Oscar em 2002 pelo roteiro adaptado de "Um Grande Garoto") foi muito inteligente ao dividir a história em dois momentos bastante distintos, usando de muito flashback para estabelecer as relações entre os personagens que a linearidade impediria o filme de mostrar. Ao acompanhar os desafios de Matt como pai de primeira viagem e o convívio diário com os desafios naturais de cuidar de uma filha recém-nascida, "Paternidade" cria um vínculo emocional com quem assiste imediatamente - quem é pai vai entender do que estou falando! É nessa fase que alguns diálogos parecem forçados demais, sem graça e até estereotipados, porém as situações são tão divertidas que o filme se sustenta até deslanchar. É quando Maddy faz 5 anos e começa ir para escola que tudo se encaixa - lidar com as inseguranças de um pai vendo sua filha crescer ao mesmo tempo em que se permite ter uma nova namorada e a recomeçar a viver como homem depois do luto. E aqui cabe uma observação: excelente escolha de DeWanda Wise como Swan - ela é cativante, além de linda!
Hart faz um protagonista mais dramático e mesmo não sendo sua zona de conforto, ele vai muito bem. Agora, de fato, ele não tem um range muito grande de interpretação, se limitando apraticamente reprisar o papel que fez em "Amigos para Sempre" - e como naquela adaptação, Hart não está no mesmo nível de Omar Sy. Porém, ele cria uma química perfeita com Melody Hurd e com DeWanda Wis e isso ajuda muito na sua performance - quando ele está sozinho em cena, também vai muito bem ao transitar entre a insegurança do homem machucado pela vida com a alegria de estar vivendo ao lado da filha ainda bebê. Seu mau humor e dependência de um pai que prioriza as necessidades de sua filha, também convencem!
"Paternidade" é uma obra muito honesta na forma e no conteúdo. Com um tom mais leve, mesmo discutindo temas difíceis, tem uma história muito tocante e que possui uma bela mensagem sobre o real significado de ter uma filha(o). Diverte e emociona na mesma proporção!
Vale a pena!
O melhor elogio que um homem pode receber após ter um filho é que ele se tornou um bom pai (o melhor do mundo pelos olhos do filho)! A vida não se trata mais de conquistas profissionais ou materiais - tudo ganha um outro sentido, por mais que você não tenha a menor noção do que essa transformação vai fazer com você ou com seu coração! Dito isso, "Paternidade", produção da Netflix com Kevin Hart, é muito feliz ao captar a essência vital da relação ente pai e filha e é aí que o filme ganha força, não nas fracas piadas que o roteiro teima em propor durante o primeiro ato - é como se o filme também aprendesse com a relação que, por si só, já é o suficiente para contar um boa e divertida história!
Baseado em uma história real, "Paternidade" acompanha a jornada de um homem descobrindo como é ser pai. Matt (Hart) fica viúvo inesperadamente quando sua esposa morre no dia seguinte ao parto de sua filha Maddy (Melody Hurd). Ainda sob o efeito devastador do luto, ele decide criar a menina sozinho, mesmo que ninguém acredite que ele tenha vocação para isso. Confira o trailer:
Embora o roteiro vacile um pouco no texto, Paul Weitz (indicado ao Oscar em 2002 pelo roteiro adaptado de "Um Grande Garoto") foi muito inteligente ao dividir a história em dois momentos bastante distintos, usando de muito flashback para estabelecer as relações entre os personagens que a linearidade impediria o filme de mostrar. Ao acompanhar os desafios de Matt como pai de primeira viagem e o convívio diário com os desafios naturais de cuidar de uma filha recém-nascida, "Paternidade" cria um vínculo emocional com quem assiste imediatamente - quem é pai vai entender do que estou falando! É nessa fase que alguns diálogos parecem forçados demais, sem graça e até estereotipados, porém as situações são tão divertidas que o filme se sustenta até deslanchar. É quando Maddy faz 5 anos e começa ir para escola que tudo se encaixa - lidar com as inseguranças de um pai vendo sua filha crescer ao mesmo tempo em que se permite ter uma nova namorada e a recomeçar a viver como homem depois do luto. E aqui cabe uma observação: excelente escolha de DeWanda Wise como Swan - ela é cativante, além de linda!
Hart faz um protagonista mais dramático e mesmo não sendo sua zona de conforto, ele vai muito bem. Agora, de fato, ele não tem um range muito grande de interpretação, se limitando apraticamente reprisar o papel que fez em "Amigos para Sempre" - e como naquela adaptação, Hart não está no mesmo nível de Omar Sy. Porém, ele cria uma química perfeita com Melody Hurd e com DeWanda Wis e isso ajuda muito na sua performance - quando ele está sozinho em cena, também vai muito bem ao transitar entre a insegurança do homem machucado pela vida com a alegria de estar vivendo ao lado da filha ainda bebê. Seu mau humor e dependência de um pai que prioriza as necessidades de sua filha, também convencem!
"Paternidade" é uma obra muito honesta na forma e no conteúdo. Com um tom mais leve, mesmo discutindo temas difíceis, tem uma história muito tocante e que possui uma bela mensagem sobre o real significado de ter uma filha(o). Diverte e emociona na mesma proporção!
Vale a pena!
"Paterson" é um reflexo poético da monotonia do cotidiano pelos olhos do veterano diretor, e especialista em captar as diversas camadas de um personagem, Jim Jarmusch - e nem por isso deixa de ser um ótimo e sensível filme, que fique claro!
Na história acompanhamos o dia a dia de Paterson (Adam Driver), um motorista de ônibus cujo seu nome, ele compartilha com uma cidadezinha de Nova Jersey. Ali, ele vive com sua namorada, a inquieta, Laura (Golshifteh Farahani). Durante 7 dias, assistimos a rotina de Paterson e sua enorme paixão pela poesia. Confira o trailer:
Sem dúvida que o maior mérito de "Paterson" está na ideia de que a beleza da vida está no detalhe! Sim, eu sei que pode parecer poético demais e que a cadência repetitiva do cotidiano de um único personagem pode dar sono - e de fato esse elemento vai polarizar muitas opiniões sobre o filme, mas te garanto: não tem nada de chato se colocar na posição de só observar! Temos a impressão que "Paterson" não nos leva a lugar algum e talvez essa percepção seja até adequada perante o conceito narrativo que Jarmusch quis imprimir no filme, porém é preciso dizer que existem nuances tão interessantes que impactam diretamente na nossa experiência - veja, existe uma pré-disposição a esperarmos que algo diferente aconteça na nossa vida e muitas vezes esse "algo" nunca acontece - a vida é assim e o filme também! Essa certa tensão da "espera" nos acompanha durante todo filme, nos causando uma certa ansiedade, mas quando entendemos a razão de tudo aquilo, simplesmente relaxamos e nos permitimos acompanhar a busca pelo entendimento de que a felicidade está na tranquilidade de saber quais os próximos passos temos que dar!
Prepare-se para um filme que te vai te provocar uma auto-reflexão, que teve uma carreira respeitada em festivais importantes por todo planeta e que retrata a monotonia da vida comum como poucas vezes assistimos! Vale muito o seu play, mas só se você estiver disposto a embarcar na proposta pouco usual do diretor!
“Todo dia é um novo dia”, já dizia o poema de Carlos Williams Carlos, um dos ídolos de Paterson - e é assim que o personagem vive: ele acorda nos braços da namorada, vai para o trabalho, conversa com seu supervisor pessimista, dirige seu ônibus, escuta uma ou outra conversa dos passageiros, almoça, escreve um pouco de poesia, chega em casa, janta e termina a noite com uma cerveja, num bar, depois de caminhar com o cachorro da namorada! Pronto, entra com um fade to black que determina o final do dia e tudo se repete com uma ou outra diferença que serve para nos encher de expectativas, até que...
Um dos elementos que merece elogios é a montagem inteligente que o brasileiro Affonso Gonçalves criou - o pace é tão constante que até as elipses que determinam algumas repetições diárias de eventos e que, eventualmente, pulam uma determinada ordem, nos divertem sem sabermos exatamente a razão! Reparem na cena que explica como a caixa de correio sempre fica torta ou em como Gonçalves procura sempre posicionar algum take do cachorro, como mero espectador (mal-humorado), reagindo a uma situação! Esse humor sutil, quase irônico, faz toda a diferença em vários momentos do filme - o que acaba deixando a experiência bastante agradável, quase como uma suspensão daquela realidade tão monótona!
Jarmusch sabe como ninguém sobre a importância de ter um bom ator que possa dar vida a um roteiro tão particular que ele mesmo escreve. Adam Driver se apoia em um tom bastante dócil e muito (mas, muito) contido, enquanto sua namorada Laura exala energia, em busca de algo que a tire da monotonia - ela faz questão de sempre mudar algo em sua casa, aprender alguma coisa diferente ou até de criar novas receitas para sair da mesmice. É tão bacana perceber como toda essa diferença entre eles os completam tão bem, que sempre estamos esperando um ou o outro vacilar só para provar que toda aquela cumplicidade nunca existiu de verdade!
"Paterson" não é um filme fácil, mas é um filme delicado e que exalta as pequenas coisas. Saber olhar e enxergar a beleza do cotidiano é para poucos e é exatamente isso que o diretor Jim Jarmusch quer: nos provocar a entender que a felicidade está nas pequenas coisas, mesmo que seja na risada incontrolável ao ver uma pessoa reclamando de um término de relação ou na alegria da companheira em poder te convidar para assistir um filme no cinema no sábado a noite!
Simples e lindo!
"Paterson" é um reflexo poético da monotonia do cotidiano pelos olhos do veterano diretor, e especialista em captar as diversas camadas de um personagem, Jim Jarmusch - e nem por isso deixa de ser um ótimo e sensível filme, que fique claro!
Na história acompanhamos o dia a dia de Paterson (Adam Driver), um motorista de ônibus cujo seu nome, ele compartilha com uma cidadezinha de Nova Jersey. Ali, ele vive com sua namorada, a inquieta, Laura (Golshifteh Farahani). Durante 7 dias, assistimos a rotina de Paterson e sua enorme paixão pela poesia. Confira o trailer:
Sem dúvida que o maior mérito de "Paterson" está na ideia de que a beleza da vida está no detalhe! Sim, eu sei que pode parecer poético demais e que a cadência repetitiva do cotidiano de um único personagem pode dar sono - e de fato esse elemento vai polarizar muitas opiniões sobre o filme, mas te garanto: não tem nada de chato se colocar na posição de só observar! Temos a impressão que "Paterson" não nos leva a lugar algum e talvez essa percepção seja até adequada perante o conceito narrativo que Jarmusch quis imprimir no filme, porém é preciso dizer que existem nuances tão interessantes que impactam diretamente na nossa experiência - veja, existe uma pré-disposição a esperarmos que algo diferente aconteça na nossa vida e muitas vezes esse "algo" nunca acontece - a vida é assim e o filme também! Essa certa tensão da "espera" nos acompanha durante todo filme, nos causando uma certa ansiedade, mas quando entendemos a razão de tudo aquilo, simplesmente relaxamos e nos permitimos acompanhar a busca pelo entendimento de que a felicidade está na tranquilidade de saber quais os próximos passos temos que dar!
Prepare-se para um filme que te vai te provocar uma auto-reflexão, que teve uma carreira respeitada em festivais importantes por todo planeta e que retrata a monotonia da vida comum como poucas vezes assistimos! Vale muito o seu play, mas só se você estiver disposto a embarcar na proposta pouco usual do diretor!
“Todo dia é um novo dia”, já dizia o poema de Carlos Williams Carlos, um dos ídolos de Paterson - e é assim que o personagem vive: ele acorda nos braços da namorada, vai para o trabalho, conversa com seu supervisor pessimista, dirige seu ônibus, escuta uma ou outra conversa dos passageiros, almoça, escreve um pouco de poesia, chega em casa, janta e termina a noite com uma cerveja, num bar, depois de caminhar com o cachorro da namorada! Pronto, entra com um fade to black que determina o final do dia e tudo se repete com uma ou outra diferença que serve para nos encher de expectativas, até que...
Um dos elementos que merece elogios é a montagem inteligente que o brasileiro Affonso Gonçalves criou - o pace é tão constante que até as elipses que determinam algumas repetições diárias de eventos e que, eventualmente, pulam uma determinada ordem, nos divertem sem sabermos exatamente a razão! Reparem na cena que explica como a caixa de correio sempre fica torta ou em como Gonçalves procura sempre posicionar algum take do cachorro, como mero espectador (mal-humorado), reagindo a uma situação! Esse humor sutil, quase irônico, faz toda a diferença em vários momentos do filme - o que acaba deixando a experiência bastante agradável, quase como uma suspensão daquela realidade tão monótona!
Jarmusch sabe como ninguém sobre a importância de ter um bom ator que possa dar vida a um roteiro tão particular que ele mesmo escreve. Adam Driver se apoia em um tom bastante dócil e muito (mas, muito) contido, enquanto sua namorada Laura exala energia, em busca de algo que a tire da monotonia - ela faz questão de sempre mudar algo em sua casa, aprender alguma coisa diferente ou até de criar novas receitas para sair da mesmice. É tão bacana perceber como toda essa diferença entre eles os completam tão bem, que sempre estamos esperando um ou o outro vacilar só para provar que toda aquela cumplicidade nunca existiu de verdade!
"Paterson" não é um filme fácil, mas é um filme delicado e que exalta as pequenas coisas. Saber olhar e enxergar a beleza do cotidiano é para poucos e é exatamente isso que o diretor Jim Jarmusch quer: nos provocar a entender que a felicidade está nas pequenas coisas, mesmo que seja na risada incontrolável ao ver uma pessoa reclamando de um término de relação ou na alegria da companheira em poder te convidar para assistir um filme no cinema no sábado a noite!
Simples e lindo!
"Pecados Íntimos" parece um filme simples ao se propor fazer um recorte bastante peculiar do cotidiano de dois personagens normais, que vivem a monotonia de uma vida normal, em um bairro de classe média no subúrbio de Massachusetts. Sim, esse é mais um daqueles filmes em que sua história não é construída tendo como base um formato clássico de um roteiro com todos os elementos da jornada do herói, onde o protagonista tem um objetivo, passa por dificuldades, mas encontra seu propósito ao vencer seus desafios; muito pelo contrário, "Pecados Íntimos" é um ensaio da vida real, quase uma crônica ao estilo "Beleza Americana", que mesmo sendo uma ficção, poderia ser um documentário, e não fosse a criatividade do diretor Todd Field, talvez nem daríamos tanta importância para aquele universo, digamos, tão pacato.
Na história acompanhamos em primeiro plano a vida de dois personagens em casamentos distintos, mas igualmente sem brilho e sem paixão. Um pouco mais distante, um criminoso sexual acaba de ser solto, criando um certo clima de tensão no mesmo bairro. Temos também um ex-policial com um passado violento e que vive para esconder o seu fracasso. Mas o que esses quatro personagens tão distintos tem em comum? Simples, eles lutam para lidar com suas escolhas no passado, resistir as tentações do presente e assim tentar encontrar um caminho de felicidade para o futuro, mesmo que isso pareça impossível.. Confira o trailer (em inglês):
Baseado no livro "Little Children" (algo como "Criancinhas" - que também é o título original do filme) de Tom Perrotta, "Pecados Íntimos" é um primor de roteiro - tanto que foi indicado ao Oscar de 2007 na categoria "Roteiro Adaptado". O que vemos na tela é o resultado de uma construção narrativa extremamente intrigante que brinca a cada nova cena com a dubiedade das situações. Veja, se Sarah (Kate Winslet) é uma dona de casa que sofre com a mediocridade de sua vida e ainda por cima tem que lidar com um marido omisso, viciado em pornografia pela Internet, por que não buscar em Brad (Patrick Wilson) uma relação de cumplicidade que possa reacender seus desejos mais íntimos? - afinal, ele também vive uma situação similar no casamento, é ofuscado pelo sucesso da sua linda mulher que está sempre ocupada e que vive cobrando dele uma urgência na ascensão profissional.
Por outro lado, temos Ronnie (Jackie Earle Haley), um homem atormentado por seus distúrbios sexuais, mas que é amado por sua mãe e odiado por todas as pessoas do bairro, inclusive por Larry (Noah Emmerich), o ex-policial, estereótipo do pai de família ideal, representante dos bons costumes que, vejam só, não é amado por ninguém. O encontro dessa dualidade, muito bem costurada por uma narração que soa como um leitor daqueles livros oitentistas de romance barato, dá um charme todo especial ao filme que usa de alegorias cotidianas para provocar nosso julgamento.Se a adaptação do título nacional para "Pecados Íntimos" faz referência as atividades "secretas" dos personagens, no original "Little Children" vai além ao brincar, mais uma vez, com a interpretação dúbia do texto ao relacionar as ações dos protagonistas com as crianças, que acabam funcionando como um elemento desencadeador de conflitos, fortalecendo a alusão sobre a intensidade dos desejos e a inconsequência dos atos que já não são mais tão inocentes como no passado.
"Pecados Íntimos" vai sempre além do que assistimos na tela - ele é mais profundo, basta "cavucar". É um filme disposto a mostrar o outro lado das histórias dos personagens, deixando o poder do julgamento para quem assiste sem a menor intenção de esconder alguma peça do tabuleiro para nos confundir. É uma história que foge dos padrões mais convencionais (o que pode afastar algumas pessoas) e ao mesmo tempo inteligente em nos tirar da zona de conforto para que façamos o exercício de perceber que, muitas vezes, tomamos decisões por impulso e isso pode até gerar algum prazer momentâneo, mas que logo pode se transformar em arrependimento, dor e culpa ou em uma enorme dor de cabeça!
Vale muito a pena!
"Pecados Íntimos" parece um filme simples ao se propor fazer um recorte bastante peculiar do cotidiano de dois personagens normais, que vivem a monotonia de uma vida normal, em um bairro de classe média no subúrbio de Massachusetts. Sim, esse é mais um daqueles filmes em que sua história não é construída tendo como base um formato clássico de um roteiro com todos os elementos da jornada do herói, onde o protagonista tem um objetivo, passa por dificuldades, mas encontra seu propósito ao vencer seus desafios; muito pelo contrário, "Pecados Íntimos" é um ensaio da vida real, quase uma crônica ao estilo "Beleza Americana", que mesmo sendo uma ficção, poderia ser um documentário, e não fosse a criatividade do diretor Todd Field, talvez nem daríamos tanta importância para aquele universo, digamos, tão pacato.
Na história acompanhamos em primeiro plano a vida de dois personagens em casamentos distintos, mas igualmente sem brilho e sem paixão. Um pouco mais distante, um criminoso sexual acaba de ser solto, criando um certo clima de tensão no mesmo bairro. Temos também um ex-policial com um passado violento e que vive para esconder o seu fracasso. Mas o que esses quatro personagens tão distintos tem em comum? Simples, eles lutam para lidar com suas escolhas no passado, resistir as tentações do presente e assim tentar encontrar um caminho de felicidade para o futuro, mesmo que isso pareça impossível.. Confira o trailer (em inglês):
Baseado no livro "Little Children" (algo como "Criancinhas" - que também é o título original do filme) de Tom Perrotta, "Pecados Íntimos" é um primor de roteiro - tanto que foi indicado ao Oscar de 2007 na categoria "Roteiro Adaptado". O que vemos na tela é o resultado de uma construção narrativa extremamente intrigante que brinca a cada nova cena com a dubiedade das situações. Veja, se Sarah (Kate Winslet) é uma dona de casa que sofre com a mediocridade de sua vida e ainda por cima tem que lidar com um marido omisso, viciado em pornografia pela Internet, por que não buscar em Brad (Patrick Wilson) uma relação de cumplicidade que possa reacender seus desejos mais íntimos? - afinal, ele também vive uma situação similar no casamento, é ofuscado pelo sucesso da sua linda mulher que está sempre ocupada e que vive cobrando dele uma urgência na ascensão profissional.
Por outro lado, temos Ronnie (Jackie Earle Haley), um homem atormentado por seus distúrbios sexuais, mas que é amado por sua mãe e odiado por todas as pessoas do bairro, inclusive por Larry (Noah Emmerich), o ex-policial, estereótipo do pai de família ideal, representante dos bons costumes que, vejam só, não é amado por ninguém. O encontro dessa dualidade, muito bem costurada por uma narração que soa como um leitor daqueles livros oitentistas de romance barato, dá um charme todo especial ao filme que usa de alegorias cotidianas para provocar nosso julgamento.Se a adaptação do título nacional para "Pecados Íntimos" faz referência as atividades "secretas" dos personagens, no original "Little Children" vai além ao brincar, mais uma vez, com a interpretação dúbia do texto ao relacionar as ações dos protagonistas com as crianças, que acabam funcionando como um elemento desencadeador de conflitos, fortalecendo a alusão sobre a intensidade dos desejos e a inconsequência dos atos que já não são mais tão inocentes como no passado.
"Pecados Íntimos" vai sempre além do que assistimos na tela - ele é mais profundo, basta "cavucar". É um filme disposto a mostrar o outro lado das histórias dos personagens, deixando o poder do julgamento para quem assiste sem a menor intenção de esconder alguma peça do tabuleiro para nos confundir. É uma história que foge dos padrões mais convencionais (o que pode afastar algumas pessoas) e ao mesmo tempo inteligente em nos tirar da zona de conforto para que façamos o exercício de perceber que, muitas vezes, tomamos decisões por impulso e isso pode até gerar algum prazer momentâneo, mas que logo pode se transformar em arrependimento, dor e culpa ou em uma enorme dor de cabeça!
Vale muito a pena!
Se você gostou da série sensação de 2022, "O Urso"ou do sempre simpático "Chef", certamente você vai gostar desse drama estrelado pelo Bradley Cooper, chamado "Pegando Fogo". Embora o titulo esteja muito aquém do que a trama nos propõe, o filme talvez seja o exato "meio do caminho" entre as duas referências citadas, ou seja, ele não é nem uma comédia "deliciosa" ao melhor estilo "Sessão da Tarde", nem um drama denso e muito profundo que exija muitas reflexões ou nos impacte emocionalmente - eu diria que "Burnt" (no original) é um excelente entretenimento para quem gosta dos bastidores da gastronomia sem perder o charme de uma boa jornada de redenção!
O chefe de cozinha Adam Jones (Bradley Cooper) já foi um dos mais respeitados em Paris, mas o envolvimento com álcool, mulheres e drogas fizeram com que sua carreira fosse ladeira abaixo. Após um período de isolamento em Nova Orleans, ele parte para Londres disposto a recomeçar e conquistar a tão sonhada terceira estrela Michelin. Para tanto ele conta com Tony (Daniel Brühl), que gerencia um restaurante na capital britânica, e com uma equipe de velhos conhecidos que podem ajudá-lo a vencer seus fantasmas e a provar que ainda é um grande chef. Confira o trailer:
Dirigido pelo competente John Wells (de "Maid") e com um elenco repleto de estrelas que vai do já citado Brühl, passando por Sienna Miller (como "Helena") e Omar Sy (como "Michel"), além de participações para lá de especiais de Emma Thompson, Uma Thurman e Alicia Vikander; "Pegando Fogo" é aquele tipo de filme que é muito difícil não gostar - todos os elementos dramáticos que o roteiro do Steven Knight (de "Coisas Belas e Sujas"e "Spencer") apresenta, imediatamente nos conectam com os personagens e com suas histórias. Obviamente que essas histórias estão carregadas de clichês, mas é justamente por isso um filme despretensioso se torna tão divertido.
Wells se aproveita de uma montagem extremamente ágil, mérito do Nick Moore (de "Rei dos Ladrões"), para nos transportar até aquela loucura que é uma cozinha de um grande restaurante ao mesmo tempo em que deixa Cooper fazer o que ele faz de melhor: ser um charmoso personagem cheio de marcas do passado que está em busca da felicidade - não por acaso as semelhanças entre o chef Adam Jones e o astro country, Jack, de "Nasce uma Estrela", são imensas. Se o roteiro de "Pegando Fogo" não tem a potência de "Nasce uma Estrela" (e de fato não tem), as sensações que as histórias geram são muito semelhantes, o que praticamente nos impede de não torcer para que tudo dê certo e que todos os personagens sejam felizes para sempre.
"Pegando Fogo" tem sim um arco dramático bastante familiar, embora com algumas boas surpresas no final do segundo ato. As subtramas não decolam como o esperado e por isso soam até dispensáveis. Por outro lado, é importante dizer: quando a trama está focada no seu eixo principal, tudo funciona perfeitamente - "forma" e "conteúdo" estão 100% alinhados à uma trilha sonora suave e sensível (do Rob Simonsen de "O Caminho de Volta") que vale o elogio. Agora, sem a pretensão de ser um filme inesquecível, mas cumprindo o seu papel como entretenimento, "Pegando Fogo" vale o seu play tranquilamente - tenho certeza que você vai gostar!
Se você gostou da série sensação de 2022, "O Urso"ou do sempre simpático "Chef", certamente você vai gostar desse drama estrelado pelo Bradley Cooper, chamado "Pegando Fogo". Embora o titulo esteja muito aquém do que a trama nos propõe, o filme talvez seja o exato "meio do caminho" entre as duas referências citadas, ou seja, ele não é nem uma comédia "deliciosa" ao melhor estilo "Sessão da Tarde", nem um drama denso e muito profundo que exija muitas reflexões ou nos impacte emocionalmente - eu diria que "Burnt" (no original) é um excelente entretenimento para quem gosta dos bastidores da gastronomia sem perder o charme de uma boa jornada de redenção!
O chefe de cozinha Adam Jones (Bradley Cooper) já foi um dos mais respeitados em Paris, mas o envolvimento com álcool, mulheres e drogas fizeram com que sua carreira fosse ladeira abaixo. Após um período de isolamento em Nova Orleans, ele parte para Londres disposto a recomeçar e conquistar a tão sonhada terceira estrela Michelin. Para tanto ele conta com Tony (Daniel Brühl), que gerencia um restaurante na capital britânica, e com uma equipe de velhos conhecidos que podem ajudá-lo a vencer seus fantasmas e a provar que ainda é um grande chef. Confira o trailer:
Dirigido pelo competente John Wells (de "Maid") e com um elenco repleto de estrelas que vai do já citado Brühl, passando por Sienna Miller (como "Helena") e Omar Sy (como "Michel"), além de participações para lá de especiais de Emma Thompson, Uma Thurman e Alicia Vikander; "Pegando Fogo" é aquele tipo de filme que é muito difícil não gostar - todos os elementos dramáticos que o roteiro do Steven Knight (de "Coisas Belas e Sujas"e "Spencer") apresenta, imediatamente nos conectam com os personagens e com suas histórias. Obviamente que essas histórias estão carregadas de clichês, mas é justamente por isso um filme despretensioso se torna tão divertido.
Wells se aproveita de uma montagem extremamente ágil, mérito do Nick Moore (de "Rei dos Ladrões"), para nos transportar até aquela loucura que é uma cozinha de um grande restaurante ao mesmo tempo em que deixa Cooper fazer o que ele faz de melhor: ser um charmoso personagem cheio de marcas do passado que está em busca da felicidade - não por acaso as semelhanças entre o chef Adam Jones e o astro country, Jack, de "Nasce uma Estrela", são imensas. Se o roteiro de "Pegando Fogo" não tem a potência de "Nasce uma Estrela" (e de fato não tem), as sensações que as histórias geram são muito semelhantes, o que praticamente nos impede de não torcer para que tudo dê certo e que todos os personagens sejam felizes para sempre.
"Pegando Fogo" tem sim um arco dramático bastante familiar, embora com algumas boas surpresas no final do segundo ato. As subtramas não decolam como o esperado e por isso soam até dispensáveis. Por outro lado, é importante dizer: quando a trama está focada no seu eixo principal, tudo funciona perfeitamente - "forma" e "conteúdo" estão 100% alinhados à uma trilha sonora suave e sensível (do Rob Simonsen de "O Caminho de Volta") que vale o elogio. Agora, sem a pretensão de ser um filme inesquecível, mas cumprindo o seu papel como entretenimento, "Pegando Fogo" vale o seu play tranquilamente - tenho certeza que você vai gostar!