Eu não precisei mais do que quatro minutos para ter meu coração completamente destruído por esse filme! É sério, "Alabama Monroe" é um excelente filme, mas também implacável, duro, intenso e muito profundo. Uma aula de roteiro, de direção e de montagem - não por acaso foi um dos filmes mais premiados no circuito de festivais entre os anos de 2013 e 2015, inclusive representou a Bélgica no Oscar de 2014 como "Melhor Filme Internacional".
Elise (Veerle Baetens) e Didier (Johan Heldenbergh) se apaixonam à primeira vista, apesar das diferenças entre eles: ela toda tatuada, realista religiosa e cosmopolita; ele um músico, ateu romântico e do campo. Quando a filha do casal fica muito doente, o amor dos dois é levado a julgamento pela dor, mas principalmente pela maneira como cada um enxerga o mundo. Confira o trailer:
Eu poderia iniciar esse review dizendo que "Alabama Monroe" é um filme sobre as dificuldades que a vida nos impõe sem pedir licença. Mas não, essa belíssima produção belga é, na verdade, uma verdadeira história de amor - mas não dessas onde as peças se encaixam perfeitamente. Aliás, é na diferença "de ser e de viver" que Elise e Didier se conectam, mesmo que o preço passe a ser muito alto quando os conflitos de ideias começam a pautar a relação. Embora tocante, principalmente se você já tiver uma família formada, o roteiro usa e abusa da música para estabelecer o mais profundo elo entre o casal e é assim, desde o inicio, que essa linda história é construída (e destruída).
Dirigida pelo talentoso Felix van Groeningen (de "Querido Menino"), "Alabama Monroe" teve o roteiro escrito pelo próprio diretor ao lado de Carl Joos Johan, adaptando de uma peça teatral de Johan Heldenbergh, o que cria uma atmosfera profunda de identificação entre o autor e o ator - fossem os tempos da Academia, Heldenbergh teria enormes chances de receber uma indicação como "Melhor Ator" no Oscar. Sua performance atém de visceral, é realista e tão cheia de camadas que temos a impressão de estarmos assistindo um documentário e não uma ficção. A cena em que ele expõe toda sua dor para a platéia durante um show da sua banda, já no terceiro ato do filme, é digna de se aplaudir de pé! Reparem. Veerle Baetens não fica muito atrás, ela é uma espécie de camaleão, capaz de entregar uma doçura em uma cena e imediatamente depois o que vemos é uma pessoa completamente diferente, selvagem, impulsiva. Essa quebra de expectativa é lindamente orquestrada por uma montagem que passei por várias linhas do tempo com muita sabedoria, criando um clima de incerteza e tensão impressionantes - Nico Leunen (de "Ad Astra") matou a pau!
Veja, inicialmente o filme parece querer nos levar para uma certa emotividade barata a partir de uma história que traz, em seu centro, uma linda criança com câncer - e de fato somos tocados por essa circunstância. Mas Groeningen é genial ao nos surpreender, ele entende o peso da sua narrativa e ao lado de Leunen, nos afasta desse sentimentalismo fácil, dispensando, por exemplo, uma trilha sonora nesses momentos de maior sofrimento. Por outro lado, ele usa a música para nos reconectar com o casal, com o amor, com a relação, na esperança de que tudo pode dar certo para eles, porém, como na vida, algumas marcas não são esquecidas assim!
Embora "Alabama Monroe" também faça sentido como título, talvez o original "The Broken Circle Breakdown" tenha muito mais a dizer sobre o filme!
Vale muito o seu play!
Eu não precisei mais do que quatro minutos para ter meu coração completamente destruído por esse filme! É sério, "Alabama Monroe" é um excelente filme, mas também implacável, duro, intenso e muito profundo. Uma aula de roteiro, de direção e de montagem - não por acaso foi um dos filmes mais premiados no circuito de festivais entre os anos de 2013 e 2015, inclusive representou a Bélgica no Oscar de 2014 como "Melhor Filme Internacional".
Elise (Veerle Baetens) e Didier (Johan Heldenbergh) se apaixonam à primeira vista, apesar das diferenças entre eles: ela toda tatuada, realista religiosa e cosmopolita; ele um músico, ateu romântico e do campo. Quando a filha do casal fica muito doente, o amor dos dois é levado a julgamento pela dor, mas principalmente pela maneira como cada um enxerga o mundo. Confira o trailer:
Eu poderia iniciar esse review dizendo que "Alabama Monroe" é um filme sobre as dificuldades que a vida nos impõe sem pedir licença. Mas não, essa belíssima produção belga é, na verdade, uma verdadeira história de amor - mas não dessas onde as peças se encaixam perfeitamente. Aliás, é na diferença "de ser e de viver" que Elise e Didier se conectam, mesmo que o preço passe a ser muito alto quando os conflitos de ideias começam a pautar a relação. Embora tocante, principalmente se você já tiver uma família formada, o roteiro usa e abusa da música para estabelecer o mais profundo elo entre o casal e é assim, desde o inicio, que essa linda história é construída (e destruída).
Dirigida pelo talentoso Felix van Groeningen (de "Querido Menino"), "Alabama Monroe" teve o roteiro escrito pelo próprio diretor ao lado de Carl Joos Johan, adaptando de uma peça teatral de Johan Heldenbergh, o que cria uma atmosfera profunda de identificação entre o autor e o ator - fossem os tempos da Academia, Heldenbergh teria enormes chances de receber uma indicação como "Melhor Ator" no Oscar. Sua performance atém de visceral, é realista e tão cheia de camadas que temos a impressão de estarmos assistindo um documentário e não uma ficção. A cena em que ele expõe toda sua dor para a platéia durante um show da sua banda, já no terceiro ato do filme, é digna de se aplaudir de pé! Reparem. Veerle Baetens não fica muito atrás, ela é uma espécie de camaleão, capaz de entregar uma doçura em uma cena e imediatamente depois o que vemos é uma pessoa completamente diferente, selvagem, impulsiva. Essa quebra de expectativa é lindamente orquestrada por uma montagem que passei por várias linhas do tempo com muita sabedoria, criando um clima de incerteza e tensão impressionantes - Nico Leunen (de "Ad Astra") matou a pau!
Veja, inicialmente o filme parece querer nos levar para uma certa emotividade barata a partir de uma história que traz, em seu centro, uma linda criança com câncer - e de fato somos tocados por essa circunstância. Mas Groeningen é genial ao nos surpreender, ele entende o peso da sua narrativa e ao lado de Leunen, nos afasta desse sentimentalismo fácil, dispensando, por exemplo, uma trilha sonora nesses momentos de maior sofrimento. Por outro lado, ele usa a música para nos reconectar com o casal, com o amor, com a relação, na esperança de que tudo pode dar certo para eles, porém, como na vida, algumas marcas não são esquecidas assim!
Embora "Alabama Monroe" também faça sentido como título, talvez o original "The Broken Circle Breakdown" tenha muito mais a dizer sobre o filme!
Vale muito o seu play!
"Amigos para a Vida" é muito melhor do que pode parecer em um primeiro olhar, especialmente se você gostou de séries como "This is Us" ou "A Million Little Things". O filme dirigido pelo Jesse Zwick (da série "Nashville: No Ritmo da Fama") mescla com muita sabedoria um certo humor carregado de ironias com um drama cheio de camadas que vai ganhando corpo conforme a trama se desenrola, deixando uma aparente superficialidade para trás até chegar ao ponto de explorar com seriedade temas como amizade, amor, perda e a busca pela felicidade. Talvez quem tenha assistido a excelente produção francesa "Les petits mouchoirs" (que aqui no Brasil surgiu como "Até a Eternidade") ache "Amigos para a Vida" mais do mesmo, mas eu posso te garantir que além de um ótimo e leve entretenimento, esse filme vai tocar o seu coração.
A história, basicamente, gira em torno de Alex (Jason Ritter), um jovem que tenta lidar com a depressão. Quando seus amigos de faculdade descobrem sua tentativa de suicídio, decidem se reunir para um fim de semana juntos, na esperança de animá-lo. A partir desse encontro, antigos segredos são revelados, velhas feridas são reabertas e novos laços são formados. Confira o trailer (em inglês):
O tweet de Alex antes de sua tentativa de suicídio dizia: "Pergunte por mim amanhã e você encontrará um homem morto" - essa é uma frase dita por Mercutio antes de sua morte em "Romeu e Julieta" de William Shakespeare e não por acaso o ponto de partida para uma jornada de reencontro que discute a cada momento a importância de estar "hoje" ao lado de quem você realmente estima. "For Alex" (no original) se apropria de uma situação dramática para fazer um retrato honesto e comovente da vida, com seus altos e baixos, alegrias e tristezas. Quando o roteiro do próprio Zwick encontra seu verdadeiro caminho (e isso demora pelo menos um ato), percebemos que o desenvolvimento da trama vai além de uma premissa batida sobre a importância da amizade, do amor e da esperança; e a leveza como tudo isso é personificado pelo elenco cria uma fácil (e nostálgica) conexão que te fará rir, chorar e refletir sobre a vida.
O elenco, de fato, é um dos pontos fortes de "Amigos para a Vida" - basta dizer que esse foi um dos primeiros trabalhos de Jane Levy (a Zoey de "Zoey e a Sua Fantástica Playlist") e de Aubrey Plaza (a Harper Spiller de "The White Lotus"). Basicamente formado por 7 atores, o elenco mostra uma química invejável para esse tipo de texto - a forma como o roteiro vai envolvendo os personagens e seus dramas do passado, embora previsíveis, nos coloca dentro daquela dinâmica tão particular. Jason Ritter entrega uma performance interessante como Alex, transmitindo uma dor e uma fragilidade que vai além do estereótipo. Nate Parker e Max Greenfield também estão ótimos - seus personagens são multidimensionais e cheios de nuances, trazendo uma veracidade para a história que vale a pena ressaltar.
A direção de Jesse Zwick é competente, mas pouco criativa. Embora sensível e perspicaz, ele prefere se apoiar no equilíbrio entre o humor e o drama, sem cair em pieguices ou clichês, do que provocar seus atores e assim leva-los para um lugar desconhecido que traria ainda mais profundidade para as discussões - e é aqui que a fotografia do Andre Lascaris (de "Playdates") potencializa o trabalho do elenco, já que ele é capaz de capturar as nuances de cada relação sem expor seu real significado. "Amigos para a Vida" é isso, um filme que mostra como os amigos podem ser a nossa maior fonte de apoio nos momentos mais difíceis da vida, mesmo que essa relação seja carregada de marcas que precisam ser discutidas!
Vale seu play!
"Amigos para a Vida" é muito melhor do que pode parecer em um primeiro olhar, especialmente se você gostou de séries como "This is Us" ou "A Million Little Things". O filme dirigido pelo Jesse Zwick (da série "Nashville: No Ritmo da Fama") mescla com muita sabedoria um certo humor carregado de ironias com um drama cheio de camadas que vai ganhando corpo conforme a trama se desenrola, deixando uma aparente superficialidade para trás até chegar ao ponto de explorar com seriedade temas como amizade, amor, perda e a busca pela felicidade. Talvez quem tenha assistido a excelente produção francesa "Les petits mouchoirs" (que aqui no Brasil surgiu como "Até a Eternidade") ache "Amigos para a Vida" mais do mesmo, mas eu posso te garantir que além de um ótimo e leve entretenimento, esse filme vai tocar o seu coração.
A história, basicamente, gira em torno de Alex (Jason Ritter), um jovem que tenta lidar com a depressão. Quando seus amigos de faculdade descobrem sua tentativa de suicídio, decidem se reunir para um fim de semana juntos, na esperança de animá-lo. A partir desse encontro, antigos segredos são revelados, velhas feridas são reabertas e novos laços são formados. Confira o trailer (em inglês):
O tweet de Alex antes de sua tentativa de suicídio dizia: "Pergunte por mim amanhã e você encontrará um homem morto" - essa é uma frase dita por Mercutio antes de sua morte em "Romeu e Julieta" de William Shakespeare e não por acaso o ponto de partida para uma jornada de reencontro que discute a cada momento a importância de estar "hoje" ao lado de quem você realmente estima. "For Alex" (no original) se apropria de uma situação dramática para fazer um retrato honesto e comovente da vida, com seus altos e baixos, alegrias e tristezas. Quando o roteiro do próprio Zwick encontra seu verdadeiro caminho (e isso demora pelo menos um ato), percebemos que o desenvolvimento da trama vai além de uma premissa batida sobre a importância da amizade, do amor e da esperança; e a leveza como tudo isso é personificado pelo elenco cria uma fácil (e nostálgica) conexão que te fará rir, chorar e refletir sobre a vida.
O elenco, de fato, é um dos pontos fortes de "Amigos para a Vida" - basta dizer que esse foi um dos primeiros trabalhos de Jane Levy (a Zoey de "Zoey e a Sua Fantástica Playlist") e de Aubrey Plaza (a Harper Spiller de "The White Lotus"). Basicamente formado por 7 atores, o elenco mostra uma química invejável para esse tipo de texto - a forma como o roteiro vai envolvendo os personagens e seus dramas do passado, embora previsíveis, nos coloca dentro daquela dinâmica tão particular. Jason Ritter entrega uma performance interessante como Alex, transmitindo uma dor e uma fragilidade que vai além do estereótipo. Nate Parker e Max Greenfield também estão ótimos - seus personagens são multidimensionais e cheios de nuances, trazendo uma veracidade para a história que vale a pena ressaltar.
A direção de Jesse Zwick é competente, mas pouco criativa. Embora sensível e perspicaz, ele prefere se apoiar no equilíbrio entre o humor e o drama, sem cair em pieguices ou clichês, do que provocar seus atores e assim leva-los para um lugar desconhecido que traria ainda mais profundidade para as discussões - e é aqui que a fotografia do Andre Lascaris (de "Playdates") potencializa o trabalho do elenco, já que ele é capaz de capturar as nuances de cada relação sem expor seu real significado. "Amigos para a Vida" é isso, um filme que mostra como os amigos podem ser a nossa maior fonte de apoio nos momentos mais difíceis da vida, mesmo que essa relação seja carregada de marcas que precisam ser discutidas!
Vale seu play!
Lindo e sensível - talvez não tenha melhor forma de definir o francês, "Amour". Lançado em 2012 e dirigido por Michael Haneke (de "Happy End"), posso dizer que esse é um drama austero e profundamente comovente que explora as complexidades do amor pela perspectiva da velhice e da realidade que vai se tornando o fim da vida. O filme, que ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2012 e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2013, é um retrato intimista, e de certa forma brutal, da devoção entre um casal idoso que enfrenta os desafios de uma doença e da inevitável perda. Com performances impecáveis e uma direção bastante minimalista, "Amour" oferece uma reflexão implacável sobre o amor e a dignidade no final da vida. Para aqueles que gostaram de "Meu Pai", "Amour" é uma experiência parecida e, justamente por isso, imperdível.
A trama segue Georges (Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emmanuelle Riva), um casal de aposentados que vive uma vida tranquila e culta em Paris. Ambos são ex-professores de música e compartilham uma vida de amor e companheirismo. No entanto, sua rotina é abalada quando Anne sofre um derrame que paralisa um lado de seu corpo. À medida que sua condição se deteriora, Georges assume o papel de cuidador, enfrentando a dor emocional e física de ver sua amada esposa perder gradualmente sua independência e dignidade. Confira o trailer:
Michael Haneke é conhecido por sua abordagem fria e meticulosa diante de uma narrativa cinematográfica que muitas vezes se comunica pelo subtexto. Certamente ele aplica seu estilo em "Amour" de uma maneira que intensifica o impacto emocional da história. Haneke evita qualquer sentimentalismo ou melodrama, optando por uma direção precisa e uma câmera fixa que conta a história por si só - é lindo e angustiante. Repare como essa abordagem permite que a audiência experimente a crueza e a realidade da situação, oferecendo uma visão não filtrada da fragilidade humana e da natureza implacável de uma doença - como se estivéssemos observando os fatos, ali, no silêncio. A direção de fotografia de Darius Khondji (indicado ao Oscar por "Bardo" e "Evita") é igualmente discreta, utilizando luz natural e uma paleta de cores suaves para criar uma sensação de intimidade e desolação. No entanto, como o apartamento do casal serve como o único cenário do filme, Khondji brinca com as limitações, criando uma extensão da experiência dos personagens, se apropriando dos espaços cada vez mais confinados para refletir o mundo em declínio de Anne e Georges. Aliás, as escolhas visuais de Haneke e Khondji enfatizam demais essa claustrofobia e esse isolamento, aumentando a sensação de impotência e desespero que permeia toda a narrativa.
Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva entregam performances extraordinárias como Georges e Anne. Trintignant, com uma contenção emocional notável, retrata Georges como um homem dedicado, cuja paciência e compaixão são testadas ao limite enquanto ele cuida de sua esposa. Sua atuação é uma masterclass de sutileza, capturando a força silenciosa e a vulnerabilidade de um homem confrontado com a perda iminente. Riva, em uma performance profundamente corajosa, retrata Anne com uma dignidade e graça comoventes, mesmo quando sua personagem está sendo consumida pela doença. A deterioração de Anne é retratada com uma autenticidade dolorosa, e Riva lida com os desafios físicos do papel de maneira que é ao mesmo tempo devastadora e inspiradora. O filme também conta com uma breve, mas impactante, participação de Isabelle Huppert como Eva, a filha do casal, cuja incapacidade de compreender plenamente o que seus pais estão enfrentando adiciona outra camada de complexidade emocional à narrativa. Huppert representa o ponto de vista externo, mostrando o conflito entre as obrigações familiares e as realidades da vida cotidiana. Uma pancada!
"Amour" não é um filme fácil de assistir, é preciso que se diga - sua narrativa lenta e implacável, combinada com a recusa de Haneke em fornecer qualquer forma de alívio emocional ou resolução simples. No entanto, é justamente essa honestidade brutal em não suavizar a experiência do envelhecimento e da morte que tornam "Amour" tão poderoso - você vai se sentir forçado a confrontar a realidade da mortalidade de uma maneira que é desconfortável, mas necessária; e isso é lindo! Um filme que não se esquiva das verdades difíceis da vida, um retrato corajoso e honesto do amor e da dor - em sua ambiguidade e incômodo! Filmaço!
Vale muito o seu play!
Lindo e sensível - talvez não tenha melhor forma de definir o francês, "Amour". Lançado em 2012 e dirigido por Michael Haneke (de "Happy End"), posso dizer que esse é um drama austero e profundamente comovente que explora as complexidades do amor pela perspectiva da velhice e da realidade que vai se tornando o fim da vida. O filme, que ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2012 e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2013, é um retrato intimista, e de certa forma brutal, da devoção entre um casal idoso que enfrenta os desafios de uma doença e da inevitável perda. Com performances impecáveis e uma direção bastante minimalista, "Amour" oferece uma reflexão implacável sobre o amor e a dignidade no final da vida. Para aqueles que gostaram de "Meu Pai", "Amour" é uma experiência parecida e, justamente por isso, imperdível.
A trama segue Georges (Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emmanuelle Riva), um casal de aposentados que vive uma vida tranquila e culta em Paris. Ambos são ex-professores de música e compartilham uma vida de amor e companheirismo. No entanto, sua rotina é abalada quando Anne sofre um derrame que paralisa um lado de seu corpo. À medida que sua condição se deteriora, Georges assume o papel de cuidador, enfrentando a dor emocional e física de ver sua amada esposa perder gradualmente sua independência e dignidade. Confira o trailer:
Michael Haneke é conhecido por sua abordagem fria e meticulosa diante de uma narrativa cinematográfica que muitas vezes se comunica pelo subtexto. Certamente ele aplica seu estilo em "Amour" de uma maneira que intensifica o impacto emocional da história. Haneke evita qualquer sentimentalismo ou melodrama, optando por uma direção precisa e uma câmera fixa que conta a história por si só - é lindo e angustiante. Repare como essa abordagem permite que a audiência experimente a crueza e a realidade da situação, oferecendo uma visão não filtrada da fragilidade humana e da natureza implacável de uma doença - como se estivéssemos observando os fatos, ali, no silêncio. A direção de fotografia de Darius Khondji (indicado ao Oscar por "Bardo" e "Evita") é igualmente discreta, utilizando luz natural e uma paleta de cores suaves para criar uma sensação de intimidade e desolação. No entanto, como o apartamento do casal serve como o único cenário do filme, Khondji brinca com as limitações, criando uma extensão da experiência dos personagens, se apropriando dos espaços cada vez mais confinados para refletir o mundo em declínio de Anne e Georges. Aliás, as escolhas visuais de Haneke e Khondji enfatizam demais essa claustrofobia e esse isolamento, aumentando a sensação de impotência e desespero que permeia toda a narrativa.
Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva entregam performances extraordinárias como Georges e Anne. Trintignant, com uma contenção emocional notável, retrata Georges como um homem dedicado, cuja paciência e compaixão são testadas ao limite enquanto ele cuida de sua esposa. Sua atuação é uma masterclass de sutileza, capturando a força silenciosa e a vulnerabilidade de um homem confrontado com a perda iminente. Riva, em uma performance profundamente corajosa, retrata Anne com uma dignidade e graça comoventes, mesmo quando sua personagem está sendo consumida pela doença. A deterioração de Anne é retratada com uma autenticidade dolorosa, e Riva lida com os desafios físicos do papel de maneira que é ao mesmo tempo devastadora e inspiradora. O filme também conta com uma breve, mas impactante, participação de Isabelle Huppert como Eva, a filha do casal, cuja incapacidade de compreender plenamente o que seus pais estão enfrentando adiciona outra camada de complexidade emocional à narrativa. Huppert representa o ponto de vista externo, mostrando o conflito entre as obrigações familiares e as realidades da vida cotidiana. Uma pancada!
"Amour" não é um filme fácil de assistir, é preciso que se diga - sua narrativa lenta e implacável, combinada com a recusa de Haneke em fornecer qualquer forma de alívio emocional ou resolução simples. No entanto, é justamente essa honestidade brutal em não suavizar a experiência do envelhecimento e da morte que tornam "Amour" tão poderoso - você vai se sentir forçado a confrontar a realidade da mortalidade de uma maneira que é desconfortável, mas necessária; e isso é lindo! Um filme que não se esquiva das verdades difíceis da vida, um retrato corajoso e honesto do amor e da dor - em sua ambiguidade e incômodo! Filmaço!
Vale muito o seu play!
"Anatomia de um Escândalo" é uma espécie de "The Undoing" da Netflix - e não por acaso também adaptado por David E. Kelley a partir do livro homônimo de Sarah Vaughan. Pois bem, mesmo tendo o DNA de Kelley é preciso deixar bem claro que a produção não carrega o "selo HBO" e isso pode ser sentido em sua forma, mas não no conteúdo, ou seja, se para você tudo que escrevi até aqui fez sentido, provavelmente você nem vai precisar ler a análise inteira para ter a certeza que seu entretenimento está garantido! "Anatomia de um Escândalo" foi lançada em 2022 trazendo o melhor do drama jurídico ao explorar as nuances de como o poder pode gerar privilégios nocivos a partir da sensação "natural" de impunidade nos bastidores da política - aqui, britânica. A minissérie de Kelly conta com a colaboração precisa de Melissa James Gibson (de "House of Cards") para traduzir as complexidades de um caso de abuso sexual envolvendo um político influente, expondo as fissuras nas instituições que frequentemente protegem os poderosos. Esteja preparado para uma narrativa envolvente, capaz de entregar uma experiência que equilibra perfeitamente o entretenimento com o drama pessoal e a crítica social.
James Whitehouse (Rupert Friend) é um político carismático e bem-sucedido que, após ser acusado de estuprar uma colega de trabalho, Olivia Lytton (Naomi Scott), se vê no centro de um escândalo midiático. Ao seu lado está sua esposa, Sophie (Sienna Miller), que enfrenta a difícil tarefa de reconciliar sua lealdade ao marido com as crescentes suspeitas sobre seu comportamento e integridade. Enquanto a narrativa se desenrola, vemos o caso sendo disputado no tribunal pela promotora Kate Woodcroft (Michelle Dockery), que busca justiça em meio ao que parece ser uma batalha desigual de um homem protegido por seu status contra uma mulher aparentemente desacreditada por muitos. Confira o trailer:
1 + 1 nem sempre é 2, pelo menos pela perspectiva de quem interpreta uma situação estando nela e "Anatomia de um Escândalo" é muito inteligente em criar essa atmosfera de dúvidas com muita sabedoria - através do seu roteiro, de sua montagem e de sua direção. Ao lado das montadoras Liana Del Giudice (de "Marcella") e Mary Finlay (de "A Cor do Poder"), a diretora S.J. Clarkson (de "Succession") trabalha os flashbacks e os cortes rápidos (e desconexos) para fortalecer o conceito de narrativa fragmentada que gradualmente revela os segredos e as motivações dos personagens ao mesmo tempo em que sugere um forte senso de desorientação. Repare como as cenas de tribunal são intensas, capturando a pressão e o drama de um julgamento onde as questões de consentimento são colocadas em primeiro plano, mas é no recorte pontual das situações, com o uso de ângulos e lentes que distorcem a percepção do espaço, que encontramos o colapso de verdades que antes pareciam absolutas - isso é muito bacana.
O roteiro, de fato, é eficiente em construir uma narrativa que se equilibra o suspense com o drama mais psicológico. Kelley e Gibson exploram de forma hábil os dilemas morais e as complexidades de um escândalo sexual no meio político, mostrando o privilégio de maneira crítica e como isso molda a percepção da verdade ao ponto de influenciar os desfechos judiciais, e mais do que isso, ainda destacam o impacto devastador não apenas sobre as vítimas, mas também sobre as pessoas que cercam o acusado. Sophie, por exemplo, é uma mulher que vê seu mundo desmoronar ao questionar tudo o que sabia sobre o marido e sobre seu casamento - a performance de Sienna Miller é cheia de camadas, capturando a dor e a confusão de uma esposa que é forçada a confrontar a realidade que sempre tentou ignorar. Sua evolução ao longo da minissérie é convincente, pois ela passa de uma figura passiva e protetora para alguém que precisa lidar com as duras verdades sobre o homem com quem escolheu compartilhar sua vida. Rupert Friend entrega uma atuação sólida, interpretando esse homem que, apesar de seu charme e aparente vulnerabilidade, carrega um tom de arrogância e frieza. E Michelle Dockery, o que dizer? Ela consegue equilibrar a frieza profissional e o envolvimento emocional, tornando sua performance um dos pilares da minissérie, mas saiba que o charme da sua personagem está mesmo é no subtexto - pontuado pela hipocrisia no primeiro momento e na dura auto-avaliação mais a frente!
Obviamente que "Anatomia de um Escândalo" sofre com os clichês típicos de dramas jurídicos e escândalos políticos, podendo se tornar até previsível, mas para os amantes do gênero eu posso garantir que a minissérie é bastante eficaz em proporcionar um ótimo e rápido entretenimento (são apenas 6 episódios) ao mesmo tempo que provoca boas discussões sobre os mecanismos que sustentam os privilégios de poucos e sobre a realidade por trás dos escândalos que frequentemente vemos na tv. Para pensar sem esquecer de se divertir!
Vale o seu play!
"Anatomia de um Escândalo" é uma espécie de "The Undoing" da Netflix - e não por acaso também adaptado por David E. Kelley a partir do livro homônimo de Sarah Vaughan. Pois bem, mesmo tendo o DNA de Kelley é preciso deixar bem claro que a produção não carrega o "selo HBO" e isso pode ser sentido em sua forma, mas não no conteúdo, ou seja, se para você tudo que escrevi até aqui fez sentido, provavelmente você nem vai precisar ler a análise inteira para ter a certeza que seu entretenimento está garantido! "Anatomia de um Escândalo" foi lançada em 2022 trazendo o melhor do drama jurídico ao explorar as nuances de como o poder pode gerar privilégios nocivos a partir da sensação "natural" de impunidade nos bastidores da política - aqui, britânica. A minissérie de Kelly conta com a colaboração precisa de Melissa James Gibson (de "House of Cards") para traduzir as complexidades de um caso de abuso sexual envolvendo um político influente, expondo as fissuras nas instituições que frequentemente protegem os poderosos. Esteja preparado para uma narrativa envolvente, capaz de entregar uma experiência que equilibra perfeitamente o entretenimento com o drama pessoal e a crítica social.
James Whitehouse (Rupert Friend) é um político carismático e bem-sucedido que, após ser acusado de estuprar uma colega de trabalho, Olivia Lytton (Naomi Scott), se vê no centro de um escândalo midiático. Ao seu lado está sua esposa, Sophie (Sienna Miller), que enfrenta a difícil tarefa de reconciliar sua lealdade ao marido com as crescentes suspeitas sobre seu comportamento e integridade. Enquanto a narrativa se desenrola, vemos o caso sendo disputado no tribunal pela promotora Kate Woodcroft (Michelle Dockery), que busca justiça em meio ao que parece ser uma batalha desigual de um homem protegido por seu status contra uma mulher aparentemente desacreditada por muitos. Confira o trailer:
1 + 1 nem sempre é 2, pelo menos pela perspectiva de quem interpreta uma situação estando nela e "Anatomia de um Escândalo" é muito inteligente em criar essa atmosfera de dúvidas com muita sabedoria - através do seu roteiro, de sua montagem e de sua direção. Ao lado das montadoras Liana Del Giudice (de "Marcella") e Mary Finlay (de "A Cor do Poder"), a diretora S.J. Clarkson (de "Succession") trabalha os flashbacks e os cortes rápidos (e desconexos) para fortalecer o conceito de narrativa fragmentada que gradualmente revela os segredos e as motivações dos personagens ao mesmo tempo em que sugere um forte senso de desorientação. Repare como as cenas de tribunal são intensas, capturando a pressão e o drama de um julgamento onde as questões de consentimento são colocadas em primeiro plano, mas é no recorte pontual das situações, com o uso de ângulos e lentes que distorcem a percepção do espaço, que encontramos o colapso de verdades que antes pareciam absolutas - isso é muito bacana.
O roteiro, de fato, é eficiente em construir uma narrativa que se equilibra o suspense com o drama mais psicológico. Kelley e Gibson exploram de forma hábil os dilemas morais e as complexidades de um escândalo sexual no meio político, mostrando o privilégio de maneira crítica e como isso molda a percepção da verdade ao ponto de influenciar os desfechos judiciais, e mais do que isso, ainda destacam o impacto devastador não apenas sobre as vítimas, mas também sobre as pessoas que cercam o acusado. Sophie, por exemplo, é uma mulher que vê seu mundo desmoronar ao questionar tudo o que sabia sobre o marido e sobre seu casamento - a performance de Sienna Miller é cheia de camadas, capturando a dor e a confusão de uma esposa que é forçada a confrontar a realidade que sempre tentou ignorar. Sua evolução ao longo da minissérie é convincente, pois ela passa de uma figura passiva e protetora para alguém que precisa lidar com as duras verdades sobre o homem com quem escolheu compartilhar sua vida. Rupert Friend entrega uma atuação sólida, interpretando esse homem que, apesar de seu charme e aparente vulnerabilidade, carrega um tom de arrogância e frieza. E Michelle Dockery, o que dizer? Ela consegue equilibrar a frieza profissional e o envolvimento emocional, tornando sua performance um dos pilares da minissérie, mas saiba que o charme da sua personagem está mesmo é no subtexto - pontuado pela hipocrisia no primeiro momento e na dura auto-avaliação mais a frente!
Obviamente que "Anatomia de um Escândalo" sofre com os clichês típicos de dramas jurídicos e escândalos políticos, podendo se tornar até previsível, mas para os amantes do gênero eu posso garantir que a minissérie é bastante eficaz em proporcionar um ótimo e rápido entretenimento (são apenas 6 episódios) ao mesmo tempo que provoca boas discussões sobre os mecanismos que sustentam os privilégios de poucos e sobre a realidade por trás dos escândalos que frequentemente vemos na tv. Para pensar sem esquecer de se divertir!
Vale o seu play!
"Antes do Inverno" é o típico drama de relações que nos provoca uma série de reflexões onde, sem dúvida, a principal é: o amor é capaz de superar todas as dificuldades mesmo com o passar dos anos? Certamente você já deve estar parando para pensar sobre o assunto e se eu estou certo, pode ter certeza que essa produção francesa dirigida pelo incrível Philippe Claudel (de "Une enfance"), é para você - mas lembre-se: a complexidade das relações humanas expostas no filme chega repleta de sutilezas e sem pressa para se conectar aos fatos, ou seja, a narrativa é inteligente, mas cadenciada, o que pode te incomodar, mas que fique claro que a história só cresce e que seu terceiro ato acaba colocando o filme em outro patamar.
Paul (Daniel Auteuil) é um neurocirurgião de 60 anos casado com Lucie (Kristin Scott Thomas). A monotonia do cotidiano toma conta do casal até que lindos buquês de rosas começam a ser entregues de forma anônima na casa deles, justamente no momento em que Lou (Leïla Bekhti), uma jovem de 20 anos, não para de cruzar o caminho de Paul - é aí que percebemos que algumas máscaras começam a cair e que muito do que vemos, na verdade, não passam de aparências. Confira o trailer:
Claramente Claudel se propõe a gerar muito mais perguntas do que respostas logo de cara. Com muita sensibilidade, o diretor pontua sua narrativa com o pacato dia a dia de um típico casal bem sucedido, já estabelecido profissionalmente, seguro financeiramente, mas completamente distante afetivamente. As questões que transitam por esse universo cada vez mais frio (daí vem o nome do filme), invocam dúvidas como se aquelas pessoas, de fato, não fossem realmente quem elas gostariam de ser. A vida de Paul e Lucie claramente é confortável, mas o vazio entre eles é tão ensurdecedor que realmente nos perguntamos se aquilo tudo era realmente o que eles sonharam para o futuro.
Com o tempo passando, a idade chegando e a necessidade de ser feliz sufocando, a narrativa nos joga com muita força na direção parede com outros questionamentos existenciais que chegam a incomodar nossa intimidade e até funcionar como uma espécie de gatilho emocional onde refletimos se, justamente antes da velhice, seria aquele o momento certo para revelar frases não ditas, discussões esquecidas ou os segredos guardados? Perceba como tudo que envolve Paul e Lucie poderia acontecer comigo ou com você e é nessa atmosfera de insegurança que a história passa a entregar suas pistas e algumas atitudes dos personagens passam a fazer mais sentido.
Se temos o marido nem tão infiel, mas que se faz parecer para se sentir vivo; ou a garota sem rumo, que precisa se apoiar em alguém para continuar seu caminho; ou a esposa independente que quer parecer mais forte do que realmente é; ou o melhor melhor amigo que cobiça aquela vida, para ele (e só para ele) perfeita; e até a irmã desequilibrada que, obviamente, é a única capaz de dizer as verdades, mesmo que sua condição a impeça de ser ouvida; é claro que todas essas personas soam clichês, mas a magia de Avant l'hiver (no original) está em justamente assumir a normalidade como uma visão muito mais complexa da vida - e é isso que nos prende, que nos conquista e que nos faz pensar profundamente!
Vale muito o seu play!
"Antes do Inverno" é o típico drama de relações que nos provoca uma série de reflexões onde, sem dúvida, a principal é: o amor é capaz de superar todas as dificuldades mesmo com o passar dos anos? Certamente você já deve estar parando para pensar sobre o assunto e se eu estou certo, pode ter certeza que essa produção francesa dirigida pelo incrível Philippe Claudel (de "Une enfance"), é para você - mas lembre-se: a complexidade das relações humanas expostas no filme chega repleta de sutilezas e sem pressa para se conectar aos fatos, ou seja, a narrativa é inteligente, mas cadenciada, o que pode te incomodar, mas que fique claro que a história só cresce e que seu terceiro ato acaba colocando o filme em outro patamar.
Paul (Daniel Auteuil) é um neurocirurgião de 60 anos casado com Lucie (Kristin Scott Thomas). A monotonia do cotidiano toma conta do casal até que lindos buquês de rosas começam a ser entregues de forma anônima na casa deles, justamente no momento em que Lou (Leïla Bekhti), uma jovem de 20 anos, não para de cruzar o caminho de Paul - é aí que percebemos que algumas máscaras começam a cair e que muito do que vemos, na verdade, não passam de aparências. Confira o trailer:
Claramente Claudel se propõe a gerar muito mais perguntas do que respostas logo de cara. Com muita sensibilidade, o diretor pontua sua narrativa com o pacato dia a dia de um típico casal bem sucedido, já estabelecido profissionalmente, seguro financeiramente, mas completamente distante afetivamente. As questões que transitam por esse universo cada vez mais frio (daí vem o nome do filme), invocam dúvidas como se aquelas pessoas, de fato, não fossem realmente quem elas gostariam de ser. A vida de Paul e Lucie claramente é confortável, mas o vazio entre eles é tão ensurdecedor que realmente nos perguntamos se aquilo tudo era realmente o que eles sonharam para o futuro.
Com o tempo passando, a idade chegando e a necessidade de ser feliz sufocando, a narrativa nos joga com muita força na direção parede com outros questionamentos existenciais que chegam a incomodar nossa intimidade e até funcionar como uma espécie de gatilho emocional onde refletimos se, justamente antes da velhice, seria aquele o momento certo para revelar frases não ditas, discussões esquecidas ou os segredos guardados? Perceba como tudo que envolve Paul e Lucie poderia acontecer comigo ou com você e é nessa atmosfera de insegurança que a história passa a entregar suas pistas e algumas atitudes dos personagens passam a fazer mais sentido.
Se temos o marido nem tão infiel, mas que se faz parecer para se sentir vivo; ou a garota sem rumo, que precisa se apoiar em alguém para continuar seu caminho; ou a esposa independente que quer parecer mais forte do que realmente é; ou o melhor melhor amigo que cobiça aquela vida, para ele (e só para ele) perfeita; e até a irmã desequilibrada que, obviamente, é a única capaz de dizer as verdades, mesmo que sua condição a impeça de ser ouvida; é claro que todas essas personas soam clichês, mas a magia de Avant l'hiver (no original) está em justamente assumir a normalidade como uma visão muito mais complexa da vida - e é isso que nos prende, que nos conquista e que nos faz pensar profundamente!
Vale muito o seu play!
Se você gosta de um bom filme que discute "relações", algo como "Closer" ou "Cenas de um Casamento", pode ter certeza: esse filme é para você. "Apenas Uma Noite"é um filme franco-americano dirigido por uma estreante, a iraniana Massy Tadjedin. Essa condição faz com que Tadjedin não arrisque conceitualmente, perdendo ótimas oportunidades de criar camadas que colocariam o filme em outro patamar. Por outro lado ela compensa com um ótimo roteiro (escrito por ela) e pela maneira sensível como conduz os fatos - ela sabe muito bem como manipular nossas emoções e a pergunta "e se fosse comigo?" nos acompanha durante toda a jornada.
Joanna (Keira Knightley) e Michael Reed (Sam Worthington) estão casados há três anos. Certa noite, essa união feliz e bem-sucedida é colocada à prova, quando Michael viaja à trabalho com uma bela colega (Eva Mendes) e Joanna aceita o convite de um antigo namorado (Guillaume Canet) para tomar alguns drinques. Confira o trailer e se apaixone pela trama:
É inegável que, embora simples, a trama é extremamente bem construída e de fácil identificação - ela é capaz de mexer com nossos fantasmas da mesma forma como brinca com nossos desejos mais íntimos. Essa dualidade é proposital e muito interessante, o que transforma a narrativa em algo envolvente, provocador e até sensual, dando aos personagens uma complexidade que vai além dos diálogos, digamos, superficiais.
Chama atenção a performance do elenco - ela é excelente dentro da proposta mais intimista de Tadjedin. Knightley e Worthington apresentam uma química tão realista quanto emocionante e ao serem envolvidos por uma cinematografia impressionante de Peter Deming (de "O Menu"), que é capaz transformar a "ocasião em ladrão" com cenas noturnas evocativas e paisagens urbanas deslumbrantes, se estabelece uma atmosfera sensorial como poucas vezes encontramos em filmes desse tamanho..
"Apenas Uma Noite" aborda temas importantes como a fidelidade, o compromisso real e a tentação despretensiosa, explorando a dramaticidade das relações humanas e os desafios que os casais enfrentam nos momentos de fraqueza e insegurança. A história realmente nos mantém envolvidos e interessados da mesmo forma que nos provoca inúmeras reflexões sobre a importância do amor verdadeiro perante o desejo. No geral, "Last Night" (no original) é um filme intenso, que certamente irá cativar aqueles que buscam uma jornada que transita entre o drama e o romance com a mesma competência!
Definitivamente vale muito a pena o seu play!
Se você gosta de um bom filme que discute "relações", algo como "Closer" ou "Cenas de um Casamento", pode ter certeza: esse filme é para você. "Apenas Uma Noite"é um filme franco-americano dirigido por uma estreante, a iraniana Massy Tadjedin. Essa condição faz com que Tadjedin não arrisque conceitualmente, perdendo ótimas oportunidades de criar camadas que colocariam o filme em outro patamar. Por outro lado ela compensa com um ótimo roteiro (escrito por ela) e pela maneira sensível como conduz os fatos - ela sabe muito bem como manipular nossas emoções e a pergunta "e se fosse comigo?" nos acompanha durante toda a jornada.
Joanna (Keira Knightley) e Michael Reed (Sam Worthington) estão casados há três anos. Certa noite, essa união feliz e bem-sucedida é colocada à prova, quando Michael viaja à trabalho com uma bela colega (Eva Mendes) e Joanna aceita o convite de um antigo namorado (Guillaume Canet) para tomar alguns drinques. Confira o trailer e se apaixone pela trama:
É inegável que, embora simples, a trama é extremamente bem construída e de fácil identificação - ela é capaz de mexer com nossos fantasmas da mesma forma como brinca com nossos desejos mais íntimos. Essa dualidade é proposital e muito interessante, o que transforma a narrativa em algo envolvente, provocador e até sensual, dando aos personagens uma complexidade que vai além dos diálogos, digamos, superficiais.
Chama atenção a performance do elenco - ela é excelente dentro da proposta mais intimista de Tadjedin. Knightley e Worthington apresentam uma química tão realista quanto emocionante e ao serem envolvidos por uma cinematografia impressionante de Peter Deming (de "O Menu"), que é capaz transformar a "ocasião em ladrão" com cenas noturnas evocativas e paisagens urbanas deslumbrantes, se estabelece uma atmosfera sensorial como poucas vezes encontramos em filmes desse tamanho..
"Apenas Uma Noite" aborda temas importantes como a fidelidade, o compromisso real e a tentação despretensiosa, explorando a dramaticidade das relações humanas e os desafios que os casais enfrentam nos momentos de fraqueza e insegurança. A história realmente nos mantém envolvidos e interessados da mesmo forma que nos provoca inúmeras reflexões sobre a importância do amor verdadeiro perante o desejo. No geral, "Last Night" (no original) é um filme intenso, que certamente irá cativar aqueles que buscam uma jornada que transita entre o drama e o romance com a mesma competência!
Definitivamente vale muito a pena o seu play!
"As Flores Perdidas de Alice Hart" é daquelas minisséries que você se pergunta: por que não assisti isso antes? É sério, que espetáculo de roteiro! Lançada em 2023 pela Prime Video, "As Flores Perdidas de Alice Hart"é um drama profundo que transita pelas nuances do trauma e do luto em uma atmosfera de muito mistério, onde a busca pela cura em meio à beleza e ao simbolismo das flores transforma nossa jornada em uma experiência das mais envolventes e surpreendentes. Criada por Sarah Lambert e baseada no romance homônimo de Holly Ringland, a produção é dirigida por Glendyn Ivin (do excelente "Em Prantos") e apresenta uma narrativa que, assim como "Big Little Lies" e "Sharp Objects", parte dos fantasmas mais íntimos para explorar questões delicadas como violência doméstica, laços familiares e autodescoberta.
A história acompanha Alice Hart (interpretada por Alycia Debnam-Carey na fase adulta e por Alyla Browne na infância), uma jovem que perde os pais em um incêndio traumático. Depois da tragédia, Alice vai morar com sua avó June (Sigourney Weaver) em uma fazenda remota chamada Thornfield, onde flores nativas são cultivadas e utilizadas para expressar sentimentos que palavras não conseguem transmitir. Ao longo dos anos, Alice descobre segredos obscuros sobre sua família e enfrenta os próprios demônios enquanto busca um caminho para a cura e para uma liberdade emocional. Confira o trailer (em inglês):
Mesmo que soe cadenciada em um primeiro momento, a narrativa proposta pela Sarah Lambert é muito fiel ao espírito da obra de Ringland, equilibrando a exploração emocional com o mistério que envolve os segredos familiares da protagonista. O roteiro é construída de forma não linear, utilizando a quebra temporal para revelar gradualmente as conexões entre alguns personagens - é essa estrutura que nos mantém intrigados, enquanto somos provocados a olhar por diversas perspectivas na busca por uma compreensão mais profunda das motivações e escolhas que moldam a trajetória de Alice. É aqui que entra a direção de Glendyn Ivin - sua sensibilidade e habilidade para construir momentos de introspecção através de uma narrativa visualmente rica, é de se aplaudir de pé. Já no primeiro episódio, mesmo com momentos realmente impactantes, temos a exata noção de que estamos diante de um profissional capaz de traduzir sensações em uma certa poesia visual - algo como o saudoso Jean-Marc Vallée fazia com maestria.
A fotografia de "As Flores Perdidas de Alice Hart" também chama atenção. O trabalho do Sam Chiplin (parceiro de Ivin em "Em Prantos") captura a beleza das paisagens australianas e das flores que servem como metáfora para as emoções dos personagens, de uma forma magnifica. A diversidade da paleta de cores e toda iluminação são cuidadosamente trabalhadas, refletindo tanto a serenidade quanto a tensão que permeiam a história. As flores e seu simbolismo, sem dúvida, funcionam como um elemento narrativo poderoso, adicionando profundidade e significado para a jornada. Alycia Debnam-Carey sabe transformar essa atmosfera semiótica, sutil e poderosa, em energia para sua Alice - repare como ela transmite a complexidade de sua personagem na luta para superar o passado e encontrar seu próprio lugar no mundo. Sigourney Weaver também entrega uma performance que merece destaque - contida e intensa, ela vai revelando as camadas de uma mulher forte, mas que é cheia de falhas e que carrega o peso dos segredos e das decisões difíceis que já teve que tomar. A química entre as duas, aliás, é essencial para dar o tom do relacionamento conturbado entre avó e neta. E rapidamente cito Alyla Browne, a Alice na infância - que atuação sensível e comovente. Olho nessa garota!
"As Flores Perdidas de Alice Hart" não tem medo de confrontar a dor e a complexidade das relações familiares, explorando o peso do trauma e como ele pode ser transmitido de geração em geração. Embora muitas vezes densa demais, a narrativa também oferece momentos de esperança, mostrando que é possível encontrar um certo significado mesmo em meio à escuridão. Se seu ritmo pode soar lento e introspectivo demais, entenda que é essa escolha conceitual que traz a profundidade emocional que a história merece. O que eu quero dizer é que estamos diante de uma minissérie diferente, visualmente deslumbrante e emocionalmente profunda, que sabe explorar as obscuridades da vida, pontuando perfeitamente o valor da resiliência e da autodescoberta como forma de sobrevivência sem esquecer da importância da sororidade.
Imperdível!
"As Flores Perdidas de Alice Hart" é daquelas minisséries que você se pergunta: por que não assisti isso antes? É sério, que espetáculo de roteiro! Lançada em 2023 pela Prime Video, "As Flores Perdidas de Alice Hart"é um drama profundo que transita pelas nuances do trauma e do luto em uma atmosfera de muito mistério, onde a busca pela cura em meio à beleza e ao simbolismo das flores transforma nossa jornada em uma experiência das mais envolventes e surpreendentes. Criada por Sarah Lambert e baseada no romance homônimo de Holly Ringland, a produção é dirigida por Glendyn Ivin (do excelente "Em Prantos") e apresenta uma narrativa que, assim como "Big Little Lies" e "Sharp Objects", parte dos fantasmas mais íntimos para explorar questões delicadas como violência doméstica, laços familiares e autodescoberta.
A história acompanha Alice Hart (interpretada por Alycia Debnam-Carey na fase adulta e por Alyla Browne na infância), uma jovem que perde os pais em um incêndio traumático. Depois da tragédia, Alice vai morar com sua avó June (Sigourney Weaver) em uma fazenda remota chamada Thornfield, onde flores nativas são cultivadas e utilizadas para expressar sentimentos que palavras não conseguem transmitir. Ao longo dos anos, Alice descobre segredos obscuros sobre sua família e enfrenta os próprios demônios enquanto busca um caminho para a cura e para uma liberdade emocional. Confira o trailer (em inglês):
Mesmo que soe cadenciada em um primeiro momento, a narrativa proposta pela Sarah Lambert é muito fiel ao espírito da obra de Ringland, equilibrando a exploração emocional com o mistério que envolve os segredos familiares da protagonista. O roteiro é construída de forma não linear, utilizando a quebra temporal para revelar gradualmente as conexões entre alguns personagens - é essa estrutura que nos mantém intrigados, enquanto somos provocados a olhar por diversas perspectivas na busca por uma compreensão mais profunda das motivações e escolhas que moldam a trajetória de Alice. É aqui que entra a direção de Glendyn Ivin - sua sensibilidade e habilidade para construir momentos de introspecção através de uma narrativa visualmente rica, é de se aplaudir de pé. Já no primeiro episódio, mesmo com momentos realmente impactantes, temos a exata noção de que estamos diante de um profissional capaz de traduzir sensações em uma certa poesia visual - algo como o saudoso Jean-Marc Vallée fazia com maestria.
A fotografia de "As Flores Perdidas de Alice Hart" também chama atenção. O trabalho do Sam Chiplin (parceiro de Ivin em "Em Prantos") captura a beleza das paisagens australianas e das flores que servem como metáfora para as emoções dos personagens, de uma forma magnifica. A diversidade da paleta de cores e toda iluminação são cuidadosamente trabalhadas, refletindo tanto a serenidade quanto a tensão que permeiam a história. As flores e seu simbolismo, sem dúvida, funcionam como um elemento narrativo poderoso, adicionando profundidade e significado para a jornada. Alycia Debnam-Carey sabe transformar essa atmosfera semiótica, sutil e poderosa, em energia para sua Alice - repare como ela transmite a complexidade de sua personagem na luta para superar o passado e encontrar seu próprio lugar no mundo. Sigourney Weaver também entrega uma performance que merece destaque - contida e intensa, ela vai revelando as camadas de uma mulher forte, mas que é cheia de falhas e que carrega o peso dos segredos e das decisões difíceis que já teve que tomar. A química entre as duas, aliás, é essencial para dar o tom do relacionamento conturbado entre avó e neta. E rapidamente cito Alyla Browne, a Alice na infância - que atuação sensível e comovente. Olho nessa garota!
"As Flores Perdidas de Alice Hart" não tem medo de confrontar a dor e a complexidade das relações familiares, explorando o peso do trauma e como ele pode ser transmitido de geração em geração. Embora muitas vezes densa demais, a narrativa também oferece momentos de esperança, mostrando que é possível encontrar um certo significado mesmo em meio à escuridão. Se seu ritmo pode soar lento e introspectivo demais, entenda que é essa escolha conceitual que traz a profundidade emocional que a história merece. O que eu quero dizer é que estamos diante de uma minissérie diferente, visualmente deslumbrante e emocionalmente profunda, que sabe explorar as obscuridades da vida, pontuando perfeitamente o valor da resiliência e da autodescoberta como forma de sobrevivência sem esquecer da importância da sororidade.
Imperdível!
Não existe outra forma de iniciar essa análise que não seja afirmando que se você gostou de "This is Us", você também vai gostar de "As Pequenas Coisas da Vida". Talvez inicialmente você perceba que alguns alívios cômicos podem diminuir o valor da comparação com a série da NBC, principalmente pela performance propositalmente descontrolada de Kathryn Hahn; mas não se engane, a forma como essa adaptação da obra homônima da autora Cheryl Strayed vai se ajustando para retratar os dramas das relações de um casal em crise e de uma mãe com sua filha pouco amorosa, é genial. Inegavelmente muito sensível, o roteiro sabe tocar em elementos dramáticos que vão te tirar da zona de conforto - pode apostar!
A série conta a história de Clare (Hahn), uma mulher que passa por um momento complicado da sua vida - no lado profissional, sua carreira como escritora praticamente não existe mais; já pelo lado pessoal, o casamento com Danny (Quentin Plair) está em ruínas e a relação com sua filha adolescente, Rae (Tanzyn Crawford), um verdadeiro caos. Quando Clare assume uma coluna virtual de conselhos "auto-ajuda" chamado "Dear Sugar", ela vê sua vida desdobrar-se em uma complexa teia de memórias e solidão. Confira o trailer:
Com uma proposta narrativa que contempla duas linhas temporais que conceitualmente vão se cruzando, dando a exata sensação de que a protagonista precisa revisitar seu passado para poder lidar com os problemas do presente, "As Pequenas Coisas da Vida" mais acerta do que erra. Tentando equilibrar os rápidos episódios de meia hora para que tenhamos fôlego para suportar o drama até o final da temporada, e bem como "This is Us", a série que tem Reese Witherspoon e Laura Dern como produtoras executivas, vai conectando os pontos de forma bem homeopática, o que gera um certo desconforto inicialmente, mas que com o passar dos episódios vai fazendo sentido - a história do primeiro casamento de Claire é um bom exemplo dessa estratégia que brinca com nossa curiosidade.
Sob a supervisão da competente Liz Tigelaar (de "Little Fires Everywhere"), "As Pequenas Coisas da Vida" surpreende demais por quebrar nossa expectativa a cada episódio sem parecer estar perdendo o rumo. Veja, se inicialmente os conselhos de "Dear Sugar" podem parecer o elo entre a vida de Claire, do passado com o presente, é na dor da protagonista ao longo desse recorte temporal, nas suas imperfeições como ser humano e como tudo isso impactou em sua vida, que é onde a história ganha em profundidade. É claro que o conceito da narração em off ajuda a pontuar a trama quase como uma crônica, mas é lindo como a direção se aproveita do lúdico para dar sentido a tudo que é falado.
Com um elenco de peso que ainda conta com Merritt Wever como Frankie, a mãe de Clare, essa série original do Hulu vai mexer com suas emoções ao trazer temas que vão do amor incondicional à perda irreparável, passando pelos traumas familiares que exploram as complexidades e contradições da vida e das relações humanas em diversas camadas. Sim, “As Pequenas Coisas da Vida” é uma jornada de fato inspiradora, que mostra a importância de conexões autênticas e do amor verdadeiro para superar as adversidades e encontrar a felicidade, seja lá onde ela estiver - mas aviso: não será simples!
Vale muito o seu play!
Não existe outra forma de iniciar essa análise que não seja afirmando que se você gostou de "This is Us", você também vai gostar de "As Pequenas Coisas da Vida". Talvez inicialmente você perceba que alguns alívios cômicos podem diminuir o valor da comparação com a série da NBC, principalmente pela performance propositalmente descontrolada de Kathryn Hahn; mas não se engane, a forma como essa adaptação da obra homônima da autora Cheryl Strayed vai se ajustando para retratar os dramas das relações de um casal em crise e de uma mãe com sua filha pouco amorosa, é genial. Inegavelmente muito sensível, o roteiro sabe tocar em elementos dramáticos que vão te tirar da zona de conforto - pode apostar!
A série conta a história de Clare (Hahn), uma mulher que passa por um momento complicado da sua vida - no lado profissional, sua carreira como escritora praticamente não existe mais; já pelo lado pessoal, o casamento com Danny (Quentin Plair) está em ruínas e a relação com sua filha adolescente, Rae (Tanzyn Crawford), um verdadeiro caos. Quando Clare assume uma coluna virtual de conselhos "auto-ajuda" chamado "Dear Sugar", ela vê sua vida desdobrar-se em uma complexa teia de memórias e solidão. Confira o trailer:
Com uma proposta narrativa que contempla duas linhas temporais que conceitualmente vão se cruzando, dando a exata sensação de que a protagonista precisa revisitar seu passado para poder lidar com os problemas do presente, "As Pequenas Coisas da Vida" mais acerta do que erra. Tentando equilibrar os rápidos episódios de meia hora para que tenhamos fôlego para suportar o drama até o final da temporada, e bem como "This is Us", a série que tem Reese Witherspoon e Laura Dern como produtoras executivas, vai conectando os pontos de forma bem homeopática, o que gera um certo desconforto inicialmente, mas que com o passar dos episódios vai fazendo sentido - a história do primeiro casamento de Claire é um bom exemplo dessa estratégia que brinca com nossa curiosidade.
Sob a supervisão da competente Liz Tigelaar (de "Little Fires Everywhere"), "As Pequenas Coisas da Vida" surpreende demais por quebrar nossa expectativa a cada episódio sem parecer estar perdendo o rumo. Veja, se inicialmente os conselhos de "Dear Sugar" podem parecer o elo entre a vida de Claire, do passado com o presente, é na dor da protagonista ao longo desse recorte temporal, nas suas imperfeições como ser humano e como tudo isso impactou em sua vida, que é onde a história ganha em profundidade. É claro que o conceito da narração em off ajuda a pontuar a trama quase como uma crônica, mas é lindo como a direção se aproveita do lúdico para dar sentido a tudo que é falado.
Com um elenco de peso que ainda conta com Merritt Wever como Frankie, a mãe de Clare, essa série original do Hulu vai mexer com suas emoções ao trazer temas que vão do amor incondicional à perda irreparável, passando pelos traumas familiares que exploram as complexidades e contradições da vida e das relações humanas em diversas camadas. Sim, “As Pequenas Coisas da Vida” é uma jornada de fato inspiradora, que mostra a importância de conexões autênticas e do amor verdadeiro para superar as adversidades e encontrar a felicidade, seja lá onde ela estiver - mas aviso: não será simples!
Vale muito o seu play!
Martin Scorsese é um dos maiores cineastas da história do cinema - isso não há como negar. Com uma carreira de mais de 50 anos, ele já dirigiu alguns dos filmes mais importantes e aclamados de todos os tempos, como "Taxi Driver", "Os Bons Companheiros", "Cassino" e "A Invenção de Hugo Cabret", só para citar os clássicos. Scorsese já foi indicado 9 vezes ao Oscar de "Melhor Diretor" e venceu por "Os Infiltrados". De fato um currículo de respeito e é certamente por isso que nos propomos a assistir mais de três horas e meia de seu mais recente trabalho, o drama "Assassinos da Lua das Flores". Olha, o filme é realmente muito bom, dos melhores de sua carreira como diretor, mas meu amigo, é longo demais! Será preciso uma dose extra de empolgação para encarar essa jornada, mesmo sabendo que a qualidade técnica e artística é tão alta que nem vemos o tempo passar. "Assassinos da Lua das Flores" é mais uma prova do talento e da maestria de Scorsese, mas como uma minissérie, a experiência seria bem menos cansativa.
Baseado no livro homônimo de David Grann, "Assassinos da Lua das Flores" conta a história real de uma série de assassinatos misteriosos que ocorreram na década de 1920 na tribo indígena Osage, no estado americano de Oklahoma. Os Osage eram donos de terras ricas em petróleo, e suas mortes levantaram suspeitas de que poderiam ter sido encomendadas por pessoas que queriam se apoderar de suas riquezas, especialmente William Hale (Robert De Niro). Confira o trailer:
Produzido pela AppleTV+ e estrelado por Leonardo DiCaprio, Jesse Plemons, Robert De Niro e Lily Gladstone, "Assassinos da Lua das Flores" tem todos os elementos que fazem os olhos dos votantes do Oscar brilhar. Sério, o filme é de cair o queixo - pela qualidade, pelo tamanho da produção, e, claro, pela forma que Scorsese reproduziu uma atmosfera de recorrente tensão e desconfiança, em pleno anos 20, com tanta perfeição. Você analisa os detalhes, destrincha o roteiro, repara em tudo e não encontra um vacilo sequer - é impressionante como a direção de Scorsese é impecável ao ponto de prender nossa atenção do início ao fim, em um misto de horror e poesia. Reparem como o roteiro do genial Eric Roth (vencedor do Oscar por "Forrest Gump" e indicado mais seis vezes, a última por "Duna") transita com perfeição entre a ganância, a vaidade e o desejo do individuo que se sobrepõe ao meio em que a história acontece - eu diria, uma espécie de faroeste macabro onde a tensão e a violência desenfreada dão o tom das relações sociais e humanas pela perspectiva de quem sofre e de quem comete crimes tão brutais.
DiCaprio interpreta Ernest Burkhart, um homem branco que se casa com uma mulher Osage, Mollie (Lily Gladstone), e se torna um dos responsáveis por articular os crimes a mando do tio William - e aqui cabe um observação sobre o texto: se inicialmente tudo fica subentendido, com o passar do tempo as motivações e ações ficam completamente escancaradas. Em nenhum momento o roteiro se propõe a seguir a sinopse, criar um mistério e gerar dúvidas - tudo é muito claro, no entanto são nas consequências intimas dos personagens que a trama ganha profundidade e reflexão (e talvez por isso o filme não tenha sido uma unanimidade). As performances dos atores são excelentes: DiCaprio dá um tom de complexidade e ambivalência ao seu Ernest que, na minha opinião, o credenciaria, no mínimo, para uma indicação ao Oscar. Já Lily Gladstone, essa vai ser a barbada do ano na categoria "Melhor Atriz", pode me cobrar depois.
Se "Assassinos da Lua das Flores" sabe explorar temas como corrupção e preconceito com certa brutalidade no seu "conteúdo", mas saiba que é na sua "forma" que o filme oferece uma visão verdadeiramente fascinante sobre aquele período turbulento da história americana. A fotografia do Rodrigo Prieto (mexicano parceiro de Alejandro G. Iñárritu e indicado cinco vezes ao Oscar) e a trilha sonora de Robbie Robertson (de "O Irlandês") provocam na audiência um misto de emoções que se alternam entre a tensão e a preocupação, e com aquela típica frieza do diretor, narra visualmente um banho de sangue étnico, com suas consequências sociais e impactos psicológicos, de um jeito onde o cinema parece funcionar, mais uma vez, como uma janela para muito do que acontece nos dias de hoje ao redor do nosso planeta.
Obrigado Scorsese!
Vale muito o play. Vale muito a reflexão!
Martin Scorsese é um dos maiores cineastas da história do cinema - isso não há como negar. Com uma carreira de mais de 50 anos, ele já dirigiu alguns dos filmes mais importantes e aclamados de todos os tempos, como "Taxi Driver", "Os Bons Companheiros", "Cassino" e "A Invenção de Hugo Cabret", só para citar os clássicos. Scorsese já foi indicado 9 vezes ao Oscar de "Melhor Diretor" e venceu por "Os Infiltrados". De fato um currículo de respeito e é certamente por isso que nos propomos a assistir mais de três horas e meia de seu mais recente trabalho, o drama "Assassinos da Lua das Flores". Olha, o filme é realmente muito bom, dos melhores de sua carreira como diretor, mas meu amigo, é longo demais! Será preciso uma dose extra de empolgação para encarar essa jornada, mesmo sabendo que a qualidade técnica e artística é tão alta que nem vemos o tempo passar. "Assassinos da Lua das Flores" é mais uma prova do talento e da maestria de Scorsese, mas como uma minissérie, a experiência seria bem menos cansativa.
Baseado no livro homônimo de David Grann, "Assassinos da Lua das Flores" conta a história real de uma série de assassinatos misteriosos que ocorreram na década de 1920 na tribo indígena Osage, no estado americano de Oklahoma. Os Osage eram donos de terras ricas em petróleo, e suas mortes levantaram suspeitas de que poderiam ter sido encomendadas por pessoas que queriam se apoderar de suas riquezas, especialmente William Hale (Robert De Niro). Confira o trailer:
Produzido pela AppleTV+ e estrelado por Leonardo DiCaprio, Jesse Plemons, Robert De Niro e Lily Gladstone, "Assassinos da Lua das Flores" tem todos os elementos que fazem os olhos dos votantes do Oscar brilhar. Sério, o filme é de cair o queixo - pela qualidade, pelo tamanho da produção, e, claro, pela forma que Scorsese reproduziu uma atmosfera de recorrente tensão e desconfiança, em pleno anos 20, com tanta perfeição. Você analisa os detalhes, destrincha o roteiro, repara em tudo e não encontra um vacilo sequer - é impressionante como a direção de Scorsese é impecável ao ponto de prender nossa atenção do início ao fim, em um misto de horror e poesia. Reparem como o roteiro do genial Eric Roth (vencedor do Oscar por "Forrest Gump" e indicado mais seis vezes, a última por "Duna") transita com perfeição entre a ganância, a vaidade e o desejo do individuo que se sobrepõe ao meio em que a história acontece - eu diria, uma espécie de faroeste macabro onde a tensão e a violência desenfreada dão o tom das relações sociais e humanas pela perspectiva de quem sofre e de quem comete crimes tão brutais.
DiCaprio interpreta Ernest Burkhart, um homem branco que se casa com uma mulher Osage, Mollie (Lily Gladstone), e se torna um dos responsáveis por articular os crimes a mando do tio William - e aqui cabe um observação sobre o texto: se inicialmente tudo fica subentendido, com o passar do tempo as motivações e ações ficam completamente escancaradas. Em nenhum momento o roteiro se propõe a seguir a sinopse, criar um mistério e gerar dúvidas - tudo é muito claro, no entanto são nas consequências intimas dos personagens que a trama ganha profundidade e reflexão (e talvez por isso o filme não tenha sido uma unanimidade). As performances dos atores são excelentes: DiCaprio dá um tom de complexidade e ambivalência ao seu Ernest que, na minha opinião, o credenciaria, no mínimo, para uma indicação ao Oscar. Já Lily Gladstone, essa vai ser a barbada do ano na categoria "Melhor Atriz", pode me cobrar depois.
Se "Assassinos da Lua das Flores" sabe explorar temas como corrupção e preconceito com certa brutalidade no seu "conteúdo", mas saiba que é na sua "forma" que o filme oferece uma visão verdadeiramente fascinante sobre aquele período turbulento da história americana. A fotografia do Rodrigo Prieto (mexicano parceiro de Alejandro G. Iñárritu e indicado cinco vezes ao Oscar) e a trilha sonora de Robbie Robertson (de "O Irlandês") provocam na audiência um misto de emoções que se alternam entre a tensão e a preocupação, e com aquela típica frieza do diretor, narra visualmente um banho de sangue étnico, com suas consequências sociais e impactos psicológicos, de um jeito onde o cinema parece funcionar, mais uma vez, como uma janela para muito do que acontece nos dias de hoje ao redor do nosso planeta.
Obrigado Scorsese!
Vale muito o play. Vale muito a reflexão!
"Ataque dos Cães" é um filme essencialmente sobre vingança e que tem como seu maior mérito criar um clima de tensão permanente, onde em minuto algum sabemos exatamente o que vai acontecer ou qual será o gatilho para que todas aquelas relações desmoronem - e aqui cabe meu primeiro elogio: é impressionante como a diretora (e roteirista) Jane Campion, vencedora do Oscar por "O Piano", consegue manter essa sensação de angústia durante toda trama, sem perder o controle, mesmo com uma narrativa completamente cadenciada e reflexiva pelo ponto de vista de quatro personagens-chave. É, de fato, incrível!
O filme conta a história de Phil (Benedict Cumberbatch) e George (Jesse Plemons), dois irmãos, ricos e proprietários da maior fazenda de Montana em plena década de 1920. Enquanto o primeiro é brilhante, mas cruel, o segundo é a gentileza em pessoa. Tão diferentes, a relação de cumplicidade entre os dois vai do céu ao inferno quando George se casa secretamente com uma viúva local, Rose (Kirsten Dunst), e ainda resolve cuidar do seu filho Peter (Kodi Smit-McPhee), um jovem introspectivo e profundamente marcado pelo suicídio do pai. Invejoso, inseguro e solitário, Phil tenta de todas as formas fazer com que essa relação não se sustente dentro do seu ambiente, fazendo com que suas atitudes machistas e seu comportamento rústico vá minando, pouco a pouco, a tranquilidade de Rose e de Peter. Confira o trailer:
"The Power of the Dog" é o livro que originou "Ataque dos Cães". Ele foi lançado em 1967 pelo autor Thomas Savage - que é uma referência dentro do gênero literário de Faroeste e que teve inúmeras obras publicadas entre 1944 e 1988. Pois bem, o desafio dessa adaptação de Campion era justamente o de trazer para a tela uma proposta muito mais intimista do que estamos acostumados assistir no gênero e isso era considerado um risco - é por essa razão que todas as tentativas de adaptar o livro para o cinema falharam até aqui.
Com o sinal verde da Netflix, que aposta (e com razão) no reconhecimento da Academia no Oscar de 2022, Campion montou um verdadeiro dream team para surpreender aqueles não buscariam em um "faroeste", um drama de relações tão profundo como esse. Obviamente que todos os elementos visuais que o gênero pede estão impecáveis no filme: de uma fotografia maravilhosa da diretora Ari Wegner (de "Lady Macbeth") ao cenário primoroso de Grant Major (de "Senhor dos Anéis - O Retorno do Rei"), passando pelos lindos figurinos de Kirsty Cameron (de "Oeste sem Lei") e, claro, pela trilha sonora marcante e essencial para o conceito narrativo funcionar, de Jonny Greenwood (indicado ao Oscar por "Trama Fantasma").
Jane Campion tem como característica um cuidado quase patológico com os detalhes para que seus filmes se tornem uma experiência totalmente sensorial. Em "Ataque dos Cães" ela alinha o artístico e o técnico perfeitamente, praticamente quebrando qualquer barreira que separe esses elementos, trazendo para o nosso olhar, enquadramentos de objetos, mãos e reações, de uma forma tão orgânica que chegamos a sentir arrepios com sua precisão. Reparem que, por mais discretos ou mesmo secretos que sejam, nenhum detalhe escapa e o desenho de som (apoiado na trilha sonora) só potencializa essa percepção de que tudo faz sentido, mesmo que quase nunca seja explicado (as revistas de fisiculturismo que Peter encontra é um ótimo exemplo disso e, certamente, o final também).
"Ataque dos Cães" pode colocar Benedict Cumberbatch em uma prateleira de ainda mais destaque, embora todo o elenco principal seja vital para isso - e não me surpreenderia se todos eles ganharem muitas indicações na próxima temporada de premiações, inclusive no Oscar. Acontece que o veredito, depois de mais de duas horas de filme, vai muito além do que imaginamos como trama, já que precisamos de alguns minutos para processar tudo que assistimos. Se a discussão sobre as relações de poder e a repressão dos desejos mais íntimos são categorizados como uma visão de masculinidade problemática enraizada na sociedade, pode ter certeza que o contraponto também está lá e será percebido naquele último suspiro antes dos créditos.
Vale muito a pena!
Up-date: "Ataque dos Cães" foi indicado em doze categorias no Oscar 2022, mas levou apenas como Melhor Direção!
"Ataque dos Cães" é um filme essencialmente sobre vingança e que tem como seu maior mérito criar um clima de tensão permanente, onde em minuto algum sabemos exatamente o que vai acontecer ou qual será o gatilho para que todas aquelas relações desmoronem - e aqui cabe meu primeiro elogio: é impressionante como a diretora (e roteirista) Jane Campion, vencedora do Oscar por "O Piano", consegue manter essa sensação de angústia durante toda trama, sem perder o controle, mesmo com uma narrativa completamente cadenciada e reflexiva pelo ponto de vista de quatro personagens-chave. É, de fato, incrível!
O filme conta a história de Phil (Benedict Cumberbatch) e George (Jesse Plemons), dois irmãos, ricos e proprietários da maior fazenda de Montana em plena década de 1920. Enquanto o primeiro é brilhante, mas cruel, o segundo é a gentileza em pessoa. Tão diferentes, a relação de cumplicidade entre os dois vai do céu ao inferno quando George se casa secretamente com uma viúva local, Rose (Kirsten Dunst), e ainda resolve cuidar do seu filho Peter (Kodi Smit-McPhee), um jovem introspectivo e profundamente marcado pelo suicídio do pai. Invejoso, inseguro e solitário, Phil tenta de todas as formas fazer com que essa relação não se sustente dentro do seu ambiente, fazendo com que suas atitudes machistas e seu comportamento rústico vá minando, pouco a pouco, a tranquilidade de Rose e de Peter. Confira o trailer:
"The Power of the Dog" é o livro que originou "Ataque dos Cães". Ele foi lançado em 1967 pelo autor Thomas Savage - que é uma referência dentro do gênero literário de Faroeste e que teve inúmeras obras publicadas entre 1944 e 1988. Pois bem, o desafio dessa adaptação de Campion era justamente o de trazer para a tela uma proposta muito mais intimista do que estamos acostumados assistir no gênero e isso era considerado um risco - é por essa razão que todas as tentativas de adaptar o livro para o cinema falharam até aqui.
Com o sinal verde da Netflix, que aposta (e com razão) no reconhecimento da Academia no Oscar de 2022, Campion montou um verdadeiro dream team para surpreender aqueles não buscariam em um "faroeste", um drama de relações tão profundo como esse. Obviamente que todos os elementos visuais que o gênero pede estão impecáveis no filme: de uma fotografia maravilhosa da diretora Ari Wegner (de "Lady Macbeth") ao cenário primoroso de Grant Major (de "Senhor dos Anéis - O Retorno do Rei"), passando pelos lindos figurinos de Kirsty Cameron (de "Oeste sem Lei") e, claro, pela trilha sonora marcante e essencial para o conceito narrativo funcionar, de Jonny Greenwood (indicado ao Oscar por "Trama Fantasma").
Jane Campion tem como característica um cuidado quase patológico com os detalhes para que seus filmes se tornem uma experiência totalmente sensorial. Em "Ataque dos Cães" ela alinha o artístico e o técnico perfeitamente, praticamente quebrando qualquer barreira que separe esses elementos, trazendo para o nosso olhar, enquadramentos de objetos, mãos e reações, de uma forma tão orgânica que chegamos a sentir arrepios com sua precisão. Reparem que, por mais discretos ou mesmo secretos que sejam, nenhum detalhe escapa e o desenho de som (apoiado na trilha sonora) só potencializa essa percepção de que tudo faz sentido, mesmo que quase nunca seja explicado (as revistas de fisiculturismo que Peter encontra é um ótimo exemplo disso e, certamente, o final também).
"Ataque dos Cães" pode colocar Benedict Cumberbatch em uma prateleira de ainda mais destaque, embora todo o elenco principal seja vital para isso - e não me surpreenderia se todos eles ganharem muitas indicações na próxima temporada de premiações, inclusive no Oscar. Acontece que o veredito, depois de mais de duas horas de filme, vai muito além do que imaginamos como trama, já que precisamos de alguns minutos para processar tudo que assistimos. Se a discussão sobre as relações de poder e a repressão dos desejos mais íntimos são categorizados como uma visão de masculinidade problemática enraizada na sociedade, pode ter certeza que o contraponto também está lá e será percebido naquele último suspiro antes dos créditos.
Vale muito a pena!
Up-date: "Ataque dos Cães" foi indicado em doze categorias no Oscar 2022, mas levou apenas como Melhor Direção!
"Athena" chama muito mais atenção por sua experiência visual do que propriamente por um roteiro impecável - e isso não é um grande problema se lembrarmos de "1917", que segue justamente esse mesmo conceito (dadas as devidas proporções técnicas e de orçamento). Aqui, é possível perceber que o filme do francês Romain Gavras usa de elementos dramáticos extremamente atuais, muitos deles referenciados no grande sucesso "Os Miseráveis", de 2019, para entregar uma dinâmica focada no caos, muito mais próxima do mexicano "Nuevo Orden", inclusive.
Em um Conjunto Habitacional conhecido como Athena, um crime brutal abala toda a comunidade. A trágica história se passa na vida de três jovens, que têm os seus destinos completamente transformados quando o irmão mais novo é morto sob circunstâncias inexplicáveis. Os irmãos de origem argelina e indignados com o assassinato, dão início a uma cruzada em busca de respostas e de justiça, cada um da sua maneira. Porém os embates violentos em Athena colocam eles no centro de um conflito, obrigando-os a ressignificar o luto e a dor em uma revolta organizada de enormes proporções. Confira o trailer (em inglês):
É de se admirar a escolha de Gavras em acompanhar seus personagens principais a partir de longos e eficientes planos sequência - o do prólogo, por exemplo, é de uma qualidade técnica e artística de fazer inveja a muito diretor experiente. No entanto a pirotecnia visual acaba se sobressaindo perante um roteiro que beira a superficialidade, mesmo quando traz para discussão assuntos relevantes como a realidade multicultural na França e a intolerância que essa condição provoca. Dos três irmãos (e protagonistas), Abdel (Dali Benssalah) e Karim (Sami Slimane) possuem arcos até que interessantes (e corajosos); já o terceiro, que segue Moktar (Ouassini Embarek), eu diria que é completamente dispensável.
De fato, a impressão que dá é que "Athena" poderia ser uma minissérie de 4 episódios tranquilamente - com os três primeiros contando a história do ponto de vista de cada um dos irmãos e o quarto seguindo o policial Jérôme (Anthony Bajon). Dito isso, Gavras se apoia no roteiro (que contou com a ilustre colaboração de Ladj Ly de "Os Miseráveis") para priorizar muito mais o "movimento" do que a "profundidade" - isso impacta na nossa percepção do caos, do barril de pólvora que já explodiu, criando uma sensação de desconforto impressionante, mas acaba prejudicando aqueles que buscam um pouco mais de camadas para nos conectarmos emocionalmente com os personagens. A impressão é que são tantas histórias para contar que o filme acaba não contando nenhuma delas tão bem.
Ainda que "Athena" seja um filme de muita (muita mesmo) qualidade, extremamente bem filmado e com várias sequências inacreditáveis de tão boas; as emoções e a indignação que a morte de um jovem naquelas condições provocaria, não florescem. Isso deixa muito claro que aqui, o drama deu lugar para a ação da mesma forma que a reflexão sucumbiu ao entretenimento. Funciona? Sim, funciona muito bem, mas como recomendação sugiro que antes de "Athena" você assista "Os Miseráveis" para que todo esse contexto social e cultural faça ainda mais sentido na narrativa como um todo.
Vale seu play!
"Athena" chama muito mais atenção por sua experiência visual do que propriamente por um roteiro impecável - e isso não é um grande problema se lembrarmos de "1917", que segue justamente esse mesmo conceito (dadas as devidas proporções técnicas e de orçamento). Aqui, é possível perceber que o filme do francês Romain Gavras usa de elementos dramáticos extremamente atuais, muitos deles referenciados no grande sucesso "Os Miseráveis", de 2019, para entregar uma dinâmica focada no caos, muito mais próxima do mexicano "Nuevo Orden", inclusive.
Em um Conjunto Habitacional conhecido como Athena, um crime brutal abala toda a comunidade. A trágica história se passa na vida de três jovens, que têm os seus destinos completamente transformados quando o irmão mais novo é morto sob circunstâncias inexplicáveis. Os irmãos de origem argelina e indignados com o assassinato, dão início a uma cruzada em busca de respostas e de justiça, cada um da sua maneira. Porém os embates violentos em Athena colocam eles no centro de um conflito, obrigando-os a ressignificar o luto e a dor em uma revolta organizada de enormes proporções. Confira o trailer (em inglês):
É de se admirar a escolha de Gavras em acompanhar seus personagens principais a partir de longos e eficientes planos sequência - o do prólogo, por exemplo, é de uma qualidade técnica e artística de fazer inveja a muito diretor experiente. No entanto a pirotecnia visual acaba se sobressaindo perante um roteiro que beira a superficialidade, mesmo quando traz para discussão assuntos relevantes como a realidade multicultural na França e a intolerância que essa condição provoca. Dos três irmãos (e protagonistas), Abdel (Dali Benssalah) e Karim (Sami Slimane) possuem arcos até que interessantes (e corajosos); já o terceiro, que segue Moktar (Ouassini Embarek), eu diria que é completamente dispensável.
De fato, a impressão que dá é que "Athena" poderia ser uma minissérie de 4 episódios tranquilamente - com os três primeiros contando a história do ponto de vista de cada um dos irmãos e o quarto seguindo o policial Jérôme (Anthony Bajon). Dito isso, Gavras se apoia no roteiro (que contou com a ilustre colaboração de Ladj Ly de "Os Miseráveis") para priorizar muito mais o "movimento" do que a "profundidade" - isso impacta na nossa percepção do caos, do barril de pólvora que já explodiu, criando uma sensação de desconforto impressionante, mas acaba prejudicando aqueles que buscam um pouco mais de camadas para nos conectarmos emocionalmente com os personagens. A impressão é que são tantas histórias para contar que o filme acaba não contando nenhuma delas tão bem.
Ainda que "Athena" seja um filme de muita (muita mesmo) qualidade, extremamente bem filmado e com várias sequências inacreditáveis de tão boas; as emoções e a indignação que a morte de um jovem naquelas condições provocaria, não florescem. Isso deixa muito claro que aqui, o drama deu lugar para a ação da mesma forma que a reflexão sucumbiu ao entretenimento. Funciona? Sim, funciona muito bem, mas como recomendação sugiro que antes de "Athena" você assista "Os Miseráveis" para que todo esse contexto social e cultural faça ainda mais sentido na narrativa como um todo.
Vale seu play!
"Atlanta" é uma espécie de "O Urso", só que 2016 - e não por acaso produzidos na mesma casa, a FX. A série criada pelo ator Donald Glover é uma verdadeira e criativa jornada subversiva através da cultura negra americana. Imperdível por desafiar as convenções do drama ao trazer para sua narrativa fortes elementos de comédia, daquelas bem irônicas mesmo, "Atlanta" brilha ao equilibrar os tons e assim explorar temas nada superficiais como o racismo, a busca por uma identidade e por alguns sonhos, todos pautados pelo forte apelo dos problemas sociais, mas sem pesar muito no realismo crítico. Vencedora de diversos prêmios, incluindo 7 Emmys, a série se junta a outras produções aclamadas que quebram barreiras narrativas e apresentam novas perspectivas para um entretenimento de qualidade e muito potente.
A trama gira em torno de Earnest "Earn" Marks (Donald Glover) que tenta convencer seu primo, o rapper Paperboy (Bryan Tyree Henry) que é capaz de gerenciar sua carreira e torná-lo um artista de grande sucesso. Porém, os dois discordam em diversos pontos sobre a vida, arte e entretenimento, especialmente tendo a cultura do hip-hop como base para cada decisão. Earn ainda precisa lidar com a mãe de sua filha, Van (Zazie Beets), e com o colaborador do primo, Darius (LaKeith Stainfield), em uma jornada surreal pelos bastidores da indústria musical na busca por ascensão, dinheiro e sucesso. Confira o trailer:
É inegável que a primeira temporada da série surpreende ao estabelecer um tom irreverente e surrealista com episódios que abordam assuntos delicados de uma forma inovadora e muito instigante - existe uma espécie de licença poética dando ares de fantasia em um cenário associado com a austeridade. A fotografia, por exemplo, foge da sujeira estética do "caos" de cada personagem, trazendo uma certa plasticidade para os enquadramentos, que vale dizer, extremamente inventivos. Obviamente que a trilha sonora brinca com essa proposta de Glover criando uma atmosfera tão diferenciada quanto envolvente.
Seguindo as demais temporadas, a série se aprofunda na exploração da psique dos personagens, mergulhando em temas como traumas familiares e como isso pode impactar na busca pelo sucesso. Aqui a direção se torna ainda mais ousada, com episódios que experimentam diferentes formatos e estilos narrativos, dando um charme ainda maior aos testes feitos na primeira temporada - especialmente daquele plot envolvendo certo carro invisível.
O fato é que as quatro temporadas de "Atlanta" vão desafiando nossas expectativas (e em alguns momentos dividindo opiniões) ao apresentar uma visão ainda mais complexa da vida daqueles personagens até encontrar um ótimo final. Com um elenco que brilha pela originalidade a cada episódio e uma trama que sabe ser inovadora e ousada por oferecer uma visão única da cultura americana, é possível afirmar que essa série é, de fato, uma experiência imperdível para quem procura algo desafiador como entretenimento - e vale ressaltar que se para muitos "Atlanta" surge como uma das melhores séries de todos os tempos, para outros a receptividade não foi tão impactante assim!
Independente disso, experimente o play!
"Atlanta" é uma espécie de "O Urso", só que 2016 - e não por acaso produzidos na mesma casa, a FX. A série criada pelo ator Donald Glover é uma verdadeira e criativa jornada subversiva através da cultura negra americana. Imperdível por desafiar as convenções do drama ao trazer para sua narrativa fortes elementos de comédia, daquelas bem irônicas mesmo, "Atlanta" brilha ao equilibrar os tons e assim explorar temas nada superficiais como o racismo, a busca por uma identidade e por alguns sonhos, todos pautados pelo forte apelo dos problemas sociais, mas sem pesar muito no realismo crítico. Vencedora de diversos prêmios, incluindo 7 Emmys, a série se junta a outras produções aclamadas que quebram barreiras narrativas e apresentam novas perspectivas para um entretenimento de qualidade e muito potente.
A trama gira em torno de Earnest "Earn" Marks (Donald Glover) que tenta convencer seu primo, o rapper Paperboy (Bryan Tyree Henry) que é capaz de gerenciar sua carreira e torná-lo um artista de grande sucesso. Porém, os dois discordam em diversos pontos sobre a vida, arte e entretenimento, especialmente tendo a cultura do hip-hop como base para cada decisão. Earn ainda precisa lidar com a mãe de sua filha, Van (Zazie Beets), e com o colaborador do primo, Darius (LaKeith Stainfield), em uma jornada surreal pelos bastidores da indústria musical na busca por ascensão, dinheiro e sucesso. Confira o trailer:
É inegável que a primeira temporada da série surpreende ao estabelecer um tom irreverente e surrealista com episódios que abordam assuntos delicados de uma forma inovadora e muito instigante - existe uma espécie de licença poética dando ares de fantasia em um cenário associado com a austeridade. A fotografia, por exemplo, foge da sujeira estética do "caos" de cada personagem, trazendo uma certa plasticidade para os enquadramentos, que vale dizer, extremamente inventivos. Obviamente que a trilha sonora brinca com essa proposta de Glover criando uma atmosfera tão diferenciada quanto envolvente.
Seguindo as demais temporadas, a série se aprofunda na exploração da psique dos personagens, mergulhando em temas como traumas familiares e como isso pode impactar na busca pelo sucesso. Aqui a direção se torna ainda mais ousada, com episódios que experimentam diferentes formatos e estilos narrativos, dando um charme ainda maior aos testes feitos na primeira temporada - especialmente daquele plot envolvendo certo carro invisível.
O fato é que as quatro temporadas de "Atlanta" vão desafiando nossas expectativas (e em alguns momentos dividindo opiniões) ao apresentar uma visão ainda mais complexa da vida daqueles personagens até encontrar um ótimo final. Com um elenco que brilha pela originalidade a cada episódio e uma trama que sabe ser inovadora e ousada por oferecer uma visão única da cultura americana, é possível afirmar que essa série é, de fato, uma experiência imperdível para quem procura algo desafiador como entretenimento - e vale ressaltar que se para muitos "Atlanta" surge como uma das melhores séries de todos os tempos, para outros a receptividade não foi tão impactante assim!
Independente disso, experimente o play!
"Atypical" é uma série pequena, mas muito bem estruturada. Ela conta a história de uma família onde o filho mais velho é autista. O interessante (e acho que o mérito maior da série) é que ela aborda temas bem pesados, atitudes e consequências delicadas, mas equilibra essa narrativa com certa leveza - na linha de "Extraordinário"! Ela mostra o problema, pontua com uma trilha excelente, mas depois não fica fazendo drama com assunto, pois cada um dos personagens lidam com suas atitudes de uma forma bem particular e adulta. Confira o trailer:
O protagonista de "Atypical", Sam (Keir Gilchrist) é um típico adolescente americano que está no ensino médio e passando por todos os dilemas da idade - com o diferencial de ser autista! Ao redor dele, além dos estereótipos clássicos que estamos acostumados a encontrar em séries desse tipo, está uma família um pouco confusa e amigos que desconsideram as reais necessidades de Sam. O interessante do roteiro é perceber algumas peculiaridades que, mesmo elevando um pouco o tom das relações, nos aproximam de uma realidade dramática e legítima. Vejam os personagens da mãe (Jennifer Jason Leigh) e do pai (Michael Rapaport) de Sam: eles caminham em jornadas completamente opostas, mesmo tendo o filho como referência - reparem e não se preocupem, o julgamento é justamente proposta pelo texto; mesmo que por empatia!
Outra personagem que merece destaque é a irmã Casey (Brigette Lundy-Paine) - mesmo que pareça um pouco ignorante de início, ela sabe lidar com Sam como poucas, com o silêncio ou até na gritaria, porém ela personifica seu amor através da compreensão, deixando de lado as relações de uma adolescente que vive os mesmos dilemas do irmão, só que em outra dimensão! O fato é que o roteiro trabalha muito bem essa dualidade, com a simplicidade do dia a dia e o desajuste de uma situação bem particular.
"Atypical" tem uma trama básica sobre problemas familiares que nos conquista logo de cara - é um ótimo exemplo de um bom drama fantasiado de comédia, que de boba não tem nada! O roteiro não se apoia na pieguice, ele questiona as atitudes de todos os personagens de maneira descontraída e mostra que ser normal é a missão mais complicada de todas, para todos!
Vale muito a pena!
"Atypical" é uma série pequena, mas muito bem estruturada. Ela conta a história de uma família onde o filho mais velho é autista. O interessante (e acho que o mérito maior da série) é que ela aborda temas bem pesados, atitudes e consequências delicadas, mas equilibra essa narrativa com certa leveza - na linha de "Extraordinário"! Ela mostra o problema, pontua com uma trilha excelente, mas depois não fica fazendo drama com assunto, pois cada um dos personagens lidam com suas atitudes de uma forma bem particular e adulta. Confira o trailer:
O protagonista de "Atypical", Sam (Keir Gilchrist) é um típico adolescente americano que está no ensino médio e passando por todos os dilemas da idade - com o diferencial de ser autista! Ao redor dele, além dos estereótipos clássicos que estamos acostumados a encontrar em séries desse tipo, está uma família um pouco confusa e amigos que desconsideram as reais necessidades de Sam. O interessante do roteiro é perceber algumas peculiaridades que, mesmo elevando um pouco o tom das relações, nos aproximam de uma realidade dramática e legítima. Vejam os personagens da mãe (Jennifer Jason Leigh) e do pai (Michael Rapaport) de Sam: eles caminham em jornadas completamente opostas, mesmo tendo o filho como referência - reparem e não se preocupem, o julgamento é justamente proposta pelo texto; mesmo que por empatia!
Outra personagem que merece destaque é a irmã Casey (Brigette Lundy-Paine) - mesmo que pareça um pouco ignorante de início, ela sabe lidar com Sam como poucas, com o silêncio ou até na gritaria, porém ela personifica seu amor através da compreensão, deixando de lado as relações de uma adolescente que vive os mesmos dilemas do irmão, só que em outra dimensão! O fato é que o roteiro trabalha muito bem essa dualidade, com a simplicidade do dia a dia e o desajuste de uma situação bem particular.
"Atypical" tem uma trama básica sobre problemas familiares que nos conquista logo de cara - é um ótimo exemplo de um bom drama fantasiado de comédia, que de boba não tem nada! O roteiro não se apoia na pieguice, ele questiona as atitudes de todos os personagens de maneira descontraída e mostra que ser normal é a missão mais complicada de todas, para todos!
Vale muito a pena!
"Bar Doce Lar" (ou de "The Tender Bar" no original) é o belíssimo novo filme dirigido por George Clooney que trata, com muita sensibilidade, as marcas que a ausência de um pai pode deixar no seu filho - mesmo que esse espaço seja preenchido com muito amor, atenção e dedicação pela mãe e por outra referência masculina. Para quem gosta de filmes sobre relações familiares, reflexivos e nada superficiais, "Bar Doce Lar" é um convite para quase 120 minutos de uma história interessante, cheia de camadas, mas principalmente, contada com honestidade e sem romantismo.
Baseado no livro de memórias de sucesso deJ. R. Moehringer, "Bar Doce Lar" segue um aspirante a escritor (Tye Sheridan) na busca pelos seus sonhos profissionais enquanto precisa lidar com sua insegurança perante uma vida que insiste em dificultar as coisas para ele. A partir de uma relação carinhosa (e de muito significado) com seu tio Charlie (Ben Affleck), J.R. se conecta com um mundo novo, cheio de possibilidades, de personagens e de histórias, onde ele aprende o real significado do amadurecimento e entende que para crescer será preciso enfrentar as angustias e as decepções sob uma outra perspectiva. Confira o trailer em inglês:
Talvez "Bar Doce Lar" não seja tão impactante quanto "Era uma vez um sonho" ou "O Castelo de Vidro", mas os elementos narrativos que guiam esses dois outros filmes imperdíveis, são basicamente os mesmos aqui. Isso traz uma certa sensação de falta de originalidade, mas ao mesmo tempo nos coloca diante de outra história que tende a nos provocar um olhar para dentro e discutir um assunto tão sensível como as dores que a ausência pode nos causar.
Clooney, em seu oitavo trabalho na direção, foi muito feliz em trabalhar as dualidades da história de uma forma quase imperceptível, mas completamente analítica do ponto de vista psicológico do protagonista. Vamos citar alguns signos para que você se atente e reflita durante o filme: quando criança J.R. se relaciona com o pai ausente apenas pelo rádio, chegando a nomina-lo como "A Voz", ao mesmo tempo, ele tem enorme dificuldade de se expressar pela fala, se apoiando na escrita para construir sua relação com o mundo. Sua mãe (Lily Rabe) sofre por ter que voltar a viver com os pais, mas J.R. não vê a menor dificuldade em chamar aquele ambiente caótico (pelo número de pessoas que moram ali) de lar. A história discute a ausência, enquanto J.R. insiste em dizer que gosta de estar com pessoas. Enquanto estuda em YALE onde adquire conhecimento acadêmico, o protagonista percebe que é no Bar do Tio, o "The Dickens", que ele realmente aprende a enfrentar as dificuldades da vida, e por aí vai...
O roteiro de William Monahan (vencedor do Oscar em 2006 com "Os Infiltrados") teve a difícil tarefa de adaptar uma longa biografia, mas foi cirúrgico em focar no processo de reencontro do protagonista com sua história de vida, mesmo que para isso tivesse que enfrentar seu maior fantasma: a já citada "ausência". Essa escolha conceitual, de fato, deixa o filme lento, bastante cadenciado, pontuando algumas passagens de forma até superficial para priorizar como isso refletiu no desafio interno de J. R. Moehringer e assim entender como essas situações serviram de combustível para ele encontrar seu caminho.
Veja, "Bar Doce Lar" não é um entretenimento usual, mas também não é um filme difícil ou denso demais como o assunto parece sugerir. Existe um tom de leveza, até por uma identificação imediata com o protagonista, nos dois períodos de sua vida (interpretados por Daniel Ranieri e depois por Tye Sheridan), e sua simpática relação com o tio Charlie de Affleck - mostrando mais uma vez que quando está com vontade, ele realmente é um ótimo ator (e que pode surpreender com uma indicação ao Oscar). Essas performances trazem para história uma certa atmosfera de nostalgia e isso nos ajuda a embarcar nas descobertas de J.R., transformando uma história de vida como muitas que conhecemos em uma jornada sensível, emocionante e muito honesta.
Vale seu play!
"Bar Doce Lar" (ou de "The Tender Bar" no original) é o belíssimo novo filme dirigido por George Clooney que trata, com muita sensibilidade, as marcas que a ausência de um pai pode deixar no seu filho - mesmo que esse espaço seja preenchido com muito amor, atenção e dedicação pela mãe e por outra referência masculina. Para quem gosta de filmes sobre relações familiares, reflexivos e nada superficiais, "Bar Doce Lar" é um convite para quase 120 minutos de uma história interessante, cheia de camadas, mas principalmente, contada com honestidade e sem romantismo.
Baseado no livro de memórias de sucesso deJ. R. Moehringer, "Bar Doce Lar" segue um aspirante a escritor (Tye Sheridan) na busca pelos seus sonhos profissionais enquanto precisa lidar com sua insegurança perante uma vida que insiste em dificultar as coisas para ele. A partir de uma relação carinhosa (e de muito significado) com seu tio Charlie (Ben Affleck), J.R. se conecta com um mundo novo, cheio de possibilidades, de personagens e de histórias, onde ele aprende o real significado do amadurecimento e entende que para crescer será preciso enfrentar as angustias e as decepções sob uma outra perspectiva. Confira o trailer em inglês:
Talvez "Bar Doce Lar" não seja tão impactante quanto "Era uma vez um sonho" ou "O Castelo de Vidro", mas os elementos narrativos que guiam esses dois outros filmes imperdíveis, são basicamente os mesmos aqui. Isso traz uma certa sensação de falta de originalidade, mas ao mesmo tempo nos coloca diante de outra história que tende a nos provocar um olhar para dentro e discutir um assunto tão sensível como as dores que a ausência pode nos causar.
Clooney, em seu oitavo trabalho na direção, foi muito feliz em trabalhar as dualidades da história de uma forma quase imperceptível, mas completamente analítica do ponto de vista psicológico do protagonista. Vamos citar alguns signos para que você se atente e reflita durante o filme: quando criança J.R. se relaciona com o pai ausente apenas pelo rádio, chegando a nomina-lo como "A Voz", ao mesmo tempo, ele tem enorme dificuldade de se expressar pela fala, se apoiando na escrita para construir sua relação com o mundo. Sua mãe (Lily Rabe) sofre por ter que voltar a viver com os pais, mas J.R. não vê a menor dificuldade em chamar aquele ambiente caótico (pelo número de pessoas que moram ali) de lar. A história discute a ausência, enquanto J.R. insiste em dizer que gosta de estar com pessoas. Enquanto estuda em YALE onde adquire conhecimento acadêmico, o protagonista percebe que é no Bar do Tio, o "The Dickens", que ele realmente aprende a enfrentar as dificuldades da vida, e por aí vai...
O roteiro de William Monahan (vencedor do Oscar em 2006 com "Os Infiltrados") teve a difícil tarefa de adaptar uma longa biografia, mas foi cirúrgico em focar no processo de reencontro do protagonista com sua história de vida, mesmo que para isso tivesse que enfrentar seu maior fantasma: a já citada "ausência". Essa escolha conceitual, de fato, deixa o filme lento, bastante cadenciado, pontuando algumas passagens de forma até superficial para priorizar como isso refletiu no desafio interno de J. R. Moehringer e assim entender como essas situações serviram de combustível para ele encontrar seu caminho.
Veja, "Bar Doce Lar" não é um entretenimento usual, mas também não é um filme difícil ou denso demais como o assunto parece sugerir. Existe um tom de leveza, até por uma identificação imediata com o protagonista, nos dois períodos de sua vida (interpretados por Daniel Ranieri e depois por Tye Sheridan), e sua simpática relação com o tio Charlie de Affleck - mostrando mais uma vez que quando está com vontade, ele realmente é um ótimo ator (e que pode surpreender com uma indicação ao Oscar). Essas performances trazem para história uma certa atmosfera de nostalgia e isso nos ajuda a embarcar nas descobertas de J.R., transformando uma história de vida como muitas que conhecemos em uma jornada sensível, emocionante e muito honesta.
Vale seu play!
"Belfast" está para o diretor Kenneth Branagh da mesma forma como "Roma" foi para o Alfonso Cuarón - e não por acaso, o filme também chega como um dos favoritos ao Oscar 2022!
Buddy (Jude Hill) é um menino de nove anos que passa a questionar o caminho para a vida adulta no momento em que seu mundo vira de cabeça para baixo quando sua comunidade, estável e amorosa, passa a sofrer ataques e a fomentar a rivalidade entre famílias católicas e protestantes. A partir daí, tudo o que Buddy achava que entendia sobre a vida muda para sempre, mas sua alegria, seu sorriso, a música e a magia formativa dos filmes que ele sempre amou, passam a servir de combustível para ele enfrentar suas novas dificuldades. Confira o trailer:
"Belfast" retrata eventos verídicos de uma época conhecida na Irlanda como "The Troubles", tendo a população protestante de um lado, maioria e que queria mais proximidade com a Inglaterra, e do outro a população católica que, por sua vez, defendia a independência ou mesmo a integração da Irlanda do Norte com a Irlanda - obviamente que essa irracionalidade fez com que pequenos grupos (de ambos os lados) recorressem à violência e à rebelião a fim de resolverem seus impasses sócio-políticos.
Pois bem, buscando um equilíbrio conceitual e narrativo entre "Roma" e "Jojo Rabbit"(de Taika Waititi), o diretor e roteirista Kenneth Branagh foi extremamente feliz em abordar um conflito muito impactante para aquela sociedade (imagina para uma criança de 9 anos) e ainda sim manter a leveza e a simpatia da história graças a forma como Buddy enxergava aquele momento delicado. É claro que o filme carrega uma atmosfera de dor, de sofrimento, de memórias marcantes, ainda assim ele nos faz sorrir. Filmado em preto e branco e com uma fotografia irretocável do diretor Haris Zambarloukos (de "Locke") o conceito visual traz um carga emocional muito necessária para a trama ao mesmo tempo em que brinca com lúdico ao usar as cores apenas quando Buddy se relaciona com arte - essa perspectiva cria uma sensação nostálgica impressionante.
Se "Licorice Pizza" é o coming-of-age de Paul Thomas Anderson, "Belfast" é a versão do sub-gênero cheia de dor e sorrisos de Branagh - uma verdadeira celebração familiar, mesmo quando nossos olhos mais maduros entendem de outra forma o relacionamento (e as dificuldades) dos pais de Buddy, o casal Ma (Caitirona Balfe) e Pa (Jamie Dornan), ou a vida com marcas profundas de seus avós - com Judi Dench e Ciarán Hinds dando um show e justificando suas indicações como "coadjuvantes". O fato é que "Belfast" se apoia na intransigência ideológica de quem precisa rotular o ser humano para criticar as diferenças em vez de exaltar a pluralidade cultural, para contar uma história de dificuldades e receios, com muita ternura, amor e, principalmente, saudade!
Imperdível!
Up-date: "Belfast" foi indicado em sete categorias no Oscar 2022, inclusive Melhor Filme e ganhou em Melhor Roteiro.
"Belfast" está para o diretor Kenneth Branagh da mesma forma como "Roma" foi para o Alfonso Cuarón - e não por acaso, o filme também chega como um dos favoritos ao Oscar 2022!
Buddy (Jude Hill) é um menino de nove anos que passa a questionar o caminho para a vida adulta no momento em que seu mundo vira de cabeça para baixo quando sua comunidade, estável e amorosa, passa a sofrer ataques e a fomentar a rivalidade entre famílias católicas e protestantes. A partir daí, tudo o que Buddy achava que entendia sobre a vida muda para sempre, mas sua alegria, seu sorriso, a música e a magia formativa dos filmes que ele sempre amou, passam a servir de combustível para ele enfrentar suas novas dificuldades. Confira o trailer:
"Belfast" retrata eventos verídicos de uma época conhecida na Irlanda como "The Troubles", tendo a população protestante de um lado, maioria e que queria mais proximidade com a Inglaterra, e do outro a população católica que, por sua vez, defendia a independência ou mesmo a integração da Irlanda do Norte com a Irlanda - obviamente que essa irracionalidade fez com que pequenos grupos (de ambos os lados) recorressem à violência e à rebelião a fim de resolverem seus impasses sócio-políticos.
Pois bem, buscando um equilíbrio conceitual e narrativo entre "Roma" e "Jojo Rabbit"(de Taika Waititi), o diretor e roteirista Kenneth Branagh foi extremamente feliz em abordar um conflito muito impactante para aquela sociedade (imagina para uma criança de 9 anos) e ainda sim manter a leveza e a simpatia da história graças a forma como Buddy enxergava aquele momento delicado. É claro que o filme carrega uma atmosfera de dor, de sofrimento, de memórias marcantes, ainda assim ele nos faz sorrir. Filmado em preto e branco e com uma fotografia irretocável do diretor Haris Zambarloukos (de "Locke") o conceito visual traz um carga emocional muito necessária para a trama ao mesmo tempo em que brinca com lúdico ao usar as cores apenas quando Buddy se relaciona com arte - essa perspectiva cria uma sensação nostálgica impressionante.
Se "Licorice Pizza" é o coming-of-age de Paul Thomas Anderson, "Belfast" é a versão do sub-gênero cheia de dor e sorrisos de Branagh - uma verdadeira celebração familiar, mesmo quando nossos olhos mais maduros entendem de outra forma o relacionamento (e as dificuldades) dos pais de Buddy, o casal Ma (Caitirona Balfe) e Pa (Jamie Dornan), ou a vida com marcas profundas de seus avós - com Judi Dench e Ciarán Hinds dando um show e justificando suas indicações como "coadjuvantes". O fato é que "Belfast" se apoia na intransigência ideológica de quem precisa rotular o ser humano para criticar as diferenças em vez de exaltar a pluralidade cultural, para contar uma história de dificuldades e receios, com muita ternura, amor e, principalmente, saudade!
Imperdível!
Up-date: "Belfast" foi indicado em sete categorias no Oscar 2022, inclusive Melhor Filme e ganhou em Melhor Roteiro.
Como em "O Método Kominsky" e mais recentemente em "A Nova Vida de Toby", assistir "Better Things" é como olhar pela janela, reconhecer a vida e, com muito bom humor, enfrentá-la. Existe uma honestidade no texto dessa excelente produção do FX (disponível aqui no Star+) que nos envolve e nos conecta com a protagonista de uma forma muito natural. Enxergar a beleza da maternidade pode soar até usual, mas reconhecer suas dificuldades já exige um pouco mais de coragem, e é nesse ponto que os criadores da série, Pamela Adlon e Louis C.K., dão uma aula de sensibilidade ao entregar uma jornada emocionante, inteligente, dinâmica e muito afinada com a realidade, a partir da perspectiva de quem de fato merece os holofotes: a mulher!
'Better Things', basicamente, conta a história de Sam (Pamela Adlon), uma atriz, mãe e divorciada que cuida de suas três filhas sozinha. Apesar de sua profissão, a vida de Sam não é tão glamorosa quanto se pensa; ela trabalha duro para pagar as contas, cuidar das três filhas, Max (Mikey Madison), Frankie (Hannah Alligood) e Duke (Olivia Edward); e ainda poder se reconectar com sua essência, mesmo com as marcas que a vida foi deixando para ela. Confira o excelente 'first look' (em inglês):
Premiadíssimo, Louis C.K. é a mente criativa por trás de projetos como "Louis" e "Trapaça"; que ao se encontrar com Pamela Adlon (a inesquecível Marcy de "Californication"), nos entrega uma abordagem realista sobre a vida cotidiana, retratando com muita autenticidade os altos e baixos da experiência de ser mãe, explorando os desafios, as alegrias, as frustrações e os sacrifícios envolvidos na criação e na educação dos filhos. A dupla mostra muita competência ao abordar uma variedade de questões relevantes, como relacionamentos, feminismo, envelhecimento e até passagens mais curiosas como o mercado de trabalho para mulheres na indústria do entretenimento - reparem como o texto trata desses temas de forma inteligente e perspicaz, sem perder a mão, equilibrando o tom mais descontraído ao mesmo tempo em que não deixa de lado o drama e os sentimentos mais íntimos dos personagens.
Aliás, o que dizer sobre a performance de Pamela Adlon como Sam Fox? É impossível não citá-la como um dos destaques não só da série, mas do entretenimento como um todo. Sua interpretação é crua, quase documental, sincera ao extremo e muitas vezes hilária - ela já tinha provado sua capacidade com Marcy e agora só ratifica sua qualidade como artista, inclusive sendo indicada ao Emmy 7 vezes. Adlon tem um alcance de interpretação invejável, capaz de trabalhar uma vulnerabilidade e uma autenticidade cativantes, tornando Sam uma personagem mais humana, com falhas palpáveis, na qual a audiência se reconhece, se identifica e, claro, torce!
Outro aspecto que me chamou a atenção em "Better Things" diz respeito à sua representação diversificada de personagens. A série foi capaz de apresentar uma ampla gama de possibilidades ao retratar mulheres complexas, cada uma com suas próprias histórias e desafios, capazes de abordar assuntos difíceis e desconfortáveis, mas sempre de forma genuína e respeitosa. Repare no terceiro episódio da primeira temporada como a mãe de Sam lida com o fato de um homem negro ir jantar em sua casa. Existe uma leveza e uma ironia no texto que são dignas de muitos elogios.
"Better Things" é uma série cativante que retrata com autenticidade a vida e a luta de uma mulher moderna: como mãe e como profissional. Eu diria que essas cinco temporadas (e sim, a série tem um final) são uma experiência das mais envolventes, divertidas, sinceras e reflexivas - que vão deixar muitas saudades.
Vai na fé que vale muito o seu play!
Como em "O Método Kominsky" e mais recentemente em "A Nova Vida de Toby", assistir "Better Things" é como olhar pela janela, reconhecer a vida e, com muito bom humor, enfrentá-la. Existe uma honestidade no texto dessa excelente produção do FX (disponível aqui no Star+) que nos envolve e nos conecta com a protagonista de uma forma muito natural. Enxergar a beleza da maternidade pode soar até usual, mas reconhecer suas dificuldades já exige um pouco mais de coragem, e é nesse ponto que os criadores da série, Pamela Adlon e Louis C.K., dão uma aula de sensibilidade ao entregar uma jornada emocionante, inteligente, dinâmica e muito afinada com a realidade, a partir da perspectiva de quem de fato merece os holofotes: a mulher!
'Better Things', basicamente, conta a história de Sam (Pamela Adlon), uma atriz, mãe e divorciada que cuida de suas três filhas sozinha. Apesar de sua profissão, a vida de Sam não é tão glamorosa quanto se pensa; ela trabalha duro para pagar as contas, cuidar das três filhas, Max (Mikey Madison), Frankie (Hannah Alligood) e Duke (Olivia Edward); e ainda poder se reconectar com sua essência, mesmo com as marcas que a vida foi deixando para ela. Confira o excelente 'first look' (em inglês):
Premiadíssimo, Louis C.K. é a mente criativa por trás de projetos como "Louis" e "Trapaça"; que ao se encontrar com Pamela Adlon (a inesquecível Marcy de "Californication"), nos entrega uma abordagem realista sobre a vida cotidiana, retratando com muita autenticidade os altos e baixos da experiência de ser mãe, explorando os desafios, as alegrias, as frustrações e os sacrifícios envolvidos na criação e na educação dos filhos. A dupla mostra muita competência ao abordar uma variedade de questões relevantes, como relacionamentos, feminismo, envelhecimento e até passagens mais curiosas como o mercado de trabalho para mulheres na indústria do entretenimento - reparem como o texto trata desses temas de forma inteligente e perspicaz, sem perder a mão, equilibrando o tom mais descontraído ao mesmo tempo em que não deixa de lado o drama e os sentimentos mais íntimos dos personagens.
Aliás, o que dizer sobre a performance de Pamela Adlon como Sam Fox? É impossível não citá-la como um dos destaques não só da série, mas do entretenimento como um todo. Sua interpretação é crua, quase documental, sincera ao extremo e muitas vezes hilária - ela já tinha provado sua capacidade com Marcy e agora só ratifica sua qualidade como artista, inclusive sendo indicada ao Emmy 7 vezes. Adlon tem um alcance de interpretação invejável, capaz de trabalhar uma vulnerabilidade e uma autenticidade cativantes, tornando Sam uma personagem mais humana, com falhas palpáveis, na qual a audiência se reconhece, se identifica e, claro, torce!
Outro aspecto que me chamou a atenção em "Better Things" diz respeito à sua representação diversificada de personagens. A série foi capaz de apresentar uma ampla gama de possibilidades ao retratar mulheres complexas, cada uma com suas próprias histórias e desafios, capazes de abordar assuntos difíceis e desconfortáveis, mas sempre de forma genuína e respeitosa. Repare no terceiro episódio da primeira temporada como a mãe de Sam lida com o fato de um homem negro ir jantar em sua casa. Existe uma leveza e uma ironia no texto que são dignas de muitos elogios.
"Better Things" é uma série cativante que retrata com autenticidade a vida e a luta de uma mulher moderna: como mãe e como profissional. Eu diria que essas cinco temporadas (e sim, a série tem um final) são uma experiência das mais envolventes, divertidas, sinceras e reflexivas - que vão deixar muitas saudades.
Vai na fé que vale muito o seu play!
Quando em 2014, assisti o premiado filme austríaco "Goodnight Mommy", dos diretores Severin Fiala e Veronika Franz (de o "Chalé"), eu simplesmente o coloquei entre os melhores suspenses (psicológicos) de todos os tempos.Obviamente que ao sair a notícia de que um remake americano estava sendo produzido apenas 8 anos depois do sucesso do original, me enchi de desconfianças. Pois bem, essa nova versão dirigida pelo Matt Sobel (de "Vingança Sabor Cereja") é tão boa e surpreendente quanto!
Os irmãos gêmeos Elias e Lukas (Cameron e Nicholas Crovetti) vão passar uma temporada na casa de sua mãe (Naomi Watts) quando são surpreendidos pelas bandagens que cobrem seu rosto após um procedimento cirúrgico. Conforme o comportamento dela fica cada vez mais irreconhecível, os gêmeos passam a desconfiar de que ela seja uma impostora, despontando em uma montanha-russa de chantagens emocionais e jogos de manipulação para descobrir a verdade. Porém a verdade está além dessa desconexão com a realidade, servindo apenas de prenúncio para eventos que vão marcar a vida da família para sempre. Confira o trailer:
Quando foi lançado durante o Festival de Veneza de 2014, a versão austríaca de "Boa Noite, Mamãe" chamou muita atenção pela força dramática de uma história relativamente simples, interessante e perturbadora, que conseguia entregar uma série de reviravoltas que realmente faziam muito sentido se olhássemos em retrospectiva - conceito que havia ganhado outras proporções, alguns anos antes, com o inesquecível "Sexto Sentido" de M. "Night " Shyamalan. Pois bem, essa nova versão segue o mesmo conceito narrativo se apropriando da mesma história, mas trocando o ar mais independente e autoral do original, por uma dinâmica mais hollywoodiana de produção - o que, já adianto, funcionou perfeitamente.
O roteiro do estreante Kyle Warren praticamente repete a proposta de Franz e Fialla, inserindo um ou outro toque de horror, mas sempre se apoiando na construção daquele clima angustiante e crescente de paranoia. Ao focar a narrativa na percepção de duas crianças, é natural que a dúvida sobre o que de fato está acontecendo impacte também a audiência. Ao inserir um certo descontrole emocional da "mãe", a tensão já existente na premissa, ganha outros elementos que refletem imediatamente no fator claustrofóbico da "convivência", provocando sensações ainda mais desconfortáveis para quem assiste pela primeira vez o filme (sim, sua experiência com essa versão depende do quanto você conhece sobre a versão original).
Além do talento dos irmãos Crovetti (que já haviam chamado atenção em "Big Little Lies") é preciso que se elogie o trabalho de Watts. Ela é, sem dúvidas, o grande ganho da nova versão - sua capacidade como atriz permite que mesmo com diversos obstáculos que poderiam impedir que seu talento fosse aproveitado, já que a audiência não vê seu rosto em boa parte do filme, ela brilhe (e muito). Watts carrega no olhar uma dramaticidade que não me surpreenderia fosse reconhecida no Oscar - e não é só isso, sua expressão corporal, tom e range de interpretação estão simplesmente incríveis!
‘Boa Noite, Mamãe’ é um tiro certeiro para quem gosta de filmes de suspense que se propõem a surpreender no final. Sua narrativa é extremamente envolvente e construída para ser inquietante - as boas atuações do elenco principal, uma trilha sonora que pontua as intenções do clima sugerido pelo diretor e, lógico, as claras referências de "A Pele Que Habito" combinadas com a segurança de um roteiro que já foi testado e que funcionou bem, só ratificam a ideia da Amazon de trazer para o mainstream uma obra que até pouco tempo estava limitada ao cinema de nicho. Ponto para a era do streaming, ponto para quem apostou nesse remake!
Vale muitíssimo o seu play!
Quando em 2014, assisti o premiado filme austríaco "Goodnight Mommy", dos diretores Severin Fiala e Veronika Franz (de o "Chalé"), eu simplesmente o coloquei entre os melhores suspenses (psicológicos) de todos os tempos.Obviamente que ao sair a notícia de que um remake americano estava sendo produzido apenas 8 anos depois do sucesso do original, me enchi de desconfianças. Pois bem, essa nova versão dirigida pelo Matt Sobel (de "Vingança Sabor Cereja") é tão boa e surpreendente quanto!
Os irmãos gêmeos Elias e Lukas (Cameron e Nicholas Crovetti) vão passar uma temporada na casa de sua mãe (Naomi Watts) quando são surpreendidos pelas bandagens que cobrem seu rosto após um procedimento cirúrgico. Conforme o comportamento dela fica cada vez mais irreconhecível, os gêmeos passam a desconfiar de que ela seja uma impostora, despontando em uma montanha-russa de chantagens emocionais e jogos de manipulação para descobrir a verdade. Porém a verdade está além dessa desconexão com a realidade, servindo apenas de prenúncio para eventos que vão marcar a vida da família para sempre. Confira o trailer:
Quando foi lançado durante o Festival de Veneza de 2014, a versão austríaca de "Boa Noite, Mamãe" chamou muita atenção pela força dramática de uma história relativamente simples, interessante e perturbadora, que conseguia entregar uma série de reviravoltas que realmente faziam muito sentido se olhássemos em retrospectiva - conceito que havia ganhado outras proporções, alguns anos antes, com o inesquecível "Sexto Sentido" de M. "Night " Shyamalan. Pois bem, essa nova versão segue o mesmo conceito narrativo se apropriando da mesma história, mas trocando o ar mais independente e autoral do original, por uma dinâmica mais hollywoodiana de produção - o que, já adianto, funcionou perfeitamente.
O roteiro do estreante Kyle Warren praticamente repete a proposta de Franz e Fialla, inserindo um ou outro toque de horror, mas sempre se apoiando na construção daquele clima angustiante e crescente de paranoia. Ao focar a narrativa na percepção de duas crianças, é natural que a dúvida sobre o que de fato está acontecendo impacte também a audiência. Ao inserir um certo descontrole emocional da "mãe", a tensão já existente na premissa, ganha outros elementos que refletem imediatamente no fator claustrofóbico da "convivência", provocando sensações ainda mais desconfortáveis para quem assiste pela primeira vez o filme (sim, sua experiência com essa versão depende do quanto você conhece sobre a versão original).
Além do talento dos irmãos Crovetti (que já haviam chamado atenção em "Big Little Lies") é preciso que se elogie o trabalho de Watts. Ela é, sem dúvidas, o grande ganho da nova versão - sua capacidade como atriz permite que mesmo com diversos obstáculos que poderiam impedir que seu talento fosse aproveitado, já que a audiência não vê seu rosto em boa parte do filme, ela brilhe (e muito). Watts carrega no olhar uma dramaticidade que não me surpreenderia fosse reconhecida no Oscar - e não é só isso, sua expressão corporal, tom e range de interpretação estão simplesmente incríveis!
‘Boa Noite, Mamãe’ é um tiro certeiro para quem gosta de filmes de suspense que se propõem a surpreender no final. Sua narrativa é extremamente envolvente e construída para ser inquietante - as boas atuações do elenco principal, uma trilha sonora que pontua as intenções do clima sugerido pelo diretor e, lógico, as claras referências de "A Pele Que Habito" combinadas com a segurança de um roteiro que já foi testado e que funcionou bem, só ratificam a ideia da Amazon de trazer para o mainstream uma obra que até pouco tempo estava limitada ao cinema de nicho. Ponto para a era do streaming, ponto para quem apostou nesse remake!
Vale muitíssimo o seu play!
Se você está procurando um filme leve que vai melhorar o seu astral, daqueles que você assiste com um leve sorriso no rosto e que, de fato, te toca a alma; "Campeões" é a escolha certa. Versão americana do filme espanhol vencedor do prêmio Goya em 2019, "Campeões" é realmente um filme imperdível, que conquista corações e desafia o preconceito de uma forma muito sensível e bem humorada. Ao abordar as dificuldades impregnadas na sociedade quando o assunto é a inclusão de pessoas com deficiência, o diretor Bobby Farrelly (de "Quem Vai Ficar com Mary?") acaba encontrando o exato equilíbrio entre o drama e a comédia de uma maneira muito realista, emocionante e totalmente humana. Mesmo que soe se apoiar em alguns clichês, algo que a versão original não tem, Farrelly mostra que é possível entregar uma mensagem dura e direta sem precisar impactar visualmente a audiência. Tenha certeza que estamos diante de um filme delicioso de assistir!
Aqui Woody Harrelson protagoniza uma hilária e comovente história sobre um ex-técnico de basquete da liga secundária americana, chamado Marcus, que, após uma série de vacilos, é ordenado pelo tribunal a gerenciar de forma voluntária um time de jovens jogadores com algum tipo de deficiência intelectual. Ao perceber que, apesar de suas dúvidas e dificuldades, ele e o time podem ir muito mais longe do que todos jamais imaginaram, se inicia uma linda jornada de superação e auto-conhecimento. Confira o trailer:
Antes de mais nada, saiba que esse filme não é sobre basquete - "Campeões" é sobre pessoas! Baseado no brilhante roteiro de Javier Fesser e David Marqués, esse inteligente e bem estruturado filme sabe muito bem como alternar momentos de humor (daqueles que o texto só amplifica o poder da situação) com cenas de profunda emoção ao som de uma trilha sonora belíssima e muito bem trabalhada para nos provocar sensações bastante particulares. Farrelly demonstra sensibilidade e competência ao conduzir a história, criando uma atmosfera acolhedora e inspiradora de fácil conexão. Eu diria que é impossível não se apaixonar pelo time dos "Friends" e por sua jornada!
Não é preciso mais do que duas cenas para entender como "Campeões" se destaca pela performance impecável do elenco. Harrelson, mais uma vez, parece se divertir em cena, entregando um personagem complexo e em constante transformação - sem nunca pesar na mão. Já o time de atores com deficiência, como Kevin Iannucci e James Day Keith, brilham em seus papeis, mostrando um talento impressionante e um carisma que olha, vai deixar muita gente de queixo caído. Reparem como a química entre os membros do time é tão contagiante que temos a exata sensação de que aquela história é mais do que uma ficção - essa relação que o diretor conseguiu construir, contribui demais para a veracidade da história. A fotografia do indicado ao Emmy por por "Still - Ainda Sou Michael J. Fox", C. Kim Miles, é vibrante e imersiva - o que ratifica a leveza da trama ao mesmo tempo em que documenta a realidade de cada personagem.
A grande verdade, aliás, é que "Champions" (no original) além de impecável tecnicamente, tem todos os elementos artísticos que chancelam o filme como "imperdível". Para todos que acreditam no poder transformador da inclusão, temos uma história simples e envolvente que vai te fazer rir, chorar e, principalmente, te fazer refletir sobre a importância da empatia e do respeito perante as diferenças. Olha, na linha de "Extraordinário" (mas com um certo "upgrade" narrativo), o filme é mesmo um verdadeiro triunfo que nos convida a celebrar a beleza real da diversidade na prática!
Golaço, ou melhor "cestaça"!
Se você está procurando um filme leve que vai melhorar o seu astral, daqueles que você assiste com um leve sorriso no rosto e que, de fato, te toca a alma; "Campeões" é a escolha certa. Versão americana do filme espanhol vencedor do prêmio Goya em 2019, "Campeões" é realmente um filme imperdível, que conquista corações e desafia o preconceito de uma forma muito sensível e bem humorada. Ao abordar as dificuldades impregnadas na sociedade quando o assunto é a inclusão de pessoas com deficiência, o diretor Bobby Farrelly (de "Quem Vai Ficar com Mary?") acaba encontrando o exato equilíbrio entre o drama e a comédia de uma maneira muito realista, emocionante e totalmente humana. Mesmo que soe se apoiar em alguns clichês, algo que a versão original não tem, Farrelly mostra que é possível entregar uma mensagem dura e direta sem precisar impactar visualmente a audiência. Tenha certeza que estamos diante de um filme delicioso de assistir!
Aqui Woody Harrelson protagoniza uma hilária e comovente história sobre um ex-técnico de basquete da liga secundária americana, chamado Marcus, que, após uma série de vacilos, é ordenado pelo tribunal a gerenciar de forma voluntária um time de jovens jogadores com algum tipo de deficiência intelectual. Ao perceber que, apesar de suas dúvidas e dificuldades, ele e o time podem ir muito mais longe do que todos jamais imaginaram, se inicia uma linda jornada de superação e auto-conhecimento. Confira o trailer:
Antes de mais nada, saiba que esse filme não é sobre basquete - "Campeões" é sobre pessoas! Baseado no brilhante roteiro de Javier Fesser e David Marqués, esse inteligente e bem estruturado filme sabe muito bem como alternar momentos de humor (daqueles que o texto só amplifica o poder da situação) com cenas de profunda emoção ao som de uma trilha sonora belíssima e muito bem trabalhada para nos provocar sensações bastante particulares. Farrelly demonstra sensibilidade e competência ao conduzir a história, criando uma atmosfera acolhedora e inspiradora de fácil conexão. Eu diria que é impossível não se apaixonar pelo time dos "Friends" e por sua jornada!
Não é preciso mais do que duas cenas para entender como "Campeões" se destaca pela performance impecável do elenco. Harrelson, mais uma vez, parece se divertir em cena, entregando um personagem complexo e em constante transformação - sem nunca pesar na mão. Já o time de atores com deficiência, como Kevin Iannucci e James Day Keith, brilham em seus papeis, mostrando um talento impressionante e um carisma que olha, vai deixar muita gente de queixo caído. Reparem como a química entre os membros do time é tão contagiante que temos a exata sensação de que aquela história é mais do que uma ficção - essa relação que o diretor conseguiu construir, contribui demais para a veracidade da história. A fotografia do indicado ao Emmy por por "Still - Ainda Sou Michael J. Fox", C. Kim Miles, é vibrante e imersiva - o que ratifica a leveza da trama ao mesmo tempo em que documenta a realidade de cada personagem.
A grande verdade, aliás, é que "Champions" (no original) além de impecável tecnicamente, tem todos os elementos artísticos que chancelam o filme como "imperdível". Para todos que acreditam no poder transformador da inclusão, temos uma história simples e envolvente que vai te fazer rir, chorar e, principalmente, te fazer refletir sobre a importância da empatia e do respeito perante as diferenças. Olha, na linha de "Extraordinário" (mas com um certo "upgrade" narrativo), o filme é mesmo um verdadeiro triunfo que nos convida a celebrar a beleza real da diversidade na prática!
Golaço, ou melhor "cestaça"!
As pessoas são essencialmente egoístas quando uma atitude (impensada ou não) pode imediatamente se reverter em algo muito prejudicial para elas mesmas - é quase um súbito de auto-preservação. Isso pode parecer banal ou até mesmo generalista demais, afinal o caráter não se põe a prova, certo? Errado! "Capital Humano", produção italiana de 2013, provoca justamente essa reflexão sobre a desvalorização da condição humana, partindo de eventos simples (mesmo que com reflexos sérios), com pessoas diferentes e em momentos de vida distantes, mas que, de alguma maneira, querem algo em comum, com o poder da escolha e a chance de mudar uma vida - que não necessariamente é a própria.
Dividido em quatros atos, cada um mostrando o ponto de vista de um personagem-chave (mais um epílogo), "Capital Humano" acompanha o destino de três famílias de classes sociais completamente diferentes (Ossola, Bernaschi e Ambrosini), que estão irrevogavelmente conectadas depois que um ciclista é acidentalmente atropelado enquanto voltava para casa depois de uma longa noite de trabalho. Confira o trailer:
O filme se baseia no livro homônimo do crítico de cinema Stephen Amidon para fazer um retrato de uma Itália decadente em que a ganância e o egoísmo fazem com que as pessoas não meçam suas atitudes, mesmo quando existe um outro ser humano no centro da equação. Dirigido pelo premiado diretor italiano Paolo Virzì, "Capital Humano" tem uma narrativa extremamente dinâmica e envolvente, onde, com o passar dos atos, juntamos todas as peças até entendermos o que de fato aconteceu naquela noite - esse conceito narrativo, muito utilizado por roteiristas mexicanos e argentinos do circuito mais independente, traz uma certa elegância para a história e, nesse caso, um tom de mistério muito bem desenvolvido na trama por personagens cheios de camadas (e que são absolutamente surpreendentes).
Ligue os pontos: Primeiro Dino Ossola (Fabrizio Bentivoglio), um pacato corretor de imóveis, quer ganhar um dinheiro que nunca viu na vida, pedindo um empréstimo no banco apenas para aplicar na empresa de Giovanni Bernaschi (Fabrizio Gifuni), um bem sucedido empresário e pai do namorado da sua filha. Depois temos Carla (Valeria Bruni Tedeschi), mulher de Giovanni, que busca encontrar um ressignificado para sua vida e assim recuperar uma paixão antiga pelas artes a partir de tudo que o marido conquistou ao seu lado. E por fim, Serena (Matilde Gioli), filha de Dino, que conhece Luca (Giovanni Anzaldo), um rapaz recém saído do reformatório após ser detido com drogas e paciente de sua madrasta, a psicóloga Roberta (Valeria Golino), por quem se apaixona mesmo tendo o namorado "ideal", Massimiliano (Guglielmo Pinelli).
Com essa espécie de mosaico de personagens e situações, Virzì vai costurando um drama com um leve tom de ironia e acaba entregando um filme muito mais profundo do que parece - bem ao estilo "Parasita" no conteúdo e "Amores Perros" na forma. Sua habilidade como diretor transforma a performance desse elenco incrível em um conjunto caricato (aqui no bom sentido) de sensações e sentimentos que retratam toda a podridão da humanidade a partir de gestos "inofensivos", mas que impactam diretamente no próximo, sem a menor preocupação com a empatia.
Só por isso o filme já valeria a pena, mas antecipo que "Capital Humano" foi uma das produções mais premiadas no circuito de festivais independentes entre 2013 e 2014, ganhando 7 prêmios no Oscar Italiano (das 18 indicações), inclusive, o de "Melhor Filme do Ano".
Pode dar play sem medo!
Em tempo, "Capital Humano" ganhou uma versão americana com a direção de Marc Meyers e tendo no elenco Marisa Tomei e Liev Schreiber.
As pessoas são essencialmente egoístas quando uma atitude (impensada ou não) pode imediatamente se reverter em algo muito prejudicial para elas mesmas - é quase um súbito de auto-preservação. Isso pode parecer banal ou até mesmo generalista demais, afinal o caráter não se põe a prova, certo? Errado! "Capital Humano", produção italiana de 2013, provoca justamente essa reflexão sobre a desvalorização da condição humana, partindo de eventos simples (mesmo que com reflexos sérios), com pessoas diferentes e em momentos de vida distantes, mas que, de alguma maneira, querem algo em comum, com o poder da escolha e a chance de mudar uma vida - que não necessariamente é a própria.
Dividido em quatros atos, cada um mostrando o ponto de vista de um personagem-chave (mais um epílogo), "Capital Humano" acompanha o destino de três famílias de classes sociais completamente diferentes (Ossola, Bernaschi e Ambrosini), que estão irrevogavelmente conectadas depois que um ciclista é acidentalmente atropelado enquanto voltava para casa depois de uma longa noite de trabalho. Confira o trailer:
O filme se baseia no livro homônimo do crítico de cinema Stephen Amidon para fazer um retrato de uma Itália decadente em que a ganância e o egoísmo fazem com que as pessoas não meçam suas atitudes, mesmo quando existe um outro ser humano no centro da equação. Dirigido pelo premiado diretor italiano Paolo Virzì, "Capital Humano" tem uma narrativa extremamente dinâmica e envolvente, onde, com o passar dos atos, juntamos todas as peças até entendermos o que de fato aconteceu naquela noite - esse conceito narrativo, muito utilizado por roteiristas mexicanos e argentinos do circuito mais independente, traz uma certa elegância para a história e, nesse caso, um tom de mistério muito bem desenvolvido na trama por personagens cheios de camadas (e que são absolutamente surpreendentes).
Ligue os pontos: Primeiro Dino Ossola (Fabrizio Bentivoglio), um pacato corretor de imóveis, quer ganhar um dinheiro que nunca viu na vida, pedindo um empréstimo no banco apenas para aplicar na empresa de Giovanni Bernaschi (Fabrizio Gifuni), um bem sucedido empresário e pai do namorado da sua filha. Depois temos Carla (Valeria Bruni Tedeschi), mulher de Giovanni, que busca encontrar um ressignificado para sua vida e assim recuperar uma paixão antiga pelas artes a partir de tudo que o marido conquistou ao seu lado. E por fim, Serena (Matilde Gioli), filha de Dino, que conhece Luca (Giovanni Anzaldo), um rapaz recém saído do reformatório após ser detido com drogas e paciente de sua madrasta, a psicóloga Roberta (Valeria Golino), por quem se apaixona mesmo tendo o namorado "ideal", Massimiliano (Guglielmo Pinelli).
Com essa espécie de mosaico de personagens e situações, Virzì vai costurando um drama com um leve tom de ironia e acaba entregando um filme muito mais profundo do que parece - bem ao estilo "Parasita" no conteúdo e "Amores Perros" na forma. Sua habilidade como diretor transforma a performance desse elenco incrível em um conjunto caricato (aqui no bom sentido) de sensações e sentimentos que retratam toda a podridão da humanidade a partir de gestos "inofensivos", mas que impactam diretamente no próximo, sem a menor preocupação com a empatia.
Só por isso o filme já valeria a pena, mas antecipo que "Capital Humano" foi uma das produções mais premiadas no circuito de festivais independentes entre 2013 e 2014, ganhando 7 prêmios no Oscar Italiano (das 18 indicações), inclusive, o de "Melhor Filme do Ano".
Pode dar play sem medo!
Em tempo, "Capital Humano" ganhou uma versão americana com a direção de Marc Meyers e tendo no elenco Marisa Tomei e Liev Schreiber.
Existem duas formas de enxergar "Capitão Fantástico": a primeira com um viés político-social e o segundo a partir da profunda relação familiar estabelecida pelo protagonista e seus filhos. De todo modo, é possível refletir seja qual for o caminho que a audiência escolher - mas é inegável que a alma do roteiro está na jornada de descoberta dos personagens como "família"! Então, antes de mais nada, um conselho: não se apegue ao discurso negacionista sobre os valores do liberalismo econômico em detrimento de uma vida livre e igualitária - o filme é bem melhor que isso, mesmo que certas escolhas sejam interessantes do ponto de vista de conflito (mas a linha crítica é tênue, muito tênue).
Em meio à floresta do Noroeste Pacífico, isolado da sociedade, um devoto pai, Ben (Viggo Mortensen), dedica sua vida a transformar seus seis jovens filhos em adultos extraordinários. Mas, quando uma tragédia atinge a família, eles são forçados a deixar seu paraíso e iniciar uma jornada pelo mundo exterior – um mundo que desafia a ideia do que realmente é ser pai, traz à tona tudo o que ele ensinou e queagora talvez não seja o ideal para seus filhos enfrentarem o que vem pela frente. Confira o trailer:
Um homem que cria seus filhos em uma casa simples no meio da mata, onde ensina desde sobrevivência na selva até o mais erudito da literatura e da música, sempre baseado nos princípios de sociedade ideal de Noam Chomsky, precisa, no mínimo, ser estudado. Porém o roteiro do também diretor e ator Matt Ross (sim ele é o Gavin Belson de "Silicon Valley") vai além: ele se propõe a dissecar várias camadas sociais e artísticas diferentes e que certamente vão provocar inúmeras discussões - e é ai que o filme insere um elemento primordial para nossa conexão que é o valor de tudo isso no crescimento dos nossos filhos e como o mundo vai recebe-los quando eles resolverem voar com as próprias asas. Pela voz do protagonista, vamos ouvir críticas sobre o patético (para alguns) e auto-destrutivo estilo de vida americano baseado no consumo e na ostentação, mas também ótimas reflexões sobre o robotizado (e falido há muito tempo) método de ensino que incentiva os alunos a decorarem a matéria para passar de ano e não para explorarem sua criatividade e capacidade analítica.
Muita coisa fará sentido no discurso de Ben, mas será no embate (quase sempre muito pacífico) com quem não concorda com ele, que "Capitão Fantástico" ganha força como obra dramática - as cenas entre Ben e sua irmã Harper (Kathryn Hahn) são sensacionais. Embora o filme enfoque um mood de road movie tradicional, onde a jornada é mais importante que o objetivo final, é no processo de amadurecimento dos personagens que nos conectamos emocionalmente com a história. São passagens muito emocionantes, com Mortensen mais uma vez dando um show (tanto que ele foi indicado ao Oscar por essa performance). Outro destaque do elenco, GeorgeMacKay como o jovem e inocente Bodevan funciona como um ótimo alívio cômico - a cena dele depois de beijar uma garota pela primeira vez é impagável.
Matt Ross é eficiente em equilibrar um texto provocador com imagens que misturam planos fechados dos atores em momentos extremamente introspectivos com planos abertos de tirar o fôlego, priorizando a natureza e a sensação de liberdade dos personagens - é de fato mais um lindo e competente trabalho da fotógrafa Stéphane Fontaine ("Ferrugem e Osso" e "Jackie"). Dito isso, "Capitão Fantástico" vai te provocar interessantes reflexões, alguns julgamentos e até alguma repulsa (principalmente na primeira sequência do filme), mas tenha em mente que depois desse impacto a narrativa vai por uma trilha mais leve, de resignação e que, mesmo com todas as críticas, culmina em uma interessante e previsível catarse que faz valer o seu play!
Existem duas formas de enxergar "Capitão Fantástico": a primeira com um viés político-social e o segundo a partir da profunda relação familiar estabelecida pelo protagonista e seus filhos. De todo modo, é possível refletir seja qual for o caminho que a audiência escolher - mas é inegável que a alma do roteiro está na jornada de descoberta dos personagens como "família"! Então, antes de mais nada, um conselho: não se apegue ao discurso negacionista sobre os valores do liberalismo econômico em detrimento de uma vida livre e igualitária - o filme é bem melhor que isso, mesmo que certas escolhas sejam interessantes do ponto de vista de conflito (mas a linha crítica é tênue, muito tênue).
Em meio à floresta do Noroeste Pacífico, isolado da sociedade, um devoto pai, Ben (Viggo Mortensen), dedica sua vida a transformar seus seis jovens filhos em adultos extraordinários. Mas, quando uma tragédia atinge a família, eles são forçados a deixar seu paraíso e iniciar uma jornada pelo mundo exterior – um mundo que desafia a ideia do que realmente é ser pai, traz à tona tudo o que ele ensinou e queagora talvez não seja o ideal para seus filhos enfrentarem o que vem pela frente. Confira o trailer:
Um homem que cria seus filhos em uma casa simples no meio da mata, onde ensina desde sobrevivência na selva até o mais erudito da literatura e da música, sempre baseado nos princípios de sociedade ideal de Noam Chomsky, precisa, no mínimo, ser estudado. Porém o roteiro do também diretor e ator Matt Ross (sim ele é o Gavin Belson de "Silicon Valley") vai além: ele se propõe a dissecar várias camadas sociais e artísticas diferentes e que certamente vão provocar inúmeras discussões - e é ai que o filme insere um elemento primordial para nossa conexão que é o valor de tudo isso no crescimento dos nossos filhos e como o mundo vai recebe-los quando eles resolverem voar com as próprias asas. Pela voz do protagonista, vamos ouvir críticas sobre o patético (para alguns) e auto-destrutivo estilo de vida americano baseado no consumo e na ostentação, mas também ótimas reflexões sobre o robotizado (e falido há muito tempo) método de ensino que incentiva os alunos a decorarem a matéria para passar de ano e não para explorarem sua criatividade e capacidade analítica.
Muita coisa fará sentido no discurso de Ben, mas será no embate (quase sempre muito pacífico) com quem não concorda com ele, que "Capitão Fantástico" ganha força como obra dramática - as cenas entre Ben e sua irmã Harper (Kathryn Hahn) são sensacionais. Embora o filme enfoque um mood de road movie tradicional, onde a jornada é mais importante que o objetivo final, é no processo de amadurecimento dos personagens que nos conectamos emocionalmente com a história. São passagens muito emocionantes, com Mortensen mais uma vez dando um show (tanto que ele foi indicado ao Oscar por essa performance). Outro destaque do elenco, GeorgeMacKay como o jovem e inocente Bodevan funciona como um ótimo alívio cômico - a cena dele depois de beijar uma garota pela primeira vez é impagável.
Matt Ross é eficiente em equilibrar um texto provocador com imagens que misturam planos fechados dos atores em momentos extremamente introspectivos com planos abertos de tirar o fôlego, priorizando a natureza e a sensação de liberdade dos personagens - é de fato mais um lindo e competente trabalho da fotógrafa Stéphane Fontaine ("Ferrugem e Osso" e "Jackie"). Dito isso, "Capitão Fantástico" vai te provocar interessantes reflexões, alguns julgamentos e até alguma repulsa (principalmente na primeira sequência do filme), mas tenha em mente que depois desse impacto a narrativa vai por uma trilha mais leve, de resignação e que, mesmo com todas as críticas, culmina em uma interessante e previsível catarse que faz valer o seu play!