"Nomadland" é um filme sobre a solidão - então saiba que aquele aperto no peito quase insuportável vai te acompanhar por quase duas horas!
Ok, mas existe beleza na solidão? A diretora Chloé Zhao, ao lado do jovem fotógrafo Joshua James Richards, tenta mostrar que sim - mesmo apoiada em um drama extremamente denso e introspectivo que além de nos provocar inúmeras reflexões sobre as nossas escolhas ao longo da vida, ainda nos conduz para discussões pertinentes sobre o luto, sobre a saudade e, principalmente, sobre a fragilidade dos relacionamentos (seja entre casais ou com a família) em uma sociedade americana extremamente capitalista que nos inunda de expectativas.
Após o colapso econômico de uma cidade na zona rural de Nevada, nos Estados Unidos, em 2011, Fern (Frances McDormand), uma mulher de 60 anos, entra em sua van e parte para a estrada, vivendo uma vida fora da sociedade convencional como uma nômade moderna. Confira o trailer:
A experiência de assistir "Nomadland" é incrivelmente sensorial. A capacidade de Zhao em construir uma narrativa tão profunda, se aproveitando do silêncio, da natureza e da incrível performance de Frances McDormand para conectar visualmente as dores da personagem em passagens muito bem pontuadas com uma trilha sonora maravilhosa, olha, é de tirar o chapéu! Veja, não se trata um filme sobre uma jornada de auto-conhecimento ou superação, se trata de um recorte bastante realista sobre o dia a dia de uma pessoa que "escolheu" estar/ficar sozinha, uma pessoa que perdeu a vontade de se relacionar intimamente e que, para mim, abriu mão da felicidade.
O roteiro da própria Zhao, baseado no livro "Nomadland: Sobrevivendo aos Estados Unidos no século XXI" da autora Jessica Bruder, traz muito do que experienciamos em "Na Natureza Selvagem" (2007) com o mérito de adicionar uma certa dualidade para a discussão. A montagem, também de Zhao (sim, ela fez quase tudo pelo filme e por isso seu Oscar é muito mais do que merecido) sugere uma quebra de linearidade tão orgânica que estabelecer tempo e espaço fica praticamente impossível. O interessante que esse conceito de "simplesmente ver o tempo passar" é justamente o gatilho para refletirmos sobre as escolhas da personagem - o que seria melhor: viver livre e viver mal, entre o trabalho braçal e o ócio criativo, entre o tédio da rotina e o maravilhamento com a natureza, ou simplesmente seguir a cartilha que a sociedade nos impõe mesmo que isso nos sufoque? - o comentário sobre o "barco no quintal" é cirúrgico para fomentar essa discussão. Reparem.
"Nomadland" é duro, difícil e pode parecer muito cadenciado para a maior parte da audiência - mas é viceral! Sua narrativa foi arriscada, com um toque autoral e independente que normalmente gera alguma repulsa no circuito comercial - mas não foi o caso aqui já que o filme custou certa de 5 milhões de dólares e faturou próximo de 8 vezes esse valor. Felizmente, o "singelo" que vemos na tela é tão profundo que nos toca a alma - a sensibilidade de Zhao em nenhum momento ignora a frieza da realidade, mas ao mesmo tempo também se esforça para nos mostrar a magia da escolha de Fern e, de alguma forma, cumpre muito bem esse papel.
Vale muito o seu play.
Up-date: "Nomadland" ganhou em três categorias no Oscar 2021 das seis indicações que recebeu, inclusive como Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Atriz! Aliás, o filme de Zhao ganhou mais de 250 prêmios e recebeu mais de 150 indicações nos mais renomados festivais do mundo.
"Nomadland" é um filme sobre a solidão - então saiba que aquele aperto no peito quase insuportável vai te acompanhar por quase duas horas!
Ok, mas existe beleza na solidão? A diretora Chloé Zhao, ao lado do jovem fotógrafo Joshua James Richards, tenta mostrar que sim - mesmo apoiada em um drama extremamente denso e introspectivo que além de nos provocar inúmeras reflexões sobre as nossas escolhas ao longo da vida, ainda nos conduz para discussões pertinentes sobre o luto, sobre a saudade e, principalmente, sobre a fragilidade dos relacionamentos (seja entre casais ou com a família) em uma sociedade americana extremamente capitalista que nos inunda de expectativas.
Após o colapso econômico de uma cidade na zona rural de Nevada, nos Estados Unidos, em 2011, Fern (Frances McDormand), uma mulher de 60 anos, entra em sua van e parte para a estrada, vivendo uma vida fora da sociedade convencional como uma nômade moderna. Confira o trailer:
A experiência de assistir "Nomadland" é incrivelmente sensorial. A capacidade de Zhao em construir uma narrativa tão profunda, se aproveitando do silêncio, da natureza e da incrível performance de Frances McDormand para conectar visualmente as dores da personagem em passagens muito bem pontuadas com uma trilha sonora maravilhosa, olha, é de tirar o chapéu! Veja, não se trata um filme sobre uma jornada de auto-conhecimento ou superação, se trata de um recorte bastante realista sobre o dia a dia de uma pessoa que "escolheu" estar/ficar sozinha, uma pessoa que perdeu a vontade de se relacionar intimamente e que, para mim, abriu mão da felicidade.
O roteiro da própria Zhao, baseado no livro "Nomadland: Sobrevivendo aos Estados Unidos no século XXI" da autora Jessica Bruder, traz muito do que experienciamos em "Na Natureza Selvagem" (2007) com o mérito de adicionar uma certa dualidade para a discussão. A montagem, também de Zhao (sim, ela fez quase tudo pelo filme e por isso seu Oscar é muito mais do que merecido) sugere uma quebra de linearidade tão orgânica que estabelecer tempo e espaço fica praticamente impossível. O interessante que esse conceito de "simplesmente ver o tempo passar" é justamente o gatilho para refletirmos sobre as escolhas da personagem - o que seria melhor: viver livre e viver mal, entre o trabalho braçal e o ócio criativo, entre o tédio da rotina e o maravilhamento com a natureza, ou simplesmente seguir a cartilha que a sociedade nos impõe mesmo que isso nos sufoque? - o comentário sobre o "barco no quintal" é cirúrgico para fomentar essa discussão. Reparem.
"Nomadland" é duro, difícil e pode parecer muito cadenciado para a maior parte da audiência - mas é viceral! Sua narrativa foi arriscada, com um toque autoral e independente que normalmente gera alguma repulsa no circuito comercial - mas não foi o caso aqui já que o filme custou certa de 5 milhões de dólares e faturou próximo de 8 vezes esse valor. Felizmente, o "singelo" que vemos na tela é tão profundo que nos toca a alma - a sensibilidade de Zhao em nenhum momento ignora a frieza da realidade, mas ao mesmo tempo também se esforça para nos mostrar a magia da escolha de Fern e, de alguma forma, cumpre muito bem esse papel.
Vale muito o seu play.
Up-date: "Nomadland" ganhou em três categorias no Oscar 2021 das seis indicações que recebeu, inclusive como Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Atriz! Aliás, o filme de Zhao ganhou mais de 250 prêmios e recebeu mais de 150 indicações nos mais renomados festivais do mundo.
"Nós somos a Onda" se apoia apenas na idéia do experimento real que aconteceu em 1967 nos EUA e que, posteriormente, foi documentado no livro a “A Onda”, de Todd Strasser, e que gerou ótimas adaptações, em 1981 (para TV) e em 2008 (para o cinema). A série é uma mistura de "The Bling Ring" com "A Casa de Papel" - mas mesmo assim é preciso dizer que essa produção alemã é, sem dúvida, a melhor série feita para o público adolescente que a Netflix lançou recentemente. Para os mais exigentes, fica claro desde o início que será preciso uma boa dose de suspensão da realidade para embarcar na história, mas como entretenimento os episódios fluem muito bem e divertem.
"Nós somos a Onda" acompanha um grupo de adolescentes de uma pequena cidade alemã que criam uma espécie de movimento ativista onde o principal inimigo não é necessariamente o extremismo político ou ideológico, mas sim uma vertente do capitalismo inconsequente, opressor e, muitas vezes, até segregador... Funciona, porque existe uma linha muito clara de desenvolvimento de personagens que, de alguma forma, lida (ou lidou) com tal problema e a própria maneira como a narrativa vai apresentando "caso a caso" fica muito alinhada à forte personalidade visual da série - inclusive, essa é uma característica do cinema alemão (bem na linha de "Dark") que coloca "Nós somos a Onda" em um patamar diferente do que estamos costumados a encontrar nas recentes produções americanas para o mesmo público. Olha, como entretenimento despretensioso, vale o play.
Quando Tristan Broch (Ludwig Simon) chega a escola; Zazie (Michelle Barthel), Hagen (Daniel Friedl) e Rahim Hadad (Mohamed Issa) percebem que agora existe alguém onde eles podem se apoiar. Os três sofrem bullying diariamente por motivos distintos, mas Tristan tenta ajuda-los a lidar com esse problema, criando assim uma forte relação entre eles. Isso chama atenção de Lea Herst (Luise Befort), a garota bem nascida e popular, que resolve se aproximar do grupo rebelde quando percebe que as coisas não deveriam ser da maneira como sempre foram apresentadas para ela - é perceptível esse choque de realidades e Luise Befort não decepciona no trabalho de atriz! Grupo estabelecido, não por acaso denominado "A Onda", eles começam a atuar como uma forma de resistência contra o capitalismo que sempre ditou o rumo desses personagens - e aqui começa a surgir o diferencial da série: "Nós somos a Onda" trás uma reflexão social relevante, mas que evita cravar uma bandeira irresponsável quando, com o passar dos episódios, desmistifica o espírito aventureiro e inconsequente dos adolescentes, mostrando que para cada ação existe uma consequência real e que manter o controle sobre uma multidão de pessoas tão diferentes, é quase impossível (e como isso enfraquece uma causa legítima). Veja o trailer:
Como no filme, será natural que muitos se aproximem do discurso polarizado que vivemos no mundo de hoje; mas não acredito que isso interfira na experiência de quem se propõe a ter alguns minutos de entretenimento e diversão. O próprio roteiro suaviza as discussões reais e nos leva para ficção de uma forma bem natural - isso poderia ser um problema, mas no caso, acaba funcionando como um alivio já que fica claro se tratar de algo distante da nossa realidade - como em "A Casa de Papel" por exemplo. Aliás, o roteiro perde uma grande chance de elevar sua proposta no quinto e no sexto episódios - ele flerta com o surpreendente, mas recua em nome do romantismo barato. Uma pena! Fora isso, a produção está impecável: as locações e a trilha sonora criam um universo interessante, fortalecendo aquele ar de rebeldia da juventude alemã dos anos 80/90 apoiado em uma fotografia belíssima do Jan-Marcello Kahl com movimentos de câmera que criam agilidade, ação e envolvimento com os episódios, além dos lindos planos abertos de tirar o fôlego. A direção é dividida entre a romena Anca Miruna Lazarescu e o alemão Mark Monheim (premiado diretor com o ótimo "About the Girl" de 2014). Ah, o elenco adolescente é realmente muito bom, acima da média.
"Nós somos a Onda" talvez não tenha a profundidade de "Areia Movediça", mas é uma série interessante e merece uma chance. São 6 episódios de 50 minutos em média - daquelas ótimas para matar no final de semana chuvoso!!! Vale a pena!
"Nós somos a Onda" se apoia apenas na idéia do experimento real que aconteceu em 1967 nos EUA e que, posteriormente, foi documentado no livro a “A Onda”, de Todd Strasser, e que gerou ótimas adaptações, em 1981 (para TV) e em 2008 (para o cinema). A série é uma mistura de "The Bling Ring" com "A Casa de Papel" - mas mesmo assim é preciso dizer que essa produção alemã é, sem dúvida, a melhor série feita para o público adolescente que a Netflix lançou recentemente. Para os mais exigentes, fica claro desde o início que será preciso uma boa dose de suspensão da realidade para embarcar na história, mas como entretenimento os episódios fluem muito bem e divertem.
"Nós somos a Onda" acompanha um grupo de adolescentes de uma pequena cidade alemã que criam uma espécie de movimento ativista onde o principal inimigo não é necessariamente o extremismo político ou ideológico, mas sim uma vertente do capitalismo inconsequente, opressor e, muitas vezes, até segregador... Funciona, porque existe uma linha muito clara de desenvolvimento de personagens que, de alguma forma, lida (ou lidou) com tal problema e a própria maneira como a narrativa vai apresentando "caso a caso" fica muito alinhada à forte personalidade visual da série - inclusive, essa é uma característica do cinema alemão (bem na linha de "Dark") que coloca "Nós somos a Onda" em um patamar diferente do que estamos costumados a encontrar nas recentes produções americanas para o mesmo público. Olha, como entretenimento despretensioso, vale o play.
Quando Tristan Broch (Ludwig Simon) chega a escola; Zazie (Michelle Barthel), Hagen (Daniel Friedl) e Rahim Hadad (Mohamed Issa) percebem que agora existe alguém onde eles podem se apoiar. Os três sofrem bullying diariamente por motivos distintos, mas Tristan tenta ajuda-los a lidar com esse problema, criando assim uma forte relação entre eles. Isso chama atenção de Lea Herst (Luise Befort), a garota bem nascida e popular, que resolve se aproximar do grupo rebelde quando percebe que as coisas não deveriam ser da maneira como sempre foram apresentadas para ela - é perceptível esse choque de realidades e Luise Befort não decepciona no trabalho de atriz! Grupo estabelecido, não por acaso denominado "A Onda", eles começam a atuar como uma forma de resistência contra o capitalismo que sempre ditou o rumo desses personagens - e aqui começa a surgir o diferencial da série: "Nós somos a Onda" trás uma reflexão social relevante, mas que evita cravar uma bandeira irresponsável quando, com o passar dos episódios, desmistifica o espírito aventureiro e inconsequente dos adolescentes, mostrando que para cada ação existe uma consequência real e que manter o controle sobre uma multidão de pessoas tão diferentes, é quase impossível (e como isso enfraquece uma causa legítima). Veja o trailer:
Como no filme, será natural que muitos se aproximem do discurso polarizado que vivemos no mundo de hoje; mas não acredito que isso interfira na experiência de quem se propõe a ter alguns minutos de entretenimento e diversão. O próprio roteiro suaviza as discussões reais e nos leva para ficção de uma forma bem natural - isso poderia ser um problema, mas no caso, acaba funcionando como um alivio já que fica claro se tratar de algo distante da nossa realidade - como em "A Casa de Papel" por exemplo. Aliás, o roteiro perde uma grande chance de elevar sua proposta no quinto e no sexto episódios - ele flerta com o surpreendente, mas recua em nome do romantismo barato. Uma pena! Fora isso, a produção está impecável: as locações e a trilha sonora criam um universo interessante, fortalecendo aquele ar de rebeldia da juventude alemã dos anos 80/90 apoiado em uma fotografia belíssima do Jan-Marcello Kahl com movimentos de câmera que criam agilidade, ação e envolvimento com os episódios, além dos lindos planos abertos de tirar o fôlego. A direção é dividida entre a romena Anca Miruna Lazarescu e o alemão Mark Monheim (premiado diretor com o ótimo "About the Girl" de 2014). Ah, o elenco adolescente é realmente muito bom, acima da média.
"Nós somos a Onda" talvez não tenha a profundidade de "Areia Movediça", mas é uma série interessante e merece uma chance. São 6 episódios de 50 minutos em média - daquelas ótimas para matar no final de semana chuvoso!!! Vale a pena!
Para muitos esse é o melhor filme brasileiro de 2023! Não sei se iria por essa linha, no entanto posso te garantir: esse é um filme que carrega em sua modesta produção algo que dificilmente encontramos em cinebiografias, especialmente nas realizadas por aqui - "alma"! "Nosso Sonho", dirigido pelo Eduardo Albergaria, pode ter certeza, é uma das biografias musicais brasileiras mais cativantes dos últimos anos. Ao trazer para as telas a história da icônica dupla Claudinho e Buchecha, o filme se encaixa perfeitamente na tendência de produções nacionais que revisitam trajetórias reais, como "Simonal", "Tim Maia" e "Elis", porém com uma sensibilidade ainda maior ao explorar não apenas a trajetória artística, mas a profundidade emocional de uma amizade que definiu uma geração e que deveria servir de exemplo pela sua essência tão especial.
A trama acompanha a vida de Claudinho (Lucas Penteado) e Buchecha (Juan Paiva), dois amigos inseparáveis da periferia fluminense que sonhavam juntos em sair do anonimato através da música. Desde a infância humilde em São Gonçalo até a explosão do sucesso nos anos 90, o filme captura com fidelidade a ascensão meteórica da dupla, que conquistou o país com hits inesquecíveis. Confira o trailer:
Um dos grandes méritos de "Nosso Sonho" está justamente na sua proposta narrativa que não se limita apenas em retratar uma suposta jornada do herói "da pobreza até o sucesso musical" - o filme sabe usar, com muita inteligência, as dificuldades sociais, familiares e emocionais que marcaram a trajetória dos dois artistas apenas para criar um contexto sólido que justifique a forte mensagem por trás da forma como a dupla Claudinho e Buchecha encararam o sucesso. A habilidade do roteiro, assinado por Albergaria e por Mauricio Lissovsky (de "Nise: O Coração da Loucura"), está em equilibrar com precisão momentos leves e divertidos com sequências de forte impacto emocional - especialmente aquelas que antecederam a tragédia da morte precoce de Claudinho. Essa abordagem, muito mais que um recorte superficial, humaniza profundamente os personagens, permitindo que a audiência crie uma conexão verdadeira e intensa com a história da dupla, que vai além do apelo nostálgico para alcançar uma relação de empatia impressionante.
A direção de Albergaria é inteligente e criativa, utilizando técnicas visuais eficazes para recriar o ambiente dos anos 90 com autenticidade. O diretor opta por uma cinematografia vibrante, destacando as cores fortes e o estilo característico da época, se esforçando muito para não cair em excessos caricatos - e aqui cabe um comentário: esse é o tipo do filme que mereceria um orçamento maior. Mesmo que a estética imposta por Albergaria ajude a evocar o clima nostálgico e festivo dos bailes funks em ebulição no Rio de Janeiro, fica claro que o dinheiro não permitiu alcançar outro patamar de produção - uma pena! Ao mesmo tempo, é preciso elogiar, o diretor sabe manipular nossas emoções ao sugerir passagens que ele não teria condições de mostrar com sua câmera - essa escolha conceitual potencializa momentos mais dramáticos, onde o uso de sombras, de planos fechados, de tons mais frios, de silêncio e até de ausência de imagens, ampliam a intensidade emocional.
Outro ponto que merece destaque: Lucas Penteado e Juan Paiva - eles estão excepcionais em seus papéis, com destaque absoluto para a química autêntica entre eles. Penteado brilha ao transmitir a energia magnética de Claudinho, enquanto Paiva traz uma performance igualmente sólida, representando um Buchecha mais introspectivo e emocionalmente complexo. Ambos conseguem capturar com sutileza a essência das personalidades reais, indo muito além de meras imitações. Com uma trilha sonora, que não se limita apenas a reproduzir os grandes hits da dupla, mas que é inteligentemente inserida para impulsionar a narrativa, trazendo um novo significado às letras já conhecidas do público, "Nosso Sonho" pode ser definido como mais do que uma cinebiografia musical padrão, e sim como um filme sobre amizade, perda, superação e, acima de tudo, sobre sonhos compartilhados que tenho certeza, vai te emocionar!
Vale demais o seu play!
Para muitos esse é o melhor filme brasileiro de 2023! Não sei se iria por essa linha, no entanto posso te garantir: esse é um filme que carrega em sua modesta produção algo que dificilmente encontramos em cinebiografias, especialmente nas realizadas por aqui - "alma"! "Nosso Sonho", dirigido pelo Eduardo Albergaria, pode ter certeza, é uma das biografias musicais brasileiras mais cativantes dos últimos anos. Ao trazer para as telas a história da icônica dupla Claudinho e Buchecha, o filme se encaixa perfeitamente na tendência de produções nacionais que revisitam trajetórias reais, como "Simonal", "Tim Maia" e "Elis", porém com uma sensibilidade ainda maior ao explorar não apenas a trajetória artística, mas a profundidade emocional de uma amizade que definiu uma geração e que deveria servir de exemplo pela sua essência tão especial.
A trama acompanha a vida de Claudinho (Lucas Penteado) e Buchecha (Juan Paiva), dois amigos inseparáveis da periferia fluminense que sonhavam juntos em sair do anonimato através da música. Desde a infância humilde em São Gonçalo até a explosão do sucesso nos anos 90, o filme captura com fidelidade a ascensão meteórica da dupla, que conquistou o país com hits inesquecíveis. Confira o trailer:
Um dos grandes méritos de "Nosso Sonho" está justamente na sua proposta narrativa que não se limita apenas em retratar uma suposta jornada do herói "da pobreza até o sucesso musical" - o filme sabe usar, com muita inteligência, as dificuldades sociais, familiares e emocionais que marcaram a trajetória dos dois artistas apenas para criar um contexto sólido que justifique a forte mensagem por trás da forma como a dupla Claudinho e Buchecha encararam o sucesso. A habilidade do roteiro, assinado por Albergaria e por Mauricio Lissovsky (de "Nise: O Coração da Loucura"), está em equilibrar com precisão momentos leves e divertidos com sequências de forte impacto emocional - especialmente aquelas que antecederam a tragédia da morte precoce de Claudinho. Essa abordagem, muito mais que um recorte superficial, humaniza profundamente os personagens, permitindo que a audiência crie uma conexão verdadeira e intensa com a história da dupla, que vai além do apelo nostálgico para alcançar uma relação de empatia impressionante.
A direção de Albergaria é inteligente e criativa, utilizando técnicas visuais eficazes para recriar o ambiente dos anos 90 com autenticidade. O diretor opta por uma cinematografia vibrante, destacando as cores fortes e o estilo característico da época, se esforçando muito para não cair em excessos caricatos - e aqui cabe um comentário: esse é o tipo do filme que mereceria um orçamento maior. Mesmo que a estética imposta por Albergaria ajude a evocar o clima nostálgico e festivo dos bailes funks em ebulição no Rio de Janeiro, fica claro que o dinheiro não permitiu alcançar outro patamar de produção - uma pena! Ao mesmo tempo, é preciso elogiar, o diretor sabe manipular nossas emoções ao sugerir passagens que ele não teria condições de mostrar com sua câmera - essa escolha conceitual potencializa momentos mais dramáticos, onde o uso de sombras, de planos fechados, de tons mais frios, de silêncio e até de ausência de imagens, ampliam a intensidade emocional.
Outro ponto que merece destaque: Lucas Penteado e Juan Paiva - eles estão excepcionais em seus papéis, com destaque absoluto para a química autêntica entre eles. Penteado brilha ao transmitir a energia magnética de Claudinho, enquanto Paiva traz uma performance igualmente sólida, representando um Buchecha mais introspectivo e emocionalmente complexo. Ambos conseguem capturar com sutileza a essência das personalidades reais, indo muito além de meras imitações. Com uma trilha sonora, que não se limita apenas a reproduzir os grandes hits da dupla, mas que é inteligentemente inserida para impulsionar a narrativa, trazendo um novo significado às letras já conhecidas do público, "Nosso Sonho" pode ser definido como mais do que uma cinebiografia musical padrão, e sim como um filme sobre amizade, perda, superação e, acima de tudo, sobre sonhos compartilhados que tenho certeza, vai te emocionar!
Vale demais o seu play!
A melhor forma de definir "Notas de Rebeldia" está justamente na relação do contraste cultural e na dualidade narrativa de outras duas séries que transitam pelo mesmo universo: "O Urso" e "Gotas Divinas". Se no primeiro existe um elemento mais underground do restaurante de bairro com uma forte conexão afetiva, aqui representada pelo brisket, pelas ribs e pelo pulled pork; o segundo naturalmente se apoia na tradição e na elegância do vinho, dos seus vinhedos e, pela perspectiva do desafio, da sua química - seja pelo aroma ou pelo sabor de um Chardonnay, de um Pinot Noir e até de um Merlot. Se você sabe exatamente do que eu estou falando, pode dar o play tranquilamente que sua diversão está garantida pelas próximas duas horas.
O filme do diretor Prentice Penny (indicado ao Emmy por "Insecure") acompanha a história de Elijah (Mamoudou Athie), um jovem afro-americano que vive entre o sonho de se tornar um grande sommelier e a obrigação de acompanhar o pai, Louis (Courtney B. Vance), na batalha diária que é manter uma churrascaria tradicional de Memphis e ainda se preparar para assumir o negócio da família quando chegar o momento. Confira o trailer:
O roteiro de "Uncorked" (no original), embora não seja um primor técnico, é muito inteligente e consistente ao abordar temas universais de aspirações pessoais, de tradições familiares e de autodescoberta, mas sem pender para nenhum dos lados da história afim de induzir a audiência. Naturalmente que a cisão cultural pela qual o protagonista precisa lidar não tem a profundidade e o número de camadas que encontramos em "O Urso", no entanto, o processo de transformação soa bastante honesto e nos cativa desde o primeiro ato. Os diálogos são bons, existem boas sacadas - o jogo de palavras que a família de Elijah faz quando ele diz que quer ser sommelier, é impagável. Minha única crítica, é que em certos momentos, o ritmo me parece diminuir demais e algumas subtramas poderiam ter sido melhor desenvolvidas para adicionar um pouco mais de profundidade - mas ok, essa é a proposta e o resultado final é muito bom.
A direção de Penny, também é muito boa - ele tem uma enorme capacidade de trabalhar com atores (vimos isso em "Insecure") e aqui não é diferente. Existe uma certa sensibilidade para focar na jornada emocional do protagonista sem parecer força a barra. Penny consegue criar uma atmosfera íntima, permitindo que a audiência mergulhe na vida de Elijah e nas questões que ele enfrenta ao tentar equilibrar as expectativas do pai e seus próprios sonhos. Embora em alguns momentos a direção possa parecer um tanto convencional, e de fato é, a abordagem mais sensível contribui demais para a autenticidade do filme e para a performance de Mamoudou Athie (esse ator é muito carismático, olho nele).
Capturando tanto a vibração da cidade de Memphis quanto a atmosfera clássica de Paris e dos vinhedos franceses, eu diria que "Notas de Rebeldia" é um filme que oferece uma jornada saborosa pela cultura gastronômica pelo viés da enologia. Enquanto humaniza a jornada conflitante entre tradição e ambição, o roteiro habilmente mistura o drama com leves toques de humor, proporcionando um ótimo e despretensioso entretenimento que certamente vai mexer com seu paladar.
Vale muito o play!
A melhor forma de definir "Notas de Rebeldia" está justamente na relação do contraste cultural e na dualidade narrativa de outras duas séries que transitam pelo mesmo universo: "O Urso" e "Gotas Divinas". Se no primeiro existe um elemento mais underground do restaurante de bairro com uma forte conexão afetiva, aqui representada pelo brisket, pelas ribs e pelo pulled pork; o segundo naturalmente se apoia na tradição e na elegância do vinho, dos seus vinhedos e, pela perspectiva do desafio, da sua química - seja pelo aroma ou pelo sabor de um Chardonnay, de um Pinot Noir e até de um Merlot. Se você sabe exatamente do que eu estou falando, pode dar o play tranquilamente que sua diversão está garantida pelas próximas duas horas.
O filme do diretor Prentice Penny (indicado ao Emmy por "Insecure") acompanha a história de Elijah (Mamoudou Athie), um jovem afro-americano que vive entre o sonho de se tornar um grande sommelier e a obrigação de acompanhar o pai, Louis (Courtney B. Vance), na batalha diária que é manter uma churrascaria tradicional de Memphis e ainda se preparar para assumir o negócio da família quando chegar o momento. Confira o trailer:
O roteiro de "Uncorked" (no original), embora não seja um primor técnico, é muito inteligente e consistente ao abordar temas universais de aspirações pessoais, de tradições familiares e de autodescoberta, mas sem pender para nenhum dos lados da história afim de induzir a audiência. Naturalmente que a cisão cultural pela qual o protagonista precisa lidar não tem a profundidade e o número de camadas que encontramos em "O Urso", no entanto, o processo de transformação soa bastante honesto e nos cativa desde o primeiro ato. Os diálogos são bons, existem boas sacadas - o jogo de palavras que a família de Elijah faz quando ele diz que quer ser sommelier, é impagável. Minha única crítica, é que em certos momentos, o ritmo me parece diminuir demais e algumas subtramas poderiam ter sido melhor desenvolvidas para adicionar um pouco mais de profundidade - mas ok, essa é a proposta e o resultado final é muito bom.
A direção de Penny, também é muito boa - ele tem uma enorme capacidade de trabalhar com atores (vimos isso em "Insecure") e aqui não é diferente. Existe uma certa sensibilidade para focar na jornada emocional do protagonista sem parecer força a barra. Penny consegue criar uma atmosfera íntima, permitindo que a audiência mergulhe na vida de Elijah e nas questões que ele enfrenta ao tentar equilibrar as expectativas do pai e seus próprios sonhos. Embora em alguns momentos a direção possa parecer um tanto convencional, e de fato é, a abordagem mais sensível contribui demais para a autenticidade do filme e para a performance de Mamoudou Athie (esse ator é muito carismático, olho nele).
Capturando tanto a vibração da cidade de Memphis quanto a atmosfera clássica de Paris e dos vinhedos franceses, eu diria que "Notas de Rebeldia" é um filme que oferece uma jornada saborosa pela cultura gastronômica pelo viés da enologia. Enquanto humaniza a jornada conflitante entre tradição e ambição, o roteiro habilmente mistura o drama com leves toques de humor, proporcionando um ótimo e despretensioso entretenimento que certamente vai mexer com seu paladar.
Vale muito o play!
"Nove Desconhecidos" chegou com status de "minissérie premium da HBO" na Prime Vídeo, principalmente por todos os nomes envolvidos, como o showrunner David E. Kelley de “The Undoing” e a autora australiana Liane Moriarty de “Big Little Lies”, sem falar, obviamente, de Nicole Kidman como protagonista, apoiada em um elenco com Melissa McCarthy, Regina Hall, Luke Evans, Michael Shannon e Bobby Cannavale. Como comentamos no Blog da Viu Review, "Nove Desconhecidos" foi cercada de muita expectativa e após a exibição de 3 episódios muitas incertezas começaram aparecer (e com razão), mas só no final do episódio 8 que foi possível cravar que a minissérie estava longe de ser um decepção como muitos previam - muito pelo contrário, eu diria que vale muito a pena, desde que você embarque no conceito narrativo, digamos, psicodélico!
Frustrados com suas vidas, nove estranhos embarcam em um programa de relaxamento e espiritualidade criado por um SPA de luxo liderado por Marsha (Nicole Kidman), mas ao longo dos dias eles percebem que a experiência pode acabar colocando suas vidas e sanidade em perigo, confira o trailer:
Talvez a o grande problema de "Nove Desconhecidos" seja a falta de identidade - mas não pela história não se posicionar perante um gênero especifico ou um conceito narrativo e estético inovador, e sim pela própria expectativa que nós mesmos criamos. É claro que o roteiro colabora para essa sensação de que algo extraordinário está prestes a acontecer a todo momento e que a trama vem repleta de reviravoltas surpreendentes, mas a fato é que isso tem mais a ver com quem assiste do que com a minissérie em si. Embora seja necessário uma boa dose de suspensão da realidade e mesmo sabendo que muitos personagens são completamente estereotipados, em nenhum momento o roteiro rouba no jogo - ele só demora para mostrar as peças certas que, juntas, entregam um final bem satisfatório.
No fundo, "Nove Desconhecidos" é um recorte de uma era onde os programas de auto-conhecimento e os coachings de terapias holísticas se tornaram sinônimos de superficialidade e oportunismo - por isso sempre esperamos o pior da protagonista, afinal acreditamos nesse estereótipo, mesmo que inconscientemente. Veja, enquanto a narrativa demonstra elementos que facilmente nos remetem as conexões com a espiritualidade, temos a impressão de que se trata de uma história cheia de mistérios, mas quando os psicotrópicos vão ganhando força de uma maneira muito natural dentro da trama, somos transportados para situações mais palpáveis e é quando começamos a reconhecer o valor da história - e isso não quer dizer que o mistério desaparece, ele só se transforma. Diferente do livro, não se tem tempo suficiente para desenvolver cada um dos personagens com deveria e é por isso que alguns se sobressaem: a história da família Marconi formada por Napoleon (Michael Shannon), Heather (Asher Keddie) e Zoe (Grace Van Patten) é um caso e a forte relação entre Frances (Melissa McCarthy) e Tony (Bobby Cannavale), é outro destaque - se a série chamasse "Cinco Desconhecidos" teríamos o mesmo resultado, acreditem!
A atmosfera poética criada ao redor de Masha, criadora da Tranquillum House, vai se dissipar com o passar dos episódios e sua motivação se tornará cada vez mais clara. A questão dos métodos ou da ilegalidade de suas ações também geram boas discussões. Com isso temos bons conflitos e outros nem tanto, mas quando nos apegarmos na real proposta de "Nove Desconhecidos", passamos a entender que o processo de "perdão" e a "cura emocional" de cada um dos personagens guiam uma crítica velada sobre a ética, a legalidade e o real benefício de alguns, digamos, treinamentos de reprogramação.
Vale o play!
"Nove Desconhecidos" chegou com status de "minissérie premium da HBO" na Prime Vídeo, principalmente por todos os nomes envolvidos, como o showrunner David E. Kelley de “The Undoing” e a autora australiana Liane Moriarty de “Big Little Lies”, sem falar, obviamente, de Nicole Kidman como protagonista, apoiada em um elenco com Melissa McCarthy, Regina Hall, Luke Evans, Michael Shannon e Bobby Cannavale. Como comentamos no Blog da Viu Review, "Nove Desconhecidos" foi cercada de muita expectativa e após a exibição de 3 episódios muitas incertezas começaram aparecer (e com razão), mas só no final do episódio 8 que foi possível cravar que a minissérie estava longe de ser um decepção como muitos previam - muito pelo contrário, eu diria que vale muito a pena, desde que você embarque no conceito narrativo, digamos, psicodélico!
Frustrados com suas vidas, nove estranhos embarcam em um programa de relaxamento e espiritualidade criado por um SPA de luxo liderado por Marsha (Nicole Kidman), mas ao longo dos dias eles percebem que a experiência pode acabar colocando suas vidas e sanidade em perigo, confira o trailer:
Talvez a o grande problema de "Nove Desconhecidos" seja a falta de identidade - mas não pela história não se posicionar perante um gênero especifico ou um conceito narrativo e estético inovador, e sim pela própria expectativa que nós mesmos criamos. É claro que o roteiro colabora para essa sensação de que algo extraordinário está prestes a acontecer a todo momento e que a trama vem repleta de reviravoltas surpreendentes, mas a fato é que isso tem mais a ver com quem assiste do que com a minissérie em si. Embora seja necessário uma boa dose de suspensão da realidade e mesmo sabendo que muitos personagens são completamente estereotipados, em nenhum momento o roteiro rouba no jogo - ele só demora para mostrar as peças certas que, juntas, entregam um final bem satisfatório.
No fundo, "Nove Desconhecidos" é um recorte de uma era onde os programas de auto-conhecimento e os coachings de terapias holísticas se tornaram sinônimos de superficialidade e oportunismo - por isso sempre esperamos o pior da protagonista, afinal acreditamos nesse estereótipo, mesmo que inconscientemente. Veja, enquanto a narrativa demonstra elementos que facilmente nos remetem as conexões com a espiritualidade, temos a impressão de que se trata de uma história cheia de mistérios, mas quando os psicotrópicos vão ganhando força de uma maneira muito natural dentro da trama, somos transportados para situações mais palpáveis e é quando começamos a reconhecer o valor da história - e isso não quer dizer que o mistério desaparece, ele só se transforma. Diferente do livro, não se tem tempo suficiente para desenvolver cada um dos personagens com deveria e é por isso que alguns se sobressaem: a história da família Marconi formada por Napoleon (Michael Shannon), Heather (Asher Keddie) e Zoe (Grace Van Patten) é um caso e a forte relação entre Frances (Melissa McCarthy) e Tony (Bobby Cannavale), é outro destaque - se a série chamasse "Cinco Desconhecidos" teríamos o mesmo resultado, acreditem!
A atmosfera poética criada ao redor de Masha, criadora da Tranquillum House, vai se dissipar com o passar dos episódios e sua motivação se tornará cada vez mais clara. A questão dos métodos ou da ilegalidade de suas ações também geram boas discussões. Com isso temos bons conflitos e outros nem tanto, mas quando nos apegarmos na real proposta de "Nove Desconhecidos", passamos a entender que o processo de "perdão" e a "cura emocional" de cada um dos personagens guiam uma crítica velada sobre a ética, a legalidade e o real benefício de alguns, digamos, treinamentos de reprogramação.
Vale o play!
Em um primeiro olhar, "Nove Dias" até parece um episódio dos bons tempos de "Black Mirror" ou até com uma trama mais investigativa como "Devs"ou "Vórtex", mas a grande verdade é que, com o desenrolar da história, estamos diante de uma jornada filosófica muito mais próxima de "Fonte da Vida" do que qualquer outra coisa. Esse é o filme de estreia do diretor Edson Oda (amplamente premiado com seu curta-metragem "Malaria") e que não há como negar, se destaca pela originalidade e profundidade com que desenvolve uma abordagem criativa e única sobre a vida, sobre a existência e sobre as escolhas que moldam nosso destino. "Nine Days" (no original) recebeu, merecidamente, muitos elogios da crítica e abocanhou vários prêmios em festivais de cinema, incluindo o Sundance Film Festival; então se você é fã de obras mais autorais, que de fato desafiam e provocam reflexões profundas, você está no lugar certo - pode acreditar!
Na trama, conhecemos Will (Winston Duke) um homem solitário que vive em uma casa isolada no meio do deserto, onde ele conduz uma série de entrevistas e alguns testes curiosos com almas humanas em um período pré-nascimento - é isso mesmo, você não leu errado. Entre os candidatos estão Emma (Zazie Beetz), Kane (Bill Skarsgård) e alguns outros que disputam uma única vaga para a "vida". A escolha de quem terá o privilégio de nascer, obviamente, recai sobre Will, que passa a ser confrontado por dilemas morais profundos ao lidar com suas próprias experiências e de outros escolhidos por ele no passado. Confira o trailer:
Tá, eu sei que pode parecer uma "viagem" e talvez até seja mesmo, mas é impossível deixar de comentar como o roteiro de "Nove Dias" é criativo - muito mais do que apenas um filme, eu diria que essa é uma experiência filosófica que desafia as noções convencionais sobre a existência e o propósito da vida. Escrito pelo próprio Oda, o roteiro é inteligente ao explorar os dilemas de quem tem o poder das escolhas e como cada uma delas moldam o destino das pessoas. Ao desenvolver personagens tão únicos onde cada um representa uma perspectiva sobre a vida, Oda cria uma dinâmica que a todo momento nos leva questionar nossas crenças e valores. Mesmo empacotado com um ar "Black Mirror", o que vemos na tela é justamente o contrário: o que importa são conceitos mais espirituais do livre arbítrio, do destino e até do papel que cada um de nós desempenha no mundo ao ser "um escolhido"!
Na cadeira de direção, Edson Oda é tão competente quanto com "a caneta na mão". Ele captura com muita competência toda a solidão e a introspecção de Will de uma forma envolvente e com uma certa atmosfera de mistério. A fotografia, assinada pelo Wyatt Garfield (de "The Kitchen") segue a mesma linha conceitual - tudo é meio nebuloso. Reparem como os cenários minimalistas em contraponto com os planos mais abertos, transmitem toda essa sensação de solidão e isolamento de Will. Outro ponto que merece destaque é a montagem - cuidadosa até encontrar o time certo para os diálogos perspicazes, é ela que ajuda revelar as camadas mais profundas de significado, nos dando tempo e incentivando a reflexão, mesmo após os créditos finais subirem.
"Nove Dias" tem um tom mais independente mesmo, que sabe exatamente como a mensagem sobre a importância da vida e das conexões humanas devem ressoar de maneira poderosa para deixar uma impressão indelével. São nas interações de Will com seu parceiro Kyo (Benedict Wong) e com as almas em potencial, que o filme explora as armadilhas da vida pela perspectiva do amor e da alegria ou da dor e do sofrimento. Nada é fácil e estamos cansados de saber disso, mas com muito simbolismo e sensibilidade, esse filme realmente nos convida para uma viagem emocionante e reflexiva que pode mudar nossa maneira de lidar com a vida e com nossas escolhas.
Vale muito o seu play! Você vai se surpreender!
Em um primeiro olhar, "Nove Dias" até parece um episódio dos bons tempos de "Black Mirror" ou até com uma trama mais investigativa como "Devs"ou "Vórtex", mas a grande verdade é que, com o desenrolar da história, estamos diante de uma jornada filosófica muito mais próxima de "Fonte da Vida" do que qualquer outra coisa. Esse é o filme de estreia do diretor Edson Oda (amplamente premiado com seu curta-metragem "Malaria") e que não há como negar, se destaca pela originalidade e profundidade com que desenvolve uma abordagem criativa e única sobre a vida, sobre a existência e sobre as escolhas que moldam nosso destino. "Nine Days" (no original) recebeu, merecidamente, muitos elogios da crítica e abocanhou vários prêmios em festivais de cinema, incluindo o Sundance Film Festival; então se você é fã de obras mais autorais, que de fato desafiam e provocam reflexões profundas, você está no lugar certo - pode acreditar!
Na trama, conhecemos Will (Winston Duke) um homem solitário que vive em uma casa isolada no meio do deserto, onde ele conduz uma série de entrevistas e alguns testes curiosos com almas humanas em um período pré-nascimento - é isso mesmo, você não leu errado. Entre os candidatos estão Emma (Zazie Beetz), Kane (Bill Skarsgård) e alguns outros que disputam uma única vaga para a "vida". A escolha de quem terá o privilégio de nascer, obviamente, recai sobre Will, que passa a ser confrontado por dilemas morais profundos ao lidar com suas próprias experiências e de outros escolhidos por ele no passado. Confira o trailer:
Tá, eu sei que pode parecer uma "viagem" e talvez até seja mesmo, mas é impossível deixar de comentar como o roteiro de "Nove Dias" é criativo - muito mais do que apenas um filme, eu diria que essa é uma experiência filosófica que desafia as noções convencionais sobre a existência e o propósito da vida. Escrito pelo próprio Oda, o roteiro é inteligente ao explorar os dilemas de quem tem o poder das escolhas e como cada uma delas moldam o destino das pessoas. Ao desenvolver personagens tão únicos onde cada um representa uma perspectiva sobre a vida, Oda cria uma dinâmica que a todo momento nos leva questionar nossas crenças e valores. Mesmo empacotado com um ar "Black Mirror", o que vemos na tela é justamente o contrário: o que importa são conceitos mais espirituais do livre arbítrio, do destino e até do papel que cada um de nós desempenha no mundo ao ser "um escolhido"!
Na cadeira de direção, Edson Oda é tão competente quanto com "a caneta na mão". Ele captura com muita competência toda a solidão e a introspecção de Will de uma forma envolvente e com uma certa atmosfera de mistério. A fotografia, assinada pelo Wyatt Garfield (de "The Kitchen") segue a mesma linha conceitual - tudo é meio nebuloso. Reparem como os cenários minimalistas em contraponto com os planos mais abertos, transmitem toda essa sensação de solidão e isolamento de Will. Outro ponto que merece destaque é a montagem - cuidadosa até encontrar o time certo para os diálogos perspicazes, é ela que ajuda revelar as camadas mais profundas de significado, nos dando tempo e incentivando a reflexão, mesmo após os créditos finais subirem.
"Nove Dias" tem um tom mais independente mesmo, que sabe exatamente como a mensagem sobre a importância da vida e das conexões humanas devem ressoar de maneira poderosa para deixar uma impressão indelével. São nas interações de Will com seu parceiro Kyo (Benedict Wong) e com as almas em potencial, que o filme explora as armadilhas da vida pela perspectiva do amor e da alegria ou da dor e do sofrimento. Nada é fácil e estamos cansados de saber disso, mas com muito simbolismo e sensibilidade, esse filme realmente nos convida para uma viagem emocionante e reflexiva que pode mudar nossa maneira de lidar com a vida e com nossas escolhas.
Vale muito o seu play! Você vai se surpreender!
"Nudes" vai te surpreender! Essa série antológica norueguesa que está disponível na Globoplay, é tão importante quanto impactante. Diferente de "Depois de Lucia" onde os reflexos das fotos (ou vídeos) vazados na internet se concentravam no ambiente em que a personagem estava inserida, tendo o bullying como principal elemento narrativo, aqui o mergulho é um pouco menos cruel, mas nem por isso fácil de digerir - as histórias giram em torno das consequências mais intimas de quem, de alguma forma, sofreu com o mesmo problema. Nessa primeira temporada, são 3 histórias contadas em 3 (ou 4) episódios sequenciais, que trazem um recorte de algumas situações em que a intimidade e a privacidade não foram respeitadas em uma era nada empática de redes sociais.
Ada (Anna Storeng Frøseth), Sofia (Lena Reinhardtsen) e Viktor (Tord Kinge) são três jovens de 14, 16 e 18 anos respectivamente, que moram em diferentes partes da Noruega, mas que acabam vivendo o mesmo drama: suas vidas se transformaram em um inferno graças a uma foto ou um vídeo íntimo que viralizou nas redes sociais. Confira o trailer (com legendas em inglês):
Todas as três histórias trazem um estilo visual muito parecido com as séries inglesas da BBC e um roteiro, se não tão profundo, honesto (no sentido verdadeiro da palavra) e muito pautado na realidade de uma geração: Sofia, de 16 anos, faz sexo com um jovem em uma festa, até que uma pessoa qualquer grava tudo escondido e depois espalha o vídeo para toda escola assistir - o conflito aqui é descobrir quem foi o responsável. Já Ada, de 14, conhece um garoto no Tinder e para apimentar a relação, troca nudes com ele, porém, pouco depois, uma outra pessoa entra em contato com ela dizendo que suas fotos foram compartilhadas em vários fóruns de pornografia. Ele pode ajuda-la, mas Ida terá que pagar por isso - a chantagem move a história nesse track. E finalmente Viktor, um rapaz de 18 anos, que é acusado de pornografia infantil por um vídeo que postou no Snapchat onde uma amiga de 17 anos fazia sexo com seu parceiro. Em uma tentativa de retirar as graves acusações, Viktor precisa entender que suas ações terão enormes consequências - nessa saga, a ideia é mostrar o outro lado, de quem fez a maldade, mesmo sem pensar na gravidade do problema.
Veja, "Nudes" não tem o propósito de exaltar a morbidez da juventude, mas sim de mostrar algumas formas de lidar com essa terrível exposição - mesmo que a duras penas, e com marcas profundas na vida de cada um dos protagonistas. Não existe nada de romantismo e muito menos uma jornada do herói - a série é dura, conectada com a realidade e muito direta em sua mensagem. O fato de cada episódio ter cerca de vinte minutos, gera uma fluidez na narrativa, mas não permite maiores discussões ou desenvolvimentos dos personagens. O elenco é ótimo e isso traz grande verossimilhança para as situações - destaque para Anna Storeng Frøseth como Ada.
É impossível não pensar que cada uma das histórias que assistimos pode estar acontecendo no exato momento e com milhares de adolescentes. A ideia de posicionar a audiência respeitando uma estrutura onde em um episódio temos a apresentação, em outro o drama que os personagens vivem e no último como aquilo foi resolvido; nos dá tempo para reflexões importantes - nos colocamos no lugar de cada uma das vitimas (e em um deles, no lugar de quem cometeu o crime). Sim, o julgamento é imediato, mas a série foi muito feliz em mostrar a imaturidade dos jovens, a inconsequência, a inocência... isso deixa tudo muito palpável e machuca.
Vale a pena para os pais com seus filhos adolescentes. Essa série tem muito a ensinar!
"Nudes" vai te surpreender! Essa série antológica norueguesa que está disponível na Globoplay, é tão importante quanto impactante. Diferente de "Depois de Lucia" onde os reflexos das fotos (ou vídeos) vazados na internet se concentravam no ambiente em que a personagem estava inserida, tendo o bullying como principal elemento narrativo, aqui o mergulho é um pouco menos cruel, mas nem por isso fácil de digerir - as histórias giram em torno das consequências mais intimas de quem, de alguma forma, sofreu com o mesmo problema. Nessa primeira temporada, são 3 histórias contadas em 3 (ou 4) episódios sequenciais, que trazem um recorte de algumas situações em que a intimidade e a privacidade não foram respeitadas em uma era nada empática de redes sociais.
Ada (Anna Storeng Frøseth), Sofia (Lena Reinhardtsen) e Viktor (Tord Kinge) são três jovens de 14, 16 e 18 anos respectivamente, que moram em diferentes partes da Noruega, mas que acabam vivendo o mesmo drama: suas vidas se transformaram em um inferno graças a uma foto ou um vídeo íntimo que viralizou nas redes sociais. Confira o trailer (com legendas em inglês):
Todas as três histórias trazem um estilo visual muito parecido com as séries inglesas da BBC e um roteiro, se não tão profundo, honesto (no sentido verdadeiro da palavra) e muito pautado na realidade de uma geração: Sofia, de 16 anos, faz sexo com um jovem em uma festa, até que uma pessoa qualquer grava tudo escondido e depois espalha o vídeo para toda escola assistir - o conflito aqui é descobrir quem foi o responsável. Já Ada, de 14, conhece um garoto no Tinder e para apimentar a relação, troca nudes com ele, porém, pouco depois, uma outra pessoa entra em contato com ela dizendo que suas fotos foram compartilhadas em vários fóruns de pornografia. Ele pode ajuda-la, mas Ida terá que pagar por isso - a chantagem move a história nesse track. E finalmente Viktor, um rapaz de 18 anos, que é acusado de pornografia infantil por um vídeo que postou no Snapchat onde uma amiga de 17 anos fazia sexo com seu parceiro. Em uma tentativa de retirar as graves acusações, Viktor precisa entender que suas ações terão enormes consequências - nessa saga, a ideia é mostrar o outro lado, de quem fez a maldade, mesmo sem pensar na gravidade do problema.
Veja, "Nudes" não tem o propósito de exaltar a morbidez da juventude, mas sim de mostrar algumas formas de lidar com essa terrível exposição - mesmo que a duras penas, e com marcas profundas na vida de cada um dos protagonistas. Não existe nada de romantismo e muito menos uma jornada do herói - a série é dura, conectada com a realidade e muito direta em sua mensagem. O fato de cada episódio ter cerca de vinte minutos, gera uma fluidez na narrativa, mas não permite maiores discussões ou desenvolvimentos dos personagens. O elenco é ótimo e isso traz grande verossimilhança para as situações - destaque para Anna Storeng Frøseth como Ada.
É impossível não pensar que cada uma das histórias que assistimos pode estar acontecendo no exato momento e com milhares de adolescentes. A ideia de posicionar a audiência respeitando uma estrutura onde em um episódio temos a apresentação, em outro o drama que os personagens vivem e no último como aquilo foi resolvido; nos dá tempo para reflexões importantes - nos colocamos no lugar de cada uma das vitimas (e em um deles, no lugar de quem cometeu o crime). Sim, o julgamento é imediato, mas a série foi muito feliz em mostrar a imaturidade dos jovens, a inconsequência, a inocência... isso deixa tudo muito palpável e machuca.
Vale a pena para os pais com seus filhos adolescentes. Essa série tem muito a ensinar!
Se você gostou de "Parasita" e de "Expresso do Amanhã" você certamente vai gostar de "Nuevo Orden" - é possível dizer, inclusive, que se "Parasita" tivesse uma continuação, essa produção mexicana se encaixaria tranquilamente na temática e na forma como Bong Joon Ho trouxe para discussão a desigualdade social e os relacionamentos imersos nesse contexto, porém aqui com um certo toque distópico em uma atmosfera político-social como em "Expresso do Amanhã".
Na trama, a desigualdade econômica e social, a luta de classes e a corrupção no México detonam uma revolução caótica, amoral e sem ética. Por trás desta "Nova Ordem" implementada por políticos e militares, até as emoções que motivaram a rebelião serão completamente censuradas. Confira o trailer (em espanhol):
A filmografia do cineasta Michel Franco (do excelente "Depois de Lucia") nos remete ao provocativo explícito, porém com um toque de semiótica que só aprofunda sua interpretação da realidade. Em "Nuevo Orden", Franco pontua didaticamente diferenças de posição e tratamento conforme as etnias dos personagens - os ricos são brancos (resquício da dominação europeia configurada como uma das tragédias históricas da América Latina), enquanto os pobres apresentam os traços do povo local, daqueles que viviam no território mexicano antes que ele fosse dominado por seus invasores. Dentro da imponente propriedade, o casamento de Marianne (Naian González Norvind) e Alan (Dario Yazbek Bernal) retrata essa diferença, ele é repleto de pompa e circunstância, enquanto do lado de fora, uma convulsão social acontece - porém aquela fortaleza parece intransponível, a realidade ali é outra, os convidados são inatingíveis, mas até quando?
Após um passeio por imagens fortes (realmente impactantes plasticamente) e créditos de apresentação belíssimos em sua simbologia (interprete como quiser, vale o exercício), a presença de uma tinta verde escorrendo pelas torneiras daquela mansão sinaliza que algo muito errado está prestes a acontecer (e aqui o seu ponto de vista vai te guiar por toda a experiência do filme até, propositalmente, te dar uma rasteira ideológica). Michel Franco é fantástico ao criar essa atmosfera de tensão, fantasiada de ostentação em um ambiente onde a alegria é quase utópica e o carinho é conseguido através do tamanho de um cheque - reparem em como os convidados presenteiam os noivos e como a família lida com esse "presente". Existe uma inquietude na condução da câmera ao longo desse cenário, enquanto o ambiente dos empregados parece mais controlado, até que esse conceito narrativo se transforma no segundo ato quando a "Nova Ordem" se aproveita do caos para se posicionar perante uma nova visão de "igualdade" brutal e violenta - esse trabalho de subversão do diretor de fotografia belga Yves Cape (de "Era uma segunda vez") é magistral.
O interessante do filme, porém, é justamente o que fez alguns críticos torcerem o nariz para a obra. Franco, ao contar essa história, não tem como objetivo principal levantar bandeiras politicas polarizadas determinando quem é o mocinho e quem é o bandido. Sim, ele tem o prazer em criticar os lados, mas em momento algum se sente confortável em defender seus personagens pelo viés sócio-antropológico já que entende que o mundo de hoje teve suas regras estabelecidas pela própria sociedade e quando essas mesmas regras são quebradas (mesmo que para alguns com base em boas intenções), elas não se sustentam e quem vence no final é justamente quem esteve do outro lado sempre, mas que soube manipular uma situação a seu favor - sim, você já viu isso na ficção e no seu país!
Complicado? Na teoria sim, mas o roteiro do próprio Franco se incumbe de colocar as peças no tabuleiro e conforme vão sendo movimentadas, essa ideia vai se construindo e nossa posição vai sendo, no mínimo, questionada. "Nuevo Orden" soa entretenimento, mas tem muito mais camadas se você estiver disposto a explorá-las e discuti-las assim que os créditos (espelhados, ops) subirem!
Vale muito o seu play!
Se você gostou de "Parasita" e de "Expresso do Amanhã" você certamente vai gostar de "Nuevo Orden" - é possível dizer, inclusive, que se "Parasita" tivesse uma continuação, essa produção mexicana se encaixaria tranquilamente na temática e na forma como Bong Joon Ho trouxe para discussão a desigualdade social e os relacionamentos imersos nesse contexto, porém aqui com um certo toque distópico em uma atmosfera político-social como em "Expresso do Amanhã".
Na trama, a desigualdade econômica e social, a luta de classes e a corrupção no México detonam uma revolução caótica, amoral e sem ética. Por trás desta "Nova Ordem" implementada por políticos e militares, até as emoções que motivaram a rebelião serão completamente censuradas. Confira o trailer (em espanhol):
A filmografia do cineasta Michel Franco (do excelente "Depois de Lucia") nos remete ao provocativo explícito, porém com um toque de semiótica que só aprofunda sua interpretação da realidade. Em "Nuevo Orden", Franco pontua didaticamente diferenças de posição e tratamento conforme as etnias dos personagens - os ricos são brancos (resquício da dominação europeia configurada como uma das tragédias históricas da América Latina), enquanto os pobres apresentam os traços do povo local, daqueles que viviam no território mexicano antes que ele fosse dominado por seus invasores. Dentro da imponente propriedade, o casamento de Marianne (Naian González Norvind) e Alan (Dario Yazbek Bernal) retrata essa diferença, ele é repleto de pompa e circunstância, enquanto do lado de fora, uma convulsão social acontece - porém aquela fortaleza parece intransponível, a realidade ali é outra, os convidados são inatingíveis, mas até quando?
Após um passeio por imagens fortes (realmente impactantes plasticamente) e créditos de apresentação belíssimos em sua simbologia (interprete como quiser, vale o exercício), a presença de uma tinta verde escorrendo pelas torneiras daquela mansão sinaliza que algo muito errado está prestes a acontecer (e aqui o seu ponto de vista vai te guiar por toda a experiência do filme até, propositalmente, te dar uma rasteira ideológica). Michel Franco é fantástico ao criar essa atmosfera de tensão, fantasiada de ostentação em um ambiente onde a alegria é quase utópica e o carinho é conseguido através do tamanho de um cheque - reparem em como os convidados presenteiam os noivos e como a família lida com esse "presente". Existe uma inquietude na condução da câmera ao longo desse cenário, enquanto o ambiente dos empregados parece mais controlado, até que esse conceito narrativo se transforma no segundo ato quando a "Nova Ordem" se aproveita do caos para se posicionar perante uma nova visão de "igualdade" brutal e violenta - esse trabalho de subversão do diretor de fotografia belga Yves Cape (de "Era uma segunda vez") é magistral.
O interessante do filme, porém, é justamente o que fez alguns críticos torcerem o nariz para a obra. Franco, ao contar essa história, não tem como objetivo principal levantar bandeiras politicas polarizadas determinando quem é o mocinho e quem é o bandido. Sim, ele tem o prazer em criticar os lados, mas em momento algum se sente confortável em defender seus personagens pelo viés sócio-antropológico já que entende que o mundo de hoje teve suas regras estabelecidas pela própria sociedade e quando essas mesmas regras são quebradas (mesmo que para alguns com base em boas intenções), elas não se sustentam e quem vence no final é justamente quem esteve do outro lado sempre, mas que soube manipular uma situação a seu favor - sim, você já viu isso na ficção e no seu país!
Complicado? Na teoria sim, mas o roteiro do próprio Franco se incumbe de colocar as peças no tabuleiro e conforme vão sendo movimentadas, essa ideia vai se construindo e nossa posição vai sendo, no mínimo, questionada. "Nuevo Orden" soa entretenimento, mas tem muito mais camadas se você estiver disposto a explorá-las e discuti-las assim que os créditos (espelhados, ops) subirem!
Vale muito o seu play!
Essa é uma daquelas histórias que demora até acreditarmos que algo parecido seria possível - e essa dúvida vai te acompanhar enquanto sobem os créditos, provavelmente com seus olhos marejados e com o coração apertado. "Nyad" pode não ser uma superprodução com um roteiro impecável, mas a jornada em si vale cada segundo! O filme é muito mais do que apenas um relato impressionante dos incríveis desafios que a lendária nadadora de longa distância Diana Nyad precisou superar; na verdade eu diria que o filme é uma celebração da resiliência e da determinação de um ser humana que nunca deixou de acreditar na sua capacidade como atleta, mesmo depois dos 60 e isso, por si só, já merece nosso respeito!
"Nyad", basicamente, narra a extraordinária saga de Diana Nyad (Annette Bening) e de sua treinadora e amiga fiel, Bonnie Stoll (Jodie Foster), que durante anos tentou completar uma jornada épica: cruzar a nado os perigosos 170 km do Estreito da Flórida, entre Cuba e Key West. Ao enfrentar desafios inimagináveis e ultrapassando seus próprios limites físico e etário, "Nyad" acompanha os bastidores de um desafio que para muitos era classificado como mais impossível do que possível! Confira o trailer (em inglês):
Adaptado da biografia "Find a Way", escrito pela própria Diana, o filme dirigido pela dupla Jimmy Chin e Elizabeth Chai Vasarhelyi (ambos vencedores do Oscar por "Free Solo" e responsáveis pelo ótimo "De Volta ao Espaço") é, de fato, uma conquista cinematográfica notável em todos os aspectos técnicos ao unir elementos documentais em uma narrativa ficcional das mais interessantes e dinâmicas. Mesmo que notavelmente siga uma fórmula para muitos "batida" (o que não é o meu caso, que fique claro), "Nyad" compensa pela humanização de sua história e pela emoção que ela provoca. A capacidade de Chin e Vasarhelyi em nos colocar ao lado da atleta, no meio do oceano, enfrentando o desconhecido, nos remete ao estilo conceitual angustiante de "Mar Aberto", ou seja, pode se preparar para uma experiência realmente sensorial, embora maquiada como um clássico drama de superação.
A fotografia do chileno Claudio Miranda é um espetáculo! Miranda, que já ganhou um Oscar com a "As Aventuras de Pi", constrói uma atmosfera de tirar o fôlego, capturando a solidão das vastas e muito desafiadoras paisagens do oceano com a mesma maestria com que desnuda a intimidade de Diana em momentos que teria tudo para se tornar piegas. E aqui talvez caiba uma única e pontual critica ao filme: os flashbacks ajudam a contextualizar os fantasmas da protagonista, mas a forma como essas passagens foram retratadas me soa "um caminho confortável demais". Tanto Bening como Foster se esforçam para entregar performances emocionalmente poderosas, compartilhando suas experiências com uma autenticidade que toca o coração, mas essas quebras narrativas até o passado, realmente, não surgem com a mesma potência.
"Nyad" tem um tom inspirador na sua proposta. Por se tratar de uma jornada de superação, determinação e força de vontade, fica fácil nos conectarmos, mesmo com algumas "frases de caminhão" perdidas no roteiro, algo como: "O diamante é apenas um pedaço de carvão que não desistiu". Isso prejudica o filme? Não, desde que você esteja disposto a mergulhar (sem trocadilhos) nesse tipo de subgênero. Para muitos, essa experiência vai significar algo muito além do que um simples entretenimento; será um lembrete poderoso de que os limites só existem para serem ultrapassados e blá, blá, blá. Para outros, serão 120 minutos de uma trama equilibrada, que emociona e que deixa o coração mais quentinho. Independente de onde você se encaixar, uma coisa eu posso te garantir: essa história merecia ser contada e Diana merece ser ainda mais conhecida!
Vale seu play!
Essa é uma daquelas histórias que demora até acreditarmos que algo parecido seria possível - e essa dúvida vai te acompanhar enquanto sobem os créditos, provavelmente com seus olhos marejados e com o coração apertado. "Nyad" pode não ser uma superprodução com um roteiro impecável, mas a jornada em si vale cada segundo! O filme é muito mais do que apenas um relato impressionante dos incríveis desafios que a lendária nadadora de longa distância Diana Nyad precisou superar; na verdade eu diria que o filme é uma celebração da resiliência e da determinação de um ser humana que nunca deixou de acreditar na sua capacidade como atleta, mesmo depois dos 60 e isso, por si só, já merece nosso respeito!
"Nyad", basicamente, narra a extraordinária saga de Diana Nyad (Annette Bening) e de sua treinadora e amiga fiel, Bonnie Stoll (Jodie Foster), que durante anos tentou completar uma jornada épica: cruzar a nado os perigosos 170 km do Estreito da Flórida, entre Cuba e Key West. Ao enfrentar desafios inimagináveis e ultrapassando seus próprios limites físico e etário, "Nyad" acompanha os bastidores de um desafio que para muitos era classificado como mais impossível do que possível! Confira o trailer (em inglês):
Adaptado da biografia "Find a Way", escrito pela própria Diana, o filme dirigido pela dupla Jimmy Chin e Elizabeth Chai Vasarhelyi (ambos vencedores do Oscar por "Free Solo" e responsáveis pelo ótimo "De Volta ao Espaço") é, de fato, uma conquista cinematográfica notável em todos os aspectos técnicos ao unir elementos documentais em uma narrativa ficcional das mais interessantes e dinâmicas. Mesmo que notavelmente siga uma fórmula para muitos "batida" (o que não é o meu caso, que fique claro), "Nyad" compensa pela humanização de sua história e pela emoção que ela provoca. A capacidade de Chin e Vasarhelyi em nos colocar ao lado da atleta, no meio do oceano, enfrentando o desconhecido, nos remete ao estilo conceitual angustiante de "Mar Aberto", ou seja, pode se preparar para uma experiência realmente sensorial, embora maquiada como um clássico drama de superação.
A fotografia do chileno Claudio Miranda é um espetáculo! Miranda, que já ganhou um Oscar com a "As Aventuras de Pi", constrói uma atmosfera de tirar o fôlego, capturando a solidão das vastas e muito desafiadoras paisagens do oceano com a mesma maestria com que desnuda a intimidade de Diana em momentos que teria tudo para se tornar piegas. E aqui talvez caiba uma única e pontual critica ao filme: os flashbacks ajudam a contextualizar os fantasmas da protagonista, mas a forma como essas passagens foram retratadas me soa "um caminho confortável demais". Tanto Bening como Foster se esforçam para entregar performances emocionalmente poderosas, compartilhando suas experiências com uma autenticidade que toca o coração, mas essas quebras narrativas até o passado, realmente, não surgem com a mesma potência.
"Nyad" tem um tom inspirador na sua proposta. Por se tratar de uma jornada de superação, determinação e força de vontade, fica fácil nos conectarmos, mesmo com algumas "frases de caminhão" perdidas no roteiro, algo como: "O diamante é apenas um pedaço de carvão que não desistiu". Isso prejudica o filme? Não, desde que você esteja disposto a mergulhar (sem trocadilhos) nesse tipo de subgênero. Para muitos, essa experiência vai significar algo muito além do que um simples entretenimento; será um lembrete poderoso de que os limites só existem para serem ultrapassados e blá, blá, blá. Para outros, serão 120 minutos de uma trama equilibrada, que emociona e que deixa o coração mais quentinho. Independente de onde você se encaixar, uma coisa eu posso te garantir: essa história merecia ser contada e Diana merece ser ainda mais conhecida!
Vale seu play!
"O Abraço da Serpente" é um filme muito complicado de assistir, que foge dos padrões estéticos e narrativos que estamos acostumados, e mesmo chancelado por mais de 40 prêmios em Festivais Internacionais (que incluem Cannes e Sundance), além de uma indicação de "Melhor Filme Internacional" no Oscar 2016, eu diria que apenas um público muito pequeno e selecionado vai se conectar com a história e se permitir às profundas reflexões que o diretor colombiano Ciro Guerra propõe.
Com a ajuda do xamã Karamakate (Nilbio Torres), Theodor Koch-Grunberg (Jan Bijvoet), um famoso explorador europeu, percorreu centenas de quilómetros do rio Amazonas quando, gravemente doente, buscava uma flor que poderia ser o objeto de sua cura. Anos depois, Richard Evans Schultes (Brionne Davis), considerado o pai da etnobotânica moderna, que tendo as publicações de Grunberg em mãos, tenta refazer os passos do pesquisador ao lado do mesmo Karamakate (aqui Antonio Bolívar) para encontrar a tal planta lendária. Confira o trailer:
O "preto e branco" da fotografia de David Gallego (de "Sal") é um contraponto potente com a diversidade de cores que representa o cenário por onde a história do filme se desenrola, mas ao mesmo tempo foi a forma como Guerra estabeleceu a frieza daqueles dois recortes temporais - quando acompanhamos Théo, estamos nos primeiros anos da década de 1900; quando somos apresentados para Evans, já estamos no meio do século; porém nada mudou, ou melhor, se transformou em algo muito pior! A missão religiosa (e o que isso se tornou) nos causa um forte (forte mesmo) impacto emocional - é incrível como o filme se apropria de uma linguagem quase documental para explorar de forma antropológica como a cultura indígena foi destruída (ou ceifada) pela catequização. A passagem que mostra o Messias louco no meio do "nada" é tão atual quanto a assustadora relação do um missionário colombiano com crianças indígenas - tudo em nome de Deus.
Grande parte de "O Abraço da Serpente" nos entrega a natureza como parte de uma jornada espiritual. Há muito simbolismo e até metáforas já que a percepção de mundo de um xamã é completamente diferente de um ocidental, no entanto, é muito interessante como o roteiro conecta esses dois mundos e propõe uma discussão inteligente sobre ação e consequência - mesmo que em alguns momentos soe como ato de boa-fé (a passagem da bússola é um bom exemplo, reparem). Tanto Bijvoet quanto Davis estão impecáveis na pele dos exploradores, mas, sem dúvida, é Nilbio Torres que se destaca - é impressionante como é possível sentir sua dor sem ao menos precisar entender uma palavra do seu dialeto.
"O Abraço da Serpente" retrata tantas nuances da colonização cultural na América que chega a embrulhar o estômago. Poucas vezes vi a ficção ser tão dura (e realista) sem precisar exaltar o indígena como individuo intocável. Esse realismo visceral só nos ajuda a entender como a preservação antropológica de uma cultura é importante e como ela continua praticamente esquecida até hoje. O filme é sim uma forte crítica a todas questões pertinentes que envolveram a colonização, como a extração irregular das riquezas naturais (para produzir borracha), ou o braço pesado do homem branco sobre o povo indígena como elemento de imposição e, claro, o total esgotamento (contínuo) de um povo cheio de sabedoria que já não existe mais.
Não espere uma jornada fácil - o que você vai encontrar é uma jornada cadenciada, profunda e de difícil absorção; mas que vale muito a pena!
"O Abraço da Serpente" é um filme muito complicado de assistir, que foge dos padrões estéticos e narrativos que estamos acostumados, e mesmo chancelado por mais de 40 prêmios em Festivais Internacionais (que incluem Cannes e Sundance), além de uma indicação de "Melhor Filme Internacional" no Oscar 2016, eu diria que apenas um público muito pequeno e selecionado vai se conectar com a história e se permitir às profundas reflexões que o diretor colombiano Ciro Guerra propõe.
Com a ajuda do xamã Karamakate (Nilbio Torres), Theodor Koch-Grunberg (Jan Bijvoet), um famoso explorador europeu, percorreu centenas de quilómetros do rio Amazonas quando, gravemente doente, buscava uma flor que poderia ser o objeto de sua cura. Anos depois, Richard Evans Schultes (Brionne Davis), considerado o pai da etnobotânica moderna, que tendo as publicações de Grunberg em mãos, tenta refazer os passos do pesquisador ao lado do mesmo Karamakate (aqui Antonio Bolívar) para encontrar a tal planta lendária. Confira o trailer:
O "preto e branco" da fotografia de David Gallego (de "Sal") é um contraponto potente com a diversidade de cores que representa o cenário por onde a história do filme se desenrola, mas ao mesmo tempo foi a forma como Guerra estabeleceu a frieza daqueles dois recortes temporais - quando acompanhamos Théo, estamos nos primeiros anos da década de 1900; quando somos apresentados para Evans, já estamos no meio do século; porém nada mudou, ou melhor, se transformou em algo muito pior! A missão religiosa (e o que isso se tornou) nos causa um forte (forte mesmo) impacto emocional - é incrível como o filme se apropria de uma linguagem quase documental para explorar de forma antropológica como a cultura indígena foi destruída (ou ceifada) pela catequização. A passagem que mostra o Messias louco no meio do "nada" é tão atual quanto a assustadora relação do um missionário colombiano com crianças indígenas - tudo em nome de Deus.
Grande parte de "O Abraço da Serpente" nos entrega a natureza como parte de uma jornada espiritual. Há muito simbolismo e até metáforas já que a percepção de mundo de um xamã é completamente diferente de um ocidental, no entanto, é muito interessante como o roteiro conecta esses dois mundos e propõe uma discussão inteligente sobre ação e consequência - mesmo que em alguns momentos soe como ato de boa-fé (a passagem da bússola é um bom exemplo, reparem). Tanto Bijvoet quanto Davis estão impecáveis na pele dos exploradores, mas, sem dúvida, é Nilbio Torres que se destaca - é impressionante como é possível sentir sua dor sem ao menos precisar entender uma palavra do seu dialeto.
"O Abraço da Serpente" retrata tantas nuances da colonização cultural na América que chega a embrulhar o estômago. Poucas vezes vi a ficção ser tão dura (e realista) sem precisar exaltar o indígena como individuo intocável. Esse realismo visceral só nos ajuda a entender como a preservação antropológica de uma cultura é importante e como ela continua praticamente esquecida até hoje. O filme é sim uma forte crítica a todas questões pertinentes que envolveram a colonização, como a extração irregular das riquezas naturais (para produzir borracha), ou o braço pesado do homem branco sobre o povo indígena como elemento de imposição e, claro, o total esgotamento (contínuo) de um povo cheio de sabedoria que já não existe mais.
Não espere uma jornada fácil - o que você vai encontrar é uma jornada cadenciada, profunda e de difícil absorção; mas que vale muito a pena!
Impossível começar esse review sem dizer que, em “O Abutre”, Jake Gyllenhaal tem o melhor desempenho de toda sua carreira e é impressionante, impressionante não, melhor: é injusto que ele não tenha sido indicado ao Oscar de 2015 por esse papel. Alias, "Nightcrawler" (no original) só foi indicado em uma categoria: Melhor Roteiro Original.
Na trama, o jovem Louis Bloom (Jake Gyllenhaal) enfrenta dificuldades para conseguir um emprego formal. Depois de testemunhar um trágico acidente, ele decide entrar no agitado submundo do jornalismo criminal independente de Los Angeles. A fórmula é simples: correr atrás de crimes e acidentes chocantes, registrar tudo e vender a história para veículos sensacionalistas que se interessarem. Confira o trailer:
A mudança de Jake Gyllenhaal é nítida, ele perdeu 14 quilos para dar vida ao obscuro e misterioso Louis Bloom. Mas não se trata de uma mudança corporal apenas, seus olhos mudaram, sua feição é outra, e em muitos momentos chega ser assustador o que ele conseguiu fazer com o seu personagem. Se você gostou da atuação de Joaquin Phoenix em “Coringa”, certamente vai apreciar esse trabalho de Gyllenhaal.
Mas “O Abutre” não se trata apenas de Jake Gyllenhaal, embora se destaque mais que outros acertos do filme, o elenco ainda conta com Rene Russo e Riz Ahmed que também estão ótimos em seus papéis. O diretor de fotografia Robert Elswit é o mesmo de “Sangue Negro” (outro filme espetacular), cria aquela atmosfera caótica de uma noite urbana com primor, fazendo referências visuais através do uso cores que nos remetem aos clássicos como “Taxi Driver”, por exemplo. A trilha sonora é do James Newton Howard, e ajuda na composição de toda a estranheza necessária para o desenrolar dessa trama envolvente - inclusive, esse é um thriller que vai causar incômodo propositalmente.
O filme de Dan Gilroy, estreante como diretor, mergulha fundo na crítica sobre o que a mídia vende e o que as pessoas consomem, além de retratar assuntos delicados como ética moral e social, com isso, “O Abutre” também expõe o pior lado do ser humano e o que algumas pessoas são capazes de fazer para obter êxito profissional - mesmo que isso custe a vida de outras pessoas.
Vale muito a pena, mas não será uma jornada tranquila!
Apenas para chancelar a recomendação, “O Abutre” foi o grande vencedor do "Film Independent Spirit Awards" de 2015 em duas categorias: "Melhor Filme de um Diretor Estreante" e "Melhor Diretor".
Escrito por Mark Hewes - uma parceria @indiqueipraver
Impossível começar esse review sem dizer que, em “O Abutre”, Jake Gyllenhaal tem o melhor desempenho de toda sua carreira e é impressionante, impressionante não, melhor: é injusto que ele não tenha sido indicado ao Oscar de 2015 por esse papel. Alias, "Nightcrawler" (no original) só foi indicado em uma categoria: Melhor Roteiro Original.
Na trama, o jovem Louis Bloom (Jake Gyllenhaal) enfrenta dificuldades para conseguir um emprego formal. Depois de testemunhar um trágico acidente, ele decide entrar no agitado submundo do jornalismo criminal independente de Los Angeles. A fórmula é simples: correr atrás de crimes e acidentes chocantes, registrar tudo e vender a história para veículos sensacionalistas que se interessarem. Confira o trailer:
A mudança de Jake Gyllenhaal é nítida, ele perdeu 14 quilos para dar vida ao obscuro e misterioso Louis Bloom. Mas não se trata de uma mudança corporal apenas, seus olhos mudaram, sua feição é outra, e em muitos momentos chega ser assustador o que ele conseguiu fazer com o seu personagem. Se você gostou da atuação de Joaquin Phoenix em “Coringa”, certamente vai apreciar esse trabalho de Gyllenhaal.
Mas “O Abutre” não se trata apenas de Jake Gyllenhaal, embora se destaque mais que outros acertos do filme, o elenco ainda conta com Rene Russo e Riz Ahmed que também estão ótimos em seus papéis. O diretor de fotografia Robert Elswit é o mesmo de “Sangue Negro” (outro filme espetacular), cria aquela atmosfera caótica de uma noite urbana com primor, fazendo referências visuais através do uso cores que nos remetem aos clássicos como “Taxi Driver”, por exemplo. A trilha sonora é do James Newton Howard, e ajuda na composição de toda a estranheza necessária para o desenrolar dessa trama envolvente - inclusive, esse é um thriller que vai causar incômodo propositalmente.
O filme de Dan Gilroy, estreante como diretor, mergulha fundo na crítica sobre o que a mídia vende e o que as pessoas consomem, além de retratar assuntos delicados como ética moral e social, com isso, “O Abutre” também expõe o pior lado do ser humano e o que algumas pessoas são capazes de fazer para obter êxito profissional - mesmo que isso custe a vida de outras pessoas.
Vale muito a pena, mas não será uma jornada tranquila!
Apenas para chancelar a recomendação, “O Abutre” foi o grande vencedor do "Film Independent Spirit Awards" de 2015 em duas categorias: "Melhor Filme de um Diretor Estreante" e "Melhor Diretor".
Escrito por Mark Hewes - uma parceria @indiqueipraver
"O Acontecimento" é um drama pesadíssimo, visceral eu diria! A jornada que começa amena, quase juvenil, vai ganhando força e brutalidade até alcançar o seu ápice no terceiro ato. Sim, durante os mais de 90 minutos de filme, em vários momentos você sentirá a dor da protagonista - e aqui eu não falo apenas da dor física, embora ela exista e seja brilhantemente retratada pela diretora Audrey Diwan (de "À Beira da Loucura "); eu falo daquela dor na alma que nos tira do eixo, que nos faz refletir sobre o outro - algo como vimos recentemente em “Pieces of a Woman”, por exemplo.
O filme conta a história de Anne (Anamaria Vartolomei), uma jovem garota que engravida e que simplesmente não quer e não pode ter aquela criança, já que seu futuro brilhante seria comprometido. No entanto, na França dos anos 1960, o direito ao aborto ainda não existia. Pelo contrário: qualquer um que praticasse o aborto, tanto a mulher quanto o médico, seria preso. Anne então precisa correr contra o tempo para encontrar uma solução antes de colocar sua própria vida em risco. Confira o trailer:
Essa produção francesa chega ao streaming chancelada pelo "Golden Lion" e pelo "FIPRESCI Prize" no Festival de Veneza em 2021. Além de uma carreira internacional de respeito, "O Acontecimento" ainda rendeu muitos elogios da crítica especializada e do público, o que coloca o filme naquela disputada prateleira de grandes surpresas do ano. E não é para menos, de fato "L'événement" (no original) impressiona ao se aprofundar de uma maneira muito cruel no realismo de uma situação tão atual que nem nos damos conta que o filme se passa na década de 60.
Graças ao aspecto 4:3 (aquele mais quadrado das TVs de tubo de antigamente) em que foi filmado, a diretora é capaz de provocar sensações das mais desagradáveis para audiência - essa escolha conceitual incomoda muito, gera uma certa percepção de angústia, de opressão, de limite. Curiosamente, a história da protagonista, ou seja, o "conteúdo" do filme, está completamente alinhado à "forma" com que presenciamos o seu sofrimento. A jornada de Anne é dura, solitária demais - chega a ser impressionante como a atriz Anamaria Vartolomei encontra o tom certo, introspectivo, para lidar com suas decisões e consequências. A cena em Anne tenta fazer o aborto por si só, por exemplo, é simplesmente desesperadora, além de impactante.
Baseado no aclamado livro de Annie Ernaux, o que vemos na tela é um adaptação extremamente autoral e de altíssima qualidade cinematográfica. "O Acontecimento" é cadenciado, sem nenhuma ação aparente, até repetitivo em alguns momentos, mas com o tempo se apropria de uma verdadeira experiência sensorial para entregar um mergulho no íntimo da mulher e na forma como ela é julgada pela sociedade. Não é uma jornada confortável da mesma forma em que se mostra necessária a discussão sobre um tema polêmico e muito importante nos dias de hoje (mesmo 60 anos depois).
Vale muito o seu play!
"O Acontecimento" é um drama pesadíssimo, visceral eu diria! A jornada que começa amena, quase juvenil, vai ganhando força e brutalidade até alcançar o seu ápice no terceiro ato. Sim, durante os mais de 90 minutos de filme, em vários momentos você sentirá a dor da protagonista - e aqui eu não falo apenas da dor física, embora ela exista e seja brilhantemente retratada pela diretora Audrey Diwan (de "À Beira da Loucura "); eu falo daquela dor na alma que nos tira do eixo, que nos faz refletir sobre o outro - algo como vimos recentemente em “Pieces of a Woman”, por exemplo.
O filme conta a história de Anne (Anamaria Vartolomei), uma jovem garota que engravida e que simplesmente não quer e não pode ter aquela criança, já que seu futuro brilhante seria comprometido. No entanto, na França dos anos 1960, o direito ao aborto ainda não existia. Pelo contrário: qualquer um que praticasse o aborto, tanto a mulher quanto o médico, seria preso. Anne então precisa correr contra o tempo para encontrar uma solução antes de colocar sua própria vida em risco. Confira o trailer:
Essa produção francesa chega ao streaming chancelada pelo "Golden Lion" e pelo "FIPRESCI Prize" no Festival de Veneza em 2021. Além de uma carreira internacional de respeito, "O Acontecimento" ainda rendeu muitos elogios da crítica especializada e do público, o que coloca o filme naquela disputada prateleira de grandes surpresas do ano. E não é para menos, de fato "L'événement" (no original) impressiona ao se aprofundar de uma maneira muito cruel no realismo de uma situação tão atual que nem nos damos conta que o filme se passa na década de 60.
Graças ao aspecto 4:3 (aquele mais quadrado das TVs de tubo de antigamente) em que foi filmado, a diretora é capaz de provocar sensações das mais desagradáveis para audiência - essa escolha conceitual incomoda muito, gera uma certa percepção de angústia, de opressão, de limite. Curiosamente, a história da protagonista, ou seja, o "conteúdo" do filme, está completamente alinhado à "forma" com que presenciamos o seu sofrimento. A jornada de Anne é dura, solitária demais - chega a ser impressionante como a atriz Anamaria Vartolomei encontra o tom certo, introspectivo, para lidar com suas decisões e consequências. A cena em Anne tenta fazer o aborto por si só, por exemplo, é simplesmente desesperadora, além de impactante.
Baseado no aclamado livro de Annie Ernaux, o que vemos na tela é um adaptação extremamente autoral e de altíssima qualidade cinematográfica. "O Acontecimento" é cadenciado, sem nenhuma ação aparente, até repetitivo em alguns momentos, mas com o tempo se apropria de uma verdadeira experiência sensorial para entregar um mergulho no íntimo da mulher e na forma como ela é julgada pela sociedade. Não é uma jornada confortável da mesma forma em que se mostra necessária a discussão sobre um tema polêmico e muito importante nos dias de hoje (mesmo 60 anos depois).
Vale muito o seu play!
"O Amor de Sylvie" é basicamente uma linda homenagem aos romances clássicos do cinema dos anos 60 - em sua forma e em seu conteúdo! Um filme delicioso de assistir, leve e bem conduzido, mesmo quando se apoia em fórmulas e soluções completamente previsíveis. O fato é que o filme chega com a chancela de sua indicação ao Emmy 2021 como "Melhor Filme para TV".
Sylvie (Tessa Thompson) é uma moça comprometida e apaixonada por música que trabalha na loja de discos de seu pai, mas sonha em ser uma produtora de TV. Quando conhece Robert (Nnamdi Asomugha) vê que seu amor é personificado pelo talentoso músico em ascensão. A partir daí, Sylvie precisa lidar com suas escolhas antes de decidir entre ficar ao lado do grande amor da sua vida, buscar seus sonhos ou viver o futuro que sua mãe escolheu para ela. Confira o trailer (em inglês):
O filme tem uma ambientação criada em cima dos anos 60 de uma Nova Yorke movida pelo jazz - e é bastante competente nesse quesito. Desenho de Produção, Figurino e a Fotografia do Declan Quinn (o mesmo de "Hamilton" e "A Cabana") estão fielmente alinhadas com o conceito estético mais clássico que o Diretor Eugene Ashe (de "Homecoming") quis imprimir. As cores mais contrastadas são levemente esverdeados em alguns momentos e mais escuras ou amareladas em outros. Até a inserção de uma excelente trilha sonora e letterings de apresentação e encerramento se comunicam com o visual de "O Amor de Sylvie" organicamente - de fato é um excelente trabalho, coerente!
O roteiro em si é simples, mas potente. Os dois primeiros atos focam no romance como barreira social e o terceiro traz mais o lado pessoal para a narrativa. Elementos como racismo e igualdade de gêneros são delicadamente bem pontuados, passando a mensagem, mas sem levantar nenhum tipo de bandeira ou ser institucional demais - o que vale é o sentimento disso tudo, afinal, estamos falando de um romance clássico! Se Nnamdi Asomugha é uma ótima surpresa, é Tessa Thompson que conquista a nossa simpatia imediatamente - sua composição é suave, sem excessos, no tom exato para nos fazer sentir suas aflições ao mesmo tempo que é forte o suficiente para nos deixar claro suas intenções.
"O Amor de Sylvie" tem um gostinho de nostalgia, uma atmosfera encantadora, mas também, como comentei, é bastante previsível. O filme segue exatamente o arco do típico romance "Sessão da Tarde" - o que não significa que o resultado seja ruim, muito pelo contrário, ele é realmente bom. Pode dar o play sem medo, porque a história vai te deixar com o coração leve e com a alma preenchida!
E atenção: o filme não acaba com o "The End", atenção aos letterings finais.
"O Amor de Sylvie" é basicamente uma linda homenagem aos romances clássicos do cinema dos anos 60 - em sua forma e em seu conteúdo! Um filme delicioso de assistir, leve e bem conduzido, mesmo quando se apoia em fórmulas e soluções completamente previsíveis. O fato é que o filme chega com a chancela de sua indicação ao Emmy 2021 como "Melhor Filme para TV".
Sylvie (Tessa Thompson) é uma moça comprometida e apaixonada por música que trabalha na loja de discos de seu pai, mas sonha em ser uma produtora de TV. Quando conhece Robert (Nnamdi Asomugha) vê que seu amor é personificado pelo talentoso músico em ascensão. A partir daí, Sylvie precisa lidar com suas escolhas antes de decidir entre ficar ao lado do grande amor da sua vida, buscar seus sonhos ou viver o futuro que sua mãe escolheu para ela. Confira o trailer (em inglês):
O filme tem uma ambientação criada em cima dos anos 60 de uma Nova Yorke movida pelo jazz - e é bastante competente nesse quesito. Desenho de Produção, Figurino e a Fotografia do Declan Quinn (o mesmo de "Hamilton" e "A Cabana") estão fielmente alinhadas com o conceito estético mais clássico que o Diretor Eugene Ashe (de "Homecoming") quis imprimir. As cores mais contrastadas são levemente esverdeados em alguns momentos e mais escuras ou amareladas em outros. Até a inserção de uma excelente trilha sonora e letterings de apresentação e encerramento se comunicam com o visual de "O Amor de Sylvie" organicamente - de fato é um excelente trabalho, coerente!
O roteiro em si é simples, mas potente. Os dois primeiros atos focam no romance como barreira social e o terceiro traz mais o lado pessoal para a narrativa. Elementos como racismo e igualdade de gêneros são delicadamente bem pontuados, passando a mensagem, mas sem levantar nenhum tipo de bandeira ou ser institucional demais - o que vale é o sentimento disso tudo, afinal, estamos falando de um romance clássico! Se Nnamdi Asomugha é uma ótima surpresa, é Tessa Thompson que conquista a nossa simpatia imediatamente - sua composição é suave, sem excessos, no tom exato para nos fazer sentir suas aflições ao mesmo tempo que é forte o suficiente para nos deixar claro suas intenções.
"O Amor de Sylvie" tem um gostinho de nostalgia, uma atmosfera encantadora, mas também, como comentei, é bastante previsível. O filme segue exatamente o arco do típico romance "Sessão da Tarde" - o que não significa que o resultado seja ruim, muito pelo contrário, ele é realmente bom. Pode dar o play sem medo, porque a história vai te deixar com o coração leve e com a alma preenchida!
E atenção: o filme não acaba com o "The End", atenção aos letterings finais.
Tem Diretor que te dá a certeza de um grande filme e o iraniano Asghar Farhadié um desses caras. Todos os filmes dele são realmente muito bons, acima da média! "O apartamento" não é diferente: ganhou Cannes, Oscar, Globo de Ouro e mais de 80 festivais importantes pelo mundo!
"The Salesman" (em titulo internacional) conta a história de um casal que é obrigado a se mudar para um apto onde a antiga moradora era uma prostituta. Essa particularidade acaba gerando uma situação que marca a relação deles, iniciando um jogo psicológico ao melhor estilo Denis Villeneuve em "Os Suspeitos". Confira o trailer:
A trama de "O Apartamento" apresenta o casal Emad (Shahab Hosseini) e Rana (Taraneh Alidoosti) novos locatários do apartamento de Babak (Babak Karimi), que acabou despejando a antiga moradora, uma prostituta. Certa noite, Rana esquece a porta do apartamento aberta e acaba sendo estuprada por um intruso misterioso que deixa para trás algumas pistas de sua identidade. Revoltado, Emad prefere não avisar a polícia e inicia uma investigação por conta própria na tentativa de descobrir o autor do crime enquanto tenta apoiar sua esposa, manter seu emprego, superar o trauma e continuar sua vida.
Uma das coisas que precisamos elogiar no trabalho sensacional do Asghar Farhadi é sua discrição - ele dirige seus filmes sem querer aparecer mais do que sua obra. Em todos os seus trabalhos, ele coloca a câmera sempre no melhor lugar, mesmo que esse lugar seja o mais óbvio possível para contar aquela parte da história. Ele é muito técnico, seguro e prioriza o trabalho de direção de atores como poucos da sua geração - o que inegavelmente faz toda a diferença. Reparem aqui no trabalho profundo de Hosseini e Alidoosti!
Outra coisa que chama muito a atenção ao acompanhar o trabalho de Farhadi é que ele escreve todos os filmes que dirige - chega ser impressionante como ele consegue manter a qualidade da escrita alinhada com a sua capacidade como diretor. Em "O Apartamento", ele vai construindo uma narrativa densa e multifacetada, explorando as profundezas da psique humana e as complexas relações interpessoais - eu diria que seu principal gatilho está justamente em desvendar os segredos dos personagens e a questionar suas motivações. Isso cria uma atmosfera de angustia onde, a cada cena, a tensão e o suspense só aumentam, mas de uma forma muito palpável.
Asghar Farhadi tem 2 Oscars, e só não ganhou o terceiro com "O Passado" em 2014 porque seria barbada demais - tanto que já tinha levado o Globo de Ouro naquele ano. Agora é preciso que se diga: "O Apartamento" é indigesto ao retratar temas como violência, vingança, culpa e redenção em uma jornada que não oferece respostas fáceis, mas que nos leva por uma jornada profunda de julgamento e de análise moral dos personagens e, claro, de suas ações. Imperdível!
Sim, estamos diante de um cinema iraniano de muita qualidade!
Tem Diretor que te dá a certeza de um grande filme e o iraniano Asghar Farhadié um desses caras. Todos os filmes dele são realmente muito bons, acima da média! "O apartamento" não é diferente: ganhou Cannes, Oscar, Globo de Ouro e mais de 80 festivais importantes pelo mundo!
"The Salesman" (em titulo internacional) conta a história de um casal que é obrigado a se mudar para um apto onde a antiga moradora era uma prostituta. Essa particularidade acaba gerando uma situação que marca a relação deles, iniciando um jogo psicológico ao melhor estilo Denis Villeneuve em "Os Suspeitos". Confira o trailer:
A trama de "O Apartamento" apresenta o casal Emad (Shahab Hosseini) e Rana (Taraneh Alidoosti) novos locatários do apartamento de Babak (Babak Karimi), que acabou despejando a antiga moradora, uma prostituta. Certa noite, Rana esquece a porta do apartamento aberta e acaba sendo estuprada por um intruso misterioso que deixa para trás algumas pistas de sua identidade. Revoltado, Emad prefere não avisar a polícia e inicia uma investigação por conta própria na tentativa de descobrir o autor do crime enquanto tenta apoiar sua esposa, manter seu emprego, superar o trauma e continuar sua vida.
Uma das coisas que precisamos elogiar no trabalho sensacional do Asghar Farhadi é sua discrição - ele dirige seus filmes sem querer aparecer mais do que sua obra. Em todos os seus trabalhos, ele coloca a câmera sempre no melhor lugar, mesmo que esse lugar seja o mais óbvio possível para contar aquela parte da história. Ele é muito técnico, seguro e prioriza o trabalho de direção de atores como poucos da sua geração - o que inegavelmente faz toda a diferença. Reparem aqui no trabalho profundo de Hosseini e Alidoosti!
Outra coisa que chama muito a atenção ao acompanhar o trabalho de Farhadi é que ele escreve todos os filmes que dirige - chega ser impressionante como ele consegue manter a qualidade da escrita alinhada com a sua capacidade como diretor. Em "O Apartamento", ele vai construindo uma narrativa densa e multifacetada, explorando as profundezas da psique humana e as complexas relações interpessoais - eu diria que seu principal gatilho está justamente em desvendar os segredos dos personagens e a questionar suas motivações. Isso cria uma atmosfera de angustia onde, a cada cena, a tensão e o suspense só aumentam, mas de uma forma muito palpável.
Asghar Farhadi tem 2 Oscars, e só não ganhou o terceiro com "O Passado" em 2014 porque seria barbada demais - tanto que já tinha levado o Globo de Ouro naquele ano. Agora é preciso que se diga: "O Apartamento" é indigesto ao retratar temas como violência, vingança, culpa e redenção em uma jornada que não oferece respostas fáceis, mas que nos leva por uma jornada profunda de julgamento e de análise moral dos personagens e, claro, de suas ações. Imperdível!
Sim, estamos diante de um cinema iraniano de muita qualidade!
É muito difícil olhar para "O Aprendiz" simplesmente pelo viés cinematográfico. Independente do posicionamento político, é praticamente impossível desassociar a figura pública de Donald Trump de um ser-humano com uma dificuldade enorme de lidar com o poder - graças as suas incontáveis inseguranças que aliás, o filme pontua com perfeição. Ao olhar pela perspectiva do empreendedor, certamente você vai encontrar em seu íntimo, traços megalomaníacos de um Adam Neumann com uma boa dose de fraqueza de Mark Zuckerberg - e aqui estou levando muito em consideração o que assistimos em "WeCrashed" e em "A Rede Social" (nada mais). Pois bem, "O Aprendiz" não é apenas um filme biográfico convencional, mas um estudo de personagem que examina as engrenagens do poder e a construção de uma persona pública. Dirigido por Ali Abbasi (de "Holy Spider") e roteirizado por Gabriel Sherman (de "A Voz Mais Forte"), temos aqui um recorte capaz de nos levar pelos bastidores da ascensão de Trump nos anos 1970 e 1980, explorando sua relação com o polêmico advogado e estrategista Roy Cohn. Longe de um retrato panfletário, o filme se apresenta como um drama psicológico dos mais eficientes, especialmente por discutir as nuances da ambição, da corrupção e da formação de um dos personagens mais polarizadores da história recente. A abordagem de Abbasi nos remete a obras como "O Lobo de Wall Street" e "Vice" com um toque nostálgico de "Succession", onde a ascensão ao poder é tratada com um misto de fascínio e, principalmente, de repulsa.
No início de sua carreira, Donald Trump (Sebastian Stan) buscou orientação de Roy Cohn (Jeremy Strong), advogado de extrema direita conhecido por sua influência pouco ortodoxa nos bastidores da política e dos negócios. Cohn se tornou uma figura determinante para a consolidação do ambicioso jovem empresário no mercado imobiliário, especialmente nos círculos de poder de Nova York. Ao longo dos anos, essa relação moldou não apenas sua trajetória profissional, mas sua visão de mundo e sua estratégia política. Confira o trailer:
Ali Abbasi constrói sua narrativa sem apelar para caricaturas ou julgamentos óbvios. Em vez disso, ele nos apresenta um jovem Trump ainda em processo de formação, absorvendo a crueldade e o pragmatismo de Cohn. A relação entre os dois é o coração do filme, funcionando como uma espécie de pacto faustiano, onde Trump, inicialmente ingênuo e ambicioso, aprende a manipular e dobrar as regras do jogo para alcançar seus objetivos - e aqui é preciso elogiar de pé, Jeremy Strong. Ele entrega uma performance que canaliza toda a arrogância, astúcia e frieza de Cohn, um personagem que se torna quase um mentor malévolo para Trump. Enquanto Sebastian Stan constrói um Trump diferente do que estamos acostumados a ver na mídia. Não é a figura bombástica dos anos 2010, mas um jovem empresário tentando consolidar seu nome em Nova York. Sua atuação foge da imitação barata na busca por nuances: há momentos de insegurança, hesitação e até mesmo vulnerabilidade, mas sempre permeados por uma crescente absorção da filosofia implacável de Cohn. A transformação ao longo da jornada é sutil, mas perceptível – e é aí que Abbasi acerta em cheio. Ele nos faz testemunhar a mutação do protagonista, em vez de simplesmente retratar a história por si só.
A direção de Abbasi aposta em um realismo seco, evitando os maneirismos estilísticos comuns em cinebiografias políticas. A fotografia do dinamarquês Kasper Tuxen (de "Loucos por Justiça") é primorosa - ele cria uma ambientação com tons frios e pastéis, sempre muito granulado, em enquadramentos que projetam os contrastes entre os luxuosos escritórios e os ambientes mais sombrios onde as negociações de bastidores aconteciam - é difícil não se perguntar a razão pela qual Tuxen não foi indicado ao Oscar 2025. O desenho de produção é outro espetáculo - limitado pelo aspecto 4:3 da tela, ele recria com precisão a Nova York dos anos 70 e 80, trazendo detalhes que vão desde dos trajes impecáveis de Cohn até os primeiros edifícios que levariam o nome Trump na fachada. Outro ponto que favorece demais nossa imersão é a trilha sonora - ela transita entre o minimalismo que intensifica a tensão e o jogo de poder entre os personagens com as referências culturais da época, marcada por bandas como Pet Shop Boys, por exemplo!
O roteiro de Gabriel Sherman se baseia em pesquisas detalhadas e depoimentos sobre essa fase inicial da vida de Trump, mas evita cair em uma abordagem documental. Em vez disso, a estrutura de "O Aprendiz" se assemelha ao drama mais psicológico, onde cada decisão tomada pelo protagonista tem consequências que reverberam até hoje. O diálogo é afiado, refletindo a retórica agressiva de Cohn e o aprendizado gradual de Trump em dominar o discurso e a manipulação da mídia. Mesmo que o filme não tente oferecer respostas definitivas sobre o impacto da relação entre Trump e Cohn, ele deixa claro como esse período foi determinante para o que viria depois - a transformação do jovem empresário em um jogador implacável da política e dos negócios não é tratada como um evento isolado, mas como um processo meticulosamente arquitetado.
Veja, "O Aprendiz" não é um filme que busca escândalos ou grandes revelações, mas sim uma imersão na mentalidade de poder e influência que moldou um dos personagens mais controversos do EUA, ou seja, para aqueles interessados em histórias de ascensão e corrupção, este é um drama que vale a pena ser visto e, claro, debatido.
Up Date: Tanto Sebastian Stan quanto Jeremy Strong foram indicados ao Oscar 2025 - o trabalho dos dois é uma aula!
É muito difícil olhar para "O Aprendiz" simplesmente pelo viés cinematográfico. Independente do posicionamento político, é praticamente impossível desassociar a figura pública de Donald Trump de um ser-humano com uma dificuldade enorme de lidar com o poder - graças as suas incontáveis inseguranças que aliás, o filme pontua com perfeição. Ao olhar pela perspectiva do empreendedor, certamente você vai encontrar em seu íntimo, traços megalomaníacos de um Adam Neumann com uma boa dose de fraqueza de Mark Zuckerberg - e aqui estou levando muito em consideração o que assistimos em "WeCrashed" e em "A Rede Social" (nada mais). Pois bem, "O Aprendiz" não é apenas um filme biográfico convencional, mas um estudo de personagem que examina as engrenagens do poder e a construção de uma persona pública. Dirigido por Ali Abbasi (de "Holy Spider") e roteirizado por Gabriel Sherman (de "A Voz Mais Forte"), temos aqui um recorte capaz de nos levar pelos bastidores da ascensão de Trump nos anos 1970 e 1980, explorando sua relação com o polêmico advogado e estrategista Roy Cohn. Longe de um retrato panfletário, o filme se apresenta como um drama psicológico dos mais eficientes, especialmente por discutir as nuances da ambição, da corrupção e da formação de um dos personagens mais polarizadores da história recente. A abordagem de Abbasi nos remete a obras como "O Lobo de Wall Street" e "Vice" com um toque nostálgico de "Succession", onde a ascensão ao poder é tratada com um misto de fascínio e, principalmente, de repulsa.
No início de sua carreira, Donald Trump (Sebastian Stan) buscou orientação de Roy Cohn (Jeremy Strong), advogado de extrema direita conhecido por sua influência pouco ortodoxa nos bastidores da política e dos negócios. Cohn se tornou uma figura determinante para a consolidação do ambicioso jovem empresário no mercado imobiliário, especialmente nos círculos de poder de Nova York. Ao longo dos anos, essa relação moldou não apenas sua trajetória profissional, mas sua visão de mundo e sua estratégia política. Confira o trailer:
Ali Abbasi constrói sua narrativa sem apelar para caricaturas ou julgamentos óbvios. Em vez disso, ele nos apresenta um jovem Trump ainda em processo de formação, absorvendo a crueldade e o pragmatismo de Cohn. A relação entre os dois é o coração do filme, funcionando como uma espécie de pacto faustiano, onde Trump, inicialmente ingênuo e ambicioso, aprende a manipular e dobrar as regras do jogo para alcançar seus objetivos - e aqui é preciso elogiar de pé, Jeremy Strong. Ele entrega uma performance que canaliza toda a arrogância, astúcia e frieza de Cohn, um personagem que se torna quase um mentor malévolo para Trump. Enquanto Sebastian Stan constrói um Trump diferente do que estamos acostumados a ver na mídia. Não é a figura bombástica dos anos 2010, mas um jovem empresário tentando consolidar seu nome em Nova York. Sua atuação foge da imitação barata na busca por nuances: há momentos de insegurança, hesitação e até mesmo vulnerabilidade, mas sempre permeados por uma crescente absorção da filosofia implacável de Cohn. A transformação ao longo da jornada é sutil, mas perceptível – e é aí que Abbasi acerta em cheio. Ele nos faz testemunhar a mutação do protagonista, em vez de simplesmente retratar a história por si só.
A direção de Abbasi aposta em um realismo seco, evitando os maneirismos estilísticos comuns em cinebiografias políticas. A fotografia do dinamarquês Kasper Tuxen (de "Loucos por Justiça") é primorosa - ele cria uma ambientação com tons frios e pastéis, sempre muito granulado, em enquadramentos que projetam os contrastes entre os luxuosos escritórios e os ambientes mais sombrios onde as negociações de bastidores aconteciam - é difícil não se perguntar a razão pela qual Tuxen não foi indicado ao Oscar 2025. O desenho de produção é outro espetáculo - limitado pelo aspecto 4:3 da tela, ele recria com precisão a Nova York dos anos 70 e 80, trazendo detalhes que vão desde dos trajes impecáveis de Cohn até os primeiros edifícios que levariam o nome Trump na fachada. Outro ponto que favorece demais nossa imersão é a trilha sonora - ela transita entre o minimalismo que intensifica a tensão e o jogo de poder entre os personagens com as referências culturais da época, marcada por bandas como Pet Shop Boys, por exemplo!
O roteiro de Gabriel Sherman se baseia em pesquisas detalhadas e depoimentos sobre essa fase inicial da vida de Trump, mas evita cair em uma abordagem documental. Em vez disso, a estrutura de "O Aprendiz" se assemelha ao drama mais psicológico, onde cada decisão tomada pelo protagonista tem consequências que reverberam até hoje. O diálogo é afiado, refletindo a retórica agressiva de Cohn e o aprendizado gradual de Trump em dominar o discurso e a manipulação da mídia. Mesmo que o filme não tente oferecer respostas definitivas sobre o impacto da relação entre Trump e Cohn, ele deixa claro como esse período foi determinante para o que viria depois - a transformação do jovem empresário em um jogador implacável da política e dos negócios não é tratada como um evento isolado, mas como um processo meticulosamente arquitetado.
Veja, "O Aprendiz" não é um filme que busca escândalos ou grandes revelações, mas sim uma imersão na mentalidade de poder e influência que moldou um dos personagens mais controversos do EUA, ou seja, para aqueles interessados em histórias de ascensão e corrupção, este é um drama que vale a pena ser visto e, claro, debatido.
Up Date: Tanto Sebastian Stan quanto Jeremy Strong foram indicados ao Oscar 2025 - o trabalho dos dois é uma aula!
"O Aviso" é mais um daqueles suspenses psicológicos intrigantes, muito bem realizado e com um roteiro interessante, mas por conta de uma pequena solução narrativa, certamente, vai dividir opiniões. Esse filme espanhol, produzido pela Netflix se baseia no livro de Paul Pen e conta a história de Jon (Raúl Arévalo) que ao ver seu melhor amigo, David (Sergio Mur), ser baleado enquanto estavam em um posto de gasolina, começa investigar o crime até que percebe um estranho padrão matemático entre vários incidentes que ocorreram no mesmo local durante anos. Ao mesmo tempo, mas dez anos a frente, acompanhamos Nico (Hugo Arbúes), uma criança de nove anos que certo dia recebe um bilhete dizendo que sua vida pode estar em risco se ele for nesse posto de gasolina no dia do seu aniversário. É, eu sei que pode parecer confuso, mas o filme contorna muito bem essa premissa com inteligência. Confira o trailer, dublado:
"O Aviso", na minha opinião, tem mais acertos do que erros - principalmente se você assistir sem muita expectativa e mergulhar na paranóia do protagonista na busca alucinada para entender os padrões que construíram todos os crimes que ocorreram naquele local. Não espere explicações lógicas, por mais controversa que possa parecer a frase já que os números "não mentem" - o fato é que a trama vai fazer algum sentido se você não se preocupar com as respostas e sim com as suposições que o roteiro vai inserindo na história pouco a pouco... e isso é muito divertido!
O diretor Daniel Calparsoro (de "Tormenta" e o "O Silêncio da Cidade Branca") acertou ao brincar com a temporalidade do roteiro sem a necessidade de parecer didático com quem assiste. No início pode causar algum estranhamento, mas lentamente fica fácil entender exatamente quando cada linha narrativa acontece e, claro, nos provoca a imaginar como elas se encontrarão - apenas algumas cenas com um filtro sépia para invocar um passado distante, incomoda um pouco e embora a escolha visual seja justificável, faltou coragem para manter aquele conceito visual mais neutro! A partir do segundo ato, essa conjunção temporal vai ficando cada vez mais óbvia, mas o valor do roteiro de Chris Sparling ("Mercy") e Jorge Guerricaechevarría ("Quem com ferro fere") está em, justamente, não deixar o óbvio atrapalhar a experiência - eles vão nos apresentando outros elementos (inclusive sobrenaturais) com o objetivo de criar mais dúvidas do que repostas - da mesma forma como o grande M. Night Shyamalan nos presenteava em um passado distante.
O elenco merece destaque também: Raúl Arévalo entrega um personagem (Jon) bastante honesto - por sofrer de esquizofrenia e da culpa pelo acidente do amigo, a tendência óbvia era fugir do tom e super valorizar o drama ou o estereótipo; não foi o caso - nem mesmo as aplicações de insetos em um CG bem mequetrefe, atrapalharam seu trabalho! Aura Garrido, a Laura, mãe de Nico, também não cede a tentação do overacting e funciona bem ao equilibrar o fato de ser super protetora com a necessidade de preparar seu filho para enfrentar o mundo! Hugo Arbúes, o Nico, traduz exatamente o que representa uma infância insegura e ameaçada pelo bullying que pode viver um menino mais introvertido nos dias de hoje.
No geral, "O Aviso" funciona muito bem como um ótimo entretenimento que mistura mistério, investigação e suspense (com uma pitada de sobrenatural), que nos deixam intrigados e imersos em uma infinidade de possibilidades que nos movem até o final do filme. Talvez esse final possa decepcionar um pouco (foi o que aconteceu comigo), porém a jornada foi tão divertida que nem dei muita bola para esse vacilo do roteiro. Eu indico, mais pela diversão do que por ser um filme inesquecível!
"O Aviso" é mais um daqueles suspenses psicológicos intrigantes, muito bem realizado e com um roteiro interessante, mas por conta de uma pequena solução narrativa, certamente, vai dividir opiniões. Esse filme espanhol, produzido pela Netflix se baseia no livro de Paul Pen e conta a história de Jon (Raúl Arévalo) que ao ver seu melhor amigo, David (Sergio Mur), ser baleado enquanto estavam em um posto de gasolina, começa investigar o crime até que percebe um estranho padrão matemático entre vários incidentes que ocorreram no mesmo local durante anos. Ao mesmo tempo, mas dez anos a frente, acompanhamos Nico (Hugo Arbúes), uma criança de nove anos que certo dia recebe um bilhete dizendo que sua vida pode estar em risco se ele for nesse posto de gasolina no dia do seu aniversário. É, eu sei que pode parecer confuso, mas o filme contorna muito bem essa premissa com inteligência. Confira o trailer, dublado:
"O Aviso", na minha opinião, tem mais acertos do que erros - principalmente se você assistir sem muita expectativa e mergulhar na paranóia do protagonista na busca alucinada para entender os padrões que construíram todos os crimes que ocorreram naquele local. Não espere explicações lógicas, por mais controversa que possa parecer a frase já que os números "não mentem" - o fato é que a trama vai fazer algum sentido se você não se preocupar com as respostas e sim com as suposições que o roteiro vai inserindo na história pouco a pouco... e isso é muito divertido!
O diretor Daniel Calparsoro (de "Tormenta" e o "O Silêncio da Cidade Branca") acertou ao brincar com a temporalidade do roteiro sem a necessidade de parecer didático com quem assiste. No início pode causar algum estranhamento, mas lentamente fica fácil entender exatamente quando cada linha narrativa acontece e, claro, nos provoca a imaginar como elas se encontrarão - apenas algumas cenas com um filtro sépia para invocar um passado distante, incomoda um pouco e embora a escolha visual seja justificável, faltou coragem para manter aquele conceito visual mais neutro! A partir do segundo ato, essa conjunção temporal vai ficando cada vez mais óbvia, mas o valor do roteiro de Chris Sparling ("Mercy") e Jorge Guerricaechevarría ("Quem com ferro fere") está em, justamente, não deixar o óbvio atrapalhar a experiência - eles vão nos apresentando outros elementos (inclusive sobrenaturais) com o objetivo de criar mais dúvidas do que repostas - da mesma forma como o grande M. Night Shyamalan nos presenteava em um passado distante.
O elenco merece destaque também: Raúl Arévalo entrega um personagem (Jon) bastante honesto - por sofrer de esquizofrenia e da culpa pelo acidente do amigo, a tendência óbvia era fugir do tom e super valorizar o drama ou o estereótipo; não foi o caso - nem mesmo as aplicações de insetos em um CG bem mequetrefe, atrapalharam seu trabalho! Aura Garrido, a Laura, mãe de Nico, também não cede a tentação do overacting e funciona bem ao equilibrar o fato de ser super protetora com a necessidade de preparar seu filho para enfrentar o mundo! Hugo Arbúes, o Nico, traduz exatamente o que representa uma infância insegura e ameaçada pelo bullying que pode viver um menino mais introvertido nos dias de hoje.
No geral, "O Aviso" funciona muito bem como um ótimo entretenimento que mistura mistério, investigação e suspense (com uma pitada de sobrenatural), que nos deixam intrigados e imersos em uma infinidade de possibilidades que nos movem até o final do filme. Talvez esse final possa decepcionar um pouco (foi o que aconteceu comigo), porém a jornada foi tão divertida que nem dei muita bola para esse vacilo do roteiro. Eu indico, mais pela diversão do que por ser um filme inesquecível!
"O Beco do Pesadelo" tem a identidade de peso do seu diretor, Guillermo del Toro ("A Forma da Água" e "O Labirinto do Fauno") - visualmente impecável, com um história envolvente e que te prende do começo ao fim (sempre com uma lição escondida). Talvez um pouco menos "poético" que seus dois filmes que citamos, "O Beco do Pesadelo" usa a exploração da miséria humana (e aqui a "miséria" não tem necessariamente a ver com dinheiro) para discutir sobre a ambição descomedida que pode ser levada aos últimos níveis (e aqui sim estamos falando só de dinheiro)!
No filme conhecemos Stanton Carlisle (Bradley Cooper), um homem de passado nebuloso que encontra ocupação e companhia junto a outros marginalizados em uma espécie de circo itinerante repleto de espetáculos bizarros. Percebendo ótimas oportunidades de enganar as pessoas utilizando artimanhas bastante duvidosas, Stan se junta a Molly Cahill (Rooney Mara) em busca de melhores oportunidades até se tornar reconhecido como um mentalista famoso, ludibriando a elite rica da sociedade de Nova York dos anos 1940. Já é nesse contexto que ele conhece a psiquiatra Lilith Ritter (Cate Blanchett), iniciando uma parceria entre eles que transforma golpes até então inofensivos em um perigoso jogo de mentiras. Confira o trailer:
É impossível assistir "O Beco do Pesadelo" e não ficar deslumbrado com a qualidade visual do filme - do desenho de produção da premiada Tamara Deverell (Star Trek: Discovery) até a fotografia do sempre genial Dan Laustsen (A Forma da Água). Obviamente que todo departamento de arte segue esse mesmo cuidado estético, ajudando Del Toro a contar essa história com muito esmero visual - reparem como conseguimos perceber a presença de determinados personagens, mesmo antes deles serem totalmente enquadrados para que a cena de fato aconteça.
Ao focar no visual temos a impressão que o roteiro perde força, não é o caso - aqui a adaptação da obra homônima de William Lindsay Gresham se ajusta perfeitamente com a proposta do diretor que mistura elementos fantásticos, com um bom drama de personagem, usando vários gatilhos de suspense (e até de terror, eu diria), em uma dinâmica narrativa muito interessante (mesmo que um pouco longa para o meu gosto). Se no primeiro ato Del Toro nos direciona para um estilo narrativo mais explicativo, a partir do segundo, ele simplesmente transforma a história em uma espécie de fábula que expõe as profundas consequências perante algumas atitudes duvidosas que são tomadas na busca de uma ascensão social frágil e nada honesta.
Se nas cenas iniciais vemos um homem que chegou ao fundo do poço sendo cruelmente explorado por mera diversão, logo nos deparamos com outro que deseja apenas recomeçar sua vida "custe o que custar". Sabiamente Del Toro fomenta essa dicotomia a todo momento, mostrando as fragilidades dos personagens e onde isso pode leva-los. Dito isso, "O Beco do Pesadelo" não deve ser encarado como um suspense noir como o recente "Noite Passada em Soho", muito pelo contrário, o filme é muito mais um drama de personagem na sua essência - que aliás é potencializado pelo irretocável trabalho do trio Bradley Cooper, Cate Blanchett e Rooney Mara, e com a participação luxuosa de Toni Collette e Willem Dafoe.
Vale muito a pena!
"O Beco do Pesadelo" tem a identidade de peso do seu diretor, Guillermo del Toro ("A Forma da Água" e "O Labirinto do Fauno") - visualmente impecável, com um história envolvente e que te prende do começo ao fim (sempre com uma lição escondida). Talvez um pouco menos "poético" que seus dois filmes que citamos, "O Beco do Pesadelo" usa a exploração da miséria humana (e aqui a "miséria" não tem necessariamente a ver com dinheiro) para discutir sobre a ambição descomedida que pode ser levada aos últimos níveis (e aqui sim estamos falando só de dinheiro)!
No filme conhecemos Stanton Carlisle (Bradley Cooper), um homem de passado nebuloso que encontra ocupação e companhia junto a outros marginalizados em uma espécie de circo itinerante repleto de espetáculos bizarros. Percebendo ótimas oportunidades de enganar as pessoas utilizando artimanhas bastante duvidosas, Stan se junta a Molly Cahill (Rooney Mara) em busca de melhores oportunidades até se tornar reconhecido como um mentalista famoso, ludibriando a elite rica da sociedade de Nova York dos anos 1940. Já é nesse contexto que ele conhece a psiquiatra Lilith Ritter (Cate Blanchett), iniciando uma parceria entre eles que transforma golpes até então inofensivos em um perigoso jogo de mentiras. Confira o trailer:
É impossível assistir "O Beco do Pesadelo" e não ficar deslumbrado com a qualidade visual do filme - do desenho de produção da premiada Tamara Deverell (Star Trek: Discovery) até a fotografia do sempre genial Dan Laustsen (A Forma da Água). Obviamente que todo departamento de arte segue esse mesmo cuidado estético, ajudando Del Toro a contar essa história com muito esmero visual - reparem como conseguimos perceber a presença de determinados personagens, mesmo antes deles serem totalmente enquadrados para que a cena de fato aconteça.
Ao focar no visual temos a impressão que o roteiro perde força, não é o caso - aqui a adaptação da obra homônima de William Lindsay Gresham se ajusta perfeitamente com a proposta do diretor que mistura elementos fantásticos, com um bom drama de personagem, usando vários gatilhos de suspense (e até de terror, eu diria), em uma dinâmica narrativa muito interessante (mesmo que um pouco longa para o meu gosto). Se no primeiro ato Del Toro nos direciona para um estilo narrativo mais explicativo, a partir do segundo, ele simplesmente transforma a história em uma espécie de fábula que expõe as profundas consequências perante algumas atitudes duvidosas que são tomadas na busca de uma ascensão social frágil e nada honesta.
Se nas cenas iniciais vemos um homem que chegou ao fundo do poço sendo cruelmente explorado por mera diversão, logo nos deparamos com outro que deseja apenas recomeçar sua vida "custe o que custar". Sabiamente Del Toro fomenta essa dicotomia a todo momento, mostrando as fragilidades dos personagens e onde isso pode leva-los. Dito isso, "O Beco do Pesadelo" não deve ser encarado como um suspense noir como o recente "Noite Passada em Soho", muito pelo contrário, o filme é muito mais um drama de personagem na sua essência - que aliás é potencializado pelo irretocável trabalho do trio Bradley Cooper, Cate Blanchett e Rooney Mara, e com a participação luxuosa de Toni Collette e Willem Dafoe.
Vale muito a pena!
Empolgado com "Marcella", depois de devorar as duas temporadas em 2 dias, fui direto para francesa "O bosque" que na sua essência traz a mesma tríade: assassinato, serial killer e investigação, somando o fato de serem apenas 6 episódios, o programa do final de semana estaria perfeito, porém a minissérie deixou um pouco a desejar. Não que seja ruim, mas não me empolgou, só me divertiu!
Em uma pequena vila na região de Ardennes, uma garota de dezesseis anos desaparece na floresta depois de ligar para sua professora no meio da noite. O capitão Gaspard Deker (Samuel Labarthe), um ex-soldado e pai solteiro recém-chegado na cidade, está conduzindo a investigação com Virginie Musso (Suzanne Clément), uma policial local. Também está ajudando a professora, Eve Mendel (Alexia Barlier), uma jovem com um passado bastante misterioso: afinal ela foi encontrada ainda criança pelo médico da cidade, vagando silenciosamente na mesma floresta.
Muito bem produzida, com uma fotografia bem interessante, "O bosque" acaba pecando no roteiro superficial e na interpretação fora do tom de muitos personagens. A história de uma adolescente que some na floresta não é nova, todos nós já sabemos, então, tenho que admitir, eu esperava algo novo no conceito narrativo, na imersão dos dramas pessoais de cada personagem, nos diálogos inteligentes, nas outras camadas por trás do próprio desaparecimento; mas os episódios foram passando, passando e os esteriótipos só iam aumentando - em nenhum momento a série foi mais fundo! O roteiro pontua algumas cenas com elementos que chegam até a instigar, prometendo algo além, um mistério mais complexo, mas acaba a série e nada disso se justifica.
"O Bosque" não é ruim mesmo, mas ao dar play espere só um bom entretenimento, rápido (pelo número de episódios) e objetivo. Bom pra um sábado de chuva para quem gosta do gênero, mas não quer pensar (e nem se surpreender) muito!
Empolgado com "Marcella", depois de devorar as duas temporadas em 2 dias, fui direto para francesa "O bosque" que na sua essência traz a mesma tríade: assassinato, serial killer e investigação, somando o fato de serem apenas 6 episódios, o programa do final de semana estaria perfeito, porém a minissérie deixou um pouco a desejar. Não que seja ruim, mas não me empolgou, só me divertiu!
Em uma pequena vila na região de Ardennes, uma garota de dezesseis anos desaparece na floresta depois de ligar para sua professora no meio da noite. O capitão Gaspard Deker (Samuel Labarthe), um ex-soldado e pai solteiro recém-chegado na cidade, está conduzindo a investigação com Virginie Musso (Suzanne Clément), uma policial local. Também está ajudando a professora, Eve Mendel (Alexia Barlier), uma jovem com um passado bastante misterioso: afinal ela foi encontrada ainda criança pelo médico da cidade, vagando silenciosamente na mesma floresta.
Muito bem produzida, com uma fotografia bem interessante, "O bosque" acaba pecando no roteiro superficial e na interpretação fora do tom de muitos personagens. A história de uma adolescente que some na floresta não é nova, todos nós já sabemos, então, tenho que admitir, eu esperava algo novo no conceito narrativo, na imersão dos dramas pessoais de cada personagem, nos diálogos inteligentes, nas outras camadas por trás do próprio desaparecimento; mas os episódios foram passando, passando e os esteriótipos só iam aumentando - em nenhum momento a série foi mais fundo! O roteiro pontua algumas cenas com elementos que chegam até a instigar, prometendo algo além, um mistério mais complexo, mas acaba a série e nada disso se justifica.
"O Bosque" não é ruim mesmo, mas ao dar play espere só um bom entretenimento, rápido (pelo número de episódios) e objetivo. Bom pra um sábado de chuva para quem gosta do gênero, mas não quer pensar (e nem se surpreender) muito!
"O Caminho de Volta" não é sobre basquete ou como o esporte pode mudar a vida das pessoas. O filme dirigido pelo Gavin O'Connor (uma das mentes criativas por trás do sucesso que foi "Mare of Easttown") vai muito além, pois ele desconstrói, justamente, essa premissa; mostrando a realidade da luta diária que é combater o vício e, olhem só, mais do que isso, ele procura explorar os motivos que levam uma pessoa ao fundo poço. Eu diria que o filme é uma dura jornada sobre o divórcio, o luto, a saudade, a solidão e a dor de ter que conviver com tudo isso e não conseguir seguir em frente.
O ex-atleta e considerado um fenômeno do basquete em seus anos de colegial, Jack Cunningham (Ben Affleck) luta contra o alcoolismo ao mesmo tempo em que encara as dificuldades de um emprego monótono. Ele então recebe a oportunidade de treinar um time de basquete e recomeçar. Na medida em que o time começa a vencer, a sua vida melhora, mas as vitórias não parecem suficientes ao ponto de salvá-lo. Confira o trailer:
Muitos críticos consideram esse trabalho de Affleck como a atuação mais sincera de toda sua carreira - e isso pode não ser por acaso dado os problemas que o ator sofreu graças ao alcoolismo. O próprio ator comentou sobre a necessidade que uma pessoa tem de entender o vício, de procurar se recompor, aprender com ele, e depois aprender um pouco mais, para aí sim tentar seguir em frente. "O Caminho de Volta" discute o assunto de uma forma muito honesta e é até surpreendente o pouco destaque que o filme teve no circuito comercial. A escolha de O'Connor para comandar o projeto imprime o que o diretor tem de melhor: sua enorme capacidade de desvendar as camadas mais intimas de um personagem e explora-las sem sensacionalismo ou necessidade de chocar a audiência visualmente ("Mare of Easttown" foi assim).
Aqui, a qualidade técnica soa invejável para um filme (de orçamento) considerado tão pequeno, quase independente. Existe de fato um cuidado estético que tanto O'Connor quanto o fotógrafo Eduard Grau (do também excelente "Meu nome é Magic Johnson") insistem em preservar. Se o roteiro de Brad Ingelsby (de “The Friend”) sugere apresentar aquela fórmula clássica de filmes esportivos, onde um time fracassado e cheio de problemas de relacionamento muda de comportamento e começa a ganhar, rapidamente entendemos que o foco gira mesmo em torno do drama que é o simples ato de ir em bar e como isso ganha outra proporção quando o protagonista é um alcoólatra. Se a decisão conceitual de paralisar a imagem no inicio de quase todos os jogos do time e imediatamente mostrar seu placar final, parece ter sido acertada, ela ganha ainda mais mérito por estabelecer que nem tudo precisa ser mostrado, discutido ou exposto - quando o diálogo não é necessário, o impacto visual ganha muito mais potência. A cena de Jack no hospital assistindo seus amigos recebendo o resultado de um exame do filho, é um ótimo exemplo que fala por si só!
“O Caminho de Volta” é sensível e dolorido, não tem receio algum de provocar muitos momentos de emoção ao som de uma trilha sonora fabulosa composta pelo Rob Simonsen ( de “Tully”). Um filme com uma direção minimalista, impecável ao meu ver, com um ótimo roteiro e uma montagem primorosa, que utiliza o esporte como pano de fundo, mas que subverte a fórmula do caminho para a redenção. Como disse: não será um jornada das mais tranquilas, mas certamente vai te surpreender.
Vale muito seu play!
"O Caminho de Volta" não é sobre basquete ou como o esporte pode mudar a vida das pessoas. O filme dirigido pelo Gavin O'Connor (uma das mentes criativas por trás do sucesso que foi "Mare of Easttown") vai muito além, pois ele desconstrói, justamente, essa premissa; mostrando a realidade da luta diária que é combater o vício e, olhem só, mais do que isso, ele procura explorar os motivos que levam uma pessoa ao fundo poço. Eu diria que o filme é uma dura jornada sobre o divórcio, o luto, a saudade, a solidão e a dor de ter que conviver com tudo isso e não conseguir seguir em frente.
O ex-atleta e considerado um fenômeno do basquete em seus anos de colegial, Jack Cunningham (Ben Affleck) luta contra o alcoolismo ao mesmo tempo em que encara as dificuldades de um emprego monótono. Ele então recebe a oportunidade de treinar um time de basquete e recomeçar. Na medida em que o time começa a vencer, a sua vida melhora, mas as vitórias não parecem suficientes ao ponto de salvá-lo. Confira o trailer:
Muitos críticos consideram esse trabalho de Affleck como a atuação mais sincera de toda sua carreira - e isso pode não ser por acaso dado os problemas que o ator sofreu graças ao alcoolismo. O próprio ator comentou sobre a necessidade que uma pessoa tem de entender o vício, de procurar se recompor, aprender com ele, e depois aprender um pouco mais, para aí sim tentar seguir em frente. "O Caminho de Volta" discute o assunto de uma forma muito honesta e é até surpreendente o pouco destaque que o filme teve no circuito comercial. A escolha de O'Connor para comandar o projeto imprime o que o diretor tem de melhor: sua enorme capacidade de desvendar as camadas mais intimas de um personagem e explora-las sem sensacionalismo ou necessidade de chocar a audiência visualmente ("Mare of Easttown" foi assim).
Aqui, a qualidade técnica soa invejável para um filme (de orçamento) considerado tão pequeno, quase independente. Existe de fato um cuidado estético que tanto O'Connor quanto o fotógrafo Eduard Grau (do também excelente "Meu nome é Magic Johnson") insistem em preservar. Se o roteiro de Brad Ingelsby (de “The Friend”) sugere apresentar aquela fórmula clássica de filmes esportivos, onde um time fracassado e cheio de problemas de relacionamento muda de comportamento e começa a ganhar, rapidamente entendemos que o foco gira mesmo em torno do drama que é o simples ato de ir em bar e como isso ganha outra proporção quando o protagonista é um alcoólatra. Se a decisão conceitual de paralisar a imagem no inicio de quase todos os jogos do time e imediatamente mostrar seu placar final, parece ter sido acertada, ela ganha ainda mais mérito por estabelecer que nem tudo precisa ser mostrado, discutido ou exposto - quando o diálogo não é necessário, o impacto visual ganha muito mais potência. A cena de Jack no hospital assistindo seus amigos recebendo o resultado de um exame do filho, é um ótimo exemplo que fala por si só!
“O Caminho de Volta” é sensível e dolorido, não tem receio algum de provocar muitos momentos de emoção ao som de uma trilha sonora fabulosa composta pelo Rob Simonsen ( de “Tully”). Um filme com uma direção minimalista, impecável ao meu ver, com um ótimo roteiro e uma montagem primorosa, que utiliza o esporte como pano de fundo, mas que subverte a fórmula do caminho para a redenção. Como disse: não será um jornada das mais tranquilas, mas certamente vai te surpreender.
Vale muito seu play!
É impossível não pensar nessa minissérie com aquele "selo HBO". Não que a produção da Netflix seja ruim, mas definitivamente não está na mesma prateleira. Dito isso, e alinhada as expectativas, posso adiantar que "O Caso Asunta" vai te surpreendente mais pela história real bizarra do que por qualquer outra coisa. "El Caso Asunta" (no original), criada por Ramón Campos e Gema R. Neira (do ótimo "Fariña") ao lado de e David Orea e Jon de la Cuesta, é um mergulho nos detalhes mais sórdidos de um crime real que chocou a Espanha em 2013. A minissérie retrata o caso da jovem Asunta Basterra Porto, uma menina de 12 anos encontrada morta em circunstâncias misteriosas, e o subsequente julgamento de seus pais adotivos, Rosario Porto e Alfonso Basterra, acusados de seu assassinato. Com uma narrativa intensa, sempre pontuada por uma abordagem quase documental, "O Caso Asunta" oferece uma visão interessante, minuciosa e inquietante de um dos casos mais perturbadores dos últimos tempos na Europa.
O casal Rosario (Candela Peña) e Alfonso Basterra (Tristán Ulloa) denuncia o desaparecimento de sua filha adotiva, Asunta, em uma delegacia de Santiago, na Espanha. No entanto, uma série de contradições, rapidamente, fazem com que as investigações apontem que os próprios pais sejam indiciados pelo crime. Como é possível imaginar, essa linha de investigação liderada pelo egocêntrico Juez Malvar (Javier Gutiérrez) transforma o caso em uma jornada de grande repercussão na mídia espanhola em 2013, e que acaba deixando muitas marcas. Confira o trailer (em espanhol):
Se você for um grande apreciador do gênero, facilmente você perceberá como a minissérie é estruturada para nos remeter ao estilo "true crime" de conduzir uma narrativa. Combinando imagens reais do caso com reconstituições dramatizadas dos bastidores da investigação, focando especialmente nos acusados, "O Caso Asunta" constrói um retrato abrangente dos eventos que levaram à morte de Asunta. A produção se esforça para ser fiel aos fatos conhecidos do caso, ao mesmo tempo em que explora as complexidades emocionais e psicológicas dos envolvidos, com um conceito visual que, de fato, cria uma experiência imersiva que nos prende e nos faz questionar as motivações e o comportamento dos personagens centrais a todo momento.
Carlos Sedes e Jacobo Martínez (ambos de "Fariña") fazem um bom trabalho na direção ao equilibrar a narrativa mais factual com o drama humano. Mesmo com um orçamento limitado, é perceptível ao longo dos episódios, que os diretores se esforçam para entregar um ritmo meticuloso, guiando a audiência pelos eventos que precederam e seguiram a tragédia. O uso de cortes reais e uma câmera "mais nervosa" confere certa autenticidade à narrativa, certamente potencializa a gravidade do caso e o impacto que teve na sociedade espanhola. Reparem como os tons frios e a iluminação das cenas sublinham a atmosfera inquietante da história de forma a maximizar o impacto emocional, com planos mais fechados que refletem a angústia e a confusão em torno da investigação e do julgamento pela perspectiva de quem mais sofreu com tudo isso.
Ao evitar um enfoque unilateral, "O Caso Asunta" permite que audiência considere múltiplas teorias e interpretações, mostrando a complexidade da investigação e toda incerteza que muitas vezes acompanham casos de grande notoriedade pública. Essa proposta aumenta o lado entretenimento da história e acaba cobrando um pouco mais do seu elenco. Tanto Peña quanto Ulloa trazem uma intensidade e ambiguidade que justificam a perplexidade do público e da mídia em relação à sua culpabilidade ou inocência dos pais de Asunta, mas olha, é na figura de Juez Malvar do premiado Javier Gutiérrez que a minissérie mexe mesmo com nossas sensações mais particulares - especialmente quando percebemos que o crime funciona muito mais como um fenômeno cultural e um reflexo das ansiedades sociais contemporâneas, do que como uma missão pela justiça e pelo respeito à vitima.
"O Caso Asunta" vale o seu play!
É impossível não pensar nessa minissérie com aquele "selo HBO". Não que a produção da Netflix seja ruim, mas definitivamente não está na mesma prateleira. Dito isso, e alinhada as expectativas, posso adiantar que "O Caso Asunta" vai te surpreendente mais pela história real bizarra do que por qualquer outra coisa. "El Caso Asunta" (no original), criada por Ramón Campos e Gema R. Neira (do ótimo "Fariña") ao lado de e David Orea e Jon de la Cuesta, é um mergulho nos detalhes mais sórdidos de um crime real que chocou a Espanha em 2013. A minissérie retrata o caso da jovem Asunta Basterra Porto, uma menina de 12 anos encontrada morta em circunstâncias misteriosas, e o subsequente julgamento de seus pais adotivos, Rosario Porto e Alfonso Basterra, acusados de seu assassinato. Com uma narrativa intensa, sempre pontuada por uma abordagem quase documental, "O Caso Asunta" oferece uma visão interessante, minuciosa e inquietante de um dos casos mais perturbadores dos últimos tempos na Europa.
O casal Rosario (Candela Peña) e Alfonso Basterra (Tristán Ulloa) denuncia o desaparecimento de sua filha adotiva, Asunta, em uma delegacia de Santiago, na Espanha. No entanto, uma série de contradições, rapidamente, fazem com que as investigações apontem que os próprios pais sejam indiciados pelo crime. Como é possível imaginar, essa linha de investigação liderada pelo egocêntrico Juez Malvar (Javier Gutiérrez) transforma o caso em uma jornada de grande repercussão na mídia espanhola em 2013, e que acaba deixando muitas marcas. Confira o trailer (em espanhol):
Se você for um grande apreciador do gênero, facilmente você perceberá como a minissérie é estruturada para nos remeter ao estilo "true crime" de conduzir uma narrativa. Combinando imagens reais do caso com reconstituições dramatizadas dos bastidores da investigação, focando especialmente nos acusados, "O Caso Asunta" constrói um retrato abrangente dos eventos que levaram à morte de Asunta. A produção se esforça para ser fiel aos fatos conhecidos do caso, ao mesmo tempo em que explora as complexidades emocionais e psicológicas dos envolvidos, com um conceito visual que, de fato, cria uma experiência imersiva que nos prende e nos faz questionar as motivações e o comportamento dos personagens centrais a todo momento.
Carlos Sedes e Jacobo Martínez (ambos de "Fariña") fazem um bom trabalho na direção ao equilibrar a narrativa mais factual com o drama humano. Mesmo com um orçamento limitado, é perceptível ao longo dos episódios, que os diretores se esforçam para entregar um ritmo meticuloso, guiando a audiência pelos eventos que precederam e seguiram a tragédia. O uso de cortes reais e uma câmera "mais nervosa" confere certa autenticidade à narrativa, certamente potencializa a gravidade do caso e o impacto que teve na sociedade espanhola. Reparem como os tons frios e a iluminação das cenas sublinham a atmosfera inquietante da história de forma a maximizar o impacto emocional, com planos mais fechados que refletem a angústia e a confusão em torno da investigação e do julgamento pela perspectiva de quem mais sofreu com tudo isso.
Ao evitar um enfoque unilateral, "O Caso Asunta" permite que audiência considere múltiplas teorias e interpretações, mostrando a complexidade da investigação e toda incerteza que muitas vezes acompanham casos de grande notoriedade pública. Essa proposta aumenta o lado entretenimento da história e acaba cobrando um pouco mais do seu elenco. Tanto Peña quanto Ulloa trazem uma intensidade e ambiguidade que justificam a perplexidade do público e da mídia em relação à sua culpabilidade ou inocência dos pais de Asunta, mas olha, é na figura de Juez Malvar do premiado Javier Gutiérrez que a minissérie mexe mesmo com nossas sensações mais particulares - especialmente quando percebemos que o crime funciona muito mais como um fenômeno cultural e um reflexo das ansiedades sociais contemporâneas, do que como uma missão pela justiça e pelo respeito à vitima.
"O Caso Asunta" vale o seu play!