"O Caso Collini" merece sua atenção! Muito elogiado pela crítica e pelo público, essa produção alemã é uma adaptação do livro de Ferdinand von Schirach e apresenta uma história baseada em um caso real que aconteceu na Alemanha no começo dos anos 2000. E aqui eu já faço uma importante advertência: não busque mais informações sobre o filme, pois até algumas peças de divulgação já entregam spoilers que impactam diretamente na experiência investigativa de quem assiste o drama. Aliás, justamente por isso não vou publicar o trailer nesse review.
Veja, a premissa do filme é bastante simples: um jovem advogado, Caspar Leinen (Elyas M'Barek), é designado para defender um italiano que mora na Alemanha, Fabrizio Collini (Franco Nero), e que assassinou brutalmente um respeitado empresário local, Hans Meyer (Manfred Zapatka), aparentemente sem motivo algum.
O talentoso cineasta Marco Kreuzpaintner (responsável por dois episódios do ótimo "Soulmates" da Prime Vídeo) fez questão de mostrar a verdade sobre o assassinato de Hans Meyer já no seu prólogo, não estabelecendo assim qualquer tipo de dúvida ou mistério sobre o ato em si, apostando fielmente apenas nos motivos que levaram Collini a cometer esse crime tão brutal. Ao melhor estilo dos recentes documentários de "True Crime", a pergunta que fica martelando em nossa cabeça por 2/3 da história é: O que de fato aconteceu naquele quarto de hotel?
Kreuzpaintner impõe um ritmo bastante interessante desde o inicio, mesmo que em alguns momentos pareça vacilar quando escolhe trocar o drama pelo thriller de investigação - "Perfume", do seu compatriota e premiado diretor Philipp Kadelbach, trabalha essa dualidade com mais naturalidade, mas é inegável a quantidade de pontos em comum entre as duas obras: no conceito visual e até no narrativo.
Citando o conceito visual primeiro: "O Caso Collini" é extremamente carregado de contraste e saturação, transformando a imagem da maioria das cenas em uma atmosfera bastante carregada. O trabalho de Elyas M'Barek e Franco Nero colaboram para esse mood, mas talvez o grande destaque do elenco seja mesmo Heiner Lauterbach como o promotor e ex-professor de Caspar, Dr. Richard Mattinger - é irritante sua postura egocêntrica, reparem.
Já pontuando as similaridades do conceito narrativo, um dos grandes méritos do trabalho dos roteiristas Christian Zübert, Robert Gold, Jens-Frederik Otto; foi justamente criar linhas temporais paralelas para ir desvendando tudo que está por trás das relações entre os personagens e entre os envolvidos no crime diretamente. Ao se aprofundar na história de um dos julgamentos mais marcantes da Alemanha, "O Caso Collini" se aproveita de uma das camadas mais interessantes da trama para se diferenciar como gênero: a surpresa e a emoção perante os desdobramentos que deixaram muita gente sem chão (e que geraram muita reflexão na época).
"O Caso Collini" pode não ser excepcional, mas certamente vai agradar como entretenimento - daqueles que quanto menos você souber, melhor. Saiba apenas que sua narrativa vai muito além do drama de tribunal convencional - e isso é muito mais que um elogio, já que a intensidade da direção, da montagem, da fotografia e do elenco dão um aspecto quase independente para o filme que se apoia em um roteiro muito competente para se distanciar das produções americanas.
Vale a pena!
"O Caso Collini" merece sua atenção! Muito elogiado pela crítica e pelo público, essa produção alemã é uma adaptação do livro de Ferdinand von Schirach e apresenta uma história baseada em um caso real que aconteceu na Alemanha no começo dos anos 2000. E aqui eu já faço uma importante advertência: não busque mais informações sobre o filme, pois até algumas peças de divulgação já entregam spoilers que impactam diretamente na experiência investigativa de quem assiste o drama. Aliás, justamente por isso não vou publicar o trailer nesse review.
Veja, a premissa do filme é bastante simples: um jovem advogado, Caspar Leinen (Elyas M'Barek), é designado para defender um italiano que mora na Alemanha, Fabrizio Collini (Franco Nero), e que assassinou brutalmente um respeitado empresário local, Hans Meyer (Manfred Zapatka), aparentemente sem motivo algum.
O talentoso cineasta Marco Kreuzpaintner (responsável por dois episódios do ótimo "Soulmates" da Prime Vídeo) fez questão de mostrar a verdade sobre o assassinato de Hans Meyer já no seu prólogo, não estabelecendo assim qualquer tipo de dúvida ou mistério sobre o ato em si, apostando fielmente apenas nos motivos que levaram Collini a cometer esse crime tão brutal. Ao melhor estilo dos recentes documentários de "True Crime", a pergunta que fica martelando em nossa cabeça por 2/3 da história é: O que de fato aconteceu naquele quarto de hotel?
Kreuzpaintner impõe um ritmo bastante interessante desde o inicio, mesmo que em alguns momentos pareça vacilar quando escolhe trocar o drama pelo thriller de investigação - "Perfume", do seu compatriota e premiado diretor Philipp Kadelbach, trabalha essa dualidade com mais naturalidade, mas é inegável a quantidade de pontos em comum entre as duas obras: no conceito visual e até no narrativo.
Citando o conceito visual primeiro: "O Caso Collini" é extremamente carregado de contraste e saturação, transformando a imagem da maioria das cenas em uma atmosfera bastante carregada. O trabalho de Elyas M'Barek e Franco Nero colaboram para esse mood, mas talvez o grande destaque do elenco seja mesmo Heiner Lauterbach como o promotor e ex-professor de Caspar, Dr. Richard Mattinger - é irritante sua postura egocêntrica, reparem.
Já pontuando as similaridades do conceito narrativo, um dos grandes méritos do trabalho dos roteiristas Christian Zübert, Robert Gold, Jens-Frederik Otto; foi justamente criar linhas temporais paralelas para ir desvendando tudo que está por trás das relações entre os personagens e entre os envolvidos no crime diretamente. Ao se aprofundar na história de um dos julgamentos mais marcantes da Alemanha, "O Caso Collini" se aproveita de uma das camadas mais interessantes da trama para se diferenciar como gênero: a surpresa e a emoção perante os desdobramentos que deixaram muita gente sem chão (e que geraram muita reflexão na época).
"O Caso Collini" pode não ser excepcional, mas certamente vai agradar como entretenimento - daqueles que quanto menos você souber, melhor. Saiba apenas que sua narrativa vai muito além do drama de tribunal convencional - e isso é muito mais que um elogio, já que a intensidade da direção, da montagem, da fotografia e do elenco dão um aspecto quase independente para o filme que se apoia em um roteiro muito competente para se distanciar das produções americanas.
Vale a pena!
"O Caso Richard Jewell" não é um filme de investigação, é um filme de empatia!
Richard Jewell (Paul Walter Hauser) sempre sonhou em se tornar policial, mas entre um bico e outro, acabou como segurança nos jogos olímpicos de Atlanta em 1996. No dia 27 de julho, durante um show no Centennial Olympic Park, Jewell reparou em uma mochila que estava largada próximo a torre de iluminação. Receoso, ele chamou a policia local e depois o esquadrão anti-bombas - ambos não puderam fazer nada a tempo: a bomba explodiu, matando duas pessoas e ferindo outras 112. Certamente a tragédia teria sido ainda maior se Richard Jewell não tivesse agido rápido, afastando o máximo de pessoas possíveis do local da explosão. Da noite para o dia ele se tornou um herói, uma celebridade instantânea, até que um investigador do FBI sugeriu que ele pudesse ser o principal suspeito, vazando a informação para a jornalista Kathy Scruggs (Olivia Wilde) que, irresponsavelmente, o colocou em um perfil completamente estereotipado de quem seria capaz de cometer um atentado terrorista para chamar a atenção. O fato é que Jewell e sua mãe Bobi (Kathy Bates) passam a viver um inferno, sendo massacrados pela mídia e perseguidos pelo FBI.
A escolha do diretor Clint Eastwood e do roteirista Billy Ray (Captain Phillips) em contar essa história real pelos olhos inocentes de Richard Jewell, transforma nossa percepção sobre o caso e nos provoca à reflexão sobre aqueles personagens de uma forma muito próxima, quase familiar, emotiva até! Olha, vale muito a pena! O filme estreia dia 2 de janeiro e é cotado para, pelo menos, 2 ou 3 indicações no Oscar 2020!
Embora a história seja muito interessante e nos prenda por mais de duas horas, a força do filme está, sem dúvida, no seu elenco: Paul Walter Hauser está sensacional e, para mim, seria um dos indicados no Oscar, porém sua ausência no Globo de Ouro ligou um sinal de alerta. O mesmo serve para o excelente Sam Rockwell como o advogado Watson Bryant - ele está perfeito, mas vai cair em uma das categorias mais disputadas e que deve contar com Joe Pesci (O irlandês), Anthony Hopkins (Dois papas) e Brad Pitt (Era uma Vez em Hollywood). Kathy Bates tem uma das cenas mais emocionantes que eu assisti em 2019 - um monólogo que vale o filme e que a credencia como uma das favoritas para melhor atriz coadjuvante. Até Olivia Wilde mereceria uma indicação, mas acho que não será dessa vez: sua postura como uma repórter ambiciosa é irritante ao mesmo tempo que muito charmosa - aliás, uma das polêmicas que o filme gerou diz respeito a sua personagem que, teoricamente, teria oferecido sexo em troca de uma informação. Kathy Scruggs faleceu em 2001, mas a A Cox Enterprises, responsável pelo diário Atlanta Journal-Constitutionque deu o furo na época, enviou uma carta aberta para o diretor Clint Eastwood, afirmando que sua versão para os fatos seria "errada e malévola [...] difamatória e destruidora de reputações"! O fato é que essa polêmica, em tempos de #MeToo, deve atrapalhar a corrida do filme pela disputa do prêmio máximo do Oscar.
Outros fatores contribuem para o ótimo resultado de "O Caso Richard Jewell". Sem muita inventividade , mas com muita competência, a direção de Eastwood é infinitamente melhor do que em "15h17 - Trem para Paris". A montagem de Joel Cox (Os Imperdoáveis e American Sniper) cria uma dinâmica bastante interessante, embora muito linear, mistura bem o que é arquivo e o que é ficção. A trilha sonora do Arturo Sandoval (três vezes vencedor do Grammy) ajuda a dar o tom emocional que o roteiro propõe com muita habilidade. Outro elemento que pode passar batido, mas que é muito interessante é a bela fotografia de Yves Bélanger (o cara por trás de Big Little Lies da HBO e de Clube de Compras Dallas).
"O Caso Richard Jewell" é um filme com potencial para fazer barulho graças ao excelente trabalho de um elenco acima da média! O roteiro, mesmo acertando no conceito narrativo, dá umas pequenas vaciladas, deixando algumas ações sem muita explicação (até aí, ok) ou aprofundamento (como a dor no peito de Richard Jewell ou a crise de consciência Kathy Scruggs durante a entrevista coletiva da mãe de Richard) - dá a impressão que algo não entrou no corte final, sabe? De modo geral eu gostei muito do filme e digo que vale muito a pena! Indico de olhos fechados e com o coração apertado ao lembrar da cena da Kathy Bates!!!
"O Caso Richard Jewell" não é um filme de investigação, é um filme de empatia!
Richard Jewell (Paul Walter Hauser) sempre sonhou em se tornar policial, mas entre um bico e outro, acabou como segurança nos jogos olímpicos de Atlanta em 1996. No dia 27 de julho, durante um show no Centennial Olympic Park, Jewell reparou em uma mochila que estava largada próximo a torre de iluminação. Receoso, ele chamou a policia local e depois o esquadrão anti-bombas - ambos não puderam fazer nada a tempo: a bomba explodiu, matando duas pessoas e ferindo outras 112. Certamente a tragédia teria sido ainda maior se Richard Jewell não tivesse agido rápido, afastando o máximo de pessoas possíveis do local da explosão. Da noite para o dia ele se tornou um herói, uma celebridade instantânea, até que um investigador do FBI sugeriu que ele pudesse ser o principal suspeito, vazando a informação para a jornalista Kathy Scruggs (Olivia Wilde) que, irresponsavelmente, o colocou em um perfil completamente estereotipado de quem seria capaz de cometer um atentado terrorista para chamar a atenção. O fato é que Jewell e sua mãe Bobi (Kathy Bates) passam a viver um inferno, sendo massacrados pela mídia e perseguidos pelo FBI.
A escolha do diretor Clint Eastwood e do roteirista Billy Ray (Captain Phillips) em contar essa história real pelos olhos inocentes de Richard Jewell, transforma nossa percepção sobre o caso e nos provoca à reflexão sobre aqueles personagens de uma forma muito próxima, quase familiar, emotiva até! Olha, vale muito a pena! O filme estreia dia 2 de janeiro e é cotado para, pelo menos, 2 ou 3 indicações no Oscar 2020!
Embora a história seja muito interessante e nos prenda por mais de duas horas, a força do filme está, sem dúvida, no seu elenco: Paul Walter Hauser está sensacional e, para mim, seria um dos indicados no Oscar, porém sua ausência no Globo de Ouro ligou um sinal de alerta. O mesmo serve para o excelente Sam Rockwell como o advogado Watson Bryant - ele está perfeito, mas vai cair em uma das categorias mais disputadas e que deve contar com Joe Pesci (O irlandês), Anthony Hopkins (Dois papas) e Brad Pitt (Era uma Vez em Hollywood). Kathy Bates tem uma das cenas mais emocionantes que eu assisti em 2019 - um monólogo que vale o filme e que a credencia como uma das favoritas para melhor atriz coadjuvante. Até Olivia Wilde mereceria uma indicação, mas acho que não será dessa vez: sua postura como uma repórter ambiciosa é irritante ao mesmo tempo que muito charmosa - aliás, uma das polêmicas que o filme gerou diz respeito a sua personagem que, teoricamente, teria oferecido sexo em troca de uma informação. Kathy Scruggs faleceu em 2001, mas a A Cox Enterprises, responsável pelo diário Atlanta Journal-Constitutionque deu o furo na época, enviou uma carta aberta para o diretor Clint Eastwood, afirmando que sua versão para os fatos seria "errada e malévola [...] difamatória e destruidora de reputações"! O fato é que essa polêmica, em tempos de #MeToo, deve atrapalhar a corrida do filme pela disputa do prêmio máximo do Oscar.
Outros fatores contribuem para o ótimo resultado de "O Caso Richard Jewell". Sem muita inventividade , mas com muita competência, a direção de Eastwood é infinitamente melhor do que em "15h17 - Trem para Paris". A montagem de Joel Cox (Os Imperdoáveis e American Sniper) cria uma dinâmica bastante interessante, embora muito linear, mistura bem o que é arquivo e o que é ficção. A trilha sonora do Arturo Sandoval (três vezes vencedor do Grammy) ajuda a dar o tom emocional que o roteiro propõe com muita habilidade. Outro elemento que pode passar batido, mas que é muito interessante é a bela fotografia de Yves Bélanger (o cara por trás de Big Little Lies da HBO e de Clube de Compras Dallas).
"O Caso Richard Jewell" é um filme com potencial para fazer barulho graças ao excelente trabalho de um elenco acima da média! O roteiro, mesmo acertando no conceito narrativo, dá umas pequenas vaciladas, deixando algumas ações sem muita explicação (até aí, ok) ou aprofundamento (como a dor no peito de Richard Jewell ou a crise de consciência Kathy Scruggs durante a entrevista coletiva da mãe de Richard) - dá a impressão que algo não entrou no corte final, sabe? De modo geral eu gostei muito do filme e digo que vale muito a pena! Indico de olhos fechados e com o coração apertado ao lembrar da cena da Kathy Bates!!!
"O Castelo de Vidro" é excelente, mas, admito, achei pesado!
Baseado no livro autobiográfico da jornalistaJeannette Walls, o filme não foca na sua carreira profissional, e sim na sua vida em família desde a infância. É uma história (real) difícil, mas muito bem resolvida no roteiro, sobre uma jovem menina que atinge a maioridade em uma família nômade completamente desestruturada, com uma mãe excêntrica e um pai alcoólatra, e que tenta despertar a imaginação dos irmãos com a esperança que elas se abstraiam da pobreza em que vivem.
Muito bem filmado pelo Destin Daniel Cretton, outro jovem diretor que, de um curta, fez um outro filme de grande sucesso em festivais - chegando a ganhar Locarno em 2013 com seu "Short Term 12" (Temporário 12). Em "The Glass Castle" (título original), ele repete a parceria com a ótima Brie Larson, mas quem rouba a cena é o Woody Harrelson. Embora possa parecer um pouco fora do tom, apoiado em esteriótipos locais, ele traz a dor de quem vive uma dependência, mas acredita que pode compensar sua fraqueza com uma máscara de inabalável. Impressionante como ele trabalha essa dualidade e influencia nosso julgamento a cada cena. Naomi Watts também se desconstruiu para sua personagem e foi muito bem - ambos mereceram todos os elogios, porém foram completamente esquecidos no Oscar 2018!
"The Glass Castle" é um filme tecnicamente muito bem realizado, muito honesto na sua proposta e com uma história difícil de digerir pela sua complexidade moral. Vale muito a pena!!!
"O Castelo de Vidro" é excelente, mas, admito, achei pesado!
Baseado no livro autobiográfico da jornalistaJeannette Walls, o filme não foca na sua carreira profissional, e sim na sua vida em família desde a infância. É uma história (real) difícil, mas muito bem resolvida no roteiro, sobre uma jovem menina que atinge a maioridade em uma família nômade completamente desestruturada, com uma mãe excêntrica e um pai alcoólatra, e que tenta despertar a imaginação dos irmãos com a esperança que elas se abstraiam da pobreza em que vivem.
Muito bem filmado pelo Destin Daniel Cretton, outro jovem diretor que, de um curta, fez um outro filme de grande sucesso em festivais - chegando a ganhar Locarno em 2013 com seu "Short Term 12" (Temporário 12). Em "The Glass Castle" (título original), ele repete a parceria com a ótima Brie Larson, mas quem rouba a cena é o Woody Harrelson. Embora possa parecer um pouco fora do tom, apoiado em esteriótipos locais, ele traz a dor de quem vive uma dependência, mas acredita que pode compensar sua fraqueza com uma máscara de inabalável. Impressionante como ele trabalha essa dualidade e influencia nosso julgamento a cada cena. Naomi Watts também se desconstruiu para sua personagem e foi muito bem - ambos mereceram todos os elogios, porém foram completamente esquecidos no Oscar 2018!
"The Glass Castle" é um filme tecnicamente muito bem realizado, muito honesto na sua proposta e com uma história difícil de digerir pela sua complexidade moral. Vale muito a pena!!!
"O céu está em todo lugar" é um graça, embora discuta um tema extremamente delicado e que vai exigir certa sensibilidade para entender o conceito por trás da narrativa lúdica que simboliza o "luto na adolescência". Veja, o que você vai encontrar nesse filme dirigido pela Josephine Decker (de "Shirley") é um drama jovem, com toque de comédia romântica, alguns clichês, mas muita honestidade - é como se assistíssemos um mix de "No Ritmo do Coração" com o "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain".
"O céu está em todo lugar" segue Lennie (Grace Kaufman), uma jovem de 17 anos, após a morte da irmã mais velha e melhor amiga, Bailey (Havana Rose Liu). Ela se vê dividida entre Toby (Pico Alexander), o namorado de Bailey que na visão dela é o único que compartilha sua dor, e Joe (Jacques Colimon), o novo garoto da cidade que explode de vida. Cada um oferece a Lennie algo que ela precisa desesperadamente para superar seu luto. Através das experiências do primeiro relacionamento e da reflexão sobre as escolhas para o seu futuro, Lennie precisa encarar a vida real, mesmo que essa fique entre a linha tênue do sonho de um amor verdadeiro e o pesadelo da perda de alguém tão especial. Confira o trailer (em inglês):
Baseado no best-seller de Jandy Nelson, "O céu está em todo lugar" se beneficia da inteligência e criatividade de Josephine Decker que respeitou o "espirito" da história contada no livro, ao criar uma narrativa completamente lúdica que transformou uma premissa densa, onde uma família que não sabe lidar com a dor da perda e uma adolescente que tinha todos os motivos para viver em um mundo de lamentações, em uma jornada de aceitação e auto-descoberta através da arte - e aqui não falo apenas do amor de Lennie e Joe pela música, mas sim pelas representações cênicas que Decker utilizou para expressar alguns dos sentimentos e sensações dos personagens.
Obviamente que ter Jandy Nelson como roteirista ajudou nesse processo, mas de fato o filme transita muito bem entre a dura realidade do luto e a fantasia do recomeço, sem deixar de tocar nas feridas de uma forma muito dura até: quando Lennie pergunta para sua vó, Fiona, a incrível Cherry Jones, se o luto vai durar para sempre, a resposta é de cortar o coração, pela sinceridade e delicadeza da conversa. Aliás essa não é a única cena em que as duas juntas brilham: reparem na cena em que Fiona confronta Lennie sobre o egoísmo dela e expõe pela primeira vez seus sentimentos em relação a morte da neta - é lindo, mas toca fundo!
"The Sky is Everywherer" (no original) vai se conectar com os mais jovens pelas indagações e pela beleza da descoberta do amor; e com os mais velhos (como esse que vos escreve) pela capacidade que o roteiro tem de criar inúmeras camadas, em vários personagens, saindo completamente da superfície para discutir o luto como um sentimento muito particular, com visões, percepções e atitudes diferentes, mas não menos importante ou difícil de lidar, não importa para quem seja.
Vale seu play.
"O céu está em todo lugar" é um graça, embora discuta um tema extremamente delicado e que vai exigir certa sensibilidade para entender o conceito por trás da narrativa lúdica que simboliza o "luto na adolescência". Veja, o que você vai encontrar nesse filme dirigido pela Josephine Decker (de "Shirley") é um drama jovem, com toque de comédia romântica, alguns clichês, mas muita honestidade - é como se assistíssemos um mix de "No Ritmo do Coração" com o "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain".
"O céu está em todo lugar" segue Lennie (Grace Kaufman), uma jovem de 17 anos, após a morte da irmã mais velha e melhor amiga, Bailey (Havana Rose Liu). Ela se vê dividida entre Toby (Pico Alexander), o namorado de Bailey que na visão dela é o único que compartilha sua dor, e Joe (Jacques Colimon), o novo garoto da cidade que explode de vida. Cada um oferece a Lennie algo que ela precisa desesperadamente para superar seu luto. Através das experiências do primeiro relacionamento e da reflexão sobre as escolhas para o seu futuro, Lennie precisa encarar a vida real, mesmo que essa fique entre a linha tênue do sonho de um amor verdadeiro e o pesadelo da perda de alguém tão especial. Confira o trailer (em inglês):
Baseado no best-seller de Jandy Nelson, "O céu está em todo lugar" se beneficia da inteligência e criatividade de Josephine Decker que respeitou o "espirito" da história contada no livro, ao criar uma narrativa completamente lúdica que transformou uma premissa densa, onde uma família que não sabe lidar com a dor da perda e uma adolescente que tinha todos os motivos para viver em um mundo de lamentações, em uma jornada de aceitação e auto-descoberta através da arte - e aqui não falo apenas do amor de Lennie e Joe pela música, mas sim pelas representações cênicas que Decker utilizou para expressar alguns dos sentimentos e sensações dos personagens.
Obviamente que ter Jandy Nelson como roteirista ajudou nesse processo, mas de fato o filme transita muito bem entre a dura realidade do luto e a fantasia do recomeço, sem deixar de tocar nas feridas de uma forma muito dura até: quando Lennie pergunta para sua vó, Fiona, a incrível Cherry Jones, se o luto vai durar para sempre, a resposta é de cortar o coração, pela sinceridade e delicadeza da conversa. Aliás essa não é a única cena em que as duas juntas brilham: reparem na cena em que Fiona confronta Lennie sobre o egoísmo dela e expõe pela primeira vez seus sentimentos em relação a morte da neta - é lindo, mas toca fundo!
"The Sky is Everywherer" (no original) vai se conectar com os mais jovens pelas indagações e pela beleza da descoberta do amor; e com os mais velhos (como esse que vos escreve) pela capacidade que o roteiro tem de criar inúmeras camadas, em vários personagens, saindo completamente da superfície para discutir o luto como um sentimento muito particular, com visões, percepções e atitudes diferentes, mas não menos importante ou difícil de lidar, não importa para quem seja.
Vale seu play.
Curioso para quem gosta do universo cheio de glamour dos grandes chefs e angustiante para aqueles que entendem que o que acontece no palco não necessariamente reflete a vida real que se passa na coxia. "O Chef" é um filme intenso e verdadeiramente imersivo que coloca a audiência no meio do caos de um restaurante de alto nível em uma noite particularmente difícil. Tecnicamente irretocável graças ao seu plano-sequência de 90 minutos, o filme dirigido por Philip Barantini (de "O Acusado") acompanha o chef Andy Jones (Stephen Graham) que enfrenta uma série de crises pessoais e profissionais em seu restaurante. Olha, o fato de ter sido filmado em tempo real e sem cortes, só aumenta a tensão do início ao fim, oferecendo uma experiência que mistura a força emocional de "Whiplash" com o universo de "Pegando Fogo" ou de "O Urso"!
"Boiling Point" (no original) se passa em uma única noite, onde Andy tenta manter o controle enquanto tudo ao seu redor começa a desmoronar. Entre clientes exigentes, tensões entre a equipe e problemas pessoais sérios, o chef precisa lidar com a crescente sensação de um colapso iminente - o uso do plano-sequência amplifica a urgência, fazendo com que a audiência tenha a exata sensação do toda a pressão que um chef pode enfrentar na sua carreira. Confira o trailer (em inglês):
Talvez o grande segredo de "O Chef" seja seu roteiro. Escrito pelo próprio Barantini ao lado de seu parceiro de longa data, James Cummings, o texto vai além de apenas mostrar os bastidores de uma cozinha, já que ele explora as consequências emocionais de trabalhar sob a necessidade constante de excelência. A narrativa revela as fragilidades dos personagens e como o estresse extremo pode afetar suas vidas pessoais e suas performances profissionais. O trabalho de Barantini na direção é notável, especialmente por sua escolha ousada de filmar todo o roteiro sem cortes - a sensação de urgência é terrível, amplificando nossa imersão (o que nos leva a compartilhar o estresse dos personagens de uma maneira visceral). Repare como a câmera se move bem fluída pelos corredores estreitos e agitados do restaurante, seguindo os personagens organicamente e mantendo a atmosfera de tensão em cada momento. Repleto de diálogos rápidos e realistas, que ajudam a criar essa atmosfera autêntica e crua, eu diria que o filme, em sua "forma" e "conteúdo", tem uma pegada bem documental capaz de deixar muitas marcas!
Stephen Graham brilha como protagonista, trazendo uma performance cheia de nuances. Ele transmite a fragilidade de Andy, um homem à beira de um colapso, tentando manter uma fachada de controle enquanto sua vida pessoal e profissional se desfazem por sua culpa. O elenco de apoio, incluindo Vinette Robinson (a impagável, Carly) e a talentosa Lauryn Ajufo (como Andrea) também merecem elogios - são atuações impactantes, que enriquecem o drama principal com muito subtexto. Obviamente que a fotografia do jovem Matthew Lewis também brilha - ele destaca o ambiente claustrofóbico e o frenesi da cozinha como se a câmera fosse um personagem invisível, movendo-se pelos espaços apertados e capturando a tensão crescente entre os funcionários e os clientes. O desenho de som é incrível: o som natural da cozinha, com o barulho constante de pratos, panelas e ordens sendo gritadas, cria uma imersão completa no ambiente caótico que tenta se esconder na trilha sonora sutil e diegética, permitindo que os sons do ambiente, o silêncio e os diálogos ocupem sempre o primeiro plano.
Agora saiba que "O Chef" pode dividir opniões pelas suas escolhas conceituais e por ser um retrato real de uma profissão que precisa fugir dos holofotes para entregar o seu valor. Para aqueles que embarcarem na proposta do diretor, esteja preparado para um filme que se destaca tanto pelas escolhas técnicas quanto pela profundidade emocional de seus personagens - e isso vai te tirar da zona de conforto, pode apostar. Embora pequeno em escala, "O Chef" tem um impacto significativo na nossa experiência como audiência e certamente agradará tanto aos amantes de dramas mais intensos quanto os apaixonados por gastronomia.
Vale muito o seu play!
Uma curiosidade: o filme gerou uma série produzida pela BBC focada na personagem Carly que vem recebendo muitos elogios.
Curioso para quem gosta do universo cheio de glamour dos grandes chefs e angustiante para aqueles que entendem que o que acontece no palco não necessariamente reflete a vida real que se passa na coxia. "O Chef" é um filme intenso e verdadeiramente imersivo que coloca a audiência no meio do caos de um restaurante de alto nível em uma noite particularmente difícil. Tecnicamente irretocável graças ao seu plano-sequência de 90 minutos, o filme dirigido por Philip Barantini (de "O Acusado") acompanha o chef Andy Jones (Stephen Graham) que enfrenta uma série de crises pessoais e profissionais em seu restaurante. Olha, o fato de ter sido filmado em tempo real e sem cortes, só aumenta a tensão do início ao fim, oferecendo uma experiência que mistura a força emocional de "Whiplash" com o universo de "Pegando Fogo" ou de "O Urso"!
"Boiling Point" (no original) se passa em uma única noite, onde Andy tenta manter o controle enquanto tudo ao seu redor começa a desmoronar. Entre clientes exigentes, tensões entre a equipe e problemas pessoais sérios, o chef precisa lidar com a crescente sensação de um colapso iminente - o uso do plano-sequência amplifica a urgência, fazendo com que a audiência tenha a exata sensação do toda a pressão que um chef pode enfrentar na sua carreira. Confira o trailer (em inglês):
Talvez o grande segredo de "O Chef" seja seu roteiro. Escrito pelo próprio Barantini ao lado de seu parceiro de longa data, James Cummings, o texto vai além de apenas mostrar os bastidores de uma cozinha, já que ele explora as consequências emocionais de trabalhar sob a necessidade constante de excelência. A narrativa revela as fragilidades dos personagens e como o estresse extremo pode afetar suas vidas pessoais e suas performances profissionais. O trabalho de Barantini na direção é notável, especialmente por sua escolha ousada de filmar todo o roteiro sem cortes - a sensação de urgência é terrível, amplificando nossa imersão (o que nos leva a compartilhar o estresse dos personagens de uma maneira visceral). Repare como a câmera se move bem fluída pelos corredores estreitos e agitados do restaurante, seguindo os personagens organicamente e mantendo a atmosfera de tensão em cada momento. Repleto de diálogos rápidos e realistas, que ajudam a criar essa atmosfera autêntica e crua, eu diria que o filme, em sua "forma" e "conteúdo", tem uma pegada bem documental capaz de deixar muitas marcas!
Stephen Graham brilha como protagonista, trazendo uma performance cheia de nuances. Ele transmite a fragilidade de Andy, um homem à beira de um colapso, tentando manter uma fachada de controle enquanto sua vida pessoal e profissional se desfazem por sua culpa. O elenco de apoio, incluindo Vinette Robinson (a impagável, Carly) e a talentosa Lauryn Ajufo (como Andrea) também merecem elogios - são atuações impactantes, que enriquecem o drama principal com muito subtexto. Obviamente que a fotografia do jovem Matthew Lewis também brilha - ele destaca o ambiente claustrofóbico e o frenesi da cozinha como se a câmera fosse um personagem invisível, movendo-se pelos espaços apertados e capturando a tensão crescente entre os funcionários e os clientes. O desenho de som é incrível: o som natural da cozinha, com o barulho constante de pratos, panelas e ordens sendo gritadas, cria uma imersão completa no ambiente caótico que tenta se esconder na trilha sonora sutil e diegética, permitindo que os sons do ambiente, o silêncio e os diálogos ocupem sempre o primeiro plano.
Agora saiba que "O Chef" pode dividir opniões pelas suas escolhas conceituais e por ser um retrato real de uma profissão que precisa fugir dos holofotes para entregar o seu valor. Para aqueles que embarcarem na proposta do diretor, esteja preparado para um filme que se destaca tanto pelas escolhas técnicas quanto pela profundidade emocional de seus personagens - e isso vai te tirar da zona de conforto, pode apostar. Embora pequeno em escala, "O Chef" tem um impacto significativo na nossa experiência como audiência e certamente agradará tanto aos amantes de dramas mais intensos quanto os apaixonados por gastronomia.
Vale muito o seu play!
Uma curiosidade: o filme gerou uma série produzida pela BBC focada na personagem Carly que vem recebendo muitos elogios.
"O Clube" mostra o lado mais escuro do ser humano, onde a hipocrisia está enraizada em camadas tão profundas que a "culpa" fica praticamente adormecida e os atos para mante-la assim se justificam por si só, mesmo que para isso seja necessário punir o outro! Esse premiado filme do chileno Pablo Larraín (de "Spencer") expõe o que há de mais sujo na igreja católica, com o cuidado de não ofender (ou julgar) a religião em si. Essa habilidade de Larraín de discutir um assunto tão sensível transforma uma narrativa extremamente autoral, e polêmica, em um filme profundo, reflexivo e muito provocador - que não vai agradar a todos, mas que é muito marcante para quem assiste.
Após um suicídio, o conselheiro espiritual para crises envolvendo a Igreja Católica, Padre García (Marcelo Alonso), é enviado para uma pequena cidade na costa do Chile onde quatro padres e uma freira, desonrados por "suspeita" de crimes que vão de abuso infantil ao roubo de bebês de mães não casadas, vivem isolados em busca de redenção. Com a chegada de Garcia, padre mais progressista e que deseja melhorar a imagem da igreja, aquela dinâmica do local já estabelecida simplesmente desaba, mostrando que cada um dos personagens possuem marcas muito mais profundas do que um retiro seria capaz de curar. Confira o trailer:
Extremamente alinhado com um visual maravilhoso, mérito do fotógrafo Sergio Armstrong (de "Neruda"), e uma direção cadenciada, mas extremamente competente de Larraín, o roteiro de "O Clube" é, sem dúvida, o ponto alto do filme. Em colaboração comGuilhermo Calderón e Daniel Villalobos, Larraín cria uma dinâmica narrativa extremamente concisa desde o primeiro plano, apresentando uma atmosfera de mistério que prende a atenção da audiência de uma forma avassaladora - e digo isso pois o assunto que guia a história é denso, mas ao mesmo tempo provocador já que o diretor prefere sugerir pelo diálogo todas as atrocidades ao invés impactar pela imagem, passando a responsabilidade dessa construção mental exclusivamente para nós. De fato o roteiro é econômico em cenas pesadas, mas riquíssimo nas descrições, criando assim um desconforto impressionante.
Se para alguns o tema vinculado a religião pode parecer pesado demais, para outros o subtexto discutido vai além - a noção de arrependimento e de redenção, fundamentais no catolicismo, ganha contornos tão problemáticos quanto reais quando o foco passa a ser personagens que escolheram esse caminho por "vocação". A forma como Larraín discute a "culpa", humaniza as fraquezas do ser humano dando a palavra para o outro lado da história antes mesmo que nosso julgamento possa ser finalizado. A maneira como a trama vai se encaixando, onde essas fraquezas vão sendo mostradas e as soluções vão sendo propostas, é de embrulhar o estômago e de perder a fé na humanidade.
Veja, através dos depoimentos dos quatros padres, da freira e da presença misteriosa do forasteiro Sandokan (Roberto Farías - em uma performance digna de muito prêmios), somos jogados sem o menor cuidado para alguns dos fatos mais obscuros da história da nossa sociedade como a própria relação da igreja com a violenta ditadura de Pinochet e as inúmeras acusações de pedofilia tão presentes, em tantos países, e que assombram a instituição desde o Vaticano.
Grande vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim em 2015, "O Clube" tem muito a dizer, a grande questão é se as pessoas que assistem essa obra-prima estarão dispostas a escutar.
Vale muito seu play!
"O Clube" mostra o lado mais escuro do ser humano, onde a hipocrisia está enraizada em camadas tão profundas que a "culpa" fica praticamente adormecida e os atos para mante-la assim se justificam por si só, mesmo que para isso seja necessário punir o outro! Esse premiado filme do chileno Pablo Larraín (de "Spencer") expõe o que há de mais sujo na igreja católica, com o cuidado de não ofender (ou julgar) a religião em si. Essa habilidade de Larraín de discutir um assunto tão sensível transforma uma narrativa extremamente autoral, e polêmica, em um filme profundo, reflexivo e muito provocador - que não vai agradar a todos, mas que é muito marcante para quem assiste.
Após um suicídio, o conselheiro espiritual para crises envolvendo a Igreja Católica, Padre García (Marcelo Alonso), é enviado para uma pequena cidade na costa do Chile onde quatro padres e uma freira, desonrados por "suspeita" de crimes que vão de abuso infantil ao roubo de bebês de mães não casadas, vivem isolados em busca de redenção. Com a chegada de Garcia, padre mais progressista e que deseja melhorar a imagem da igreja, aquela dinâmica do local já estabelecida simplesmente desaba, mostrando que cada um dos personagens possuem marcas muito mais profundas do que um retiro seria capaz de curar. Confira o trailer:
Extremamente alinhado com um visual maravilhoso, mérito do fotógrafo Sergio Armstrong (de "Neruda"), e uma direção cadenciada, mas extremamente competente de Larraín, o roteiro de "O Clube" é, sem dúvida, o ponto alto do filme. Em colaboração comGuilhermo Calderón e Daniel Villalobos, Larraín cria uma dinâmica narrativa extremamente concisa desde o primeiro plano, apresentando uma atmosfera de mistério que prende a atenção da audiência de uma forma avassaladora - e digo isso pois o assunto que guia a história é denso, mas ao mesmo tempo provocador já que o diretor prefere sugerir pelo diálogo todas as atrocidades ao invés impactar pela imagem, passando a responsabilidade dessa construção mental exclusivamente para nós. De fato o roteiro é econômico em cenas pesadas, mas riquíssimo nas descrições, criando assim um desconforto impressionante.
Se para alguns o tema vinculado a religião pode parecer pesado demais, para outros o subtexto discutido vai além - a noção de arrependimento e de redenção, fundamentais no catolicismo, ganha contornos tão problemáticos quanto reais quando o foco passa a ser personagens que escolheram esse caminho por "vocação". A forma como Larraín discute a "culpa", humaniza as fraquezas do ser humano dando a palavra para o outro lado da história antes mesmo que nosso julgamento possa ser finalizado. A maneira como a trama vai se encaixando, onde essas fraquezas vão sendo mostradas e as soluções vão sendo propostas, é de embrulhar o estômago e de perder a fé na humanidade.
Veja, através dos depoimentos dos quatros padres, da freira e da presença misteriosa do forasteiro Sandokan (Roberto Farías - em uma performance digna de muito prêmios), somos jogados sem o menor cuidado para alguns dos fatos mais obscuros da história da nossa sociedade como a própria relação da igreja com a violenta ditadura de Pinochet e as inúmeras acusações de pedofilia tão presentes, em tantos países, e que assombram a instituição desde o Vaticano.
Grande vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim em 2015, "O Clube" tem muito a dizer, a grande questão é se as pessoas que assistem essa obra-prima estarão dispostas a escutar.
Vale muito seu play!
Existe uma linha muito tênue entre o "marketing de percepção" e a "mentira compulsiva" e "O Clube dos Meninos Bilionários" talvez seja o melhor exemplo de como os limites podem ser ultrapassados sem tantas dificuldades, causando estragos inimagináveis - e aqui cabe um comentário bastante pertinente: se eu não soubesse que o filme foi baseado em fatos reais que envolveram Joe Hunt e Dean Karny, provavelmente eu não daria tanto crédito para a história. Mas é impressionante o que acontece com os protagonistas depois que uma interpretação errada de um conceito de gestão importante se transforma em uma bola de neve com consequências gravíssimas para a vida de tantas pessoas.
A história se passa em Los Angeles, no início da década de 80. Joe Hunt (Ansel Elgort) é um rapaz inteligente, ambicioso. Ele se junta com Dean (Taron Egerton), um velho amigo de escola, para criar uma empresa de investimentos baseado inicialmente em dois ativos bem arriscados: ouro e um esquema de pirâmide para mostrar resultados quase que imediatos e assim trazer mais investidores para a empreitada. Com o apoio de um grupo seleto de jovens estudantes ricos e de um investidor pouco confiável, a empresa decola rapidamente, porém as coisas começam a se complicar e o que parecia ser um plano infalível, se prova um esquema mortal. Confira o trailer (em inglês):
"O Clube dos Meninos Bilionários" é um mistura de "Altos Negócios" e o "O Primeiro Milhão" com o "O Mago das Mentiras". Isso só mostra que não é que hoje que histórias sobre escândalos envolvendo grandes empresários especializados em enriquecimento rápido, custe o que custar, chamam muita atenção. Nesse caso, inclusive, o diretor James Cox, de “Wonderland“, traz para a tela sua visão sobre uma época maluca onde os investimentos transformaram a percepção da sociedade americana sobre a forma de ganhar dinheiro e, claro, que não existiam mocinhos nesse meio - como o próprio investidor Ron Levin (Kevin Spacey) deixa claro no filme.
Com uma reconstituição de época bastante competente, extremamente alinhada com a fotografia do diretor J. Michael Muro (Crash: No Limite), entendemos rapidamente toda atmosfera que atraiu os protagonistas para o mercado financeiro durante o governo Reagan - a única grande questão, que até incomoda um pouco, é a tentativa de Cox romantizar todas as ações dos protagonistas, especialmente de Hunt, como se ele fosse uma espécie de benfeitor revoltado com a vida e com a realidade fracassada de sua família perante o abismo social de seus "amigos" de escola. De fato essa escolha criativa se justifica em alguns comentários sobre a superficialidade do filme, porém gosto de ir um pouco além - existem vários pontos que nos provocam ótimas reflexões, além de ser um bom entretenimento, claro.
Frases como "A percepção da realidade é mais real do que a realidade em si" ou "Compre no mistério, venda na história" fazem sentido dentro de um contexto empreendedor, mas qual o limite entre um "bom conceito" e o "caos que ele pode gerar"? Ou entre "uma estratégia pontual" e o "mal caráter de uma pessoa"? Claro que "O Clube dos Meninos Bilionários" não se propõe a responder todas essas perguntas, mas elas estão lá e é aí que você vai encontrar um pouco mais de profundidade que pode ir além do bom entretenimento para quem gosta do assunto!
Antes de finalizar uma curiosidade: O filme é de 2015, mas após as acusações dirigidas ao Kevin Spacey, seu lançamento atrasou alguns anos e se resumiu a uma discreta estratégia por meio de plataformas digitais para só depois migrar para os cinemas, onde arrecadou míseros 3 milhões de dólares - isso não define o filme, mas vale a informação.
Existe uma linha muito tênue entre o "marketing de percepção" e a "mentira compulsiva" e "O Clube dos Meninos Bilionários" talvez seja o melhor exemplo de como os limites podem ser ultrapassados sem tantas dificuldades, causando estragos inimagináveis - e aqui cabe um comentário bastante pertinente: se eu não soubesse que o filme foi baseado em fatos reais que envolveram Joe Hunt e Dean Karny, provavelmente eu não daria tanto crédito para a história. Mas é impressionante o que acontece com os protagonistas depois que uma interpretação errada de um conceito de gestão importante se transforma em uma bola de neve com consequências gravíssimas para a vida de tantas pessoas.
A história se passa em Los Angeles, no início da década de 80. Joe Hunt (Ansel Elgort) é um rapaz inteligente, ambicioso. Ele se junta com Dean (Taron Egerton), um velho amigo de escola, para criar uma empresa de investimentos baseado inicialmente em dois ativos bem arriscados: ouro e um esquema de pirâmide para mostrar resultados quase que imediatos e assim trazer mais investidores para a empreitada. Com o apoio de um grupo seleto de jovens estudantes ricos e de um investidor pouco confiável, a empresa decola rapidamente, porém as coisas começam a se complicar e o que parecia ser um plano infalível, se prova um esquema mortal. Confira o trailer (em inglês):
"O Clube dos Meninos Bilionários" é um mistura de "Altos Negócios" e o "O Primeiro Milhão" com o "O Mago das Mentiras". Isso só mostra que não é que hoje que histórias sobre escândalos envolvendo grandes empresários especializados em enriquecimento rápido, custe o que custar, chamam muita atenção. Nesse caso, inclusive, o diretor James Cox, de “Wonderland“, traz para a tela sua visão sobre uma época maluca onde os investimentos transformaram a percepção da sociedade americana sobre a forma de ganhar dinheiro e, claro, que não existiam mocinhos nesse meio - como o próprio investidor Ron Levin (Kevin Spacey) deixa claro no filme.
Com uma reconstituição de época bastante competente, extremamente alinhada com a fotografia do diretor J. Michael Muro (Crash: No Limite), entendemos rapidamente toda atmosfera que atraiu os protagonistas para o mercado financeiro durante o governo Reagan - a única grande questão, que até incomoda um pouco, é a tentativa de Cox romantizar todas as ações dos protagonistas, especialmente de Hunt, como se ele fosse uma espécie de benfeitor revoltado com a vida e com a realidade fracassada de sua família perante o abismo social de seus "amigos" de escola. De fato essa escolha criativa se justifica em alguns comentários sobre a superficialidade do filme, porém gosto de ir um pouco além - existem vários pontos que nos provocam ótimas reflexões, além de ser um bom entretenimento, claro.
Frases como "A percepção da realidade é mais real do que a realidade em si" ou "Compre no mistério, venda na história" fazem sentido dentro de um contexto empreendedor, mas qual o limite entre um "bom conceito" e o "caos que ele pode gerar"? Ou entre "uma estratégia pontual" e o "mal caráter de uma pessoa"? Claro que "O Clube dos Meninos Bilionários" não se propõe a responder todas essas perguntas, mas elas estão lá e é aí que você vai encontrar um pouco mais de profundidade que pode ir além do bom entretenimento para quem gosta do assunto!
Antes de finalizar uma curiosidade: O filme é de 2015, mas após as acusações dirigidas ao Kevin Spacey, seu lançamento atrasou alguns anos e se resumiu a uma discreta estratégia por meio de plataformas digitais para só depois migrar para os cinemas, onde arrecadou míseros 3 milhões de dólares - isso não define o filme, mas vale a informação.
"O Conde" é simplesmente genial, no entanto não será uma jornada muito fácil já que sua narrativa cheia de simbolismo, ironia, sarcasmo e critica exige da audiência um certo conhecimento da história politica sangrenta do ditador Augusto Pinochet, no Chile, para que a experiência seja, de fato, marcante. Com uma habilidade impressionante, o diretor Pablo Larraín (de "Spencer"), resgata a figura de Pinochet emprestando um certo tom de fábula, com vários elementos fantásticos, capaz de transformar o conhecido genocida em um vampiro caricato, resignificando com muita inteligência a sua reconhecida sede por sangue. A capacidade de Larraín em revisitar o recente passado de seu país e recontar algumas passagens politicas tão marcantes quanto tristes, de uma forma quase nonsense, faz dessa produção da Netflix uma das melhores de 2023. Mas atenção: esse filme não deve agradar a todos, portanto sugiro uma leitura atenta antes do play!
O filme se passa em uma realidade alternativa que mostra Augusto Pinochet (Jaime Vadell) como um vampiro envelhecido e isolado em uma mansão abandonada. Após 250 anos se alimentando de sangue para sobreviver, ele está decidido a morrer de uma vez por todas. Frustrado pela forma como o povo chileno o reconhece, e cercado por uma família notavelmente oportunista, o vampiro já não vê nenhuma razão para continuar sua trajetória de conquistas pela vida eterna. Porém, quando tudo parece perdido, ele acaba descobrindo uma inspiração que lhe faz querer abandonar esses planos. Confira o trailer (com legendas em inglês):
Com um roteiro repleto de cinismo (daqueles que você ri de nervoso, mas aplaude mentalmente), Guillermo Calder (de "Neruda") ao lado do próprio Larraín, transitam entre o absurdo e a ignorância (obviamente sempre pontuada pela crítica irônica e respaldada pelos fatos) para contar a história do ditador Augusto Pinochet pelos seus próprios olhos - embora o filme seja narrado por uma personagem misteriosa que assim que é apresentada no terceiro ato, nos deixa de queixo caído. Para quem não sabe, Pinochet liderou um golpe de Estado em 1973, derrubando o governo democraticamente eleito de Salvador Allende. e assumiu o poder como líder da junta militar e posteriormente se autoproclamou presidente do Chile. Seu governo, que durou de 1973 a 1990, foi marcado por repressão política, violações dos direitos humanos e políticas econômicas que bebiam na fonte da corrupção - o curioso, no entanto, é como o filme insere informações relevantes sobre os bastidores dessas histórias e como o personagem interpreta seu legado em meio a uma crise existencial (ele sofrendo por ser reconhecido como "ladrão", é impagável).
Toda essa qualidade do texto é lindamente emoldurada por uma fotografia digna de Oscar. O fotografo americano Edward Lachman (indicado ao Oscar por "Carol" e "Longe do Paraíso") se apropria do preto e branco para criar um tom sombrio e misterioso - é como se assistíssemos "Nosferatu". Todo o desenho de produção, habilmente, explora esse aspecto de velho e carcomido para falar do passado, mas sem deixar de criar paralelos com o presente - as metáforas visuais são tão imponentes quanto as textuais e juntas, olha, é uma aula de cinema. Como diretor, Larraín é muito, mas muito, sagaz ao convidar a audiência a interpretar os eventos do filme e assim encontrar sentido com o que vimos ou vivemos na história recente do nosso país - fico imaginando como é rica essa experiência para um chileno, se para nós já é sensacional!
Outro ponto que merece destaque é a relação familiar de Augusto Pinochet, especialmente com sua mulher, Lucía Hiriart (Gloria Münchmeyer). Veja, embora essa relação tenha sido usada para criar uma imagem de estabilidade e moralidade, ela também foi marcada por acusações de corrupção e enriquecimento pessoal, que contribuíram para a controvérsia em torno de seu regime autoritário no Chile - a cena da freira Carmencita (Paula Luchsinger) entrevistando os cinco filhos do ditador e perguntando sobre algumas situações, digamos duvidosas, como aquela do caso Riggs, por exemplo, é muito engraçada. Quando embarcarmos nessa genialidade mais debochada de Larraín, nossa percepção muda de patamar!
"O Conde" talvez seja o "Roma" de Larraín - autoral, corajoso, bem executado tecnicamente, artisticamente impecável, e longe de ser um filme fácil e muito menos superficial. Toda essa linguagem mais satírica, misturada com uma bem equilibrada farsa política, não vai agradar aquela audiência que acha se tratar de um filme de terror sobre vampiros. Esquece! "O Conde" é muito mais do que isso e vale muito o seu play, principalmente se você tiver o cuidado de ler ou souber o que representou o governo Pinochet e como suas atitudes e discurso, além de hipócritas, foram fatais para aquele país.
Imperdível!
"O Conde" é simplesmente genial, no entanto não será uma jornada muito fácil já que sua narrativa cheia de simbolismo, ironia, sarcasmo e critica exige da audiência um certo conhecimento da história politica sangrenta do ditador Augusto Pinochet, no Chile, para que a experiência seja, de fato, marcante. Com uma habilidade impressionante, o diretor Pablo Larraín (de "Spencer"), resgata a figura de Pinochet emprestando um certo tom de fábula, com vários elementos fantásticos, capaz de transformar o conhecido genocida em um vampiro caricato, resignificando com muita inteligência a sua reconhecida sede por sangue. A capacidade de Larraín em revisitar o recente passado de seu país e recontar algumas passagens politicas tão marcantes quanto tristes, de uma forma quase nonsense, faz dessa produção da Netflix uma das melhores de 2023. Mas atenção: esse filme não deve agradar a todos, portanto sugiro uma leitura atenta antes do play!
O filme se passa em uma realidade alternativa que mostra Augusto Pinochet (Jaime Vadell) como um vampiro envelhecido e isolado em uma mansão abandonada. Após 250 anos se alimentando de sangue para sobreviver, ele está decidido a morrer de uma vez por todas. Frustrado pela forma como o povo chileno o reconhece, e cercado por uma família notavelmente oportunista, o vampiro já não vê nenhuma razão para continuar sua trajetória de conquistas pela vida eterna. Porém, quando tudo parece perdido, ele acaba descobrindo uma inspiração que lhe faz querer abandonar esses planos. Confira o trailer (com legendas em inglês):
Com um roteiro repleto de cinismo (daqueles que você ri de nervoso, mas aplaude mentalmente), Guillermo Calder (de "Neruda") ao lado do próprio Larraín, transitam entre o absurdo e a ignorância (obviamente sempre pontuada pela crítica irônica e respaldada pelos fatos) para contar a história do ditador Augusto Pinochet pelos seus próprios olhos - embora o filme seja narrado por uma personagem misteriosa que assim que é apresentada no terceiro ato, nos deixa de queixo caído. Para quem não sabe, Pinochet liderou um golpe de Estado em 1973, derrubando o governo democraticamente eleito de Salvador Allende. e assumiu o poder como líder da junta militar e posteriormente se autoproclamou presidente do Chile. Seu governo, que durou de 1973 a 1990, foi marcado por repressão política, violações dos direitos humanos e políticas econômicas que bebiam na fonte da corrupção - o curioso, no entanto, é como o filme insere informações relevantes sobre os bastidores dessas histórias e como o personagem interpreta seu legado em meio a uma crise existencial (ele sofrendo por ser reconhecido como "ladrão", é impagável).
Toda essa qualidade do texto é lindamente emoldurada por uma fotografia digna de Oscar. O fotografo americano Edward Lachman (indicado ao Oscar por "Carol" e "Longe do Paraíso") se apropria do preto e branco para criar um tom sombrio e misterioso - é como se assistíssemos "Nosferatu". Todo o desenho de produção, habilmente, explora esse aspecto de velho e carcomido para falar do passado, mas sem deixar de criar paralelos com o presente - as metáforas visuais são tão imponentes quanto as textuais e juntas, olha, é uma aula de cinema. Como diretor, Larraín é muito, mas muito, sagaz ao convidar a audiência a interpretar os eventos do filme e assim encontrar sentido com o que vimos ou vivemos na história recente do nosso país - fico imaginando como é rica essa experiência para um chileno, se para nós já é sensacional!
Outro ponto que merece destaque é a relação familiar de Augusto Pinochet, especialmente com sua mulher, Lucía Hiriart (Gloria Münchmeyer). Veja, embora essa relação tenha sido usada para criar uma imagem de estabilidade e moralidade, ela também foi marcada por acusações de corrupção e enriquecimento pessoal, que contribuíram para a controvérsia em torno de seu regime autoritário no Chile - a cena da freira Carmencita (Paula Luchsinger) entrevistando os cinco filhos do ditador e perguntando sobre algumas situações, digamos duvidosas, como aquela do caso Riggs, por exemplo, é muito engraçada. Quando embarcarmos nessa genialidade mais debochada de Larraín, nossa percepção muda de patamar!
"O Conde" talvez seja o "Roma" de Larraín - autoral, corajoso, bem executado tecnicamente, artisticamente impecável, e longe de ser um filme fácil e muito menos superficial. Toda essa linguagem mais satírica, misturada com uma bem equilibrada farsa política, não vai agradar aquela audiência que acha se tratar de um filme de terror sobre vampiros. Esquece! "O Conde" é muito mais do que isso e vale muito o seu play, principalmente se você tiver o cuidado de ler ou souber o que representou o governo Pinochet e como suas atitudes e discurso, além de hipócritas, foram fatais para aquele país.
Imperdível!
"O Consultor" vai dividir opiniões - principalmente pelas expectativas que ele cria (de uma forma genial) e a entrega que ele faz no final (embora mostre enorme potencial para uma sequência)! Veja, talvez o maior mérito da série, e que de fato chama atenção desde o inicio, no final se transforma em sua maior fraqueza e a razão pela qual vai te fazer questionar sobre a qualidade da história: a série da Prime Vídeo bebe de muitas referências que colocam o sarrafo lá em cima. Não é preciso ir muito fundo para perceber elementos conceituais usados em verdadeiros sucessos, mesmo que em tons diferentes, como "The Office", "Mythic Quest", "Ruptura" e até como "O Advogado do Diabo"- o grande problema é que aqui, propositalmente, o arco principal deixa muito mais um suspense, um mistério, e por isso um certo incômodo, do que se propõe a entregar respostas, por menor que sejam, para que tenhamos uma leve sensação de estarmos no caminho certo.
A questão é: existe um caminho?
Contratado como consultor para resgatar a CompWare da falência após um evento traumático para a startup especializada em games para celular, Regus Patoff (Christopher Waltz) gradualmente começa a colocar seu particular estilo de gestão, mesmo que isso não tenha absolutamente nada a ver com a cultura criada e estabelecida pelo seu fundador, o jovem Sang (Brian Yoon), o que cria uma verdadeira atmosfera de tensão e insegurança perante todos os colaboradores da empresa. Confira o trailer:
Se olharmos por um determinado ponto de vista, "O Consultor" é muito mais uma aula sobre cultura corporativado que propriamente um mero entretenimento, mas calma: é possível se divertir com a série criada pelo Tony Basgallop (de "Servant"). Inspirado no romance homônimo de Bentley Little, de 2015, "O Consultor" é uma espécie de sátira sobre a péssima relação entre umcolaborador e uma nova liderança desalinhada com a cultura da empresa, que acaba questionando o queseríamos capazes de fazer para sobreviverem um ambiente corporativo que da noite para o dia passa a ser tão tóxico quando volátil.
Christopher Waltz, de fato, constrói um protagonista brilhante, digno de prêmios! Mas a sensação é que, com o passar dos episódios, o "efeito Lost" parece fazer mais uma vitima, ou seja, mesmo com um personagem que nos provoca as mais diversas emoções, os mistérios inseridos no roteiro não entregam sequer uma resposta convincente - é como se todas as (interessantes) maluquices que vemos durante a temporada, simplesmente estão ali por estar. Diferente de "Ruptura" onde tudo parece ter algum sentido (mesmo que exija uma enorme suspensão da realidade), aqui as peças não se encaixam em nenhum momento - mesmo com um final conclusivo que, inclusive, coloca em dúvida a ideia de que uma continuidade para a história possa ter sido planejada.
"O Consultor" aposta suas fichas na sobriedade claustrofóbica de uma palheta de cores frias que contrasta com os neons que praticamente saltam ao olhos da audiência, como se precisassem pontuar um universo entre o tradicional e o moderno que não sabe muito bem o tamanho de sua importância - esse aspecto mais dúbio, envolvido por uma trilha sonora precisa e equilibrada, dá o tom do que o roteiro sugere, mas falha em validar qualquer que fosse a teoria que naturalmente levantamos desde o inicio da temporada. Entretanto, ainda que como entretenimento exista gaps narrativos imensos, é possível afirmar que algo bom pode estar por vir - a dúvida é se a audiência terá paciência e se o próprio Basgallop terá liberdade criativa para provar que tudo um dia fará sentido. Veremos!
"O Consultor" vai dividir opiniões - principalmente pelas expectativas que ele cria (de uma forma genial) e a entrega que ele faz no final (embora mostre enorme potencial para uma sequência)! Veja, talvez o maior mérito da série, e que de fato chama atenção desde o inicio, no final se transforma em sua maior fraqueza e a razão pela qual vai te fazer questionar sobre a qualidade da história: a série da Prime Vídeo bebe de muitas referências que colocam o sarrafo lá em cima. Não é preciso ir muito fundo para perceber elementos conceituais usados em verdadeiros sucessos, mesmo que em tons diferentes, como "The Office", "Mythic Quest", "Ruptura" e até como "O Advogado do Diabo"- o grande problema é que aqui, propositalmente, o arco principal deixa muito mais um suspense, um mistério, e por isso um certo incômodo, do que se propõe a entregar respostas, por menor que sejam, para que tenhamos uma leve sensação de estarmos no caminho certo.
A questão é: existe um caminho?
Contratado como consultor para resgatar a CompWare da falência após um evento traumático para a startup especializada em games para celular, Regus Patoff (Christopher Waltz) gradualmente começa a colocar seu particular estilo de gestão, mesmo que isso não tenha absolutamente nada a ver com a cultura criada e estabelecida pelo seu fundador, o jovem Sang (Brian Yoon), o que cria uma verdadeira atmosfera de tensão e insegurança perante todos os colaboradores da empresa. Confira o trailer:
Se olharmos por um determinado ponto de vista, "O Consultor" é muito mais uma aula sobre cultura corporativado que propriamente um mero entretenimento, mas calma: é possível se divertir com a série criada pelo Tony Basgallop (de "Servant"). Inspirado no romance homônimo de Bentley Little, de 2015, "O Consultor" é uma espécie de sátira sobre a péssima relação entre umcolaborador e uma nova liderança desalinhada com a cultura da empresa, que acaba questionando o queseríamos capazes de fazer para sobreviverem um ambiente corporativo que da noite para o dia passa a ser tão tóxico quando volátil.
Christopher Waltz, de fato, constrói um protagonista brilhante, digno de prêmios! Mas a sensação é que, com o passar dos episódios, o "efeito Lost" parece fazer mais uma vitima, ou seja, mesmo com um personagem que nos provoca as mais diversas emoções, os mistérios inseridos no roteiro não entregam sequer uma resposta convincente - é como se todas as (interessantes) maluquices que vemos durante a temporada, simplesmente estão ali por estar. Diferente de "Ruptura" onde tudo parece ter algum sentido (mesmo que exija uma enorme suspensão da realidade), aqui as peças não se encaixam em nenhum momento - mesmo com um final conclusivo que, inclusive, coloca em dúvida a ideia de que uma continuidade para a história possa ter sido planejada.
"O Consultor" aposta suas fichas na sobriedade claustrofóbica de uma palheta de cores frias que contrasta com os neons que praticamente saltam ao olhos da audiência, como se precisassem pontuar um universo entre o tradicional e o moderno que não sabe muito bem o tamanho de sua importância - esse aspecto mais dúbio, envolvido por uma trilha sonora precisa e equilibrada, dá o tom do que o roteiro sugere, mas falha em validar qualquer que fosse a teoria que naturalmente levantamos desde o inicio da temporada. Entretanto, ainda que como entretenimento exista gaps narrativos imensos, é possível afirmar que algo bom pode estar por vir - a dúvida é se a audiência terá paciência e se o próprio Basgallop terá liberdade criativa para provar que tudo um dia fará sentido. Veremos!
Essa é para você matar a saudade de um bom drama policial nórdico! Embora "O Degelo" seja polonesa, todos os elementos narrativos e conceitos estéticos inevitavelmente nos levam para as ótimas séries dinamarquesas e suecas de investigação criminal - e mais uma vez, funciona demais! "Odwilż" (no original) é uma série criada pela novata, mas talentosa, Marta Szymanek (de "Wataha") e dirigida por Xawery Żuławski, que mergulha nas profundezas do luto e das complexidades das relações humanas para desenvolver o mistério da sua trama. Com uma narrativa realmente sombria e envolvente, bem ao estilo "The Killing" (ou melhor, "Forbrydelsen"), a série explora não apenas a investigação de um crime brutal, mas também as ramificações pessoais e as lutas internas dos personagens que transitam pela história. Ambientada em Szczecin, uma cidade fria e úmida no noroeste da Polônia, "O Degelo" faz de seu cenário um reflexo das emoções e tensões presentes em uma jornada que facilmente vai te conquistar..
A história, basicamente, segue Zawieja (Katarzyna Wajda), uma investigadora que, após a morte de seu marido, é encarregada de investigar o caso do desaparecimento de uma jovem mulher cujo corpo é encontrado em circunstâncias bastante misteriosas. À medida que Zawieja mergulha nessa investigação, ela descobre que a mulher assassinada, além de filha de um famoso procurador, estava grávida e que a criança provavelmente ainda está viva. Determinada a encontrar respostas, Zawieja precisa enfrentar não apenas os desafios do caso, como também o seu recente trauma familiar. Confira o trailer (em polonês):
É impressionante como "O Degelo" sabe construir uma narrativa que transforma o clima frio e opressivo em sensações pouco agradáveis para quem assiste. Se essa proposta de fato não é uma inovação narrativa., é preciso dizer que, pelo menos, a direção de Xawery Żuławski é extremamente eficaz em capturar a angústia desse ambiente para entregar uma história em constante tensão. A fotografia do Tomasz Naumiuk (o mesmo de "Rastros") utiliza os tons frios das paisagens desoladoras de Szczecin para intensificar a sensação de desconforto e perigo iminente, mantendo a audiência imersa em uma jornada que parece sempre estar à beira de um colapso emocional - como, aliás, manda a receita de um bom drama nórdico. Já o roteiro de Marta Szymanek, embora siga a estrutura clássica dos thrillers policiais, se diferencia pornão se contentar em ser apenas um mistério para ser resolvido; é também um estudo sobre a dor, o luto e a busca por redenção - é possível notar como o desaparecimento da criança se torna uma metáfora importante para as ausências e os vazios emocionais que assombram a protagonista e outros personagens. Repare como ao longo da série, temas como maternidade, sacrifício e o peso das escolhas são explorados de forma sensível, conferindo uma camada ainda mais profunda à narrativa.
Katarzyna Wajda, no papel de Zawieja, entrega uma atuação realmente poderosa e convincente na medida certa. Ela interpreta uma mulher com a frieza necessária de uma investigadora e as emoções que assombram sua vida pessoal. A dor pelo luto do marido de um lado e a determinação de Zawieja em solucionar o caso do outro, são tão palpáveis ao ponto dela conseguir transmitir a mesma intensidade entre uma cena e outra - ela se transforma apenas com o olhar e com a respiração. Tudo sem exageros, Wajda mantém sua personagem sempre crível e envolvente. Eu diria que sua atuação é um dos pilares da série, ancorando a narrativa que está estruturada de forma a revelar gradualmente as complexidades do caso. Esse formato nos mantém intrigados, enquanto as camadas de mistério são desvendadas, revelando segredos ocultos, tanto no passado da vítima quanto da própria vida de Zawieja.
Com um ritmo calculado, com um equilíbrio entre momentos de ação e introspecção, que permite um desenvolvimento interessante dos personagens e uma progressão eficaz do enredo, "O Degelo" oferece uma experiência cativante para quem já estava com saudades de um bom drama policial cheio de elementos psicológicos. Então, se você busca algo mais do que apenas resolver um crime e está pronto para um mergulho nos ecos emocionais que assombram os protagonistas, essa série é realmente imperdível!
Essa é para você matar a saudade de um bom drama policial nórdico! Embora "O Degelo" seja polonesa, todos os elementos narrativos e conceitos estéticos inevitavelmente nos levam para as ótimas séries dinamarquesas e suecas de investigação criminal - e mais uma vez, funciona demais! "Odwilż" (no original) é uma série criada pela novata, mas talentosa, Marta Szymanek (de "Wataha") e dirigida por Xawery Żuławski, que mergulha nas profundezas do luto e das complexidades das relações humanas para desenvolver o mistério da sua trama. Com uma narrativa realmente sombria e envolvente, bem ao estilo "The Killing" (ou melhor, "Forbrydelsen"), a série explora não apenas a investigação de um crime brutal, mas também as ramificações pessoais e as lutas internas dos personagens que transitam pela história. Ambientada em Szczecin, uma cidade fria e úmida no noroeste da Polônia, "O Degelo" faz de seu cenário um reflexo das emoções e tensões presentes em uma jornada que facilmente vai te conquistar..
A história, basicamente, segue Zawieja (Katarzyna Wajda), uma investigadora que, após a morte de seu marido, é encarregada de investigar o caso do desaparecimento de uma jovem mulher cujo corpo é encontrado em circunstâncias bastante misteriosas. À medida que Zawieja mergulha nessa investigação, ela descobre que a mulher assassinada, além de filha de um famoso procurador, estava grávida e que a criança provavelmente ainda está viva. Determinada a encontrar respostas, Zawieja precisa enfrentar não apenas os desafios do caso, como também o seu recente trauma familiar. Confira o trailer (em polonês):
É impressionante como "O Degelo" sabe construir uma narrativa que transforma o clima frio e opressivo em sensações pouco agradáveis para quem assiste. Se essa proposta de fato não é uma inovação narrativa., é preciso dizer que, pelo menos, a direção de Xawery Żuławski é extremamente eficaz em capturar a angústia desse ambiente para entregar uma história em constante tensão. A fotografia do Tomasz Naumiuk (o mesmo de "Rastros") utiliza os tons frios das paisagens desoladoras de Szczecin para intensificar a sensação de desconforto e perigo iminente, mantendo a audiência imersa em uma jornada que parece sempre estar à beira de um colapso emocional - como, aliás, manda a receita de um bom drama nórdico. Já o roteiro de Marta Szymanek, embora siga a estrutura clássica dos thrillers policiais, se diferencia pornão se contentar em ser apenas um mistério para ser resolvido; é também um estudo sobre a dor, o luto e a busca por redenção - é possível notar como o desaparecimento da criança se torna uma metáfora importante para as ausências e os vazios emocionais que assombram a protagonista e outros personagens. Repare como ao longo da série, temas como maternidade, sacrifício e o peso das escolhas são explorados de forma sensível, conferindo uma camada ainda mais profunda à narrativa.
Katarzyna Wajda, no papel de Zawieja, entrega uma atuação realmente poderosa e convincente na medida certa. Ela interpreta uma mulher com a frieza necessária de uma investigadora e as emoções que assombram sua vida pessoal. A dor pelo luto do marido de um lado e a determinação de Zawieja em solucionar o caso do outro, são tão palpáveis ao ponto dela conseguir transmitir a mesma intensidade entre uma cena e outra - ela se transforma apenas com o olhar e com a respiração. Tudo sem exageros, Wajda mantém sua personagem sempre crível e envolvente. Eu diria que sua atuação é um dos pilares da série, ancorando a narrativa que está estruturada de forma a revelar gradualmente as complexidades do caso. Esse formato nos mantém intrigados, enquanto as camadas de mistério são desvendadas, revelando segredos ocultos, tanto no passado da vítima quanto da própria vida de Zawieja.
Com um ritmo calculado, com um equilíbrio entre momentos de ação e introspecção, que permite um desenvolvimento interessante dos personagens e uma progressão eficaz do enredo, "O Degelo" oferece uma experiência cativante para quem já estava com saudades de um bom drama policial cheio de elementos psicológicos. Então, se você busca algo mais do que apenas resolver um crime e está pronto para um mergulho nos ecos emocionais que assombram os protagonistas, essa série é realmente imperdível!
Você vai se surpreender com essa produção original da Netflix, "O Desconhecido". Sem exagero algum, mas se me dissessem que o filme havia sido dirigido pelo David Fincher ou até pelo Nolan, eu acreditaria tranquilamente. Até por isso eu preciso avisar que não se trata de uma jornada das mais fáceis, nem na "forma" e muito menos no seu "conteúdo". Na "forma", existe uma certa morosidade no primeiro ato (e talvez até o meio do segundo), o conceito narrativo também soa confuso em um primeiro olhar (embora com o tempo as peças se encaixem perfeitamente, mesmo que isso exija alguma paciência) e a fotografia, escura e densa, amplifica essa sensação de cansaço que a história possa oferecer até "pegar no tranco". Já no "conteúdo", posso antecipar que se trata de uma história pesada, cheia de nuances e detalhes muito bem desenvolvidos, mas olha, difíceis de digerir.
Em "The Stranger" (no original), dois homens se encontram por acaso e iniciam uma parceria que se transforma em uma forte amizade. Para Henry Teague (Sean Harris), desgastado por uma vida inteira de trabalho físico e alguns crimes, essa conexão é um sonho realizado, uma oportunidade; seu novo amigo Mark (Joel Edgerton) pode ser seu salvador e aliado eterno. No entanto, nem tudo é o que parece ser e cada um carrega segredos que ameaçam arruiná-los a cada novo trabalho. Confira o trailer (em inglês):
Essa é uma das maiores operações policiais da história da Austrália e foi baseada no livro "The Sting" da jornalista e escritora Kate Kyriacou, no entanto o que mais impressiona desde o primeiro plano, é como o diretor Thomas M. Wright (de "Acute Misfortune") cria uma atmosfera de suspense e de muita tensão. Reparem como o diretor de fotografia, Sam Chiplin (da ótima minissérie "Em Prantos"), usa de uma paleta de cores sombria e com muito contrastante, juntamente com enquadramentos mais fechados, para enfatizar o clima opressivo e o desconforto emocional dos personagens - tudo se encaixa tão perfeitamente que parece se tratar de uma produção com muito mais grife do realmente é - e isso é um baita elogio!
O conceito narrativo de "O Desconhecido", de fato, é tão complexa quanto intrigante. O filme segue os dois protagonistas sem parecer querer entregar muitas informações, no entanto, conforme a trama vai se desenrolando, descobrimos lentamente os segredos ocultos, os medos, as inseguranças e até as conexões obscuras que eles vão criando. O roteiro habilmente estruturada pelo próprio Wright parece ganhar ainda mais potência (se é que isso é possível) com a notável qualidade da edição do Simon Njoo (de "The Nightingale"). Ela alterna entre o passado e o presente, criando uma sensação de angustia e mistério, impressionante.
No final das contas, "O Desconhecido" sabe muito bem trabalhar um abstrato (e difícil) componente narrativo com muita sabedoria: a antítese. Com performances brilhantes de Joel Edgerton e Sean Harris, temos a exata sensação de estarmos frente a frente em uma batalha onde um é o veneno mortal e o outro seu pior antídoto - essa análise comportamental e emocional dos protagonistas está em muitos detalhes, da relação de Mark com seu filho ao desejo de Henry pelo seu parceiro, criando assim camadas tão profundas que a própria investigação fica em segundo plano.
Olha, uma produção de se tirar o chapéu! Vale muito o seu play!
Você vai se surpreender com essa produção original da Netflix, "O Desconhecido". Sem exagero algum, mas se me dissessem que o filme havia sido dirigido pelo David Fincher ou até pelo Nolan, eu acreditaria tranquilamente. Até por isso eu preciso avisar que não se trata de uma jornada das mais fáceis, nem na "forma" e muito menos no seu "conteúdo". Na "forma", existe uma certa morosidade no primeiro ato (e talvez até o meio do segundo), o conceito narrativo também soa confuso em um primeiro olhar (embora com o tempo as peças se encaixem perfeitamente, mesmo que isso exija alguma paciência) e a fotografia, escura e densa, amplifica essa sensação de cansaço que a história possa oferecer até "pegar no tranco". Já no "conteúdo", posso antecipar que se trata de uma história pesada, cheia de nuances e detalhes muito bem desenvolvidos, mas olha, difíceis de digerir.
Em "The Stranger" (no original), dois homens se encontram por acaso e iniciam uma parceria que se transforma em uma forte amizade. Para Henry Teague (Sean Harris), desgastado por uma vida inteira de trabalho físico e alguns crimes, essa conexão é um sonho realizado, uma oportunidade; seu novo amigo Mark (Joel Edgerton) pode ser seu salvador e aliado eterno. No entanto, nem tudo é o que parece ser e cada um carrega segredos que ameaçam arruiná-los a cada novo trabalho. Confira o trailer (em inglês):
Essa é uma das maiores operações policiais da história da Austrália e foi baseada no livro "The Sting" da jornalista e escritora Kate Kyriacou, no entanto o que mais impressiona desde o primeiro plano, é como o diretor Thomas M. Wright (de "Acute Misfortune") cria uma atmosfera de suspense e de muita tensão. Reparem como o diretor de fotografia, Sam Chiplin (da ótima minissérie "Em Prantos"), usa de uma paleta de cores sombria e com muito contrastante, juntamente com enquadramentos mais fechados, para enfatizar o clima opressivo e o desconforto emocional dos personagens - tudo se encaixa tão perfeitamente que parece se tratar de uma produção com muito mais grife do realmente é - e isso é um baita elogio!
O conceito narrativo de "O Desconhecido", de fato, é tão complexa quanto intrigante. O filme segue os dois protagonistas sem parecer querer entregar muitas informações, no entanto, conforme a trama vai se desenrolando, descobrimos lentamente os segredos ocultos, os medos, as inseguranças e até as conexões obscuras que eles vão criando. O roteiro habilmente estruturada pelo próprio Wright parece ganhar ainda mais potência (se é que isso é possível) com a notável qualidade da edição do Simon Njoo (de "The Nightingale"). Ela alterna entre o passado e o presente, criando uma sensação de angustia e mistério, impressionante.
No final das contas, "O Desconhecido" sabe muito bem trabalhar um abstrato (e difícil) componente narrativo com muita sabedoria: a antítese. Com performances brilhantes de Joel Edgerton e Sean Harris, temos a exata sensação de estarmos frente a frente em uma batalha onde um é o veneno mortal e o outro seu pior antídoto - essa análise comportamental e emocional dos protagonistas está em muitos detalhes, da relação de Mark com seu filho ao desejo de Henry pelo seu parceiro, criando assim camadas tão profundas que a própria investigação fica em segundo plano.
Olha, uma produção de se tirar o chapéu! Vale muito o seu play!
Denzel Washington pode preparar mais um cara feia porque o Oscar de 2018 para "Melhor Ator" será do Gary Oldman. Barbada!!! Mas antes de analisarmos as chances do filme, vamos entender sua história. em "Darkest Hour" (título original), depois da renúncia de Neville Chamberlain (Ronald Pickup), movido por uma enorme pressão política depois do fracasso ao tentar impedir o avanço da Alemanha pela Europa, Winston Churchill (Gary Oldman) está prestes a se tornar o Primeiro-Ministro da Grã-Bretanha. Com um poder assombroso nas mãos, ele precisa enfrentar exaustivos dilemas - um povo despreparado, um rei cético e o próprio partido conspirando contra ele. A fim de garantir a integridade do seu povo e de seus aliados, com uma invasão iminente de Hitler, diversas respostas são colocadas desesperadamente na mesa, muitos jogadores tramam os próximos movimentos do governo e soldados perecem sacrificando-se pelo bem da Coroa e de seu reino. Confira o trailer:
Vamos lá: assistindo o filme, é impossível não imaginar a alegria do diretor quando, já na primeira diária, ele corta o primeiro take de uma cena com o Gary Oldman como Winston Churchill. Olha, o cara está simplesmente irretocável!!! Uma grande atuação, uma aula de imersão no personagem, com profundidade, verdade e carisma!!! O filme vale por ele, sim, mas tem alguns outros elementos que gostaria de ressaltar e vale nossa tenção:
A fotografia é belíssima - Também indicado ao Oscar (pela quinta vez, inclusive) Bruno Delbonnel foi o responsável pela fotografia de Amélie Poulain para se ter uma idéia. O trabalho dele está magnifico - dos travellings pelos corredores do parlamento ao planos fechado e introspectivos de Churchill. E aí chegamos em outra barbada da noite: "Melhor Cabelo e Maquiagem" - o trabalho de caracterização é impressionante!! Na verdade, todo Departamento de Arte dá um show a parte!
Outro ponto a se destacar é a direção do Joe Wright - ele mata a pau (o que até é normal)! É um plano melhor que o outro, com movimentos precisos, escolhas perfeitas, enfim, é um absurdo ele não ter sido indicado como Melhor Diretor! Independente disso, acho que vala a pena acompanhar mais de perto o seu trabalho - acho ele um diretor sensacional porque ele alia criatividade, técnica e inventividade com o equilíbrio certo, sem querer aparecer mais que a história, além de ser excelente diretor de atores. Indico "Orgulho e Preconceito" e "Desejo e Reparação".
Vale muito a pena, principalmente se você já tiver assistido "Dunkirk" - eles se completam perfeitamente!!!! Se "Dunkirk" mostra o terror da guerra , "O Destino de uma Nação" mostra os bastidores políticos! Vale muito seu play!!!
Up-date: "O Destino de uma Nação" ganhou em duas categorias no Oscar 2018: Melhor Cabelo e Maquiagem e Melhor Ator!
Denzel Washington pode preparar mais um cara feia porque o Oscar de 2018 para "Melhor Ator" será do Gary Oldman. Barbada!!! Mas antes de analisarmos as chances do filme, vamos entender sua história. em "Darkest Hour" (título original), depois da renúncia de Neville Chamberlain (Ronald Pickup), movido por uma enorme pressão política depois do fracasso ao tentar impedir o avanço da Alemanha pela Europa, Winston Churchill (Gary Oldman) está prestes a se tornar o Primeiro-Ministro da Grã-Bretanha. Com um poder assombroso nas mãos, ele precisa enfrentar exaustivos dilemas - um povo despreparado, um rei cético e o próprio partido conspirando contra ele. A fim de garantir a integridade do seu povo e de seus aliados, com uma invasão iminente de Hitler, diversas respostas são colocadas desesperadamente na mesa, muitos jogadores tramam os próximos movimentos do governo e soldados perecem sacrificando-se pelo bem da Coroa e de seu reino. Confira o trailer:
Vamos lá: assistindo o filme, é impossível não imaginar a alegria do diretor quando, já na primeira diária, ele corta o primeiro take de uma cena com o Gary Oldman como Winston Churchill. Olha, o cara está simplesmente irretocável!!! Uma grande atuação, uma aula de imersão no personagem, com profundidade, verdade e carisma!!! O filme vale por ele, sim, mas tem alguns outros elementos que gostaria de ressaltar e vale nossa tenção:
A fotografia é belíssima - Também indicado ao Oscar (pela quinta vez, inclusive) Bruno Delbonnel foi o responsável pela fotografia de Amélie Poulain para se ter uma idéia. O trabalho dele está magnifico - dos travellings pelos corredores do parlamento ao planos fechado e introspectivos de Churchill. E aí chegamos em outra barbada da noite: "Melhor Cabelo e Maquiagem" - o trabalho de caracterização é impressionante!! Na verdade, todo Departamento de Arte dá um show a parte!
Outro ponto a se destacar é a direção do Joe Wright - ele mata a pau (o que até é normal)! É um plano melhor que o outro, com movimentos precisos, escolhas perfeitas, enfim, é um absurdo ele não ter sido indicado como Melhor Diretor! Independente disso, acho que vala a pena acompanhar mais de perto o seu trabalho - acho ele um diretor sensacional porque ele alia criatividade, técnica e inventividade com o equilíbrio certo, sem querer aparecer mais que a história, além de ser excelente diretor de atores. Indico "Orgulho e Preconceito" e "Desejo e Reparação".
Vale muito a pena, principalmente se você já tiver assistido "Dunkirk" - eles se completam perfeitamente!!!! Se "Dunkirk" mostra o terror da guerra , "O Destino de uma Nação" mostra os bastidores políticos! Vale muito seu play!!!
Up-date: "O Destino de uma Nação" ganhou em duas categorias no Oscar 2018: Melhor Cabelo e Maquiagem e Melhor Ator!
Existe uma linha muito tênue entre retratar fatos (mesmo que na ficção) e espetacularizar os horrores de um atentado terrorista - e é aqui que talvez esteja o maior mérito de "O Dia do Atentado". Seu roteiro consegue respeitar todos os limites narrativos do bom senso enquanto a direção não precisa abrir mão de um único plano que pudesse, de alguma forma, nos deixar fora do inferno que se tornou a maratona de Boston em 2013. Bem na linha de "Voo United 93", o diretor Peter Berg (de "Hancock") conecta cenas reais e encenações com uma habilidade incrível, dando uma conotação documental e imersiva para o filme, sem perder aquela atmosfera de thriller policial que nos envolve ao mesmo tempo em que nos provoca inúmeras sensações!
Em 15 de abril de 2013, o sargento da polícia Tommy Saunders (Mark Wahlberg) está trabalhando na segurança da maratona anual de Boston quando duas bombas caseiras explodem em um ato de terrorismo. Após os atentados, o grupo formado por Tommy, o Agente Especial Richard Deslauries (Kevin Bacon), o Comissário da Polícia Ed Davis (John Goodman) e o Sargento Jeffrey Pugliese (J.K. Simmons) se unem aos bravos sobreviventes para tentar identificar e capturar os responsáveis pelos ataques antes que eles possam fazer novas vítimas. Confira o trailer:
Logo de cara percebemos uma escolha criativa que acaba se mostrando das mais acertadas: ao apresentar (mesmo que superficialmente) algumas subtramas e seus respectivos personagens, antes dos acontecimentos que marcariam aquele dia, fica estabelecido que a vida nada mais é que um sopro e que será essa relação de imprevisibilidade que nos acompanhará por toda essa dura jornada. Veja, se à primeira vista os personagens parecem desconectados, é por causa da individualização de suas histórias que entendemos seus anseios, seus desejos, suas motivações, e, aos poucos, conforme as cartas vão sendo colocadas na mesa, é que percebemos o valor de cada um dentro desse enorme quebra-cabeça - e o mais interessante, aliás, é que todas essas histórias são, de fato, reais (por isso não deixem de assistir os créditos)!
Como Paul Greengrass, que recriou um dos momentos mais tensos dos atentados em 11 de setembro se apoiando no fator humano, Berg também combina uma série de técnicas cinematográficas para exaltar a humanidade do evento e assim manipular nossas sensações - e ele faz isso com uma maestria impressionante. A partir de uma montagem cirúrgica da dupla Gabriel Fleming e Colby Parker Jr (ambos de "Horizonte Profundo"), o diretor alterna planos nervosos com a câmera mais soltas, onde a lente está mais suja; com inúmeros materiais de arquivo, esses com imagens de noticiários da época, de câmeras de vigilância das lojas e restaurantes próximas da explosão; e até das gravações dos próprios agentes do FBI que participaram das investigações. É lindo de ver e repare como isso simula um senso de urgência que dá o tom do filme.
"O Dia do Atentado" tem tiroteios e explosões, com planos filmados ao melhor "estilo blockbuster", mas em nenhum momento esquece do fator humano, dos dramas mais íntimos pela qual os policiais estão passando enquanto tentam encontrar os criminosos. E é aí que somos surpreendidos de novo já que o filme tinha tudo para cair na armadilha do patriotismo barato, mas não é o que acontece - o que vemos no final das contas é uma história eficiente, dinâmica, coerente, tecnicamente perfeita, com momentos de tirar o fôlego enquanto outros são extremamente emocionantes. Olha, de fato, estamos diante de um filmaço!
Vale muito seu play!
Existe uma linha muito tênue entre retratar fatos (mesmo que na ficção) e espetacularizar os horrores de um atentado terrorista - e é aqui que talvez esteja o maior mérito de "O Dia do Atentado". Seu roteiro consegue respeitar todos os limites narrativos do bom senso enquanto a direção não precisa abrir mão de um único plano que pudesse, de alguma forma, nos deixar fora do inferno que se tornou a maratona de Boston em 2013. Bem na linha de "Voo United 93", o diretor Peter Berg (de "Hancock") conecta cenas reais e encenações com uma habilidade incrível, dando uma conotação documental e imersiva para o filme, sem perder aquela atmosfera de thriller policial que nos envolve ao mesmo tempo em que nos provoca inúmeras sensações!
Em 15 de abril de 2013, o sargento da polícia Tommy Saunders (Mark Wahlberg) está trabalhando na segurança da maratona anual de Boston quando duas bombas caseiras explodem em um ato de terrorismo. Após os atentados, o grupo formado por Tommy, o Agente Especial Richard Deslauries (Kevin Bacon), o Comissário da Polícia Ed Davis (John Goodman) e o Sargento Jeffrey Pugliese (J.K. Simmons) se unem aos bravos sobreviventes para tentar identificar e capturar os responsáveis pelos ataques antes que eles possam fazer novas vítimas. Confira o trailer:
Logo de cara percebemos uma escolha criativa que acaba se mostrando das mais acertadas: ao apresentar (mesmo que superficialmente) algumas subtramas e seus respectivos personagens, antes dos acontecimentos que marcariam aquele dia, fica estabelecido que a vida nada mais é que um sopro e que será essa relação de imprevisibilidade que nos acompanhará por toda essa dura jornada. Veja, se à primeira vista os personagens parecem desconectados, é por causa da individualização de suas histórias que entendemos seus anseios, seus desejos, suas motivações, e, aos poucos, conforme as cartas vão sendo colocadas na mesa, é que percebemos o valor de cada um dentro desse enorme quebra-cabeça - e o mais interessante, aliás, é que todas essas histórias são, de fato, reais (por isso não deixem de assistir os créditos)!
Como Paul Greengrass, que recriou um dos momentos mais tensos dos atentados em 11 de setembro se apoiando no fator humano, Berg também combina uma série de técnicas cinematográficas para exaltar a humanidade do evento e assim manipular nossas sensações - e ele faz isso com uma maestria impressionante. A partir de uma montagem cirúrgica da dupla Gabriel Fleming e Colby Parker Jr (ambos de "Horizonte Profundo"), o diretor alterna planos nervosos com a câmera mais soltas, onde a lente está mais suja; com inúmeros materiais de arquivo, esses com imagens de noticiários da época, de câmeras de vigilância das lojas e restaurantes próximas da explosão; e até das gravações dos próprios agentes do FBI que participaram das investigações. É lindo de ver e repare como isso simula um senso de urgência que dá o tom do filme.
"O Dia do Atentado" tem tiroteios e explosões, com planos filmados ao melhor "estilo blockbuster", mas em nenhum momento esquece do fator humano, dos dramas mais íntimos pela qual os policiais estão passando enquanto tentam encontrar os criminosos. E é aí que somos surpreendidos de novo já que o filme tinha tudo para cair na armadilha do patriotismo barato, mas não é o que acontece - o que vemos no final das contas é uma história eficiente, dinâmica, coerente, tecnicamente perfeita, com momentos de tirar o fôlego enquanto outros são extremamente emocionantes. Olha, de fato, estamos diante de um filmaço!
Vale muito seu play!
"O diabo de cada dia" foi uma agradável surpresa e embora muita gente possa discordar, é um grande filme! Existe uma linha tênue entre violência e religiosidade, que veio se intensificando através dos anos e o filme soube trabalhar esses elementos dentro de um universo bem particular e, de fato, fez todo o sentido na jornada de cada um dos personagens.
Baseado no livro homônimo de Donald Ray Pollock, The Devil All the Time (mas que aqui no Brasil recebeu o título de "O mal nosso de cada dia"), o filme acompanha diversos personagens num canto esquecido de Ohio, nos EUA, entre a Segunda Guerra Mundial e a Guerra do Vietnã, que, de alguma forma, foram impactados pelos efeitos da violência e/ou pela fé, como justificativa de suas escolhas ou do seu destino. Sim, eu sei que parece confuso ou filosófico demais, mas veja o trailer e tudo passará a fazer um pouco mais sentido:
Talvez o único comentário que se faça necessário é que o filme não é um suspense, não tem nenhum elemento sobrenatural e muito menos é superficial. O terror e a violência existem, mas é o ser humano e a forma como ele interpreta alguns dogmas, que fazem de "O diabo de cada dia" realmente assustador - eu diria que é o terror do cotidiano, da ignorância, do extremismo, mas tudo isso contado de um forma bastante inteligente e dinâmica - sem falar no ótimo trabalho de direção, desenho de produção e edição! Típico filme que se fosse uma série da HBO levaria todos os prêmios possíveis nas premiações - e isso é um baita elogio!
Um dos pontos altos "O diabo de cada dia" é o seu roteiro! Por se tratar de uma adaptação, muito se especula sobre a qualidade ou sobre a fidelidade em relação ao livro. Pois bem, aqui já saímos tendo o escritor da obra ao lado dos roteiristas, Antonio e Paulo Campos, e isso fica muito claro pelas escolhas narrativas que encontramos no filme - o próprio Donald Ray Pollock é o narrador, o que dá o tom certo para a história.
Por se tratar de quatro histórias que vão se encontrando até fechar um grande ciclo, algumas resoluções acabam levando para um epílogo um pouco óbvio, mas isso não atrapalha em nada nossa experiência, já que é impossível saber qual será, exatamente, o fim de cada um dos personagens - e posso garantir que somos surpreendidos no encerramento de quase todas essas sub-tramas que servem como peças de um enorme quebra-cabeça. Veja, no primeiro ato conhecemos Willard Russell (Bill Skarsgard), um atormentado veterano de guerra, que sobreviveu à segunda guerra. Ele não consegue salvar sua jovem esposa, Charlotte (Haley Bennett), de um câncer, mesmo com toda sua fé e devoção. Já Carl (Jason Clarke) e Sandy Henderson (Riley Keough), se conhecem na mesma época que Russel e sua esposa, porém acabam se transformando em um casal de assassinos em série graças ao fetiche de Carl em fotografar Sandy com outros homens. No segundo ato, seguimos Arvin Russell (Tom Holland), órfão de Willard e Charlotte, que cresceu para ser um homem bom, mas que começa a demonstrar comportamentos violentos quando passa a desconfiar que o novo líder religioso da cidade, Preston Teagardin (Robert Pattinson) está abusando de sua irmã adotiva Lenora (Eliza Scanlen), filha da primeira vítima de Carl e Sandy.
Entendeu a dinâmica? E esse foi só um exemplo de como as histórias vão se cruzando. Existem outras sub-tramas que mereciam, inclusive, mais tempo de desenvolvimento - por isso aquele comentário sobre quanto seria bacana se "O diabo de cada dia" fosse uma minissérie! Com relação a produção, eu só posso elogiar: a reconstrução de época, desde as escolhas das locações até todo o trabalho de arte, está impecável - digno de prêmios. A fotografia do inglês Lol Crawley (The OA) é muito bonita e junto com a direção de Campos, fazem fluir a história sem muita inventividade, mas com ótimas escolhas de enquadramentos, extremamente alinhados com um elenco do mais alto nível - destaques para Bill Skarsgard, Tom Holland e Robert Pattinson!
"O diabo de cada dia" é tecnicamente competente para retratar um drama perturbador, com cenas violentas e histórias de embrulhar o estômago. O realismo que vemos na narrativa é completamente necessário e atual - principalmente se interpretarmos algumas passagens de uma maneira mais alegórica. Ele nos provoca uma dura reflexão: por que dois conceitos tão antagônicos como "religião" e "violência" andam tão próximos, sempre? Nós até sabemos a resposta, claro, mas as escolhas do filme vão nos conduzindo para a certeza de que o ser humano tem uma capacidade impressionante de deturpar conceitos em função das suas próprias escolhas, do seu ego ou até das expectativas de uma interpretação que apenas ele acredita que esteja sempre correta, custe o que custar!
"O diabo de cada dia" foi uma agradável surpresa e embora muita gente possa discordar, é um grande filme! Existe uma linha tênue entre violência e religiosidade, que veio se intensificando através dos anos e o filme soube trabalhar esses elementos dentro de um universo bem particular e, de fato, fez todo o sentido na jornada de cada um dos personagens.
Baseado no livro homônimo de Donald Ray Pollock, The Devil All the Time (mas que aqui no Brasil recebeu o título de "O mal nosso de cada dia"), o filme acompanha diversos personagens num canto esquecido de Ohio, nos EUA, entre a Segunda Guerra Mundial e a Guerra do Vietnã, que, de alguma forma, foram impactados pelos efeitos da violência e/ou pela fé, como justificativa de suas escolhas ou do seu destino. Sim, eu sei que parece confuso ou filosófico demais, mas veja o trailer e tudo passará a fazer um pouco mais sentido:
Talvez o único comentário que se faça necessário é que o filme não é um suspense, não tem nenhum elemento sobrenatural e muito menos é superficial. O terror e a violência existem, mas é o ser humano e a forma como ele interpreta alguns dogmas, que fazem de "O diabo de cada dia" realmente assustador - eu diria que é o terror do cotidiano, da ignorância, do extremismo, mas tudo isso contado de um forma bastante inteligente e dinâmica - sem falar no ótimo trabalho de direção, desenho de produção e edição! Típico filme que se fosse uma série da HBO levaria todos os prêmios possíveis nas premiações - e isso é um baita elogio!
Um dos pontos altos "O diabo de cada dia" é o seu roteiro! Por se tratar de uma adaptação, muito se especula sobre a qualidade ou sobre a fidelidade em relação ao livro. Pois bem, aqui já saímos tendo o escritor da obra ao lado dos roteiristas, Antonio e Paulo Campos, e isso fica muito claro pelas escolhas narrativas que encontramos no filme - o próprio Donald Ray Pollock é o narrador, o que dá o tom certo para a história.
Por se tratar de quatro histórias que vão se encontrando até fechar um grande ciclo, algumas resoluções acabam levando para um epílogo um pouco óbvio, mas isso não atrapalha em nada nossa experiência, já que é impossível saber qual será, exatamente, o fim de cada um dos personagens - e posso garantir que somos surpreendidos no encerramento de quase todas essas sub-tramas que servem como peças de um enorme quebra-cabeça. Veja, no primeiro ato conhecemos Willard Russell (Bill Skarsgard), um atormentado veterano de guerra, que sobreviveu à segunda guerra. Ele não consegue salvar sua jovem esposa, Charlotte (Haley Bennett), de um câncer, mesmo com toda sua fé e devoção. Já Carl (Jason Clarke) e Sandy Henderson (Riley Keough), se conhecem na mesma época que Russel e sua esposa, porém acabam se transformando em um casal de assassinos em série graças ao fetiche de Carl em fotografar Sandy com outros homens. No segundo ato, seguimos Arvin Russell (Tom Holland), órfão de Willard e Charlotte, que cresceu para ser um homem bom, mas que começa a demonstrar comportamentos violentos quando passa a desconfiar que o novo líder religioso da cidade, Preston Teagardin (Robert Pattinson) está abusando de sua irmã adotiva Lenora (Eliza Scanlen), filha da primeira vítima de Carl e Sandy.
Entendeu a dinâmica? E esse foi só um exemplo de como as histórias vão se cruzando. Existem outras sub-tramas que mereciam, inclusive, mais tempo de desenvolvimento - por isso aquele comentário sobre quanto seria bacana se "O diabo de cada dia" fosse uma minissérie! Com relação a produção, eu só posso elogiar: a reconstrução de época, desde as escolhas das locações até todo o trabalho de arte, está impecável - digno de prêmios. A fotografia do inglês Lol Crawley (The OA) é muito bonita e junto com a direção de Campos, fazem fluir a história sem muita inventividade, mas com ótimas escolhas de enquadramentos, extremamente alinhados com um elenco do mais alto nível - destaques para Bill Skarsgard, Tom Holland e Robert Pattinson!
"O diabo de cada dia" é tecnicamente competente para retratar um drama perturbador, com cenas violentas e histórias de embrulhar o estômago. O realismo que vemos na narrativa é completamente necessário e atual - principalmente se interpretarmos algumas passagens de uma maneira mais alegórica. Ele nos provoca uma dura reflexão: por que dois conceitos tão antagônicos como "religião" e "violência" andam tão próximos, sempre? Nós até sabemos a resposta, claro, mas as escolhas do filme vão nos conduzindo para a certeza de que o ser humano tem uma capacidade impressionante de deturpar conceitos em função das suas próprias escolhas, do seu ego ou até das expectativas de uma interpretação que apenas ele acredita que esteja sempre correta, custe o que custar!
"O Eleito" pode te surpreender, mas será preciso embarcar na proposta de seu criador Mark Millar e ter alguma paciência já que a série de 6 episódios da Netflix começa a engrenar mesmo, lá pelo terceiro episódio. Muito bem dirigida pelo Everardo Gout (de "Caleidoscópio"), essa produção americana falada em espanhol, se aproveita da premissa do ótimo (e até hoje lembrado pelo seu cancelamento prematuro) "Messiah", para discutir o comportamento humano a partir de dogmas religiosos, nos dias de hoje, pela perspectiva de 5 jovens que moram em uma cidadezinha no México em 1999. Além da dinâmica "Stranger Things"da narrativa, é muito importante ressaltar a profundidade que a história vai ganhando ao discutir temas como a idolatria e a megalomania do "todo" perante a jornada mais íntima e, claro, repleta de imperfeições do "indivíduo".
Na trama acompanhamos a história de Jodie (Bobby Luhnow), um jovem de 12 anos que passa a suspeitar ser a reencarnação de Jesus Cristo. Capaz de fazer uma pessoa voltar a andar, transformar água em vinho e até mesmo ressuscitar os mortos, ele precisa aprender a lidar com seu destino durante a fase das maiores descobertas da vida, a adolescência.. Entre a ideia de ser alguém especial ou um garoto que quer apenas se divertir com os amigos, cabe a Jodie decidir se vai ou não atender esse "chamado divino". Confira o trailer:
De fato, a série derrapa um pouco na sua contextualização. Os primeiros episódios soam infantis e desconexos - como se o roteiro tivesse necessidade de estabelecer o conflito logo de cara para rapidamente começar a explorar como Jodie lida com seu destino divino, enfrentando seus desafios pessoais e as forças obscuras que o rodeiam, enquanto tenta compreender e aceitar sua missão. Eu diria, inclusive, que o conceito estético escolhido pelo diretor pouco ajuda nesse momento, já que a montagem é extremamente fragmentada, o aspecto de tela é um pouco desconfortável em seu "antigo" 4:3 e a imagem é bastante granulada. No entanto, ao entender que esse conceito está 100% alinhado com aquele universo onde a história acontece em seu tempo, espaço e assunto, tudo muda - e aí passamos a achar tudo aquilo bem envolvente e imersivo.
A jornada pessoal de Jodie é o coração de "O Eleito" e quando entendemos que suas dúvidas, medos e anseios diante da revelação de sua identidade divina são muito mais profundos do que uma trama infanto-juvenil com toques de sobrenatural, nos conectamos com a série e passamos a nos surpreender com as soluções propostas pelo roteiro. Os relacionamentos complexos entre os personagens que inicialmente soavam superficiais, se transformam em reflexões relevantes: suas lutas internas (e cada um tem a sua) ao lado da necessidade constante dos discursos religiosos de definir o que é do bem e o que é do mal, evocam uma gama de emoções, que vão desde a empatia por alguns personagens até uma tensão improvável pelas ações de outros. Reparem como a paleta de cores, o desenho de produção e arte, além da iluminação e da trilha sonora, são capazes de refletir os aspectos espirituais e terrenos da história com a mesma propriedade.
"O Eleito" é muito feliz em trazer para tela temas universais como identidade, fé e destino - temas esses que naturalmente nos provocam algumas reflexões sobre nossas próprias crenças e escolhas. Agora, o ponto alto dessa premissa, sem dúvida, está em projetar o "e se" de fato algo parecido acontecesse na vida real? Ao explorar com muita habilidade "o sagrado" e "o profano" na jornada de um adolescente com um destino extraordinário, a série oferece uma experiência que desafia, inspira e nos mantém ansiosos por mais episódios - e que as próximas temporadas tragam ainda mais respostas, porque o gancho do final é simplesmente excelente!
Vale seu play!
"O Eleito" pode te surpreender, mas será preciso embarcar na proposta de seu criador Mark Millar e ter alguma paciência já que a série de 6 episódios da Netflix começa a engrenar mesmo, lá pelo terceiro episódio. Muito bem dirigida pelo Everardo Gout (de "Caleidoscópio"), essa produção americana falada em espanhol, se aproveita da premissa do ótimo (e até hoje lembrado pelo seu cancelamento prematuro) "Messiah", para discutir o comportamento humano a partir de dogmas religiosos, nos dias de hoje, pela perspectiva de 5 jovens que moram em uma cidadezinha no México em 1999. Além da dinâmica "Stranger Things"da narrativa, é muito importante ressaltar a profundidade que a história vai ganhando ao discutir temas como a idolatria e a megalomania do "todo" perante a jornada mais íntima e, claro, repleta de imperfeições do "indivíduo".
Na trama acompanhamos a história de Jodie (Bobby Luhnow), um jovem de 12 anos que passa a suspeitar ser a reencarnação de Jesus Cristo. Capaz de fazer uma pessoa voltar a andar, transformar água em vinho e até mesmo ressuscitar os mortos, ele precisa aprender a lidar com seu destino durante a fase das maiores descobertas da vida, a adolescência.. Entre a ideia de ser alguém especial ou um garoto que quer apenas se divertir com os amigos, cabe a Jodie decidir se vai ou não atender esse "chamado divino". Confira o trailer:
De fato, a série derrapa um pouco na sua contextualização. Os primeiros episódios soam infantis e desconexos - como se o roteiro tivesse necessidade de estabelecer o conflito logo de cara para rapidamente começar a explorar como Jodie lida com seu destino divino, enfrentando seus desafios pessoais e as forças obscuras que o rodeiam, enquanto tenta compreender e aceitar sua missão. Eu diria, inclusive, que o conceito estético escolhido pelo diretor pouco ajuda nesse momento, já que a montagem é extremamente fragmentada, o aspecto de tela é um pouco desconfortável em seu "antigo" 4:3 e a imagem é bastante granulada. No entanto, ao entender que esse conceito está 100% alinhado com aquele universo onde a história acontece em seu tempo, espaço e assunto, tudo muda - e aí passamos a achar tudo aquilo bem envolvente e imersivo.
A jornada pessoal de Jodie é o coração de "O Eleito" e quando entendemos que suas dúvidas, medos e anseios diante da revelação de sua identidade divina são muito mais profundos do que uma trama infanto-juvenil com toques de sobrenatural, nos conectamos com a série e passamos a nos surpreender com as soluções propostas pelo roteiro. Os relacionamentos complexos entre os personagens que inicialmente soavam superficiais, se transformam em reflexões relevantes: suas lutas internas (e cada um tem a sua) ao lado da necessidade constante dos discursos religiosos de definir o que é do bem e o que é do mal, evocam uma gama de emoções, que vão desde a empatia por alguns personagens até uma tensão improvável pelas ações de outros. Reparem como a paleta de cores, o desenho de produção e arte, além da iluminação e da trilha sonora, são capazes de refletir os aspectos espirituais e terrenos da história com a mesma propriedade.
"O Eleito" é muito feliz em trazer para tela temas universais como identidade, fé e destino - temas esses que naturalmente nos provocam algumas reflexões sobre nossas próprias crenças e escolhas. Agora, o ponto alto dessa premissa, sem dúvida, está em projetar o "e se" de fato algo parecido acontecesse na vida real? Ao explorar com muita habilidade "o sagrado" e "o profano" na jornada de um adolescente com um destino extraordinário, a série oferece uma experiência que desafia, inspira e nos mantém ansiosos por mais episódios - e que as próximas temporadas tragam ainda mais respostas, porque o gancho do final é simplesmente excelente!
Vale seu play!
"O Enfermeiro da Noite" é uma ótima pedida para quem gosta de "true crime", mas é preciso ter em mente que essa produção da Netflix se apropria de uma narrativa muito mais cadenciada e intimista do que se apoia na tensão de complexas investigações ou de reviravoltas surpreendentes como costumamos encontrar no gênero. O filme dirigido pelo dinamarquês Tobias Lindholm (que escreveu nada menos que "Druk - Mais Uma Rodada" e "A Caça") é para quem gosta de drama e não de thriller!
A trama acompanha a história de Charlie Cullen (Eddie Redmayne), enfermeiro que foi apontado como um dos assassinos em série mais perigosos de todos os tempos. Levando uma vida aparentemente normal, Charles trabalhou em diversos hospitais durante décadas e teria assassinado cerca de 400 pessoas ao longo dos anos. Quando Charlie se aproxima de Amy (Jessica Chastain), uma enfermeira com sérios problemas de coração, responsável pela UTI de um hospital e que precisa cuidar de suas duas filhas pequenas quando não está de plantão, surge uma relação de confiança e amizade entre eles, porém quando algumas suspeitas de erros médicos começam a aparecer no setor em que trabalham, Amy é forçada a arriscar sua vida e a segurança de seus filhos para tentar descobrir a verdade. Confira o trailer:
Baseado no livro de Charles Graeber, "The Good Nurse: A True Story of Medicine, Madness, and Murder", o roteiro de "O Enfermeiro da Noite" (que curiosamente não foi escrito por Lindholm e sim pela também competente Krysty Wilson-Cairns, de "1917" e "Last Night in Soho") é muito inteligente em fazer um recorte bastante especifico da vida de Charlie Cullen, criando assim um dinâmica que vai direto ao ponto, com situações mais sugeridas do que escancaradas. Ao priorizar o olhar (de certa forma ingênuo) de Amy, a história se preocupa muito mais em encaixar as peças do que em descobrir "quem é" ou "como" o assassino em série atuava.
Escolhido esse caminho, o que vemos na tela não impacta visualmente pela violência e muito menos nos provoca algum estado de tensão permanente, porém nos deixa, sim, desconfortáveis. A forma como Lindholm conta a história, com um certo distanciamento, é de se elogiar pela criatividade - eu diria que a experiência do diretor em outro projeto, "Mindhunter", só colaborou para que ele encontrasse o tom certo para essa narrativa, entregando para Chastain e Redmayne, dois ótimos e profundos personagens que só cresceram a partir da excelente química entre eles. E aqui cabe uma outra citação: embora menos presente, o trabalho de Noah Emmerich (como o detetive Tim Braun) também merece destaque.
"O Enfermeiro da Noite" não será daqueles inesquecíveis, mas saiba que ele acerta ao propor uma experiência mais angustiante, que procura fugir do lugar comum e da banalização visual da morte. O filme a todo momento brinca com a imaginação da audiência, pontuando os crimes de Graeber sempre pelo prisma da especulação e pela força do silêncio. Sem cair em clichês, onde o assassino deixa pequenos rastros de seu comportamento mesmo quando sua verdadeira identidade ainda é um mistério, aqui o mérito está mais para o realismo do que para o espetáculo - deixando que a verdade faça seu trabalho de nos tocar a alma, não pela brutalidade, mas sim pela crueldade.
Vale muito o seu play!
"O Enfermeiro da Noite" é uma ótima pedida para quem gosta de "true crime", mas é preciso ter em mente que essa produção da Netflix se apropria de uma narrativa muito mais cadenciada e intimista do que se apoia na tensão de complexas investigações ou de reviravoltas surpreendentes como costumamos encontrar no gênero. O filme dirigido pelo dinamarquês Tobias Lindholm (que escreveu nada menos que "Druk - Mais Uma Rodada" e "A Caça") é para quem gosta de drama e não de thriller!
A trama acompanha a história de Charlie Cullen (Eddie Redmayne), enfermeiro que foi apontado como um dos assassinos em série mais perigosos de todos os tempos. Levando uma vida aparentemente normal, Charles trabalhou em diversos hospitais durante décadas e teria assassinado cerca de 400 pessoas ao longo dos anos. Quando Charlie se aproxima de Amy (Jessica Chastain), uma enfermeira com sérios problemas de coração, responsável pela UTI de um hospital e que precisa cuidar de suas duas filhas pequenas quando não está de plantão, surge uma relação de confiança e amizade entre eles, porém quando algumas suspeitas de erros médicos começam a aparecer no setor em que trabalham, Amy é forçada a arriscar sua vida e a segurança de seus filhos para tentar descobrir a verdade. Confira o trailer:
Baseado no livro de Charles Graeber, "The Good Nurse: A True Story of Medicine, Madness, and Murder", o roteiro de "O Enfermeiro da Noite" (que curiosamente não foi escrito por Lindholm e sim pela também competente Krysty Wilson-Cairns, de "1917" e "Last Night in Soho") é muito inteligente em fazer um recorte bastante especifico da vida de Charlie Cullen, criando assim um dinâmica que vai direto ao ponto, com situações mais sugeridas do que escancaradas. Ao priorizar o olhar (de certa forma ingênuo) de Amy, a história se preocupa muito mais em encaixar as peças do que em descobrir "quem é" ou "como" o assassino em série atuava.
Escolhido esse caminho, o que vemos na tela não impacta visualmente pela violência e muito menos nos provoca algum estado de tensão permanente, porém nos deixa, sim, desconfortáveis. A forma como Lindholm conta a história, com um certo distanciamento, é de se elogiar pela criatividade - eu diria que a experiência do diretor em outro projeto, "Mindhunter", só colaborou para que ele encontrasse o tom certo para essa narrativa, entregando para Chastain e Redmayne, dois ótimos e profundos personagens que só cresceram a partir da excelente química entre eles. E aqui cabe uma outra citação: embora menos presente, o trabalho de Noah Emmerich (como o detetive Tim Braun) também merece destaque.
"O Enfermeiro da Noite" não será daqueles inesquecíveis, mas saiba que ele acerta ao propor uma experiência mais angustiante, que procura fugir do lugar comum e da banalização visual da morte. O filme a todo momento brinca com a imaginação da audiência, pontuando os crimes de Graeber sempre pelo prisma da especulação e pela força do silêncio. Sem cair em clichês, onde o assassino deixa pequenos rastros de seu comportamento mesmo quando sua verdadeira identidade ainda é um mistério, aqui o mérito está mais para o realismo do que para o espetáculo - deixando que a verdade faça seu trabalho de nos tocar a alma, não pela brutalidade, mas sim pela crueldade.
Vale muito o seu play!
Antes de mais nada é preciso dizer que "O Escândalo" é um filme difícil de digerir - é preciso ter estômago e, certamente, vai tocar mais em algumas pessoas do que em outras, mas posso garantir: é um grande filme! Ele é baseado na história real sobre as denúncias de assédio sexual contra o então presidente e fundador da Fox News, Roger Ailes (John Lithgow).
A história é contada pelo ponto de vista de três personagens-chaves: Megyn Kelly (Charlize Theron), Gretchen Carlson (Nicole Kidman) - âncoras do canal; e Kayla Pospisil (Margot Robbie) uma produtora, personagem criada para o filme, que representa (e até com um certo estereótipo) várias outras funcionárias da emissora que também sofreram algum tipo de assédio de Ailes. O fato é que tudo caminhava bem até que Gretchen Carlson, cansada dos seguidos ataques de assédio moral, resolve forçar sua demissão para iniciar um processo contra as várias investidas que sofreu de Roger Ailes no passado. Embora fosse um tiro no escuro, afinal Roger Ailes sempre foi um dos homens mais poderosos dos Estados Unidos, várias mulheres começam a se pronunciar contra o executivo, fortalecendo a iniciativa de Gretchen - mas faltava alguém de dentro da Fox News para dar o "tiro de misericórdia" e é aí que o Megyn Kelly e Kayla Pospisil ganham força no drama e o filme deslancha!
O ponto forte do filme está no elenco: Charlize Theron é uma grande atriz e está perfeita como Megyn Kelly - é impressionante como as duas estão parecidas, o que só fortalece a chance de "O Escândalo" ganhar o Oscar na categoria "Cabelo/Maquiagem". Margot Robbie também está impecável e por mais que possa parecer que ela é a personificação do estereótipo da mulher bonita/ingênua/oportunista, seu trabalho vai muito além: ela transita por cada uma dessas características de uma forma muito introspectiva, causando uma enorme confusão na sua cabeça, porém quando tudo começa a fazer sentido, seus olhos falam mais do que qualquer diálogo que o roteirista pudesse ter escrito para explicar o que passa com uma mulher assediada daquela forma - é lindo de ver! Nicole Kidman também está incrível, mas o pouco tempo de tela prejudicou sua caminha até o Oscar - se a dúvida ficou entre ela e Margot Robbie, ficaria impossível tirar a chance da segunda! John Lithgow também está ótimo como Roger Ailes - um pecado ele não ter tido a chance de disputar os maiores prêmios da temporada. Merecia!
O roteiro do Charles Randolph (vencedor do Oscar por "A Grande Aposta") é bom, mas pode parecer confuso para quem não conhece dos bastidores da politica americana. Embora o prólogo nos ajude entender a dinâmica sócio-politica da Fox News, as quebras narrativas da linha temporal dificultam o entendimento logo de cara. Além disso, o roteiro trás alguns elementos sem a menor conceitualização dramática: a quebra da quarta parede e a exposição do pensamento funcionam bem, mas são usadas poucas vezes, parecendo ser muito mais uma solução pontual do que uma característica marcante da escrita! A direção do Jay Roach é ótima, embora tenha lido muitas críticas sobre suas escolhas - disseram, inclusive, que ele copiou o estilo de Adam McKay depois dos sucessos de "Vice"e a "Grande Aposta". Outro elemento que incomodou alguns críticos foi o tom que ele imprimiu no filme, parecendo menos preocupado com a seriedade das denúncias e mais em justificar as atitudes erradas de Ailes - a cena onde Kayla Pospisil vai até a sala de Roger Ailes pela primeira vez é o exemplo que justifica essa tese. Eu discordo!
"O Escândalo" foi indicado em 3 categorias do Oscar 2020 e, sinceramente, "Cabelo/Maquiagem" é sua única chance real. Margot Robbie e Charlize Theron, embora com excelentes performances, não tem chance pelo nível das concorrentes diretas pelo prêmio, porém isso não diminui em nada a qualidade e a importância delas no filme. "O Escândalo" funciona como entretenimento, mas é muito mais valoroso pela exposição de uma história que perecia ser tão usual nos corredores da Fox News e de vários outras lugares onde o poder parece estar acima de tudo!
Up-date: "O Escândalo" ganhou em uma categoria no Oscar 2020: Melhor Cabelo e Maquiagem!
Antes de mais nada é preciso dizer que "O Escândalo" é um filme difícil de digerir - é preciso ter estômago e, certamente, vai tocar mais em algumas pessoas do que em outras, mas posso garantir: é um grande filme! Ele é baseado na história real sobre as denúncias de assédio sexual contra o então presidente e fundador da Fox News, Roger Ailes (John Lithgow).
A história é contada pelo ponto de vista de três personagens-chaves: Megyn Kelly (Charlize Theron), Gretchen Carlson (Nicole Kidman) - âncoras do canal; e Kayla Pospisil (Margot Robbie) uma produtora, personagem criada para o filme, que representa (e até com um certo estereótipo) várias outras funcionárias da emissora que também sofreram algum tipo de assédio de Ailes. O fato é que tudo caminhava bem até que Gretchen Carlson, cansada dos seguidos ataques de assédio moral, resolve forçar sua demissão para iniciar um processo contra as várias investidas que sofreu de Roger Ailes no passado. Embora fosse um tiro no escuro, afinal Roger Ailes sempre foi um dos homens mais poderosos dos Estados Unidos, várias mulheres começam a se pronunciar contra o executivo, fortalecendo a iniciativa de Gretchen - mas faltava alguém de dentro da Fox News para dar o "tiro de misericórdia" e é aí que o Megyn Kelly e Kayla Pospisil ganham força no drama e o filme deslancha!
O ponto forte do filme está no elenco: Charlize Theron é uma grande atriz e está perfeita como Megyn Kelly - é impressionante como as duas estão parecidas, o que só fortalece a chance de "O Escândalo" ganhar o Oscar na categoria "Cabelo/Maquiagem". Margot Robbie também está impecável e por mais que possa parecer que ela é a personificação do estereótipo da mulher bonita/ingênua/oportunista, seu trabalho vai muito além: ela transita por cada uma dessas características de uma forma muito introspectiva, causando uma enorme confusão na sua cabeça, porém quando tudo começa a fazer sentido, seus olhos falam mais do que qualquer diálogo que o roteirista pudesse ter escrito para explicar o que passa com uma mulher assediada daquela forma - é lindo de ver! Nicole Kidman também está incrível, mas o pouco tempo de tela prejudicou sua caminha até o Oscar - se a dúvida ficou entre ela e Margot Robbie, ficaria impossível tirar a chance da segunda! John Lithgow também está ótimo como Roger Ailes - um pecado ele não ter tido a chance de disputar os maiores prêmios da temporada. Merecia!
O roteiro do Charles Randolph (vencedor do Oscar por "A Grande Aposta") é bom, mas pode parecer confuso para quem não conhece dos bastidores da politica americana. Embora o prólogo nos ajude entender a dinâmica sócio-politica da Fox News, as quebras narrativas da linha temporal dificultam o entendimento logo de cara. Além disso, o roteiro trás alguns elementos sem a menor conceitualização dramática: a quebra da quarta parede e a exposição do pensamento funcionam bem, mas são usadas poucas vezes, parecendo ser muito mais uma solução pontual do que uma característica marcante da escrita! A direção do Jay Roach é ótima, embora tenha lido muitas críticas sobre suas escolhas - disseram, inclusive, que ele copiou o estilo de Adam McKay depois dos sucessos de "Vice"e a "Grande Aposta". Outro elemento que incomodou alguns críticos foi o tom que ele imprimiu no filme, parecendo menos preocupado com a seriedade das denúncias e mais em justificar as atitudes erradas de Ailes - a cena onde Kayla Pospisil vai até a sala de Roger Ailes pela primeira vez é o exemplo que justifica essa tese. Eu discordo!
"O Escândalo" foi indicado em 3 categorias do Oscar 2020 e, sinceramente, "Cabelo/Maquiagem" é sua única chance real. Margot Robbie e Charlize Theron, embora com excelentes performances, não tem chance pelo nível das concorrentes diretas pelo prêmio, porém isso não diminui em nada a qualidade e a importância delas no filme. "O Escândalo" funciona como entretenimento, mas é muito mais valoroso pela exposição de uma história que perecia ser tão usual nos corredores da Fox News e de vários outras lugares onde o poder parece estar acima de tudo!
Up-date: "O Escândalo" ganhou em uma categoria no Oscar 2020: Melhor Cabelo e Maquiagem!
Você pode ter deixado passar esse filme - o que é um grande pecado, principalmente se você gostar de um drama profundo sobre espionagem, mas sem aquele elemento de ação tão presente com cenas de perseguições hollywoodianas e tal. Em "O Espião Inglês", a narrativa se apoia na força de personagens reais como aqueles raros indivíduos dispostos a, de alguma forma, salvar o mundo; mesmo que para isso seja necessário arriscar sua própria vida - e acreditem: isso trás uma camada visceral de angústia e tensão absurda.
Durante a Guerra Fria, diversos civis atuaram como espiões para impedir o avanço soviético no mundo. Greville Wynne (Benedict Cumberbatch), um engenheiro elétrico e empresário, foi um desses homens recrutados pelo Serviço de Inteligência Militar Britânico, o MI5. Através de informações cruciais obtidas por uma de suas fontes, o russo Oleg Penkovsky (Merab Ninidze), Wynne arrisca sua própria vida para colaborar na luta pelo fim da Crise dos Mísseis de Cuba, em 1962. Confira o trailer:
É inegável que o filme do diretor Dominic Cooke (de "Na Praia de Chesil") tenta trazer para a realidade uma história que por muito tempo fez parte do inconsciente coletivo inglês como uma das passagens mais curiosas das relações diplomáticas do país. De uma nação onde uma figura imbatível como o "007" é considerado praticamente um super-herói, foi um homem comum, pai de família e empresário singelo que, na mais tenra inocência, se tornou peça-chave entre a CIA e a União Soviética, em um relato que soa impossível ter sido contado em primeira pessoa.
Dito isso, fica fácil definir o caminho que Cooke escolheu para seu "O Espião Inglês": um filme denso que se apoia no talento de dois atores para tentar (e quase sempre conseguir) mostrar a importância das relações humanas mesmo quando o perigo vai muito além do aceitável. Tanto Cumberbatch quanto Ninidze, conseguem alcançar um nível de performance tão palpável que nos faz ter a exata impressão de estarmos assistindo um documentário sobre seus personagens - existe uma troca tão intensa entre os dois, cheio de nuances, receios, (des)confiança e cumplicidade, que fica impossível não sentir a tensão de estar vivendo em uma linha tão tênue entre a glória e a morte.
Embora o filme pareça ser divido em apenas dois atos (e não em três como de costume), "The Courier" (no original) é eficiente em construir uma linha do tempo coerente e fácil de entender, ao mesmo tempo em que nos provoca uma empatia imediata com os protagonistas - muito mérito disso se deve ao Tom O`Connor (de "Dupla Explosiva") que usou como base para o seu roteiro, os livros do próprio Wynne : “The Man From Moscow” (1967) e “The Man From Odessa” (1981), que validaram o filme como um drama histórico dos mais fiéis aos fatos e com uma riqueza de detalhes absurda.
Por tudo isso, eu te asseguro: "O Espião Inglês" vale muito a pena!
Você pode ter deixado passar esse filme - o que é um grande pecado, principalmente se você gostar de um drama profundo sobre espionagem, mas sem aquele elemento de ação tão presente com cenas de perseguições hollywoodianas e tal. Em "O Espião Inglês", a narrativa se apoia na força de personagens reais como aqueles raros indivíduos dispostos a, de alguma forma, salvar o mundo; mesmo que para isso seja necessário arriscar sua própria vida - e acreditem: isso trás uma camada visceral de angústia e tensão absurda.
Durante a Guerra Fria, diversos civis atuaram como espiões para impedir o avanço soviético no mundo. Greville Wynne (Benedict Cumberbatch), um engenheiro elétrico e empresário, foi um desses homens recrutados pelo Serviço de Inteligência Militar Britânico, o MI5. Através de informações cruciais obtidas por uma de suas fontes, o russo Oleg Penkovsky (Merab Ninidze), Wynne arrisca sua própria vida para colaborar na luta pelo fim da Crise dos Mísseis de Cuba, em 1962. Confira o trailer:
É inegável que o filme do diretor Dominic Cooke (de "Na Praia de Chesil") tenta trazer para a realidade uma história que por muito tempo fez parte do inconsciente coletivo inglês como uma das passagens mais curiosas das relações diplomáticas do país. De uma nação onde uma figura imbatível como o "007" é considerado praticamente um super-herói, foi um homem comum, pai de família e empresário singelo que, na mais tenra inocência, se tornou peça-chave entre a CIA e a União Soviética, em um relato que soa impossível ter sido contado em primeira pessoa.
Dito isso, fica fácil definir o caminho que Cooke escolheu para seu "O Espião Inglês": um filme denso que se apoia no talento de dois atores para tentar (e quase sempre conseguir) mostrar a importância das relações humanas mesmo quando o perigo vai muito além do aceitável. Tanto Cumberbatch quanto Ninidze, conseguem alcançar um nível de performance tão palpável que nos faz ter a exata impressão de estarmos assistindo um documentário sobre seus personagens - existe uma troca tão intensa entre os dois, cheio de nuances, receios, (des)confiança e cumplicidade, que fica impossível não sentir a tensão de estar vivendo em uma linha tão tênue entre a glória e a morte.
Embora o filme pareça ser divido em apenas dois atos (e não em três como de costume), "The Courier" (no original) é eficiente em construir uma linha do tempo coerente e fácil de entender, ao mesmo tempo em que nos provoca uma empatia imediata com os protagonistas - muito mérito disso se deve ao Tom O`Connor (de "Dupla Explosiva") que usou como base para o seu roteiro, os livros do próprio Wynne : “The Man From Moscow” (1967) e “The Man From Odessa” (1981), que validaram o filme como um drama histórico dos mais fiéis aos fatos e com uma riqueza de detalhes absurda.
Por tudo isso, eu te asseguro: "O Espião Inglês" vale muito a pena!
Inspirado no livro “Agustín Corazón Abierto”, posso te garantir: "O Farol das Orcas" é uma graça! Sem a menor dúvida, não se trata de um filme inesquecível e muito menos tecnicamente perfeito, mas a história (até por ser real) é simplesmente cativante, surpreendente e o cenário onde tudo acontece é deslumbrante!
O filme acompanha a vida de Beto (Joaquín Furriel) que vive isolado no Sul da Patagônia onde realiza alguns estudos e mantém um relacionamento de confiança com as orcas do local, especialmente uma chamada Shaka. O assunto acabou virando um documentário da National Geographicque foi assistido por Lola (Maribel Verdú), mãe do menino autista Tristán (Joaquín Rapalini), que presenciou o filho demonstrando sinais de emoções pela primeira vez em muito tempo. Lola então sai da Espanha onde mora com o filho e aparece de surpresa na casa de Beto com a esperança de que ele possa ajudar Tris a se reconectar consigo mesmo a partir da relação com a natureza e com os animais. Confira o trailer (em espanhol):
Sem a menor dúvida que a fotografia do Óscar Durán é a primeira coisa que chama a atenção em "O Farol das Orcas" - tudo é muito bonito, da natureza aos enquadramentos de Beto com as orcas. Fica muito claro que o diretor usou de um conceito visual extremamente minimalista e natural para chamar a atenção para uma história que por si só já nos impactaria positivamente, mas o equilíbrio entre forma e conteúdo, aqui, funciona perfeitamente. Ter uma linda e sensível história real nas mãos, ajudou muito, trouxe credibilidade e fluidez para a narrativa, mas é preciso dizer que o roteiro derrapa em alguns pontos - o que mais pode incomodar é a previsibilidade da história de amor entre Beto e Lola.
Joaquín Furriel tem uma relação impressionante com Joaquín Rapalini e passa muita verdade ao expor seu cuidado com o garoto ou mesmo tempo que declara seu amor pelas orcas, mas vacila demais quando quer ser o galã mal humorado marcado pelo passado. Maribel Verdú, por outro lado, se mantém constante, no tom certo, mas não brilha a ponto de torcermos por sua personagem. A direção do espanhol Gerardo Olivares é apenas honesta, daquelas que não prejudica nossa experiência (embora alguns erros de continuidade saltem na tela). Dito tudo isso, a grande verdade é que a história é muito maior que o filme e justamente por isso, o filme vale a pena.
É claro que “O Farol das Orcas” merece ser assistido - a mensagem é bonita, o impacto visual do poder da natureza perante os seres humanos é real e a maneira como o roteiro trata o autismo é muito respeitosa e carinhosa até. É preciso alertar que a narrativa que envolve tudo isso é bem cadenciada, ou seja, quem espera cenas de impacto ou emoção vai odiar o filme. Por outro lado, as relações são muito bem trabalhadas e nos move pela empatia - eu diria que é um filme com alma.
Vale o play, para aqueles que buscam uma história que vai além do filme!
Inspirado no livro “Agustín Corazón Abierto”, posso te garantir: "O Farol das Orcas" é uma graça! Sem a menor dúvida, não se trata de um filme inesquecível e muito menos tecnicamente perfeito, mas a história (até por ser real) é simplesmente cativante, surpreendente e o cenário onde tudo acontece é deslumbrante!
O filme acompanha a vida de Beto (Joaquín Furriel) que vive isolado no Sul da Patagônia onde realiza alguns estudos e mantém um relacionamento de confiança com as orcas do local, especialmente uma chamada Shaka. O assunto acabou virando um documentário da National Geographicque foi assistido por Lola (Maribel Verdú), mãe do menino autista Tristán (Joaquín Rapalini), que presenciou o filho demonstrando sinais de emoções pela primeira vez em muito tempo. Lola então sai da Espanha onde mora com o filho e aparece de surpresa na casa de Beto com a esperança de que ele possa ajudar Tris a se reconectar consigo mesmo a partir da relação com a natureza e com os animais. Confira o trailer (em espanhol):
Sem a menor dúvida que a fotografia do Óscar Durán é a primeira coisa que chama a atenção em "O Farol das Orcas" - tudo é muito bonito, da natureza aos enquadramentos de Beto com as orcas. Fica muito claro que o diretor usou de um conceito visual extremamente minimalista e natural para chamar a atenção para uma história que por si só já nos impactaria positivamente, mas o equilíbrio entre forma e conteúdo, aqui, funciona perfeitamente. Ter uma linda e sensível história real nas mãos, ajudou muito, trouxe credibilidade e fluidez para a narrativa, mas é preciso dizer que o roteiro derrapa em alguns pontos - o que mais pode incomodar é a previsibilidade da história de amor entre Beto e Lola.
Joaquín Furriel tem uma relação impressionante com Joaquín Rapalini e passa muita verdade ao expor seu cuidado com o garoto ou mesmo tempo que declara seu amor pelas orcas, mas vacila demais quando quer ser o galã mal humorado marcado pelo passado. Maribel Verdú, por outro lado, se mantém constante, no tom certo, mas não brilha a ponto de torcermos por sua personagem. A direção do espanhol Gerardo Olivares é apenas honesta, daquelas que não prejudica nossa experiência (embora alguns erros de continuidade saltem na tela). Dito tudo isso, a grande verdade é que a história é muito maior que o filme e justamente por isso, o filme vale a pena.
É claro que “O Farol das Orcas” merece ser assistido - a mensagem é bonita, o impacto visual do poder da natureza perante os seres humanos é real e a maneira como o roteiro trata o autismo é muito respeitosa e carinhosa até. É preciso alertar que a narrativa que envolve tudo isso é bem cadenciada, ou seja, quem espera cenas de impacto ou emoção vai odiar o filme. Por outro lado, as relações são muito bem trabalhadas e nos move pela empatia - eu diria que é um filme com alma.
Vale o play, para aqueles que buscam uma história que vai além do filme!
O cinema de horror ou de sobrevivência em contextos extremos raramente oferece uma experiência tão visceral e imersiva quanto "O Filho de Saul". Dirigido pelo László Nemes (de "Entardecer"), essa produção húngara foi aclamada com o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes em 2015 e vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2016 - sem falar no BAFTA e no Goya de 2017, e no Critics Choice, no Cézar Awards e no Globo de Ouro também em 2016. Na verdade, esse filme é um testemunho impactante da brutalidade do Holocausto, contudo ao invés de se concentrar na vastidão do terror nazista, o roteiro opta por fazer um retrato íntimo, quase claustrofóbico, acompanhando cada passo de seu protagonista em uma narrativa que é tanto um ato de resistência quanto um grito silencioso de desespero. "O Filho de Saul" não só desafia as convenções do cinema atual sobre o Holocausto, como também redefine o próprio gênero com uma abordagem técnica inovadora e uma profundidade emocional sem paralelo - eu diria até comparável em seu impacto a "A Lista de Schindler" de Steven Spielberg, a "A Vida é Bela" de Roberto Benigni ou até o "Zona de Interesse" de Jonathan Glazer, mas com um realismo e uma intensidade que são inigualáveis.
A história segue Saul Ausländer (Géza Röhrig), um judeu-húngaro prisioneiro em um campo de concentração que trabalha como membro do Sonderkommando - esse era o tipo de prisioneiro que era forçado a ajudar na execução e cremação dos judeus. Em meio a uma dessas "missões", Saul encontra o corpo de uma criança que ele acredita poder ser seu filho. Em um gesto de profunda humanidade (e resistência), ele decide arriscar sua vida para dar aquela criança um enterro adequado, enfrentando obstáculos quase insuperáveis para encontrar um rabino que possa conduzir uma proibida cerimônia religiosa. Confira o trailer:
Partindo de premissa dessa missão desesperada e solitária de Saul que define o arco dramático do filme e traz à tona questões éticas e morais que transcendem o contexto histórico, o que encontramos na tela é um verdadeiro soco no estômago onde tudo, absolutamente tudo, é construído para nos tirar da zona de conforto. Certamente o diferencial técnico mais notável em "O Filho de Saul" seja o uso de uma cinematografia singular. Rodado em 35mm e com uma razão de aspecto de 1.37:1, o diretor de fotografia Mátyás Erdély (de "O Refúgio") captura a experiência do protagonista em closes extremos e com planos longos, o que mantêm o foco restrito no personagem central, enquanto o horror do campo de concentração permanece desfocado e praticamente indefinível no fundo. Essa escolha conceitual não apenas reforça a percepção de confinamento e opressão, mas também faz com que a audiência viva a jornada de Saul de forma quase que em primeira pessoa. Veja, a câmera se torna uma extensão da própria visão do protagonista, nos conduzindo pelos corredores e câmaras de gás de Auschwitz com uma proximidade sufocante e imersiva, que traduz a desumanização e o caos de forma brutalmente eficaz.
É inegável que a atuação contida de Géza Röhrig é fundamental para o sucesso deste experimento narrativo. Seu desempenho contrasta com a agonia e a urgência de sua missão. Röhrig infunde Saul com uma dignidade teimosa e uma dor interna que raramente se expressa através de palavras, mas que transborda a cada gesto e olhar - é um lindo trabalho de ator. O elenco de apoio, incluindo Levente Molnár como Abraham e Urs Rechn como Biedermann também merecem elogios ao complementar essa intensidade, oferecendo performances que, mesmo em papéis menores, contribuem demais para a atmosfera sufocante e tensa. Outros aspectos que merecem sua atenção é a trilha sonora (ou em muitos momentos, a falta dela) e o design de som - essa combinação amplifica nossa experiência de uma forma tão visceral que beira o insuportável. Saiba que em "O Filho de Saul", o silêncio é frequentemente interrompido apenas pelo som ambiente do campo - como em "Zona de Interesse", só ouvimos os gritos, ordens em alemão, tiros, sofrimento e dor. E tem mais: aqui ainda percebemos essa composição se entrelaçando com a respiração e com os passos de Saul, criando uma abordagem sonora minimalista que reforça a autenticidade da experiência e que evita qualquer sensação de sentimentalismo barato, permitindo que a brutalidade daquele cenário fale por si só.
Concluindo, "O Filho de Saul" é uma obra que transcende a mera representação do Holocausto para se tornar um estudo profundo sobre a resistência da humanidade em face da absoluta falta de amor e respeito. Esse é um filme difícil, cheio de identidade, que desafia a audiência a confrontar a brutalidade do passado pela perspectiva perturbadora da realidade, sem oferecer o consolo de uma narrativa mais tradicional. Nemes cria uma experiência cinematográfica que é ao mesmo tempo devastadora e necessária - um testamento à força de vontade e à luta incessante pela dignidade. Um filme que vai além do óbvio e que oferece uma visão angustiante, mas essencial, de uma história que não podemos esquecer.
Imperdível!
O cinema de horror ou de sobrevivência em contextos extremos raramente oferece uma experiência tão visceral e imersiva quanto "O Filho de Saul". Dirigido pelo László Nemes (de "Entardecer"), essa produção húngara foi aclamada com o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes em 2015 e vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2016 - sem falar no BAFTA e no Goya de 2017, e no Critics Choice, no Cézar Awards e no Globo de Ouro também em 2016. Na verdade, esse filme é um testemunho impactante da brutalidade do Holocausto, contudo ao invés de se concentrar na vastidão do terror nazista, o roteiro opta por fazer um retrato íntimo, quase claustrofóbico, acompanhando cada passo de seu protagonista em uma narrativa que é tanto um ato de resistência quanto um grito silencioso de desespero. "O Filho de Saul" não só desafia as convenções do cinema atual sobre o Holocausto, como também redefine o próprio gênero com uma abordagem técnica inovadora e uma profundidade emocional sem paralelo - eu diria até comparável em seu impacto a "A Lista de Schindler" de Steven Spielberg, a "A Vida é Bela" de Roberto Benigni ou até o "Zona de Interesse" de Jonathan Glazer, mas com um realismo e uma intensidade que são inigualáveis.
A história segue Saul Ausländer (Géza Röhrig), um judeu-húngaro prisioneiro em um campo de concentração que trabalha como membro do Sonderkommando - esse era o tipo de prisioneiro que era forçado a ajudar na execução e cremação dos judeus. Em meio a uma dessas "missões", Saul encontra o corpo de uma criança que ele acredita poder ser seu filho. Em um gesto de profunda humanidade (e resistência), ele decide arriscar sua vida para dar aquela criança um enterro adequado, enfrentando obstáculos quase insuperáveis para encontrar um rabino que possa conduzir uma proibida cerimônia religiosa. Confira o trailer:
Partindo de premissa dessa missão desesperada e solitária de Saul que define o arco dramático do filme e traz à tona questões éticas e morais que transcendem o contexto histórico, o que encontramos na tela é um verdadeiro soco no estômago onde tudo, absolutamente tudo, é construído para nos tirar da zona de conforto. Certamente o diferencial técnico mais notável em "O Filho de Saul" seja o uso de uma cinematografia singular. Rodado em 35mm e com uma razão de aspecto de 1.37:1, o diretor de fotografia Mátyás Erdély (de "O Refúgio") captura a experiência do protagonista em closes extremos e com planos longos, o que mantêm o foco restrito no personagem central, enquanto o horror do campo de concentração permanece desfocado e praticamente indefinível no fundo. Essa escolha conceitual não apenas reforça a percepção de confinamento e opressão, mas também faz com que a audiência viva a jornada de Saul de forma quase que em primeira pessoa. Veja, a câmera se torna uma extensão da própria visão do protagonista, nos conduzindo pelos corredores e câmaras de gás de Auschwitz com uma proximidade sufocante e imersiva, que traduz a desumanização e o caos de forma brutalmente eficaz.
É inegável que a atuação contida de Géza Röhrig é fundamental para o sucesso deste experimento narrativo. Seu desempenho contrasta com a agonia e a urgência de sua missão. Röhrig infunde Saul com uma dignidade teimosa e uma dor interna que raramente se expressa através de palavras, mas que transborda a cada gesto e olhar - é um lindo trabalho de ator. O elenco de apoio, incluindo Levente Molnár como Abraham e Urs Rechn como Biedermann também merecem elogios ao complementar essa intensidade, oferecendo performances que, mesmo em papéis menores, contribuem demais para a atmosfera sufocante e tensa. Outros aspectos que merecem sua atenção é a trilha sonora (ou em muitos momentos, a falta dela) e o design de som - essa combinação amplifica nossa experiência de uma forma tão visceral que beira o insuportável. Saiba que em "O Filho de Saul", o silêncio é frequentemente interrompido apenas pelo som ambiente do campo - como em "Zona de Interesse", só ouvimos os gritos, ordens em alemão, tiros, sofrimento e dor. E tem mais: aqui ainda percebemos essa composição se entrelaçando com a respiração e com os passos de Saul, criando uma abordagem sonora minimalista que reforça a autenticidade da experiência e que evita qualquer sensação de sentimentalismo barato, permitindo que a brutalidade daquele cenário fale por si só.
Concluindo, "O Filho de Saul" é uma obra que transcende a mera representação do Holocausto para se tornar um estudo profundo sobre a resistência da humanidade em face da absoluta falta de amor e respeito. Esse é um filme difícil, cheio de identidade, que desafia a audiência a confrontar a brutalidade do passado pela perspectiva perturbadora da realidade, sem oferecer o consolo de uma narrativa mais tradicional. Nemes cria uma experiência cinematográfica que é ao mesmo tempo devastadora e necessária - um testamento à força de vontade e à luta incessante pela dignidade. Um filme que vai além do óbvio e que oferece uma visão angustiante, mas essencial, de uma história que não podemos esquecer.
Imperdível!