"Jóias Brutas" é sobre o caos que pode se tornar a vida de um ser-humano que está sempre preocupado em ganhar mais dinheiro, no sentido ganancioso da palavra! Aliás, é angustiante como a direção, o roteiro e a montagem trabalham alinhados para provocar essa sensação de caos, de desordem, de desespero! Simplesmente incrível!
O filme acompanha a jornada do joalheiro (e judeu) Howard Ratner (Adam Sandler). Viciado em apostas, e não necessariamente apenas com dinheiro, Ratner está sempre colocando sua própria vida jogo. Assim que consegue uma pedra de opala de mineradores da Etiópia, ele inicia uma série de negociações paralelas com o objetivo de valorizar o artefacto que vai entrar em um leilão em breve. Acontece que Ratner acaba se enrolando e agora precisa quitar algumas dívidas anteriores, para isso, sua única saída são as apostas, cada vez mais arriscadas, envolvendo jogos de basquete e um dos seus principais clientes, o astro do Boston Celtics, Kevin Garnett. Confira o trailer:
Esse é o segundo filme que assisto dos irmãos Benny e Josh Safdie - o primeiro, o excelente, Amor, Drogas e Nova York, uma espécie de "Eu, Christiane F." com um olhar extremamente visceral sobre o relacionamento humano e como o ambiente impacta nesse processo de auto-destruição. O interessante é que "Jóias Brutas" segue esse mesmo conceito narrativo e visual, e fortalece a identidade dos irmãos Safdie como poucas vezes vi na história recente do cinema autoral. Eu já adianto: prestem muita atenção no trabalho desses caras!
Se existiu toda a polêmica pela não indicação do Adam Sandler por "Jóias Brutas", já que essa parecia ser a chance da sua vida como comentamos no blog, é preciso dizer que o filme vai muito além do seu incrível trabalho. Da concepção estética ao roteiro redondinho, passando por uma direção de elenco simplesmente fabulosa - esse filme é daqueles que mexem com nossas sensações e que entrega um final impecável!
Existem alguns elementos nesse filme dos irmão Safdie que podem passar despercebidos para os menos atentos, mas que ajudam a construir todas as sensações que temos enquanto acompanhamos a história. Muito do que sentimos é reflexo de como a ambientação de uma ação nos provoca a refletir, veja: existe um conceito visual frenético, mérito de um trabalho sensacional do fotógrafo Darius Khondji - um daqueles profissionais notáveis que ainda não ganhou um Oscar, mas carrega no currículo obras-primas como "Seven", "Evita", "Okja", "Amor", "Meia-noite em Paris" e por aí vai! Pois bem, alinhado a isso temos um desenho de som fantástico - reparem em como a cidade pulsa (NY é aquilo) e em detalhes simples como o som da botão que abre a porta de segurança da loja, nos causam uma enorme sensação de angústia! Tudo isso com personagens falando todos ao mesmo tempo onde, mais importante do que entende-los, é experimentar aquela desorientação momentânea que a cena propõe!
Seguindo essa linha, a trilha sonora mais tecno traz para "Jóias Brutas" um ar hipnótico, moderno, inovador, tão presente na vida do nova-iorquino! Reparem no desenho da luz negra e no brilho das roupas na cena da boate onde, em determinado momento, tudo desaparece para dar protagonismo ao personagem que interessa na construção do próximo caos: no caso, Demany (LaKeith Stanfield), o responsável por levar clientes ilustres para a joalheria de Ratner. Nessa mesma sequência, sentimos na pele a dor de nunca ser o centro das atenções ou de ter o respeito por ser o que é, e sim por já ter tido algo, quando Howard Ratner se depara com sua "amante gostosa" (Julia Fox) ao lado de alguém supostamente mais em evidência naquele momento! É intenso, real e cruel!
O resumo técnico de "Jóias Brutas" comprova uma das maiores injustiças que a Academia cometeu em 2020 (ao lado de "A Despedida"). Como "Closer", onde o subtexto e as sensações são mais profundos do que exatamente o que vemos na tela, talvez esse filme não se estabeleça como uma unanimidade! Para mim, um dos melhores do ano sem a menor sombra de dúvidas e um convite ao "cinema de gênero com alma". Não se trata de um suspense policial como a Netflix erradamente divulgou, "Jóias Brutas" é sim um drama profundo, auto-destrutivo e caótico, capaz de relativizar a importância da família, da vida e do caráter pela busca de um sonho material e ostensivo que só existe onde pouco se constrói com propósito!
Play, para não se arrepender!
"Jóias Brutas" é sobre o caos que pode se tornar a vida de um ser-humano que está sempre preocupado em ganhar mais dinheiro, no sentido ganancioso da palavra! Aliás, é angustiante como a direção, o roteiro e a montagem trabalham alinhados para provocar essa sensação de caos, de desordem, de desespero! Simplesmente incrível!
O filme acompanha a jornada do joalheiro (e judeu) Howard Ratner (Adam Sandler). Viciado em apostas, e não necessariamente apenas com dinheiro, Ratner está sempre colocando sua própria vida jogo. Assim que consegue uma pedra de opala de mineradores da Etiópia, ele inicia uma série de negociações paralelas com o objetivo de valorizar o artefacto que vai entrar em um leilão em breve. Acontece que Ratner acaba se enrolando e agora precisa quitar algumas dívidas anteriores, para isso, sua única saída são as apostas, cada vez mais arriscadas, envolvendo jogos de basquete e um dos seus principais clientes, o astro do Boston Celtics, Kevin Garnett. Confira o trailer:
Esse é o segundo filme que assisto dos irmãos Benny e Josh Safdie - o primeiro, o excelente, Amor, Drogas e Nova York, uma espécie de "Eu, Christiane F." com um olhar extremamente visceral sobre o relacionamento humano e como o ambiente impacta nesse processo de auto-destruição. O interessante é que "Jóias Brutas" segue esse mesmo conceito narrativo e visual, e fortalece a identidade dos irmãos Safdie como poucas vezes vi na história recente do cinema autoral. Eu já adianto: prestem muita atenção no trabalho desses caras!
Se existiu toda a polêmica pela não indicação do Adam Sandler por "Jóias Brutas", já que essa parecia ser a chance da sua vida como comentamos no blog, é preciso dizer que o filme vai muito além do seu incrível trabalho. Da concepção estética ao roteiro redondinho, passando por uma direção de elenco simplesmente fabulosa - esse filme é daqueles que mexem com nossas sensações e que entrega um final impecável!
Existem alguns elementos nesse filme dos irmão Safdie que podem passar despercebidos para os menos atentos, mas que ajudam a construir todas as sensações que temos enquanto acompanhamos a história. Muito do que sentimos é reflexo de como a ambientação de uma ação nos provoca a refletir, veja: existe um conceito visual frenético, mérito de um trabalho sensacional do fotógrafo Darius Khondji - um daqueles profissionais notáveis que ainda não ganhou um Oscar, mas carrega no currículo obras-primas como "Seven", "Evita", "Okja", "Amor", "Meia-noite em Paris" e por aí vai! Pois bem, alinhado a isso temos um desenho de som fantástico - reparem em como a cidade pulsa (NY é aquilo) e em detalhes simples como o som da botão que abre a porta de segurança da loja, nos causam uma enorme sensação de angústia! Tudo isso com personagens falando todos ao mesmo tempo onde, mais importante do que entende-los, é experimentar aquela desorientação momentânea que a cena propõe!
Seguindo essa linha, a trilha sonora mais tecno traz para "Jóias Brutas" um ar hipnótico, moderno, inovador, tão presente na vida do nova-iorquino! Reparem no desenho da luz negra e no brilho das roupas na cena da boate onde, em determinado momento, tudo desaparece para dar protagonismo ao personagem que interessa na construção do próximo caos: no caso, Demany (LaKeith Stanfield), o responsável por levar clientes ilustres para a joalheria de Ratner. Nessa mesma sequência, sentimos na pele a dor de nunca ser o centro das atenções ou de ter o respeito por ser o que é, e sim por já ter tido algo, quando Howard Ratner se depara com sua "amante gostosa" (Julia Fox) ao lado de alguém supostamente mais em evidência naquele momento! É intenso, real e cruel!
O resumo técnico de "Jóias Brutas" comprova uma das maiores injustiças que a Academia cometeu em 2020 (ao lado de "A Despedida"). Como "Closer", onde o subtexto e as sensações são mais profundos do que exatamente o que vemos na tela, talvez esse filme não se estabeleça como uma unanimidade! Para mim, um dos melhores do ano sem a menor sombra de dúvidas e um convite ao "cinema de gênero com alma". Não se trata de um suspense policial como a Netflix erradamente divulgou, "Jóias Brutas" é sim um drama profundo, auto-destrutivo e caótico, capaz de relativizar a importância da família, da vida e do caráter pela busca de um sonho material e ostensivo que só existe onde pouco se constrói com propósito!
Play, para não se arrepender!
Essa era uma história que merecia ser contada e digo mais: você vai se surpreender com sua força! "Joika: Uma Americana no Bolshoi" é, de fato, uma jornada inspiradora de paixão e de superação que nos conquista logo de cara. O desconhecido diretor e roteirista James Napier Robertson (da elogiada "Whina") mostra muito talento e competência ao contar a história real de Joy Womack, uma bailarina americana que desafiou inúmeras barreiras culturais para se tornar a primeira americana a se apresentar no prestigiado Ballet Bolshoi. Narrada com uma sensibilidade impressionante e fotografada com um realismo visceral, "The American" (no original) merece demais a sua a atenção, especialmente se você se identifica com filmes como "Cisne Negro", "Birds of Paradise" e até com o georgiano, "E então nós dançamos"! Vale dizer que essa produção conquistou o prêmio de Melhor Filme no Festival de Cinema de Milão, além do prêmio da audiência no Palm Springs International Film Festival em 2024.
Basicamente, o filme segue Joy (Talia Ryder), uma prodígio do balé que aspira se tornar a Prima Ballerina da Academia Bolshoi de Moscou. Aos quinze anos, ela se muda para a Rússia, apoiada pelos pais, com a esperança de ser aceita na prestigiada academia. No entanto, ela rapidamente se depara com a hostilidade de suas colegas e de uma severa diretora, Tatiyana Volkova (Diane Kruger), que constantemente a chama pejorativamente de “a americana”. Determinada a provar seu valor, independente de seu país de origem, Joy enfrenta desafios físicos e emocionais enquanto luta para conquistar seu lugar de destaque na história do balé mundial. Confira o trailer (em inglês):
Naturalmente já é possível imaginar que "Joika" é um mergulha na realidade implacável dessa arte tão exigente e cheia de tradição. A pressão constante pela excelência, a disciplina draconiana e as privações físicas e emocionais são retratadas com uma honestidade brutal no filme que olha, se tem uma coisa que Robertson não faz, é nos poupar do lado sombrio da busca pela perfeição como manifestação artística Sensível e precisa, a direção nos conduzi por uma história recheada de ritmo e emoção que não cai na tentação de cortar caminhos para encontrar a conexão com a audiência. É claro que o drama está lá desde o primeiro ato, mas a forma como o roteiro vai construindo a jornada nos entrega uma série de sensações muito particulares - veja, se em "Cisne Negro" Aronofsky brinca com nossa percepção da realidade, aqui, é justamente a realidade que nos mantém angustiado até os créditos subirem.
Além da qualidade artística da direção, alguns elementos técnicos merecem destaque - a já citada fotografia é uma delas. Assinada pelo polonês Tomasz Naumiuk (de "Rastros"), a fotografia captura a beleza e a melancolia da vida na Rússia, utilizando tons frios e contrastes marcantes para criar uma atmosfera tão imersiva quanto desconfortável - algo como vimos em "O Gambito da Rainha". Já a trilha sonora composta por Dana Lund (de "The Dark Horse") transita entre melodias depressivas e outras inspiradoras acompanhando perfeitamente a jornada de Joy, intensificando as emoções, elevando a experiência e nos aproximando dos grandes clássicos do balé. Sobre o elenco, Talia Ryder entrega uma performance de tirar o fôlego - a melhor de sua carreira. Sua atuação captura a força, a determinação e a vulnerabilidade da personagem com maestria - seu domínio físico é impressionante, traduzindo em cada movimento sua paixão e a sua dor. Diane Kruger também brilha - imponente e intimidadora, mas com nuances de fragilidade, a atriz entrega uma personagem tão complexa e humana que eu diria ser "uma personificação das contradições do mundo do balé".
Mesmo que tenha surgido timidamente, "Joika: Uma Americana no Bolshoi" é sim um filme imperdível - especialmente para aqueles que buscam dramas inspiradores, histórias reais e atuações memoráveis. É um convite para entendermos as nuances da arte pela perspectiva da paixão avassaladora, da força e da resiliência como fator primordial do espírito humano. Entretenimento, mas inteligente na sua essência, saiba que você vai se emocionar, vai se inspirar e até refletir sobre o valor de acreditar em um sonho, sem aquela conotação piegas, de buscar a excelência e de encontrar na superação, os próprios limites.
Vale muito o seu play!
Essa era uma história que merecia ser contada e digo mais: você vai se surpreender com sua força! "Joika: Uma Americana no Bolshoi" é, de fato, uma jornada inspiradora de paixão e de superação que nos conquista logo de cara. O desconhecido diretor e roteirista James Napier Robertson (da elogiada "Whina") mostra muito talento e competência ao contar a história real de Joy Womack, uma bailarina americana que desafiou inúmeras barreiras culturais para se tornar a primeira americana a se apresentar no prestigiado Ballet Bolshoi. Narrada com uma sensibilidade impressionante e fotografada com um realismo visceral, "The American" (no original) merece demais a sua a atenção, especialmente se você se identifica com filmes como "Cisne Negro", "Birds of Paradise" e até com o georgiano, "E então nós dançamos"! Vale dizer que essa produção conquistou o prêmio de Melhor Filme no Festival de Cinema de Milão, além do prêmio da audiência no Palm Springs International Film Festival em 2024.
Basicamente, o filme segue Joy (Talia Ryder), uma prodígio do balé que aspira se tornar a Prima Ballerina da Academia Bolshoi de Moscou. Aos quinze anos, ela se muda para a Rússia, apoiada pelos pais, com a esperança de ser aceita na prestigiada academia. No entanto, ela rapidamente se depara com a hostilidade de suas colegas e de uma severa diretora, Tatiyana Volkova (Diane Kruger), que constantemente a chama pejorativamente de “a americana”. Determinada a provar seu valor, independente de seu país de origem, Joy enfrenta desafios físicos e emocionais enquanto luta para conquistar seu lugar de destaque na história do balé mundial. Confira o trailer (em inglês):
Naturalmente já é possível imaginar que "Joika" é um mergulha na realidade implacável dessa arte tão exigente e cheia de tradição. A pressão constante pela excelência, a disciplina draconiana e as privações físicas e emocionais são retratadas com uma honestidade brutal no filme que olha, se tem uma coisa que Robertson não faz, é nos poupar do lado sombrio da busca pela perfeição como manifestação artística Sensível e precisa, a direção nos conduzi por uma história recheada de ritmo e emoção que não cai na tentação de cortar caminhos para encontrar a conexão com a audiência. É claro que o drama está lá desde o primeiro ato, mas a forma como o roteiro vai construindo a jornada nos entrega uma série de sensações muito particulares - veja, se em "Cisne Negro" Aronofsky brinca com nossa percepção da realidade, aqui, é justamente a realidade que nos mantém angustiado até os créditos subirem.
Além da qualidade artística da direção, alguns elementos técnicos merecem destaque - a já citada fotografia é uma delas. Assinada pelo polonês Tomasz Naumiuk (de "Rastros"), a fotografia captura a beleza e a melancolia da vida na Rússia, utilizando tons frios e contrastes marcantes para criar uma atmosfera tão imersiva quanto desconfortável - algo como vimos em "O Gambito da Rainha". Já a trilha sonora composta por Dana Lund (de "The Dark Horse") transita entre melodias depressivas e outras inspiradoras acompanhando perfeitamente a jornada de Joy, intensificando as emoções, elevando a experiência e nos aproximando dos grandes clássicos do balé. Sobre o elenco, Talia Ryder entrega uma performance de tirar o fôlego - a melhor de sua carreira. Sua atuação captura a força, a determinação e a vulnerabilidade da personagem com maestria - seu domínio físico é impressionante, traduzindo em cada movimento sua paixão e a sua dor. Diane Kruger também brilha - imponente e intimidadora, mas com nuances de fragilidade, a atriz entrega uma personagem tão complexa e humana que eu diria ser "uma personificação das contradições do mundo do balé".
Mesmo que tenha surgido timidamente, "Joika: Uma Americana no Bolshoi" é sim um filme imperdível - especialmente para aqueles que buscam dramas inspiradores, histórias reais e atuações memoráveis. É um convite para entendermos as nuances da arte pela perspectiva da paixão avassaladora, da força e da resiliência como fator primordial do espírito humano. Entretenimento, mas inteligente na sua essência, saiba que você vai se emocionar, vai se inspirar e até refletir sobre o valor de acreditar em um sonho, sem aquela conotação piegas, de buscar a excelência e de encontrar na superação, os próprios limites.
Vale muito o seu play!
"Jovem e Bela" é um excelente drama francês sobre as dores da adolescência pelo ponto de vista de uma jovem de 17 anos que está descobrindo o sexo. Foi a partir dessa premissa que o diretor François Ozon (dos ótimos "O Amante Duplo"e "Dentro da Casa") construiu uma história de amadurecimento usando as quatro estações do ano de forma quase poética, que conquistou o Festival de San Sebastián e o fez concorrer à Palma de Ouro de Cannes em 2013.
No filme conhecemos a jovem Isabelle (Marine Vacth) que durante uma viagem de verão com a família, vive a sua primeira experiência sexual. Ao voltar para casa, em Paris, ela divide o seu tempo entre a escola e um novo trabalho que coloca a relação com sua mãe divorciada, Sylvie (Géraldine Pailhas), em cheque.
Antes de assistir o trailer, é preciso dizer que quanto menos você souber sobre o filme, mais impactante será sua experiência - mas a escolha é sua!
Se inicialmente "Jovem e Bela" pode parecer uma trama jovem sobre os amores de um verão de descobertas e suas consequências na relação com os pais como "Julho Agosto", basta assistir 20 minutos de filme para se surpreender com o caminho escolhido por Ozon para discutir as dores da adolescência. Claramente referenciado por Stanley Kubrick e a linha narrativa tênue entre o valor da imagem em contra-ponto com a riqueza do íntimo que o diretor gostava de imprimir em seus filmes de relação, Ozon chega a brincar com nossa percepção sobre o poder da escolha - principalmente no que diz respeito a hipocrisia do olhar "adulto" sobre o assunto.
Como de costume, o roteiro do próprio Ozon se apoia no jogo de palavras e de situações bem particulares (nem sempre inéditas) para nos conduzir em uma espécie de mergulho pela psiquê de Isabelle - de onde, aliás, conseguimos poucas respostas, mas muitas reflexões. Ao nos provocar, "Jovem e Bela" ganha nossa atenção por diversos motivos: o apelo sexual está presente, mas o entorno acaba sendo mais envolvente - algo como "De Olhos bem Fechados" ou "Lolita", mas com um leve toque de humor e ironia, graças a ótima participação de Frédéric Pierrot como o padrasto da protagonista. A escolha de Marine Vacth certamente foi a decisão mais acertada de Ozon - sua performance é também impecável: hipnotizante pela sua beleza e provocadora pela sua postura quase neutra em relação aos seus dramas.
Segmentado em quatro capítulos (representadas pelas estações do ano) e pontuado pelas músicas de Françoise Hardy, cantora francesa dos anos 1960/70 que, como Isabelle, transmite uma certa melancolia introspectiva e até enigmática, "Jovem e Bela" se apropria de "L’amour d'un garçon" (de 1963), "À quoi ça sert" (de 1969), "Première rencontre" (de 1973) e "Je suis moi" (de 1974) para entregar uma jornada de infinitas possibilidades que percorrem a adolescência de uma jovem impactada pelas suas escolhas e pelas escolhas das pessoas que a cercam em uma leitura que nos direciona para inegáveis julgamentos morais, brilhantemente ilustrado no roteiro pelo poema "Ninguém é sério aos 17 anos" de Arthur Rimbaud.
Vale muito o seu play!
"Jovem e Bela" é um excelente drama francês sobre as dores da adolescência pelo ponto de vista de uma jovem de 17 anos que está descobrindo o sexo. Foi a partir dessa premissa que o diretor François Ozon (dos ótimos "O Amante Duplo"e "Dentro da Casa") construiu uma história de amadurecimento usando as quatro estações do ano de forma quase poética, que conquistou o Festival de San Sebastián e o fez concorrer à Palma de Ouro de Cannes em 2013.
No filme conhecemos a jovem Isabelle (Marine Vacth) que durante uma viagem de verão com a família, vive a sua primeira experiência sexual. Ao voltar para casa, em Paris, ela divide o seu tempo entre a escola e um novo trabalho que coloca a relação com sua mãe divorciada, Sylvie (Géraldine Pailhas), em cheque.
Antes de assistir o trailer, é preciso dizer que quanto menos você souber sobre o filme, mais impactante será sua experiência - mas a escolha é sua!
Se inicialmente "Jovem e Bela" pode parecer uma trama jovem sobre os amores de um verão de descobertas e suas consequências na relação com os pais como "Julho Agosto", basta assistir 20 minutos de filme para se surpreender com o caminho escolhido por Ozon para discutir as dores da adolescência. Claramente referenciado por Stanley Kubrick e a linha narrativa tênue entre o valor da imagem em contra-ponto com a riqueza do íntimo que o diretor gostava de imprimir em seus filmes de relação, Ozon chega a brincar com nossa percepção sobre o poder da escolha - principalmente no que diz respeito a hipocrisia do olhar "adulto" sobre o assunto.
Como de costume, o roteiro do próprio Ozon se apoia no jogo de palavras e de situações bem particulares (nem sempre inéditas) para nos conduzir em uma espécie de mergulho pela psiquê de Isabelle - de onde, aliás, conseguimos poucas respostas, mas muitas reflexões. Ao nos provocar, "Jovem e Bela" ganha nossa atenção por diversos motivos: o apelo sexual está presente, mas o entorno acaba sendo mais envolvente - algo como "De Olhos bem Fechados" ou "Lolita", mas com um leve toque de humor e ironia, graças a ótima participação de Frédéric Pierrot como o padrasto da protagonista. A escolha de Marine Vacth certamente foi a decisão mais acertada de Ozon - sua performance é também impecável: hipnotizante pela sua beleza e provocadora pela sua postura quase neutra em relação aos seus dramas.
Segmentado em quatro capítulos (representadas pelas estações do ano) e pontuado pelas músicas de Françoise Hardy, cantora francesa dos anos 1960/70 que, como Isabelle, transmite uma certa melancolia introspectiva e até enigmática, "Jovem e Bela" se apropria de "L’amour d'un garçon" (de 1963), "À quoi ça sert" (de 1969), "Première rencontre" (de 1973) e "Je suis moi" (de 1974) para entregar uma jornada de infinitas possibilidades que percorrem a adolescência de uma jovem impactada pelas suas escolhas e pelas escolhas das pessoas que a cercam em uma leitura que nos direciona para inegáveis julgamentos morais, brilhantemente ilustrado no roteiro pelo poema "Ninguém é sério aos 17 anos" de Arthur Rimbaud.
Vale muito o seu play!
Quando "Joy" chegou aos cinemas em 2015, o filme veio carregado de críticas - umas coerentes, mas a maioria exagerada. Um filme que tem em seu arco principal a superação de uma personagem mulher em busca de um sonho empreendedor para mudar de vida definitivamente, como em "A Vida e a História de Madam C.J. Walker", precisa ser entendido e interpretado de acordo com sua proposta narrativa, não a partir da filmografia de seu diretor - no caso, David O. Russell que vinha de três grandes sucessos como "O Vencedor", "O Lado Bom da Vida" e "Trapaça", e ainda carregava a pressão de cinco indicações ao Oscar.
Inspirado em uma história real, o filme mostra a emocionante jornada de Joy (Jennifer Lawrence), uma mulher que é ferozmente determinada a manter sua excêntrica e disfuncional família unida em face da aparentemente e insuperável probabilidade de se dar mal. Motivada pela necessidade, engenhosidade e pelo sonho de uma vida melhor, Joy busca com todas as forças, triunfar como a fundadora e inventora do "esfregão", e assim se tornar a matriarca de um bilionário império que transformou sua vida e a de sua família. Confira o trailer:
Veja, talvez a história de Joy seja de fato mais interessante que o filme, mas em hipótese nenhuma podemos dizer que o filme é ruim - ele não é. Algumas escolhas narrativas de O. Russell, que também escreveu o roteiro, me pareceram equivocadas e destaco duas: a narração em off (e a escolha da personagem que faz isso) é ruim e a fixação em tentar encontrar paralelos com a Soap Opera que fez parte da vida de Joy e razão da inércia da sua mãe, pior ainda. Embora ambos sejam artifícios para cortar o caminho sempre complicado de colocar na tela uma biografia com tão pouco tempo de história, é de se notar a pretensão do diretor de querer ser genial - o que acaba sendo um desperdício de energia, pois a jornada de Joy por si só já entregaria uma conexão imediata com o público deixando espaço para algumas alegorias que ele sempre gostou de pontuar (e bem) em seu filmes.
Ao olharmos pelo prisma empreendedor, meu Deus, "Joy" é um retrato tão palpável, que mesmo no exagero do texto ainda sim nos identificamos com a jornada. Vemos como a vida espanca (sim, esse é o termo exato do que acontece) a protagonista diariamente para então acompanharmos como a determinação, a criatividade, a boa vontade, o trabalho e a esperança podem mudar o rumo das coisas. É impressionante como a protagonista vai ao fundo do poço, e claro que isso é romantizado, mas o que importa (e aqui voltamos na proposta narrativa) é a mensagem quase motivacional de resiliência.
Reparem que logo no inicio o diretor já avisa que o filme é sobre “mulheres fortes”, ou seja, se trata de uma tentativa de estabelecer uma visão de empoderamento feminino - que é válido, mas retórico. Disse tudo isso para afirmar que "Joy" (que aqui no Brasil ganhou o subtítulo de "O Nome do Sucesso") pode soar apressada, mas vai te fisgar de acordo com o olhar pela qual você receber a narrativa. Pessoalmente, achei o filme bom, interessante pelo ponto de vista da jornada do herói, mas especialmente válido por conhecer o desafio empreendedor e a vontade de vencer na vida da protagonista mesmo com tantas dificuldades.
É emocionante e divertido, mesmo que falhe como obra biográfica. Vale o play!
Quando "Joy" chegou aos cinemas em 2015, o filme veio carregado de críticas - umas coerentes, mas a maioria exagerada. Um filme que tem em seu arco principal a superação de uma personagem mulher em busca de um sonho empreendedor para mudar de vida definitivamente, como em "A Vida e a História de Madam C.J. Walker", precisa ser entendido e interpretado de acordo com sua proposta narrativa, não a partir da filmografia de seu diretor - no caso, David O. Russell que vinha de três grandes sucessos como "O Vencedor", "O Lado Bom da Vida" e "Trapaça", e ainda carregava a pressão de cinco indicações ao Oscar.
Inspirado em uma história real, o filme mostra a emocionante jornada de Joy (Jennifer Lawrence), uma mulher que é ferozmente determinada a manter sua excêntrica e disfuncional família unida em face da aparentemente e insuperável probabilidade de se dar mal. Motivada pela necessidade, engenhosidade e pelo sonho de uma vida melhor, Joy busca com todas as forças, triunfar como a fundadora e inventora do "esfregão", e assim se tornar a matriarca de um bilionário império que transformou sua vida e a de sua família. Confira o trailer:
Veja, talvez a história de Joy seja de fato mais interessante que o filme, mas em hipótese nenhuma podemos dizer que o filme é ruim - ele não é. Algumas escolhas narrativas de O. Russell, que também escreveu o roteiro, me pareceram equivocadas e destaco duas: a narração em off (e a escolha da personagem que faz isso) é ruim e a fixação em tentar encontrar paralelos com a Soap Opera que fez parte da vida de Joy e razão da inércia da sua mãe, pior ainda. Embora ambos sejam artifícios para cortar o caminho sempre complicado de colocar na tela uma biografia com tão pouco tempo de história, é de se notar a pretensão do diretor de querer ser genial - o que acaba sendo um desperdício de energia, pois a jornada de Joy por si só já entregaria uma conexão imediata com o público deixando espaço para algumas alegorias que ele sempre gostou de pontuar (e bem) em seu filmes.
Ao olharmos pelo prisma empreendedor, meu Deus, "Joy" é um retrato tão palpável, que mesmo no exagero do texto ainda sim nos identificamos com a jornada. Vemos como a vida espanca (sim, esse é o termo exato do que acontece) a protagonista diariamente para então acompanharmos como a determinação, a criatividade, a boa vontade, o trabalho e a esperança podem mudar o rumo das coisas. É impressionante como a protagonista vai ao fundo do poço, e claro que isso é romantizado, mas o que importa (e aqui voltamos na proposta narrativa) é a mensagem quase motivacional de resiliência.
Reparem que logo no inicio o diretor já avisa que o filme é sobre “mulheres fortes”, ou seja, se trata de uma tentativa de estabelecer uma visão de empoderamento feminino - que é válido, mas retórico. Disse tudo isso para afirmar que "Joy" (que aqui no Brasil ganhou o subtítulo de "O Nome do Sucesso") pode soar apressada, mas vai te fisgar de acordo com o olhar pela qual você receber a narrativa. Pessoalmente, achei o filme bom, interessante pelo ponto de vista da jornada do herói, mas especialmente válido por conhecer o desafio empreendedor e a vontade de vencer na vida da protagonista mesmo com tantas dificuldades.
É emocionante e divertido, mesmo que falhe como obra biográfica. Vale o play!
Se você gostou da série "Small Axe"e se identificou com a trama de "Os 7 de Chicago" ou de "Seberg", pode dar o play em "Judas e o Messias Negro" sem o menor medo de errar. Primeiro por se tratar do mesmo tema - a luta dos Panteras Negras e sua relação com o movimento dos direitos civis; e segundo por ser um filme simplesmente sensacional, um dos melhores do ano - inclusive indicado ao Oscar em 6 categorias.
Fred Hampton (Daniel Kaluuya) foi um ativista norte-americano taxado como uma grande ameaça pelo governo e pelo FBI. Presidente do Partido dos Panteras Negras em Chicago, dono de uma excelente oratória e de forte presença, o jovem foi considerado um dos responsáveis (ao lado de Bobby Seale e Huey P. Newton) pela luta dos direitos dos negros nos EUA pós-Martin Luther King. É quando William O’Neal (LaKeith Stanfield) acaba sendo obrigado pelo agente Roy Mitchell (Jesse Plemons) a se tornar um informante do FBI e se infiltrar no Partido com a tarefa de vigiar seu carismático líder em troca de liberdade por um crime que havia cometido. Acontece que a ligação entre eles vai se tornando cada vez mais especial, e o que parecia um missão relativamente tranquila, se torna um fantasma cada vez mais presente. Confira o trailer:
Muito bem dirigido por Shaka King, narrar a história real de uma figura tão particular como Fred Hampton, em um momento onde o tema "direitos civis" era facilmente encontrado em tantas produções de qualidade, por si só já trazia um enorme desafio para o Diretor. Não transformar "Judas e o Messias Negro" em uma outra versão de uma história que já havia sido contada, fez com que King mergulhasse nos questionamentos sobre os conflitos mais internos de um homem que não tinha para onde fugir - e é aqui que o elenco começa a se destacar, pois além de um Daniel Kaluuya impecável, LaKeith Stanfield direciona a narrativa para camadas muito mais interessantes que simplesmente o sentimento da raiva que temos ao ver a intensa brutalidade policial que se instaurou em solo norte-americano na década de 60.
A tensão de "Judas e o Messias Negro" é constante e incrivelmente amplificada por uma eletrizante trilha sonora de Mark Isham e Craig Harris. O plano-sequência inicial é um bom exemplo do que o filme vai nos provocar: nele acompanhamos o roubo de um carro logo depois de uma falsa apreensão feita por O’Neal em um bar frequentado exclusivamente por negros. O diretor usa de enquadramentos que ocultam o rosto do personagem para demonstrar como o simbolismo está presente em muitas passagens do roteiro: ali os desejos materiais simplesmente distorcem a essência do personagem e nos prepara para o que virá a seguir, mas sem precisar explicar demais.
Tecnicamente perfeito, o filme equilibra perfeitamente a luta diária dos Panteras Negras com as imperfeições de seus integrantes sem estereotipar nenhum personagem. O que vemos na tela é uma versão humana, quase documental, de todos os envolvidos naquela atmosfera de terror de Chicago. Veja, quando somos incapazes de julgar algumas atitudes depois de entender suas motivações, fica claro que a história tem muito mais a nos contar do que um pré-conceito estabelecido por posicionamento social ou politico. "Judas e o Messias Negro" é isso: uma aula de cinema, mas também de sensibilidade narrativa onde todo o elenco soube aproveitar muito bem esse presente de King.
Vale muito a pena!
Up-date: "Judas e o Messias Negro" ganhou em duas das seis categorias que disputou no Oscar 2021: Melhor Ator e Melhor Canção!
Se você gostou da série "Small Axe"e se identificou com a trama de "Os 7 de Chicago" ou de "Seberg", pode dar o play em "Judas e o Messias Negro" sem o menor medo de errar. Primeiro por se tratar do mesmo tema - a luta dos Panteras Negras e sua relação com o movimento dos direitos civis; e segundo por ser um filme simplesmente sensacional, um dos melhores do ano - inclusive indicado ao Oscar em 6 categorias.
Fred Hampton (Daniel Kaluuya) foi um ativista norte-americano taxado como uma grande ameaça pelo governo e pelo FBI. Presidente do Partido dos Panteras Negras em Chicago, dono de uma excelente oratória e de forte presença, o jovem foi considerado um dos responsáveis (ao lado de Bobby Seale e Huey P. Newton) pela luta dos direitos dos negros nos EUA pós-Martin Luther King. É quando William O’Neal (LaKeith Stanfield) acaba sendo obrigado pelo agente Roy Mitchell (Jesse Plemons) a se tornar um informante do FBI e se infiltrar no Partido com a tarefa de vigiar seu carismático líder em troca de liberdade por um crime que havia cometido. Acontece que a ligação entre eles vai se tornando cada vez mais especial, e o que parecia um missão relativamente tranquila, se torna um fantasma cada vez mais presente. Confira o trailer:
Muito bem dirigido por Shaka King, narrar a história real de uma figura tão particular como Fred Hampton, em um momento onde o tema "direitos civis" era facilmente encontrado em tantas produções de qualidade, por si só já trazia um enorme desafio para o Diretor. Não transformar "Judas e o Messias Negro" em uma outra versão de uma história que já havia sido contada, fez com que King mergulhasse nos questionamentos sobre os conflitos mais internos de um homem que não tinha para onde fugir - e é aqui que o elenco começa a se destacar, pois além de um Daniel Kaluuya impecável, LaKeith Stanfield direciona a narrativa para camadas muito mais interessantes que simplesmente o sentimento da raiva que temos ao ver a intensa brutalidade policial que se instaurou em solo norte-americano na década de 60.
A tensão de "Judas e o Messias Negro" é constante e incrivelmente amplificada por uma eletrizante trilha sonora de Mark Isham e Craig Harris. O plano-sequência inicial é um bom exemplo do que o filme vai nos provocar: nele acompanhamos o roubo de um carro logo depois de uma falsa apreensão feita por O’Neal em um bar frequentado exclusivamente por negros. O diretor usa de enquadramentos que ocultam o rosto do personagem para demonstrar como o simbolismo está presente em muitas passagens do roteiro: ali os desejos materiais simplesmente distorcem a essência do personagem e nos prepara para o que virá a seguir, mas sem precisar explicar demais.
Tecnicamente perfeito, o filme equilibra perfeitamente a luta diária dos Panteras Negras com as imperfeições de seus integrantes sem estereotipar nenhum personagem. O que vemos na tela é uma versão humana, quase documental, de todos os envolvidos naquela atmosfera de terror de Chicago. Veja, quando somos incapazes de julgar algumas atitudes depois de entender suas motivações, fica claro que a história tem muito mais a nos contar do que um pré-conceito estabelecido por posicionamento social ou politico. "Judas e o Messias Negro" é isso: uma aula de cinema, mas também de sensibilidade narrativa onde todo o elenco soube aproveitar muito bem esse presente de King.
Vale muito a pena!
Up-date: "Judas e o Messias Negro" ganhou em duas das seis categorias que disputou no Oscar 2021: Melhor Ator e Melhor Canção!
"Judy" é uma adaptação da peça teatral “End of the Rainbow” de Peter Quilte e mostra o último ano de vida de Judy Garland durante uma turnê de shows em Londres, no inverno de 1968. Com sérios problemas financeiros e sofrendo com os recentes divórcios, Judy se apoiava em remédios e álcool para lidar com a depressão e, principalmente, com a ausência dos filhos.
O filme é muito feliz ao buscar as razões e mostrar os reflexos que uma vida sem amor, sem infância e sob muita pressão pode causar em um ser humano - chega a ser cruel! De fato "Judy" não é uma novidade e muitas outras cinebiografias (como "Elis") e documentários (como "Amy") se apoiam no mesmo tema e entregam o mesmo final, mas é impossível não se emocionar com o excelente trabalho que Renée Zellweger faz no filme - visceral eu diria! Ela está irreconhecível no papel da protagonista, o que resultou nas duas indicações que o filme teve ao Oscar 2020: Melhor Atriz e Melhor Maquiagem e Penteado!
Já na primeira cena do filme temos a real noção da grandiosidade que foi a carreira Judy Garland. O diretor Rupert Goold, de "A História Verdadeira" de 2015, usa de um movimento de câmera bastante inventivo para nos mostrar o contraponto entre a maneira como Judy via sua vida e o que realmente representava sua carreira logo após ganhar o papel de Dorothy em "‘O Mágico de Oz" de 1939. O salto temporal para mais de 30 anos depois mostra o resultado dessa magnitude e é aí que Renée Zellweger chama o filme para ela - esse é o tipo do papel que todo atriz sonha em fazer, pois se trata de uma personagem complexa, afogada pelos fantasmas do passado e sem nenhuma noção da realidade. É um turbilhão de emoções, de fraquezas e de sentimentos que se dissolvem em um único momento: no prazer de ser quem é e de fazer o que quer, aproveitando de um talento muito (mas muito) acima da média - aliás, o roteiro constrói muito bem essa realidade quando o executivo da MGM diz que existiam meninas tão lindas quanto Judy em qualquer lugar dos Estados Unidos, mas com uma voz igual...
A fotografia de Ole Bratt Birkeland (The Crown) é belíssima e aproveita muito bem o trabalho do departamento de arte com cenários luxuosos e um figurino cheio de extravagâncias - mas, detalhe: sem nunca sair fora do tom! O filme trabalha muito bem o colorido do showbiz com a monocromática tristeza de Judy e isso gera uma angústia enorme em quem assiste, pois nunca sabemos quando uma vai se sobrepor a outra - é como se estivéssemos sempre tensos observando uma bomba prestes à explodir. Judy Garland era uma bomba relógio, para o bem e para o mal! É possível observar no roteiro de Tom Edge (também de "The Crown") elementos extremamente teatrais como quando os fãs de Judy ajudam ela a cantar em um dos shows, mas isso não estraga a experiência de quem assiste, pois a Renée Zellweger nos convida a mergulhar naquela história que nem nos incomodamos com a forma, apenas nos emocionamos com o conteúdo!
"Judy" é um filme que já vimos, mas que servirá para sacramentar o renascimento de Zellweger - uma atriz que teve grandes momentos com o "Diário de Bridget Jones", com "Chicago" e o seu ápice com "Cold Mountain" (que, inclusive, lhe rendeu o Oscar de atriz coadjuvante em 2004). Mesmo exagerada e muitas vezes caricata, sua expressão corporal é impressionante - ela se contorce em sua dor íntima ao mesmo tempo em que se impõe na força de quem ainda tem um talento absurdo, mesmo insegura, mesmo infeliz! Renée Zellweger é tão favorita quanto Joaquin Phoenix com "Coringa" e é a principal razão para assistir "Judy"!
Up-date: "Judy" ganhou em uma categoria no Oscar 2020: Melhor Atriz!
"Judy" é uma adaptação da peça teatral “End of the Rainbow” de Peter Quilte e mostra o último ano de vida de Judy Garland durante uma turnê de shows em Londres, no inverno de 1968. Com sérios problemas financeiros e sofrendo com os recentes divórcios, Judy se apoiava em remédios e álcool para lidar com a depressão e, principalmente, com a ausência dos filhos.
O filme é muito feliz ao buscar as razões e mostrar os reflexos que uma vida sem amor, sem infância e sob muita pressão pode causar em um ser humano - chega a ser cruel! De fato "Judy" não é uma novidade e muitas outras cinebiografias (como "Elis") e documentários (como "Amy") se apoiam no mesmo tema e entregam o mesmo final, mas é impossível não se emocionar com o excelente trabalho que Renée Zellweger faz no filme - visceral eu diria! Ela está irreconhecível no papel da protagonista, o que resultou nas duas indicações que o filme teve ao Oscar 2020: Melhor Atriz e Melhor Maquiagem e Penteado!
Já na primeira cena do filme temos a real noção da grandiosidade que foi a carreira Judy Garland. O diretor Rupert Goold, de "A História Verdadeira" de 2015, usa de um movimento de câmera bastante inventivo para nos mostrar o contraponto entre a maneira como Judy via sua vida e o que realmente representava sua carreira logo após ganhar o papel de Dorothy em "‘O Mágico de Oz" de 1939. O salto temporal para mais de 30 anos depois mostra o resultado dessa magnitude e é aí que Renée Zellweger chama o filme para ela - esse é o tipo do papel que todo atriz sonha em fazer, pois se trata de uma personagem complexa, afogada pelos fantasmas do passado e sem nenhuma noção da realidade. É um turbilhão de emoções, de fraquezas e de sentimentos que se dissolvem em um único momento: no prazer de ser quem é e de fazer o que quer, aproveitando de um talento muito (mas muito) acima da média - aliás, o roteiro constrói muito bem essa realidade quando o executivo da MGM diz que existiam meninas tão lindas quanto Judy em qualquer lugar dos Estados Unidos, mas com uma voz igual...
A fotografia de Ole Bratt Birkeland (The Crown) é belíssima e aproveita muito bem o trabalho do departamento de arte com cenários luxuosos e um figurino cheio de extravagâncias - mas, detalhe: sem nunca sair fora do tom! O filme trabalha muito bem o colorido do showbiz com a monocromática tristeza de Judy e isso gera uma angústia enorme em quem assiste, pois nunca sabemos quando uma vai se sobrepor a outra - é como se estivéssemos sempre tensos observando uma bomba prestes à explodir. Judy Garland era uma bomba relógio, para o bem e para o mal! É possível observar no roteiro de Tom Edge (também de "The Crown") elementos extremamente teatrais como quando os fãs de Judy ajudam ela a cantar em um dos shows, mas isso não estraga a experiência de quem assiste, pois a Renée Zellweger nos convida a mergulhar naquela história que nem nos incomodamos com a forma, apenas nos emocionamos com o conteúdo!
"Judy" é um filme que já vimos, mas que servirá para sacramentar o renascimento de Zellweger - uma atriz que teve grandes momentos com o "Diário de Bridget Jones", com "Chicago" e o seu ápice com "Cold Mountain" (que, inclusive, lhe rendeu o Oscar de atriz coadjuvante em 2004). Mesmo exagerada e muitas vezes caricata, sua expressão corporal é impressionante - ela se contorce em sua dor íntima ao mesmo tempo em que se impõe na força de quem ainda tem um talento absurdo, mesmo insegura, mesmo infeliz! Renée Zellweger é tão favorita quanto Joaquin Phoenix com "Coringa" e é a principal razão para assistir "Judy"!
Up-date: "Judy" ganhou em uma categoria no Oscar 2020: Melhor Atriz!
"Julho Agosto" (que em algumas plataformas de streaming ganhou o título de "Verão em Família") pode até soar como uma história adolescente com aquele tempero quase independente de um filme francês produzido para encantar o grande público - e de fato o filme escrito e dirigido pelo cineasta francês Diastème traz esses elementos, mas basta alguns minutos para perceber que a proposta é muito mais profunda, pois o roteiro se apoia em diversas camadas para expor um delicado retrato sobre a juventude e como essa realidade pode impactar no relacionamento entre pais (separados) e seus filhos.
As irmãs Laura (Luna Lou) e Josephine (Alma Jodorowsky) vão passar as férias de julho na casa de praia do padrasto. Enquanto a primeira se esforça para esconder uma grave travessura, a mais velha vive a dor e a delícia de uma intensa paixão de verão. No mês seguinte, elas vão visitar o pai em outra região da França e os problemas mudam de figura: enquanto Josephine lida com as consequências inimagináveis de seu romance, Luna se afasta a cada dia da infância em busca de respostas para suas próprias convicções. Confira o trailer:
Veja, "Juillet août" (no original) constrói uma narrativa interessante, mesmo que em alguns momentos pareça se perder na proposta - digo isso pelos caminhos que o roteiro escolhe para criar os conflitos e justificar a relação, essa sim muito mais interessante, entre as irmãs Laura e Josephine com seus pais que não estão mais juntos, mas fazem questão de se mostrar amorosos com elas e respeitosos entre si. Aqui, é bacana relatar que em nenhum momento (ou quase nenhum, graças a personalidade forte de Laura) o embate tem um tom dramático, pelo contrário, Diastème provoca a audiência muito mais por priorizar o diálogo do que por criar cenas impactantes - isso humaniza a relação familiar de tal maneira que fica impossível não nos colocarmos (como pais) nas situações vividas pelos personagens. Não existe a dicotomia usual dos filmes americanos do bom e do mal, ou do certo e do errado - como na vida real, são pontos de vista para uma mesma situação, e a partir daí as demonstrações de carinho, mesmo quando a bronca é necessária, são construídas com o intuito de educar e de encontrar as melhores soluções.
"Julho Agosto" tem o mérito de falar sobre o amadurecimento pelo olhar das jovens protagonistas - e como todos sabem, amadurecer não é um jornada das mais fáceis. O filme é realmente muito feliz ao discutir uma dinâmica de comunicação moderna observando uma nova estrutura familiar, com suas dores, mas também com seus pontos positivos: o papel do padrasto das meninas, é um bom exemplo, já que da sua forma mais simples, ele tenta passar ensinamentos e ainda deixa claro que está sempre disposto a ajudar no que elas precisarem; enquanto, ao mesmo tempo, Laura sente um enorme ciúme do pai e de forma honesta com seu sentimento tenta se colocar entre ele e sua pretendente. Entendem a complexidade das relações, mas com que delicadeza que esse filme trata do tema?
O filme é uma graça, muito mérito do seu roteiro. É incrível como a audiência se sente bem ao lado dos personagens e como eles são carismáticos - não é por acaso que nos interessamos por suas jornadas, entendemos suas motivações e principalmente torcemos para que tudo dê certo em nome da paz para aquela família. A mensagem é das melhores, mesmo que a vida teime em desafiar todos eles.
Vale muito a pena!
"Julho Agosto" (que em algumas plataformas de streaming ganhou o título de "Verão em Família") pode até soar como uma história adolescente com aquele tempero quase independente de um filme francês produzido para encantar o grande público - e de fato o filme escrito e dirigido pelo cineasta francês Diastème traz esses elementos, mas basta alguns minutos para perceber que a proposta é muito mais profunda, pois o roteiro se apoia em diversas camadas para expor um delicado retrato sobre a juventude e como essa realidade pode impactar no relacionamento entre pais (separados) e seus filhos.
As irmãs Laura (Luna Lou) e Josephine (Alma Jodorowsky) vão passar as férias de julho na casa de praia do padrasto. Enquanto a primeira se esforça para esconder uma grave travessura, a mais velha vive a dor e a delícia de uma intensa paixão de verão. No mês seguinte, elas vão visitar o pai em outra região da França e os problemas mudam de figura: enquanto Josephine lida com as consequências inimagináveis de seu romance, Luna se afasta a cada dia da infância em busca de respostas para suas próprias convicções. Confira o trailer:
Veja, "Juillet août" (no original) constrói uma narrativa interessante, mesmo que em alguns momentos pareça se perder na proposta - digo isso pelos caminhos que o roteiro escolhe para criar os conflitos e justificar a relação, essa sim muito mais interessante, entre as irmãs Laura e Josephine com seus pais que não estão mais juntos, mas fazem questão de se mostrar amorosos com elas e respeitosos entre si. Aqui, é bacana relatar que em nenhum momento (ou quase nenhum, graças a personalidade forte de Laura) o embate tem um tom dramático, pelo contrário, Diastème provoca a audiência muito mais por priorizar o diálogo do que por criar cenas impactantes - isso humaniza a relação familiar de tal maneira que fica impossível não nos colocarmos (como pais) nas situações vividas pelos personagens. Não existe a dicotomia usual dos filmes americanos do bom e do mal, ou do certo e do errado - como na vida real, são pontos de vista para uma mesma situação, e a partir daí as demonstrações de carinho, mesmo quando a bronca é necessária, são construídas com o intuito de educar e de encontrar as melhores soluções.
"Julho Agosto" tem o mérito de falar sobre o amadurecimento pelo olhar das jovens protagonistas - e como todos sabem, amadurecer não é um jornada das mais fáceis. O filme é realmente muito feliz ao discutir uma dinâmica de comunicação moderna observando uma nova estrutura familiar, com suas dores, mas também com seus pontos positivos: o papel do padrasto das meninas, é um bom exemplo, já que da sua forma mais simples, ele tenta passar ensinamentos e ainda deixa claro que está sempre disposto a ajudar no que elas precisarem; enquanto, ao mesmo tempo, Laura sente um enorme ciúme do pai e de forma honesta com seu sentimento tenta se colocar entre ele e sua pretendente. Entendem a complexidade das relações, mas com que delicadeza que esse filme trata do tema?
O filme é uma graça, muito mérito do seu roteiro. É incrível como a audiência se sente bem ao lado dos personagens e como eles são carismáticos - não é por acaso que nos interessamos por suas jornadas, entendemos suas motivações e principalmente torcemos para que tudo dê certo em nome da paz para aquela família. A mensagem é das melhores, mesmo que a vida teime em desafiar todos eles.
Vale muito a pena!
"Julieta" é um filme de Pedro Almodóvar e isso, por si só, já nos prepara pelo que vem pela frente. Porém, Almodóvar vem surpreendendo - se não pela forma, pelo conteúdo. É impressionante como sua identidade como diretor está em cada frame, mas cada vez mais com um certo tom inventivo, agora carregando no drama e na densidade, saindo completamente da sua zona de conforto como roteirista - e vem funcionando.
A premissa é incrivelmente simples, já que o filme acompanha Julieta (Adriana Ugarte e depois Emma Suárez) que, ao longo de três décadas, tenta descobrir por que Antía (Priscilla Delgado e depois Blanca Parés), sua única filha, se afastou dela inesperadamente. Quando Julieta estava prestes a se mudar de Madrid para Portugal, um encontro inesperado a fez mudar de ideia e reviver sua relação como mãe. Ainda na Espanha, ela então começa a escrever uma carta para Antía, contando sua história e como se deu o relacionamento com os homens de sua vida. Confira o trailer:
Baseado em três contos do livro "Fugitiva", da vencedora do Prêmio Nobel Alice Munro, Almodóvar entrega seu talento na construção de uma personagem complexa, cheia de camadas e brilhantemente interpretado pela Emma Suárez - trabalho que lhe garantiu o prêmio Goya (o Oscar Espanhol em 2017). O interessante da performance de Suárez é que sua essência vai muito de encontro ao trabalho que Antônio Banderas teve em "Dor e Glória", onde ambosdesconstroem o personagem para encontrar no passado um sentido para lidar com o presente. Esse mergulho nostálgico, mas doloroso, está em cada detalhe - inclusive na escolha narrativa e na transição lírica que o diretor faz, aproximando o amargo da vida e suas profundas marcas de expressão já nascendo em um rosto jovem e se apoderando da sua versão mais madura.
O roteiro é, de fato, muito inteligente ao juntar as pontas soltas de uma história de vida com uma elegância impressionante. A quebra da linha temporal cria uma dinâmica interessante, conceitualmente pontuada por uma trilha sonora sombria (até over) - quase que antecipando os acontecimentos, mas adicionando sensações e sentimentos que vão da angústia até a culpa, do mistério ao óbvio, mesmo antes de entendermos exatamente o que está acontecendo e para onde a história vai nos guiar - é incrível como Almodóvar tem a capacidade de entregar as situações sem aquela pressa usual e ao mesmo tempo nos provocar curiosidade sem que percamos a paciência.
"Julieta" é na sua essência um filme de relações familiares. Um recorte de sentimentos (bons e ruins) que precisam ser revisitados para que a vida siga seu caminho natural. É um processo de amadurecimento do diretor que troca a ousadia de antes por uma serenidade profunda - sem perder o elemento provocativo das composições visuais e de suas mensagens mais poéticas e abstratas. É um "Almodóvar" - do tipo que o filme poderia ser uma pintura, mas que nos toca profundamente e que encontra na genialidade do diretor uma razão coerente para sua filmografia cada vez mais interiorizada, seja na figura de Julieta, da sua filha ou até do seu pai que repete justamente o mesmo ciclo que ela viveu.
Vale a pena para quem acompanha a carreira do diretor e para quem gosta da profundidade das relações e de como elas nos impactam.
"Julieta" é um filme de Pedro Almodóvar e isso, por si só, já nos prepara pelo que vem pela frente. Porém, Almodóvar vem surpreendendo - se não pela forma, pelo conteúdo. É impressionante como sua identidade como diretor está em cada frame, mas cada vez mais com um certo tom inventivo, agora carregando no drama e na densidade, saindo completamente da sua zona de conforto como roteirista - e vem funcionando.
A premissa é incrivelmente simples, já que o filme acompanha Julieta (Adriana Ugarte e depois Emma Suárez) que, ao longo de três décadas, tenta descobrir por que Antía (Priscilla Delgado e depois Blanca Parés), sua única filha, se afastou dela inesperadamente. Quando Julieta estava prestes a se mudar de Madrid para Portugal, um encontro inesperado a fez mudar de ideia e reviver sua relação como mãe. Ainda na Espanha, ela então começa a escrever uma carta para Antía, contando sua história e como se deu o relacionamento com os homens de sua vida. Confira o trailer:
Baseado em três contos do livro "Fugitiva", da vencedora do Prêmio Nobel Alice Munro, Almodóvar entrega seu talento na construção de uma personagem complexa, cheia de camadas e brilhantemente interpretado pela Emma Suárez - trabalho que lhe garantiu o prêmio Goya (o Oscar Espanhol em 2017). O interessante da performance de Suárez é que sua essência vai muito de encontro ao trabalho que Antônio Banderas teve em "Dor e Glória", onde ambosdesconstroem o personagem para encontrar no passado um sentido para lidar com o presente. Esse mergulho nostálgico, mas doloroso, está em cada detalhe - inclusive na escolha narrativa e na transição lírica que o diretor faz, aproximando o amargo da vida e suas profundas marcas de expressão já nascendo em um rosto jovem e se apoderando da sua versão mais madura.
O roteiro é, de fato, muito inteligente ao juntar as pontas soltas de uma história de vida com uma elegância impressionante. A quebra da linha temporal cria uma dinâmica interessante, conceitualmente pontuada por uma trilha sonora sombria (até over) - quase que antecipando os acontecimentos, mas adicionando sensações e sentimentos que vão da angústia até a culpa, do mistério ao óbvio, mesmo antes de entendermos exatamente o que está acontecendo e para onde a história vai nos guiar - é incrível como Almodóvar tem a capacidade de entregar as situações sem aquela pressa usual e ao mesmo tempo nos provocar curiosidade sem que percamos a paciência.
"Julieta" é na sua essência um filme de relações familiares. Um recorte de sentimentos (bons e ruins) que precisam ser revisitados para que a vida siga seu caminho natural. É um processo de amadurecimento do diretor que troca a ousadia de antes por uma serenidade profunda - sem perder o elemento provocativo das composições visuais e de suas mensagens mais poéticas e abstratas. É um "Almodóvar" - do tipo que o filme poderia ser uma pintura, mas que nos toca profundamente e que encontra na genialidade do diretor uma razão coerente para sua filmografia cada vez mais interiorizada, seja na figura de Julieta, da sua filha ou até do seu pai que repete justamente o mesmo ciclo que ela viveu.
Vale a pena para quem acompanha a carreira do diretor e para quem gosta da profundidade das relações e de como elas nos impactam.
Essa era uma história que merecia ser contada - e o interessante é que o protagonista não é exatamente um personagem que já conhecemos ou admiramos pela sua obra ou conquistas, embora essa percepção esteja completamente errada já que seu nome está diretamente ligado a dois fenômenos do esporte mundial: Venus e Serena Williams.
Motivado por uma visão clara do futuro brilhante de suas talentosas filhas e empregando métodos próprios e nada convencionais de treinamento, Richard (Will Smith) cria um plano detalhado para levar Venus e Serena Williams, das ruas de Compton, na Califórnia, para as quadras de todo o mundo, como lendas vivas do tênis. Profundamente comovente, o filme retrata a importância da família, da perseverança, do trabalho duro e da fé inabalável como instrumentos para alcançar o que para muitos parecia impossível e assim transformar para sempre a história de um esporte considerado até ali, branco e elitista. Confira o trailer:
Obviamente que assistimos esse excelente filme com aquela confortável sensação de que tudo vai dar certo no final, pois já conhecemos (mesmo que muitos superficialmente) a história de sucesso e o que vieram a representar Venus e Serena para o esporte mundial. Portanto, "King Richard" (que no Brasil ganhou o sugestivo e dispensável subtítulo de "Criando Campeãs") se trata de um filme sobre o que representou "a jornada" e não necessariamente "as conquistas"! O interessante, e um dos grandes acertos do roteiro, foi que o filme transformou essa jornada em um recorte bastante claro e importante de onde a trama poderia nos levar (e aqui assunto não é o esporte): o fato de termos duas personagens com um futuro brilhante pela frente, em momento algum impediu que o personagem título brilhasse - o foco é realmente o homem que nunca deixou de acreditar, de lutar, que errava tentando acertar e que, em muitos momentos, convivia com o medo de falhar como pai. Essa construção de camadas do personagem, brilhantemente interpretado por Smith, foi um verdadeiro golaço do roteirista estreante Zach Baylin (que vai assinar "Creed III" e que pode até surpreender como um dos indicados no próximo Oscar por esse trabalho).
Além de Will Smith, todo o elenco está impecável - é praticamente impossível não se apaixonar e depois torcer muito para as meninas tamanho é o carisma que a dinâmica familiar dos Williams traz. Saniyya Sidney como Venus e Demi Singleton como Serena são (e estão) incríveis, além, é claro, de mais um belíssimo trabalho da Aunjanue Ellis como Oracene 'Brandy' Williams. Existe um certo equilíbrio entre a leveza e a profundidade em diálogos que não fogem, em nenhum momento, de discussões duras (e delicadas) sobre racismo e desigualdade social - e esse mérito, sem dúvida, deve ser creditado aos atores.
Veja, o recente "O Quinto Set" também trabalha com muito cuidado e sensibilidade os dramas vividos pelos atletas e suas relações familiares fora das quadras (até com um tom mais independente da narrativa), mas talvez se distancie de "King Richard" por se tratar de uma obra de ficção - mesmo sendo cruelmente realista. Porém, também é preciso que se diga que o conceito visual da produção francesa, especialmente nos embates dentro das quadras, são infinitamente superiores ao que vemos aqui sob o comando do diretor Reinaldo Marcus Green. Essa talvez seja a única lacuna que "King Richard – Criando Campeãs" não conseguiu preencher - funciona bem no drama, mas perde no impacto visual da ação.
Cheio de curiosidades sobre os bastidores do tênis, o filme vai dialogar da mesma forma com aqueles que acompanham (e conhecem) o esporte e com outros que apenas se identificam com histórias de superação. Existe muita emoção na narrativa, algumas frases de efeito e um pouco de romantismo perante a jornada, mas te garanto: tudo isso funciona perfeitamente e só soma para a deliciosa experiência que é acompanhar a história de Richard e de Venus - o que deixa um enorme desafio pela frente: quem será capaz e quando a história de Serena será contada - porque o sarrafo agora está bem alto!
Vale cada segundo!
Up-date: "King Richard" foi indicado em seis categorias no Oscar 2022, ganhando em Melhor Ator.
Essa era uma história que merecia ser contada - e o interessante é que o protagonista não é exatamente um personagem que já conhecemos ou admiramos pela sua obra ou conquistas, embora essa percepção esteja completamente errada já que seu nome está diretamente ligado a dois fenômenos do esporte mundial: Venus e Serena Williams.
Motivado por uma visão clara do futuro brilhante de suas talentosas filhas e empregando métodos próprios e nada convencionais de treinamento, Richard (Will Smith) cria um plano detalhado para levar Venus e Serena Williams, das ruas de Compton, na Califórnia, para as quadras de todo o mundo, como lendas vivas do tênis. Profundamente comovente, o filme retrata a importância da família, da perseverança, do trabalho duro e da fé inabalável como instrumentos para alcançar o que para muitos parecia impossível e assim transformar para sempre a história de um esporte considerado até ali, branco e elitista. Confira o trailer:
Obviamente que assistimos esse excelente filme com aquela confortável sensação de que tudo vai dar certo no final, pois já conhecemos (mesmo que muitos superficialmente) a história de sucesso e o que vieram a representar Venus e Serena para o esporte mundial. Portanto, "King Richard" (que no Brasil ganhou o sugestivo e dispensável subtítulo de "Criando Campeãs") se trata de um filme sobre o que representou "a jornada" e não necessariamente "as conquistas"! O interessante, e um dos grandes acertos do roteiro, foi que o filme transformou essa jornada em um recorte bastante claro e importante de onde a trama poderia nos levar (e aqui assunto não é o esporte): o fato de termos duas personagens com um futuro brilhante pela frente, em momento algum impediu que o personagem título brilhasse - o foco é realmente o homem que nunca deixou de acreditar, de lutar, que errava tentando acertar e que, em muitos momentos, convivia com o medo de falhar como pai. Essa construção de camadas do personagem, brilhantemente interpretado por Smith, foi um verdadeiro golaço do roteirista estreante Zach Baylin (que vai assinar "Creed III" e que pode até surpreender como um dos indicados no próximo Oscar por esse trabalho).
Além de Will Smith, todo o elenco está impecável - é praticamente impossível não se apaixonar e depois torcer muito para as meninas tamanho é o carisma que a dinâmica familiar dos Williams traz. Saniyya Sidney como Venus e Demi Singleton como Serena são (e estão) incríveis, além, é claro, de mais um belíssimo trabalho da Aunjanue Ellis como Oracene 'Brandy' Williams. Existe um certo equilíbrio entre a leveza e a profundidade em diálogos que não fogem, em nenhum momento, de discussões duras (e delicadas) sobre racismo e desigualdade social - e esse mérito, sem dúvida, deve ser creditado aos atores.
Veja, o recente "O Quinto Set" também trabalha com muito cuidado e sensibilidade os dramas vividos pelos atletas e suas relações familiares fora das quadras (até com um tom mais independente da narrativa), mas talvez se distancie de "King Richard" por se tratar de uma obra de ficção - mesmo sendo cruelmente realista. Porém, também é preciso que se diga que o conceito visual da produção francesa, especialmente nos embates dentro das quadras, são infinitamente superiores ao que vemos aqui sob o comando do diretor Reinaldo Marcus Green. Essa talvez seja a única lacuna que "King Richard – Criando Campeãs" não conseguiu preencher - funciona bem no drama, mas perde no impacto visual da ação.
Cheio de curiosidades sobre os bastidores do tênis, o filme vai dialogar da mesma forma com aqueles que acompanham (e conhecem) o esporte e com outros que apenas se identificam com histórias de superação. Existe muita emoção na narrativa, algumas frases de efeito e um pouco de romantismo perante a jornada, mas te garanto: tudo isso funciona perfeitamente e só soma para a deliciosa experiência que é acompanhar a história de Richard e de Venus - o que deixa um enorme desafio pela frente: quem será capaz e quando a história de Serena será contada - porque o sarrafo agora está bem alto!
Vale cada segundo!
Up-date: "King Richard" foi indicado em seis categorias no Oscar 2022, ganhando em Melhor Ator.
"Kursk" é um filme dos mais interessantes, pois ele equilibra muito bem a superficialidade de um filme catástrofe e a profundidade de um drama real. Baseado no livro "A Time to Die", de Robert Moore, essa co-produção Bélgica / Luxemburgo / França se arrisca ao trazer um roteirista americano como Robert Rodat (notavelmente um profissional de grandes estúdios, indicado ao Oscar por "O Resgate do Soldado Ryan") e um diretor como o dinamarquês Thomas Vinterberg de "A Caça" (extremamente autoral e que privilegia muito mais as profundas relações humanas aos dramas superficiais do gênero) - o que eu quero dizer com isso é que "Kursk" tinha tudo para ser uma espécie de "Armageddon" no fundo do mar, mas a qualidade do diretor nos entrega um trabalho mais bem cuidado, intimista em muitos momentos, muito mais próximo de "Chernobyl" da HBO, por exemplo!
Em agosto de 2000, o submarino nuclear da marinha russa "Kursk" é naufragado durante um exercício nas águas do mar de Barents. Uma falha no controle de temperatura dos torpedos e dos mísseis que o submarino transportava, desencadeou uma série de explosões e praticamente dizimou a tripulação. Os 23 marinheiros que sobreviveram começam então uma luta contra o tempo na esperança pelo resgate. Acontece que a Marinha Russa está falida e a única alternativa de chegar ao submarino preso no fundo do mar é incapaz de concluir a missão por problemas técnicos. Um desastre seguido por uma negligência acentuada do governo russo que teme em aceitar a ajuda internacional e ter seus segredos bélicos descobertos. Eu diria que o filme é duro, de difícil digestão e muito angustiante (embora muitos ainda se recordam do final da história). Vale a pena, e mesmo com algumas "bengalas" do roteiro (que explicarei adiante), o filme é um ótimo entretenimento!
Ao entender a dinâmica do filme, fica impossível não pensar em quão rico seria se "Kursk" fosse uma série e houvesse um tempo maior para o desenvolvimento dos personagens, mesmo que em flashbacks. Digo isso porque, mesmo com o esforço do Diretor, dirigindo uma cena belíssima de casamento e mostrando a espirito de irmandade que aqueles soldados tinham um com o outro, não dá tempo para se estabelecer uma profunda relação que nos permita se importar tanto com os personagens. Elementos como um marinheiro recém-casado, uma esposa gravida, um filho pequeno; tudo isso está filme para cortar esse caminho, mas a verdade é que funciona pouco. Nossa agonia é muito mais com o sofrimento do ser humano do que por identificação com os personagens - a cena em que o capitão Mikhail Averin (Matthias Schoenaerts de "Ferrugem e Osso") mergulha em busca das capsulas de oxigênio é um ótimo exemplo: poderia ser qualquer outro personagem que a angústia seria a mesma e, posso garantir, é enorme! Outros elementos de gênero que estragam o roteiro, estereotipando cenas, personagens e servem de bengalas emocionais são as passagens onde os soldados cantam seu hino ou quando resolvem trazer a história do relógio no final - o primeiro não se trata do conteúdo em si, mas da forma. A cena poderia ter ficado muito mais dramática sem esse artificio - para mim já batido desde a época de Top Gun. O mesmo serve para o segundo elemento - esse relógio não representa nada, por mais que o roteiro se esforce para tonar o objeto algo importante ou sentimental para os personagens.
As cenas das esposas e a relação politica das decisões sobre resgate são excelentes. Vinterberg cria uma atmosfera de vazio ao filmar lindos planos no conjunto habitacional da marinha onde todas as famílias dos soldados moram - lembram muito aquela decadência (ou precariedade) de Chernobyl dos anos 80 e fortalece muito a forma como a excelente Léa Seydoux se posiciona - ela é a esposa grávida (Tanya Averina) de Mikhail. É um trabalho de respeito! A fotografia do Anthony Dod Mantle (Quem quer ser um Milionário? e 127 Horas) é sensacional - não me surpreenderia se fosse indicado ao Oscar 2020! Aliás, dois pontos merecem nossa atenção: o desenho de som e a mixagem - muito bem construídos. Reparem como o som se propaga dentro do submarino e como ele quase desaparece nas explosões externas, mas mesmo assim nos causam um certo desespero. Os sustos que tomamos, a forma como os efeitos criam aquele clima de suspense; enfim, é sempre um desafio criar uma atmosfera debaixo da água - também colocaria como potenciais indicados.
Além da cena do mergulho em busca das capsulas de oxigênio que achei genial como foi realizada, existe um outra cena que talvez reflita tudo que comentei do filme no que diz respeito a qualidade técnica e artística - a cena do mini-submarino tentando se acoplar para fazer o resgate: é um câmera fixa, com efeito sonoros delicados, praticamente sem cortes (ou reações de personagens) e mesmo assim a tensão é altíssima - isso é sair do comum! Um outro momento muito delicado e sensível é o olhar do filho de Mikhail para o General burocrata Vladimir Petrenko (Max Von Sydon): simples, profunda e muito bem realizada - um exemplo de como o silêncio pode ser ensurdecedor!
É claro que por se tratar de um história real, nossa relação com o filme fica muito mais sensível, mas cinematograficamente falando, "Kursk" é mais um grande acerto do diretor Thomas Vinterberg - prestem muita atenção nos filmes desse cara porque valem muito a pena. Ele prova que tem a mesma capacidade para filmar cenas de explosão quanto de relações e sua escolha, muito pautada na força executiva do Luc Besson (do recente Anna), mostrou ter sido das mais acertadas.
"Kursk" é um filme dos mais interessantes, pois ele equilibra muito bem a superficialidade de um filme catástrofe e a profundidade de um drama real. Baseado no livro "A Time to Die", de Robert Moore, essa co-produção Bélgica / Luxemburgo / França se arrisca ao trazer um roteirista americano como Robert Rodat (notavelmente um profissional de grandes estúdios, indicado ao Oscar por "O Resgate do Soldado Ryan") e um diretor como o dinamarquês Thomas Vinterberg de "A Caça" (extremamente autoral e que privilegia muito mais as profundas relações humanas aos dramas superficiais do gênero) - o que eu quero dizer com isso é que "Kursk" tinha tudo para ser uma espécie de "Armageddon" no fundo do mar, mas a qualidade do diretor nos entrega um trabalho mais bem cuidado, intimista em muitos momentos, muito mais próximo de "Chernobyl" da HBO, por exemplo!
Em agosto de 2000, o submarino nuclear da marinha russa "Kursk" é naufragado durante um exercício nas águas do mar de Barents. Uma falha no controle de temperatura dos torpedos e dos mísseis que o submarino transportava, desencadeou uma série de explosões e praticamente dizimou a tripulação. Os 23 marinheiros que sobreviveram começam então uma luta contra o tempo na esperança pelo resgate. Acontece que a Marinha Russa está falida e a única alternativa de chegar ao submarino preso no fundo do mar é incapaz de concluir a missão por problemas técnicos. Um desastre seguido por uma negligência acentuada do governo russo que teme em aceitar a ajuda internacional e ter seus segredos bélicos descobertos. Eu diria que o filme é duro, de difícil digestão e muito angustiante (embora muitos ainda se recordam do final da história). Vale a pena, e mesmo com algumas "bengalas" do roteiro (que explicarei adiante), o filme é um ótimo entretenimento!
Ao entender a dinâmica do filme, fica impossível não pensar em quão rico seria se "Kursk" fosse uma série e houvesse um tempo maior para o desenvolvimento dos personagens, mesmo que em flashbacks. Digo isso porque, mesmo com o esforço do Diretor, dirigindo uma cena belíssima de casamento e mostrando a espirito de irmandade que aqueles soldados tinham um com o outro, não dá tempo para se estabelecer uma profunda relação que nos permita se importar tanto com os personagens. Elementos como um marinheiro recém-casado, uma esposa gravida, um filho pequeno; tudo isso está filme para cortar esse caminho, mas a verdade é que funciona pouco. Nossa agonia é muito mais com o sofrimento do ser humano do que por identificação com os personagens - a cena em que o capitão Mikhail Averin (Matthias Schoenaerts de "Ferrugem e Osso") mergulha em busca das capsulas de oxigênio é um ótimo exemplo: poderia ser qualquer outro personagem que a angústia seria a mesma e, posso garantir, é enorme! Outros elementos de gênero que estragam o roteiro, estereotipando cenas, personagens e servem de bengalas emocionais são as passagens onde os soldados cantam seu hino ou quando resolvem trazer a história do relógio no final - o primeiro não se trata do conteúdo em si, mas da forma. A cena poderia ter ficado muito mais dramática sem esse artificio - para mim já batido desde a época de Top Gun. O mesmo serve para o segundo elemento - esse relógio não representa nada, por mais que o roteiro se esforce para tonar o objeto algo importante ou sentimental para os personagens.
As cenas das esposas e a relação politica das decisões sobre resgate são excelentes. Vinterberg cria uma atmosfera de vazio ao filmar lindos planos no conjunto habitacional da marinha onde todas as famílias dos soldados moram - lembram muito aquela decadência (ou precariedade) de Chernobyl dos anos 80 e fortalece muito a forma como a excelente Léa Seydoux se posiciona - ela é a esposa grávida (Tanya Averina) de Mikhail. É um trabalho de respeito! A fotografia do Anthony Dod Mantle (Quem quer ser um Milionário? e 127 Horas) é sensacional - não me surpreenderia se fosse indicado ao Oscar 2020! Aliás, dois pontos merecem nossa atenção: o desenho de som e a mixagem - muito bem construídos. Reparem como o som se propaga dentro do submarino e como ele quase desaparece nas explosões externas, mas mesmo assim nos causam um certo desespero. Os sustos que tomamos, a forma como os efeitos criam aquele clima de suspense; enfim, é sempre um desafio criar uma atmosfera debaixo da água - também colocaria como potenciais indicados.
Além da cena do mergulho em busca das capsulas de oxigênio que achei genial como foi realizada, existe um outra cena que talvez reflita tudo que comentei do filme no que diz respeito a qualidade técnica e artística - a cena do mini-submarino tentando se acoplar para fazer o resgate: é um câmera fixa, com efeito sonoros delicados, praticamente sem cortes (ou reações de personagens) e mesmo assim a tensão é altíssima - isso é sair do comum! Um outro momento muito delicado e sensível é o olhar do filho de Mikhail para o General burocrata Vladimir Petrenko (Max Von Sydon): simples, profunda e muito bem realizada - um exemplo de como o silêncio pode ser ensurdecedor!
É claro que por se tratar de um história real, nossa relação com o filme fica muito mais sensível, mas cinematograficamente falando, "Kursk" é mais um grande acerto do diretor Thomas Vinterberg - prestem muita atenção nos filmes desse cara porque valem muito a pena. Ele prova que tem a mesma capacidade para filmar cenas de explosão quanto de relações e sua escolha, muito pautada na força executiva do Luc Besson (do recente Anna), mostrou ter sido das mais acertadas.
A vida é feita de escolhas e talvez o maior mérito do premiado "La La Land" seja, justamente, criar uma conexão entre os nossos sonhos e objetivos pessoais (e profissionais), com as renúncias que temos que fazer para alcança-los - mesmo que isso doa no coração, mesmo que não tenhamos a certeza que fizemos a escolha certa!
O filme nos conta a história de Mia (Emma Stone) e Sebastian (Ryan Gosling), uma atriz no início de sua carreira e um pianista que deseja abrir sua própria casa de jazz, para salvar o gênero musical de uma cidade que idolatra tudo, mas não valoriza nada. Se conhecendo sob circunstâncias inusitadas, eles acabam se apaixonando e acompanhamos seu relacionamento e suas escolhas através das mudanças de estação do ano – de Inverno a Inverno. Confira o trailer:
Quem assiste a primeira cena do filme pode até ter um impressão errada do que virá pela frente, mas vale a reflexão: aqui estamos falando de uma impressionante sequência em uma rodovia de Los Angeles. São centenas de carros em um dos engarrafamentos normais da região, com cada pessoa isolada em seu mundo, escutando seu tipo de música. Aos poucos, elas começam a deixar os veículos e cantar - são os aspirantes a artistas que peregrinam do mundo todo em direção ao sonho de fazer sucesso em Hollywood. Tanto a coreografia quanto o movimento de câmera criam uma dinâmica cinematográfica que funciona muito mais como uma homenagem aos clássicos musicais de outros tempos do que como uma cena imprescindível para o entendimento da trama - mas e daí? É lindo, porém o filme não será sobre isso - pelo menos não em sua "forma"!
Durante mais de duas horas, você vai assistir uma ou outra intervenção musical (até mais durante o prólogo para estabelecer o conceito narrativo). O fato é que o drama vai tomando conta do filme, priorizando um "conteúdo" que rapidamente dialoga com a audiência, entregando uma história que todos nós já vivemos, independente da área que escolhemos atuar ou quem não escolhemos amar – o que é até irônico, pois ninguém, de fato, tem essa escolha. Por outro lado, a escolha do talentoso diretor Damien Chazelle (do elogiado e inesquecível "Whiplash") em trazer para o seu elenco Ryan Gosling e Emma Stone, foi essencial. Ela está está encantadora, especialmente porque percebemos seu esforço para cantar e dançar - essa metáfora proposital de Chazelle é genial, pois só vamos conseguir nossas maiores conquistas quando sairmos da zona de conforto e Stone, aliás, provou essa tese ganhando o Oscar de Melhor Atriz pelo papel em 2017! Gosling segue a mesma linha, ele mal canta, é duro dançando, mas convence muito como pianista e como personagem que traz muito da introspecção (mérito dele em todos os sentidos) de Dean de "Namorados para Sempre"(ou "Blue Valentine").
Tecnicamente perfeito e artisticamente impressionante, "La La Land" é um filme que vai exigir certa sensibilidade para entender o seu subtexto. Não que seja um filme complicado ou "cabeça" demais, mas é nítido que ao mesmo tempo que se posiciona como uma homenagem ao cinema e ao jazz, ele também traz uma mensagem otimista sobre perseguir seus sonhos, independente do seu preço. Como em "Tick, Tick... Boom!" estamos expostos aos tropeços, as lágrimas deixadas pelo caminho e as pessoas que o destino nos apresenta na hora errada. Com um astral bacana e até com certa leveza, esse incrível roteiro, também de Chazelle, nos mostra a realidade, mesmo que enquadrada na fantasia e nas cores de um belo musical.
Vale muito o seu play!
Up-date: "La La Land" foi indicado a ganhou em quatorze categorias no Oscar 2017. Levando em seis categorias - inclusive dando a Damien Chazelle a honra de ser o diretor mais jovem da história (até ali) a ganhar o prêmio!
A vida é feita de escolhas e talvez o maior mérito do premiado "La La Land" seja, justamente, criar uma conexão entre os nossos sonhos e objetivos pessoais (e profissionais), com as renúncias que temos que fazer para alcança-los - mesmo que isso doa no coração, mesmo que não tenhamos a certeza que fizemos a escolha certa!
O filme nos conta a história de Mia (Emma Stone) e Sebastian (Ryan Gosling), uma atriz no início de sua carreira e um pianista que deseja abrir sua própria casa de jazz, para salvar o gênero musical de uma cidade que idolatra tudo, mas não valoriza nada. Se conhecendo sob circunstâncias inusitadas, eles acabam se apaixonando e acompanhamos seu relacionamento e suas escolhas através das mudanças de estação do ano – de Inverno a Inverno. Confira o trailer:
Quem assiste a primeira cena do filme pode até ter um impressão errada do que virá pela frente, mas vale a reflexão: aqui estamos falando de uma impressionante sequência em uma rodovia de Los Angeles. São centenas de carros em um dos engarrafamentos normais da região, com cada pessoa isolada em seu mundo, escutando seu tipo de música. Aos poucos, elas começam a deixar os veículos e cantar - são os aspirantes a artistas que peregrinam do mundo todo em direção ao sonho de fazer sucesso em Hollywood. Tanto a coreografia quanto o movimento de câmera criam uma dinâmica cinematográfica que funciona muito mais como uma homenagem aos clássicos musicais de outros tempos do que como uma cena imprescindível para o entendimento da trama - mas e daí? É lindo, porém o filme não será sobre isso - pelo menos não em sua "forma"!
Durante mais de duas horas, você vai assistir uma ou outra intervenção musical (até mais durante o prólogo para estabelecer o conceito narrativo). O fato é que o drama vai tomando conta do filme, priorizando um "conteúdo" que rapidamente dialoga com a audiência, entregando uma história que todos nós já vivemos, independente da área que escolhemos atuar ou quem não escolhemos amar – o que é até irônico, pois ninguém, de fato, tem essa escolha. Por outro lado, a escolha do talentoso diretor Damien Chazelle (do elogiado e inesquecível "Whiplash") em trazer para o seu elenco Ryan Gosling e Emma Stone, foi essencial. Ela está está encantadora, especialmente porque percebemos seu esforço para cantar e dançar - essa metáfora proposital de Chazelle é genial, pois só vamos conseguir nossas maiores conquistas quando sairmos da zona de conforto e Stone, aliás, provou essa tese ganhando o Oscar de Melhor Atriz pelo papel em 2017! Gosling segue a mesma linha, ele mal canta, é duro dançando, mas convence muito como pianista e como personagem que traz muito da introspecção (mérito dele em todos os sentidos) de Dean de "Namorados para Sempre"(ou "Blue Valentine").
Tecnicamente perfeito e artisticamente impressionante, "La La Land" é um filme que vai exigir certa sensibilidade para entender o seu subtexto. Não que seja um filme complicado ou "cabeça" demais, mas é nítido que ao mesmo tempo que se posiciona como uma homenagem ao cinema e ao jazz, ele também traz uma mensagem otimista sobre perseguir seus sonhos, independente do seu preço. Como em "Tick, Tick... Boom!" estamos expostos aos tropeços, as lágrimas deixadas pelo caminho e as pessoas que o destino nos apresenta na hora errada. Com um astral bacana e até com certa leveza, esse incrível roteiro, também de Chazelle, nos mostra a realidade, mesmo que enquadrada na fantasia e nas cores de um belo musical.
Vale muito o seu play!
Up-date: "La La Land" foi indicado a ganhou em quatorze categorias no Oscar 2017. Levando em seis categorias - inclusive dando a Damien Chazelle a honra de ser o diretor mais jovem da história (até ali) a ganhar o prêmio!
"Lady Bird" é um filme simples, mas nem por isso deve ser tratado como superficial. Imagine uma jovem que tenta deixar sua família e a pequena cidade onde vive para ir estudar numa universidade em Nova Iorque; agora aplique na história as várias camadas com todos os tipos de relações que existem na adolescência e você já pode imaginar o que esperar em "Lady Bird". Confira o trailer:
O ano é 2002, Christine "Lady Bird" McPherson (Saoirse Ronan) e sua mãe Marion(Laurie Metcalf) estão retornando de uma visita a uma universidade local que pode representar o futuro da garota. Emocionadas ao ouvirem As Vinhas da Ira no toca-fitas do carro, elas enxugam as lágrimas e imediatamente retomam uma briga que parece ter surgido do nada, numa dinâmica que, facilmente, compreendemos ser a marca da relação entre as duas. A partir daí, acompanhamos cerca de um ano da vida de Lady Bird, retratando suas paixões ainda adolescentes, suas ansiedades e também as relações com várias pessoas que fazem parte do seu universo.
O filme é sensível, delicado e ao mesmo tempo extremamente profundo. Muito bem dirigido pela Greta Gerwig, mas melhor que sua direção (se é que isso é possível) é o roteiro que ela mesmo escreveu - quase auto-biográfico! Laurie Metcalfe, atriz coadjuvante, e Saoirse Ronan, protagonista, mereceram as indicações para o Oscar 2018. Gerwig disputava como diretora e como roteirista. A quinta indicação, na minha opinião, era a que poderia surpreender - Melhor filme! Não foi o caso!
Vale muito a pena!
"Lady Bird" é um filme simples, mas nem por isso deve ser tratado como superficial. Imagine uma jovem que tenta deixar sua família e a pequena cidade onde vive para ir estudar numa universidade em Nova Iorque; agora aplique na história as várias camadas com todos os tipos de relações que existem na adolescência e você já pode imaginar o que esperar em "Lady Bird". Confira o trailer:
O ano é 2002, Christine "Lady Bird" McPherson (Saoirse Ronan) e sua mãe Marion(Laurie Metcalf) estão retornando de uma visita a uma universidade local que pode representar o futuro da garota. Emocionadas ao ouvirem As Vinhas da Ira no toca-fitas do carro, elas enxugam as lágrimas e imediatamente retomam uma briga que parece ter surgido do nada, numa dinâmica que, facilmente, compreendemos ser a marca da relação entre as duas. A partir daí, acompanhamos cerca de um ano da vida de Lady Bird, retratando suas paixões ainda adolescentes, suas ansiedades e também as relações com várias pessoas que fazem parte do seu universo.
O filme é sensível, delicado e ao mesmo tempo extremamente profundo. Muito bem dirigido pela Greta Gerwig, mas melhor que sua direção (se é que isso é possível) é o roteiro que ela mesmo escreveu - quase auto-biográfico! Laurie Metcalfe, atriz coadjuvante, e Saoirse Ronan, protagonista, mereceram as indicações para o Oscar 2018. Gerwig disputava como diretora e como roteirista. A quinta indicação, na minha opinião, era a que poderia surpreender - Melhor filme! Não foi o caso!
Vale muito a pena!
"Lakers: Hora de Vencer" é simplesmente sensacional! Mesmo com alguns excessos conceituais, é inegável que a produção da HBO é um sopro de criatividade e autenticidade na construção de uma narrativa digna do tamanho da representatividade que o Lakers e seus personagens têm para o esporte americano e mundial. Mas a série é para o amante do basquete? Creio que não, mas para quem tem mais de 40 anos e um certo conhecimento sobre o esporte, a experiência será como poucas - além da nostalgia, um excelente entretenimento!
A série, basicamente, gira em torno do novo proprietário do Los Angeles Lakers, Jerry Buss (John C. Reilly) e toda a celebração pela escolha do então novato Earvin "Magic" Johnson (Quincy Isaiah). Além de Magic, outros jogadores icônicos fazem parte da formação, como o pivô Kareem Abdul-Jabbar (Solomon Hughes), que participaram do processo de reconstrução do time, transformando o Lakers em uma das franquias mais rentáveis e valiosas do esporte americano. Confira o trailer:
A produção de Adam McKay, Max Borenstein e Jim Hecht se apoia no livro "Showtime: Magic, Kareem, Riley, and the Los Angeles Lakers Dynasty of the 1980s", de Jeff Pearlman, para dramatizar a reformulação da franquia e a formação do time que se tornou referência na década de 1980 - os mais antigos ainda vão se lembrar do primeiro jogo, ainda no PC, "Lakers x Celtics", e que depois, em 1991, a Electronic Arts lançou com enorme sucesso para o Mega Drive (mas essa é uma outra história). O fato que conecta essas duas pontas é que se em 1979, o futuro da NBA parecia sombrio, sofrendo com a queda de audiência, graves problemas financeiros e as sempre presentes tensões de um Estados Unidos racista, e foi na ascensão do Lakers (de "Magic" Johnson) e sua rivalidade com o Boston Celtics (de Larry Bird) que ajudaram a mudar as coisas.
Quase documental, e McKay adora construir seu conceito narrativo e visual misturando as duas linguagens, a série tem uma fluidez que poucas vezes encontrei em uma adaptação de uma história real e que tem um recorte bastante extenso de tempo. Só para se ter uma ideia, a temporada da NBA tem 82 jogos e se vemos 5 durante os 10 episódios, é muito - o mais incrível, é que a ação em quadra não faz a menor falta porque o foco da história não está no que acontecia durante os jogos, mas sim nas pessoas que faziam o esporte funcionar - as interações nos bastidores são incríveis. Veja, a série da HBO consegue apoiar todo seu drama nas particularidades de seus personagens e nas performances de um elenco primoroso, de forma que a ausência de um foco narrativo (seja na quadra, no negócio, ou na vida pessoal dos atletas) se torna irrelevante para o entendimento daquele universo e das peculiaridades de uma linha temporal muito bem planejada no roteiro.
John C. Reilly está impecável (separa o Emmy, é sério!). Os estreantes Quincy Isaiah e Solomon Hughes parecem veteranos - a química entre eles transcende a interpretação e acaba na quadra como se fossem, na verdade, dois jogadores profissionais de basquete. Acertar na representação dessas duas figuras tão emblemáticas para o esporte era essencial para que todo o argumento da série funcionasse - e não por acaso ela terá mais temporadas (ainda bem!). Dito isso, é simples indicar "Lakers: Hora de Vencer" se você gostou de "Arremesso Final" da Netflix - mesmo que o gênero seja outro, a jornada é basicamente a mesma, com personagens complexos, momentos de tensão esportiva, de decisões complicadas e de relatos repletos de curiosidade e emoção!
Vale muito a pena!
"Lakers: Hora de Vencer" é simplesmente sensacional! Mesmo com alguns excessos conceituais, é inegável que a produção da HBO é um sopro de criatividade e autenticidade na construção de uma narrativa digna do tamanho da representatividade que o Lakers e seus personagens têm para o esporte americano e mundial. Mas a série é para o amante do basquete? Creio que não, mas para quem tem mais de 40 anos e um certo conhecimento sobre o esporte, a experiência será como poucas - além da nostalgia, um excelente entretenimento!
A série, basicamente, gira em torno do novo proprietário do Los Angeles Lakers, Jerry Buss (John C. Reilly) e toda a celebração pela escolha do então novato Earvin "Magic" Johnson (Quincy Isaiah). Além de Magic, outros jogadores icônicos fazem parte da formação, como o pivô Kareem Abdul-Jabbar (Solomon Hughes), que participaram do processo de reconstrução do time, transformando o Lakers em uma das franquias mais rentáveis e valiosas do esporte americano. Confira o trailer:
A produção de Adam McKay, Max Borenstein e Jim Hecht se apoia no livro "Showtime: Magic, Kareem, Riley, and the Los Angeles Lakers Dynasty of the 1980s", de Jeff Pearlman, para dramatizar a reformulação da franquia e a formação do time que se tornou referência na década de 1980 - os mais antigos ainda vão se lembrar do primeiro jogo, ainda no PC, "Lakers x Celtics", e que depois, em 1991, a Electronic Arts lançou com enorme sucesso para o Mega Drive (mas essa é uma outra história). O fato que conecta essas duas pontas é que se em 1979, o futuro da NBA parecia sombrio, sofrendo com a queda de audiência, graves problemas financeiros e as sempre presentes tensões de um Estados Unidos racista, e foi na ascensão do Lakers (de "Magic" Johnson) e sua rivalidade com o Boston Celtics (de Larry Bird) que ajudaram a mudar as coisas.
Quase documental, e McKay adora construir seu conceito narrativo e visual misturando as duas linguagens, a série tem uma fluidez que poucas vezes encontrei em uma adaptação de uma história real e que tem um recorte bastante extenso de tempo. Só para se ter uma ideia, a temporada da NBA tem 82 jogos e se vemos 5 durante os 10 episódios, é muito - o mais incrível, é que a ação em quadra não faz a menor falta porque o foco da história não está no que acontecia durante os jogos, mas sim nas pessoas que faziam o esporte funcionar - as interações nos bastidores são incríveis. Veja, a série da HBO consegue apoiar todo seu drama nas particularidades de seus personagens e nas performances de um elenco primoroso, de forma que a ausência de um foco narrativo (seja na quadra, no negócio, ou na vida pessoal dos atletas) se torna irrelevante para o entendimento daquele universo e das peculiaridades de uma linha temporal muito bem planejada no roteiro.
John C. Reilly está impecável (separa o Emmy, é sério!). Os estreantes Quincy Isaiah e Solomon Hughes parecem veteranos - a química entre eles transcende a interpretação e acaba na quadra como se fossem, na verdade, dois jogadores profissionais de basquete. Acertar na representação dessas duas figuras tão emblemáticas para o esporte era essencial para que todo o argumento da série funcionasse - e não por acaso ela terá mais temporadas (ainda bem!). Dito isso, é simples indicar "Lakers: Hora de Vencer" se você gostou de "Arremesso Final" da Netflix - mesmo que o gênero seja outro, a jornada é basicamente a mesma, com personagens complexos, momentos de tensão esportiva, de decisões complicadas e de relatos repletos de curiosidade e emoção!
Vale muito a pena!
Séries de crimes existem de sobra, e algumas seguem aquela linearidade e padrões já estabelecidos que muitas vezes temos a impressão de estarmos em uma nova temporada de algo que já vimos antes. Nem sempre essa familiaridade é um bom sinal, por isso quando alguma obra ousa contar de forma diferente a sua história, acaba se tornando um grande sucesso - como foi com o caso de ”Mare of Easttown” e “True Detective” da HBO, que embora não sejam tão diferentes assim, apostavam nos dramas pessoais de seus personagens que eram tão complexos quanto o mistério do crime central. ”Landscapers” consegue ser até mais do que isso (não estou dizendo que é melhor que as outras duas que eu citei, porque todas são excelentes em diferentes formas), já que além da profundidade que os personagens também possuem, a minissérie de quatro episódios acaba inserindo um conceito estético e narrativo diferentes, e muita arte para ir além de uma história previsível de crime, no caso, real - bem no tom de "Flesh and Blood: Um Crime Na Vizinhança", aliás.
O casal Susan (Olivia Colman) e Christopher (David Thewlis) viviam uma vida tranquila em um bairro residencial na pequena cidade de Mansfield, na Inglaterra, até se mudarem misteriosamente para Lille na França. Quando a polícia inglesa encontram dois corpos enterrados no quintal da casa que eram deles e descobrem que os cadáveres pertencem aos pais de Susan, ela e o marido se tornam, obviamente, os principais suspeitos de um crime que aconteceu 15 anos atrás. Confira o trailer (em inglês):
O interessante dessa minissérie é que ela transita entre vários gêneros com uma delicadeza admirável - do drama ao suspense, do suspense ao humor ácido (muito próximo de “Fargo”), e certas vezes até ao romance, afinal ”Landscapers”, no final das contas, não deixa de ser uma história de amor. Apesar de todos seus acertos, “Landscapers” deve atrair uma parcela bem específica da audiência, basta ver a grande aceitação entre a crítica especializada, alcançando até 98% de aceitação com base em 46 resenhas. Já a porcentagem entre o público ficou apenas em 75% - e eu digo "apenas" porque uma minissérie desse calibre merecia um consenso geral.
A minissérie tem um conceito narrativo bastante experimental, brincando com tudo que é possível (algo como acontece nos filmes de Wes Anderson, por exemplo): desde recriar cenas de clássicos do cinema para fazer metáforas com a trama principal, até mesmo mostrar os bastidores da gravação de alguma cena enquanto a trama acontece! O excelente diretor Will Sharpe (“A Vida Eletrizante de Louis Wain”) não tem medo de ousar e ir além do que uma história de crime deveria entregar, entretanto, são justamente essas escolhas conceituais que podem distanciar algumas pessoas mais desatentas.
Veja, embora a trama oscile entre o realismo e o surrealismo, nenhum dos recursos visuais parece gratuito, especialmente por se tratar de uma história em que os personagens, de fato, se encaixam nesse mundo fantástico - para não dizer "esquisito". A protagonista Susan (Olivia Colman) adora tanto cinema, que praticamente ignora os problemas da sua vida real, gastando até mais do que poderia para ter seus pôsteres e colecionáveis de clássicos do faroeste - entre outros absurdos que a personagem faz.
"Landscapers” prende a atenção - inicialmente pela história real em que se baseia, mas com o decorrer dos episódios o que nos encanta é a proposta artística, com o capricho da produção, a enorme criatividade, as sutilezas e, claro, as performances sublimes de seus protagonistas. Vale muito a pena e esteja preparado para se surpreender!
Escrito por Mark Hewes - uma parceria @indiqueipraver
Séries de crimes existem de sobra, e algumas seguem aquela linearidade e padrões já estabelecidos que muitas vezes temos a impressão de estarmos em uma nova temporada de algo que já vimos antes. Nem sempre essa familiaridade é um bom sinal, por isso quando alguma obra ousa contar de forma diferente a sua história, acaba se tornando um grande sucesso - como foi com o caso de ”Mare of Easttown” e “True Detective” da HBO, que embora não sejam tão diferentes assim, apostavam nos dramas pessoais de seus personagens que eram tão complexos quanto o mistério do crime central. ”Landscapers” consegue ser até mais do que isso (não estou dizendo que é melhor que as outras duas que eu citei, porque todas são excelentes em diferentes formas), já que além da profundidade que os personagens também possuem, a minissérie de quatro episódios acaba inserindo um conceito estético e narrativo diferentes, e muita arte para ir além de uma história previsível de crime, no caso, real - bem no tom de "Flesh and Blood: Um Crime Na Vizinhança", aliás.
O casal Susan (Olivia Colman) e Christopher (David Thewlis) viviam uma vida tranquila em um bairro residencial na pequena cidade de Mansfield, na Inglaterra, até se mudarem misteriosamente para Lille na França. Quando a polícia inglesa encontram dois corpos enterrados no quintal da casa que eram deles e descobrem que os cadáveres pertencem aos pais de Susan, ela e o marido se tornam, obviamente, os principais suspeitos de um crime que aconteceu 15 anos atrás. Confira o trailer (em inglês):
O interessante dessa minissérie é que ela transita entre vários gêneros com uma delicadeza admirável - do drama ao suspense, do suspense ao humor ácido (muito próximo de “Fargo”), e certas vezes até ao romance, afinal ”Landscapers”, no final das contas, não deixa de ser uma história de amor. Apesar de todos seus acertos, “Landscapers” deve atrair uma parcela bem específica da audiência, basta ver a grande aceitação entre a crítica especializada, alcançando até 98% de aceitação com base em 46 resenhas. Já a porcentagem entre o público ficou apenas em 75% - e eu digo "apenas" porque uma minissérie desse calibre merecia um consenso geral.
A minissérie tem um conceito narrativo bastante experimental, brincando com tudo que é possível (algo como acontece nos filmes de Wes Anderson, por exemplo): desde recriar cenas de clássicos do cinema para fazer metáforas com a trama principal, até mesmo mostrar os bastidores da gravação de alguma cena enquanto a trama acontece! O excelente diretor Will Sharpe (“A Vida Eletrizante de Louis Wain”) não tem medo de ousar e ir além do que uma história de crime deveria entregar, entretanto, são justamente essas escolhas conceituais que podem distanciar algumas pessoas mais desatentas.
Veja, embora a trama oscile entre o realismo e o surrealismo, nenhum dos recursos visuais parece gratuito, especialmente por se tratar de uma história em que os personagens, de fato, se encaixam nesse mundo fantástico - para não dizer "esquisito". A protagonista Susan (Olivia Colman) adora tanto cinema, que praticamente ignora os problemas da sua vida real, gastando até mais do que poderia para ter seus pôsteres e colecionáveis de clássicos do faroeste - entre outros absurdos que a personagem faz.
"Landscapers” prende a atenção - inicialmente pela história real em que se baseia, mas com o decorrer dos episódios o que nos encanta é a proposta artística, com o capricho da produção, a enorme criatividade, as sutilezas e, claro, as performances sublimes de seus protagonistas. Vale muito a pena e esteja preparado para se surpreender!
Escrito por Mark Hewes - uma parceria @indiqueipraver
"Lazzaro Felice" é um filme bastante peculiar, principalmente se você embarcar nessa jornada sem a menor expectativa do que vai encontrar. Pode parecer contraditório ler um review sobre o filme ao mesmo tempo que sugiro não se aprofundar na história para escolher o título, mas é isso mesmo que eu proponho nesse texto. Saiba que esse filme italiano de 2018 venceu na categoria "Melhor Roteiro" no Festival de Cannes, "Melhor Filme" no Festival de Chicago e em Rotterdam - onde recebeu a seguinte resenha: "Acreditamos que o "Lazzaro" inspirará um futuro público a ser mais humano e refletir sobre suas experiências e interações diárias".
Pelo trailer já dá para se ter uma ideia de que "Lazzaro Felice" trás um conceito narrativo muito baseado na poesia, na alegoria, o que, certamente, agradará mais o público sensível e disposto a reinterpretar aquilo que assiste na tela, porém é preciso que se diga que o filme da (excelente) diretora italiana Alice Rohrwacher trabalha tão bem as sensações que chega a ser impressionante. "Lazzaro Felice" conta a história de um jovem camponês chamado Lazzaro (Adriano Tardiolo), que por ser tão inocente (e bondoso) acaba sendo explorado por todos da comunidade onde vive, no interior da Itália. Pouco mais de 50 pessoas, entre idosos, crianças e adultos, exercem alguma função para manter o local vivo, embora em condições precárias, essas pessoas sobrevivem como escravos sob as ordens da marquesa Alfonsina De Luna (Nicoletta Braschi) - que acredita que todo e qualquer ser humano deve explorar e ser explorado por alguém, em uma pirâmide social abusiva, hierárquica e viciada em padrões estabelecidos pelo conhecimento e a cultura. Acontece que essa dinâmica acaba sendo desfeita quando a polícia chega na comunidade para investigar o falso sequestro do filho da marquesa e é aí que a história se transforma completamente, transitando entre a fantasia e a realidade de uma forma muito sensível e profunda. Confira o trailer:
"Lazzaro Felice" não vai agradar a todos, isso é um fato, mas se você gostou de "Atlantique" (também na Netflix) é bem provável que se identifique com esse belíssimo filme, pois ele mistura com a mesma eficiência, o drama e o sobrenatural graças a um roteiro muito bem escrito, uma direção extremamente competente e uma fotográfica digna de muitos prêmios! Vale muito a pena - filme independente com carreira consistente em festivais!
Embora o conceito de exploração do mais fraco (defendido pela marquesa) seja o fio condutor de "Lazzaro Felice", é muito curioso a forma como a Rohrwacher usa a figura do protagonista para representar um limite que precisa ser respeitado e que vai nos provocar a reflexão. Estar na base da pirâmide não nos deixa saída, afinal não há em quem se apoiar (ou explorar), porém essa realidade não influencia ou define o caráter de uma pessoa - e o filme usa de vários exemplos, muitos deles apenas em diálogos pontuais ou em ações que parecem despretensiosas, para justificar essa tese. Se uma personagem pode enganar uma pessoa que acabou de ajuda-la só para faturar 30 euros, isso não exime da mesma personagem a escolha de abrir mão de algo quando alguém pede sua ajuda - mesmo que esse "alguém" já tenha mal tratado ela no passado! Essa dualidade do roteiro é explorada a todo momento e ganha ainda mais força quando entendemos a alegoria bíblica que a história se propõe a discutir - existe um Lázaro descrito na Bíblia e como o personagem do filme, ele é alguém que foi ressuscitado por Jesus e que destoa da fragilidade moral do mundo em que vive. Reparem na cena da igreja e vejam como a diretora, em nenhum momento levanta uma bandeira, seja ela politica ou religiosa, sem mostrar o outro lado ou criticar a distorção pela qual o ser humano se apoia!
Filmado 100% em 16 mm, o que dá um aspecto granulado a imagem e sugere uma certa abstração da realidade, e finalizado com uma margem irregular como se estivéssemos assistindo um filme projetado em um pergaminho, "Lazzaro Felice" é um excelente exemplo de como uma identidade narrativa baseada em um conceito fortemente estabelecido com propósito, funciona a favor da história. Nada que acontece na tela é por acaso - da maneira como o protagonista se movimenta, se comunica ou simplesmente observa uma ação, até os planos abertos enquadrando uma geografia rural que vai se desfazer em um cenário urbano caótico e opressor, um pouco mais a frente. É um grande trabalho da fotógrafa Hélène Louvart (de "A vida invisível" do brasileiro Karim Aïnouz). O elenco também está irretocável: Adriano Tardiolo dá uma aula de neutralidade na interpretação, daquelas que o ator fala com os olhos, com a alma, com o sentimento! Tommaso Ragno como o Tancredi adulto também dá um show, mas quem rouba a cena mesmo é a ótima Alba Rohrwacher como Antonia - que trabalho maravilhoso!
"Lazzaro Felice" é um filme autoral de quem conhece a gramática cinematográfica e sabe exatamente onde quer chegar com aquela história. Um show de roteiro que usa da alegoria para tocar em temas delicados e atuais como as consequências do êxodo rural e do desemprego, a violência contra a mulher, a desigualdade social, o capitalismo predatório, etc. Saiba que não será um jornada fácil, a diretora acerta em não nos entregar as informações de mão beijada, nos sugerindo muito mais do que impondo (com excessão da cena posterior a da igreja, onde a música segue os personagens, que destoa das escolhas acertadas até ali). "Lazzaro Felice" pode causar um certo estranhamento inicial, mas que aos poucos vai se encontrando e, claro, nos deixando com mais dúvidas do que certezas e nos tirando de uma zona de conforto como poucas vezes sentimos - a lembrança que me vem a cabeça, respeitando suas peculiaridades de gênero, é a sensação de assistir "Abre los Ojos" do Alejandro Amenábar pela primeira vez!
Não vacile, dê o play!
"Lazzaro Felice" é um filme bastante peculiar, principalmente se você embarcar nessa jornada sem a menor expectativa do que vai encontrar. Pode parecer contraditório ler um review sobre o filme ao mesmo tempo que sugiro não se aprofundar na história para escolher o título, mas é isso mesmo que eu proponho nesse texto. Saiba que esse filme italiano de 2018 venceu na categoria "Melhor Roteiro" no Festival de Cannes, "Melhor Filme" no Festival de Chicago e em Rotterdam - onde recebeu a seguinte resenha: "Acreditamos que o "Lazzaro" inspirará um futuro público a ser mais humano e refletir sobre suas experiências e interações diárias".
Pelo trailer já dá para se ter uma ideia de que "Lazzaro Felice" trás um conceito narrativo muito baseado na poesia, na alegoria, o que, certamente, agradará mais o público sensível e disposto a reinterpretar aquilo que assiste na tela, porém é preciso que se diga que o filme da (excelente) diretora italiana Alice Rohrwacher trabalha tão bem as sensações que chega a ser impressionante. "Lazzaro Felice" conta a história de um jovem camponês chamado Lazzaro (Adriano Tardiolo), que por ser tão inocente (e bondoso) acaba sendo explorado por todos da comunidade onde vive, no interior da Itália. Pouco mais de 50 pessoas, entre idosos, crianças e adultos, exercem alguma função para manter o local vivo, embora em condições precárias, essas pessoas sobrevivem como escravos sob as ordens da marquesa Alfonsina De Luna (Nicoletta Braschi) - que acredita que todo e qualquer ser humano deve explorar e ser explorado por alguém, em uma pirâmide social abusiva, hierárquica e viciada em padrões estabelecidos pelo conhecimento e a cultura. Acontece que essa dinâmica acaba sendo desfeita quando a polícia chega na comunidade para investigar o falso sequestro do filho da marquesa e é aí que a história se transforma completamente, transitando entre a fantasia e a realidade de uma forma muito sensível e profunda. Confira o trailer:
"Lazzaro Felice" não vai agradar a todos, isso é um fato, mas se você gostou de "Atlantique" (também na Netflix) é bem provável que se identifique com esse belíssimo filme, pois ele mistura com a mesma eficiência, o drama e o sobrenatural graças a um roteiro muito bem escrito, uma direção extremamente competente e uma fotográfica digna de muitos prêmios! Vale muito a pena - filme independente com carreira consistente em festivais!
Embora o conceito de exploração do mais fraco (defendido pela marquesa) seja o fio condutor de "Lazzaro Felice", é muito curioso a forma como a Rohrwacher usa a figura do protagonista para representar um limite que precisa ser respeitado e que vai nos provocar a reflexão. Estar na base da pirâmide não nos deixa saída, afinal não há em quem se apoiar (ou explorar), porém essa realidade não influencia ou define o caráter de uma pessoa - e o filme usa de vários exemplos, muitos deles apenas em diálogos pontuais ou em ações que parecem despretensiosas, para justificar essa tese. Se uma personagem pode enganar uma pessoa que acabou de ajuda-la só para faturar 30 euros, isso não exime da mesma personagem a escolha de abrir mão de algo quando alguém pede sua ajuda - mesmo que esse "alguém" já tenha mal tratado ela no passado! Essa dualidade do roteiro é explorada a todo momento e ganha ainda mais força quando entendemos a alegoria bíblica que a história se propõe a discutir - existe um Lázaro descrito na Bíblia e como o personagem do filme, ele é alguém que foi ressuscitado por Jesus e que destoa da fragilidade moral do mundo em que vive. Reparem na cena da igreja e vejam como a diretora, em nenhum momento levanta uma bandeira, seja ela politica ou religiosa, sem mostrar o outro lado ou criticar a distorção pela qual o ser humano se apoia!
Filmado 100% em 16 mm, o que dá um aspecto granulado a imagem e sugere uma certa abstração da realidade, e finalizado com uma margem irregular como se estivéssemos assistindo um filme projetado em um pergaminho, "Lazzaro Felice" é um excelente exemplo de como uma identidade narrativa baseada em um conceito fortemente estabelecido com propósito, funciona a favor da história. Nada que acontece na tela é por acaso - da maneira como o protagonista se movimenta, se comunica ou simplesmente observa uma ação, até os planos abertos enquadrando uma geografia rural que vai se desfazer em um cenário urbano caótico e opressor, um pouco mais a frente. É um grande trabalho da fotógrafa Hélène Louvart (de "A vida invisível" do brasileiro Karim Aïnouz). O elenco também está irretocável: Adriano Tardiolo dá uma aula de neutralidade na interpretação, daquelas que o ator fala com os olhos, com a alma, com o sentimento! Tommaso Ragno como o Tancredi adulto também dá um show, mas quem rouba a cena mesmo é a ótima Alba Rohrwacher como Antonia - que trabalho maravilhoso!
"Lazzaro Felice" é um filme autoral de quem conhece a gramática cinematográfica e sabe exatamente onde quer chegar com aquela história. Um show de roteiro que usa da alegoria para tocar em temas delicados e atuais como as consequências do êxodo rural e do desemprego, a violência contra a mulher, a desigualdade social, o capitalismo predatório, etc. Saiba que não será um jornada fácil, a diretora acerta em não nos entregar as informações de mão beijada, nos sugerindo muito mais do que impondo (com excessão da cena posterior a da igreja, onde a música segue os personagens, que destoa das escolhas acertadas até ali). "Lazzaro Felice" pode causar um certo estranhamento inicial, mas que aos poucos vai se encontrando e, claro, nos deixando com mais dúvidas do que certezas e nos tirando de uma zona de conforto como poucas vezes sentimos - a lembrança que me vem a cabeça, respeitando suas peculiaridades de gênero, é a sensação de assistir "Abre los Ojos" do Alejandro Amenábar pela primeira vez!
Não vacile, dê o play!
"Les Miserables" é incrível! Embora eu seja suspeito já que assisti o espetáculo original em NY, depois a versão em português em SP e por fim ainda comprei o Blu-ray de um show comemorativo de 25 anos da peça, confesso que minha surpresa não foi tão grande com relação a história ou ao musical em si, mas a maneira como toda a magia do teatro foi aplicada na adaptação para o filme, isso sim me surpreendeu!
Na história clássica, Jean Valjean é preso por roubar um pão. Décadas depois, após cumprir sua pena, ele é libertado, mas acaba violando sua em condicional e precisa desaparecer para não ser preso novamente. Disposto a esquecer quem foi e assumir uma vida nova, Jean Valjean passa a usar um novo nome. As coisas começam a se complicar quando o Inspector Javert surge, disposto a tudo para prender Valjean, ao mesmo tempo em que ele procura assegurar um futuro para a pequena Cosette, filha de Fantine, que, no leito de morte, lhe deu a criança e o fez jurar pela sua eterna proteção! Confira o belíssimo trailer:
Tom Hooper conduziu o filme de maneira brilhante! 98% dele é cantado e você tem a sensação que são simplesmente diálogos. A decisão de captar o áudio no set de filmagem e não no estúdio, fez toda a diferença, deu emoção, alma - você vai perceber que no lugar de interpretações artificiais, costumeiras em performances da Broadway, nos deparamos com uma espécie de monólogos com personagens reais, só que cantando com verdade e modulando a voz de acordo com as situações que estão vivendo no filme e isso, certamente, não existiria em uma adaptação mais convencional da obra de Vito Hugo - Samantha Barks dá um verdadeiro show com "On my own" (no vídeo a seguir) e Anne Hathaway com "I Dreamed a Dream"! Ponto para Hopper! Os movimentos de câmera e a fotografia do diretor Danny Cohen (O Discurso do Rei) estão impecáveis, bem como todo o departamento arte do filme que certamente deve render algum Oscar. Os figurinos, meu Deus, estão lindos!!!
O sucesso do filme abre um caminho muito interessante: adaptações realistas de espetáculos da Broadway para o cinema! Olha, "Les Miserables" é imperdível!!! Vale muito o seu play, mas com duas únicas ressalvas: o filme é longo (são quase 3 horas) e você precisa gostar de musicais!
Up-date: "Les Miserables" ganhou em três categorias no Oscar 2013: Melhor Mixagem, Melhor Maquiagem e Cabelo e Melhor Atriz Coadjuvante!
"Les Miserables" é incrível! Embora eu seja suspeito já que assisti o espetáculo original em NY, depois a versão em português em SP e por fim ainda comprei o Blu-ray de um show comemorativo de 25 anos da peça, confesso que minha surpresa não foi tão grande com relação a história ou ao musical em si, mas a maneira como toda a magia do teatro foi aplicada na adaptação para o filme, isso sim me surpreendeu!
Na história clássica, Jean Valjean é preso por roubar um pão. Décadas depois, após cumprir sua pena, ele é libertado, mas acaba violando sua em condicional e precisa desaparecer para não ser preso novamente. Disposto a esquecer quem foi e assumir uma vida nova, Jean Valjean passa a usar um novo nome. As coisas começam a se complicar quando o Inspector Javert surge, disposto a tudo para prender Valjean, ao mesmo tempo em que ele procura assegurar um futuro para a pequena Cosette, filha de Fantine, que, no leito de morte, lhe deu a criança e o fez jurar pela sua eterna proteção! Confira o belíssimo trailer:
Tom Hooper conduziu o filme de maneira brilhante! 98% dele é cantado e você tem a sensação que são simplesmente diálogos. A decisão de captar o áudio no set de filmagem e não no estúdio, fez toda a diferença, deu emoção, alma - você vai perceber que no lugar de interpretações artificiais, costumeiras em performances da Broadway, nos deparamos com uma espécie de monólogos com personagens reais, só que cantando com verdade e modulando a voz de acordo com as situações que estão vivendo no filme e isso, certamente, não existiria em uma adaptação mais convencional da obra de Vito Hugo - Samantha Barks dá um verdadeiro show com "On my own" (no vídeo a seguir) e Anne Hathaway com "I Dreamed a Dream"! Ponto para Hopper! Os movimentos de câmera e a fotografia do diretor Danny Cohen (O Discurso do Rei) estão impecáveis, bem como todo o departamento arte do filme que certamente deve render algum Oscar. Os figurinos, meu Deus, estão lindos!!!
O sucesso do filme abre um caminho muito interessante: adaptações realistas de espetáculos da Broadway para o cinema! Olha, "Les Miserables" é imperdível!!! Vale muito o seu play, mas com duas únicas ressalvas: o filme é longo (são quase 3 horas) e você precisa gostar de musicais!
Up-date: "Les Miserables" ganhou em três categorias no Oscar 2013: Melhor Mixagem, Melhor Maquiagem e Cabelo e Melhor Atriz Coadjuvante!
Talvez "Leviathan" tenha sofrido pela falta de um marketing mais potente em uma época onde as plataformas de streaming apenas engatinhavam. O fato é que esse filme foi o representante russo na disputa o Oscar de Melhor Filme Internacional de 2015 e que, embora não tenha levado a Palme d'Or em 2014, ganhou como "Melhor Roteiro" em Cannes, o Golden Globe nos EUA e teve mais de 35 vitórias e 52 indicações em festivais importantes ao redor do planeta! Dirigido pelo Andrey Zvyagintsev (de "Sem Amor"), esse é o tipo do filme que não deve ser ignorado por nenhum cinéfilo que tem no cinema independente sua jornada de descobertas. Eu diria, inclusive, que esse drama russo é uma obra-prima que soube combinar como poucos, uma narrativa poderosa com uma crítica social atemporal extremamente contundente e necessária, criando um retrato visceral e devastador da corrupção e da injustiça que assolam a sociedade desde sempre. Aclamado internacionalmente, "Leviathan" foi comparado a obras inesquecíveis como "A Separação" de Asghar Farhadi e "A Caça" de Thomas Vinterberg, pela sua habilidade única em abordar temas universais através de uma lente profundamente pessoal e culturalmente marcante.
Sua trama gira em torno de Kolya (Aleksey Serebryakov) um homem que vive em uma pequena cidade da Península de Kola, no norte da Rússia. Sua vida é virada de cabeça para baixo quando o prefeito corrupto decide tomar posse de sua casa e do terreno onde vive com sua jovem esposa Lilya (Elena Lyadova) e seu filho Romka (Sergey Pokhodaev). Desesperado, Kolya pede ajuda a Dmitriy (Vladimir Vdovichenkov), um velho amigo e advogado de Moscou, para lutar contra essa injustiça. No entanto, a chegada de advogado não traz a salvação esperada, mas sim uma série de tragédias que afundam Kolya e sua família em um abismo de desespero. Confira o trailer (com legendas em inglês):
Todos sabemos como as coisas são resolvidas na Rússia e isso, por si só, já seria o suficiente para nos dilacerar o coração ao nos conectarmos com a luta de Kolya e de sua família pelo que lhe é de direito, no entanto, inserido nesse elemento realmente dramático, existe uma sensação de abandono que é lindamente dissecada no roteiro do próprio Zvyagintsev com seu parceiro Oleg Negin - primeiro na briga com o prefeito, depois com os magistrados, com a polícia, e então, com os amigos. Veja, ao mesmo tempo que temos um filme de caráter extremamente simbólico, estamos diante da história "real" de uma vida "como tantas outras na Rússia" que é destruída em todos os aspectos pela ganância (e poder).
A direção de Zvyagintsev é magistral ao trabalhar esses aspectos de uma forma muito sensorial, utilizando a vastidão gelada da paisagem russa para refletir o vazio e a implacabilidade do sistema corrupto contra o qual Kolya luta, luta e luta - é dolorido demais, machuca de verdade. A fotografia de Mikhail Krichman (também parceiro de longa data do diretor) tem um papel fundamental na construção dessa atmosfera - eu diria até que ela é uma das jóias do filme! Repare como os planos longos e contemplativos capturam a beleza e a desolação da natureza, criando um contraste com o embate moral dos personagens que ocupam essa paisagem. Aqui, a fotografia não só estabelece o tom melancólico do filme, como também reforça a sensação angustiante de isolamento e impotência que permeia a vida de Kolya - a impressão de que algo ruim está para acontecer a cada nova cena, um medo igualmente alimentado pela sombria trilha de Philip Glass, vai te acompanhar por toda essa jornada e vai te tirar do conforto.
Tudo em "Leviathan" é provocador - de seus personagens odiosos ao ritmo deliberadamente lento que nos permite absorver a gravidade das situações enfrentadas pelo protagonista. Sim, estamos diante de um filme difícil, mas ao mesmo tempo poderoso, que combina uma crítica social contundente com uma jornada pessoal profundamente comovente. É uma obra que nos desafia a confrontar as realidades brutais da injustiça e da corrupção, enquanto oferece uma experiência absurdamente envolvente - e aqui cabe um disclaimer: "Leviathan" era minha aposta para o Oscar de 2015, um ano que tivemos "Relatos Selvagens" e a vencedora, "Ida".
Para aqueles que apreciam filmes que exploram a condição humana com uma abordagem artística e introspectiva, "Leviathan" é uma escolha indispensável, contudo já adianto: sua intensidade e crueza podem não ser tão fácil de digerir. Vale muito o seu play!
Talvez "Leviathan" tenha sofrido pela falta de um marketing mais potente em uma época onde as plataformas de streaming apenas engatinhavam. O fato é que esse filme foi o representante russo na disputa o Oscar de Melhor Filme Internacional de 2015 e que, embora não tenha levado a Palme d'Or em 2014, ganhou como "Melhor Roteiro" em Cannes, o Golden Globe nos EUA e teve mais de 35 vitórias e 52 indicações em festivais importantes ao redor do planeta! Dirigido pelo Andrey Zvyagintsev (de "Sem Amor"), esse é o tipo do filme que não deve ser ignorado por nenhum cinéfilo que tem no cinema independente sua jornada de descobertas. Eu diria, inclusive, que esse drama russo é uma obra-prima que soube combinar como poucos, uma narrativa poderosa com uma crítica social atemporal extremamente contundente e necessária, criando um retrato visceral e devastador da corrupção e da injustiça que assolam a sociedade desde sempre. Aclamado internacionalmente, "Leviathan" foi comparado a obras inesquecíveis como "A Separação" de Asghar Farhadi e "A Caça" de Thomas Vinterberg, pela sua habilidade única em abordar temas universais através de uma lente profundamente pessoal e culturalmente marcante.
Sua trama gira em torno de Kolya (Aleksey Serebryakov) um homem que vive em uma pequena cidade da Península de Kola, no norte da Rússia. Sua vida é virada de cabeça para baixo quando o prefeito corrupto decide tomar posse de sua casa e do terreno onde vive com sua jovem esposa Lilya (Elena Lyadova) e seu filho Romka (Sergey Pokhodaev). Desesperado, Kolya pede ajuda a Dmitriy (Vladimir Vdovichenkov), um velho amigo e advogado de Moscou, para lutar contra essa injustiça. No entanto, a chegada de advogado não traz a salvação esperada, mas sim uma série de tragédias que afundam Kolya e sua família em um abismo de desespero. Confira o trailer (com legendas em inglês):
Todos sabemos como as coisas são resolvidas na Rússia e isso, por si só, já seria o suficiente para nos dilacerar o coração ao nos conectarmos com a luta de Kolya e de sua família pelo que lhe é de direito, no entanto, inserido nesse elemento realmente dramático, existe uma sensação de abandono que é lindamente dissecada no roteiro do próprio Zvyagintsev com seu parceiro Oleg Negin - primeiro na briga com o prefeito, depois com os magistrados, com a polícia, e então, com os amigos. Veja, ao mesmo tempo que temos um filme de caráter extremamente simbólico, estamos diante da história "real" de uma vida "como tantas outras na Rússia" que é destruída em todos os aspectos pela ganância (e poder).
A direção de Zvyagintsev é magistral ao trabalhar esses aspectos de uma forma muito sensorial, utilizando a vastidão gelada da paisagem russa para refletir o vazio e a implacabilidade do sistema corrupto contra o qual Kolya luta, luta e luta - é dolorido demais, machuca de verdade. A fotografia de Mikhail Krichman (também parceiro de longa data do diretor) tem um papel fundamental na construção dessa atmosfera - eu diria até que ela é uma das jóias do filme! Repare como os planos longos e contemplativos capturam a beleza e a desolação da natureza, criando um contraste com o embate moral dos personagens que ocupam essa paisagem. Aqui, a fotografia não só estabelece o tom melancólico do filme, como também reforça a sensação angustiante de isolamento e impotência que permeia a vida de Kolya - a impressão de que algo ruim está para acontecer a cada nova cena, um medo igualmente alimentado pela sombria trilha de Philip Glass, vai te acompanhar por toda essa jornada e vai te tirar do conforto.
Tudo em "Leviathan" é provocador - de seus personagens odiosos ao ritmo deliberadamente lento que nos permite absorver a gravidade das situações enfrentadas pelo protagonista. Sim, estamos diante de um filme difícil, mas ao mesmo tempo poderoso, que combina uma crítica social contundente com uma jornada pessoal profundamente comovente. É uma obra que nos desafia a confrontar as realidades brutais da injustiça e da corrupção, enquanto oferece uma experiência absurdamente envolvente - e aqui cabe um disclaimer: "Leviathan" era minha aposta para o Oscar de 2015, um ano que tivemos "Relatos Selvagens" e a vencedora, "Ida".
Para aqueles que apreciam filmes que exploram a condição humana com uma abordagem artística e introspectiva, "Leviathan" é uma escolha indispensável, contudo já adianto: sua intensidade e crueza podem não ser tão fácil de digerir. Vale muito o seu play!
Certa vez uma grande amiga me disse que quando nós nossos jovens temos uma série de convicções que ao amadurecemos entendemos que não serviram para nada, porém são essas mesmas convicções que ajudam a moldar nossa personalidade e permitem que tenhamos certas atitudes sem precisarmos sofrer por isso depois. "Licorice Pizza", novo filme do cultuado Paul Thomas Anderson (indicado para 11 Oscars, o último com "Trama Fantasma"), é uma homenagem nostálgica à adolescência em San Fernando Valley e as convicções pessoais do próprio diretor - eu diria que é sua história de amadurecimento!
Gary Valentine (Cooper Hoffman) tem 15 anos, certo sucesso na sua carreira como ator, uma lábia como poucos e um potencial empreendedor impressionante - ele é imparável. Alana Kane (Alana Haim) tem 25 anos, uma vida monótona, praticamente sem propósito, mas uma vontade enorme de dar certo - inclusive no amor. Ambos têm algo em comum: nenhum deles está preparado para essa etapa da vida e eles nem imaginam que isso pode ser um problema. Confira o trailer:
"Licorice Pizza" é na sua essência um filme sobre as descobertas de uma vida promissora e de um sentimento sincero entre dois jovens no inicio dos anos 70. Não é um filme sobre uma jornada impossível ou uma conquista inabalável, "Licorice Pizza" é sobre as imperfeições de ser quem somos, de aceitar o outro para se sentir bem protegido, é sobre esconder o amor, mesmo ele sendo a coisa mais clara que existe; é sobre ser feliz, mesmo que na inocência das nossas inseguranças.
Além de tecnicamente perfeito (por favor reparem nos movimentos de câmera - sensacionais), o filme tem um charme narrativo que poucos teriam a capacidade de expressar em imagens. Esse é o típico filme que nas mãos de outro diretor, teria tudo para passar batido, mas é incrível como Paul Thomas Anderson cria uma atmosfera saudosista fantástica, muitas vezes engraçadíssima, para nos mostrar aquele universo pelos olhos de Valentine e de Kane - que aliás, estão impecáveis juntos! É impossível não torcer por eles, como se o diretor tivesse encontrado o equilíbrio perfeito entre a densidade de um potente drama pessoal e a leveza de uma boa comédia romântica!
"Licorice Pizza" não é nem de longe o melhor trabalho do diretor, mas talvez seja o mais simpático - um sinal de amadurecimento que extrapola a construção dos personagens que ele mesmo criou. O filme conquista por sua sensibilidade e honestidade, é engraçado, é comovente, é atemporal, é pessoal, é sobre como se achar no outro e ainda é sobre acreditar naquilo que nos faz feliz, mesmo que em uma fase onde a intensidade é tão importante quanto a verdade.
Vale muito a pena!
Up-date: "Licorice Pizza" foi indicada em três categorias no Oscar 2022: Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Original!
Certa vez uma grande amiga me disse que quando nós nossos jovens temos uma série de convicções que ao amadurecemos entendemos que não serviram para nada, porém são essas mesmas convicções que ajudam a moldar nossa personalidade e permitem que tenhamos certas atitudes sem precisarmos sofrer por isso depois. "Licorice Pizza", novo filme do cultuado Paul Thomas Anderson (indicado para 11 Oscars, o último com "Trama Fantasma"), é uma homenagem nostálgica à adolescência em San Fernando Valley e as convicções pessoais do próprio diretor - eu diria que é sua história de amadurecimento!
Gary Valentine (Cooper Hoffman) tem 15 anos, certo sucesso na sua carreira como ator, uma lábia como poucos e um potencial empreendedor impressionante - ele é imparável. Alana Kane (Alana Haim) tem 25 anos, uma vida monótona, praticamente sem propósito, mas uma vontade enorme de dar certo - inclusive no amor. Ambos têm algo em comum: nenhum deles está preparado para essa etapa da vida e eles nem imaginam que isso pode ser um problema. Confira o trailer:
"Licorice Pizza" é na sua essência um filme sobre as descobertas de uma vida promissora e de um sentimento sincero entre dois jovens no inicio dos anos 70. Não é um filme sobre uma jornada impossível ou uma conquista inabalável, "Licorice Pizza" é sobre as imperfeições de ser quem somos, de aceitar o outro para se sentir bem protegido, é sobre esconder o amor, mesmo ele sendo a coisa mais clara que existe; é sobre ser feliz, mesmo que na inocência das nossas inseguranças.
Além de tecnicamente perfeito (por favor reparem nos movimentos de câmera - sensacionais), o filme tem um charme narrativo que poucos teriam a capacidade de expressar em imagens. Esse é o típico filme que nas mãos de outro diretor, teria tudo para passar batido, mas é incrível como Paul Thomas Anderson cria uma atmosfera saudosista fantástica, muitas vezes engraçadíssima, para nos mostrar aquele universo pelos olhos de Valentine e de Kane - que aliás, estão impecáveis juntos! É impossível não torcer por eles, como se o diretor tivesse encontrado o equilíbrio perfeito entre a densidade de um potente drama pessoal e a leveza de uma boa comédia romântica!
"Licorice Pizza" não é nem de longe o melhor trabalho do diretor, mas talvez seja o mais simpático - um sinal de amadurecimento que extrapola a construção dos personagens que ele mesmo criou. O filme conquista por sua sensibilidade e honestidade, é engraçado, é comovente, é atemporal, é pessoal, é sobre como se achar no outro e ainda é sobre acreditar naquilo que nos faz feliz, mesmo que em uma fase onde a intensidade é tão importante quanto a verdade.
Vale muito a pena!
Up-date: "Licorice Pizza" foi indicada em três categorias no Oscar 2022: Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Original!
A vida como ela é - talvez uns dois (ou três) tons acima, capaz de causar um desconforto proposital tão palpável que não se espante se você se reconhecer em algumas das situações que vai encontrar ao longo dessas duas temporadas. "Life & Beth", lançada pelo Hulu em 2022, é uma série de dramédia que explora a vida de uma mulher em busca de sentido e renovação após passar por um evento trágico que a força confrontar o passado para tentar entender o futuro que a espera. Mesclando um humor requintado (sempre na medida certa) e momentos profundamente emocionais, "Life & Beth", eu diria, é uma reflexão honesta sobre conexão na busca por identidade, por autoconhecimento e por aprendizado ao lidar com o trauma. Amy Schumer, criadora do projeto, é conhecida nos EUA por seu estilo de comédia mordaz e provocadora, no entanto, aqui, ela entrega uma jornada mais introspectiva e sutil, revelando uma faceta de sua atuação que vai além do tradicional - e funciona (mesmo que não para todos)!
Beth (Schumer) é uma mulher de 30 e poucos anos que vive em Nova York e aparentemente tem uma vida estável e bem-sucedida. No entanto, após um incidente que abala sua vida, ela se vê forçada a reavaliar suas escolhas e repensar quem realmente é e o que quer da vida. Esse processo a leva de volta para Long Island onde cresceu, porém agora Beth precisa lidar com as memórias de sua infância e adolescência, enquanto tenta encontrar um novo caminho de amadurecimento. Confira o trailer:
Fácil na teoria, mas extremamente complicado na prática, uma das forças de "Life & Beth" está justamente na forma como a série sabe equilibrar o humor com o drama. Embora Amy Schumer seja conhecida pelo "over", aqui ela opta por um conceito mais contido, entregando momentos de vulnerabilidade genuína que exploram o impacto de traumas do passado e o desafio que é redefinir a própria identidade na vida adulta. O humor, embora presente, é mais delicado no conteúdo e muitas vezes vem de situações cotidianas e constrangedoras em sua forma, ou seja, em vez de piadas diretas, o divertido está na provocação inteligente da união muitas vezes desconexa do texto com a imagem. Essa proposta cria uma narrativa realmente envolvente que é ao mesmo tempo tocante e engraçada para aqueles que gostam de dramas de relação.
Amy Schumer, como não poderia deixar de ser, leva a série nas costas - ela oferece uma performance surpreendentemente emocional como Beth. Schumer consegue capturar a ambiguidade de uma mulher que, por fora, parece ter tudo sob controle, mas por dentro está profundamente insatisfeita e perdida. Sua atuação alinhado com o seu texto, é cheia de nuances - ela de fato mostra uma capacidade impressionante ao transmitir a complexidade de Beth sem recorrer ao escrachado. Essa jornada de redescoberta é cheia de momentos íntimos que destacam a pressão social para se ter sucesso, para que as expectativas de felicidade se comprovem e para que o peso dos traumas de infância seja apenas uma fase. Quanto ao elenco, destaco também o trabalho de Michael Cera - seu John, um fazendeiro excêntrico e interesse amoroso de Beth, traz uma atuação sutil e cativante, equilibrando uma certa inocência com seu jeito peculiar e tranquilo de enxergar a vida.
"Life & Beth" é eficaz ao explorar como o passado pode influenciar nossas decisões quando adultas, e como muitas vezes somos forçados a confrontá-lo para encontrar um caminho mais autêntico - muita atenção as discussões levantadas sobre os traumas familiares e as expectativas que são impostas desde a juventude. Mesmo que a série soe ter um ritmo mais lento, especialmente para aqueles que esperam um foco maior na comédia, eu adianto que "Life & Beth" entrega muito ao desenvolver sua narrativa de uma forma mais reflexiva e introspectiva, se apoiando em uma abordagem sincera sobre os desafios da "nossa" vida adulta com muita sabedoria.
Vale muito o seu play!
A vida como ela é - talvez uns dois (ou três) tons acima, capaz de causar um desconforto proposital tão palpável que não se espante se você se reconhecer em algumas das situações que vai encontrar ao longo dessas duas temporadas. "Life & Beth", lançada pelo Hulu em 2022, é uma série de dramédia que explora a vida de uma mulher em busca de sentido e renovação após passar por um evento trágico que a força confrontar o passado para tentar entender o futuro que a espera. Mesclando um humor requintado (sempre na medida certa) e momentos profundamente emocionais, "Life & Beth", eu diria, é uma reflexão honesta sobre conexão na busca por identidade, por autoconhecimento e por aprendizado ao lidar com o trauma. Amy Schumer, criadora do projeto, é conhecida nos EUA por seu estilo de comédia mordaz e provocadora, no entanto, aqui, ela entrega uma jornada mais introspectiva e sutil, revelando uma faceta de sua atuação que vai além do tradicional - e funciona (mesmo que não para todos)!
Beth (Schumer) é uma mulher de 30 e poucos anos que vive em Nova York e aparentemente tem uma vida estável e bem-sucedida. No entanto, após um incidente que abala sua vida, ela se vê forçada a reavaliar suas escolhas e repensar quem realmente é e o que quer da vida. Esse processo a leva de volta para Long Island onde cresceu, porém agora Beth precisa lidar com as memórias de sua infância e adolescência, enquanto tenta encontrar um novo caminho de amadurecimento. Confira o trailer:
Fácil na teoria, mas extremamente complicado na prática, uma das forças de "Life & Beth" está justamente na forma como a série sabe equilibrar o humor com o drama. Embora Amy Schumer seja conhecida pelo "over", aqui ela opta por um conceito mais contido, entregando momentos de vulnerabilidade genuína que exploram o impacto de traumas do passado e o desafio que é redefinir a própria identidade na vida adulta. O humor, embora presente, é mais delicado no conteúdo e muitas vezes vem de situações cotidianas e constrangedoras em sua forma, ou seja, em vez de piadas diretas, o divertido está na provocação inteligente da união muitas vezes desconexa do texto com a imagem. Essa proposta cria uma narrativa realmente envolvente que é ao mesmo tempo tocante e engraçada para aqueles que gostam de dramas de relação.
Amy Schumer, como não poderia deixar de ser, leva a série nas costas - ela oferece uma performance surpreendentemente emocional como Beth. Schumer consegue capturar a ambiguidade de uma mulher que, por fora, parece ter tudo sob controle, mas por dentro está profundamente insatisfeita e perdida. Sua atuação alinhado com o seu texto, é cheia de nuances - ela de fato mostra uma capacidade impressionante ao transmitir a complexidade de Beth sem recorrer ao escrachado. Essa jornada de redescoberta é cheia de momentos íntimos que destacam a pressão social para se ter sucesso, para que as expectativas de felicidade se comprovem e para que o peso dos traumas de infância seja apenas uma fase. Quanto ao elenco, destaco também o trabalho de Michael Cera - seu John, um fazendeiro excêntrico e interesse amoroso de Beth, traz uma atuação sutil e cativante, equilibrando uma certa inocência com seu jeito peculiar e tranquilo de enxergar a vida.
"Life & Beth" é eficaz ao explorar como o passado pode influenciar nossas decisões quando adultas, e como muitas vezes somos forçados a confrontá-lo para encontrar um caminho mais autêntico - muita atenção as discussões levantadas sobre os traumas familiares e as expectativas que são impostas desde a juventude. Mesmo que a série soe ter um ritmo mais lento, especialmente para aqueles que esperam um foco maior na comédia, eu adianto que "Life & Beth" entrega muito ao desenvolver sua narrativa de uma forma mais reflexiva e introspectiva, se apoiando em uma abordagem sincera sobre os desafios da "nossa" vida adulta com muita sabedoria.
Vale muito o seu play!
Um estado de indecisão, incerteza, indefinição; é mais ou menos isso que significa "Limbo" em seu sentido figurado. "Limbo", o filme, usa de alguma simbologia para contar a história dolorosa de como é estar em um país desconhecido, cercado de incertezas, sendo um refugiado. Dirigido pelo talentoso Ben Sharrock (de "Pikadero"), essa produção britânica é um verdadeiro soco no estômago ao narrar com muita sensibilidade, mas sem deixar de pesar na mão no texto e no visual, toda a dor, sofrimento e humilhação que essas pessoas sofrem ao sair de sua terra natal, do seu lugar, de suas referências, para encarar o desconhecido na busca pela liberdade. Aqui um elemento chama atenção: a perda de toda a essência que se tem de si e da sua cultura - é de machucar a alma.
"Limbo", basicamente, conta a história de Omar (Amir El-Masry), um jovem sírio que se vê obrigado a fugir de seu país devido os conflitos sociais e políticos que já conhecemos. Juntamente com outros três refugiados, um do Afeganistão, um de Gana e um da Nigéria, ele finca morada em uma remota e gélida ilha ao sul da Escócia enquanto espera a regularização de sua situação como refugiado. No entanto, é na relação com seus pais, que também se refugiam não muito longe da Síria, e com seu irmão, que resolveu ficar e lutar, que seus fantasmas ganham força e as lembranças tomam proporções quase insuportáveis. Confira o trailer (em inglês):
Com um tom bastante autoral, Sharrock sabe da dramaticidade de sua história, no entanto ele busca suavizar essa jornada usando um certo humor ácido para contar esse lado obscuro do abandono. Não sei se em algum momento achamos graça de algo, talvez um certo alívio com o personagem Farhad (Vikash Bhai), um afegão apaixonado por Freddie Mercury; mas fora isso somos muito tocados é mesmo pelas situações e também pela subjetividade de uma narrativa precisa que dá uma sofisticada em “Limbo” - tanto é que o filme foi indicado em duas categorias no "BAFTA Awards" e foi um dos vencedores no renomado Festival de San Sebastián.
Logo de cara já chama a atenção ver que o filme é apresentado em uma janela 4:3 e não 16:9. Esse aspecto provoca uma sensação de aprisionamento e mesmo não sendo uma grande inovação criativa, funciona para criar uma atmosfera de desconforto em quem assiste. Os planos lindamente construídos pelo fotógrafo Nick Cooke (de "Anadolu Leopar") parecem pinturas, por outro lado, exploram perfeitamente as sensações mais profundas de melancolia e de esperança simultaneamente - uma linha tênue, mas essencial para o sucesso da narrativa. Aliás, é impressionante como "Limbo" traz aquele contexto emocional complexo de "Nomadland" e "Sombras da Vida".
"Limbo" não é apenas um filme sobre refugiados, é uma experiência visceral que transcende barreiras culturais e ressoa com a essência da humanidade - perdida nas bolhas dos "especialistas de Instagram". De fato não é um filme fácil, sua estética mais autoral não será uma unanimidade e seu ritmo deve afastar boa parte da audiência; agora, e é preciso que se dia, ao embarcar na proposta de Ben Sharrock você estará diante de uma obra de arte que, além de sua beleza estética, oferece uma reflexão realista sobre a busca por identidade e pertencimento. Esqueça os estereótipos, Amir El-Masry é o que mais tememos dentro das jornadas das histórias humanas - ele é a personificação da solidão, da saudade, do receio de falhar, e isso dói de verdade!
Um testemunho duradouro de resiliência e da busca pela esperança em tempos adversos, dê o play e encare essa jornada com o coração aberto!
Um estado de indecisão, incerteza, indefinição; é mais ou menos isso que significa "Limbo" em seu sentido figurado. "Limbo", o filme, usa de alguma simbologia para contar a história dolorosa de como é estar em um país desconhecido, cercado de incertezas, sendo um refugiado. Dirigido pelo talentoso Ben Sharrock (de "Pikadero"), essa produção britânica é um verdadeiro soco no estômago ao narrar com muita sensibilidade, mas sem deixar de pesar na mão no texto e no visual, toda a dor, sofrimento e humilhação que essas pessoas sofrem ao sair de sua terra natal, do seu lugar, de suas referências, para encarar o desconhecido na busca pela liberdade. Aqui um elemento chama atenção: a perda de toda a essência que se tem de si e da sua cultura - é de machucar a alma.
"Limbo", basicamente, conta a história de Omar (Amir El-Masry), um jovem sírio que se vê obrigado a fugir de seu país devido os conflitos sociais e políticos que já conhecemos. Juntamente com outros três refugiados, um do Afeganistão, um de Gana e um da Nigéria, ele finca morada em uma remota e gélida ilha ao sul da Escócia enquanto espera a regularização de sua situação como refugiado. No entanto, é na relação com seus pais, que também se refugiam não muito longe da Síria, e com seu irmão, que resolveu ficar e lutar, que seus fantasmas ganham força e as lembranças tomam proporções quase insuportáveis. Confira o trailer (em inglês):
Com um tom bastante autoral, Sharrock sabe da dramaticidade de sua história, no entanto ele busca suavizar essa jornada usando um certo humor ácido para contar esse lado obscuro do abandono. Não sei se em algum momento achamos graça de algo, talvez um certo alívio com o personagem Farhad (Vikash Bhai), um afegão apaixonado por Freddie Mercury; mas fora isso somos muito tocados é mesmo pelas situações e também pela subjetividade de uma narrativa precisa que dá uma sofisticada em “Limbo” - tanto é que o filme foi indicado em duas categorias no "BAFTA Awards" e foi um dos vencedores no renomado Festival de San Sebastián.
Logo de cara já chama a atenção ver que o filme é apresentado em uma janela 4:3 e não 16:9. Esse aspecto provoca uma sensação de aprisionamento e mesmo não sendo uma grande inovação criativa, funciona para criar uma atmosfera de desconforto em quem assiste. Os planos lindamente construídos pelo fotógrafo Nick Cooke (de "Anadolu Leopar") parecem pinturas, por outro lado, exploram perfeitamente as sensações mais profundas de melancolia e de esperança simultaneamente - uma linha tênue, mas essencial para o sucesso da narrativa. Aliás, é impressionante como "Limbo" traz aquele contexto emocional complexo de "Nomadland" e "Sombras da Vida".
"Limbo" não é apenas um filme sobre refugiados, é uma experiência visceral que transcende barreiras culturais e ressoa com a essência da humanidade - perdida nas bolhas dos "especialistas de Instagram". De fato não é um filme fácil, sua estética mais autoral não será uma unanimidade e seu ritmo deve afastar boa parte da audiência; agora, e é preciso que se dia, ao embarcar na proposta de Ben Sharrock você estará diante de uma obra de arte que, além de sua beleza estética, oferece uma reflexão realista sobre a busca por identidade e pertencimento. Esqueça os estereótipos, Amir El-Masry é o que mais tememos dentro das jornadas das histórias humanas - ele é a personificação da solidão, da saudade, do receio de falhar, e isso dói de verdade!
Um testemunho duradouro de resiliência e da busca pela esperança em tempos adversos, dê o play e encare essa jornada com o coração aberto!