Se você não assistiu esse filme, assista! Embora "Conexão Escobar" se apoie na premissa do agente infiltrado correndo muito perigo para desmantelar um cartel de tráfico de drogas como em "Sicario - Terra de Ninguém", aqui o foco não está tanto na ação e sim no drama, na relação dos personagens, no planejamento e, principalmente, na construção de laços que colocam, inclusive, os objetivos da missão em dúvida.
O filme acompanha a história real de Robert Mazur (Bryan Cranston), um agente infiltrado sob o disfarce de Bob Musella que trabalha para acabar com a operação de lavagem de dinheiro do cartel de Pablo Escobar a partir da relação do tráfico com bancos panamenhos. Confira o trailer:
Dirigido pelo ótimo Brad Furman (de "City of Lies") e baseado no livro do próprio Robert Mazur, "Conexão Escobar" é um prato cheio para quem gosta de filmes de ação, com elementos de investigação, que vão além do tiroteiro. A forma como o roteiro da (na época) estreante Ellen Furman vai amarrando as histórias dá a exata proporção do que foi a Operação C-Chase e o que ela representou na luta contra o tráfico de drogas durante os anos 80 - que, inclusive, culminou com a queda do Banco de Crédito e Comércio Internacional (BCCI), o sétimo maior banco privado do mundo.
O maior mérito do filme, sem dúvida, é ter Bryan Cranston como protagonista e o sempre divertido e competente John Leguizamo ("Waco") como coadjuvante (o agente Emir Abreu). Para os fãs de "Breaking Bad" é impossível não comparar a performance do ator com o tom que dá aos seus personagens Mazur e Mr. White, mas, principalmente, com a semelhança que vai além dos diálogos para exaltar a jornada moral de cada um! É impressionante como, embora diferentes, o conceito por trás dos personagens é parecido: ambos possuem um vida comum, em diferentes pontos de satisfação (claro), mas claramente aquém do que seus talentos poderiam oferecer, porém quando eles assumem uma segunda identidade, o flerte com a ilegalidade desperta a ambição - justamente o nó que o filme tenta desatar ou, pelo menos, medir o seu valor (a chegada da agente Kathy Ertz de Diane Kruger, personifica esse conflito interno).
"Conexão Escobar" poderia tranquilamente ser um spin-off da série "Narcos" - o que dá uma ótima noção do que você vai encontrar em 120 minutos de filme. Mesmo que a figura mítica de Pablo Escobar seja apenas um detalhe muito bem pontuado na trama, a atmosfera criada é extremante tensa e angustiante para quem assiste. Se a fotografia do diretor Joshua Reis se aproveita do enorme contraste de tons para retratar a diferença entre a vida “infiltrada” e a “verdadeira” de Robert, é na sensibilidade dos atores e na inteligência do roteiro que o filme decola!
Vale muito a pena!
Se você não assistiu esse filme, assista! Embora "Conexão Escobar" se apoie na premissa do agente infiltrado correndo muito perigo para desmantelar um cartel de tráfico de drogas como em "Sicario - Terra de Ninguém", aqui o foco não está tanto na ação e sim no drama, na relação dos personagens, no planejamento e, principalmente, na construção de laços que colocam, inclusive, os objetivos da missão em dúvida.
O filme acompanha a história real de Robert Mazur (Bryan Cranston), um agente infiltrado sob o disfarce de Bob Musella que trabalha para acabar com a operação de lavagem de dinheiro do cartel de Pablo Escobar a partir da relação do tráfico com bancos panamenhos. Confira o trailer:
Dirigido pelo ótimo Brad Furman (de "City of Lies") e baseado no livro do próprio Robert Mazur, "Conexão Escobar" é um prato cheio para quem gosta de filmes de ação, com elementos de investigação, que vão além do tiroteiro. A forma como o roteiro da (na época) estreante Ellen Furman vai amarrando as histórias dá a exata proporção do que foi a Operação C-Chase e o que ela representou na luta contra o tráfico de drogas durante os anos 80 - que, inclusive, culminou com a queda do Banco de Crédito e Comércio Internacional (BCCI), o sétimo maior banco privado do mundo.
O maior mérito do filme, sem dúvida, é ter Bryan Cranston como protagonista e o sempre divertido e competente John Leguizamo ("Waco") como coadjuvante (o agente Emir Abreu). Para os fãs de "Breaking Bad" é impossível não comparar a performance do ator com o tom que dá aos seus personagens Mazur e Mr. White, mas, principalmente, com a semelhança que vai além dos diálogos para exaltar a jornada moral de cada um! É impressionante como, embora diferentes, o conceito por trás dos personagens é parecido: ambos possuem um vida comum, em diferentes pontos de satisfação (claro), mas claramente aquém do que seus talentos poderiam oferecer, porém quando eles assumem uma segunda identidade, o flerte com a ilegalidade desperta a ambição - justamente o nó que o filme tenta desatar ou, pelo menos, medir o seu valor (a chegada da agente Kathy Ertz de Diane Kruger, personifica esse conflito interno).
"Conexão Escobar" poderia tranquilamente ser um spin-off da série "Narcos" - o que dá uma ótima noção do que você vai encontrar em 120 minutos de filme. Mesmo que a figura mítica de Pablo Escobar seja apenas um detalhe muito bem pontuado na trama, a atmosfera criada é extremante tensa e angustiante para quem assiste. Se a fotografia do diretor Joshua Reis se aproveita do enorme contraste de tons para retratar a diferença entre a vida “infiltrada” e a “verdadeira” de Robert, é na sensibilidade dos atores e na inteligência do roteiro que o filme decola!
Vale muito a pena!
É preciso dizer que "Coringa" é o melhor filme que a DC produziu desde o "Cavaleiro das Trevas" do Nolan!!! O filme é simplesmente sensacional - eu diria que quase perfeito (e mais abaixo vou explicar por onde, na minha opinião, escapou a perfeição). Algumas observações para você que está muito ansioso para assistir: o filme é uma verdadeira imersão na "sombra" do personagem, na construção da jornada de transformação e nas suas motivações. "Coringa" merece servir de modelo para todos os filmes que a DC vai produzir daqui para frente, pois trouxe para o selo (black / dark) a identidade que foi se perdendo depois dos sucessos da Marvel - e aqui cabe o comentário: a DC não é a Marvel e o seu maior erro foi querer suavizar suas histórias para se enquadrar em uma classificação que não está no seu DNA. Esse novo selo da DC deu a liberdade que algumas histórias pediam e fica claro na tela que a violência, a profundidade psíquica, o cuidado no roteiro e o conceito estético são pilares que devem ser seguidos daqui para frente, porque o resultado é incrível!
"Coringa" segue a vida Arthur Fleck, um aspirante a comediante, completamente fracassado e com uma condição mental bastante peculiar onde, em determinados momentos, o faz rir compulsivamente (normalmente o gatilho vem do seu estado emocional fragilizado ou ameaçado). Morando com mãe, Fleck é um pacato ser humano, vítima de uma sociedade elitista e preconceituosa. Aliás, aqui vem o primeiro elogio ao roteiro: situar a história no começo dos anos 80 permitiu não só construir um novo personagem como também iniciar uma gênese que pode servir de base para futuros filmes. Em "Coringa" vemos porque Gothan se tornou tão violenta e como a dinastia Wayne interferiu nessa realidade. Aliás não foi preciso citar nada além do que vemos na tela para nos sentirmos familiarizados com aquele Universo de tão bem construído que foi. Só espero que a DC saiba usar isso com inteligência e que as informações que foram veiculadas sobre a independência dos filmes desse selo seja revista, porque seria um pecado não aproveitar "Coringa" para nada!
O roteiro é poético ao mesmo tempo que é extremamente violento. O diretor Todd Phillips ("Se beber, não case") merece uma indicação ao Oscar, pois seu trabalho é simplesmente perfeito. Ele achou o tom do filme, alinhou com a espetacular atuação de Joaquin Phoenix (que também vai ser indicado) e finalizou com uma fotografia lindíssima de um surpreendente Lawrence Sher (Godzilla II e Cães de Guerra). O roteiro é super original até para quem ama o personagem e acompanha os quadrinhos, porém peca em dois únicos momentos (e aí parece muito mais culpa ou pressão do Estúdio, do que um preciosismo dos roteiristas): quando explica as alucinações de Fleck (não precisava explicar, estava claro, o corte já contava essa história, não precisava mastigar para o público - deu raiva) e quando, mais uma vez, mostra o destino dos Wayne saindo do cinema - sério, eu já não aguento mais assistir aquele colar de pérolas caindo (desperdício de oportunidade de só sugestionar uma situação e trabalhar com a memória emotiva de quem acompanha a saga do Batman há anos). A edição de som, mixagem, a trilha sonora e o desenho de produção, olha, estão primorosos!
"Coringa" vai levar Phoenix ao Oscar por entregar um personagem tão bem construído (ou mais) que Heath Ledger. A comparação será inevitável, mas injusta, pois não se trata de um filme do Batman e sim do Coringa, mas se pensarmos como uma homenagem, meu Deus, que personagem complexo e profundo que vemos nesse filme - os caras deveriam ter feito uma série sobre ele (rs)! O filme é tão bom, tão dinâmico, tão redondo, que nem vemos o tempo passar e chegamos a torcer para que ele não acabe - e são duas horas de filme!!! Puxa, é preciso admitir que foi um grande trabalho da DC e, pode apostar, vai render pelo menos umas 5 indicações no próximo Oscar - me cobrem! Grande acerto, só, por favor, não estraguem essa obra-prima com o que já está planejado!!!
Assistam o que foi, para mim, um dos melhore filmes do ano até aqui! Mesmo!!!
Up-date: "Coringa" ganhou em duas categorias no Oscar 2020: Melhor Trilha Sonora e Melhor Ator!
É preciso dizer que "Coringa" é o melhor filme que a DC produziu desde o "Cavaleiro das Trevas" do Nolan!!! O filme é simplesmente sensacional - eu diria que quase perfeito (e mais abaixo vou explicar por onde, na minha opinião, escapou a perfeição). Algumas observações para você que está muito ansioso para assistir: o filme é uma verdadeira imersão na "sombra" do personagem, na construção da jornada de transformação e nas suas motivações. "Coringa" merece servir de modelo para todos os filmes que a DC vai produzir daqui para frente, pois trouxe para o selo (black / dark) a identidade que foi se perdendo depois dos sucessos da Marvel - e aqui cabe o comentário: a DC não é a Marvel e o seu maior erro foi querer suavizar suas histórias para se enquadrar em uma classificação que não está no seu DNA. Esse novo selo da DC deu a liberdade que algumas histórias pediam e fica claro na tela que a violência, a profundidade psíquica, o cuidado no roteiro e o conceito estético são pilares que devem ser seguidos daqui para frente, porque o resultado é incrível!
"Coringa" segue a vida Arthur Fleck, um aspirante a comediante, completamente fracassado e com uma condição mental bastante peculiar onde, em determinados momentos, o faz rir compulsivamente (normalmente o gatilho vem do seu estado emocional fragilizado ou ameaçado). Morando com mãe, Fleck é um pacato ser humano, vítima de uma sociedade elitista e preconceituosa. Aliás, aqui vem o primeiro elogio ao roteiro: situar a história no começo dos anos 80 permitiu não só construir um novo personagem como também iniciar uma gênese que pode servir de base para futuros filmes. Em "Coringa" vemos porque Gothan se tornou tão violenta e como a dinastia Wayne interferiu nessa realidade. Aliás não foi preciso citar nada além do que vemos na tela para nos sentirmos familiarizados com aquele Universo de tão bem construído que foi. Só espero que a DC saiba usar isso com inteligência e que as informações que foram veiculadas sobre a independência dos filmes desse selo seja revista, porque seria um pecado não aproveitar "Coringa" para nada!
O roteiro é poético ao mesmo tempo que é extremamente violento. O diretor Todd Phillips ("Se beber, não case") merece uma indicação ao Oscar, pois seu trabalho é simplesmente perfeito. Ele achou o tom do filme, alinhou com a espetacular atuação de Joaquin Phoenix (que também vai ser indicado) e finalizou com uma fotografia lindíssima de um surpreendente Lawrence Sher (Godzilla II e Cães de Guerra). O roteiro é super original até para quem ama o personagem e acompanha os quadrinhos, porém peca em dois únicos momentos (e aí parece muito mais culpa ou pressão do Estúdio, do que um preciosismo dos roteiristas): quando explica as alucinações de Fleck (não precisava explicar, estava claro, o corte já contava essa história, não precisava mastigar para o público - deu raiva) e quando, mais uma vez, mostra o destino dos Wayne saindo do cinema - sério, eu já não aguento mais assistir aquele colar de pérolas caindo (desperdício de oportunidade de só sugestionar uma situação e trabalhar com a memória emotiva de quem acompanha a saga do Batman há anos). A edição de som, mixagem, a trilha sonora e o desenho de produção, olha, estão primorosos!
"Coringa" vai levar Phoenix ao Oscar por entregar um personagem tão bem construído (ou mais) que Heath Ledger. A comparação será inevitável, mas injusta, pois não se trata de um filme do Batman e sim do Coringa, mas se pensarmos como uma homenagem, meu Deus, que personagem complexo e profundo que vemos nesse filme - os caras deveriam ter feito uma série sobre ele (rs)! O filme é tão bom, tão dinâmico, tão redondo, que nem vemos o tempo passar e chegamos a torcer para que ele não acabe - e são duas horas de filme!!! Puxa, é preciso admitir que foi um grande trabalho da DC e, pode apostar, vai render pelo menos umas 5 indicações no próximo Oscar - me cobrem! Grande acerto, só, por favor, não estraguem essa obra-prima com o que já está planejado!!!
Assistam o que foi, para mim, um dos melhore filmes do ano até aqui! Mesmo!!!
Up-date: "Coringa" ganhou em duas categorias no Oscar 2020: Melhor Trilha Sonora e Melhor Ator!
"Corpo e Alma" foi o representante Húngaro na disputa do Oscar 2018. Ele chegou com a validação por ter ganho o Urso de Ouro em Berlin em 2017. O filme conta a história de um homem e uma mulher, colegas de trabalho, que passam a se conhecer melhor e acabam descobrindo que eles sonham as mesmas coisas durante a noite. Com isso, eles decidem tornar essa relação incomum em algo real, apesar das dificuldades no mundo real. Confira o trailer:
"On Body and Soul" (título internacional)é tecnicamente muito bem realizado e tem uma história até que interessante - embora, tenha uma ou outra cena mais chocante envolvendo animais, porém apresentada de forma gratuita - muito mais para chocar do que para mover a história para frente. Até acho que faz algum sentido no contexto cruel daquele universo, mas, admito, marca demais!
Analisando isoladamente é um filme que te prende e te instiga assim que a trama central é apresentada. Os atores húngaros estão muito bem, com destaque para o Géza Morcsányi. Já a Alexandra Borbély, mais experiente, achei um pouco fora do tom, quase esteriotipada, mas como seu personagem pedia isso, certamente foi uma escolha justificada pelo contexto - penso que se não estivesse tão robótica ficaria mais fácil criar uma empatia. O fato é que em nenhum momento torci ou me preocupei com ela, talvez por isso não tenha gostado tanto do filme quanto gostei de "Loveless" e "The Square" que também estão na disputa pelo Oscar.
A diretora, Ildikó Enyedi, já havia ganho a Camera de Ouro em Cannes em 89 e vale a pena conhecer o trabalho dela. Ela não inventa, faz um cinema mais clássico e com muita qualidade. Gostei!
No geral, o filme é bacana. O cinema húngaro foi um novidade para mim, mas eu gostei do que vi e por isso indico tranquilamente!
"Corpo e Alma" foi o representante Húngaro na disputa do Oscar 2018. Ele chegou com a validação por ter ganho o Urso de Ouro em Berlin em 2017. O filme conta a história de um homem e uma mulher, colegas de trabalho, que passam a se conhecer melhor e acabam descobrindo que eles sonham as mesmas coisas durante a noite. Com isso, eles decidem tornar essa relação incomum em algo real, apesar das dificuldades no mundo real. Confira o trailer:
"On Body and Soul" (título internacional)é tecnicamente muito bem realizado e tem uma história até que interessante - embora, tenha uma ou outra cena mais chocante envolvendo animais, porém apresentada de forma gratuita - muito mais para chocar do que para mover a história para frente. Até acho que faz algum sentido no contexto cruel daquele universo, mas, admito, marca demais!
Analisando isoladamente é um filme que te prende e te instiga assim que a trama central é apresentada. Os atores húngaros estão muito bem, com destaque para o Géza Morcsányi. Já a Alexandra Borbély, mais experiente, achei um pouco fora do tom, quase esteriotipada, mas como seu personagem pedia isso, certamente foi uma escolha justificada pelo contexto - penso que se não estivesse tão robótica ficaria mais fácil criar uma empatia. O fato é que em nenhum momento torci ou me preocupei com ela, talvez por isso não tenha gostado tanto do filme quanto gostei de "Loveless" e "The Square" que também estão na disputa pelo Oscar.
A diretora, Ildikó Enyedi, já havia ganho a Camera de Ouro em Cannes em 89 e vale a pena conhecer o trabalho dela. Ela não inventa, faz um cinema mais clássico e com muita qualidade. Gostei!
No geral, o filme é bacana. O cinema húngaro foi um novidade para mim, mas eu gostei do que vi e por isso indico tranquilamente!
Sabe aquele tipo de filme que você assiste com um leve sorriso no rosto? Pois é, "Crescendo Juntas" talvez seja a melhor definição de filme "que te abraça" - principalmente se você tiver uma filha menina (meu caso). Essa é o tipo de adaptação cinematográfica que não pode passar despercebida, "Are You There God? It's Me, Margaret" (no original) transcende as barreiras do drama trazendo uma leveza impressionante para discutir assuntos, digamos, cotidianos da vida de uma pré-adolescente, oferecendo assim uma experiência cativante, envolvente e muito reflexiva. Aliás, pela resposta do público e da crítica, o filme faz jus ao sucesso da obra de Judy Blume - o que já não seria uma tarefa fácil.
Margaret (Abby Ryder Fortson), de 11 anos, muda-se para uma nova cidade e começa a contemplar tudo que a vida, a amizade e a adolescência têm para oferecer - é um período de descobertas, mas também de muita insegurança. Ela conta com a mãe, católica, Bárbara (Rachel McAdams), que oferece um apoio amoroso, e com a avó, judia, Sylvia (Kathy Bates), que está tentando encontrar a felicidade mesmo longe da neta. Questões de identidade, do lugar de cada um no mundo e do que dá sentido à vida rapidamente os aproximam mais do que nunca, mas ainda existe um ponto a ser discutido: que religião seguir? Confira o trailer:
Os elementos que tornam "Crescendo Juntas" imperdível, me parece, vão além da trama, ou seja, naturalmente passa pela nossa identificação com os personagens. Semelhante a outras obras que exploraram a complexidade da adolescência, como "Lady Bird" e até "As Vantagens de Ser Invisível", aqui temos um olhar verdadeiro sobre a jornada de aceitação perante o novo - e a metáfora da mudança de cidade e da dúvida sobre qual religião pertencer se encaixam perfeitamente na bola de neve que se transforma a vida da protagonista quando ela é confrontada com os desafios que todas as meninas enfrentam nessa fase: de aprender a usar um sutiã, passando pelo entendimento das mudanças do corpo e a chegada da menstruação, até a importância ou o tabu de dar o primeiro beijo.
A direção sensível de Kelly Fremon Craig (do elogiado "Quase 18") merece aplausos, pois ela não apenas captura a essência do livro, como adiciona camadas emocionais à narrativa que nos deixam encantados - e aqui é preciso que se diga: muito dessa percepção de realidade passa pela performance impressionante de Abby Ryder Fortson. Reparem como ela explora a vulnerabilidade e autodescoberta de sua personagem de maneira autêntica, contribuindo para que as relações construídas ao longo da trama façam total sentido dentro de um contexto emocional tão caótico - olha, eu não me surpreenderia se Craig recebesse uma indicação ao Oscar. Outro detalhe que merece sua atenção: a escolha da fotografia, com seus tons suaves e nostálgicos, nos leva para um mergulho profundo na atmosfera da década de 70 - não por acaso, mérito do diretor Tim Ives, indicado duas vezes ao Emmy por "Stranger Things".
Para finalizar, preciso reforçar que "Crescendo Juntas" é realmente mais do que uma simples adaptação; é uma celebração da juventude, da busca pela identidade e pelo entendimento da complexidade das relações humanas. Craig inteligentemente coloca a obra da premiada Judy Blume em outro patamar, oferecendo um filme intimista que ressoa com o público de todas as idades, que aquece o coração ao mesmo tempo que provoca ótimas discussões - é um olhar honesto sobre uma fase onde tudo ganha uma dimensão muito maior do que os fatos em si, mas que por outro lado ajuda a construir autonomia e uma percepção de vida onde nem tudo é simples!
Vale muito o seu play!
Sabe aquele tipo de filme que você assiste com um leve sorriso no rosto? Pois é, "Crescendo Juntas" talvez seja a melhor definição de filme "que te abraça" - principalmente se você tiver uma filha menina (meu caso). Essa é o tipo de adaptação cinematográfica que não pode passar despercebida, "Are You There God? It's Me, Margaret" (no original) transcende as barreiras do drama trazendo uma leveza impressionante para discutir assuntos, digamos, cotidianos da vida de uma pré-adolescente, oferecendo assim uma experiência cativante, envolvente e muito reflexiva. Aliás, pela resposta do público e da crítica, o filme faz jus ao sucesso da obra de Judy Blume - o que já não seria uma tarefa fácil.
Margaret (Abby Ryder Fortson), de 11 anos, muda-se para uma nova cidade e começa a contemplar tudo que a vida, a amizade e a adolescência têm para oferecer - é um período de descobertas, mas também de muita insegurança. Ela conta com a mãe, católica, Bárbara (Rachel McAdams), que oferece um apoio amoroso, e com a avó, judia, Sylvia (Kathy Bates), que está tentando encontrar a felicidade mesmo longe da neta. Questões de identidade, do lugar de cada um no mundo e do que dá sentido à vida rapidamente os aproximam mais do que nunca, mas ainda existe um ponto a ser discutido: que religião seguir? Confira o trailer:
Os elementos que tornam "Crescendo Juntas" imperdível, me parece, vão além da trama, ou seja, naturalmente passa pela nossa identificação com os personagens. Semelhante a outras obras que exploraram a complexidade da adolescência, como "Lady Bird" e até "As Vantagens de Ser Invisível", aqui temos um olhar verdadeiro sobre a jornada de aceitação perante o novo - e a metáfora da mudança de cidade e da dúvida sobre qual religião pertencer se encaixam perfeitamente na bola de neve que se transforma a vida da protagonista quando ela é confrontada com os desafios que todas as meninas enfrentam nessa fase: de aprender a usar um sutiã, passando pelo entendimento das mudanças do corpo e a chegada da menstruação, até a importância ou o tabu de dar o primeiro beijo.
A direção sensível de Kelly Fremon Craig (do elogiado "Quase 18") merece aplausos, pois ela não apenas captura a essência do livro, como adiciona camadas emocionais à narrativa que nos deixam encantados - e aqui é preciso que se diga: muito dessa percepção de realidade passa pela performance impressionante de Abby Ryder Fortson. Reparem como ela explora a vulnerabilidade e autodescoberta de sua personagem de maneira autêntica, contribuindo para que as relações construídas ao longo da trama façam total sentido dentro de um contexto emocional tão caótico - olha, eu não me surpreenderia se Craig recebesse uma indicação ao Oscar. Outro detalhe que merece sua atenção: a escolha da fotografia, com seus tons suaves e nostálgicos, nos leva para um mergulho profundo na atmosfera da década de 70 - não por acaso, mérito do diretor Tim Ives, indicado duas vezes ao Emmy por "Stranger Things".
Para finalizar, preciso reforçar que "Crescendo Juntas" é realmente mais do que uma simples adaptação; é uma celebração da juventude, da busca pela identidade e pelo entendimento da complexidade das relações humanas. Craig inteligentemente coloca a obra da premiada Judy Blume em outro patamar, oferecendo um filme intimista que ressoa com o público de todas as idades, que aquece o coração ao mesmo tempo que provoca ótimas discussões - é um olhar honesto sobre uma fase onde tudo ganha uma dimensão muito maior do que os fatos em si, mas que por outro lado ajuda a construir autonomia e uma percepção de vida onde nem tudo é simples!
Vale muito o seu play!
Antes de mais nada é preciso dizer que a história de "Crimes de Família" é infinitamente mais potente do que o filme que vemos na tela - não que o filme seja ruim, mesmo porque ele não é, mas na minha opinião, sua previsibilidade pode prejudicar demais a experiência de quem assiste, já que as escolhas narrativas, tanto do roteiro quanto da direção, são falhas - eles fazem de tudo para criar uma expectativa por um "plot twist inesquecível" que na verdade nem precisava!
Talvez o fato do cinema argentino carregar o peso de nos ter apresentado muitos filmes surpreendentes, tenha interferido no trabalho do diretor (e co-roteirista) Sebastián Schindel. "Crimes de Família" conta a história real de dois crimes que aconteceram praticamente ao mesmo tempo, em uma mesma família de classe média/alta de Buenos Aires. Em um deles, o filho do casal Alícia (Cecília Roth) e Ignácio (Miguel Angel Sola) é acusado de estuprar e agredir sua ex-esposa. No outro, a empregada desse mesmo casal é presa acusada de cometer um homicídio e precisa enfrentar um difícil julgamento. Confira o trailer:
Embora contadas paralelamente, as duas histórias, obviamente, tem alguns elementos em comum que por si só já nos manteriam grudados no filme para que pudéssemos entender seu desdobramento, acontece que Schindel preferiu transformar uma história chocante, quase documental, em um thriller de mistério policial e para isso ele usou de uma gramática cinematográfica que notadamente funciona, só que a entrega final vai se enfraquecendo ao longo dos atos (de tão infantil que é)! Então, se você assumir que o "caminho" é muito mais interessante que o "fim" é bem provável que você vá amar o filme, mas se você cair na expectativa que o próprio diretor te sugere, a decepção pode ser grande, já que o elo entre esses dois crimes é "mais do mesmo"!
Certamente "Crimes de Família" não tem a força de narrativa e muito menos a elegância estética de "Em Defesa de Jacob", mas a produção da AppleTV+ vai servir como referência se você gosta desse estilo de trama. No final das contas eu gostei, mas nem de longe será um filme inesquecível. Vale como uma ótima "sessão da tarde" e por algumas passagens que vamos analisar abaixo!
Logo no inicio, mesmo nos causando uma certa estranheza, já percebemos que a quebra da linearidade da narrativa, vai nos criar aquela sensação incômoda do "o que aconteceu?" e esse mérito precisa ser valorizado. A questão é que o roteiro tem elementos mais críticos e que não precisava dessa dinâmica - o que eu quero dizer é que o drama existencial da mãe, Alícia, poderia ser um caminho muito mais eficiente do que o mistério investigativo escolhido. Repare: são dois crimes, um envolvendo o filho adulto, mimado e problemático do casal rico e o outro, uma empregada doméstica semi-analfabeta, pobre e introspectiva - a questão chave da trama é que a resposta da família à cada um dos "criminosos" é completamente diferente e tendenciosa! Ao discutir assuntos como: aborto, abuso sexual, drogas, alcoolismo, abandono, violência contra a mulher, racismo, preconceito, "Crimes de Família" cutuca feridas profundas da sociedade moderna, mas acaba transitando na superficialidade de cada tema por se preocupar muito mais com os crimes em si do que com os motivos e reflexos deles.
Cecília Roth poderia ser uma espécie de Isabelle Huppert de "Elle", não pela similaridade das personagens, mas pela profundidade das discussões e das decisões que ambas precisam tomar perante sua história, mas, mais uma vez, transita na inconstância da escolha do gênero. Quando provocada a mergulhar nas dores mais intimas, Roth dá um show: quando conversa com o marido sobre ajudar mais uma vez o filho problemático ou quando precisa tomar uma decisão que vai completamente contra o que acreditava ser o melhor para sua família, são dois ótimos exemplos. Outro destaque do elenco é a empregada Gladys, interpretada pela atriz Yanina Ávila - essa sim me impressionou durante os quase 100 minutos de filme. Benjamín Amadeo, o filho Daniel, é pouco aproveitado, mas o depoimento que faz no seu julgamento também merece reconhecimento!
Outro fator que o roteiro apresenta, mas que é pouco desenvolvido, diz respeito as várias formas de lidar com maternidade: se com Alícia vemos a incondicionalidade ou um predatório amor de mãe, até irracional, com Gladys temos um lado mais sombrio, marcado pelo passado e completamente inseguro, despreparado. Já a ex-esposa de Daniel, Marcela (Sofía Gala), encontramos a mulher em transformação, que encontra força para lutar e buscar uma vida melhor - tudo isso com o reflexo da convivência social entre filhos, parceiros e pais. Mais uma vez, quando Sebastián Schindel foca na ação e não na discussão entre essas diferenças, perdemos uma ótima oportunidade de ir um pouco além! Uma pena!
Fiz questão de exaltar tantos pontos positivos até para justificar o inicio dessa análise: "Crimes de Família" tem uma excelente história nas mãos e que vai tocar na alma feminina de uma forma mais cruel, mesmo com todas essas escolhas narrativas menos sensíveis. Poderia ser, de fato, um grande filme, mas acabou se tornando um bom entretenimento, com algum mistério, nada de suspense (como foi vendido pela Netflix) e com um drama mais forte do que será percebido!
Vale o play, mas não será uma unanimidade!
Antes de mais nada é preciso dizer que a história de "Crimes de Família" é infinitamente mais potente do que o filme que vemos na tela - não que o filme seja ruim, mesmo porque ele não é, mas na minha opinião, sua previsibilidade pode prejudicar demais a experiência de quem assiste, já que as escolhas narrativas, tanto do roteiro quanto da direção, são falhas - eles fazem de tudo para criar uma expectativa por um "plot twist inesquecível" que na verdade nem precisava!
Talvez o fato do cinema argentino carregar o peso de nos ter apresentado muitos filmes surpreendentes, tenha interferido no trabalho do diretor (e co-roteirista) Sebastián Schindel. "Crimes de Família" conta a história real de dois crimes que aconteceram praticamente ao mesmo tempo, em uma mesma família de classe média/alta de Buenos Aires. Em um deles, o filho do casal Alícia (Cecília Roth) e Ignácio (Miguel Angel Sola) é acusado de estuprar e agredir sua ex-esposa. No outro, a empregada desse mesmo casal é presa acusada de cometer um homicídio e precisa enfrentar um difícil julgamento. Confira o trailer:
Embora contadas paralelamente, as duas histórias, obviamente, tem alguns elementos em comum que por si só já nos manteriam grudados no filme para que pudéssemos entender seu desdobramento, acontece que Schindel preferiu transformar uma história chocante, quase documental, em um thriller de mistério policial e para isso ele usou de uma gramática cinematográfica que notadamente funciona, só que a entrega final vai se enfraquecendo ao longo dos atos (de tão infantil que é)! Então, se você assumir que o "caminho" é muito mais interessante que o "fim" é bem provável que você vá amar o filme, mas se você cair na expectativa que o próprio diretor te sugere, a decepção pode ser grande, já que o elo entre esses dois crimes é "mais do mesmo"!
Certamente "Crimes de Família" não tem a força de narrativa e muito menos a elegância estética de "Em Defesa de Jacob", mas a produção da AppleTV+ vai servir como referência se você gosta desse estilo de trama. No final das contas eu gostei, mas nem de longe será um filme inesquecível. Vale como uma ótima "sessão da tarde" e por algumas passagens que vamos analisar abaixo!
Logo no inicio, mesmo nos causando uma certa estranheza, já percebemos que a quebra da linearidade da narrativa, vai nos criar aquela sensação incômoda do "o que aconteceu?" e esse mérito precisa ser valorizado. A questão é que o roteiro tem elementos mais críticos e que não precisava dessa dinâmica - o que eu quero dizer é que o drama existencial da mãe, Alícia, poderia ser um caminho muito mais eficiente do que o mistério investigativo escolhido. Repare: são dois crimes, um envolvendo o filho adulto, mimado e problemático do casal rico e o outro, uma empregada doméstica semi-analfabeta, pobre e introspectiva - a questão chave da trama é que a resposta da família à cada um dos "criminosos" é completamente diferente e tendenciosa! Ao discutir assuntos como: aborto, abuso sexual, drogas, alcoolismo, abandono, violência contra a mulher, racismo, preconceito, "Crimes de Família" cutuca feridas profundas da sociedade moderna, mas acaba transitando na superficialidade de cada tema por se preocupar muito mais com os crimes em si do que com os motivos e reflexos deles.
Cecília Roth poderia ser uma espécie de Isabelle Huppert de "Elle", não pela similaridade das personagens, mas pela profundidade das discussões e das decisões que ambas precisam tomar perante sua história, mas, mais uma vez, transita na inconstância da escolha do gênero. Quando provocada a mergulhar nas dores mais intimas, Roth dá um show: quando conversa com o marido sobre ajudar mais uma vez o filho problemático ou quando precisa tomar uma decisão que vai completamente contra o que acreditava ser o melhor para sua família, são dois ótimos exemplos. Outro destaque do elenco é a empregada Gladys, interpretada pela atriz Yanina Ávila - essa sim me impressionou durante os quase 100 minutos de filme. Benjamín Amadeo, o filho Daniel, é pouco aproveitado, mas o depoimento que faz no seu julgamento também merece reconhecimento!
Outro fator que o roteiro apresenta, mas que é pouco desenvolvido, diz respeito as várias formas de lidar com maternidade: se com Alícia vemos a incondicionalidade ou um predatório amor de mãe, até irracional, com Gladys temos um lado mais sombrio, marcado pelo passado e completamente inseguro, despreparado. Já a ex-esposa de Daniel, Marcela (Sofía Gala), encontramos a mulher em transformação, que encontra força para lutar e buscar uma vida melhor - tudo isso com o reflexo da convivência social entre filhos, parceiros e pais. Mais uma vez, quando Sebastián Schindel foca na ação e não na discussão entre essas diferenças, perdemos uma ótima oportunidade de ir um pouco além! Uma pena!
Fiz questão de exaltar tantos pontos positivos até para justificar o inicio dessa análise: "Crimes de Família" tem uma excelente história nas mãos e que vai tocar na alma feminina de uma forma mais cruel, mesmo com todas essas escolhas narrativas menos sensíveis. Poderia ser, de fato, um grande filme, mas acabou se tornando um bom entretenimento, com algum mistério, nada de suspense (como foi vendido pela Netflix) e com um drama mais forte do que será percebido!
Vale o play, mas não será uma unanimidade!
Na linha de "Luta por Justiça" e de "Olhos que condenam", a história de "Crown Heights" é mais uma daquelas difíceis de digerir onde questionamos a racionalidade e os valores do ser humano sem o menor receio de ser injusto, afinal, o que vemos em pouco mais de 90 minutos é um retrato de uma sociedade racista e egocêntrica incapaz de olhar o outro através de suas próprias inseguranças e vulnerabilidades.
Quando Colin Warner (LaKeith Stanfield) é injustamente condenado por homicídio, seu melhor amigo, Carl King (Nnamdi Asomugha), dedica sua vida para provar a inocência de Colin. Adaptado de "This American Life", esta é a incrível história real sobre uma angustiante busca pela justiça por mais de 20 anos. Confira o trailer (em inglês):
Chancelado pelo prêmio de "Melhor Filme Dramático" pela audiência no Festival de Sundance em 2017, o filme dirigido pelo Matt Ruskin (muito conhecido por ter produzido o excelente "Conexão Escolbar") procura alinhar a vida de dois personagens na busca pela verdade. Se de uma lado temos o ponto de vista de quem foi condenado e sofre o dia a dia de uma prisão, do outro temos a resiliência de quem acredita que ainda é possível fazer justiça dentro de uma sociedade preconceituosa e elitista. E embora o roteiro do próprio Ruskin retrate a fragilidade do sistema penal e carcerário americano, é inegável que é a jornada dos protagonistas nos move, nos emociona e, principalmente, nos faz refletir!
Sem a preocupação de colocar em dúvida a inocência de Colin Warner, "Crown Heights" se esforça é para retratar a realidade, considerando que o acusado está longe de ser um modelo irretocável de caráter. Warner parece ser uma boa pessoa se analisado pelo âmbito familiar, porém suas atitudes (e cada um é convidado ao julgamento unicamente por elas) também expõem suas falhas - o interessante dessa construção cuidadosa do personagem, é que o roteiro vai nos apresentando diversas camadas, humanizando Warner, e provando que nem sempre existem respostas 100% seguras para muitos atos quando eles são fortemente provocados pelo meio em que seus atores estão inseridos.
Como o recorte da vida de Warner apresentado no filme é bastante extenso, é natural percebermos que a narrativa se apoia na edição bem realizada pelo, duas vezes vencedor do Oscar (das quatro indicações que recebeu), Joe Hutshing. Sim, Hutshing (de "JFK") fragmenta a jornada; mas é extremamente competente em unir duas histórias com a mesma precisão com que pontua os problemas sociais e as inúmeras falhas do sistema sem que um assunto atropele o outro. Nesse ponto, aliás, o diretor Matt Ruskin também brilha - é impressionante como ele conduz os personagens, como eles vão se transformando e ganhando (ou perdendo) vida durante a progressão da história.
"Crown Heights" é muito envolvente, mas pouco confortável. Olhando em retrospectiva, chega a ser surpreendente que o filme não tenha ganhado os holofotes na temporada de premiação daquele ano, seja pelo roteiro muito bem escrito, pela direção surpreendente de Ruskin, mas, principalmente, pelas performances de LaKeith Stanfield, de Nnamdi Asomugha e até de Natalie Paul (como a futura esposa de Warner, Antoinette).
Por tudo isso e muito mais, "Crown Heights" vale muito o seu play!
Na linha de "Luta por Justiça" e de "Olhos que condenam", a história de "Crown Heights" é mais uma daquelas difíceis de digerir onde questionamos a racionalidade e os valores do ser humano sem o menor receio de ser injusto, afinal, o que vemos em pouco mais de 90 minutos é um retrato de uma sociedade racista e egocêntrica incapaz de olhar o outro através de suas próprias inseguranças e vulnerabilidades.
Quando Colin Warner (LaKeith Stanfield) é injustamente condenado por homicídio, seu melhor amigo, Carl King (Nnamdi Asomugha), dedica sua vida para provar a inocência de Colin. Adaptado de "This American Life", esta é a incrível história real sobre uma angustiante busca pela justiça por mais de 20 anos. Confira o trailer (em inglês):
Chancelado pelo prêmio de "Melhor Filme Dramático" pela audiência no Festival de Sundance em 2017, o filme dirigido pelo Matt Ruskin (muito conhecido por ter produzido o excelente "Conexão Escolbar") procura alinhar a vida de dois personagens na busca pela verdade. Se de uma lado temos o ponto de vista de quem foi condenado e sofre o dia a dia de uma prisão, do outro temos a resiliência de quem acredita que ainda é possível fazer justiça dentro de uma sociedade preconceituosa e elitista. E embora o roteiro do próprio Ruskin retrate a fragilidade do sistema penal e carcerário americano, é inegável que é a jornada dos protagonistas nos move, nos emociona e, principalmente, nos faz refletir!
Sem a preocupação de colocar em dúvida a inocência de Colin Warner, "Crown Heights" se esforça é para retratar a realidade, considerando que o acusado está longe de ser um modelo irretocável de caráter. Warner parece ser uma boa pessoa se analisado pelo âmbito familiar, porém suas atitudes (e cada um é convidado ao julgamento unicamente por elas) também expõem suas falhas - o interessante dessa construção cuidadosa do personagem, é que o roteiro vai nos apresentando diversas camadas, humanizando Warner, e provando que nem sempre existem respostas 100% seguras para muitos atos quando eles são fortemente provocados pelo meio em que seus atores estão inseridos.
Como o recorte da vida de Warner apresentado no filme é bastante extenso, é natural percebermos que a narrativa se apoia na edição bem realizada pelo, duas vezes vencedor do Oscar (das quatro indicações que recebeu), Joe Hutshing. Sim, Hutshing (de "JFK") fragmenta a jornada; mas é extremamente competente em unir duas histórias com a mesma precisão com que pontua os problemas sociais e as inúmeras falhas do sistema sem que um assunto atropele o outro. Nesse ponto, aliás, o diretor Matt Ruskin também brilha - é impressionante como ele conduz os personagens, como eles vão se transformando e ganhando (ou perdendo) vida durante a progressão da história.
"Crown Heights" é muito envolvente, mas pouco confortável. Olhando em retrospectiva, chega a ser surpreendente que o filme não tenha ganhado os holofotes na temporada de premiação daquele ano, seja pelo roteiro muito bem escrito, pela direção surpreendente de Ruskin, mas, principalmente, pelas performances de LaKeith Stanfield, de Nnamdi Asomugha e até de Natalie Paul (como a futura esposa de Warner, Antoinette).
Por tudo isso e muito mais, "Crown Heights" vale muito o seu play!
Se olharmos pela perspectiva do desejo de ser muito rico, ainda muito jovem e assim resolver todos os problemas da vida com dinheiro e sem pensar nas consequências, "Crypto Boy" é uma versão atualizada de todo dilema que assistimos em "O Clube dos Meninos Bilionários" e que depois fomos nos aprofundando em excelentes obras como "Altos Negócios", "O Primeiro Milhão" e "O Mago das Mentiras". Dito isso, fica muito fácil definir a linha narrativa que essa produção holandesa da Netflix escolhe para discutir o jogo de altos e baixos, mentiras e meia-verdades, do universo das criptomoedas, sem cair na armadilha de se aprofundar ou analisar didaticamente um cenário que, pode ter certeza, ainda terá ótimas (e verídicas, talvez por isso absurdas) histórias para contar.
Dirigido por Shady El-Hamus (de "Forever Rich"), o filme acompanha a história do jovem Amir (Shahine El-Hamus), um rapaz que anda ainda meio perdido na vida, mas cheio de sonhos e ambições, que não se sente feliz sendo o garoto de entregas do restaurante mexicano de seu pai. Quando, bem por acaso, Amir descobre o universo das criptomoedas e conhece o CEO de uma startup que transaciona esse tipo de ativo prometendo lucros de 2% ao dia, Roy (Minne Koole), tudo muda! O problema é que, com o tempo, aquilo que parecia uma mina de ouro se transforma em uma crise pessoal e familiar sem precedentes. Confira o trailer (no seu idioma original):
Talvez a grande força "Crypto Boy" esteja justamente no elemento que pode desagradar algumas pessoas: sua simplicidade. O filme não deve ser encarado como um documentário mais profundo sobre o assunto, para isso sugiro outra obra: "Não confie em ninguém: a caça ao rei das criptomoedas", também da Netflix. Aqui estamos falando é de um drama despretensioso que, mesmo nos remetendo ao escândalo real da FTX e de seu fundador Sam Bankman-Fried, não passa de uma ficção com o único objetivo de entreter. O roteiro de El-Hamus, ao lado de seu parceiro Jeroen Scholten van Aschat, é habilmente construído para tornar aquele mundo que pode soar complexo para alguns, em algo acessível para todos, independentemente do conhecimento prévio que podemos (ou não) ter.
A narrativa é sim muito inteligente e por isso envolvente, já que insere uma jornada de humanidade ao perigo que pode ser o mercado de criptomoedas. Embora um pouco estereotipado demais em alguns momentos, o filme proporciona uma visão mais perspicaz sobre as dinâmicas financeiras modernas ao mesmo tempo em que usa das consequências de sua fraude para pontuar as relações familiares e provocar uma reflexão sobre o valor da "ultrapassada" velha economia. A direção habilidosa de El-Hamus capta muito bem a distorção do conceito "não trabalhe por dinheiro; deixe o dinheiro trabalhar por você" na cabeça de uma geração que ainda acredita no "almoço grátis" para se dar bem. Agora reparem quando a realidade bate na porta, como a tensão simbolizada pelo olhar de Amir e a angustia de, mais uma vez, ter decepcionado seu pai, nos provoca reflexões - e acreditem, ao encarar, sob essa perspectiva, "Crypto Boy" muda de patamar.
É um fato que aqui temos um filme que nos cativa do início ao fim, mas que não deixa marcas inesquecíveis. Embora sua narrativa seja intrigante, o assunto esteja em voga, as atuações sejam de alto nível e a produção impecável dentro de suas limitações e proposta, "Crypto Boy" é apenas mais um ótimo entretenimento para um domingo à tarde. Ou seja, se você é um entusiasta de tecnologia, um investidor em criptomoedas ou simplesmente alguém em busca diversão sem precisar pensar demais, certamente você vai se conectar com a história e ficar muito satisfeito.
Se olharmos pela perspectiva do desejo de ser muito rico, ainda muito jovem e assim resolver todos os problemas da vida com dinheiro e sem pensar nas consequências, "Crypto Boy" é uma versão atualizada de todo dilema que assistimos em "O Clube dos Meninos Bilionários" e que depois fomos nos aprofundando em excelentes obras como "Altos Negócios", "O Primeiro Milhão" e "O Mago das Mentiras". Dito isso, fica muito fácil definir a linha narrativa que essa produção holandesa da Netflix escolhe para discutir o jogo de altos e baixos, mentiras e meia-verdades, do universo das criptomoedas, sem cair na armadilha de se aprofundar ou analisar didaticamente um cenário que, pode ter certeza, ainda terá ótimas (e verídicas, talvez por isso absurdas) histórias para contar.
Dirigido por Shady El-Hamus (de "Forever Rich"), o filme acompanha a história do jovem Amir (Shahine El-Hamus), um rapaz que anda ainda meio perdido na vida, mas cheio de sonhos e ambições, que não se sente feliz sendo o garoto de entregas do restaurante mexicano de seu pai. Quando, bem por acaso, Amir descobre o universo das criptomoedas e conhece o CEO de uma startup que transaciona esse tipo de ativo prometendo lucros de 2% ao dia, Roy (Minne Koole), tudo muda! O problema é que, com o tempo, aquilo que parecia uma mina de ouro se transforma em uma crise pessoal e familiar sem precedentes. Confira o trailer (no seu idioma original):
Talvez a grande força "Crypto Boy" esteja justamente no elemento que pode desagradar algumas pessoas: sua simplicidade. O filme não deve ser encarado como um documentário mais profundo sobre o assunto, para isso sugiro outra obra: "Não confie em ninguém: a caça ao rei das criptomoedas", também da Netflix. Aqui estamos falando é de um drama despretensioso que, mesmo nos remetendo ao escândalo real da FTX e de seu fundador Sam Bankman-Fried, não passa de uma ficção com o único objetivo de entreter. O roteiro de El-Hamus, ao lado de seu parceiro Jeroen Scholten van Aschat, é habilmente construído para tornar aquele mundo que pode soar complexo para alguns, em algo acessível para todos, independentemente do conhecimento prévio que podemos (ou não) ter.
A narrativa é sim muito inteligente e por isso envolvente, já que insere uma jornada de humanidade ao perigo que pode ser o mercado de criptomoedas. Embora um pouco estereotipado demais em alguns momentos, o filme proporciona uma visão mais perspicaz sobre as dinâmicas financeiras modernas ao mesmo tempo em que usa das consequências de sua fraude para pontuar as relações familiares e provocar uma reflexão sobre o valor da "ultrapassada" velha economia. A direção habilidosa de El-Hamus capta muito bem a distorção do conceito "não trabalhe por dinheiro; deixe o dinheiro trabalhar por você" na cabeça de uma geração que ainda acredita no "almoço grátis" para se dar bem. Agora reparem quando a realidade bate na porta, como a tensão simbolizada pelo olhar de Amir e a angustia de, mais uma vez, ter decepcionado seu pai, nos provoca reflexões - e acreditem, ao encarar, sob essa perspectiva, "Crypto Boy" muda de patamar.
É um fato que aqui temos um filme que nos cativa do início ao fim, mas que não deixa marcas inesquecíveis. Embora sua narrativa seja intrigante, o assunto esteja em voga, as atuações sejam de alto nível e a produção impecável dentro de suas limitações e proposta, "Crypto Boy" é apenas mais um ótimo entretenimento para um domingo à tarde. Ou seja, se você é um entusiasta de tecnologia, um investidor em criptomoedas ou simplesmente alguém em busca diversão sem precisar pensar demais, certamente você vai se conectar com a história e ficar muito satisfeito.
Antes de mais nada é preciso dizer que "Culpa" (Den Skyldige, no original) é um filmaço! Mas calma, ele pode não te agradar pela forma, mas nunca pelo conteúdo. Veja, se em "Locke", de 2013, Tom Hardy passou o filme inteiro em uma BMW falando no celular e mais recentemente "Calls"se tornou uma das melhores séries de ficção científica apenas nos mostrando os diálogos de pessoas falando no telefone, é de se esperar que uma dinâmica narrativa bem executada nem sempre precise de ação para contar uma boa história - apenas os diálogos e um bom trabalho do elenco é o suficiente para nos provocar sensações e sentimentos que transformam aquela jornada em uma experiência única.
A "Culpa" é justamente isso: o policial Asger Holm (Jakob Cedergren) está acostumado a trabalhar nas ruas de Copenhagen, mas devido a um conflito ético no trabalho, ele é direcionado para cuidar da mesa de emergências da polícia. Encarregado de receber ligações e transmitir às delegacias responsáveis, ele é surpreendido pela chamada de uma mulher desesperada, tentando comunicar o seu sequestro sem chamar a atenção do sequestrador. Infelizmente, ela precisa desligar antes de ser descoberta, de modo que Asger dispõe de poucas informações para encontrá-la. É aí que começa uma corrida contra o relógio para descobrir onde ela está, para mobilizar os policiais mais próximos e salvar a vítima antes que uma tragédia aconteça. Confira o trailer:
Esse premiadíssimo filme dinamarquês é mais um ótimo exemplo do casamento perfeito entre um roteiro excelente e uma atuação muito acima da média. Jakob Cedergren (Forbrydelsen) dá uma aula de interpretação ao se apropriar do silêncio para expor seus sentimentos mais profundos e, descaradamente, manipular nossas percepções sobre aquela situação que está vivendo. O roteiro escrito pelo diretor Gustav Möller ao lado de Emil Nygaard Albertsen, é extremamente eficiente em pontuar vários momentos de tensão sem ao menos precisar nos mostrar tudo que está acontecendo. O fato da história ser contada pelo olhar de um único personagem a partir do que só ele imagina, cria uma sensação de angustia quase que indescritível. Möller, ainda é muito perspicaz como diretor ao nos conceder algum tempo para que possamos recuperar o fôlego e aí seguir em frente, porém sua gramática cinematográfica só alimenta nossa expectativa e também nos convida a imaginar o que vai acontecer do outro lado linha a cada toque do telefone (ou quando acende a luz vermelha assim que uma chamado acontece). Além de explicar gradativamente o motivo de Asger estar afastado de suas funções, o roteiro constrói sua personalidade sem precisar ser didático demais - o que faz todo sentido pelas atitudes que o protagonista tem durante os 90 minutos de filme.
A montagem de Carla Luffe, que fez sua carreira na publicidade, é outro aspecto que merece bastante destaque - ela é capaz de aplicar aquele conceito do "menos é mais" tão comum quando precisamos contar uma boa história em pouco tempo. Embora a escassez de tempo não fosse uma preocupação aqui, imagine o quão monótono seria um filme onde tudo que vemos se resume a um homem enquadrado atrás de uma mesa com um fone na cabeça. Em "Culpa" não existe monotonia, e sim um mergulho profundo na pré concepção de nossos estigmas e (in)seguranças - por mais incoerente que possa parecer essa definição!
"Culpa" funciona muito bem como um suspense, mas é no drama que o filme ganha outro valor - no drama pessoal mais precisamente! É um exercício cinematográfico dos mais complicados transformar o público em personagens ativos da história e em "Culpa" temos a exata sensação de estar ao lado de Asger Holm, escutando sua conversa, sem saber exatamente o que está acontecendo, mas julgando pelas atitudes dele (que também não tem todas as ferramentas para fazer isso com segurança e... ética)!
Vale muito a pena!
Antes de mais nada é preciso dizer que "Culpa" (Den Skyldige, no original) é um filmaço! Mas calma, ele pode não te agradar pela forma, mas nunca pelo conteúdo. Veja, se em "Locke", de 2013, Tom Hardy passou o filme inteiro em uma BMW falando no celular e mais recentemente "Calls"se tornou uma das melhores séries de ficção científica apenas nos mostrando os diálogos de pessoas falando no telefone, é de se esperar que uma dinâmica narrativa bem executada nem sempre precise de ação para contar uma boa história - apenas os diálogos e um bom trabalho do elenco é o suficiente para nos provocar sensações e sentimentos que transformam aquela jornada em uma experiência única.
A "Culpa" é justamente isso: o policial Asger Holm (Jakob Cedergren) está acostumado a trabalhar nas ruas de Copenhagen, mas devido a um conflito ético no trabalho, ele é direcionado para cuidar da mesa de emergências da polícia. Encarregado de receber ligações e transmitir às delegacias responsáveis, ele é surpreendido pela chamada de uma mulher desesperada, tentando comunicar o seu sequestro sem chamar a atenção do sequestrador. Infelizmente, ela precisa desligar antes de ser descoberta, de modo que Asger dispõe de poucas informações para encontrá-la. É aí que começa uma corrida contra o relógio para descobrir onde ela está, para mobilizar os policiais mais próximos e salvar a vítima antes que uma tragédia aconteça. Confira o trailer:
Esse premiadíssimo filme dinamarquês é mais um ótimo exemplo do casamento perfeito entre um roteiro excelente e uma atuação muito acima da média. Jakob Cedergren (Forbrydelsen) dá uma aula de interpretação ao se apropriar do silêncio para expor seus sentimentos mais profundos e, descaradamente, manipular nossas percepções sobre aquela situação que está vivendo. O roteiro escrito pelo diretor Gustav Möller ao lado de Emil Nygaard Albertsen, é extremamente eficiente em pontuar vários momentos de tensão sem ao menos precisar nos mostrar tudo que está acontecendo. O fato da história ser contada pelo olhar de um único personagem a partir do que só ele imagina, cria uma sensação de angustia quase que indescritível. Möller, ainda é muito perspicaz como diretor ao nos conceder algum tempo para que possamos recuperar o fôlego e aí seguir em frente, porém sua gramática cinematográfica só alimenta nossa expectativa e também nos convida a imaginar o que vai acontecer do outro lado linha a cada toque do telefone (ou quando acende a luz vermelha assim que uma chamado acontece). Além de explicar gradativamente o motivo de Asger estar afastado de suas funções, o roteiro constrói sua personalidade sem precisar ser didático demais - o que faz todo sentido pelas atitudes que o protagonista tem durante os 90 minutos de filme.
A montagem de Carla Luffe, que fez sua carreira na publicidade, é outro aspecto que merece bastante destaque - ela é capaz de aplicar aquele conceito do "menos é mais" tão comum quando precisamos contar uma boa história em pouco tempo. Embora a escassez de tempo não fosse uma preocupação aqui, imagine o quão monótono seria um filme onde tudo que vemos se resume a um homem enquadrado atrás de uma mesa com um fone na cabeça. Em "Culpa" não existe monotonia, e sim um mergulho profundo na pré concepção de nossos estigmas e (in)seguranças - por mais incoerente que possa parecer essa definição!
"Culpa" funciona muito bem como um suspense, mas é no drama que o filme ganha outro valor - no drama pessoal mais precisamente! É um exercício cinematográfico dos mais complicados transformar o público em personagens ativos da história e em "Culpa" temos a exata sensação de estar ao lado de Asger Holm, escutando sua conversa, sem saber exatamente o que está acontecendo, mas julgando pelas atitudes dele (que também não tem todas as ferramentas para fazer isso com segurança e... ética)!
Vale muito a pena!
Se "O Paraíso e a Serpente" (coprodução da BBC One com a Netflix) poderia, tranquilamente, ser uma temporada de "American Crime Story", a minissérie de dez episódios, "Dahmer: Um Canibal Americano", sem a menor dúvida, se encaixa dentro do mesmo conceito como obra antológica sobre crimes marcantes, além de se apropriar de uma narrativa muito similar ao que o próprio Ryan Murphy já desenvolveu no passado - citar "O Assassinato de Gianni Versace", inclusive, parece até natural como referência.
Aqui acompanhamos a trajetória do infame serial killer Jeffrey Dahmer (Evan Peters) através do tempo. Ao explorar a juventude do assassino até sua vida adulta, temos um retrato complexo da mente por trás do monstro que tirou a vida de 17 homens e meninos entre os anos de 1978 e 1991, em Milwaukee, nos EUA. Além de cobrir muitos dos seus brutais assassinatos, a minissérie também analisa os problemas que permitiram que Dahmer continuasse agindo com total impunidade ao longo de mais de uma década. Confira o trailer:
Embora o time de diretores encabeçado pela excelente Jennifer Lynch (de "Sob Controle") domine completamente a gramática cinematográfica do suspense, é inegável que o ponto alto da minissérie está na maneira como o elenco se relaciona com seus personagens ao ponto de termos a exata noção do terror que representou aquele universo onde Jeffrey Dahmer estava inserido. Ter a vencedora do Emmy, Niecy Nash, como a vizinha Glenda Cleveland, além de Evan Peters no melhor e mais profundo papel de sua carreira (até melhor que o do detetive Colin Zabel de "Mare of Easttown"), é de fato um privilégio - ambos estão tão bem que chega a ser impossível imaginar uma nova temporada de premiações sem a presença de ambos.
Obviamente que o foco da minissérie é expor os crimes brutais que Dahmer cometeu, porém o pano de fundo é tão potente (embora em alguns momentos o roteiro se esforce para ser didático e repetitivo demais - ao melhor estilo Ryan Murphy) que tudo se encaixa perfeitamente dentro de um fluxo narrativo que praticamente nos impede de desligar a tv antes de assistir o próximo episódio. Ao pontuar uma sociedade que convivia com o desprezo pelos grupos minoritários, com um forte racismo estrutural e com importantes falhas institucionais, "Dahmer: Um Canibal Americano" é praticamente uma obra-denúncia que sinceramente deve ter deixado muita gente constrangida.
Embora os detalhes dos crimes de Dahmer sejam até mais sugestivos do que explícitos visualmente, é preciso que se diga que algumas cenas são bem impactantes graficamente. O primeiro episódio não nos poupa, por exemplo, de fotos onde vemos corpos completamente desmembrados ou mutilados, bem como introduz algumas particularidades sobre o modo (brutal e doentio) com que o assassino se relacionava com suas vítimas. Reparem até como isso dialoga com a fotografia do Jason McCormick e do veterano John T. Connor - ela vai se tornando mais escura com o passar do tempo, indicando o caminho sombrio que o protagonista escolheu. Os planos mais longos também merecem sua atenção - eles são tão bem planejados que os movimentos soam quase como documentais, dando uma sensação de realidade impressionante.
"Dahmer: Um Canibal Americano" é um soco no estômago que vai ganhando maior intensidade conforme os episódios vão se desenrolando. Talvez pelo caminho escolhido para contar uma história real tão complexa e aterrorizante, dentro de um recorte de tempo tão extenso, prejudique um pouco a experiência - você vai notar isso a partir do episódio 6 quando o foco da história muda um pouco. Porém, é inegável a capacidade de Ryan Murphy em entregar entretenimento onde normalmente se encontraria repulsa e esse é o que faz dessa minissérie despontar como uma ótima surpresa no catálogo da Netflix mesmo com aquela sensação de "já vi algo parecido em algum lugar" e sem o selo respeitável de "American Crime Story" da FX.
Vale seu play!
Se "O Paraíso e a Serpente" (coprodução da BBC One com a Netflix) poderia, tranquilamente, ser uma temporada de "American Crime Story", a minissérie de dez episódios, "Dahmer: Um Canibal Americano", sem a menor dúvida, se encaixa dentro do mesmo conceito como obra antológica sobre crimes marcantes, além de se apropriar de uma narrativa muito similar ao que o próprio Ryan Murphy já desenvolveu no passado - citar "O Assassinato de Gianni Versace", inclusive, parece até natural como referência.
Aqui acompanhamos a trajetória do infame serial killer Jeffrey Dahmer (Evan Peters) através do tempo. Ao explorar a juventude do assassino até sua vida adulta, temos um retrato complexo da mente por trás do monstro que tirou a vida de 17 homens e meninos entre os anos de 1978 e 1991, em Milwaukee, nos EUA. Além de cobrir muitos dos seus brutais assassinatos, a minissérie também analisa os problemas que permitiram que Dahmer continuasse agindo com total impunidade ao longo de mais de uma década. Confira o trailer:
Embora o time de diretores encabeçado pela excelente Jennifer Lynch (de "Sob Controle") domine completamente a gramática cinematográfica do suspense, é inegável que o ponto alto da minissérie está na maneira como o elenco se relaciona com seus personagens ao ponto de termos a exata noção do terror que representou aquele universo onde Jeffrey Dahmer estava inserido. Ter a vencedora do Emmy, Niecy Nash, como a vizinha Glenda Cleveland, além de Evan Peters no melhor e mais profundo papel de sua carreira (até melhor que o do detetive Colin Zabel de "Mare of Easttown"), é de fato um privilégio - ambos estão tão bem que chega a ser impossível imaginar uma nova temporada de premiações sem a presença de ambos.
Obviamente que o foco da minissérie é expor os crimes brutais que Dahmer cometeu, porém o pano de fundo é tão potente (embora em alguns momentos o roteiro se esforce para ser didático e repetitivo demais - ao melhor estilo Ryan Murphy) que tudo se encaixa perfeitamente dentro de um fluxo narrativo que praticamente nos impede de desligar a tv antes de assistir o próximo episódio. Ao pontuar uma sociedade que convivia com o desprezo pelos grupos minoritários, com um forte racismo estrutural e com importantes falhas institucionais, "Dahmer: Um Canibal Americano" é praticamente uma obra-denúncia que sinceramente deve ter deixado muita gente constrangida.
Embora os detalhes dos crimes de Dahmer sejam até mais sugestivos do que explícitos visualmente, é preciso que se diga que algumas cenas são bem impactantes graficamente. O primeiro episódio não nos poupa, por exemplo, de fotos onde vemos corpos completamente desmembrados ou mutilados, bem como introduz algumas particularidades sobre o modo (brutal e doentio) com que o assassino se relacionava com suas vítimas. Reparem até como isso dialoga com a fotografia do Jason McCormick e do veterano John T. Connor - ela vai se tornando mais escura com o passar do tempo, indicando o caminho sombrio que o protagonista escolheu. Os planos mais longos também merecem sua atenção - eles são tão bem planejados que os movimentos soam quase como documentais, dando uma sensação de realidade impressionante.
"Dahmer: Um Canibal Americano" é um soco no estômago que vai ganhando maior intensidade conforme os episódios vão se desenrolando. Talvez pelo caminho escolhido para contar uma história real tão complexa e aterrorizante, dentro de um recorte de tempo tão extenso, prejudique um pouco a experiência - você vai notar isso a partir do episódio 6 quando o foco da história muda um pouco. Porém, é inegável a capacidade de Ryan Murphy em entregar entretenimento onde normalmente se encontraria repulsa e esse é o que faz dessa minissérie despontar como uma ótima surpresa no catálogo da Netflix mesmo com aquela sensação de "já vi algo parecido em algum lugar" e sem o selo respeitável de "American Crime Story" da FX.
Vale seu play!
"De Cabeça Erguida" é um poderoso e denso drama francês que fala sobre ciclos. Ou melhor, talvez o filme seja muito mais uma provocação para uma reflexão sobre a possibilidade de uma quebra de um ciclo vicioso, recheado de violência e abandono, na esperança por uma segunda chance onde, aparentemente, isso parece impossível! Muito bem dirigido pela talentosa diretora (de atores), Emmanuelle Bercot (de "150 Miligramas"), o filme se apoia em um emaranhado de assuntos importantes e sensíveis que, através de uma jornada de 10 anos, tenta explicar (ou justificar) muitas das atitudes e como a experiência em reformatórios, impactaram na formação do caráter do protagonista.
Em "La Tête Haute" (no original) a história gira em torno de Malony (Rod Paradot), um garoto com sérios problemas disciplinares, e de sua educação dos 6 aos 18 anos de idade, período onde uma juíza da vara da infância e um assistente social tentam de todas as formas salvá-lo de um futuro com problemas ainda maiores. Confira o trailer:
Pode parecer que o roteiro escrito por Bercot ao lado de Marcia Romano (de "O Acontecimento") sofra de um vicio narrativo que escancara a fragilidade de uma estrutura “circular” onde o protagonista apronta, recebe e cumpre uma punição, então é liberado, aí apronta de novo, novamente é punido, e assim sucessivamente. Mas é preciso que se diga que essa estrutura, mesmo em alguns momentos cansativa, é totalmente proposital - ela reflete o ciclo vivido pela maioria dos garotos nas mesmas condições de Malony (algo parecido com o que encontramos em "DOM").
O interessante é que além dessa repetição quase insuportável para audiência (que nos faz desistir do protagonista em muitos momentos, inclusive), o roteiro vai inserindo outros elementos que funcionam como uma espécie de "bola de neve emocional": do romance com a filha de uma funcionária do centro educacional à separação do irmão mais novo que também vai para um reformatório, passando sempre pelo descontrole da mãe; o que temos é uma verdadeira personificação do caos! Sara Forastier está incrível (e irreconhecível) como a mãe inconsequente de Malony, Séverine; já Paradot, fazendo sua estreia no cinema como o protagonista revoltado, adicionam uma camada de tensão ao filme para lá de angustiante. Ainda sobre elenco, Catherine Deneuve como a juíza Florence e Benoît Magimel como o tutor Yann também merecem aplausos e são a "cereja do bolo" da trama.
Bem no estilo de "Florida Project", a grande verdade é que "De Cabeça Erguida" nos toca a alma em muitos sentidos, já que além de fomentar inúmeros julgamentos (muitos mesmo), ainda sugere profundas reflexões sobre a realidade de uma juventude esquecida, não amada, sofrida e que parece sem solução. O convite para enxergar o futuro desses jovens, passa pelo nosso entendimento de que antes do futuro, é preciso entender o passado e lutar por cada um deles no presente.
Vale muito seu play!
"De Cabeça Erguida" é um poderoso e denso drama francês que fala sobre ciclos. Ou melhor, talvez o filme seja muito mais uma provocação para uma reflexão sobre a possibilidade de uma quebra de um ciclo vicioso, recheado de violência e abandono, na esperança por uma segunda chance onde, aparentemente, isso parece impossível! Muito bem dirigido pela talentosa diretora (de atores), Emmanuelle Bercot (de "150 Miligramas"), o filme se apoia em um emaranhado de assuntos importantes e sensíveis que, através de uma jornada de 10 anos, tenta explicar (ou justificar) muitas das atitudes e como a experiência em reformatórios, impactaram na formação do caráter do protagonista.
Em "La Tête Haute" (no original) a história gira em torno de Malony (Rod Paradot), um garoto com sérios problemas disciplinares, e de sua educação dos 6 aos 18 anos de idade, período onde uma juíza da vara da infância e um assistente social tentam de todas as formas salvá-lo de um futuro com problemas ainda maiores. Confira o trailer:
Pode parecer que o roteiro escrito por Bercot ao lado de Marcia Romano (de "O Acontecimento") sofra de um vicio narrativo que escancara a fragilidade de uma estrutura “circular” onde o protagonista apronta, recebe e cumpre uma punição, então é liberado, aí apronta de novo, novamente é punido, e assim sucessivamente. Mas é preciso que se diga que essa estrutura, mesmo em alguns momentos cansativa, é totalmente proposital - ela reflete o ciclo vivido pela maioria dos garotos nas mesmas condições de Malony (algo parecido com o que encontramos em "DOM").
O interessante é que além dessa repetição quase insuportável para audiência (que nos faz desistir do protagonista em muitos momentos, inclusive), o roteiro vai inserindo outros elementos que funcionam como uma espécie de "bola de neve emocional": do romance com a filha de uma funcionária do centro educacional à separação do irmão mais novo que também vai para um reformatório, passando sempre pelo descontrole da mãe; o que temos é uma verdadeira personificação do caos! Sara Forastier está incrível (e irreconhecível) como a mãe inconsequente de Malony, Séverine; já Paradot, fazendo sua estreia no cinema como o protagonista revoltado, adicionam uma camada de tensão ao filme para lá de angustiante. Ainda sobre elenco, Catherine Deneuve como a juíza Florence e Benoît Magimel como o tutor Yann também merecem aplausos e são a "cereja do bolo" da trama.
Bem no estilo de "Florida Project", a grande verdade é que "De Cabeça Erguida" nos toca a alma em muitos sentidos, já que além de fomentar inúmeros julgamentos (muitos mesmo), ainda sugere profundas reflexões sobre a realidade de uma juventude esquecida, não amada, sofrida e que parece sem solução. O convite para enxergar o futuro desses jovens, passa pelo nosso entendimento de que antes do futuro, é preciso entender o passado e lutar por cada um deles no presente.
Vale muito seu play!
"Dentro da Casa", filme do diretor François Ozon, do também excelente, "O Amante Duplo", brinca com o mesmo elemento narrativo que nos motivou assistir "A Mulher na Janela"e "The Voyeurs" -aquela curiosidade incontrolável de saber o que acontece na vida dos outros, dentro de quatro paredes. Se nos filmes citados o foco era o suspense psicológico, aqui o objetivo é mostrar o poder que as palavras têm na construção de uma imaginação quase literal de uma história! "Dentro da Casa" também provoca um certo desconforto pelo receio de ser descoberto, mas está longe de ser um thriller - eu diria, inclusive, que ele é um ótimo e criativo drama de relações.
Um pouco cansado da rotina de professor de literatura francesa, Germain (Fabrice Luchini) chega a atormentar sua esposa Jeanne (Kristin Scott Thomas) com suas reclamações, mas ela também tem seus problemas profissionais para resolver e nem sempre dá a atenção desejada. Até o dia em que ele descobre na redação de um dos seus alunos, o adolescente Claude (Ernst Umhauer), um estilo diferente de escrita, que dá início a um intrigante jogo de sedução entre pupilo e mestre, que acaba envolvendo a própria esposa, a família de um colega de classe e seu dia a dia profissional. Confira o trailer:
Baseado na peça teatral "The Boy in the Last Row" de Juan Mayorga, "Dentro da Casa" tem o mérito de manipular a realidade pelos olhos de vários personagens de uma forma que em muitos momentos nos pegamos contestando se aquilo tudo pode ser verossímil. A cada capítulo escrito (vamos chamar assim) que Claude entrega para Germain ler, somos arremessados para dentro de um contexto palpável, o lar de uma família aparentemente feliz. O interessante é que levada autoral do filme torna impossível cravar o que é real e o que é imaginação nesse mesmo contexto. Se para Germain as histórias do seu aluno não passam de uma pura interpretação de seus desejos mais adolescentes, para sua esposa Jeanne, os detalhes são tão reais que ela mesmo duvida que aquela história possa ser fruto da criatividade de um rapaz tão jovem.
Esse "vai e vem" entre realidade e imaginação, através dos textos de Claude, é muito bem traduzido em imagens por Ozon, que também assinou o roteiro. As intervenções metalinguísticas que o diretor faz durante algumas cenas são sensacionais e tira, mais uma vez, o peso da necessidade de surpreender a audiência com um plot twist matador, típico do suspense, afinal, a cada momento, só temos ferramentas para "supor" e nunca para "afirmar" que aquilo tudo está, de fato, acontecendo. Quando Claude traz para a história suas fantasias adolescentes, é clara a identificação de Germain com seu passado de escritor, ao mesmo tempo quando as soluções de seu aluno são mais trágicas, o que vemos é o medo do professor em assumir que está indo longe demais em pró da sua paixão pela literatura (ou pela reparação de uma frustração antiga).
"Dentro da Casa" parece um jogo, cheio de provocações e fantasias, onde a relação entre as pessoas, em diferente níveis, são expostas de uma forma muito autêntica - é uma verdadeira celebração aos diversos tipos de arte (literatura, cinema, artes plásticas, pintura). Ozon foi muito feliz em usar vários conceitos cinematográficos para incitar nossa imaginação e desejos - Emmanuelle Seigner (Esther) funciona como gatilho para isso, mas seria injusto com todo o excelente elenco dar esse mérito apenas para ela. O filme é tão bom e dinâmico que quando Claude finaliza sua história, surpreendentemente, pouco nos importa se tudo aquilo foi real em algum momento - o que no moveu até ali foram as sensações provocadas, como em um bom livro, aliás.
Vale muito seu play! Filmaço!
"Dentro da Casa", filme do diretor François Ozon, do também excelente, "O Amante Duplo", brinca com o mesmo elemento narrativo que nos motivou assistir "A Mulher na Janela"e "The Voyeurs" -aquela curiosidade incontrolável de saber o que acontece na vida dos outros, dentro de quatro paredes. Se nos filmes citados o foco era o suspense psicológico, aqui o objetivo é mostrar o poder que as palavras têm na construção de uma imaginação quase literal de uma história! "Dentro da Casa" também provoca um certo desconforto pelo receio de ser descoberto, mas está longe de ser um thriller - eu diria, inclusive, que ele é um ótimo e criativo drama de relações.
Um pouco cansado da rotina de professor de literatura francesa, Germain (Fabrice Luchini) chega a atormentar sua esposa Jeanne (Kristin Scott Thomas) com suas reclamações, mas ela também tem seus problemas profissionais para resolver e nem sempre dá a atenção desejada. Até o dia em que ele descobre na redação de um dos seus alunos, o adolescente Claude (Ernst Umhauer), um estilo diferente de escrita, que dá início a um intrigante jogo de sedução entre pupilo e mestre, que acaba envolvendo a própria esposa, a família de um colega de classe e seu dia a dia profissional. Confira o trailer:
Baseado na peça teatral "The Boy in the Last Row" de Juan Mayorga, "Dentro da Casa" tem o mérito de manipular a realidade pelos olhos de vários personagens de uma forma que em muitos momentos nos pegamos contestando se aquilo tudo pode ser verossímil. A cada capítulo escrito (vamos chamar assim) que Claude entrega para Germain ler, somos arremessados para dentro de um contexto palpável, o lar de uma família aparentemente feliz. O interessante é que levada autoral do filme torna impossível cravar o que é real e o que é imaginação nesse mesmo contexto. Se para Germain as histórias do seu aluno não passam de uma pura interpretação de seus desejos mais adolescentes, para sua esposa Jeanne, os detalhes são tão reais que ela mesmo duvida que aquela história possa ser fruto da criatividade de um rapaz tão jovem.
Esse "vai e vem" entre realidade e imaginação, através dos textos de Claude, é muito bem traduzido em imagens por Ozon, que também assinou o roteiro. As intervenções metalinguísticas que o diretor faz durante algumas cenas são sensacionais e tira, mais uma vez, o peso da necessidade de surpreender a audiência com um plot twist matador, típico do suspense, afinal, a cada momento, só temos ferramentas para "supor" e nunca para "afirmar" que aquilo tudo está, de fato, acontecendo. Quando Claude traz para a história suas fantasias adolescentes, é clara a identificação de Germain com seu passado de escritor, ao mesmo tempo quando as soluções de seu aluno são mais trágicas, o que vemos é o medo do professor em assumir que está indo longe demais em pró da sua paixão pela literatura (ou pela reparação de uma frustração antiga).
"Dentro da Casa" parece um jogo, cheio de provocações e fantasias, onde a relação entre as pessoas, em diferente níveis, são expostas de uma forma muito autêntica - é uma verdadeira celebração aos diversos tipos de arte (literatura, cinema, artes plásticas, pintura). Ozon foi muito feliz em usar vários conceitos cinematográficos para incitar nossa imaginação e desejos - Emmanuelle Seigner (Esther) funciona como gatilho para isso, mas seria injusto com todo o excelente elenco dar esse mérito apenas para ela. O filme é tão bom e dinâmico que quando Claude finaliza sua história, surpreendentemente, pouco nos importa se tudo aquilo foi real em algum momento - o que no moveu até ali foram as sensações provocadas, como em um bom livro, aliás.
Vale muito seu play! Filmaço!
Mesmo sendo uma série de 2019, só assista "Departure" se você estiver disposto a fazer uma viagem nostálgica para o final dos anos 90, em uma época pré-streaming, onde a narrativa se permitia criar uma atmosfera de mistério, repleta de reviravoltas, mas completamente distante da realidade. O fato é que essa produção canadense que recebe o selo de original da Peacock (plataforma da NBC ainda inédita no Brasil) é uma espécie de "24 Horas" com "C.S.I" - dinâmica, divertida, interessante, mas claramente feita para a TV aberta.
Após o misterioso desaparecimento do voo 716 no meio do Oceano Atlântico, a investigadora Kendra Malley (Archie Panjabi) é recrutada pelo seu antigo chefe e mentor, Howard Lawson (o saudoso Christopher Plummer em seu último trabalho), para comandar uma equipe de elite e assim tentar descobrir o que de fato aconteceu com aeronave e, quem sabe, localizar possíveis sobreviventes. Confira o trailer (em inglês):
"Departure" segue a cartilha da era de ouro da TV americana, inclusive com um alto nível de produção. Veja, é como se estivéssemos assistindo um episódio de "C.S.I" de 6 horas ou uma temporada de "24 horas" em 6 episódios. O formato de antologia (onde a história se encerra em alguns episódios definidos) se mistura àquela estrutura de procedural (quando o arco principal se encerra em um episódio, mas deixa tramas secundárias para serem desenvolvidas em outros) - e isso é muito importante ressaltar para que as expectativas estejam alinhadas: a trama não tem o menor compromisso em ser 100% realista, o propósito da narrativa é apenas o de te segurar até o último segundo da temporada, mesmo que para isso algumas soluções possam soar absurdas. Os elementos dramáticos desse tipo de formato se repetem em vários títulos, portanto, não se irrite, apenas embarque na proposta e se divirta - muitos de nós fazíamos isso antes de Netflix, Globoplay, Prime Vídeo, etc.
É inegável a qualidade do trabalho de T.J. Scott, um diretor que construiu sua carreira dirigindo episódios de séries (de "Xena: A Princesa Guerreira" à "Star Trek: Discovery") da mesma forma que muitos brasileiros dirigiam novelas antes de buscarem outro caminhos, portanto é natural encontrarmos alguns vícios narrativos de Scott em toda temporada. Praticamente todas as cenas possuem um trilha sonora de fundo para manipular nossas emoções (tensão, drama, mistério, romance, etc), aqueles cortes onde o foco está na reação do personagem depois de uma "grande" descoberta que precedia o intervalo, inúmeras cenas se passam dentro de um mesmo cenário (no caso o QG da equipe - uma espécie de CTU de "24 horas") e até a construção de um arco com o filho adolescente revoltado que só traz problemas para a protagonista que sente dividida entre a família e sua missão profissional.
Além de Panjabi e Plummer, a série ainda conta com um elenco de peso como Kris Holden-Ried (The Umbrella Academy) como Dom, Rebecca Liddiard (Run This Town) como Madelyn, Tamara Duarte (Longmire) como Nadia, Mark Rendall (Versailles) como Theo, Peter Mensah (Midnight, Texas) como Levi e Sasha Roiz (Grimm) como Pavel Bartok; e isso, sem a menor dúvida, ajuda muito no desenvolvimento da história que, acreditem, conquistou a audiência americana, rendendo, inclusive, uma segunda temporada que estreia em 2022 - onde Kendra Malley e sua equipe vão investigar um acidente de trem.
"Departure" é um entretenimento despretensioso, rápido, divertido e até surpreendente, que vai te prender do início ao fim desde que você esteja disposto a acreditar naquela história, sem julgamentos ou preconceitos. Típica série boa para aquele sábado chuvoso onde não queremos nada muito profundo, apenas curtir bons episódios - como fazíamos antigamente com os boxes de DVDs.
Vale o seu play!
Mesmo sendo uma série de 2019, só assista "Departure" se você estiver disposto a fazer uma viagem nostálgica para o final dos anos 90, em uma época pré-streaming, onde a narrativa se permitia criar uma atmosfera de mistério, repleta de reviravoltas, mas completamente distante da realidade. O fato é que essa produção canadense que recebe o selo de original da Peacock (plataforma da NBC ainda inédita no Brasil) é uma espécie de "24 Horas" com "C.S.I" - dinâmica, divertida, interessante, mas claramente feita para a TV aberta.
Após o misterioso desaparecimento do voo 716 no meio do Oceano Atlântico, a investigadora Kendra Malley (Archie Panjabi) é recrutada pelo seu antigo chefe e mentor, Howard Lawson (o saudoso Christopher Plummer em seu último trabalho), para comandar uma equipe de elite e assim tentar descobrir o que de fato aconteceu com aeronave e, quem sabe, localizar possíveis sobreviventes. Confira o trailer (em inglês):
"Departure" segue a cartilha da era de ouro da TV americana, inclusive com um alto nível de produção. Veja, é como se estivéssemos assistindo um episódio de "C.S.I" de 6 horas ou uma temporada de "24 horas" em 6 episódios. O formato de antologia (onde a história se encerra em alguns episódios definidos) se mistura àquela estrutura de procedural (quando o arco principal se encerra em um episódio, mas deixa tramas secundárias para serem desenvolvidas em outros) - e isso é muito importante ressaltar para que as expectativas estejam alinhadas: a trama não tem o menor compromisso em ser 100% realista, o propósito da narrativa é apenas o de te segurar até o último segundo da temporada, mesmo que para isso algumas soluções possam soar absurdas. Os elementos dramáticos desse tipo de formato se repetem em vários títulos, portanto, não se irrite, apenas embarque na proposta e se divirta - muitos de nós fazíamos isso antes de Netflix, Globoplay, Prime Vídeo, etc.
É inegável a qualidade do trabalho de T.J. Scott, um diretor que construiu sua carreira dirigindo episódios de séries (de "Xena: A Princesa Guerreira" à "Star Trek: Discovery") da mesma forma que muitos brasileiros dirigiam novelas antes de buscarem outro caminhos, portanto é natural encontrarmos alguns vícios narrativos de Scott em toda temporada. Praticamente todas as cenas possuem um trilha sonora de fundo para manipular nossas emoções (tensão, drama, mistério, romance, etc), aqueles cortes onde o foco está na reação do personagem depois de uma "grande" descoberta que precedia o intervalo, inúmeras cenas se passam dentro de um mesmo cenário (no caso o QG da equipe - uma espécie de CTU de "24 horas") e até a construção de um arco com o filho adolescente revoltado que só traz problemas para a protagonista que sente dividida entre a família e sua missão profissional.
Além de Panjabi e Plummer, a série ainda conta com um elenco de peso como Kris Holden-Ried (The Umbrella Academy) como Dom, Rebecca Liddiard (Run This Town) como Madelyn, Tamara Duarte (Longmire) como Nadia, Mark Rendall (Versailles) como Theo, Peter Mensah (Midnight, Texas) como Levi e Sasha Roiz (Grimm) como Pavel Bartok; e isso, sem a menor dúvida, ajuda muito no desenvolvimento da história que, acreditem, conquistou a audiência americana, rendendo, inclusive, uma segunda temporada que estreia em 2022 - onde Kendra Malley e sua equipe vão investigar um acidente de trem.
"Departure" é um entretenimento despretensioso, rápido, divertido e até surpreendente, que vai te prender do início ao fim desde que você esteja disposto a acreditar naquela história, sem julgamentos ou preconceitos. Típica série boa para aquele sábado chuvoso onde não queremos nada muito profundo, apenas curtir bons episódios - como fazíamos antigamente com os boxes de DVDs.
Vale o seu play!
Poucos filmes me incomodaram tanto pela realidade brutal quanto "Depois de Lucia". Essa produção mexicana que recebeu o prêmio “Un Certain Regard”, no Festival de Cannes de 2012, discute o bullying de uma forma tão visceral que é quase insuportável assistir as quase duas horas de filme - ele é tão provocador e profundo na sua proposta que gostaríamos que a história durasse pelo menos mais trinta minutos para que todos os "pontos nos is" fossem colocados. De fato a sensação não é agradável, ou seja, não estamos falando de entretenimento, por outro lado, a mensagem que mais vinha na minha cabeça de pai (de menina) era: precisamos olhar pelos nossos filhos, sempre!
Quando a esposa de Roberto (Gonzalo Vega Jr.) morre em um acidente de carro, a relação dele com sua filha Alejandra (Tessa Ia), de 15 anos, fica abalada. Para escapar da tristeza que toma conta da rotina dos dois, pai e filha deixam a cidade de Vallarda e rumam para a Cidade do México em busca de uma nova vida. Alejandra ingressa em um novo colégio, e passa a sentir toda a dificuldade de começar de novo quando, gratuitamente, começa sofrer abusos físicos e emocionais dos colegas. Envergonhada, a menina não conta nada para o pai, e à medida que a violência toma conta da vida dos dois, eles vão se afastando cada vez mais. Confira o trailer:
Se é preciso falar sobre bullying, assistir "Depois de Lucia" é um bom começo - embora a jornada seja das mais penosas e não porquê o filme seja ruim, muito pelo contrário, mas porquê ele é muito bom! As sensações que o diretor Michel Franco consegue nos provocar são doloridas, reflexivas, revoltantes até. Aqui, é impossível não se conectar com Ale e, claro, entender as dores de Roberto - e o filme não se apropria de diálogos expositivos ou de qualquer tipo de verborragia, são as ações, muitas vezes em silêncio, que nos tocam a alma.
Se em "13 Reasons Why" o conceito narrativo se apropriou de uma linguagem mais jovem para equilibrar a seriedade do assunto com uma certa leveza visual para expor a influência dos personagens (e do meio) no destino da protagonista, em "Depois de Lucia" o tom é praticamente o inverso - o drama é pesado e o terror psicológico é quase o ponto de partida do segundo ato. Veja, Franco não economiza nos planos mais longos, cirurgicamente ensaiados e extremamente bem dirigidos em um mise-en-scène tão bem executado que chega a soar que os diálogos são improvisados dado o poder da naturalidade dos jovens atores - de todos. A câmera está sempre no lugar certo para contar a história, muitas vezes estática e abdicando da gramática usual do "plano e contra-plano", tudo isso para nos colocar na raiz do problema, no olho do furacão, com a terrível função de apenas observar, tornando o filme (e a experiência) bastante desconfortável.
Tecnicamente o bullying é um mecanismo grupal através de onde um bode expiatório, objeto de projeções maciças do grupo, é escolhido e sacrificado. É uma forma patológica de manejar as tensões do grupo, descarregando sobre um de seus membros, geralmente o mais frágil e indefeso, a agressividade de todos. Dito isso, não se pode fechar os olhos para o problema, já que muitas das atitudes do grupo se apoiam na desculpa da imaturidade para se safar das responsabilidades. O filme explora perfeitamente essa dinâmica e, mais uma vez, mesmo indigesto, consegue nos fazer refletir e, principalmente, abrir os olhos para um problema que só vem piorando, de geração para geração.
Se você já for pai, assista. Se ainda não for, esteja preparado.
Vale muito o seu play!
Poucos filmes me incomodaram tanto pela realidade brutal quanto "Depois de Lucia". Essa produção mexicana que recebeu o prêmio “Un Certain Regard”, no Festival de Cannes de 2012, discute o bullying de uma forma tão visceral que é quase insuportável assistir as quase duas horas de filme - ele é tão provocador e profundo na sua proposta que gostaríamos que a história durasse pelo menos mais trinta minutos para que todos os "pontos nos is" fossem colocados. De fato a sensação não é agradável, ou seja, não estamos falando de entretenimento, por outro lado, a mensagem que mais vinha na minha cabeça de pai (de menina) era: precisamos olhar pelos nossos filhos, sempre!
Quando a esposa de Roberto (Gonzalo Vega Jr.) morre em um acidente de carro, a relação dele com sua filha Alejandra (Tessa Ia), de 15 anos, fica abalada. Para escapar da tristeza que toma conta da rotina dos dois, pai e filha deixam a cidade de Vallarda e rumam para a Cidade do México em busca de uma nova vida. Alejandra ingressa em um novo colégio, e passa a sentir toda a dificuldade de começar de novo quando, gratuitamente, começa sofrer abusos físicos e emocionais dos colegas. Envergonhada, a menina não conta nada para o pai, e à medida que a violência toma conta da vida dos dois, eles vão se afastando cada vez mais. Confira o trailer:
Se é preciso falar sobre bullying, assistir "Depois de Lucia" é um bom começo - embora a jornada seja das mais penosas e não porquê o filme seja ruim, muito pelo contrário, mas porquê ele é muito bom! As sensações que o diretor Michel Franco consegue nos provocar são doloridas, reflexivas, revoltantes até. Aqui, é impossível não se conectar com Ale e, claro, entender as dores de Roberto - e o filme não se apropria de diálogos expositivos ou de qualquer tipo de verborragia, são as ações, muitas vezes em silêncio, que nos tocam a alma.
Se em "13 Reasons Why" o conceito narrativo se apropriou de uma linguagem mais jovem para equilibrar a seriedade do assunto com uma certa leveza visual para expor a influência dos personagens (e do meio) no destino da protagonista, em "Depois de Lucia" o tom é praticamente o inverso - o drama é pesado e o terror psicológico é quase o ponto de partida do segundo ato. Veja, Franco não economiza nos planos mais longos, cirurgicamente ensaiados e extremamente bem dirigidos em um mise-en-scène tão bem executado que chega a soar que os diálogos são improvisados dado o poder da naturalidade dos jovens atores - de todos. A câmera está sempre no lugar certo para contar a história, muitas vezes estática e abdicando da gramática usual do "plano e contra-plano", tudo isso para nos colocar na raiz do problema, no olho do furacão, com a terrível função de apenas observar, tornando o filme (e a experiência) bastante desconfortável.
Tecnicamente o bullying é um mecanismo grupal através de onde um bode expiatório, objeto de projeções maciças do grupo, é escolhido e sacrificado. É uma forma patológica de manejar as tensões do grupo, descarregando sobre um de seus membros, geralmente o mais frágil e indefeso, a agressividade de todos. Dito isso, não se pode fechar os olhos para o problema, já que muitas das atitudes do grupo se apoiam na desculpa da imaturidade para se safar das responsabilidades. O filme explora perfeitamente essa dinâmica e, mais uma vez, mesmo indigesto, consegue nos fazer refletir e, principalmente, abrir os olhos para um problema que só vem piorando, de geração para geração.
Se você já for pai, assista. Se ainda não for, esteja preparado.
Vale muito o seu play!
Se você gosta do estilo "Buscando..." de drama policial, pode dar o play tranquilamente em "Desaparecida" que seu entretenimento está garantido. Essa produção dirigida pelos novatos Nicholas D. Johnson e Will Merrick, ambos montadores de "Buscando...", não decepciona em nada, pelo contrário, é até mais dinâmico que seu antecessor. No entanto, também é preciso que se diga, que aqui percebemos uma dificuldade maior em criar aquela sensação claustrofobia que o diretor russo Timur Bekmambetov impôs com maestria na produção de 2018 - afinal é inegável que o estilo found footage tinha mais fôlego na época, mas nem por isso "Missing" (no original) deixa de ser bem criativo.
Quando sua mãe Grace (Nia Long) desaparece enquanto estava de férias na Colômbia com seu novo namorado, a busca de June (Storm Reid) por respostas é prejudicada pela burocracia internacional. Embora os agentes Park (Daniel Henney) e Heather (Amy Landecker) assegurem à filha preocupada que estão fazendo tudo ao seu alcance, o tempo acaba jogando contra. Presa a milhares de quilômetros de distância em Los Angeles, June usa todas as tecnologias à sua disposição para tentar encontrar sua mãe antes que seja tarde demais. Conforme ela se aprofunda, suas investigações levantam mais perguntas do que respostas. Não apenas a informação sobre o novo namorado de sua mãe, Kevin (Ken Leung), é mais do que preocupante, como também os mistérios envolvendo sua mãe, transformam essa jornada em algo surpreendente e angustiante. Confira o trailer:
Nesse tipo de produção a "forma" se sobrepõe ao "conteúdo" em um primeiro olhar, claro. É até muito bacana como os roteiros vão se adaptando à toda essa evolução tecnológica, e a cada nova incursão ao estilo, sempre percebemos um sopro de inovação e criatividade - a própria Sony usou desse conceito para vender "Desaparecida" como uma espécie de antologia que começou com "Buscando..." e que certamente deve ter outras histórias pela frente.
Pensando na narrativa em si, o que encontramos em "Desaparecida" é uma linha temporal habilmente estruturada, alternando entre diferentes modos de enxergar uma situação, respeitando os limites das telas, o que contribui e muito para a construção da tensão em torno do mistério envolvendo Grace e Kevin. Reparem como a fórmula, mesmo repetida, funciona perfeitamente, nos dando a impressão de que, a medida que a investigação avança, somos levados a questionar todos os personagens e a formular nossas próprias teorias sobre o que realmente aconteceu. Talvez esteja aí o grande valor desse estilo gameficado do screen life!
Johnson e Merrick, de fato, criam uma atmosfera palpável de angústia e insegurança, trabalhando as cores e a estética a partir de uma paleta de cores mais sombria, onde o desenho de som e o silêncio em cena transformam toda aquela ambientação em algo muito mais melancólico - e Storm Reid também cumpre muito bem essa missão como protagonista. Veja, cada cena é cuidadosamente enquadrada pelo fotógrafo Steven Holleran (que esteve na segunda unidade de "Creed II") para transmitir a sensação de isolamento e desorientação que June enfrenta, intensificando ainda mais esse mood de suspense.
"Desaparecida" não deixa de nos provocar reflexões sobre nossas responsabilidades e pontuais culpas. O filme não se prende em explorar as repercussões que um evento traumático na vida de uma criança pode causar, mas também não deixa de questionar suas ações adolescente e como elas podem afetar aqueles ao seu redor. Dito isso, temos aqui mais um filme interessante e divertido que combina uma narrativa intrigante, com ótimas atuações e uma atmosfera intensa que nos leva em uma jornada das mais envolventes.
Vale o seu play!
Se você gosta do estilo "Buscando..." de drama policial, pode dar o play tranquilamente em "Desaparecida" que seu entretenimento está garantido. Essa produção dirigida pelos novatos Nicholas D. Johnson e Will Merrick, ambos montadores de "Buscando...", não decepciona em nada, pelo contrário, é até mais dinâmico que seu antecessor. No entanto, também é preciso que se diga, que aqui percebemos uma dificuldade maior em criar aquela sensação claustrofobia que o diretor russo Timur Bekmambetov impôs com maestria na produção de 2018 - afinal é inegável que o estilo found footage tinha mais fôlego na época, mas nem por isso "Missing" (no original) deixa de ser bem criativo.
Quando sua mãe Grace (Nia Long) desaparece enquanto estava de férias na Colômbia com seu novo namorado, a busca de June (Storm Reid) por respostas é prejudicada pela burocracia internacional. Embora os agentes Park (Daniel Henney) e Heather (Amy Landecker) assegurem à filha preocupada que estão fazendo tudo ao seu alcance, o tempo acaba jogando contra. Presa a milhares de quilômetros de distância em Los Angeles, June usa todas as tecnologias à sua disposição para tentar encontrar sua mãe antes que seja tarde demais. Conforme ela se aprofunda, suas investigações levantam mais perguntas do que respostas. Não apenas a informação sobre o novo namorado de sua mãe, Kevin (Ken Leung), é mais do que preocupante, como também os mistérios envolvendo sua mãe, transformam essa jornada em algo surpreendente e angustiante. Confira o trailer:
Nesse tipo de produção a "forma" se sobrepõe ao "conteúdo" em um primeiro olhar, claro. É até muito bacana como os roteiros vão se adaptando à toda essa evolução tecnológica, e a cada nova incursão ao estilo, sempre percebemos um sopro de inovação e criatividade - a própria Sony usou desse conceito para vender "Desaparecida" como uma espécie de antologia que começou com "Buscando..." e que certamente deve ter outras histórias pela frente.
Pensando na narrativa em si, o que encontramos em "Desaparecida" é uma linha temporal habilmente estruturada, alternando entre diferentes modos de enxergar uma situação, respeitando os limites das telas, o que contribui e muito para a construção da tensão em torno do mistério envolvendo Grace e Kevin. Reparem como a fórmula, mesmo repetida, funciona perfeitamente, nos dando a impressão de que, a medida que a investigação avança, somos levados a questionar todos os personagens e a formular nossas próprias teorias sobre o que realmente aconteceu. Talvez esteja aí o grande valor desse estilo gameficado do screen life!
Johnson e Merrick, de fato, criam uma atmosfera palpável de angústia e insegurança, trabalhando as cores e a estética a partir de uma paleta de cores mais sombria, onde o desenho de som e o silêncio em cena transformam toda aquela ambientação em algo muito mais melancólico - e Storm Reid também cumpre muito bem essa missão como protagonista. Veja, cada cena é cuidadosamente enquadrada pelo fotógrafo Steven Holleran (que esteve na segunda unidade de "Creed II") para transmitir a sensação de isolamento e desorientação que June enfrenta, intensificando ainda mais esse mood de suspense.
"Desaparecida" não deixa de nos provocar reflexões sobre nossas responsabilidades e pontuais culpas. O filme não se prende em explorar as repercussões que um evento traumático na vida de uma criança pode causar, mas também não deixa de questionar suas ações adolescente e como elas podem afetar aqueles ao seu redor. Dito isso, temos aqui mais um filme interessante e divertido que combina uma narrativa intrigante, com ótimas atuações e uma atmosfera intensa que nos leva em uma jornada das mais envolventes.
Vale o seu play!
O novo filmedirigido pelo Spike Lee é extremamente interessante por inverter o processo de re-adaptação de um ex-combatente da Guerra do Vietnã. Enquanto o retorno para casa sempre guiou essa jornada, o diretor faz justamente uma provocação: o que aconteceria se soldados veteranosvoltassem ao Vietnã décadas depois? "Destacamento Blood" segue o conceito narrativo que Lee vem experimentando e que chamou tanto a atenção em "Infiltrado na Klan" - onde ele usa e abusa do seu repertório "multi-plataforma" para promover algum tipo de crítica social ou para expôr algum assunto político que precisa ser discutido!
Em "Destacamento Blood" acompanhamos quatro ex-soldados, não por acaso, negros, que retornam ao Vietnã com o objetivo de encontrar o corpo de um dos membros do destacamento, morto durante a guerra. Acontece que, na verdade, eles querem mesmo é reaver uma grande quantia de ouro que esconderam na época em que estavam em combate. Confira o trailer:
Embora no primeiro momento "Destacamento Blood" tenha um ar quase romântico de um "road movie", onde velhos amigos se reunem para (re)viver alguma grande experiência e finalmente encontrar uma espécie de "paz espiritual", logo percebemos que o filme vai muito além, nos surpreendendo com as várias camadas que Spike Lee nos mostra, sem a menor pressa, com o intuito de desmistificar a complexidade que é lidar com os fantasmas da Guerra. Acontece que os personagens trazem para si a humanidade de serem únicos, ou seja, o trauma se manifesta de maneira diferente entre eles e isso faz com que o conflito se instale de uma forma tão orgânica que fica completamente justificado o mapa mental do diretor ao conectar fatos reais com a ficção - mesmo que em alguns momentos possa parecer didático demais. A "grande experiência" que os amigos buscam está lá, claro, mas a forma como ela vai se materializando é que faz de "Destacamento Blood" o primeiro grande lançamento de 2020 - só por isso já valeria o seu play, mas tenha certeza: o filme tem muito mais para oferecer!
O roteiro é muito inteligente em alternar duas linhas temporais para nos mostrar o valor da amizade entre um grupo de soldados negros, mesmo com ideologias diferentes - e aqui já cabe um comentário sobre a direção de Lee: ele é extremamente inventivo desde as transições entre essas épocas distintas ao tipo de janela que ele usa para contar a história. Embora não seja nada original usar o 4:3 para definir o que é passado e o 16:9 para estabelecer o que é o presente, Lee vai além, ele divide os aspectos da imagem da seguinte forma: "1.33 : 1" nas cenas do passado, "1.85 : 1" para as cenas do presente que se passam na floresta e "2.39 : 1" para as cenas urbanas do presente. Além disso, o diretor brinca com diversas formas de captação de imagens, usando câmeras com negativos 8mm, 16 mm (o que trás aquele visual mais granulado para as cenas) até câmeras digitais, mais tradicionais nos dias de hoje!
Eu sei que as informações acima podem parecer técnicas demais, mas basta reparar na forma como cada fase da história é mostrada na tela que ficará fácil entender a razão pela qual Lee escolheu misturar tantas técnicas e tecnologias. Vale lembrar que o diretor de fotografia do filme é o Newton Thomas Sigel, muito elogiado pela sua criatividade no, também da Netflix, "Resgate"! Outro ponto alto de "Destacamento Blood" é o trabalho do elenco e o equilíbrio perfeito entre o drama e a comédia - se a leveza marca o tom dos primeiros minutos, a sua transformação é tão bem executada durante o segundo ato que temos a impressão de se tratar de um outro filme. O grande destaque, sem dúvida, é Delroy Lindo como Paul - pode ter certeza que, mesmo ainda sendo muito cedo, ele já entra como potencial indicado para o Oscar 2021! Uma decisão criativa do Spike Lee que favoreceu a exposição do elenco principal é que, mesmo em flashbacks,as cenas são interpretadas pelos mesmos atores e sem nenhuma caracterização para rejuvenescê-los, criando assim uma relação quase imaginativa para as cenas de combate - ficou lindo!
"Destacamento Blood" não é um filme de guerra; é notavelmente um drama bem estruturado onde a jornada dos personagens é apresentada em diferentes camadas para classificar as diferentes formas de lidar com o mesmo fantasma! Como todo filme de um diretor com uma identidade tão forte como o Spike Lee, você não vai encontrar uma obra fácil, ou superficial. Suas citações históricas e até a exposição contundente de sua luta, surgem dentro de um contexto que poucos seriam capazes de fazer e isso pode até diminuir a força dramática existente no imaginário de quem procura dramas de guerra, mas tranquilamente vai fortalecer a discussão sobre como lidar com personagens que nada mais são do que o reflexo histórico de uma nação desigual!
O novo filmedirigido pelo Spike Lee é extremamente interessante por inverter o processo de re-adaptação de um ex-combatente da Guerra do Vietnã. Enquanto o retorno para casa sempre guiou essa jornada, o diretor faz justamente uma provocação: o que aconteceria se soldados veteranosvoltassem ao Vietnã décadas depois? "Destacamento Blood" segue o conceito narrativo que Lee vem experimentando e que chamou tanto a atenção em "Infiltrado na Klan" - onde ele usa e abusa do seu repertório "multi-plataforma" para promover algum tipo de crítica social ou para expôr algum assunto político que precisa ser discutido!
Em "Destacamento Blood" acompanhamos quatro ex-soldados, não por acaso, negros, que retornam ao Vietnã com o objetivo de encontrar o corpo de um dos membros do destacamento, morto durante a guerra. Acontece que, na verdade, eles querem mesmo é reaver uma grande quantia de ouro que esconderam na época em que estavam em combate. Confira o trailer:
Embora no primeiro momento "Destacamento Blood" tenha um ar quase romântico de um "road movie", onde velhos amigos se reunem para (re)viver alguma grande experiência e finalmente encontrar uma espécie de "paz espiritual", logo percebemos que o filme vai muito além, nos surpreendendo com as várias camadas que Spike Lee nos mostra, sem a menor pressa, com o intuito de desmistificar a complexidade que é lidar com os fantasmas da Guerra. Acontece que os personagens trazem para si a humanidade de serem únicos, ou seja, o trauma se manifesta de maneira diferente entre eles e isso faz com que o conflito se instale de uma forma tão orgânica que fica completamente justificado o mapa mental do diretor ao conectar fatos reais com a ficção - mesmo que em alguns momentos possa parecer didático demais. A "grande experiência" que os amigos buscam está lá, claro, mas a forma como ela vai se materializando é que faz de "Destacamento Blood" o primeiro grande lançamento de 2020 - só por isso já valeria o seu play, mas tenha certeza: o filme tem muito mais para oferecer!
O roteiro é muito inteligente em alternar duas linhas temporais para nos mostrar o valor da amizade entre um grupo de soldados negros, mesmo com ideologias diferentes - e aqui já cabe um comentário sobre a direção de Lee: ele é extremamente inventivo desde as transições entre essas épocas distintas ao tipo de janela que ele usa para contar a história. Embora não seja nada original usar o 4:3 para definir o que é passado e o 16:9 para estabelecer o que é o presente, Lee vai além, ele divide os aspectos da imagem da seguinte forma: "1.33 : 1" nas cenas do passado, "1.85 : 1" para as cenas do presente que se passam na floresta e "2.39 : 1" para as cenas urbanas do presente. Além disso, o diretor brinca com diversas formas de captação de imagens, usando câmeras com negativos 8mm, 16 mm (o que trás aquele visual mais granulado para as cenas) até câmeras digitais, mais tradicionais nos dias de hoje!
Eu sei que as informações acima podem parecer técnicas demais, mas basta reparar na forma como cada fase da história é mostrada na tela que ficará fácil entender a razão pela qual Lee escolheu misturar tantas técnicas e tecnologias. Vale lembrar que o diretor de fotografia do filme é o Newton Thomas Sigel, muito elogiado pela sua criatividade no, também da Netflix, "Resgate"! Outro ponto alto de "Destacamento Blood" é o trabalho do elenco e o equilíbrio perfeito entre o drama e a comédia - se a leveza marca o tom dos primeiros minutos, a sua transformação é tão bem executada durante o segundo ato que temos a impressão de se tratar de um outro filme. O grande destaque, sem dúvida, é Delroy Lindo como Paul - pode ter certeza que, mesmo ainda sendo muito cedo, ele já entra como potencial indicado para o Oscar 2021! Uma decisão criativa do Spike Lee que favoreceu a exposição do elenco principal é que, mesmo em flashbacks,as cenas são interpretadas pelos mesmos atores e sem nenhuma caracterização para rejuvenescê-los, criando assim uma relação quase imaginativa para as cenas de combate - ficou lindo!
"Destacamento Blood" não é um filme de guerra; é notavelmente um drama bem estruturado onde a jornada dos personagens é apresentada em diferentes camadas para classificar as diferentes formas de lidar com o mesmo fantasma! Como todo filme de um diretor com uma identidade tão forte como o Spike Lee, você não vai encontrar uma obra fácil, ou superficial. Suas citações históricas e até a exposição contundente de sua luta, surgem dentro de um contexto que poucos seriam capazes de fazer e isso pode até diminuir a força dramática existente no imaginário de quem procura dramas de guerra, mas tranquilamente vai fortalecer a discussão sobre como lidar com personagens que nada mais são do que o reflexo histórico de uma nação desigual!
"Diana", filme que erroneamente foi vendido como uma cinebiografia, é uma espécie de "Um Lugar Chamado Notting Hill" da vida real - e não falo isso com demérito algum, mas é preciso alinhar as expectativas para que você não se decepcione com o recorte (e o caminho) escolhido para contar como foram os dois últimos anos de vida da princesa Diana, entre sua chocante entrevista para e jornalista Martin Bashir do programaPanorama, da BBC, em novembro de 1995 até sua morte em 31 de agosto de 1997, em Paris.
O filme mostra, basicamente, a princesa Diana (Naomi Watts), a mulher mais famosa do mundo na época, embarcando em um caso de amor complicado com um homem simples e reservado, o cirurgião cardíaco paquistanês Hasnat Khan (Naveen Andrews). Confira o trailer (em inglês):
Dirigido por Oliver Hirschbiegel (de "A Queda! As Últimas Horas de Hitler"), "Diana" é um filme agradável de assistir, mas funciona muito mais como curiosidade do que por sua narrativa dramática e cheia de camadas de uma protagonista complexa que todos conhecem seu destino. "Diana" é um sopro do que poderia representar uma cinebiografia de uma personalidade com esse tamanho, embora o roteiro Stephen Jeffreys, inspirado no livro de Kate Snell, "Diana Her Last Love'", deixe claro isso desde o seu início, ou seja, em hipótese nenhuma, depois do play, pode-se dizer que a audiência foi enganada. Tirando algumas passagens como quando Diana cruza o olhar com o médico Hasnat Khan e na cena seguinte ela já está sonhando com a cabeça no travesseiro, toda apaixonada; Hirschbiegel e Jeffreys foram muito felizes em expor alguns detalhes da intimidade da princesa sem precisar coloca-la em um pedestal. Se sua fama destruiu sua privacidade, afastou o que seria seu grande amor e a separou de seus filhos, seu ativismo em causas nobres e a forma como ela manipulava a imprensa também ajudou a transformar sua vida - a passagem que mostra sua relação com o repórter do "The Sun" para vazar as famosas fotos dela com Dodi Fayed (Cas Anvar) em seu iate, é um bom exemplo disso.
Muito bem fotografado pelo suíço Rainer Klausmann (do excelente "Em Pedaços"), "Diana" não compromete em absolutamente nenhum elemento técnico ou artístico. Naomi Watts fez um excelente trabalho - uma construção de personagem que merece elogios e, principalmente, com uma consciência corporal bastante competente, trazendo para tela vários trejeitos da Diana que, ao lado da maquiagem, facilmente nos transportam para o passado.
O farto é que "Diana" deixa um gostinho de "quero mais" por imaginarmos que sua vida seria muito mais interessante do que a que foi retratada no filme - mas repito, isso não diminui o valor da historia já que esse não era o objetivo e ponto final! Talvez em "The Crown" ou em "Spencer", filme dirigido por Pablo Larraín e com Kristen Stewart como protagonista, tenhamos isso. A questão do desejo das pessoas em viver uma vida através das atitudes de seus ídolos e o papel da mídia sensacionalista inglesa nisso tudo é até mencionada, mas sem muita força. Então lembre-se: "Diana" é "Um Lugar Chamado Notting Hill" da vida real e mais nada!
Dito isso, vale o play tranquilamente!
"Diana", filme que erroneamente foi vendido como uma cinebiografia, é uma espécie de "Um Lugar Chamado Notting Hill" da vida real - e não falo isso com demérito algum, mas é preciso alinhar as expectativas para que você não se decepcione com o recorte (e o caminho) escolhido para contar como foram os dois últimos anos de vida da princesa Diana, entre sua chocante entrevista para e jornalista Martin Bashir do programaPanorama, da BBC, em novembro de 1995 até sua morte em 31 de agosto de 1997, em Paris.
O filme mostra, basicamente, a princesa Diana (Naomi Watts), a mulher mais famosa do mundo na época, embarcando em um caso de amor complicado com um homem simples e reservado, o cirurgião cardíaco paquistanês Hasnat Khan (Naveen Andrews). Confira o trailer (em inglês):
Dirigido por Oliver Hirschbiegel (de "A Queda! As Últimas Horas de Hitler"), "Diana" é um filme agradável de assistir, mas funciona muito mais como curiosidade do que por sua narrativa dramática e cheia de camadas de uma protagonista complexa que todos conhecem seu destino. "Diana" é um sopro do que poderia representar uma cinebiografia de uma personalidade com esse tamanho, embora o roteiro Stephen Jeffreys, inspirado no livro de Kate Snell, "Diana Her Last Love'", deixe claro isso desde o seu início, ou seja, em hipótese nenhuma, depois do play, pode-se dizer que a audiência foi enganada. Tirando algumas passagens como quando Diana cruza o olhar com o médico Hasnat Khan e na cena seguinte ela já está sonhando com a cabeça no travesseiro, toda apaixonada; Hirschbiegel e Jeffreys foram muito felizes em expor alguns detalhes da intimidade da princesa sem precisar coloca-la em um pedestal. Se sua fama destruiu sua privacidade, afastou o que seria seu grande amor e a separou de seus filhos, seu ativismo em causas nobres e a forma como ela manipulava a imprensa também ajudou a transformar sua vida - a passagem que mostra sua relação com o repórter do "The Sun" para vazar as famosas fotos dela com Dodi Fayed (Cas Anvar) em seu iate, é um bom exemplo disso.
Muito bem fotografado pelo suíço Rainer Klausmann (do excelente "Em Pedaços"), "Diana" não compromete em absolutamente nenhum elemento técnico ou artístico. Naomi Watts fez um excelente trabalho - uma construção de personagem que merece elogios e, principalmente, com uma consciência corporal bastante competente, trazendo para tela vários trejeitos da Diana que, ao lado da maquiagem, facilmente nos transportam para o passado.
O farto é que "Diana" deixa um gostinho de "quero mais" por imaginarmos que sua vida seria muito mais interessante do que a que foi retratada no filme - mas repito, isso não diminui o valor da historia já que esse não era o objetivo e ponto final! Talvez em "The Crown" ou em "Spencer", filme dirigido por Pablo Larraín e com Kristen Stewart como protagonista, tenhamos isso. A questão do desejo das pessoas em viver uma vida através das atitudes de seus ídolos e o papel da mídia sensacionalista inglesa nisso tudo é até mencionada, mas sem muita força. Então lembre-se: "Diana" é "Um Lugar Chamado Notting Hill" da vida real e mais nada!
Dito isso, vale o play tranquilamente!
Em um mundo onde as finanças parecem dominadas por grandes corporações e fundos de investimento, "Dinheiro Fácil" surge como um "tapa na cara" em quem se acha imbatível ao mostrar como um grupo de pequenos investidores conseguiu mudar o jogo de poder no caso da GameStop. Mas antes de analisar o filme eu sugiro dois documentários essenciais para elevar sua experiência como audiência, são eles: "GameStop contra Wall Street"da Netflix e "Gaming Wall Street", também da HBO. Dito isso, já posso afirmar que aqui temos uma trama imperdível para quem gosta do assunto e mesmo vendido como uma comédia, pode considerar que esse filme dirigido por Craig Gillespie está muito mais para um drama com fortes elementos de ironia - aliás, com um ótimo conceito narrativo bem parecido com um dos mais recentes projetos de Gillespie, "Pam & Tommy".
Basicamente, "Dinheiro Fácil" conta a história real de um grupo de investidores amadores do Reddit que causaram um grande caos em Wall Street após apostarem nas ações da GameStop, uma rede de eletrônicos americana que andava muito mal da pernas. O movimento que durou cerca de um ano e foi organizado no fórum "WallStreetBets" pelo influencer Keith Gill (Paul Dano), foi se viralizando com o tempo e com isso fez as ações da empresa, inesperadamente, dispararem - ou seja, todos os fundos que apostavam contra a GameStop perderam muito dinheiro, escancarando a fragilidade do sistema. Confira o trailer:
Na linha "Davi x Golias", "Dinheiro Fácil" vai muito além daquele tipo de filme onde os ricos se dão mal e os underdogs fazem fortuna. Não, aqui as roteiristas Lauren Schuker Blum e Rebecca Angelo (ambas de "Orange is the New Black") se preocupam muito mais em entreter do que em fazer uma completa dramatização do que realmente aconteceu em 2021 - na verdade o filme nem perde tempo com minúcias e explicações sobre o mercado de ações, por isso a importância de saber sobre "do que" se trata a história. Gillespie brilha por sua capacidade de contar uma história real, envolvente e incrivelmente relevante nos dias de hoje sem ser didático demais - ele sabe equilibrar os momentos de drama e tensão, com alívios de humor e humanidade que dão o tom de maneira muito fluída.
As performances dos atores seguram essa proposta do diretor com muita competência. Paul Dano captura perfeitamente a jornada de auto-descoberta e resiliência do seu personagem sem parecer aquele "herói dos fracos e oprimidos" que a mídia desenhou na época - aliás, as controversas sobre Keith Gill são até maiores do que as mostradas no filme. Seth Rogen como o executivo/investidor Gabe Plotkin também brilha - embora pareça uma versão engomadinha do seu Rand Gauthier de "Pam & Tommy". Outro ponto que vale sua observação diz respeito a fotografia do Nicolas Karakatsanis (de "Cruella") - com sua paleta vibrante e dinâmica, ela nos transporta para os bastidores do frenesi financeiro daquele ano de pandemia ao mesmo tempo que retrata a angustia e a ansiedade de quem apostava "a favor" e "contra" a GameStop - um belo trabalho.
Veja, "Dinheiro Fácil" é cirúrgica ao oferecer uma análise crítica sobre o sistema financeiro americano e o poder da comunidade online nos dias de hoje, mas sem esquecer do entretenimento. Se o filme questiona as noções tradicionais sobre investimentos, ele também sabe provocar uma reflexão sobre a natureza do capitalismo e a busca pelo custo de oportunidade fantasiado de "justiça" financeira. Baseado no livro The Antisocial Network (do jornalista Ben Mezrich) esse filme é um excelente exemplo de como transformar um tema complicado em uma envolvente fábula sobre como uma corda (nem) sempre estoura do lado mais fraco.
Vale muito o seu play!
Em um mundo onde as finanças parecem dominadas por grandes corporações e fundos de investimento, "Dinheiro Fácil" surge como um "tapa na cara" em quem se acha imbatível ao mostrar como um grupo de pequenos investidores conseguiu mudar o jogo de poder no caso da GameStop. Mas antes de analisar o filme eu sugiro dois documentários essenciais para elevar sua experiência como audiência, são eles: "GameStop contra Wall Street"da Netflix e "Gaming Wall Street", também da HBO. Dito isso, já posso afirmar que aqui temos uma trama imperdível para quem gosta do assunto e mesmo vendido como uma comédia, pode considerar que esse filme dirigido por Craig Gillespie está muito mais para um drama com fortes elementos de ironia - aliás, com um ótimo conceito narrativo bem parecido com um dos mais recentes projetos de Gillespie, "Pam & Tommy".
Basicamente, "Dinheiro Fácil" conta a história real de um grupo de investidores amadores do Reddit que causaram um grande caos em Wall Street após apostarem nas ações da GameStop, uma rede de eletrônicos americana que andava muito mal da pernas. O movimento que durou cerca de um ano e foi organizado no fórum "WallStreetBets" pelo influencer Keith Gill (Paul Dano), foi se viralizando com o tempo e com isso fez as ações da empresa, inesperadamente, dispararem - ou seja, todos os fundos que apostavam contra a GameStop perderam muito dinheiro, escancarando a fragilidade do sistema. Confira o trailer:
Na linha "Davi x Golias", "Dinheiro Fácil" vai muito além daquele tipo de filme onde os ricos se dão mal e os underdogs fazem fortuna. Não, aqui as roteiristas Lauren Schuker Blum e Rebecca Angelo (ambas de "Orange is the New Black") se preocupam muito mais em entreter do que em fazer uma completa dramatização do que realmente aconteceu em 2021 - na verdade o filme nem perde tempo com minúcias e explicações sobre o mercado de ações, por isso a importância de saber sobre "do que" se trata a história. Gillespie brilha por sua capacidade de contar uma história real, envolvente e incrivelmente relevante nos dias de hoje sem ser didático demais - ele sabe equilibrar os momentos de drama e tensão, com alívios de humor e humanidade que dão o tom de maneira muito fluída.
As performances dos atores seguram essa proposta do diretor com muita competência. Paul Dano captura perfeitamente a jornada de auto-descoberta e resiliência do seu personagem sem parecer aquele "herói dos fracos e oprimidos" que a mídia desenhou na época - aliás, as controversas sobre Keith Gill são até maiores do que as mostradas no filme. Seth Rogen como o executivo/investidor Gabe Plotkin também brilha - embora pareça uma versão engomadinha do seu Rand Gauthier de "Pam & Tommy". Outro ponto que vale sua observação diz respeito a fotografia do Nicolas Karakatsanis (de "Cruella") - com sua paleta vibrante e dinâmica, ela nos transporta para os bastidores do frenesi financeiro daquele ano de pandemia ao mesmo tempo que retrata a angustia e a ansiedade de quem apostava "a favor" e "contra" a GameStop - um belo trabalho.
Veja, "Dinheiro Fácil" é cirúrgica ao oferecer uma análise crítica sobre o sistema financeiro americano e o poder da comunidade online nos dias de hoje, mas sem esquecer do entretenimento. Se o filme questiona as noções tradicionais sobre investimentos, ele também sabe provocar uma reflexão sobre a natureza do capitalismo e a busca pelo custo de oportunidade fantasiado de "justiça" financeira. Baseado no livro The Antisocial Network (do jornalista Ben Mezrich) esse filme é um excelente exemplo de como transformar um tema complicado em uma envolvente fábula sobre como uma corda (nem) sempre estoura do lado mais fraco.
Vale muito o seu play!
Simplesmente imperdível - pela trama e pelo selo do multi-premiado Alfonso Cuarón (vencedor de 4 Oscars com "Roma" e "Gravidade"). Certamente, "Disclaimer" já surge como forte candidata para "Melhor Minissérie de 2024" - e não é nenhum exagero. Essa minissérie da AppleTV+, criada e dirigida por Cuarón, adapta o thriller psicológico homônimo de Renée Knight, com muita competência. Ao explorar as consequências dos segredos e traumas enterrados no passado, o diretor mexicano traz o esmero de sua visão cinematográfica para criar uma narrativa impactante e cheia de tensão. Assim como em obras como "O Segredo dos Seus Olhos" e "Big Little Lies", "Disclaimer" vai revelando camadas de uma história complexa, que envolve a audiência desde os primeiros minutos em uma trama carregada de mistérios, de memórias reprimidas e de conflitos íntimos e pessoais que ameaçam não só desestabilizar a vida dos protagonistas como também transformar seu futuro.
A trama, basicamente, segue Catherine Ravenscroft (Cate Blanchett), uma jornalista investigativa renomada, cuja vida aparentemente estável começa a desmoronar quando ela recebe um livro misterioso que parece revelar segredos obscuros do seu passado. O livro expõe detalhes de um evento traumático e de uma relação extra-conjugal que ela acreditava estar enterrada há 20 anos, obrigando-a a confrontar memórias dolorosas e a lidar com ameaças à sua vida pessoal e profissional. Paralelamente, o autor do livro, Stephen Brigstocke (Kevin Kline), uma figura enigmática e perturbadora, parece ter um interesse mais do que pessoal em Catherine e em sua história, o que gera uma crescente tensão entre os dois, impactando diretamente no casamento e na relação da jornalista com seu filho. Confira o trailer:
Alfonso Cuarón, em sua estreia dirigindo uma minissérie, traz para o streaming sua assinatura visual incontestável - com planos longos, lindos enquadramentos, movimentos de câmera fluidos e um trabalho focado no elenco, pontuando a introspecção como ninguém, Cuarón constrói um drama profundo que se desenrola lentamente, permitindo que o mistério e as nuances dos personagens se revelem de forma gradual. Seu trabalho minucioso cria uma atmosfera de paranoia constante, onde a linha entre verdade e ilusão é frequentemente questionada pela audiência, refletindo como a fragilidade da memória e os efeitos devastadores do trauma podem ser devastadores mesmo tantos anos depois. O roteiro, também de Cuarón, adapta a obra de Knight com muita fidelidade, mas não deixa de incorporar elementos visuais e simbólicos que adicionam camadas muito interessantes para a narrativa. Veja, "Disclaimer" não se limita a ser um thriller psicológico com forte apelo sexual ao melhor estilo "Instinto Selvagem", ela também discute temas mais dramáticos como o peso da culpa ou a busca por perdão, sempre explorando o verdadeiro impacto das escolhas do passado.
Com um roteiro que utiliza a dualidade de uma obra literária como um símbolo de confronto interno, onde Catherine precisa lidar com suas memórias mais sombrias, e a relação com o autor como um reflexo de tensão entre o desejo de esconder algo e a necessidade de enfrentá-lo, Cate Blanchett surge com uma atuação poderosa, transmitindo a complexidade de uma mulher que, ao mesmo tempo que tenta se proteger, precisa enfrentar algumas verdades que ameaçam destruir tudo o que ela construiu. Blanchett domina a cena com um misto de intensidade e vulnerabilidade, mostrando o desgaste emocional da personagem enquanto lida com a pressão do arrependimento (ou da falta dele). Kevin Kline, por outro lado, também entrega uma performance inquietante, nesse caso oscilando entre a fragilidade e a ameaça, criando uma dinâmica intrigante e perigosa com a protagonista que vale o aplauso.
"Disclaimer" é mais um acerto da AppleTV+ e mesmo que alguns possam considerar lenta demais, te garanto: vale muito pela forma como Cuarón brinca com nossa percepção de "certo e errado" em uma narrativa que se concentra mais no desenvolvimento psicológico dos personagens do que em reviravoltas que tendem a surpreender a audiência. Essa escolha é tão intencional quanto acertada, afinal é ela que reforça o tom introspectivo da história e que potencializa as ambiguidades de uma conclusão que deixa espaço para múltiplas interpretações, ou seja, não espere respostas fáceis e sim uma jornada empolgante que vai te tirar da zona de conforto e te provocar muitas discussões (e teorias)!
Vale demais o seu play!
Simplesmente imperdível - pela trama e pelo selo do multi-premiado Alfonso Cuarón (vencedor de 4 Oscars com "Roma" e "Gravidade"). Certamente, "Disclaimer" já surge como forte candidata para "Melhor Minissérie de 2024" - e não é nenhum exagero. Essa minissérie da AppleTV+, criada e dirigida por Cuarón, adapta o thriller psicológico homônimo de Renée Knight, com muita competência. Ao explorar as consequências dos segredos e traumas enterrados no passado, o diretor mexicano traz o esmero de sua visão cinematográfica para criar uma narrativa impactante e cheia de tensão. Assim como em obras como "O Segredo dos Seus Olhos" e "Big Little Lies", "Disclaimer" vai revelando camadas de uma história complexa, que envolve a audiência desde os primeiros minutos em uma trama carregada de mistérios, de memórias reprimidas e de conflitos íntimos e pessoais que ameaçam não só desestabilizar a vida dos protagonistas como também transformar seu futuro.
A trama, basicamente, segue Catherine Ravenscroft (Cate Blanchett), uma jornalista investigativa renomada, cuja vida aparentemente estável começa a desmoronar quando ela recebe um livro misterioso que parece revelar segredos obscuros do seu passado. O livro expõe detalhes de um evento traumático e de uma relação extra-conjugal que ela acreditava estar enterrada há 20 anos, obrigando-a a confrontar memórias dolorosas e a lidar com ameaças à sua vida pessoal e profissional. Paralelamente, o autor do livro, Stephen Brigstocke (Kevin Kline), uma figura enigmática e perturbadora, parece ter um interesse mais do que pessoal em Catherine e em sua história, o que gera uma crescente tensão entre os dois, impactando diretamente no casamento e na relação da jornalista com seu filho. Confira o trailer:
Alfonso Cuarón, em sua estreia dirigindo uma minissérie, traz para o streaming sua assinatura visual incontestável - com planos longos, lindos enquadramentos, movimentos de câmera fluidos e um trabalho focado no elenco, pontuando a introspecção como ninguém, Cuarón constrói um drama profundo que se desenrola lentamente, permitindo que o mistério e as nuances dos personagens se revelem de forma gradual. Seu trabalho minucioso cria uma atmosfera de paranoia constante, onde a linha entre verdade e ilusão é frequentemente questionada pela audiência, refletindo como a fragilidade da memória e os efeitos devastadores do trauma podem ser devastadores mesmo tantos anos depois. O roteiro, também de Cuarón, adapta a obra de Knight com muita fidelidade, mas não deixa de incorporar elementos visuais e simbólicos que adicionam camadas muito interessantes para a narrativa. Veja, "Disclaimer" não se limita a ser um thriller psicológico com forte apelo sexual ao melhor estilo "Instinto Selvagem", ela também discute temas mais dramáticos como o peso da culpa ou a busca por perdão, sempre explorando o verdadeiro impacto das escolhas do passado.
Com um roteiro que utiliza a dualidade de uma obra literária como um símbolo de confronto interno, onde Catherine precisa lidar com suas memórias mais sombrias, e a relação com o autor como um reflexo de tensão entre o desejo de esconder algo e a necessidade de enfrentá-lo, Cate Blanchett surge com uma atuação poderosa, transmitindo a complexidade de uma mulher que, ao mesmo tempo que tenta se proteger, precisa enfrentar algumas verdades que ameaçam destruir tudo o que ela construiu. Blanchett domina a cena com um misto de intensidade e vulnerabilidade, mostrando o desgaste emocional da personagem enquanto lida com a pressão do arrependimento (ou da falta dele). Kevin Kline, por outro lado, também entrega uma performance inquietante, nesse caso oscilando entre a fragilidade e a ameaça, criando uma dinâmica intrigante e perigosa com a protagonista que vale o aplauso.
"Disclaimer" é mais um acerto da AppleTV+ e mesmo que alguns possam considerar lenta demais, te garanto: vale muito pela forma como Cuarón brinca com nossa percepção de "certo e errado" em uma narrativa que se concentra mais no desenvolvimento psicológico dos personagens do que em reviravoltas que tendem a surpreender a audiência. Essa escolha é tão intencional quanto acertada, afinal é ela que reforça o tom introspectivo da história e que potencializa as ambiguidades de uma conclusão que deixa espaço para múltiplas interpretações, ou seja, não espere respostas fáceis e sim uma jornada empolgante que vai te tirar da zona de conforto e te provocar muitas discussões (e teorias)!
Vale demais o seu play!
"Disque Jane" vai te surpreender! Primeiro por ser uma história baseada em fatos reais e segundo por ser uma jornada tão envolvente capaz de provocar, além de muitas reflexões, inúmeros questionamentos sobre o aborto. Agora é preciso dizer: é inegável o tom ativista do filme, por outro lado, o filme de estreia da até então roteirista Phyllis Nagy (indicada ao Oscar por "Carol" em 2015), consegue equilibrar muito bem uma trama pautada no processo de transformação da protagonista (na linha de "Breaking Bad"), com todo contexto politico e social da mulher na Chicago do final dos anos 60.
A vida feliz de Joy (Elizabeth Banks), junto de sua família, se desestabiliza quando a tão desejada gravidez passa a ser um risco para a sua vida. Temendo pelo pior, ela busca ajuda médica, que se recusa a ajuda-la pelas leis da época. Sua jornada para encontrar uma solução acaba a levando até o grupo chamado "Janes" (The Jane Collective), uma organização clandestina de mulheres que lhe dará uma alternativa mais segura para seu problema, em um processo que mudará sua vida para sempre. Confira o trailer (em inglês):
"Disque Jane" foi apresentado no Festival de Berlin em 2022 com potencial de levar o Urso de Ouro (que acabou ficando com o espanhol "Alcarrás" de Carla Simon) e sem dúvida que isso chancela o interesse da audiência em conhecer a história de Joy. No entanto, alguns elementos do roteiro escrito pela Hayley Schore e pelo Roshan Sethi parecem não se conectar com a proposta inicial de Nagy de apenas contar um boa história de empoderamento - existem alguns diálogos que saem um pouco do tom por justamente parecer lacrar demais. Isso não é um problema, eu diria, mas é inegável que incomoda, principalmente por deixar de lado embates muito mais interessantes sobre ética e, por consequência, conflitos morais que colocariam camadas mais profundas no amadurecimento da personagem. No final, a impressão que fica, é que fosse uma série, os roteiristas teriam um material maravilhoso para trabalhar - Kate Mara (como Lana) que o diga.
Chama atenção, sem a menor dúvida, a performance de Elizabeth Banks (fique atento ao trabalho dessa atriz, em breve ela estará no Oscar, pode apostar) - seu trabalho é muito consistente e, aqui, provavelmente o melhor de sua carreira. Banks tem a capacidade de despertar empatia mesmo quando notavelmente está cometendo um crime - reparem como ao longo do filme, em alguns momentos realmente dramáticos, ela equilibra tão bem o silêncio com o texto mais expositivo, que temos a exata noção do tamanho de sua dor (ou de suas dúvidas como mulher). Sigourney Weaver como a manda-chuva, Virginia, e Cory Michael Smith, como o jovem médico, Dean, também merecem elogios.
Mesmo que "Call Jane" (no original) passe essa sensação de pressa ou de superficialidade ao tentar fechar rapidamente todas as pontas que ficariam abertas, ainda assim considero o filme um ótimo drama, bem estruturado, bem dirigido (sem grandes destaques conceituais, é verdade) e com ótimas performances, capaz de colocar o dedo em alguns temas delicados que ainda hoje merecem o debate em todas as esferas da sociedade e que vão dialogar com grande parte da audiência feminina.
Pode dar o play sem medo que as conversas pós-créditos estão garantidas.
"Disque Jane" vai te surpreender! Primeiro por ser uma história baseada em fatos reais e segundo por ser uma jornada tão envolvente capaz de provocar, além de muitas reflexões, inúmeros questionamentos sobre o aborto. Agora é preciso dizer: é inegável o tom ativista do filme, por outro lado, o filme de estreia da até então roteirista Phyllis Nagy (indicada ao Oscar por "Carol" em 2015), consegue equilibrar muito bem uma trama pautada no processo de transformação da protagonista (na linha de "Breaking Bad"), com todo contexto politico e social da mulher na Chicago do final dos anos 60.
A vida feliz de Joy (Elizabeth Banks), junto de sua família, se desestabiliza quando a tão desejada gravidez passa a ser um risco para a sua vida. Temendo pelo pior, ela busca ajuda médica, que se recusa a ajuda-la pelas leis da época. Sua jornada para encontrar uma solução acaba a levando até o grupo chamado "Janes" (The Jane Collective), uma organização clandestina de mulheres que lhe dará uma alternativa mais segura para seu problema, em um processo que mudará sua vida para sempre. Confira o trailer (em inglês):
"Disque Jane" foi apresentado no Festival de Berlin em 2022 com potencial de levar o Urso de Ouro (que acabou ficando com o espanhol "Alcarrás" de Carla Simon) e sem dúvida que isso chancela o interesse da audiência em conhecer a história de Joy. No entanto, alguns elementos do roteiro escrito pela Hayley Schore e pelo Roshan Sethi parecem não se conectar com a proposta inicial de Nagy de apenas contar um boa história de empoderamento - existem alguns diálogos que saem um pouco do tom por justamente parecer lacrar demais. Isso não é um problema, eu diria, mas é inegável que incomoda, principalmente por deixar de lado embates muito mais interessantes sobre ética e, por consequência, conflitos morais que colocariam camadas mais profundas no amadurecimento da personagem. No final, a impressão que fica, é que fosse uma série, os roteiristas teriam um material maravilhoso para trabalhar - Kate Mara (como Lana) que o diga.
Chama atenção, sem a menor dúvida, a performance de Elizabeth Banks (fique atento ao trabalho dessa atriz, em breve ela estará no Oscar, pode apostar) - seu trabalho é muito consistente e, aqui, provavelmente o melhor de sua carreira. Banks tem a capacidade de despertar empatia mesmo quando notavelmente está cometendo um crime - reparem como ao longo do filme, em alguns momentos realmente dramáticos, ela equilibra tão bem o silêncio com o texto mais expositivo, que temos a exata noção do tamanho de sua dor (ou de suas dúvidas como mulher). Sigourney Weaver como a manda-chuva, Virginia, e Cory Michael Smith, como o jovem médico, Dean, também merecem elogios.
Mesmo que "Call Jane" (no original) passe essa sensação de pressa ou de superficialidade ao tentar fechar rapidamente todas as pontas que ficariam abertas, ainda assim considero o filme um ótimo drama, bem estruturado, bem dirigido (sem grandes destaques conceituais, é verdade) e com ótimas performances, capaz de colocar o dedo em alguns temas delicados que ainda hoje merecem o debate em todas as esferas da sociedade e que vão dialogar com grande parte da audiência feminina.
Pode dar o play sem medo que as conversas pós-créditos estão garantidas.
Não por acaso gosto de afirmar que a maravilha do streaming está na possibilidade de ter contato com filmes como "Divertimento"! Sim, essa é uma história improvável que merecia ser contada e mesmo com um roteiro que deixa algumas pontas soltas, eu te adianto: é impossível não se apaixonar pela história de Zahia Ziouali. Não se preocupe, eu sei que você nem imagina quem seja Zahia Ziouali, natural (eu também nunca tinha ouvido falar); e é justamente por isso que esse filme é tão bacana e merece ser visto - ele vai deixar o seu coração bem quentinho e será difícil tirar o sorriso do rosto por alguns minutos após os créditos! Dirigido por Marie-Castille Mention-Schaar (de "Os Herdeiros"), "Divertimento" é um drama francês inspirado em eventos reais que celebra a paixão pela música e a luta pela igualdade e diversidade no mundo das artes. Através da história de Ziouani, conhecemos uma jovem maestrina de origem argelina que, contra todas as adversidades, luta para realizar seu sonho de liderar uma orquestra sinfônica. Saiba que o filme é mais do que um simples relato sobre superação; é uma reflexão sobre a importância da resiliência e a força transformadora da arte perante a sociedade.
A trama se passa em 1995 e segue Zahia Ziouani (Oulaya Amamra), uma jovem talentosa e ambiciosa de apenas 17 anos que deseja se tornar regente em um universo predominantemente masculino e elitista. Vinda de um subúrbio parisiense, ela enfrenta todo tipo de preconceito enquanto tenta abrir seu próprio caminho no mundo da música clássica. Para alcançar esse objetivo, Zahia decide fundar sua própria orquestra, a Divertimento, onde busca não apenas realizar seus sonhos, mas também oferecer oportunidades para jovens talentos que, como ela e sua irmã Fettouma (Lina El Arabi), foram historicamente excluídos dos palcos tradicionais. Confira o trailer:
"Divertimento" usa da força e do talento da sua protagonista para abordar a questão da representatividade e da inclusão na música clássica, um campo frequentemente associado a uma elite cultural e econômica. O filme não se esquiva de retratar os obstáculos enfrentados por Zahia, desde o preconceito racial até a resistência do establishment musical em aceitar uma jovem mulher de origem árabe como líder de uma orquestra na França dos anos 90. A diretora Marie-Castille Mention-Schaar constrói uma narrativa que é uma homenagem ao talento e a paixão pela música, mas também uma crítica social que questiona as barreiras impostas por uma sociedade inegavelmente machista. A direção de Mention-Schaar é sensível e cuidadosa ao tocar em temas tão sensíveis, evitando o melodrama gratuito e focando muito mais na autenticidade da história de Zahia do que no vitimismo. O filme, nesse sentido, se destaca por seu realismo, utilizando a música como um elemento narrativo que transcende palavras e emoções, servindo como um meio de expressão e, principalmente, de resistência - as cenas em que Zahia conduz a orquestra são particularmente emocionantes, transmitindo a beleza e a intensidade da música clássica de uma forma que captura a audiência, mesmo para aqueles que não são tão familiarizados com esse tipo de arte.
Oulaya Amamra entrega uma atuação poderosa como Zahia, capturando a determinação da personagem, mas também a vulnerabilidade e a insegurança de uma garota de 17 anos. Amamra transmite com autenticidade o peso das expectativas e dos desafios que Zahia enfrenta, ao mesmo tempo que mostra sua paixão ardente pela música que a impulsiona. A forma como Amamra conduz sua personagem é magnética, com uma presença carismática e nuances emocionais primorosas - novamente: é impossível não se conectar com sua jornada. Outro ponto que merece ser observado é a forma como o roteiro sabe lidar com a relação entre a música e a identidade cultural, no entanto Clara Bourreau, que co-escreve com Mention-Schaar, vacila ao querer discutir tantos polis ao ponto de ficar sem tempo de tela para entregar o que ficou apenas sugerido como conflito.
Aproveitando dos contrastes visuais entre os cenários do subúrbio parisiense e os espaços clássicos e imponentes das salas de concerto, "Divertimento" usa da dicotomia entre a origem humilde de Zahia e o mundo elitista da música que ela deseja conquistar, para reforçar o caráter transformador da arte. Emocionante e inspirador, o filme combina a beleza da música com uma mensagem poderosa e atual sobre igualdade. Até por se tratar de um recorte biográfico, é possível afirmar que o filme não é apenas um tributo ao poder da música, mas também à força de uma mulher que, apesar de todas as adversidades, lutou para fazer da sua paixão uma realidade e um exemplo!
Imperdível!
Não por acaso gosto de afirmar que a maravilha do streaming está na possibilidade de ter contato com filmes como "Divertimento"! Sim, essa é uma história improvável que merecia ser contada e mesmo com um roteiro que deixa algumas pontas soltas, eu te adianto: é impossível não se apaixonar pela história de Zahia Ziouali. Não se preocupe, eu sei que você nem imagina quem seja Zahia Ziouali, natural (eu também nunca tinha ouvido falar); e é justamente por isso que esse filme é tão bacana e merece ser visto - ele vai deixar o seu coração bem quentinho e será difícil tirar o sorriso do rosto por alguns minutos após os créditos! Dirigido por Marie-Castille Mention-Schaar (de "Os Herdeiros"), "Divertimento" é um drama francês inspirado em eventos reais que celebra a paixão pela música e a luta pela igualdade e diversidade no mundo das artes. Através da história de Ziouani, conhecemos uma jovem maestrina de origem argelina que, contra todas as adversidades, luta para realizar seu sonho de liderar uma orquestra sinfônica. Saiba que o filme é mais do que um simples relato sobre superação; é uma reflexão sobre a importância da resiliência e a força transformadora da arte perante a sociedade.
A trama se passa em 1995 e segue Zahia Ziouani (Oulaya Amamra), uma jovem talentosa e ambiciosa de apenas 17 anos que deseja se tornar regente em um universo predominantemente masculino e elitista. Vinda de um subúrbio parisiense, ela enfrenta todo tipo de preconceito enquanto tenta abrir seu próprio caminho no mundo da música clássica. Para alcançar esse objetivo, Zahia decide fundar sua própria orquestra, a Divertimento, onde busca não apenas realizar seus sonhos, mas também oferecer oportunidades para jovens talentos que, como ela e sua irmã Fettouma (Lina El Arabi), foram historicamente excluídos dos palcos tradicionais. Confira o trailer:
"Divertimento" usa da força e do talento da sua protagonista para abordar a questão da representatividade e da inclusão na música clássica, um campo frequentemente associado a uma elite cultural e econômica. O filme não se esquiva de retratar os obstáculos enfrentados por Zahia, desde o preconceito racial até a resistência do establishment musical em aceitar uma jovem mulher de origem árabe como líder de uma orquestra na França dos anos 90. A diretora Marie-Castille Mention-Schaar constrói uma narrativa que é uma homenagem ao talento e a paixão pela música, mas também uma crítica social que questiona as barreiras impostas por uma sociedade inegavelmente machista. A direção de Mention-Schaar é sensível e cuidadosa ao tocar em temas tão sensíveis, evitando o melodrama gratuito e focando muito mais na autenticidade da história de Zahia do que no vitimismo. O filme, nesse sentido, se destaca por seu realismo, utilizando a música como um elemento narrativo que transcende palavras e emoções, servindo como um meio de expressão e, principalmente, de resistência - as cenas em que Zahia conduz a orquestra são particularmente emocionantes, transmitindo a beleza e a intensidade da música clássica de uma forma que captura a audiência, mesmo para aqueles que não são tão familiarizados com esse tipo de arte.
Oulaya Amamra entrega uma atuação poderosa como Zahia, capturando a determinação da personagem, mas também a vulnerabilidade e a insegurança de uma garota de 17 anos. Amamra transmite com autenticidade o peso das expectativas e dos desafios que Zahia enfrenta, ao mesmo tempo que mostra sua paixão ardente pela música que a impulsiona. A forma como Amamra conduz sua personagem é magnética, com uma presença carismática e nuances emocionais primorosas - novamente: é impossível não se conectar com sua jornada. Outro ponto que merece ser observado é a forma como o roteiro sabe lidar com a relação entre a música e a identidade cultural, no entanto Clara Bourreau, que co-escreve com Mention-Schaar, vacila ao querer discutir tantos polis ao ponto de ficar sem tempo de tela para entregar o que ficou apenas sugerido como conflito.
Aproveitando dos contrastes visuais entre os cenários do subúrbio parisiense e os espaços clássicos e imponentes das salas de concerto, "Divertimento" usa da dicotomia entre a origem humilde de Zahia e o mundo elitista da música que ela deseja conquistar, para reforçar o caráter transformador da arte. Emocionante e inspirador, o filme combina a beleza da música com uma mensagem poderosa e atual sobre igualdade. Até por se tratar de um recorte biográfico, é possível afirmar que o filme não é apenas um tributo ao poder da música, mas também à força de uma mulher que, apesar de todas as adversidades, lutou para fazer da sua paixão uma realidade e um exemplo!
Imperdível!