"O diabo de cada dia" foi uma agradável surpresa e embora muita gente possa discordar, é um grande filme! Existe uma linha tênue entre violência e religiosidade, que veio se intensificando através dos anos e o filme soube trabalhar esses elementos dentro de um universo bem particular e, de fato, fez todo o sentido na jornada de cada um dos personagens.
Baseado no livro homônimo de Donald Ray Pollock, The Devil All the Time (mas que aqui no Brasil recebeu o título de "O mal nosso de cada dia"), o filme acompanha diversos personagens num canto esquecido de Ohio, nos EUA, entre a Segunda Guerra Mundial e a Guerra do Vietnã, que, de alguma forma, foram impactados pelos efeitos da violência e/ou pela fé, como justificativa de suas escolhas ou do seu destino. Sim, eu sei que parece confuso ou filosófico demais, mas veja o trailer e tudo passará a fazer um pouco mais sentido:
Talvez o único comentário que se faça necessário é que o filme não é um suspense, não tem nenhum elemento sobrenatural e muito menos é superficial. O terror e a violência existem, mas é o ser humano e a forma como ele interpreta alguns dogmas, que fazem de "O diabo de cada dia" realmente assustador - eu diria que é o terror do cotidiano, da ignorância, do extremismo, mas tudo isso contado de um forma bastante inteligente e dinâmica - sem falar no ótimo trabalho de direção, desenho de produção e edição! Típico filme que se fosse uma série da HBO levaria todos os prêmios possíveis nas premiações - e isso é um baita elogio!
Um dos pontos altos "O diabo de cada dia" é o seu roteiro! Por se tratar de uma adaptação, muito se especula sobre a qualidade ou sobre a fidelidade em relação ao livro. Pois bem, aqui já saímos tendo o escritor da obra ao lado dos roteiristas, Antonio e Paulo Campos, e isso fica muito claro pelas escolhas narrativas que encontramos no filme - o próprio Donald Ray Pollock é o narrador, o que dá o tom certo para a história.
Por se tratar de quatro histórias que vão se encontrando até fechar um grande ciclo, algumas resoluções acabam levando para um epílogo um pouco óbvio, mas isso não atrapalha em nada nossa experiência, já que é impossível saber qual será, exatamente, o fim de cada um dos personagens - e posso garantir que somos surpreendidos no encerramento de quase todas essas sub-tramas que servem como peças de um enorme quebra-cabeça. Veja, no primeiro ato conhecemos Willard Russell (Bill Skarsgard), um atormentado veterano de guerra, que sobreviveu à segunda guerra. Ele não consegue salvar sua jovem esposa, Charlotte (Haley Bennett), de um câncer, mesmo com toda sua fé e devoção. Já Carl (Jason Clarke) e Sandy Henderson (Riley Keough), se conhecem na mesma época que Russel e sua esposa, porém acabam se transformando em um casal de assassinos em série graças ao fetiche de Carl em fotografar Sandy com outros homens. No segundo ato, seguimos Arvin Russell (Tom Holland), órfão de Willard e Charlotte, que cresceu para ser um homem bom, mas que começa a demonstrar comportamentos violentos quando passa a desconfiar que o novo líder religioso da cidade, Preston Teagardin (Robert Pattinson) está abusando de sua irmã adotiva Lenora (Eliza Scanlen), filha da primeira vítima de Carl e Sandy.
Entendeu a dinâmica? E esse foi só um exemplo de como as histórias vão se cruzando. Existem outras sub-tramas que mereciam, inclusive, mais tempo de desenvolvimento - por isso aquele comentário sobre quanto seria bacana se "O diabo de cada dia" fosse uma minissérie! Com relação a produção, eu só posso elogiar: a reconstrução de época, desde as escolhas das locações até todo o trabalho de arte, está impecável - digno de prêmios. A fotografia do inglês Lol Crawley (The OA) é muito bonita e junto com a direção de Campos, fazem fluir a história sem muita inventividade, mas com ótimas escolhas de enquadramentos, extremamente alinhados com um elenco do mais alto nível - destaques para Bill Skarsgard, Tom Holland e Robert Pattinson!
"O diabo de cada dia" é tecnicamente competente para retratar um drama perturbador, com cenas violentas e histórias de embrulhar o estômago. O realismo que vemos na narrativa é completamente necessário e atual - principalmente se interpretarmos algumas passagens de uma maneira mais alegórica. Ele nos provoca uma dura reflexão: por que dois conceitos tão antagônicos como "religião" e "violência" andam tão próximos, sempre? Nós até sabemos a resposta, claro, mas as escolhas do filme vão nos conduzindo para a certeza de que o ser humano tem uma capacidade impressionante de deturpar conceitos em função das suas próprias escolhas, do seu ego ou até das expectativas de uma interpretação que apenas ele acredita que esteja sempre correta, custe o que custar!
"O diabo de cada dia" foi uma agradável surpresa e embora muita gente possa discordar, é um grande filme! Existe uma linha tênue entre violência e religiosidade, que veio se intensificando através dos anos e o filme soube trabalhar esses elementos dentro de um universo bem particular e, de fato, fez todo o sentido na jornada de cada um dos personagens.
Baseado no livro homônimo de Donald Ray Pollock, The Devil All the Time (mas que aqui no Brasil recebeu o título de "O mal nosso de cada dia"), o filme acompanha diversos personagens num canto esquecido de Ohio, nos EUA, entre a Segunda Guerra Mundial e a Guerra do Vietnã, que, de alguma forma, foram impactados pelos efeitos da violência e/ou pela fé, como justificativa de suas escolhas ou do seu destino. Sim, eu sei que parece confuso ou filosófico demais, mas veja o trailer e tudo passará a fazer um pouco mais sentido:
Talvez o único comentário que se faça necessário é que o filme não é um suspense, não tem nenhum elemento sobrenatural e muito menos é superficial. O terror e a violência existem, mas é o ser humano e a forma como ele interpreta alguns dogmas, que fazem de "O diabo de cada dia" realmente assustador - eu diria que é o terror do cotidiano, da ignorância, do extremismo, mas tudo isso contado de um forma bastante inteligente e dinâmica - sem falar no ótimo trabalho de direção, desenho de produção e edição! Típico filme que se fosse uma série da HBO levaria todos os prêmios possíveis nas premiações - e isso é um baita elogio!
Um dos pontos altos "O diabo de cada dia" é o seu roteiro! Por se tratar de uma adaptação, muito se especula sobre a qualidade ou sobre a fidelidade em relação ao livro. Pois bem, aqui já saímos tendo o escritor da obra ao lado dos roteiristas, Antonio e Paulo Campos, e isso fica muito claro pelas escolhas narrativas que encontramos no filme - o próprio Donald Ray Pollock é o narrador, o que dá o tom certo para a história.
Por se tratar de quatro histórias que vão se encontrando até fechar um grande ciclo, algumas resoluções acabam levando para um epílogo um pouco óbvio, mas isso não atrapalha em nada nossa experiência, já que é impossível saber qual será, exatamente, o fim de cada um dos personagens - e posso garantir que somos surpreendidos no encerramento de quase todas essas sub-tramas que servem como peças de um enorme quebra-cabeça. Veja, no primeiro ato conhecemos Willard Russell (Bill Skarsgard), um atormentado veterano de guerra, que sobreviveu à segunda guerra. Ele não consegue salvar sua jovem esposa, Charlotte (Haley Bennett), de um câncer, mesmo com toda sua fé e devoção. Já Carl (Jason Clarke) e Sandy Henderson (Riley Keough), se conhecem na mesma época que Russel e sua esposa, porém acabam se transformando em um casal de assassinos em série graças ao fetiche de Carl em fotografar Sandy com outros homens. No segundo ato, seguimos Arvin Russell (Tom Holland), órfão de Willard e Charlotte, que cresceu para ser um homem bom, mas que começa a demonstrar comportamentos violentos quando passa a desconfiar que o novo líder religioso da cidade, Preston Teagardin (Robert Pattinson) está abusando de sua irmã adotiva Lenora (Eliza Scanlen), filha da primeira vítima de Carl e Sandy.
Entendeu a dinâmica? E esse foi só um exemplo de como as histórias vão se cruzando. Existem outras sub-tramas que mereciam, inclusive, mais tempo de desenvolvimento - por isso aquele comentário sobre quanto seria bacana se "O diabo de cada dia" fosse uma minissérie! Com relação a produção, eu só posso elogiar: a reconstrução de época, desde as escolhas das locações até todo o trabalho de arte, está impecável - digno de prêmios. A fotografia do inglês Lol Crawley (The OA) é muito bonita e junto com a direção de Campos, fazem fluir a história sem muita inventividade, mas com ótimas escolhas de enquadramentos, extremamente alinhados com um elenco do mais alto nível - destaques para Bill Skarsgard, Tom Holland e Robert Pattinson!
"O diabo de cada dia" é tecnicamente competente para retratar um drama perturbador, com cenas violentas e histórias de embrulhar o estômago. O realismo que vemos na narrativa é completamente necessário e atual - principalmente se interpretarmos algumas passagens de uma maneira mais alegórica. Ele nos provoca uma dura reflexão: por que dois conceitos tão antagônicos como "religião" e "violência" andam tão próximos, sempre? Nós até sabemos a resposta, claro, mas as escolhas do filme vão nos conduzindo para a certeza de que o ser humano tem uma capacidade impressionante de deturpar conceitos em função das suas próprias escolhas, do seu ego ou até das expectativas de uma interpretação que apenas ele acredita que esteja sempre correta, custe o que custar!
"O Farol" ("The Lighthouse", título original) do diretor de "A Bruxa", Robert Eggers, é uma experiência sensorial incrível, porém se apoia em um tipo de narrativa pouco convencional e isso, certamente, vai dividir opiniões - eu diria que é uma experiência bem parecida com a de assistir "Pi" do Darren Aronofsky.
Na história, dois marinheiros: um veterano, Thomas Wake (Willem Dafoe) e um novato, Ephraim Winslow (Robert Pattinson); são enviados para uma ilha, aparentemente, remota, para cuidar da manutenção de um farol. Ambos precisam dividir algumas tarefas e conviver como "colegas de quarto" até que novos marinheiros possam substituí-los. Claro, não demora muito para que a diferença de hierarquia imposta pelo veterano Wake passe a incomodar Winslow tornando esse isolamento, o tédio do dia a dia e a própria convivência entre os dois, insuportável. Confira o trailer:
Como o já mencionado "Pi", "O Farol" é quase um tratado da loucura, ao analisar o comportamento humano quando levado aos extremos - e aqui cabe um observação interessante: existe uma espécie de mitologia entre marinheiros, com lendas e superstições que praticamente moldam o caráter e o respeito dessa classe perante o mar e é justamente a partir desse conceito que os personagens direcionam suas ações durante todo o filme. O grande problema é que a linha tênue entre a realidade e a imaginação vai praticamente se desfazendo conforme os dias vão passando naquele ambiente tão particular e a constante tensão entre Wake e Winslow apenas acelera esse movimento, ou seja, a partir do segundo ato, o filme nos provoca a esperar sempre o pior, já que os limites aceitáveis de uma relação entre duas pessoas simplesmente desaparece! Não espere sustos, o horror não está naquilo que vemos e sim no que sentimos - lembrem-se disso!
O diretor e seu irmão Max Eggers escreveram um roteiro primoroso, que pode até causar um certo estranhamento inicial, já que os diálogos foram construídos em cima de um inglês mais antigo, com linguajar próprio de "velhos homens do mar"! Esse toque conceitual está completamente alinhado com a estética visual do filme: branco e preto, filmado em um aspecto 1.19:1 (mais fechado que os 4:3 das TVs antigas), em 35mm e com lentes da década de 1930. A própria captação do som foi feita em "mono" o que nos provoca uma certa sensação claustrofóbica, de abafado, potencializando a angústia dos personagens, sempre espremidos em ambientes escuros, sujos, mal cuidados. O desenho de som e a trilha sonora do Mark Korven misturam elementos metálicos e graves, ensurdecedores, que dialogam perfeitamente com um certo zumbido do mau tempo constante da ilha!
A direção de Robert Eggers é espetacular, como em seu filme anterior, ele cuida de cada detalhe para que nossa experiência seja inesquecível - e de fato ele alcança esse objetivo. Se possível, assista esse filme com o som bem alto e perceba como até o silêncio atua como catalizador de emoções - veja, para muitos, o filme vai parecer muito mais um delírio autoral do que uma narrativa minimamente compreensível! Acontece que essa escolha conceitual serve justamente para construir uma tensão permanente e quando o diretor de fotografia, Jarin Blaschk (única indicação ao Oscar 2020), enquadra os atores, o que encontramos é uma aula de atuação - tanto de Willem Dafoe, quanto de Robert Pattinson - ambos inacreditavelmente esquecidos pela Academia!
O filme tem um estranho tipo de humor, irônico e sombrio, além disso trabalha o simbolismo como poucos - a referência de Aronofsky acaba fazendo muito sentido por esse ponto de vista! Saiba que se trata de uma história repleta de mistérios, tensão e suspense, pontuadas com ritmo cirúrgico da trilha sonora e com uma conclusão sem nenhuma explicação, mas que chega a nos causar um certo alívio. Como na filmografia de Ari Aster de "Hereditário" e "Midsommar" ou da dupla Severin Fiala e Veronika Franz de "O Chalé" e "Boa Noite, Mamãe", assistir o trabalho de Robert Eggers não deve agradar a todos, mas para quem está disposto a embarcar no "pouco convencional", certamente, o entretenimento de qualidade está garantido!
"O Farol" ("The Lighthouse", título original) do diretor de "A Bruxa", Robert Eggers, é uma experiência sensorial incrível, porém se apoia em um tipo de narrativa pouco convencional e isso, certamente, vai dividir opiniões - eu diria que é uma experiência bem parecida com a de assistir "Pi" do Darren Aronofsky.
Na história, dois marinheiros: um veterano, Thomas Wake (Willem Dafoe) e um novato, Ephraim Winslow (Robert Pattinson); são enviados para uma ilha, aparentemente, remota, para cuidar da manutenção de um farol. Ambos precisam dividir algumas tarefas e conviver como "colegas de quarto" até que novos marinheiros possam substituí-los. Claro, não demora muito para que a diferença de hierarquia imposta pelo veterano Wake passe a incomodar Winslow tornando esse isolamento, o tédio do dia a dia e a própria convivência entre os dois, insuportável. Confira o trailer:
Como o já mencionado "Pi", "O Farol" é quase um tratado da loucura, ao analisar o comportamento humano quando levado aos extremos - e aqui cabe um observação interessante: existe uma espécie de mitologia entre marinheiros, com lendas e superstições que praticamente moldam o caráter e o respeito dessa classe perante o mar e é justamente a partir desse conceito que os personagens direcionam suas ações durante todo o filme. O grande problema é que a linha tênue entre a realidade e a imaginação vai praticamente se desfazendo conforme os dias vão passando naquele ambiente tão particular e a constante tensão entre Wake e Winslow apenas acelera esse movimento, ou seja, a partir do segundo ato, o filme nos provoca a esperar sempre o pior, já que os limites aceitáveis de uma relação entre duas pessoas simplesmente desaparece! Não espere sustos, o horror não está naquilo que vemos e sim no que sentimos - lembrem-se disso!
O diretor e seu irmão Max Eggers escreveram um roteiro primoroso, que pode até causar um certo estranhamento inicial, já que os diálogos foram construídos em cima de um inglês mais antigo, com linguajar próprio de "velhos homens do mar"! Esse toque conceitual está completamente alinhado com a estética visual do filme: branco e preto, filmado em um aspecto 1.19:1 (mais fechado que os 4:3 das TVs antigas), em 35mm e com lentes da década de 1930. A própria captação do som foi feita em "mono" o que nos provoca uma certa sensação claustrofóbica, de abafado, potencializando a angústia dos personagens, sempre espremidos em ambientes escuros, sujos, mal cuidados. O desenho de som e a trilha sonora do Mark Korven misturam elementos metálicos e graves, ensurdecedores, que dialogam perfeitamente com um certo zumbido do mau tempo constante da ilha!
A direção de Robert Eggers é espetacular, como em seu filme anterior, ele cuida de cada detalhe para que nossa experiência seja inesquecível - e de fato ele alcança esse objetivo. Se possível, assista esse filme com o som bem alto e perceba como até o silêncio atua como catalizador de emoções - veja, para muitos, o filme vai parecer muito mais um delírio autoral do que uma narrativa minimamente compreensível! Acontece que essa escolha conceitual serve justamente para construir uma tensão permanente e quando o diretor de fotografia, Jarin Blaschk (única indicação ao Oscar 2020), enquadra os atores, o que encontramos é uma aula de atuação - tanto de Willem Dafoe, quanto de Robert Pattinson - ambos inacreditavelmente esquecidos pela Academia!
O filme tem um estranho tipo de humor, irônico e sombrio, além disso trabalha o simbolismo como poucos - a referência de Aronofsky acaba fazendo muito sentido por esse ponto de vista! Saiba que se trata de uma história repleta de mistérios, tensão e suspense, pontuadas com ritmo cirúrgico da trilha sonora e com uma conclusão sem nenhuma explicação, mas que chega a nos causar um certo alívio. Como na filmografia de Ari Aster de "Hereditário" e "Midsommar" ou da dupla Severin Fiala e Veronika Franz de "O Chalé" e "Boa Noite, Mamãe", assistir o trabalho de Robert Eggers não deve agradar a todos, mas para quem está disposto a embarcar no "pouco convencional", certamente, o entretenimento de qualidade está garantido!
O cinema de horror ou de sobrevivência em contextos extremos raramente oferece uma experiência tão visceral e imersiva quanto "O Filho de Saul". Dirigido pelo László Nemes (de "Entardecer"), essa produção húngara foi aclamada com o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes em 2015 e vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2016 - sem falar no BAFTA e no Goya de 2017, e no Critics Choice, no Cézar Awards e no Globo de Ouro também em 2016. Na verdade, esse filme é um testemunho impactante da brutalidade do Holocausto, contudo ao invés de se concentrar na vastidão do terror nazista, o roteiro opta por fazer um retrato íntimo, quase claustrofóbico, acompanhando cada passo de seu protagonista em uma narrativa que é tanto um ato de resistência quanto um grito silencioso de desespero. "O Filho de Saul" não só desafia as convenções do cinema atual sobre o Holocausto, como também redefine o próprio gênero com uma abordagem técnica inovadora e uma profundidade emocional sem paralelo - eu diria até comparável em seu impacto a "A Lista de Schindler" de Steven Spielberg, a "A Vida é Bela" de Roberto Benigni ou até o "Zona de Interesse" de Jonathan Glazer, mas com um realismo e uma intensidade que são inigualáveis.
A história segue Saul Ausländer (Géza Röhrig), um judeu-húngaro prisioneiro em um campo de concentração que trabalha como membro do Sonderkommando - esse era o tipo de prisioneiro que era forçado a ajudar na execução e cremação dos judeus. Em meio a uma dessas "missões", Saul encontra o corpo de uma criança que ele acredita poder ser seu filho. Em um gesto de profunda humanidade (e resistência), ele decide arriscar sua vida para dar aquela criança um enterro adequado, enfrentando obstáculos quase insuperáveis para encontrar um rabino que possa conduzir uma proibida cerimônia religiosa. Confira o trailer:
Partindo de premissa dessa missão desesperada e solitária de Saul que define o arco dramático do filme e traz à tona questões éticas e morais que transcendem o contexto histórico, o que encontramos na tela é um verdadeiro soco no estômago onde tudo, absolutamente tudo, é construído para nos tirar da zona de conforto. Certamente o diferencial técnico mais notável em "O Filho de Saul" seja o uso de uma cinematografia singular. Rodado em 35mm e com uma razão de aspecto de 1.37:1, o diretor de fotografia Mátyás Erdély (de "O Refúgio") captura a experiência do protagonista em closes extremos e com planos longos, o que mantêm o foco restrito no personagem central, enquanto o horror do campo de concentração permanece desfocado e praticamente indefinível no fundo. Essa escolha conceitual não apenas reforça a percepção de confinamento e opressão, mas também faz com que a audiência viva a jornada de Saul de forma quase que em primeira pessoa. Veja, a câmera se torna uma extensão da própria visão do protagonista, nos conduzindo pelos corredores e câmaras de gás de Auschwitz com uma proximidade sufocante e imersiva, que traduz a desumanização e o caos de forma brutalmente eficaz.
É inegável que a atuação contida de Géza Röhrig é fundamental para o sucesso deste experimento narrativo. Seu desempenho contrasta com a agonia e a urgência de sua missão. Röhrig infunde Saul com uma dignidade teimosa e uma dor interna que raramente se expressa através de palavras, mas que transborda a cada gesto e olhar - é um lindo trabalho de ator. O elenco de apoio, incluindo Levente Molnár como Abraham e Urs Rechn como Biedermann também merecem elogios ao complementar essa intensidade, oferecendo performances que, mesmo em papéis menores, contribuem demais para a atmosfera sufocante e tensa. Outros aspectos que merecem sua atenção é a trilha sonora (ou em muitos momentos, a falta dela) e o design de som - essa combinação amplifica nossa experiência de uma forma tão visceral que beira o insuportável. Saiba que em "O Filho de Saul", o silêncio é frequentemente interrompido apenas pelo som ambiente do campo - como em "Zona de Interesse", só ouvimos os gritos, ordens em alemão, tiros, sofrimento e dor. E tem mais: aqui ainda percebemos essa composição se entrelaçando com a respiração e com os passos de Saul, criando uma abordagem sonora minimalista que reforça a autenticidade da experiência e que evita qualquer sensação de sentimentalismo barato, permitindo que a brutalidade daquele cenário fale por si só.
Concluindo, "O Filho de Saul" é uma obra que transcende a mera representação do Holocausto para se tornar um estudo profundo sobre a resistência da humanidade em face da absoluta falta de amor e respeito. Esse é um filme difícil, cheio de identidade, que desafia a audiência a confrontar a brutalidade do passado pela perspectiva perturbadora da realidade, sem oferecer o consolo de uma narrativa mais tradicional. Nemes cria uma experiência cinematográfica que é ao mesmo tempo devastadora e necessária - um testamento à força de vontade e à luta incessante pela dignidade. Um filme que vai além do óbvio e que oferece uma visão angustiante, mas essencial, de uma história que não podemos esquecer.
Imperdível!
O cinema de horror ou de sobrevivência em contextos extremos raramente oferece uma experiência tão visceral e imersiva quanto "O Filho de Saul". Dirigido pelo László Nemes (de "Entardecer"), essa produção húngara foi aclamada com o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes em 2015 e vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2016 - sem falar no BAFTA e no Goya de 2017, e no Critics Choice, no Cézar Awards e no Globo de Ouro também em 2016. Na verdade, esse filme é um testemunho impactante da brutalidade do Holocausto, contudo ao invés de se concentrar na vastidão do terror nazista, o roteiro opta por fazer um retrato íntimo, quase claustrofóbico, acompanhando cada passo de seu protagonista em uma narrativa que é tanto um ato de resistência quanto um grito silencioso de desespero. "O Filho de Saul" não só desafia as convenções do cinema atual sobre o Holocausto, como também redefine o próprio gênero com uma abordagem técnica inovadora e uma profundidade emocional sem paralelo - eu diria até comparável em seu impacto a "A Lista de Schindler" de Steven Spielberg, a "A Vida é Bela" de Roberto Benigni ou até o "Zona de Interesse" de Jonathan Glazer, mas com um realismo e uma intensidade que são inigualáveis.
A história segue Saul Ausländer (Géza Röhrig), um judeu-húngaro prisioneiro em um campo de concentração que trabalha como membro do Sonderkommando - esse era o tipo de prisioneiro que era forçado a ajudar na execução e cremação dos judeus. Em meio a uma dessas "missões", Saul encontra o corpo de uma criança que ele acredita poder ser seu filho. Em um gesto de profunda humanidade (e resistência), ele decide arriscar sua vida para dar aquela criança um enterro adequado, enfrentando obstáculos quase insuperáveis para encontrar um rabino que possa conduzir uma proibida cerimônia religiosa. Confira o trailer:
Partindo de premissa dessa missão desesperada e solitária de Saul que define o arco dramático do filme e traz à tona questões éticas e morais que transcendem o contexto histórico, o que encontramos na tela é um verdadeiro soco no estômago onde tudo, absolutamente tudo, é construído para nos tirar da zona de conforto. Certamente o diferencial técnico mais notável em "O Filho de Saul" seja o uso de uma cinematografia singular. Rodado em 35mm e com uma razão de aspecto de 1.37:1, o diretor de fotografia Mátyás Erdély (de "O Refúgio") captura a experiência do protagonista em closes extremos e com planos longos, o que mantêm o foco restrito no personagem central, enquanto o horror do campo de concentração permanece desfocado e praticamente indefinível no fundo. Essa escolha conceitual não apenas reforça a percepção de confinamento e opressão, mas também faz com que a audiência viva a jornada de Saul de forma quase que em primeira pessoa. Veja, a câmera se torna uma extensão da própria visão do protagonista, nos conduzindo pelos corredores e câmaras de gás de Auschwitz com uma proximidade sufocante e imersiva, que traduz a desumanização e o caos de forma brutalmente eficaz.
É inegável que a atuação contida de Géza Röhrig é fundamental para o sucesso deste experimento narrativo. Seu desempenho contrasta com a agonia e a urgência de sua missão. Röhrig infunde Saul com uma dignidade teimosa e uma dor interna que raramente se expressa através de palavras, mas que transborda a cada gesto e olhar - é um lindo trabalho de ator. O elenco de apoio, incluindo Levente Molnár como Abraham e Urs Rechn como Biedermann também merecem elogios ao complementar essa intensidade, oferecendo performances que, mesmo em papéis menores, contribuem demais para a atmosfera sufocante e tensa. Outros aspectos que merecem sua atenção é a trilha sonora (ou em muitos momentos, a falta dela) e o design de som - essa combinação amplifica nossa experiência de uma forma tão visceral que beira o insuportável. Saiba que em "O Filho de Saul", o silêncio é frequentemente interrompido apenas pelo som ambiente do campo - como em "Zona de Interesse", só ouvimos os gritos, ordens em alemão, tiros, sofrimento e dor. E tem mais: aqui ainda percebemos essa composição se entrelaçando com a respiração e com os passos de Saul, criando uma abordagem sonora minimalista que reforça a autenticidade da experiência e que evita qualquer sensação de sentimentalismo barato, permitindo que a brutalidade daquele cenário fale por si só.
Concluindo, "O Filho de Saul" é uma obra que transcende a mera representação do Holocausto para se tornar um estudo profundo sobre a resistência da humanidade em face da absoluta falta de amor e respeito. Esse é um filme difícil, cheio de identidade, que desafia a audiência a confrontar a brutalidade do passado pela perspectiva perturbadora da realidade, sem oferecer o consolo de uma narrativa mais tradicional. Nemes cria uma experiência cinematográfica que é ao mesmo tempo devastadora e necessária - um testamento à força de vontade e à luta incessante pela dignidade. Um filme que vai além do óbvio e que oferece uma visão angustiante, mas essencial, de uma história que não podemos esquecer.
Imperdível!
"Enemy" (título original) é simplesmente sensacional, mas já aviso: é uma loucura, daqueles de dar nó na cabeça ao melhor estilo Nolan - e por isso pode decepcionar quem busca algo mais, digamos, tradicional!
O filme narra a história de Adam Bell (Jake Gyllenhaal), professor universitário preso a uma monótona rotina diária, que descobre um sósia famoso enquanto assiste a um filme. Intrigado, ele passa a seguir este homem, transformando a vida de ambos em uma loucura. Baseado no livro "O Homem Duplicado" de José Saramago, o filme vai te provocar e fazer com que você busque muitas respostas fora do filme - sim, esse é daqueles que nos faz pensar, discutir, pesquisar por horas!
A força de "O Homem Duplicado" reside justamente em sua habilidade de criar uma atmosfera de tensão e paranoia, alimentada pela atuação magistral de Gyllenhaal. Sua interpretação de dois personagens aparentemente idênticos, mas com nuances distintas, é verdadeiramente impressionante e cativante. Villeneuve, conhecido por sua habilidade em construir tramas cheias de suspense, utiliza cenários sombrios e uma trilha sonora inquietante para mergulhar a audiência na mente perturbada de Adam.
O roteiro de Javier Gullón (de "Invasor") é de uma complexidade e profundidade absurdos. Ao explorar temas como identidade, alienação e desejo, o filme desafia as nossas expectativas a cada nova descoberta e nos convida à reflexão sobre a natureza da realidade e da individualidade sem pedir permissão. A escolha de Villeneuve em manter o mistério e a ambiguidade ao longo da narrativa eleva o filme a um nível absurdo de excelência artística, deixando espaço para interpretações diversas e debates profundos após os créditos.
Além da performance estelar de Gyllenhaal, o elenco de apoio também merece destaque, com atuações sólidas de Mélanie Laurent, Sarah Gadon e Isabella Rossellini. Cada personagem adiciona uma camada adicional à complexidade da trama, contribuindo para a riqueza emocional e intelectual do filme. Dito isso, recomendar "O Homem Duplicado" acaba se tornando fácil, já que é considerada por muitos uma obra-prima do cinema moderno, que combina uma narrativa envolvente, performances excepcionais e uma profundidade temática incomparável.
"Enemy" (título original) é simplesmente sensacional, mas já aviso: é uma loucura, daqueles de dar nó na cabeça ao melhor estilo Nolan - e por isso pode decepcionar quem busca algo mais, digamos, tradicional!
O filme narra a história de Adam Bell (Jake Gyllenhaal), professor universitário preso a uma monótona rotina diária, que descobre um sósia famoso enquanto assiste a um filme. Intrigado, ele passa a seguir este homem, transformando a vida de ambos em uma loucura. Baseado no livro "O Homem Duplicado" de José Saramago, o filme vai te provocar e fazer com que você busque muitas respostas fora do filme - sim, esse é daqueles que nos faz pensar, discutir, pesquisar por horas!
A força de "O Homem Duplicado" reside justamente em sua habilidade de criar uma atmosfera de tensão e paranoia, alimentada pela atuação magistral de Gyllenhaal. Sua interpretação de dois personagens aparentemente idênticos, mas com nuances distintas, é verdadeiramente impressionante e cativante. Villeneuve, conhecido por sua habilidade em construir tramas cheias de suspense, utiliza cenários sombrios e uma trilha sonora inquietante para mergulhar a audiência na mente perturbada de Adam.
O roteiro de Javier Gullón (de "Invasor") é de uma complexidade e profundidade absurdos. Ao explorar temas como identidade, alienação e desejo, o filme desafia as nossas expectativas a cada nova descoberta e nos convida à reflexão sobre a natureza da realidade e da individualidade sem pedir permissão. A escolha de Villeneuve em manter o mistério e a ambiguidade ao longo da narrativa eleva o filme a um nível absurdo de excelência artística, deixando espaço para interpretações diversas e debates profundos após os créditos.
Além da performance estelar de Gyllenhaal, o elenco de apoio também merece destaque, com atuações sólidas de Mélanie Laurent, Sarah Gadon e Isabella Rossellini. Cada personagem adiciona uma camada adicional à complexidade da trama, contribuindo para a riqueza emocional e intelectual do filme. Dito isso, recomendar "O Homem Duplicado" acaba se tornando fácil, já que é considerada por muitos uma obra-prima do cinema moderno, que combina uma narrativa envolvente, performances excepcionais e uma profundidade temática incomparável.
Angustiante, claustrofóbico e um excelente entretenimento para quem gosta de sentir essas sensações ao assistir um filme! Talvez essa seja a melhor forma de definir "O Homem nas Trevas", um típico thriller com fortes elementos de suspense psicológico, absolutamente arrepiante, comandado pelo talentoso Fede Alvarez (de "Calls"), um diretor capaz de nos manter grudados na tela desde o primeiro plano - é impressionante como ele constrói essa atmosfera de tensão permanente e brinca com nossos receios antes mesmo de chegar ao clímax do filme. Com um roteiro engenhoso e algumas reviravoltas surpreendentes, eu diria esse filme entrega uma experiência das mais interessantes!
A história gira em torno de um grupo de jovens ladrões que decidem invadir a casa de um homem cego para roubar uma fortuna. No entanto, eles logo descobrem que ele é muito mais perigoso e implacável do que imaginavam. O que começa como um simples roubo se transforma em uma luta desesperada pela sobrevivência enquanto tentam escapar das garras desse homem misterioso com sede de vingança. Confira o trailer:
O roteiro escrito pelo próprio Alvarez, ao lado de seu parceiro Rodo Sayagues, tem o mérito de conseguir manter a tensão e o suspense ao longo de toda jornada, sem se preocupar em pegar atalhos para nos prender à trama - claro que existem alguns clichês tão particulares do gênero, mas a forma como eles são inseridos dentro do contexto deixa tudo tão fluido que não nos sentimos obrigados a embarcar na proposta do diretor e sim somos levados até ela sem nos darmos conta. As reviravoltas são tão bem executadas que temos a exata sensação que aquele caos pela qual os personagens estão passando soa interminável - essa gramática cinematográfica do gênero é tão bem aplicado no filme que merece elogios.
Os personagens são complexos, especialmente o homem cego de Stephen Lang - a forma como sua expressão corporal canaliza suas marcas mais íntimas, cria uma camada emocional realmente impressionante. O jovem Dylan Minnette, mais uma vez não decepciona - seu personagem Alex é muito bem desenvolvido (mesmo que soe o contrário), permitindo que o público se envolva e, principalmente, se conecte emocionalmente com suas lutas e desafios. Ao criar essa atmosfera sombria e claustrofóbica de um interminável embate dentro de uma única locação, Alvarez ao lado de seu conterrâneo, o fotógrafo uruguaio, Pedro Luque (de "Atividade paranormal"), utilizam magistralmente enquadramentos mais fechados com o foco nem sempre perfeito para aumentar a sensação de perigo iminente, de medo e de desconforto de uma forma quase insuportável - reparem como eles nos privam da visão dos personagens durante os conflitos.
Apesar de todas as qualidades que pontuamos, "O Homem nas Trevas" pode ser um pouco previsível em certos momentos - algumas situações podem ser antecipadas por uma audiência mais atenta e isso, de fato, pode diminuir um pouco o impacto emocional para algumas pessoas. No entanto, é admirável como o filme compensa esse pequeno deslize com uma narrativa eficaz, que cativa ao mesmo tempo que entretém e, mesmo sem essa pretensão, acaba marcando seu espaço como um dos melhores thrillers dessa nova geração de diretores.
Vale muito o seu play!
Angustiante, claustrofóbico e um excelente entretenimento para quem gosta de sentir essas sensações ao assistir um filme! Talvez essa seja a melhor forma de definir "O Homem nas Trevas", um típico thriller com fortes elementos de suspense psicológico, absolutamente arrepiante, comandado pelo talentoso Fede Alvarez (de "Calls"), um diretor capaz de nos manter grudados na tela desde o primeiro plano - é impressionante como ele constrói essa atmosfera de tensão permanente e brinca com nossos receios antes mesmo de chegar ao clímax do filme. Com um roteiro engenhoso e algumas reviravoltas surpreendentes, eu diria esse filme entrega uma experiência das mais interessantes!
A história gira em torno de um grupo de jovens ladrões que decidem invadir a casa de um homem cego para roubar uma fortuna. No entanto, eles logo descobrem que ele é muito mais perigoso e implacável do que imaginavam. O que começa como um simples roubo se transforma em uma luta desesperada pela sobrevivência enquanto tentam escapar das garras desse homem misterioso com sede de vingança. Confira o trailer:
O roteiro escrito pelo próprio Alvarez, ao lado de seu parceiro Rodo Sayagues, tem o mérito de conseguir manter a tensão e o suspense ao longo de toda jornada, sem se preocupar em pegar atalhos para nos prender à trama - claro que existem alguns clichês tão particulares do gênero, mas a forma como eles são inseridos dentro do contexto deixa tudo tão fluido que não nos sentimos obrigados a embarcar na proposta do diretor e sim somos levados até ela sem nos darmos conta. As reviravoltas são tão bem executadas que temos a exata sensação que aquele caos pela qual os personagens estão passando soa interminável - essa gramática cinematográfica do gênero é tão bem aplicado no filme que merece elogios.
Os personagens são complexos, especialmente o homem cego de Stephen Lang - a forma como sua expressão corporal canaliza suas marcas mais íntimas, cria uma camada emocional realmente impressionante. O jovem Dylan Minnette, mais uma vez não decepciona - seu personagem Alex é muito bem desenvolvido (mesmo que soe o contrário), permitindo que o público se envolva e, principalmente, se conecte emocionalmente com suas lutas e desafios. Ao criar essa atmosfera sombria e claustrofóbica de um interminável embate dentro de uma única locação, Alvarez ao lado de seu conterrâneo, o fotógrafo uruguaio, Pedro Luque (de "Atividade paranormal"), utilizam magistralmente enquadramentos mais fechados com o foco nem sempre perfeito para aumentar a sensação de perigo iminente, de medo e de desconforto de uma forma quase insuportável - reparem como eles nos privam da visão dos personagens durante os conflitos.
Apesar de todas as qualidades que pontuamos, "O Homem nas Trevas" pode ser um pouco previsível em certos momentos - algumas situações podem ser antecipadas por uma audiência mais atenta e isso, de fato, pode diminuir um pouco o impacto emocional para algumas pessoas. No entanto, é admirável como o filme compensa esse pequeno deslize com uma narrativa eficaz, que cativa ao mesmo tempo que entretém e, mesmo sem essa pretensão, acaba marcando seu espaço como um dos melhores thrillers dessa nova geração de diretores.
Vale muito o seu play!
O maior "problema" de “O Homem nas Trevas 2” é ser uma sequência. Digo isso, pois as principais críticas que a produção vem recebendo estão relacionadas às comparações com o primeiro filme que é, diga-se de passagem, excelente! Comparações são inevitáveis e toda continuação de um grande sucesso carrega o peso de ter que manter o nível lá em cima. Analisado individualmente, “O Homem nas Trevas 2” é ótimo, mas ao avaliá-lo em conjunto com o primeiro, algumas falhas acabam ficando mais aparentes. E talvez nem sejam “falhas”, mas sim, propostas diferentes, então antes de seguir, vamos alinhar essas expectativas.
Dessa vez, o enredo mostra o paradeiro de Norman, após os eventos ocorridos no filme anterior. Ele está vivendo tranquilamente em um local isolado, e a novidade é que agora o ex-militar cego tem a companhia de uma jovem que foi adotada. Porém, sua paz é destruída quando criminosos invadem sua casa e sequestram a garota. Assim, Norman revive os seus instintos mais sombrios para tentar salvá-la. Confira o trailer:
Dirigido pelo estreante Rodo Sayagues (um dos produtores do excelente "Calls" da AppleTV+) “O Homem nas Trevas 2” possui um enredo mais absurdo, enquanto o primeiro tinha uma trama mais crível. Algumas situações são realmente irreais, mas isso só fica mais evidente quando, mais uma vez, comparamos as duas obras - basta lembrar que no comando de "Don't Breathe" (no original) tínhamos o talentoso, mas sempre realista, Fede Alvarez. Outro ponto que vem sendo muito criticado é a mudança no perfil do vilão cego. Ao tentar humanizá-lo e torná-lo um anti-herói, o enredo acaba se afastando do que havia dado muito certo no filme anterior, que era justamente não ter um lado certo na história para a gente torcer!
Veja, deixando as comparações de lado, o que posso afirmar é que “O Homem nas Trevas 2” se garante no quesito entretenimento. Não faltam cenas para agradar os fãs dos subgêneros slasher (subgênero de filmes de terror quase sempre envolvendo assassinos psicopatas que matam aleatoriamente) e gore (aqueles com cenas extremamente violentas, com muito sangue), assim como não faltam momentos eletrizantes para manter a nossa adrenalina alta. E para quem gosta de reviravoltas, o roteiro também apresenta algumas boas surpresas! Resumindo, o filme entrega muito, mas não tanto quanto o primeiro! E isso, a meu ver, não é um defeito!
Vale seu play. O entretenimento está garantido!
Escrito por Lucio Tannure - uma parceria @dicas_pra_maratonar
O maior "problema" de “O Homem nas Trevas 2” é ser uma sequência. Digo isso, pois as principais críticas que a produção vem recebendo estão relacionadas às comparações com o primeiro filme que é, diga-se de passagem, excelente! Comparações são inevitáveis e toda continuação de um grande sucesso carrega o peso de ter que manter o nível lá em cima. Analisado individualmente, “O Homem nas Trevas 2” é ótimo, mas ao avaliá-lo em conjunto com o primeiro, algumas falhas acabam ficando mais aparentes. E talvez nem sejam “falhas”, mas sim, propostas diferentes, então antes de seguir, vamos alinhar essas expectativas.
Dessa vez, o enredo mostra o paradeiro de Norman, após os eventos ocorridos no filme anterior. Ele está vivendo tranquilamente em um local isolado, e a novidade é que agora o ex-militar cego tem a companhia de uma jovem que foi adotada. Porém, sua paz é destruída quando criminosos invadem sua casa e sequestram a garota. Assim, Norman revive os seus instintos mais sombrios para tentar salvá-la. Confira o trailer:
Dirigido pelo estreante Rodo Sayagues (um dos produtores do excelente "Calls" da AppleTV+) “O Homem nas Trevas 2” possui um enredo mais absurdo, enquanto o primeiro tinha uma trama mais crível. Algumas situações são realmente irreais, mas isso só fica mais evidente quando, mais uma vez, comparamos as duas obras - basta lembrar que no comando de "Don't Breathe" (no original) tínhamos o talentoso, mas sempre realista, Fede Alvarez. Outro ponto que vem sendo muito criticado é a mudança no perfil do vilão cego. Ao tentar humanizá-lo e torná-lo um anti-herói, o enredo acaba se afastando do que havia dado muito certo no filme anterior, que era justamente não ter um lado certo na história para a gente torcer!
Veja, deixando as comparações de lado, o que posso afirmar é que “O Homem nas Trevas 2” se garante no quesito entretenimento. Não faltam cenas para agradar os fãs dos subgêneros slasher (subgênero de filmes de terror quase sempre envolvendo assassinos psicopatas que matam aleatoriamente) e gore (aqueles com cenas extremamente violentas, com muito sangue), assim como não faltam momentos eletrizantes para manter a nossa adrenalina alta. E para quem gosta de reviravoltas, o roteiro também apresenta algumas boas surpresas! Resumindo, o filme entrega muito, mas não tanto quanto o primeiro! E isso, a meu ver, não é um defeito!
Vale seu play. O entretenimento está garantido!
Escrito por Lucio Tannure - uma parceria @dicas_pra_maratonar
"O Inocente" é uma minissérie muito bacana, que se você se permitir um pouco de abstração da realidade, vai se divertir muito! Para os mais atentos, foi exatamente assim que eu comecei o review de "Um Contratempo", filme espanhol de 2016 e um dos maiores sucessos da história da Netflix. Não por acaso, o diretor de "Um Contratempo" é o mesmo Oriol Paulo de "O Inocente" e seu protagonista, Mario Casas, também. Ou seja, se você gostou de um, certamente vai gostar do outro!
Essa é mais uma adaptação de Harlan Corben para a Netflix. Depois de "Safe" e "Não Fale com Estranhos", "O Inocente" acompanha a história Mateo (Mario Casas), um jovem estudante de direito que, numa noitada, foi arrastado para uma briga e acabou empurrando um de seus agressores contra a calçada, causando sua morte. Após seu julgamento, ele é mandado para prisão para cumprir uma pena de quatro anos. Ao retomar a sua vida, ele monta um escritório de advocacia com seu irmão e acaba reencontrando Olivia Costa (Aura Garrido), uma linda jovem com quem passou a noite anos antes. Apaixonados, eles resolvem começar uma vida juntos até que Mat percebe que algumas histórias não resolvidas começam a vir à tona e, pior, Olivia, a pessoa em quem ele mais confia, parece esconder segredos obscuros que podem ter relação com o seu passado. Confira o trailer:
Mesmo com um roteiro com algumas soluções preguiçosas, "O Inocente" é entretenimento puro - e de qualidade, eu diria! Sem dúvida que a dinâmica narrativa tem um valor muito maior do que a originalidade da trama e esse é um grande trunfo de Oriol Paulo - ele realmente sabe criar uma atmosfera de tensão e mistério, mesmo não contando com um elenco excepcional, Paulo é inteligente ao resgatar muito do que funcionou em "Um Contratempo" para entregar uma minissérie que nos surpreende a cada episódio! Escrita pelo próprio diretor os episódios são bem construidos e o conceito narrativo de focar em como o passado de um personagem impacta na história que está sendo contada no presente, funciona perfeitamente. Reparem como a disparidade entre o 1º e 2º episódio é tão grande que, por um momento, chegamos a acreditar que estamos assistindo outra série.
Em cada episódio, vamos reconhecendo na trajetória dos personagens uma série de conexões com o arco principal da trama: a morte acidental que levou Matteo para prisão. Característico da literatura de Corben, a história vai abrindo muitas questões e inevitavelmente é preciso voltar a cada plot para recontar uma determinada passagem e assim deixar claro que tudo foi muito bem pensado. Isso não é ruim, mas traz um certo didatismo para o roteiro que vai incomodar os mais críticos. Por outro lado, é de se elogiar a forma como as pontas vão sendo amarradas - a sensação de que nada é por acaso, mesmo que inicialmente muita coisa soe ser, é reflexo de uma boa condução e de um trabalho minucioso do diretor.
É um fato que "O Inocente" possui um número exagerado de reviravoltas e isso vai dividir opiniões, mas que fique claro que não deve atrapalhar a experiência. A busca insaciável para surpreender a todo instante e assim manter o ritmo instigante do começo é falha em alguns momentos, mas em muitos outros, funciona bem.
Olha, não é uma minissérie inesquecível, mas vale demais pela pela diversão. Pode pegar a pipoca e apertar o play sem receio!
"O Inocente" é uma minissérie muito bacana, que se você se permitir um pouco de abstração da realidade, vai se divertir muito! Para os mais atentos, foi exatamente assim que eu comecei o review de "Um Contratempo", filme espanhol de 2016 e um dos maiores sucessos da história da Netflix. Não por acaso, o diretor de "Um Contratempo" é o mesmo Oriol Paulo de "O Inocente" e seu protagonista, Mario Casas, também. Ou seja, se você gostou de um, certamente vai gostar do outro!
Essa é mais uma adaptação de Harlan Corben para a Netflix. Depois de "Safe" e "Não Fale com Estranhos", "O Inocente" acompanha a história Mateo (Mario Casas), um jovem estudante de direito que, numa noitada, foi arrastado para uma briga e acabou empurrando um de seus agressores contra a calçada, causando sua morte. Após seu julgamento, ele é mandado para prisão para cumprir uma pena de quatro anos. Ao retomar a sua vida, ele monta um escritório de advocacia com seu irmão e acaba reencontrando Olivia Costa (Aura Garrido), uma linda jovem com quem passou a noite anos antes. Apaixonados, eles resolvem começar uma vida juntos até que Mat percebe que algumas histórias não resolvidas começam a vir à tona e, pior, Olivia, a pessoa em quem ele mais confia, parece esconder segredos obscuros que podem ter relação com o seu passado. Confira o trailer:
Mesmo com um roteiro com algumas soluções preguiçosas, "O Inocente" é entretenimento puro - e de qualidade, eu diria! Sem dúvida que a dinâmica narrativa tem um valor muito maior do que a originalidade da trama e esse é um grande trunfo de Oriol Paulo - ele realmente sabe criar uma atmosfera de tensão e mistério, mesmo não contando com um elenco excepcional, Paulo é inteligente ao resgatar muito do que funcionou em "Um Contratempo" para entregar uma minissérie que nos surpreende a cada episódio! Escrita pelo próprio diretor os episódios são bem construidos e o conceito narrativo de focar em como o passado de um personagem impacta na história que está sendo contada no presente, funciona perfeitamente. Reparem como a disparidade entre o 1º e 2º episódio é tão grande que, por um momento, chegamos a acreditar que estamos assistindo outra série.
Em cada episódio, vamos reconhecendo na trajetória dos personagens uma série de conexões com o arco principal da trama: a morte acidental que levou Matteo para prisão. Característico da literatura de Corben, a história vai abrindo muitas questões e inevitavelmente é preciso voltar a cada plot para recontar uma determinada passagem e assim deixar claro que tudo foi muito bem pensado. Isso não é ruim, mas traz um certo didatismo para o roteiro que vai incomodar os mais críticos. Por outro lado, é de se elogiar a forma como as pontas vão sendo amarradas - a sensação de que nada é por acaso, mesmo que inicialmente muita coisa soe ser, é reflexo de uma boa condução e de um trabalho minucioso do diretor.
É um fato que "O Inocente" possui um número exagerado de reviravoltas e isso vai dividir opiniões, mas que fique claro que não deve atrapalhar a experiência. A busca insaciável para surpreender a todo instante e assim manter o ritmo instigante do começo é falha em alguns momentos, mas em muitos outros, funciona bem.
Olha, não é uma minissérie inesquecível, mas vale demais pela pela diversão. Pode pegar a pipoca e apertar o play sem receio!
"O Irlandês" chegou recentemente na Netflix com status de produção do ano e não era para menos, afinal não é tão simples reunir em um mesmo filme Robert De Niro, Al Pacino e Joe Pesci sob a direção de Martin Scorsese - só por esse primeiro parágrafo eu já poderia colocar o botão "assista agora" e descansar tranquilamente, mas não vou fazer isso, pois uma obra como essa vai muito além de um elenco sensacional e de um diretor premiadíssimo. "O Irlandês" é um filme de máfia, mas com um conceito narrativo muito inteligente e que aprofunda a discussão moral dos personagens sem parecer romântico - "O Poderoso Chefão" fez muito isso! O filme mostra a história de Frank Sheeran (Robert De Niro), não por acaso o irlandês do título, que se tornou uma espécie de liderança sindical enquanto, paralelamente, era considerado o assassino predileto de um dos mais respeitados chefões da Máfia. Sheeran é o narrador do filme, ele nos conta sua história em retrospectiva: do início da sua relação Russell Bufalino até o momento em que percebe estar sozinho na vida! É impressionante como a narrativa é fluída e como somos convidados a julgar Sheeran por suas escolhas e nos penalizar por seus arrependimentos e culpas. Olha, certamente o filme estará em algumas categorias do próximo Oscar (2020), então não perca tempo: se você é um amante de "Os bons companheiros", "Era uma vez na América" e, claro, "O Poderoso Chefão", dê o play sem medo porque serão três horas e meia de muito prazer e entretenimento!
Antes de mais nada é preciso dizer que "O Irlandês" não é um filme violento na sua forma - talvez na sua essência, mas não na sua forma! Martin Scorsese é cirúrgico ao escolher os enquadramentos e movimentos de câmera que vão contar as histórias de assassinatos do filme. Em outros tempos tudo seria mostrado, hoje é apenas sugerido - um exemplo é o belo movimento de câmera do massacre na barbearia: existe uma certa poesia, muito bem ensaiada até o enquadramento final na floricultura. É como o signo que encontramos no cemitério desse o ponto final ao movimento e o resultado disso só nas manchetes do dia seguinte! É lindo! Claro que o assassinato à sangue frio não é deixado de lado, até porque o profissional que Frank Sheeran se tornou era conhecido como pintor: uma alegoria pela quantidade de sangue que espirra na parede após um tiro na cabeça à queima roupa!
São muitos personagens, muitos nomes, apelidos e núcleos, mas o roteiro é muito inteligente em guiar nossa atenção apenas para o que realmente importa e quando um personagem tem uma certa relevância histórica, mas por não fazer parte daquela linha narrativa é apenas uma citação, surge um lettering nos apresentando ele e nos contando qual final levou! O roteiro, aliás, é muito bom e amarra muito bem todas as situações do passado e do presente de uma forma muito orgânica e sem a necessidade de interferências conceituais nas imagens - tudo é clean e com o desenho de produção se encarregando do desafio. A tecnologia que permitiu o rejuvenescimento dos atores é tão imperceptível perante a força da história que nem nos apegamos a ela, embora os movimentos do De Niro, por exemplo, muitas vezes entrega uma certa incompatibilidade entre idade e postura corporal (e até no timbre da voz). O filme é uma adaptação da obra de mesmo nome de Charles Brandt, um ex-investigador que liga (ou sugere uma ligação de) vários fatos da história americana com a Máfia. Steven Zaillan, de "A Lista de Schindler", assina o roteiro.
Embora o filme seja realmente longo, Scorsese não economiza em planos mais coreografados - como o próprio Alfonso Cuarón fez em Roma com seus traveliings interminavelmente bem executados. Só que aqui o equipamento é o Steadicam (aquela geringonça que vai presa no corpo do câmera-man e permite que ele ande com a câmera sem balançar muito) e o resultado é igualmente competente. A fotografia do mexicano Rodrigo Pietro, de "Silêncio", é espetacular - e, para mim, um forte concorrente ao Oscar - repare como ele posiciona a câmera nas passagens onde existem uma narração ou uma sequência de fatos, nos colocando como espectador ou melhor, como observador, permitindo que a história continue sendo contada sem a necessidade de participarmos dela ativamente. É uma percepção delicada, mas típico de cineastas acima da média que pensam cada plano, cada conceito, cada detalhe para termos a melhor experiência possível ao assistir o filme - por isso que Scorsese pediu para que o filme não fosse assistido na tela do celular!
Para finalizar alguns rápidos comentários sobre os atores: Al Pacino como Jimmy Hoffa é inferior ao trabalho que o Jack Nicholson fez com o mesmo personagem em 1992. De Niro está bem, faz um trabalho de introspecção e explora o silêncio e o olhar de uma forma magnífica (principalmente quando se refere a sua filha Peggy ou quando se sente incomodado com algum pedido de Ruffo). Agora Joe Pesci está sensacional e sou capaz de apostar que será indicado ao Oscar de ator coadjuvante e tem grande chance de levar o prêmio pela segunda vez (a primeira foi com "Os bons companheiros", também do Scorsese).
"O Irlandês" é uma grande (literalmente) homenagem aos filmes de gângsters. Tem todos os elementos que nos fazem amar o gênero e a mesma mestria no comando que trouxe Martin Scorsese para o primeiro time de diretores de Hollywood. De fato não é sua melhor direção, existem erros de continuidade que nem montagem não foi capaz de esconder, mas é impossível não se envolver com a forma como ele conta a história e como aqueles personagens foram nos cativando, mesmo na sombra da marginalidade. "O Irlandês" é sim um dos melhores filmes do ano e deve fazer barulho por um bom tempo! Tiro certo da Netflix nesse momento conturbado do mercado! Vale o play!
"O Irlandês" chegou recentemente na Netflix com status de produção do ano e não era para menos, afinal não é tão simples reunir em um mesmo filme Robert De Niro, Al Pacino e Joe Pesci sob a direção de Martin Scorsese - só por esse primeiro parágrafo eu já poderia colocar o botão "assista agora" e descansar tranquilamente, mas não vou fazer isso, pois uma obra como essa vai muito além de um elenco sensacional e de um diretor premiadíssimo. "O Irlandês" é um filme de máfia, mas com um conceito narrativo muito inteligente e que aprofunda a discussão moral dos personagens sem parecer romântico - "O Poderoso Chefão" fez muito isso! O filme mostra a história de Frank Sheeran (Robert De Niro), não por acaso o irlandês do título, que se tornou uma espécie de liderança sindical enquanto, paralelamente, era considerado o assassino predileto de um dos mais respeitados chefões da Máfia. Sheeran é o narrador do filme, ele nos conta sua história em retrospectiva: do início da sua relação Russell Bufalino até o momento em que percebe estar sozinho na vida! É impressionante como a narrativa é fluída e como somos convidados a julgar Sheeran por suas escolhas e nos penalizar por seus arrependimentos e culpas. Olha, certamente o filme estará em algumas categorias do próximo Oscar (2020), então não perca tempo: se você é um amante de "Os bons companheiros", "Era uma vez na América" e, claro, "O Poderoso Chefão", dê o play sem medo porque serão três horas e meia de muito prazer e entretenimento!
Antes de mais nada é preciso dizer que "O Irlandês" não é um filme violento na sua forma - talvez na sua essência, mas não na sua forma! Martin Scorsese é cirúrgico ao escolher os enquadramentos e movimentos de câmera que vão contar as histórias de assassinatos do filme. Em outros tempos tudo seria mostrado, hoje é apenas sugerido - um exemplo é o belo movimento de câmera do massacre na barbearia: existe uma certa poesia, muito bem ensaiada até o enquadramento final na floricultura. É como o signo que encontramos no cemitério desse o ponto final ao movimento e o resultado disso só nas manchetes do dia seguinte! É lindo! Claro que o assassinato à sangue frio não é deixado de lado, até porque o profissional que Frank Sheeran se tornou era conhecido como pintor: uma alegoria pela quantidade de sangue que espirra na parede após um tiro na cabeça à queima roupa!
São muitos personagens, muitos nomes, apelidos e núcleos, mas o roteiro é muito inteligente em guiar nossa atenção apenas para o que realmente importa e quando um personagem tem uma certa relevância histórica, mas por não fazer parte daquela linha narrativa é apenas uma citação, surge um lettering nos apresentando ele e nos contando qual final levou! O roteiro, aliás, é muito bom e amarra muito bem todas as situações do passado e do presente de uma forma muito orgânica e sem a necessidade de interferências conceituais nas imagens - tudo é clean e com o desenho de produção se encarregando do desafio. A tecnologia que permitiu o rejuvenescimento dos atores é tão imperceptível perante a força da história que nem nos apegamos a ela, embora os movimentos do De Niro, por exemplo, muitas vezes entrega uma certa incompatibilidade entre idade e postura corporal (e até no timbre da voz). O filme é uma adaptação da obra de mesmo nome de Charles Brandt, um ex-investigador que liga (ou sugere uma ligação de) vários fatos da história americana com a Máfia. Steven Zaillan, de "A Lista de Schindler", assina o roteiro.
Embora o filme seja realmente longo, Scorsese não economiza em planos mais coreografados - como o próprio Alfonso Cuarón fez em Roma com seus traveliings interminavelmente bem executados. Só que aqui o equipamento é o Steadicam (aquela geringonça que vai presa no corpo do câmera-man e permite que ele ande com a câmera sem balançar muito) e o resultado é igualmente competente. A fotografia do mexicano Rodrigo Pietro, de "Silêncio", é espetacular - e, para mim, um forte concorrente ao Oscar - repare como ele posiciona a câmera nas passagens onde existem uma narração ou uma sequência de fatos, nos colocando como espectador ou melhor, como observador, permitindo que a história continue sendo contada sem a necessidade de participarmos dela ativamente. É uma percepção delicada, mas típico de cineastas acima da média que pensam cada plano, cada conceito, cada detalhe para termos a melhor experiência possível ao assistir o filme - por isso que Scorsese pediu para que o filme não fosse assistido na tela do celular!
Para finalizar alguns rápidos comentários sobre os atores: Al Pacino como Jimmy Hoffa é inferior ao trabalho que o Jack Nicholson fez com o mesmo personagem em 1992. De Niro está bem, faz um trabalho de introspecção e explora o silêncio e o olhar de uma forma magnífica (principalmente quando se refere a sua filha Peggy ou quando se sente incomodado com algum pedido de Ruffo). Agora Joe Pesci está sensacional e sou capaz de apostar que será indicado ao Oscar de ator coadjuvante e tem grande chance de levar o prêmio pela segunda vez (a primeira foi com "Os bons companheiros", também do Scorsese).
"O Irlandês" é uma grande (literalmente) homenagem aos filmes de gângsters. Tem todos os elementos que nos fazem amar o gênero e a mesma mestria no comando que trouxe Martin Scorsese para o primeiro time de diretores de Hollywood. De fato não é sua melhor direção, existem erros de continuidade que nem montagem não foi capaz de esconder, mas é impossível não se envolver com a forma como ele conta a história e como aqueles personagens foram nos cativando, mesmo na sombra da marginalidade. "O Irlandês" é sim um dos melhores filmes do ano e deve fazer barulho por um bom tempo! Tiro certo da Netflix nesse momento conturbado do mercado! Vale o play!
Ame ou odeie! Sem dúvida essa será a sensação de assistir "O Lagosta", dirigido por Yorgos Lanthimos (de "A Favorita"). Embora seja assumidamente um drama distópico, o tom non-sentede sua narrativa extrapola e desafia as convenções do cinema contemporâneo que estamos acostumados. Lanthimos sabe exatamente como mergulhar sua audiência nesse mundo absurdo e sombrio, onde as relações humanas são exploradas de forma provocativa e muitas vezes perturbadora - reparem como a performance dos atores só aumenta o desconforto que a própria situação, por si só, já representa. Mais uma vez, o diretor demonstra uma habilidade magistral em criar uma atmosfera única, combinando um pontual humor negro, cheio de simbolismos, com o surrealismo prático - ao ponto de desprezar a lógica e renegar os padrões estabelecidos de ordem moral e social para criticar a superficialidade das conexões emocionais de maneira brilhante. Olha, você pode até não gostar de proposta de Lanthimos, mas nunca poderá negar que se trata de uma experiência cinematográfica verdadeiramente original e muito reflexiva.
A trama de "O Lagosta" se passa em um futuro distópico, onde os solteiros são obrigados a encontrar um parceiro dentro de um prazo estipulado. Caso contrário, são transformados em um animal de sua escolha e soltos na floresta. Após perder a esposa, o protagonista, David (Colin Farrell), decide se refugiar em um hotel peculiar, onde os hóspedes têm a oportunidade de encontrar um novo amor. No entanto, o que parece ser uma simples busca por companhia revela-se uma jornada existencial surreal. Condira o trailer (em inglês):
Mais atual do que nunca, "O Lagosta" é uma obra de arte que transcende o ordinário ao fazer um retrato dos relacionamentos em uma sociedade que não tolera o meio-termo, ou seja, onde o extremismo faz parte do dia a dia auto-destrutivo daquele universo. E é justamente nesse ponto que a direção de Lanthimos soa magistral, já que ele potencializa essa atmosfera de estranheza e alienação permeando toda a narrativa com metáforas muito inteligentes - reparem na forma como os hóspedes do hotel se relacionam entre si, todos da mesma forma, vestidos iguais, seguindo as mesmas regras rígidas e, principalmente, sabendo que o tempo é seu pior inimigo nesse objetivo de encontrar um grande amor e assim não virar, por exemplo, uma lagosta.
O roteiro, co-escrito por Lanthimos e Efthymis Filippou, chegou a ser indicado ao Oscar em 2017 por sua originalidade acima da média. Seu texto é uma mistura perspicaz de comédia, drama e sátira social que usa de uma linguagem peculiar e de diálogos absurdos para acrescentar uma camada extra de estranheza e humor capaz de desafiar nossas expectativas a cada nova sequência - algo entre "O Ensaio sobre a Cegueira" e "Parasita". A fotografia do Thimios Bakatakis (de "O Chalé") segue o mesmo conceito desolador da narrativa e dentro daqueles cenários minimalistas, clean ao extremo, contribui ainda mais para a construção de um gélido mundo distópico, onde as regras sociais são tão distorcidas quanto a solidão como uma forma de ameaça constante.
O elenco, é preciso ressaltar, entrega performances excepcionais, com destaque para Colin Farrell, Rachel Weisz e Olivia Colman. Farrell incorpora brilhantemente a angústia e a vulnerabilidade de seu personagem, enquanto Weisz e Colman trazem uma profundidade emocional cativante às suas interpretações - a química entre eles é tão palpável que adiciona uma complexidade para as relações que de fato nos faz refletir sobre temas como identidade, amor e liberdade de escolha. "The Lobster" (no original) realmente desafia e fascina em igual medida, então se você está em busca de uma experiência verdadeiramente única e provocativa, não ignore essa recomendação - mas saiba que você está prestes a navegar por um oceano pouquíssimo explorado no cinema comercial!
Vale seu play!
Ame ou odeie! Sem dúvida essa será a sensação de assistir "O Lagosta", dirigido por Yorgos Lanthimos (de "A Favorita"). Embora seja assumidamente um drama distópico, o tom non-sentede sua narrativa extrapola e desafia as convenções do cinema contemporâneo que estamos acostumados. Lanthimos sabe exatamente como mergulhar sua audiência nesse mundo absurdo e sombrio, onde as relações humanas são exploradas de forma provocativa e muitas vezes perturbadora - reparem como a performance dos atores só aumenta o desconforto que a própria situação, por si só, já representa. Mais uma vez, o diretor demonstra uma habilidade magistral em criar uma atmosfera única, combinando um pontual humor negro, cheio de simbolismos, com o surrealismo prático - ao ponto de desprezar a lógica e renegar os padrões estabelecidos de ordem moral e social para criticar a superficialidade das conexões emocionais de maneira brilhante. Olha, você pode até não gostar de proposta de Lanthimos, mas nunca poderá negar que se trata de uma experiência cinematográfica verdadeiramente original e muito reflexiva.
A trama de "O Lagosta" se passa em um futuro distópico, onde os solteiros são obrigados a encontrar um parceiro dentro de um prazo estipulado. Caso contrário, são transformados em um animal de sua escolha e soltos na floresta. Após perder a esposa, o protagonista, David (Colin Farrell), decide se refugiar em um hotel peculiar, onde os hóspedes têm a oportunidade de encontrar um novo amor. No entanto, o que parece ser uma simples busca por companhia revela-se uma jornada existencial surreal. Condira o trailer (em inglês):
Mais atual do que nunca, "O Lagosta" é uma obra de arte que transcende o ordinário ao fazer um retrato dos relacionamentos em uma sociedade que não tolera o meio-termo, ou seja, onde o extremismo faz parte do dia a dia auto-destrutivo daquele universo. E é justamente nesse ponto que a direção de Lanthimos soa magistral, já que ele potencializa essa atmosfera de estranheza e alienação permeando toda a narrativa com metáforas muito inteligentes - reparem na forma como os hóspedes do hotel se relacionam entre si, todos da mesma forma, vestidos iguais, seguindo as mesmas regras rígidas e, principalmente, sabendo que o tempo é seu pior inimigo nesse objetivo de encontrar um grande amor e assim não virar, por exemplo, uma lagosta.
O roteiro, co-escrito por Lanthimos e Efthymis Filippou, chegou a ser indicado ao Oscar em 2017 por sua originalidade acima da média. Seu texto é uma mistura perspicaz de comédia, drama e sátira social que usa de uma linguagem peculiar e de diálogos absurdos para acrescentar uma camada extra de estranheza e humor capaz de desafiar nossas expectativas a cada nova sequência - algo entre "O Ensaio sobre a Cegueira" e "Parasita". A fotografia do Thimios Bakatakis (de "O Chalé") segue o mesmo conceito desolador da narrativa e dentro daqueles cenários minimalistas, clean ao extremo, contribui ainda mais para a construção de um gélido mundo distópico, onde as regras sociais são tão distorcidas quanto a solidão como uma forma de ameaça constante.
O elenco, é preciso ressaltar, entrega performances excepcionais, com destaque para Colin Farrell, Rachel Weisz e Olivia Colman. Farrell incorpora brilhantemente a angústia e a vulnerabilidade de seu personagem, enquanto Weisz e Colman trazem uma profundidade emocional cativante às suas interpretações - a química entre eles é tão palpável que adiciona uma complexidade para as relações que de fato nos faz refletir sobre temas como identidade, amor e liberdade de escolha. "The Lobster" (no original) realmente desafia e fascina em igual medida, então se você está em busca de uma experiência verdadeiramente única e provocativa, não ignore essa recomendação - mas saiba que você está prestes a navegar por um oceano pouquíssimo explorado no cinema comercial!
Vale seu play!
"O Mal que nos Habita" é um terror clássico com aquele toque independente do cinema argentino. Esse filme, aliás, foi considerado o melhor lançamento do gênero em 2023 e mesmo que possa soar um exagero para alguns, é inegável sua qualidade como narrativa e força como gramática visual. O fato é que "Quando acecha la maldade", no original, chega forte ao streaming depois de conquistar crítica e público por sua atmosfera claustrofóbica, por sua proposta mais original e por performances visceralmente convincentes - a repercussão lembrou muito a onda dos elogiados filmes espanhóis de terror e suspense como "Verônica", por exemplo. Agora fica o aviso: a sensação de estar assistindo algo verdadeiramente perturbador vai te acompanhar até subirem os créditos, ou seja, esteja preparado para uma jornada realmente desconfortante!
A trama se passa em uma pacata cidade do interior, onde dois irmãos encontram um corpo mutilado perto de sua propriedade. Ao iniciar uma investigação eles acabam descobrindo um homem infectado por algo misterioso que os mais religiosos dizem ser obra do diabo que está prestes a dar a luz a um demônio. Desesperados, os irmãos tentam avisar os habitantes e assim escapar do local antes que o ser maligno venha à terra, no entanto o tempo parece não estar a seu favor e o caos é instaurado por completo. Confira o trailer:
O interessante desse filme dirigido pelo Demián Rugna (de "Aterrorizados") é justamente sua abordagem crua e sem concessões que raramente encontramos no gênero terror ou do suspense. Muito mais que impactar, os gatilhos narrativos fazem com que a história não se limite em criar oportunidades para os sustos fáceis, mas sim em construir uma atmosfera densa e sufocante, explorando os medos mais primitivos do ser humano em uma jornada cheia de simbolismos. O bacana é que Rugna não esquece do seu propósito de entreter, sem complicar demais, nos confrontando, a cada cena, com sua visão sobre a brutalidade do ser humano sob a perspectiva mística de um Mal que assola aquela cidade - é sério, o que testemunhamos são atos verdadeiramente terríveis que testam a sanidade dos personagens com a mesma força que nos tiram do equilíbrio.
Rugna, que também assina o roteiro, tem uma enorme capacidade de explorar as profundezas da alma humana sem soar pretensioso demais. Repare como a cada decisão tomada pelos protagonistas, somos convidados a questionar nossos próprios limites morais e a refletir sobre a fragilidade da psique diante de situações limite onde o horror pauta ações desesperadas. Obviamente que a possessão demoníaca serve como metáfora para os males que residem dentro de cada um de nós, criando uma sensação de confronto iminente com nossos próprios demônios interiores. Criando um ritmo frenético e hipnotizante desde os primeiros minutos, "O Mal que nos Habita" prende a nossa atenção - a fotografia escura e claustrofóbica contribui para essa imersão em uma atmosfera opressiva, enquanto a trilha sonora mais minimalista estabelece a tensão e desespero ao melhor estilo Stephen King.
"O Mal que nos Habita" vai além do terror convencional, propondo uma reflexão mais profunda sobre a natureza do mal, a fragilidade da psique humana e as consequências de nossas ações. Sem querer ser didático demais, o roteiro nos faz pensar, sentir e questionar aquela realidade - que tem tudo para deixar uma marca profunda em quem o assiste. Agora, é preciso que se diga: a beleza do filme não está nas respostas fáceis - se ele não tem a complexidade de "Midsommar", ele também não é um entretenimento pipoca como "Maligno". Então se você é um apreciador do terror em sua forma mais clássica e perturbadora, sem deixar de ser autêntico, esse filme pode ser mesmo imperdível.
"O Mal que nos Habita" é um terror clássico com aquele toque independente do cinema argentino. Esse filme, aliás, foi considerado o melhor lançamento do gênero em 2023 e mesmo que possa soar um exagero para alguns, é inegável sua qualidade como narrativa e força como gramática visual. O fato é que "Quando acecha la maldade", no original, chega forte ao streaming depois de conquistar crítica e público por sua atmosfera claustrofóbica, por sua proposta mais original e por performances visceralmente convincentes - a repercussão lembrou muito a onda dos elogiados filmes espanhóis de terror e suspense como "Verônica", por exemplo. Agora fica o aviso: a sensação de estar assistindo algo verdadeiramente perturbador vai te acompanhar até subirem os créditos, ou seja, esteja preparado para uma jornada realmente desconfortante!
A trama se passa em uma pacata cidade do interior, onde dois irmãos encontram um corpo mutilado perto de sua propriedade. Ao iniciar uma investigação eles acabam descobrindo um homem infectado por algo misterioso que os mais religiosos dizem ser obra do diabo que está prestes a dar a luz a um demônio. Desesperados, os irmãos tentam avisar os habitantes e assim escapar do local antes que o ser maligno venha à terra, no entanto o tempo parece não estar a seu favor e o caos é instaurado por completo. Confira o trailer:
O interessante desse filme dirigido pelo Demián Rugna (de "Aterrorizados") é justamente sua abordagem crua e sem concessões que raramente encontramos no gênero terror ou do suspense. Muito mais que impactar, os gatilhos narrativos fazem com que a história não se limite em criar oportunidades para os sustos fáceis, mas sim em construir uma atmosfera densa e sufocante, explorando os medos mais primitivos do ser humano em uma jornada cheia de simbolismos. O bacana é que Rugna não esquece do seu propósito de entreter, sem complicar demais, nos confrontando, a cada cena, com sua visão sobre a brutalidade do ser humano sob a perspectiva mística de um Mal que assola aquela cidade - é sério, o que testemunhamos são atos verdadeiramente terríveis que testam a sanidade dos personagens com a mesma força que nos tiram do equilíbrio.
Rugna, que também assina o roteiro, tem uma enorme capacidade de explorar as profundezas da alma humana sem soar pretensioso demais. Repare como a cada decisão tomada pelos protagonistas, somos convidados a questionar nossos próprios limites morais e a refletir sobre a fragilidade da psique diante de situações limite onde o horror pauta ações desesperadas. Obviamente que a possessão demoníaca serve como metáfora para os males que residem dentro de cada um de nós, criando uma sensação de confronto iminente com nossos próprios demônios interiores. Criando um ritmo frenético e hipnotizante desde os primeiros minutos, "O Mal que nos Habita" prende a nossa atenção - a fotografia escura e claustrofóbica contribui para essa imersão em uma atmosfera opressiva, enquanto a trilha sonora mais minimalista estabelece a tensão e desespero ao melhor estilo Stephen King.
"O Mal que nos Habita" vai além do terror convencional, propondo uma reflexão mais profunda sobre a natureza do mal, a fragilidade da psique humana e as consequências de nossas ações. Sem querer ser didático demais, o roteiro nos faz pensar, sentir e questionar aquela realidade - que tem tudo para deixar uma marca profunda em quem o assiste. Agora, é preciso que se diga: a beleza do filme não está nas respostas fáceis - se ele não tem a complexidade de "Midsommar", ele também não é um entretenimento pipoca como "Maligno". Então se você é um apreciador do terror em sua forma mais clássica e perturbadora, sem deixar de ser autêntico, esse filme pode ser mesmo imperdível.
Se John Doe (de "Se7en - os sete pecados capitais") fosse um renomado chef de cozinha, certamente ele seria bem parecido com o chef Slowik (Ralph Fiennes) de "O Menu" - mas calma, as comparações devem parar por aí já que o filme de Mark Mylod (reconhecido diretor de séries como "Game of Thrones" e "Succession") está longe de ser uma unanimidade como o thriller policial de David Fincher, porém é de se elogiar a criatividade, originalidade e dinâmica narrativa que ele foi capaz de imprimir para entregar um suspense psicológico com certo toque de sadismo capaz de nos entreter do início ao fim da jornada!
A jovem Margot (Anya Taylor-Joy) é convidada por Tyler (Nicholas Hoult) para viver uma experiência inesquecível em um dos restaurantes mais conhecidos e exclusivos do mundo. Localizado em uma ilha, a cozinha do Hawthorne é liderada pelo famoso chef Slowik (Ralph Fiennes) que além de seus ingredientes frescos e exóticos pretende oferecer uma noite única para um pequeno grupo de clientes que vai de um decadente astro de cinema à uma ressentida crítica gastronômica. O que deveria ser apenas a degustação de uma comida para lá de especial, se torna um verdadeiro pesadelo para os convidados, com um cardápio farto, porém cheio de surpresas desagradáveis. Confira o trailer:
Embora a atmosfera de "O Menu" crie uma deliciosa (sem trocadilhos) conexão com a audiência logo de cara, é inegável que o tom crítico que preenche os diálogos mais afiados vai muito além do desenvolvimento de alguns dos doze personagens que na minha opinião tinham muito mais a dizer - fosse uma série contada em flashbacks, teríamos um profundo e divertido estudo de personas que naturalmente subverteriam a sátira do filme em algo muito mais profundo. Que fique claro que isso não é um problema, apenas um olhar diferente da decisão narrativa que se limitar a alfinetar o "universo gastronômico popstar" enquanto nos envolve em um inteligente clima de mistério.
Conceitualmente, Mark Mylo mistura a arte quase poética de "Chef's Table" com uma dinâmica empolgante de necessária suspensão da realidade, como vimos em "Fresh", porém trabalhando uma certa ambiguidade com muito mais sutileza e talvez por isso menos visceral que no filme de Mimi Cave. Veja, o roteiro do Seth Reiss (acostumado em escrever para os "Late Nights" americanos) e do Will Tracy (de "Succession") se apoia nas falhas de caráter dos personagens (algo como vimos em "Lost"), mas não nos deixa odiá-los, muito pelo contrário, ao mesmo tempo que torcemos pelo infortúnio dos convidados, nos empatizamos com eles ao ponto de sentir certo amargor pelo destino de cada um - algumas cenas são impactantes também, mas a força da história está na angústia do que pode vir pela frente e isso, dependendo da expectativa criada, pode decepcionar alguns.
Seja um artista que acelera seu processo criativo pensando em conquistar o mundo ou alguns críticos gastronômicos que inventam significados completamente aleatórios para definir o que consomem com o intuito de soar mais inteligentes e até aquele fã de um renomado chef que não entende exatamente a experiência do que lhe é oferecido, mas faz questão de se gabar por poder pagar por ela, "O Menu" é um prato cheio de simbolismos, metáforas e semiótica, além de um ótimo suspense psicológico com leves toques de humor ácido que vai agradar o "paladar" (trocadilho liberado) de muitas pessoas e envergonhar tantas outras (se a carapuça servir)!
Vale muito o seu play!
Se John Doe (de "Se7en - os sete pecados capitais") fosse um renomado chef de cozinha, certamente ele seria bem parecido com o chef Slowik (Ralph Fiennes) de "O Menu" - mas calma, as comparações devem parar por aí já que o filme de Mark Mylod (reconhecido diretor de séries como "Game of Thrones" e "Succession") está longe de ser uma unanimidade como o thriller policial de David Fincher, porém é de se elogiar a criatividade, originalidade e dinâmica narrativa que ele foi capaz de imprimir para entregar um suspense psicológico com certo toque de sadismo capaz de nos entreter do início ao fim da jornada!
A jovem Margot (Anya Taylor-Joy) é convidada por Tyler (Nicholas Hoult) para viver uma experiência inesquecível em um dos restaurantes mais conhecidos e exclusivos do mundo. Localizado em uma ilha, a cozinha do Hawthorne é liderada pelo famoso chef Slowik (Ralph Fiennes) que além de seus ingredientes frescos e exóticos pretende oferecer uma noite única para um pequeno grupo de clientes que vai de um decadente astro de cinema à uma ressentida crítica gastronômica. O que deveria ser apenas a degustação de uma comida para lá de especial, se torna um verdadeiro pesadelo para os convidados, com um cardápio farto, porém cheio de surpresas desagradáveis. Confira o trailer:
Embora a atmosfera de "O Menu" crie uma deliciosa (sem trocadilhos) conexão com a audiência logo de cara, é inegável que o tom crítico que preenche os diálogos mais afiados vai muito além do desenvolvimento de alguns dos doze personagens que na minha opinião tinham muito mais a dizer - fosse uma série contada em flashbacks, teríamos um profundo e divertido estudo de personas que naturalmente subverteriam a sátira do filme em algo muito mais profundo. Que fique claro que isso não é um problema, apenas um olhar diferente da decisão narrativa que se limitar a alfinetar o "universo gastronômico popstar" enquanto nos envolve em um inteligente clima de mistério.
Conceitualmente, Mark Mylo mistura a arte quase poética de "Chef's Table" com uma dinâmica empolgante de necessária suspensão da realidade, como vimos em "Fresh", porém trabalhando uma certa ambiguidade com muito mais sutileza e talvez por isso menos visceral que no filme de Mimi Cave. Veja, o roteiro do Seth Reiss (acostumado em escrever para os "Late Nights" americanos) e do Will Tracy (de "Succession") se apoia nas falhas de caráter dos personagens (algo como vimos em "Lost"), mas não nos deixa odiá-los, muito pelo contrário, ao mesmo tempo que torcemos pelo infortúnio dos convidados, nos empatizamos com eles ao ponto de sentir certo amargor pelo destino de cada um - algumas cenas são impactantes também, mas a força da história está na angústia do que pode vir pela frente e isso, dependendo da expectativa criada, pode decepcionar alguns.
Seja um artista que acelera seu processo criativo pensando em conquistar o mundo ou alguns críticos gastronômicos que inventam significados completamente aleatórios para definir o que consomem com o intuito de soar mais inteligentes e até aquele fã de um renomado chef que não entende exatamente a experiência do que lhe é oferecido, mas faz questão de se gabar por poder pagar por ela, "O Menu" é um prato cheio de simbolismos, metáforas e semiótica, além de um ótimo suspense psicológico com leves toques de humor ácido que vai agradar o "paladar" (trocadilho liberado) de muitas pessoas e envergonhar tantas outras (se a carapuça servir)!
Vale muito o seu play!
"O Poço" é o tipo de filme que trabalha muito bem as alegorias sem perder a força de uma narrativa mais linear que alimenta o gênero que faz parte: no caso o suspense! O que eu quero dizer com isso? Que o filme vai muito além do que vemos na tela, mas nem por isso deixa de ter uma história intrigante - embora o final só vá funcionar para quem realmente se aprofunda nas entrelinhas do roteiro!
Situado dentro de uma espécie de prisão vertical conhecida como "El Hoyo" (que inclusive é o título original do filme), acompanhamos a jornada de Goreng (Ivan Massagué), um homem que aparentemente não cometeu crime algum, mas que por escolha própria resolve ir para a prisão com o objetivo de parar de fumar. É lá que ele conhece Trimagasi (Zorion Eguileor), um senhor que já está há "muitos meses preso", como ele mesmo define. É Trimagasi que explica como funciona a única dinâmica do local: esperar por uma plataforma de comida que se move para baixo, andar por andar, com um banquete. Como Goreng e Trimagasi estão no nível 48, eles precisam aguardar para ver o que sobra depois dos 47 níveis acima se alimentarem, porém de tempos em tempos eles são transferidos para outros níveis e é aí que a coisa começa a pegar, afinal quanto mais baixo, menos comida sobra e a luta pela sobrevivência começa ser a única alternativa! Confira o trailer:
Se "Parasita" extrapolou esse tipo de discussão com maestria, "O Poço" segue a mesma receita, talvez sem o mesmo brilhantismo, mas com uma entrega muito competente. As alegorias vão permitir inúmeras interpretações, algo na linha de "Mother!". Então se você gostou dessas duas referências é bem provável que esse premiado filme espanhol te conquiste, mas se você está atrás de um bom suspense psicológico, com um pezinho no terror, sua escolha também não poderia ser melhor. Vale o play!
"O Poço" é o filme de estreia do diretor Galder Gaztelu-Urrutia - ele foi o produtor responsável pelo premiado "El ataúd de cristal". Gaztelu-Urrutiasurpreende na função, ele entrega um filme bastante dinâmico, mesmo se passando 100% do tempo em um mesmo lugar. Com uma narrativa que mistura elementos de terror com suspense, o filme é praticamente uma crítica a estrutura socioeconômica capitalista que o mundo se apoia e como o reflexo dessa desigualdade interfere nas relações humanas em diversos, olha só, níveis!
O Desenho de Produção entrega um cenário completamente minimalista e que se adequa ao tamanho do orçamento com muita inteligência. O Desenho de som e os Efeitos Especiais trabalham alinhados ao departamento de arte, dando o "peso" que os objetos precisam para impactar quem assiste. A fotografia do Jon D. Domínguez é muito boa, já que explora um ambiente extremamente limitado, mas nem por isso nos dá a sensação de mentiroso - o conceito distópico ajuda muito, convenhamos, mas o conjunto é harmonioso! Domínguez foi o diretor de fotografia de um dos "curtas" que fez parte do projeto VHS.
Dois outros destaques que merecem muitos elogios: 1. O Roteiro do David Desola e do Pedro Rivero é criativo como contexto de universo, mas os diálogos são incríveis - acima da média! O trabalho alegórico do texto é digno de Darren Aronofsky (Mother! e Fonte da Vida)! 2. O trabalho do Ivan Massagué como o protagonista que precisa ir "literalmente" ao fundo do poço em busca das respostas para sua jornada, é digno de muitos prêmios - e acho que a quebra de paradigmas de "Parasita" tem muito que ajudar na percepção de um trabalho como esse!
Antes de finalizar eu preciso fazer um alerta: o filme requer estômago forte, principalmente quando vemos o que acontece nos níveis mais baixos da prisão e isso nada mais é do que um enorme tapa na cara ao expor e nos provocar com uma "verdade" extremamente inconveniente, mas que justifica todas as marcas que aqueles personagens deixam dentro de uma jornada muito dura! Como o próprio protagonista diz no final: “(...) nenhuma mudança é espontânea” porém nós sabemos por onde começar!
Vale muito a pena!
"O Poço" é o tipo de filme que trabalha muito bem as alegorias sem perder a força de uma narrativa mais linear que alimenta o gênero que faz parte: no caso o suspense! O que eu quero dizer com isso? Que o filme vai muito além do que vemos na tela, mas nem por isso deixa de ter uma história intrigante - embora o final só vá funcionar para quem realmente se aprofunda nas entrelinhas do roteiro!
Situado dentro de uma espécie de prisão vertical conhecida como "El Hoyo" (que inclusive é o título original do filme), acompanhamos a jornada de Goreng (Ivan Massagué), um homem que aparentemente não cometeu crime algum, mas que por escolha própria resolve ir para a prisão com o objetivo de parar de fumar. É lá que ele conhece Trimagasi (Zorion Eguileor), um senhor que já está há "muitos meses preso", como ele mesmo define. É Trimagasi que explica como funciona a única dinâmica do local: esperar por uma plataforma de comida que se move para baixo, andar por andar, com um banquete. Como Goreng e Trimagasi estão no nível 48, eles precisam aguardar para ver o que sobra depois dos 47 níveis acima se alimentarem, porém de tempos em tempos eles são transferidos para outros níveis e é aí que a coisa começa a pegar, afinal quanto mais baixo, menos comida sobra e a luta pela sobrevivência começa ser a única alternativa! Confira o trailer:
Se "Parasita" extrapolou esse tipo de discussão com maestria, "O Poço" segue a mesma receita, talvez sem o mesmo brilhantismo, mas com uma entrega muito competente. As alegorias vão permitir inúmeras interpretações, algo na linha de "Mother!". Então se você gostou dessas duas referências é bem provável que esse premiado filme espanhol te conquiste, mas se você está atrás de um bom suspense psicológico, com um pezinho no terror, sua escolha também não poderia ser melhor. Vale o play!
"O Poço" é o filme de estreia do diretor Galder Gaztelu-Urrutia - ele foi o produtor responsável pelo premiado "El ataúd de cristal". Gaztelu-Urrutiasurpreende na função, ele entrega um filme bastante dinâmico, mesmo se passando 100% do tempo em um mesmo lugar. Com uma narrativa que mistura elementos de terror com suspense, o filme é praticamente uma crítica a estrutura socioeconômica capitalista que o mundo se apoia e como o reflexo dessa desigualdade interfere nas relações humanas em diversos, olha só, níveis!
O Desenho de Produção entrega um cenário completamente minimalista e que se adequa ao tamanho do orçamento com muita inteligência. O Desenho de som e os Efeitos Especiais trabalham alinhados ao departamento de arte, dando o "peso" que os objetos precisam para impactar quem assiste. A fotografia do Jon D. Domínguez é muito boa, já que explora um ambiente extremamente limitado, mas nem por isso nos dá a sensação de mentiroso - o conceito distópico ajuda muito, convenhamos, mas o conjunto é harmonioso! Domínguez foi o diretor de fotografia de um dos "curtas" que fez parte do projeto VHS.
Dois outros destaques que merecem muitos elogios: 1. O Roteiro do David Desola e do Pedro Rivero é criativo como contexto de universo, mas os diálogos são incríveis - acima da média! O trabalho alegórico do texto é digno de Darren Aronofsky (Mother! e Fonte da Vida)! 2. O trabalho do Ivan Massagué como o protagonista que precisa ir "literalmente" ao fundo do poço em busca das respostas para sua jornada, é digno de muitos prêmios - e acho que a quebra de paradigmas de "Parasita" tem muito que ajudar na percepção de um trabalho como esse!
Antes de finalizar eu preciso fazer um alerta: o filme requer estômago forte, principalmente quando vemos o que acontece nos níveis mais baixos da prisão e isso nada mais é do que um enorme tapa na cara ao expor e nos provocar com uma "verdade" extremamente inconveniente, mas que justifica todas as marcas que aqueles personagens deixam dentro de uma jornada muito dura! Como o próprio protagonista diz no final: “(...) nenhuma mudança é espontânea” porém nós sabemos por onde começar!
Vale muito a pena!
Essa recomendação faz parte do nosso projeto "Semana dos Clássicos", onde convidamos você a revisitar filmes que mudaram os rumos da narrativa cinematográfica e que merecem um olhar mais critico sem esquecer, claro, do que pode ter representado emocionalmente na nossa vida!
Há poucas verdades absolutas no cinema, no entanto aqui temos uma delas: "O Poderoso Chefão" é (e será para sempre) o melhor filme de máfia já produzido! "The Godfather" (no original), dirigido por Francis Ford Coppola e lançado em 1972, é uma unanimidade ao ser considerado uma verdadeira obra-prima do cinema e um dos filmes mais influentes de todos os tempos. Baseado no livro homônimo de Mario Puzo, "O Poderoso Chefão"combina, de forma brilhante, o drama familiar em um mundo do crime organizado, oferecendo uma narrativa profunda sobre poder, lealdade, moralidade e sobre a plena destruição da alma humana. Com uma direção magistral, performances lendárias e um roteiro impecável, "O Poderoso Chefão" não apenas redefiniu o gênero, como também consolidou o status de Coppola como um dos maiores cineastas da história.
A trama segue a família Corleone, uma das mais poderosas famílias mafiosas de Nova York. O patriarca, Don Vito Corleone (Marlon Brando), é um chefe de respeito e influência, que governa com uma combinação de carisma, honra e violência. Quando um atentado contra sua vida o coloca em uma posição vulnerável, seu filho Michael (Al Pacino) é forçado a entrar no mundo do crime para proteger a família, embora tenha inicialmente rejeitado esse destino. A jornada de Michael, de um herói de guerra distante da vida criminosa a um chefe implacável, é o coração da narrativa, simbolizando a transformação trágica e moralmente complexa de um homem diante das circunstâncias. Confira o trailer:
Mas o que faz de "O Poderoso Chefão" um filme tão aclamado?
Sem a menor dúvida, é a profundidade de seus personagens e a complexidade de suas relações! Vito Corleone, por exemplo, é um personagem ambíguo - ao mesmo tempo um homem de valores fortes, que preza pela família, e um implacável chefe da máfia, que não hesita em usar a violência para manter o poder. E aqui cabe a primeira observação técnica sobre essa obra-prima: a performance de Marlon Brando, com sua voz rouca e gestual controlado, torna Don Vito uma figura icônica, projetando uma presença quase mitológica de uma entidade em seu meio, que praticamente define o filme. Um ainda desconhecido Al Pacino, entrega uma jornada transformadora para seu personagem - ele começa como um homem que quer se distanciar do legado mafioso de sua família, mas, lentamente, vai sendo consumido pelo poder, pela vingança e pela necessidade de proteger seus entes queridos. Essa transição de Michael, de filho inocente a um homem frio e calculista, é uma das narrativas mais cativantes e trágicas da história do cinema. Pacino atua de forma contida, permitindo que o público veja a escuridão crescendo dentro de Michael, mesmo antes dele abraçar plenamente seu destino. É fantástico!
A direção de Coppola é outro elemento essencial: ela é simplesmente impecável. Coppola usa uma estética visual clássica, mas sem deixar de ser inovadora em vários momentos - o filme traz a densidade visual do submundo do crime com a mesma potência com que explora a deterioração moral dos personagens. A narrativa é meticulosamente desenvolvida nesse sentido, alternando momentos de tensão física com longas cenas de diálogos que revelam os conflitos íntimos dos personagens. Coppola também faz um uso impressionante de simbolismos visuais como o icônico "batismo de sangue", em que Michael se torna oficialmente o novo "Don" enquanto manda executar seus inimigos, contrastando a pureza do ritual religioso com a brutalidade do crime. É muito bom!
Além da direção e da performance do elenco, o roteiro coescrito por Coppola e Puzo, é outro ponto alto desse tripé. Cada diálogo é carregado de significados, e a forma como o filme explora as dinâmicas de poder e lealdade dentro da família Corleone é fascinante. "O Poderoso Chefão", saiba, não é apenas um filme sobre o mundo do crime, é uma reflexão visceral sobre o poder, os sacrifícios feitos em nome da família e as escolhas morais que definem a vida dos personagens. E é aqui que entra a trilha sonora de Nino Rota como a cereja do bolo: seu tema principal, com sua melodia melancólica e dramática, tornou-se instantaneamente reconhecível e é o que complementa o tom épico do filme. O fato é que "O Poderoso Chefão" é daquelas raridades onde as cenas são compostas com tanta precisão, usando todos esses elementos técnicos e artísticos, para criar uma atmosfera de ameaça iminente, que mesmo na tranquilidade das ambientações mais luxuosas sabemos que a brutalidade do mundo do crime respira
Essa é uma história imperdível de uma família mafiosa e sua relação com o poder e a corrupção!
PS: Sugiro fortemente que assim que subirem os créditos, você vá para o Paramount+ e assista "The Offer", minissérie sobre os bastidores e o processo de criação de "O Poderoso Chefão".
Essa recomendação faz parte do nosso projeto "Semana dos Clássicos", onde convidamos você a revisitar filmes que mudaram os rumos da narrativa cinematográfica e que merecem um olhar mais critico sem esquecer, claro, do que pode ter representado emocionalmente na nossa vida!
Há poucas verdades absolutas no cinema, no entanto aqui temos uma delas: "O Poderoso Chefão" é (e será para sempre) o melhor filme de máfia já produzido! "The Godfather" (no original), dirigido por Francis Ford Coppola e lançado em 1972, é uma unanimidade ao ser considerado uma verdadeira obra-prima do cinema e um dos filmes mais influentes de todos os tempos. Baseado no livro homônimo de Mario Puzo, "O Poderoso Chefão"combina, de forma brilhante, o drama familiar em um mundo do crime organizado, oferecendo uma narrativa profunda sobre poder, lealdade, moralidade e sobre a plena destruição da alma humana. Com uma direção magistral, performances lendárias e um roteiro impecável, "O Poderoso Chefão" não apenas redefiniu o gênero, como também consolidou o status de Coppola como um dos maiores cineastas da história.
A trama segue a família Corleone, uma das mais poderosas famílias mafiosas de Nova York. O patriarca, Don Vito Corleone (Marlon Brando), é um chefe de respeito e influência, que governa com uma combinação de carisma, honra e violência. Quando um atentado contra sua vida o coloca em uma posição vulnerável, seu filho Michael (Al Pacino) é forçado a entrar no mundo do crime para proteger a família, embora tenha inicialmente rejeitado esse destino. A jornada de Michael, de um herói de guerra distante da vida criminosa a um chefe implacável, é o coração da narrativa, simbolizando a transformação trágica e moralmente complexa de um homem diante das circunstâncias. Confira o trailer:
Mas o que faz de "O Poderoso Chefão" um filme tão aclamado?
Sem a menor dúvida, é a profundidade de seus personagens e a complexidade de suas relações! Vito Corleone, por exemplo, é um personagem ambíguo - ao mesmo tempo um homem de valores fortes, que preza pela família, e um implacável chefe da máfia, que não hesita em usar a violência para manter o poder. E aqui cabe a primeira observação técnica sobre essa obra-prima: a performance de Marlon Brando, com sua voz rouca e gestual controlado, torna Don Vito uma figura icônica, projetando uma presença quase mitológica de uma entidade em seu meio, que praticamente define o filme. Um ainda desconhecido Al Pacino, entrega uma jornada transformadora para seu personagem - ele começa como um homem que quer se distanciar do legado mafioso de sua família, mas, lentamente, vai sendo consumido pelo poder, pela vingança e pela necessidade de proteger seus entes queridos. Essa transição de Michael, de filho inocente a um homem frio e calculista, é uma das narrativas mais cativantes e trágicas da história do cinema. Pacino atua de forma contida, permitindo que o público veja a escuridão crescendo dentro de Michael, mesmo antes dele abraçar plenamente seu destino. É fantástico!
A direção de Coppola é outro elemento essencial: ela é simplesmente impecável. Coppola usa uma estética visual clássica, mas sem deixar de ser inovadora em vários momentos - o filme traz a densidade visual do submundo do crime com a mesma potência com que explora a deterioração moral dos personagens. A narrativa é meticulosamente desenvolvida nesse sentido, alternando momentos de tensão física com longas cenas de diálogos que revelam os conflitos íntimos dos personagens. Coppola também faz um uso impressionante de simbolismos visuais como o icônico "batismo de sangue", em que Michael se torna oficialmente o novo "Don" enquanto manda executar seus inimigos, contrastando a pureza do ritual religioso com a brutalidade do crime. É muito bom!
Além da direção e da performance do elenco, o roteiro coescrito por Coppola e Puzo, é outro ponto alto desse tripé. Cada diálogo é carregado de significados, e a forma como o filme explora as dinâmicas de poder e lealdade dentro da família Corleone é fascinante. "O Poderoso Chefão", saiba, não é apenas um filme sobre o mundo do crime, é uma reflexão visceral sobre o poder, os sacrifícios feitos em nome da família e as escolhas morais que definem a vida dos personagens. E é aqui que entra a trilha sonora de Nino Rota como a cereja do bolo: seu tema principal, com sua melodia melancólica e dramática, tornou-se instantaneamente reconhecível e é o que complementa o tom épico do filme. O fato é que "O Poderoso Chefão" é daquelas raridades onde as cenas são compostas com tanta precisão, usando todos esses elementos técnicos e artísticos, para criar uma atmosfera de ameaça iminente, que mesmo na tranquilidade das ambientações mais luxuosas sabemos que a brutalidade do mundo do crime respira
Essa é uma história imperdível de uma família mafiosa e sua relação com o poder e a corrupção!
PS: Sugiro fortemente que assim que subirem os créditos, você vá para o Paramount+ e assista "The Offer", minissérie sobre os bastidores e o processo de criação de "O Poderoso Chefão".
O Dr. Steven Murphy (Colin Farrell) é um cardiologista conceituado que é casado com Anna (Nicole Kidman), com quem tem dois filhos: Kim (Raffey Cassidy) e Bob (Sunny Suljic). Já há algum tempo ele mantém contato frequente com Martin (Barry Keoghan), um adolescente cujo pai morreu na mesa de operação, justamente quando era operado por Steven. Talvez tomado pela culpa, o médico se coloca em uma posição bastante fraternal perante Martin - a relação dos dois sugere certa intimidade e carinho, tanto que Steven lhe dá presentes e em um determinado momento decide, inclusive, apresentá-lo à família. Entretanto, quando o jovem passa a não receber mais a atenção de antigamente, ele decide elaborar um plano de vingança para que a vida que lhe foi tirada seja recompensada de alguma forma. Confira o trailer:
"O Sacrifício do Cervo Sagrado" nada mais é do que uma tentativa de transformar uma história rasa do grego Yorgos Lanthimos ("The Lobster") em um filme bem ao estilo "Darren Aronofsky" (de "Mãe!"). É um festival de travelling, de zoom in, zoom out, que chega a ser irritante para quem se apega ao elementos mais técnicos de um filme - não soa um conceito estético definido e sim uma sugestão de modernidade ou identidade que simplesmente não existe. O filme não é ruim, longe disso, mas tem um roteiro abaixo do real valor da premissa que assistimos no trailer, por exemplo
Existem elementos interessantes, simbolismos e diálogos inteligentes, mas quando juntamos tudo isso, parece uma enorme confusão de gêneros. Não sei, "O Sacrifício do Cervo Sagrado" tem bons momentos, algumas cenas fortes, gera uma certa tensão, mas no final percebemos que é só um bom entretenimento que vai agradar mais uns do que outros.
Os fãs do diretor vão gostar, então, provavelmente, é por isso que você está recebendo essa recomendação!
O Dr. Steven Murphy (Colin Farrell) é um cardiologista conceituado que é casado com Anna (Nicole Kidman), com quem tem dois filhos: Kim (Raffey Cassidy) e Bob (Sunny Suljic). Já há algum tempo ele mantém contato frequente com Martin (Barry Keoghan), um adolescente cujo pai morreu na mesa de operação, justamente quando era operado por Steven. Talvez tomado pela culpa, o médico se coloca em uma posição bastante fraternal perante Martin - a relação dos dois sugere certa intimidade e carinho, tanto que Steven lhe dá presentes e em um determinado momento decide, inclusive, apresentá-lo à família. Entretanto, quando o jovem passa a não receber mais a atenção de antigamente, ele decide elaborar um plano de vingança para que a vida que lhe foi tirada seja recompensada de alguma forma. Confira o trailer:
"O Sacrifício do Cervo Sagrado" nada mais é do que uma tentativa de transformar uma história rasa do grego Yorgos Lanthimos ("The Lobster") em um filme bem ao estilo "Darren Aronofsky" (de "Mãe!"). É um festival de travelling, de zoom in, zoom out, que chega a ser irritante para quem se apega ao elementos mais técnicos de um filme - não soa um conceito estético definido e sim uma sugestão de modernidade ou identidade que simplesmente não existe. O filme não é ruim, longe disso, mas tem um roteiro abaixo do real valor da premissa que assistimos no trailer, por exemplo
Existem elementos interessantes, simbolismos e diálogos inteligentes, mas quando juntamos tudo isso, parece uma enorme confusão de gêneros. Não sei, "O Sacrifício do Cervo Sagrado" tem bons momentos, algumas cenas fortes, gera uma certa tensão, mas no final percebemos que é só um bom entretenimento que vai agradar mais uns do que outros.
Os fãs do diretor vão gostar, então, provavelmente, é por isso que você está recebendo essa recomendação!
"O Tigre Branco" é uma espécie de "Cidade de Deus" da Índia. Ok, talvez sem a mesma genialidade da direção do Fernando Meirelles ou até do roteiro do Bráulio Mantovani, mas é um fato que a produção da Netflix entrega uma jornada tão dinâmica e surpreendente quanto. Muito bem produzida e com um protagonista que dá uma aula de interpretação, Adarsh Gourav, o filme á uma agradável surpresa e merece muito nossa atenção!
O filme é uma adaptação de um livro de muito sucesso escrito por Aravind Adiga, e narra a trajetória de Balram (Adarsh Gourav), um jovem indiano que nasceu no meio da miséria em um vilarejo distante da capital e que foi ensinado desde pequeno que seu destino era escolher um grande marajá para servir até o fim da sua vida com muita lealdade. Trabalhando como motorista para o filho de um magnata da região, Balram começa, aos poucos, sentir na pele a desigualdade entre a sua casta e a dos afortunados, e com isso entende o ritmo que dita os rumos do capitalismo em seu país. Quando se dá conta de que é só mais uma galinha dentro de um enorme galinheiro que sabe que será abatida e nem por isso tenta fugir (uma metáfora cruel que o acompanha durante sua saga), o jovem muda seus conceitos e atitudes para buscar o topo que lhe foi sempre renegado e assim se tornar um grande empresário do país. Confira o trailer:
Como em "Cidade de Deus", a história não respeita a linha temporal convencional e é narrada por Balram a partir do seu ponto de vista, enquanto escreve um email para o primeiro-ministro chinês que estará de passagem pela Índia para reuniões com empresários locais. Além de um texto crítico, mas muito bem equilibrado com um humor ácido e inteligente, o premiado diretor americano Ramin Bahrani (de Fahrenheit 451) entrega com a mesma competência a construção de um conto de fadas moderno bem leve na primeira metade com a desconstrução de um mito carregado de drama e angústia na segunda. A fotografia de Paolo Carnera (de Suburra), além de posicionar a narrativa na linha do tempo, com as cenas no presente em cores mais frias e no passado com cores mais quentes, ele também capta maravilhosamente bem os contrastes sociais da Índia e como os personagens se relacionam de formas completamente diferentes com esse abismo - lembrou muito o trabalho do Kyung-pyo Hong em "Parasita", se não na simbologia, pelo menos na intenção!
"O Tigre Branco" tenta nos mostrar que os fins justificam os meios, desde que feito com o coração e sirva de transformação para quem será capaz de olhar para o outro com mais humanidade. Mesmo apoiado na figura do anti-herói, é fácil compreender suas motivações e entender que tudo não passa de uma reação perante um mundo cruel e inegavelmente real! Como em "Cidade Deus", o certo é relativo, mas o errado é uma certeza tão sistemática que uma história que tinha tudo para ser uma jornada de superação e resiliência se torna uma desconfortável, e nada sutil, versão da realidade! Vale muito a pena!
"O Tigre Branco" é uma espécie de "Cidade de Deus" da Índia. Ok, talvez sem a mesma genialidade da direção do Fernando Meirelles ou até do roteiro do Bráulio Mantovani, mas é um fato que a produção da Netflix entrega uma jornada tão dinâmica e surpreendente quanto. Muito bem produzida e com um protagonista que dá uma aula de interpretação, Adarsh Gourav, o filme á uma agradável surpresa e merece muito nossa atenção!
O filme é uma adaptação de um livro de muito sucesso escrito por Aravind Adiga, e narra a trajetória de Balram (Adarsh Gourav), um jovem indiano que nasceu no meio da miséria em um vilarejo distante da capital e que foi ensinado desde pequeno que seu destino era escolher um grande marajá para servir até o fim da sua vida com muita lealdade. Trabalhando como motorista para o filho de um magnata da região, Balram começa, aos poucos, sentir na pele a desigualdade entre a sua casta e a dos afortunados, e com isso entende o ritmo que dita os rumos do capitalismo em seu país. Quando se dá conta de que é só mais uma galinha dentro de um enorme galinheiro que sabe que será abatida e nem por isso tenta fugir (uma metáfora cruel que o acompanha durante sua saga), o jovem muda seus conceitos e atitudes para buscar o topo que lhe foi sempre renegado e assim se tornar um grande empresário do país. Confira o trailer:
Como em "Cidade de Deus", a história não respeita a linha temporal convencional e é narrada por Balram a partir do seu ponto de vista, enquanto escreve um email para o primeiro-ministro chinês que estará de passagem pela Índia para reuniões com empresários locais. Além de um texto crítico, mas muito bem equilibrado com um humor ácido e inteligente, o premiado diretor americano Ramin Bahrani (de Fahrenheit 451) entrega com a mesma competência a construção de um conto de fadas moderno bem leve na primeira metade com a desconstrução de um mito carregado de drama e angústia na segunda. A fotografia de Paolo Carnera (de Suburra), além de posicionar a narrativa na linha do tempo, com as cenas no presente em cores mais frias e no passado com cores mais quentes, ele também capta maravilhosamente bem os contrastes sociais da Índia e como os personagens se relacionam de formas completamente diferentes com esse abismo - lembrou muito o trabalho do Kyung-pyo Hong em "Parasita", se não na simbologia, pelo menos na intenção!
"O Tigre Branco" tenta nos mostrar que os fins justificam os meios, desde que feito com o coração e sirva de transformação para quem será capaz de olhar para o outro com mais humanidade. Mesmo apoiado na figura do anti-herói, é fácil compreender suas motivações e entender que tudo não passa de uma reação perante um mundo cruel e inegavelmente real! Como em "Cidade Deus", o certo é relativo, mas o errado é uma certeza tão sistemática que uma história que tinha tudo para ser uma jornada de superação e resiliência se torna uma desconfortável, e nada sutil, versão da realidade! Vale muito a pena!
Seguindo o padrão Globo, "Onde nascem os fortes" pode ser definida como uma história de amores impossíveis, ódio e perdão, que se passa no sertão do Nordeste, um território onde, às vezes, quem vence é o mais forte e não a lei.
A minissérie da Globo mostra o desespero de uma irmã em busca de respostas - Nonato (Marco Pigossi) desaparece sem deixar rastros após flertar justamente com a amante de Pedro (Alexandre Nero), a sedutora Joana (Maeve Jinkings). O suposto envolvimento de Pedro, o homem mais poderoso da cidade, no sumiço de Nonato é o estopim de uma batalha que interrompe de forma abrupta romances, altera o destino de uns e obriga outros a desenterrarem segredos de família.
Eu costumo dizer que trabalho de Diretor bom é simples e ao mesmo tempo elegante. Em todos os projetos do José Luiz Villamarim (e sua parceria com o fotógrafo e diretor Walter Carvalho) a câmera está sempre no lugar certo, mesmo que seja no lugar mais inusitado. Dessa vez ele não dirigiu de ponta a ponta como de costume, mas sua condução artística está impressa em cada detalhe: nada de muitos cortes (aquela coisa de plano, contra-plano e geral); "pra que?" se dá pra fazer em um plano único e fica lindo! Mais uma vez vemos uma bela fotografia, como sempre cinematográfica! Alice Wegmann já tinha me chamado muito a atenção em "Ligações Perigosas" e agora, certamente, sobe de patamar. Alexandre Nero e Henrique Dias, impecáveis - mas aí não é novidade!
Já o texto do George Moura, mesmo com a forte personalidade que lhe é característica, não é consistente o bastante para suportar tantos episódios: 53 no total! Se fossem 10, eu diria que a minissérie seria um enorme sucesso pois, de fato, é uma linda produção, com uma premissa muito interessante (mesmo não sendo das mais originais), uma atmosfera criada pelo Villamarim que trouxe a angustia suficiente para nos identificarmos com a protagonista e querer segui-la durante toda essa dolorosa jornada. Pena que o texto foi perdendo força com episódios completamente dispensáveis. Pena mesmo!
Vale o play, claro, mas só se você estiver disposto a assistir uma novela um pouco mais curta!
Seguindo o padrão Globo, "Onde nascem os fortes" pode ser definida como uma história de amores impossíveis, ódio e perdão, que se passa no sertão do Nordeste, um território onde, às vezes, quem vence é o mais forte e não a lei.
A minissérie da Globo mostra o desespero de uma irmã em busca de respostas - Nonato (Marco Pigossi) desaparece sem deixar rastros após flertar justamente com a amante de Pedro (Alexandre Nero), a sedutora Joana (Maeve Jinkings). O suposto envolvimento de Pedro, o homem mais poderoso da cidade, no sumiço de Nonato é o estopim de uma batalha que interrompe de forma abrupta romances, altera o destino de uns e obriga outros a desenterrarem segredos de família.
Eu costumo dizer que trabalho de Diretor bom é simples e ao mesmo tempo elegante. Em todos os projetos do José Luiz Villamarim (e sua parceria com o fotógrafo e diretor Walter Carvalho) a câmera está sempre no lugar certo, mesmo que seja no lugar mais inusitado. Dessa vez ele não dirigiu de ponta a ponta como de costume, mas sua condução artística está impressa em cada detalhe: nada de muitos cortes (aquela coisa de plano, contra-plano e geral); "pra que?" se dá pra fazer em um plano único e fica lindo! Mais uma vez vemos uma bela fotografia, como sempre cinematográfica! Alice Wegmann já tinha me chamado muito a atenção em "Ligações Perigosas" e agora, certamente, sobe de patamar. Alexandre Nero e Henrique Dias, impecáveis - mas aí não é novidade!
Já o texto do George Moura, mesmo com a forte personalidade que lhe é característica, não é consistente o bastante para suportar tantos episódios: 53 no total! Se fossem 10, eu diria que a minissérie seria um enorme sucesso pois, de fato, é uma linda produção, com uma premissa muito interessante (mesmo não sendo das mais originais), uma atmosfera criada pelo Villamarim que trouxe a angustia suficiente para nos identificarmos com a protagonista e querer segui-la durante toda essa dolorosa jornada. Pena que o texto foi perdendo força com episódios completamente dispensáveis. Pena mesmo!
Vale o play, claro, mas só se você estiver disposto a assistir uma novela um pouco mais curta!
"Os Banshees de Inisherin" não será uma unanimidade e parte dessa certeza se dá pelo fato de seu texto ser extremamente teatral, razão pela qual, mesmo embrulhado em um pacote completamente realista, seu conteúdo prioriza muito mais o simbolismo (e o absurdo das situações) para retratar a complexidade das relações humanas. Indicado em 9 categorias no Oscar 2023, inclusive ao prêmio de "Melhor Filme", essa produção dirigida pelo talentoso Martin McDonagh (de "Três Anúncios para um Crime") sabe exatamente como manipular nossas emoções ao expor (sem o menor medo de parecer piegas) as nuances de um término de relação que parecia ser eterna - mas calma, não se trata de uma "dramalhão", longe disso, o filme é muito mais uma espécie de conto, que sabe equilibrar perfeitamente o sorriso com as lágrimas, sem ao menos se preocupar em entregar todas as respostas.
Toda a história se passa na ilha fictícia de Inisherin, por volta de 1923, durante a Guerra Civil Irlandesa. Pádraic (Colin Farrell) é um homem muito gentil que tem sua vida abalada depois de experimentar a crueldade abrupta e casual de Colm (Breendan Gleeson), amigo de longa data, que se distancia aparentemente sem motivo algum. Pádraic, confuso e devastado, tenta reatar essa amizade com o apoio de sua irmã Siobhan (Kerry Condon) e do jovem Dominic (Barry Keoghan), filho de um policial local. Porém, quando Colm lança um ultimato chocante para o ex-amigo e passa a agir pautado no extremo, toda aquela pequena comunidade começa a sentir os impactos do desequilíbrio emocional de seus habitantes. Confira o trailer:
Assistir "Os Banshees de Inisherin" vai exigir uma certa inspiração, pois a narrativa é bastante cadenciada e a conexão com os personagens não é imediata - mesmo com as performances irretocáveis de Farrell e Gleeson essa introdução é lenta e um pouco cansativa. Aliás, nem posso pontuar isso como um problema, mas sim entender como uma escolha consciente de McDonagh - já que ele faz sempre muita questão de impor sua identidade (bastante autoral) como cineasta. O roteiro praticamente impõe esse mood de solidão e silêncio que só é interrompido pelos tiros e bombas explodindo do outro lado do rio, no continente. Mesmo que os longos planos abertos e bem construídos pelo diretor de fotografia, o badalado Ben Davis (de "Doutor Estranho" e a "Vingadores: Era de Ultron"), visualmente, nos conecte com aquela realidade bem particular, é a partir do segundo ato que começamos a entender a importância que o conflito entre os protagonistas tem para a dinâmica daquela sociedade e como os reflexos dessa crise vão se ampliando pouco a pouco e destruindo a "pseudo-paz" de viver ali, "longe da guerra".
Veja, não por acaso, a beleza de "Os Banshees de Inisherin" está nos pequenos detalhes - existe um padrão semiótico capaz de nos provocar inúmeras interpretações e com isso nos afastar de uma história que a princípio parece nem ter força para suportar os 120 minutos de filme (esse é mais um fator que afastará parte da audiência, mas que com certeza coloca esse roteiro como um dos melhores do ano). Enxergar a dinâmica local de Inisherin é essencial para entender o organismo vivo que a ilha é - existe um tom de fábula, de final feliz, mas que vai se afastando quando a realidade passa a se sobrepor ao absurdo - o curioso é que essa transformação é contada pelos olhos de seu personagem mais fantasioso, como uma personificação do "destino" - a Sra. McCormack (Sheila Flitton).
Se para alguns "Os Banshees de Inisherin" vai parecer um filme bastante reflexivo, para outros será considerado "chato demais" - por isso fiz questão de pontuar a importância de se permitir mergulhar no simbolismo de McDonagh para enfim poder curtir a experiência, mesmo que tenha soado até repetitivo. Existe uma excentricidade nas entrelinhas, um humor negro tipicamente britânico e diálogos bastante caricatos, por outro lado, a jornada é poderosa, os temas discutidos são densos, complexos, mesmo que explorados em situações divertidas.
Por tudo isso e além de ser um dos filmes mais premiados da temporada, com mais de 130 prêmios nos festivais de todo planeta, "Os Banshees de Inisherin" vai, no mínimo, te tirar da zona de conforto! Vale seu play!
"Os Banshees de Inisherin" não será uma unanimidade e parte dessa certeza se dá pelo fato de seu texto ser extremamente teatral, razão pela qual, mesmo embrulhado em um pacote completamente realista, seu conteúdo prioriza muito mais o simbolismo (e o absurdo das situações) para retratar a complexidade das relações humanas. Indicado em 9 categorias no Oscar 2023, inclusive ao prêmio de "Melhor Filme", essa produção dirigida pelo talentoso Martin McDonagh (de "Três Anúncios para um Crime") sabe exatamente como manipular nossas emoções ao expor (sem o menor medo de parecer piegas) as nuances de um término de relação que parecia ser eterna - mas calma, não se trata de uma "dramalhão", longe disso, o filme é muito mais uma espécie de conto, que sabe equilibrar perfeitamente o sorriso com as lágrimas, sem ao menos se preocupar em entregar todas as respostas.
Toda a história se passa na ilha fictícia de Inisherin, por volta de 1923, durante a Guerra Civil Irlandesa. Pádraic (Colin Farrell) é um homem muito gentil que tem sua vida abalada depois de experimentar a crueldade abrupta e casual de Colm (Breendan Gleeson), amigo de longa data, que se distancia aparentemente sem motivo algum. Pádraic, confuso e devastado, tenta reatar essa amizade com o apoio de sua irmã Siobhan (Kerry Condon) e do jovem Dominic (Barry Keoghan), filho de um policial local. Porém, quando Colm lança um ultimato chocante para o ex-amigo e passa a agir pautado no extremo, toda aquela pequena comunidade começa a sentir os impactos do desequilíbrio emocional de seus habitantes. Confira o trailer:
Assistir "Os Banshees de Inisherin" vai exigir uma certa inspiração, pois a narrativa é bastante cadenciada e a conexão com os personagens não é imediata - mesmo com as performances irretocáveis de Farrell e Gleeson essa introdução é lenta e um pouco cansativa. Aliás, nem posso pontuar isso como um problema, mas sim entender como uma escolha consciente de McDonagh - já que ele faz sempre muita questão de impor sua identidade (bastante autoral) como cineasta. O roteiro praticamente impõe esse mood de solidão e silêncio que só é interrompido pelos tiros e bombas explodindo do outro lado do rio, no continente. Mesmo que os longos planos abertos e bem construídos pelo diretor de fotografia, o badalado Ben Davis (de "Doutor Estranho" e a "Vingadores: Era de Ultron"), visualmente, nos conecte com aquela realidade bem particular, é a partir do segundo ato que começamos a entender a importância que o conflito entre os protagonistas tem para a dinâmica daquela sociedade e como os reflexos dessa crise vão se ampliando pouco a pouco e destruindo a "pseudo-paz" de viver ali, "longe da guerra".
Veja, não por acaso, a beleza de "Os Banshees de Inisherin" está nos pequenos detalhes - existe um padrão semiótico capaz de nos provocar inúmeras interpretações e com isso nos afastar de uma história que a princípio parece nem ter força para suportar os 120 minutos de filme (esse é mais um fator que afastará parte da audiência, mas que com certeza coloca esse roteiro como um dos melhores do ano). Enxergar a dinâmica local de Inisherin é essencial para entender o organismo vivo que a ilha é - existe um tom de fábula, de final feliz, mas que vai se afastando quando a realidade passa a se sobrepor ao absurdo - o curioso é que essa transformação é contada pelos olhos de seu personagem mais fantasioso, como uma personificação do "destino" - a Sra. McCormack (Sheila Flitton).
Se para alguns "Os Banshees de Inisherin" vai parecer um filme bastante reflexivo, para outros será considerado "chato demais" - por isso fiz questão de pontuar a importância de se permitir mergulhar no simbolismo de McDonagh para enfim poder curtir a experiência, mesmo que tenha soado até repetitivo. Existe uma excentricidade nas entrelinhas, um humor negro tipicamente britânico e diálogos bastante caricatos, por outro lado, a jornada é poderosa, os temas discutidos são densos, complexos, mesmo que explorados em situações divertidas.
Por tudo isso e além de ser um dos filmes mais premiados da temporada, com mais de 130 prêmios nos festivais de todo planeta, "Os Banshees de Inisherin" vai, no mínimo, te tirar da zona de conforto! Vale seu play!
Esse filme é simplesmente espetacular - e com a mais absoluta certeza, não fosse o fenômeno "Parasita", seria o grande vencedor do Oscar 2020 na categoria "Melhor Filme Estrangeiro". "Les Miserables" (no original) parte da premissa da famosa obra de Vitor Hugo para discutir a realidade multicultural na França, especialmente em Paris. Com um conceito visual extremamente poético na sua essência cinematográfica e contrastando com uma narrativa visceral do seu roteiro incrivelmente realista, o filme dirigido pelo talentoso (e estreante) Ladj Ly, sem exagero algum, pode ser considerado uma obra-prima - uma espécie de "Cidade de Deus" francês!
Stéphane (Damien Bonnard) é um jovem oficial que acaba de se mudar para Montfermeil e se junta ao esquadrão anti-crime daquela comuna (uma espécie de comunidade multi-racial situada nos subúrbios de Paris). Convocado para atuar no mesmo time de Chris (Alexis Manenti) e Gwada (Djibril Zonga), dois policiais de métodos pouco convencionais, em menos de 24 horas, ele logo se vê envolvido um uma verdadeira "guerra de percepções" resultado de uma enorme tensão entre as diferentes gangues do local e a própria polícia. Confira o trailer (em inglês):
Baseado em seu premiado curta-metragem de 2017, o diretor malinês Ladj Ly se apropria do contexto marcante das manifestações de 2005 na França para ampliar sua (já provada e bem sucedida) narrativa para entregar uma obra conectada com uma realidade europeia pautada na violência e na intolerância racial, social, religiosa e, claro, cultural. O aspecto documental de "Os Miseráveis" traz para uma potente narrativa, elementos tão marcantes de obras como "Florida Project" (no seu aspecto mais emocional) e "Je Suis Karl"(no seu lado mais impactante) - eu diria que é o encontro do caos com o sentimento mais íntimo do não-pertencimento. Impressionante!
O fato do diretor ser um morador de Montfermeil acaba chancelando um aspecto importante, mas que teria tudo para se tornar um problema: a caracterização dos personagens sempre pensado, construído e desenvolvido com o simples intuito de tipificar alguém - do branco racista ao muçulmano espiritualmente redescoberto. Fernando Meirelles fez muito disso em "Cidade de Deus" e, como lá, aqui também funcionou. O impacto dos personagens na história é essencial, principalmente quando explora temas sensíveis à sociedade moderna e também quando busca levantar questões que o próprio estilo de Ly faz questão de jogar na nossa cara com sua câmera nervosa ou com sua lente 85mm que coloca os atores em close-ups capazes de tocar nossa alma.
"Os Miseráveis" não é uma versão moderna do clássico francês como muitos podem achar, embora as referências, obviamente, sejam gigantescas. O filme também não é um drama policial ao melhor estilo "Dia de Treinamento" mesmo com suas similaridades narrativas. O que temos aqui é um encontro entre o cinema independente na sua forma, com a importância cultural que o cinema de ação pode provocar - uma aula de direção, de fotografia (do premiado com o César Awards, Julien Poupard) e de um roteiro que é capaz de trabalhar com muita sensibilidade a simbologia da união de uma nação em meio a uma Copa do Mundo (e o prólogo só reforça a ideia) com a dolorosa imagem de uma criança segurando um coquetel molotov achando que ali está a solução para todos os problemas estruturais de um país dividido na sua essência.
Olha, vale muito a pena!
Esse filme é simplesmente espetacular - e com a mais absoluta certeza, não fosse o fenômeno "Parasita", seria o grande vencedor do Oscar 2020 na categoria "Melhor Filme Estrangeiro". "Les Miserables" (no original) parte da premissa da famosa obra de Vitor Hugo para discutir a realidade multicultural na França, especialmente em Paris. Com um conceito visual extremamente poético na sua essência cinematográfica e contrastando com uma narrativa visceral do seu roteiro incrivelmente realista, o filme dirigido pelo talentoso (e estreante) Ladj Ly, sem exagero algum, pode ser considerado uma obra-prima - uma espécie de "Cidade de Deus" francês!
Stéphane (Damien Bonnard) é um jovem oficial que acaba de se mudar para Montfermeil e se junta ao esquadrão anti-crime daquela comuna (uma espécie de comunidade multi-racial situada nos subúrbios de Paris). Convocado para atuar no mesmo time de Chris (Alexis Manenti) e Gwada (Djibril Zonga), dois policiais de métodos pouco convencionais, em menos de 24 horas, ele logo se vê envolvido um uma verdadeira "guerra de percepções" resultado de uma enorme tensão entre as diferentes gangues do local e a própria polícia. Confira o trailer (em inglês):
Baseado em seu premiado curta-metragem de 2017, o diretor malinês Ladj Ly se apropria do contexto marcante das manifestações de 2005 na França para ampliar sua (já provada e bem sucedida) narrativa para entregar uma obra conectada com uma realidade europeia pautada na violência e na intolerância racial, social, religiosa e, claro, cultural. O aspecto documental de "Os Miseráveis" traz para uma potente narrativa, elementos tão marcantes de obras como "Florida Project" (no seu aspecto mais emocional) e "Je Suis Karl"(no seu lado mais impactante) - eu diria que é o encontro do caos com o sentimento mais íntimo do não-pertencimento. Impressionante!
O fato do diretor ser um morador de Montfermeil acaba chancelando um aspecto importante, mas que teria tudo para se tornar um problema: a caracterização dos personagens sempre pensado, construído e desenvolvido com o simples intuito de tipificar alguém - do branco racista ao muçulmano espiritualmente redescoberto. Fernando Meirelles fez muito disso em "Cidade de Deus" e, como lá, aqui também funcionou. O impacto dos personagens na história é essencial, principalmente quando explora temas sensíveis à sociedade moderna e também quando busca levantar questões que o próprio estilo de Ly faz questão de jogar na nossa cara com sua câmera nervosa ou com sua lente 85mm que coloca os atores em close-ups capazes de tocar nossa alma.
"Os Miseráveis" não é uma versão moderna do clássico francês como muitos podem achar, embora as referências, obviamente, sejam gigantescas. O filme também não é um drama policial ao melhor estilo "Dia de Treinamento" mesmo com suas similaridades narrativas. O que temos aqui é um encontro entre o cinema independente na sua forma, com a importância cultural que o cinema de ação pode provocar - uma aula de direção, de fotografia (do premiado com o César Awards, Julien Poupard) e de um roteiro que é capaz de trabalhar com muita sensibilidade a simbologia da união de uma nação em meio a uma Copa do Mundo (e o prólogo só reforça a ideia) com a dolorosa imagem de uma criança segurando um coquetel molotov achando que ali está a solução para todos os problemas estruturais de um país dividido na sua essência.
Olha, vale muito a pena!
Quando "Ozark" estreou em 2017, rapidamente ela foi definida como o "Breaking Bad da Netflix" ou até mesmo o "Novo Breaking Bad". Claro que as duas séries tem alguns elementos em comum, pontos que convergem narrativamente inclusive, mas o fato é que são séries completamente diferentes e talvez por isso, muita gente não deu o valor que "Ozark" merecia! Se como fã de "Breaking Bad" eu assisto os primeiros episódios de "Ozark", minha expectativa certamente sai abalada, pois esperar que a série da Netflix traga o mood e a cadência que Vince Gilligan imprimiu com maestria, é um erro! "Ozark" não tem elementos visuais (sequer) parecidos, o tom é completamente diferente e a velocidade como a trama é contada é quase oposta - por isso tenho a impressão que essa estratégia de marketing jogou mais contra do que a favor!
Dito isso, eu posso te afirmar sem receio algum: "Ozark" é tão espetacular quanto "Breaking Bad" e o tempo está ajudando a provar essa tese - mas olha, são séries diferentes, repito! Marty Byrde (Jason Bateman), um consultor financeiro honesto e cheio de princípios, acaba se envolvendo em um grande esquema de lavagem de dinheiro depois de descobrir um rombo nas contas de um potencial cliente que a principio dizia vender cerâmicas. A "pedido" desse mesmo cliente, mas já sabendo onde estava se metendo, Marty transforma sua empresa na fachada ideal para realizar os serviços que o narcotraficante Del (Esai Morales) precisava para manter seu dinheiro girando. Porém, o sócio de firma e melhor amigo, Bruce Liddell (Josh Randall), tenta roubar Del, mas acaba sendo descoberto e é cruelmente executado. Marty, mesmo muito abalado, consegue salvar a própria vida, prometendo para Del pagar a dívida do amigo e ainda dizendo que será capaz de lavar muito mais dinheiro se puder mudar com a família para o lago de Ozark, lugar que atrai diversos turistas no verão. Ao lado da esposa Wendy (Laura Linney) e dos filhos Charlotte (Sofia Hublitz) e Jonah (Skylar Gaertner), Marty chega em Ozark e não demora para perceber que, naquele lugar, sua missão não será tão fácil como imaginava. Confira o trailer:
Eu achei a primeira temporada quase perfeita e digo "quase" porque em dois momentos-chaves, "Ozark" não teve a coragem de bancar um caminho menos óbvio que ela mesmo estava insinuando ser o correto e que, tranquilamente, nos apunhalaria o coração sem dó, mas também nos tiraria completamente da zona de conforto e colocaria "Ozark" num patamar que poucas séries alcançaram - são cenas angustiantes, isso de fato não se perdeu, mas por alguns segundos foi possível imaginar que poderíamos estar diante de algo tão improvável como "Game of Thrones", por exemplo! Pois bem, fora essas duas escolhas duvidosas e uma ou outra distração (principalmente envolvendo a filha adolescente do casal), a série entrega um excelente entretenimento, focado em personagens incríveis e com roteiros primorosos (mas sobre isso comentarei mais abaixo). O fato é que "Ozark" é, sim, imperdível e se você, como eu, deixou para depois, largue tudo, pois a jornada de Marty Byrde é tão tensa quanto a de Walter White, porém com menos alegorias visuais e muito mais sombria, próxima de uma realidade (mesmo que absurda) como na primeira temporada de "Bloodline"!
Saber que o protagonista é um homem bom, mas que acaba comprometido em situações cada vez mais complicadas envolvendo drogas, poder e dinheiro, parece ser a receita ideal para que uma série nos prenda durante 10 episódios de uma hora por temporada - e "Ozark" terá apenas 4, informação já confirmada pela própria Netflix. Estamos diante de um estudo sobre a índole humana em diversos níveis - sem dúvida essa é uma ótima definição para a série. Esse impacto do "meio" em que os personagens estão inseridos e como isso reflete em suas ações, nos passa a impressão que estamos sempre por um fio de presenciar uma verdadeira catástrofe e os criadores de "Ozark", Bill Dubuque e Mark Williams, parecem se divertir com isso.
A questão é que não só Marty Byrde parece estar cada vez mais enrolado, como todos que o rodeiam também estão. Ruth Langmore (a premiada Julia Garner) é um ótimo exemplo: mesmo focada em se dar bem na vida, ela é uma personagem completamente perdida, sem base alguma para se apoiar ou buscar orientações, e isso é tão bem escrito e interpretado que a todo momento duvidamos do que ela seria capaz de fazer, não pela falta de caráter, mas pela necessidade de esconder sua fragilidade e ter que provar para o pai (que está preso) que é tão forte quanto ele. As cenas em que ela se relaciona com a família de Byrde é de cortar o coração - reparem como esse contraponto mexe com todos!
Aquela dinâmica social de Florida Keys que vimos em "Bloodline" é praticamente a mesma em "Ozark", mas com o agravante "caipira" da região - e quando esse agravante é confrontado, os resultados são surpreendentes (lembrem disso no último episódio da primeira temporada). Os personagens Jacob Snell (Peter Mullan) e, principalmente, sua mulher Darlene Snell (Lisa Emery) são muito bem construídos, mas representam um lado quase macabro da impulsividade! Buddy Dieker (Harris Yulin) e Russ Langmore (Marc Menchaca) são outros dois grandes personagens que merecem destaque - o primeiro, inclusive, deve ter ainda mais força na segunda temporada!
Olha, "Ozark" tem um roteiro excelente, uma direção bastante competente e um elenco acima da média! É violenta, nos provoca em cada episódio uma certa discussão sobre moralidade sem nos influenciar ou deixar claro o que é certo e o que é errado - e isso é viciante! Sério, não deixem de assistir a série, vale muito a pena mesmo!!!
Ah, reparem nos símbolos que aparecem dentro do "O" (de Ozark) no início de cada episódio - são representações gráficas dos rumos que a história vai tomar a partir dali! Instiga logo de cara e de uma maneira muito inteligente!
Quando "Ozark" estreou em 2017, rapidamente ela foi definida como o "Breaking Bad da Netflix" ou até mesmo o "Novo Breaking Bad". Claro que as duas séries tem alguns elementos em comum, pontos que convergem narrativamente inclusive, mas o fato é que são séries completamente diferentes e talvez por isso, muita gente não deu o valor que "Ozark" merecia! Se como fã de "Breaking Bad" eu assisto os primeiros episódios de "Ozark", minha expectativa certamente sai abalada, pois esperar que a série da Netflix traga o mood e a cadência que Vince Gilligan imprimiu com maestria, é um erro! "Ozark" não tem elementos visuais (sequer) parecidos, o tom é completamente diferente e a velocidade como a trama é contada é quase oposta - por isso tenho a impressão que essa estratégia de marketing jogou mais contra do que a favor!
Dito isso, eu posso te afirmar sem receio algum: "Ozark" é tão espetacular quanto "Breaking Bad" e o tempo está ajudando a provar essa tese - mas olha, são séries diferentes, repito! Marty Byrde (Jason Bateman), um consultor financeiro honesto e cheio de princípios, acaba se envolvendo em um grande esquema de lavagem de dinheiro depois de descobrir um rombo nas contas de um potencial cliente que a principio dizia vender cerâmicas. A "pedido" desse mesmo cliente, mas já sabendo onde estava se metendo, Marty transforma sua empresa na fachada ideal para realizar os serviços que o narcotraficante Del (Esai Morales) precisava para manter seu dinheiro girando. Porém, o sócio de firma e melhor amigo, Bruce Liddell (Josh Randall), tenta roubar Del, mas acaba sendo descoberto e é cruelmente executado. Marty, mesmo muito abalado, consegue salvar a própria vida, prometendo para Del pagar a dívida do amigo e ainda dizendo que será capaz de lavar muito mais dinheiro se puder mudar com a família para o lago de Ozark, lugar que atrai diversos turistas no verão. Ao lado da esposa Wendy (Laura Linney) e dos filhos Charlotte (Sofia Hublitz) e Jonah (Skylar Gaertner), Marty chega em Ozark e não demora para perceber que, naquele lugar, sua missão não será tão fácil como imaginava. Confira o trailer:
Eu achei a primeira temporada quase perfeita e digo "quase" porque em dois momentos-chaves, "Ozark" não teve a coragem de bancar um caminho menos óbvio que ela mesmo estava insinuando ser o correto e que, tranquilamente, nos apunhalaria o coração sem dó, mas também nos tiraria completamente da zona de conforto e colocaria "Ozark" num patamar que poucas séries alcançaram - são cenas angustiantes, isso de fato não se perdeu, mas por alguns segundos foi possível imaginar que poderíamos estar diante de algo tão improvável como "Game of Thrones", por exemplo! Pois bem, fora essas duas escolhas duvidosas e uma ou outra distração (principalmente envolvendo a filha adolescente do casal), a série entrega um excelente entretenimento, focado em personagens incríveis e com roteiros primorosos (mas sobre isso comentarei mais abaixo). O fato é que "Ozark" é, sim, imperdível e se você, como eu, deixou para depois, largue tudo, pois a jornada de Marty Byrde é tão tensa quanto a de Walter White, porém com menos alegorias visuais e muito mais sombria, próxima de uma realidade (mesmo que absurda) como na primeira temporada de "Bloodline"!
Saber que o protagonista é um homem bom, mas que acaba comprometido em situações cada vez mais complicadas envolvendo drogas, poder e dinheiro, parece ser a receita ideal para que uma série nos prenda durante 10 episódios de uma hora por temporada - e "Ozark" terá apenas 4, informação já confirmada pela própria Netflix. Estamos diante de um estudo sobre a índole humana em diversos níveis - sem dúvida essa é uma ótima definição para a série. Esse impacto do "meio" em que os personagens estão inseridos e como isso reflete em suas ações, nos passa a impressão que estamos sempre por um fio de presenciar uma verdadeira catástrofe e os criadores de "Ozark", Bill Dubuque e Mark Williams, parecem se divertir com isso.
A questão é que não só Marty Byrde parece estar cada vez mais enrolado, como todos que o rodeiam também estão. Ruth Langmore (a premiada Julia Garner) é um ótimo exemplo: mesmo focada em se dar bem na vida, ela é uma personagem completamente perdida, sem base alguma para se apoiar ou buscar orientações, e isso é tão bem escrito e interpretado que a todo momento duvidamos do que ela seria capaz de fazer, não pela falta de caráter, mas pela necessidade de esconder sua fragilidade e ter que provar para o pai (que está preso) que é tão forte quanto ele. As cenas em que ela se relaciona com a família de Byrde é de cortar o coração - reparem como esse contraponto mexe com todos!
Aquela dinâmica social de Florida Keys que vimos em "Bloodline" é praticamente a mesma em "Ozark", mas com o agravante "caipira" da região - e quando esse agravante é confrontado, os resultados são surpreendentes (lembrem disso no último episódio da primeira temporada). Os personagens Jacob Snell (Peter Mullan) e, principalmente, sua mulher Darlene Snell (Lisa Emery) são muito bem construídos, mas representam um lado quase macabro da impulsividade! Buddy Dieker (Harris Yulin) e Russ Langmore (Marc Menchaca) são outros dois grandes personagens que merecem destaque - o primeiro, inclusive, deve ter ainda mais força na segunda temporada!
Olha, "Ozark" tem um roteiro excelente, uma direção bastante competente e um elenco acima da média! É violenta, nos provoca em cada episódio uma certa discussão sobre moralidade sem nos influenciar ou deixar claro o que é certo e o que é errado - e isso é viciante! Sério, não deixem de assistir a série, vale muito a pena mesmo!!!
Ah, reparem nos símbolos que aparecem dentro do "O" (de Ozark) no início de cada episódio - são representações gráficas dos rumos que a história vai tomar a partir dali! Instiga logo de cara e de uma maneira muito inteligente!
Não é por acaso que "Parasita" é considerado um dos melhores filmes de 2019! Embora seja uma produção sul-coreana, que para muitos pode causar um certo estranhamento devido ao idioma, o filme de Bong Joon Ho (Okja) tem elementos narrativos (e até conceituais) que nos lembram "Era uma vez em Hollywood" do Tarantino e "Nós" de Jordan Peele. É preciso deixar claro que "Parasita" é um filme de metáforas e faz do seu roteiro uma das coisas mais bacanas que assisti recentemente. Então vamos partir do principio: parasita é um organismo que vive às custas de outro organismo, obtendo dele alimento e causando danos - agora aplique isso em uma crítica muito bem embasada sobre a sociedade moderna e a diferenciação de classes. Importante: a genialidade do filme está em tocar em assuntos extremamente delicados sem precisar impor qualquer tipo de discussão filosófica ou política (por mais que ele saiba perfeitamente onde quer chegar)!
"Parasita" conta a história de como duas famílias completamente distintas socialmente que acabam se relacionando: Os "Kim", representam uma família mais pobre, que sobrevive dobrando caixas de papelão. Eles vivem em uma espécie de sótão, bem na periferia, e que mal conseguem dinheiro para comer. Os "Park", já representam um família mais rica, com um homem bem sucedido no comando e uma mulher que cuida da casa cercada de empregados e cheia de neuroses sobre a educação dos filhos. Eles vivem em uma casa maravilhosa, com muito conforto e espaço! O mundo dessas duas famílias se encontram quando, depois de uma indicação, o jovem Ki-woo (Woo-sik Choi), da família "Kin", se torna tutor de inglês da filha mais velha dos "Park", Da-hye (Ji-so Jung). Ki-woo, ao perceber que se trata de uma família bastante ingênua e completamente fora da realidade, vê a oportunidade de colocar os outros membros da família para também trabalhar com os "Park" - mesmo que para isso seja necessário trapacear e tirar quem já trabalhava lá. O interessante é que essa dinâmica dos "Kin" não carrega o peso da desonestidade e isso é discutido durante o filme sem a obrigação de se fazer julgamentos, afinal, eles "só" queriam ganhar mais dinheiro e viver com mais dignidade, embora, como parasitas, para se obter o alimento, certamente, algum dano precisaria ser causado!
Um dos elementos que mais me impressionou enquanto assistia "Parasita" foi a facilidade de como o roteiro (do próprio Bong Joon Ho e do novato Jin Won Han) traduzia cada um dos extremos sociais dessa história sem efetivamente transformar nenhum dos lados em um vilão, mesmo que apontando seus defeitos e fraquezas. O roteiro deixa muito fácil de se entender que não se tratam de pessoas más, mas de pessoas aprisionadas em mundos completamente opostos e que por isso pagam o preço das oportunidades.
Reparem como o diretor enquadra a janela principal da casa dos "Kin" - é como se eles estivem dentro de um bueiro e depois insiste em mostrar a importância (e a imponência) das escadas na casa dos "Park". Ou quando Ki-woo diz que não estava enganando ninguém ao falsificar um diploma para conseguir o emprego, apenas imprimiu ele antes de fazer a faculdade! E quando Park comenta com a esposa sobre o cheiro dos empregados e que isso lembrava muito o cheiro do metro. Ela logo responde que fazia anos que não andava de metro e mesmo assim Park retruca dizendo que as pessoas no metro tinham um cheiro bem peculiar! - é muito interessante não enxergar a maldade que os diálogos sugerem, graças a uma apresentação de personagens incrível! Outro detalhe bem interessante é a forma como os atores se movimentam em cena: os "Kin" são como baratas, esperam o momento certo para ir de um lado para o outro, enquanto os "Park" não olham para baixo em momento algum, sendo assim não percebem nem os "insetos" que os rodeiam! O filme é cheio dessas metáforas. São só exemplos e acreditem: existe muito mais profundidade nos diálogos que podemos imaginar!
A fotografia é algo interessante também, além dos já citados enquadramentos e movimentos de câmera, Kyung-pyo Hong faz um trabalho incrível ao lado do departamento de arte: a casa dos "Kim", por exemplo, é apertada, com muita coisa amontoada, sem padrão de cor para criar a sensação de caos, mas com uma certa escuridão - chega a ser angustiante, sujo. Já na casa dos "Park" vemos um estilo totalmente "clean" com tudo hermeticamente organizado ao mesmo tempo que o tom mais "pastel" e a iluminação amarelada traduz um certo aconchego. Já caminhando para o final, tem uma sequência linda, onde chove muito e sentimos exatamente o que representa as dores de tanta diferença social - o diálogo de Park Yeon-kyo no dia seguinte, só fortalece a maneira como essas realidades lidam com cada detalhe da história - é muito bom!!! Vale ressaltar que o Desenho de Produção de "Parasita" foi indicado ao Oscar 2020 e não vou me surpreender se levar! Reparem em cada detalhe, porque é muito fácil perceber a mensagem que Bong Joon Ho quer passar. O elenco está incrível: todos, sem exceção! Me surpreende nenhum dos atores ter sido indicado ao Oscar, mas a recente vitória no SAG Awards, o prêmio do Sindicato de Atores de Hollywood, corrige esse conservadorismo da Academia - e vale ressaltar que o elenco do filme coreano foi aplaudido de pé durante a premiação!
Com um orçamento de US$ 11 milhões, "Parasita" arrecadou mais que dez vezes esse valor pelo mundo inteiro, chegando a US$ 140 milhões. Ganhou mais de 150 prêmios em Festivais Internacionais (inclusive Cannes) e foi indicado para outros 150. Teve papel importante em premiações de peso como Globo de Ouro e SAG Awards. É o grande favorito (eu diria que barbada) para levar o Oscar de Filme Estrangeiro e deve beliscar pelo menos mais uma ou duas categorias das seis em que foi indicado. "Parasita" é um fenômeno do mesmo nível (ou maior) que "A vida é bela" - acredito, inclusive, que se o filme fosse americano, seria o vencedor do ano! É fato que a Academia reconhece a obra, claro, mas não sei se teria coragem de coloca-la na frente de nomes como Tarantino ou Scorsese e de filmes como 1917 ou Coringa - por merecimento, seria o campeão da noite; por intuição o páreo ainda está aberto! Não deixe de assistir!
Up-date: "Parasita" ganhou em quatro categorias no Oscar 2020: Melhor Filme, Melhor Filme Internacional, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Original!
Não é por acaso que "Parasita" é considerado um dos melhores filmes de 2019! Embora seja uma produção sul-coreana, que para muitos pode causar um certo estranhamento devido ao idioma, o filme de Bong Joon Ho (Okja) tem elementos narrativos (e até conceituais) que nos lembram "Era uma vez em Hollywood" do Tarantino e "Nós" de Jordan Peele. É preciso deixar claro que "Parasita" é um filme de metáforas e faz do seu roteiro uma das coisas mais bacanas que assisti recentemente. Então vamos partir do principio: parasita é um organismo que vive às custas de outro organismo, obtendo dele alimento e causando danos - agora aplique isso em uma crítica muito bem embasada sobre a sociedade moderna e a diferenciação de classes. Importante: a genialidade do filme está em tocar em assuntos extremamente delicados sem precisar impor qualquer tipo de discussão filosófica ou política (por mais que ele saiba perfeitamente onde quer chegar)!
"Parasita" conta a história de como duas famílias completamente distintas socialmente que acabam se relacionando: Os "Kim", representam uma família mais pobre, que sobrevive dobrando caixas de papelão. Eles vivem em uma espécie de sótão, bem na periferia, e que mal conseguem dinheiro para comer. Os "Park", já representam um família mais rica, com um homem bem sucedido no comando e uma mulher que cuida da casa cercada de empregados e cheia de neuroses sobre a educação dos filhos. Eles vivem em uma casa maravilhosa, com muito conforto e espaço! O mundo dessas duas famílias se encontram quando, depois de uma indicação, o jovem Ki-woo (Woo-sik Choi), da família "Kin", se torna tutor de inglês da filha mais velha dos "Park", Da-hye (Ji-so Jung). Ki-woo, ao perceber que se trata de uma família bastante ingênua e completamente fora da realidade, vê a oportunidade de colocar os outros membros da família para também trabalhar com os "Park" - mesmo que para isso seja necessário trapacear e tirar quem já trabalhava lá. O interessante é que essa dinâmica dos "Kin" não carrega o peso da desonestidade e isso é discutido durante o filme sem a obrigação de se fazer julgamentos, afinal, eles "só" queriam ganhar mais dinheiro e viver com mais dignidade, embora, como parasitas, para se obter o alimento, certamente, algum dano precisaria ser causado!
Um dos elementos que mais me impressionou enquanto assistia "Parasita" foi a facilidade de como o roteiro (do próprio Bong Joon Ho e do novato Jin Won Han) traduzia cada um dos extremos sociais dessa história sem efetivamente transformar nenhum dos lados em um vilão, mesmo que apontando seus defeitos e fraquezas. O roteiro deixa muito fácil de se entender que não se tratam de pessoas más, mas de pessoas aprisionadas em mundos completamente opostos e que por isso pagam o preço das oportunidades.
Reparem como o diretor enquadra a janela principal da casa dos "Kin" - é como se eles estivem dentro de um bueiro e depois insiste em mostrar a importância (e a imponência) das escadas na casa dos "Park". Ou quando Ki-woo diz que não estava enganando ninguém ao falsificar um diploma para conseguir o emprego, apenas imprimiu ele antes de fazer a faculdade! E quando Park comenta com a esposa sobre o cheiro dos empregados e que isso lembrava muito o cheiro do metro. Ela logo responde que fazia anos que não andava de metro e mesmo assim Park retruca dizendo que as pessoas no metro tinham um cheiro bem peculiar! - é muito interessante não enxergar a maldade que os diálogos sugerem, graças a uma apresentação de personagens incrível! Outro detalhe bem interessante é a forma como os atores se movimentam em cena: os "Kin" são como baratas, esperam o momento certo para ir de um lado para o outro, enquanto os "Park" não olham para baixo em momento algum, sendo assim não percebem nem os "insetos" que os rodeiam! O filme é cheio dessas metáforas. São só exemplos e acreditem: existe muito mais profundidade nos diálogos que podemos imaginar!
A fotografia é algo interessante também, além dos já citados enquadramentos e movimentos de câmera, Kyung-pyo Hong faz um trabalho incrível ao lado do departamento de arte: a casa dos "Kim", por exemplo, é apertada, com muita coisa amontoada, sem padrão de cor para criar a sensação de caos, mas com uma certa escuridão - chega a ser angustiante, sujo. Já na casa dos "Park" vemos um estilo totalmente "clean" com tudo hermeticamente organizado ao mesmo tempo que o tom mais "pastel" e a iluminação amarelada traduz um certo aconchego. Já caminhando para o final, tem uma sequência linda, onde chove muito e sentimos exatamente o que representa as dores de tanta diferença social - o diálogo de Park Yeon-kyo no dia seguinte, só fortalece a maneira como essas realidades lidam com cada detalhe da história - é muito bom!!! Vale ressaltar que o Desenho de Produção de "Parasita" foi indicado ao Oscar 2020 e não vou me surpreender se levar! Reparem em cada detalhe, porque é muito fácil perceber a mensagem que Bong Joon Ho quer passar. O elenco está incrível: todos, sem exceção! Me surpreende nenhum dos atores ter sido indicado ao Oscar, mas a recente vitória no SAG Awards, o prêmio do Sindicato de Atores de Hollywood, corrige esse conservadorismo da Academia - e vale ressaltar que o elenco do filme coreano foi aplaudido de pé durante a premiação!
Com um orçamento de US$ 11 milhões, "Parasita" arrecadou mais que dez vezes esse valor pelo mundo inteiro, chegando a US$ 140 milhões. Ganhou mais de 150 prêmios em Festivais Internacionais (inclusive Cannes) e foi indicado para outros 150. Teve papel importante em premiações de peso como Globo de Ouro e SAG Awards. É o grande favorito (eu diria que barbada) para levar o Oscar de Filme Estrangeiro e deve beliscar pelo menos mais uma ou duas categorias das seis em que foi indicado. "Parasita" é um fenômeno do mesmo nível (ou maior) que "A vida é bela" - acredito, inclusive, que se o filme fosse americano, seria o vencedor do ano! É fato que a Academia reconhece a obra, claro, mas não sei se teria coragem de coloca-la na frente de nomes como Tarantino ou Scorsese e de filmes como 1917 ou Coringa - por merecimento, seria o campeão da noite; por intuição o páreo ainda está aberto! Não deixe de assistir!
Up-date: "Parasita" ganhou em quatro categorias no Oscar 2020: Melhor Filme, Melhor Filme Internacional, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Original!