Mais do que um soco no estômago (o que de fato, é), "Zona de Interesse" é um verdadeiro tapa na cara da audiência quando, respeitando a potência e a importância da história que está sendo contata, criamos uma certa analogia com o mundo que vivemos hoje - especialmente se olharmos pelo prisma das diferenças sociais tão latentes e que cada vez vem ganhando mais espaço e profundidade pelas mãos do cinema independente (basta olharmos para o sucesso de "Parasita", por exemplo). Pois bem, o filme do diretor Jonathan Glazer nem de longe será uma unanimidade e certamente deve afastar aqueles que buscam respostas claras em uma narrativa. Aqui temos uma experiência cinematográfica visceral e perturbadora, mas muito mais pelo que é sugerido do que pelo que é mostrado - não por acaso que o filme surpreendeu no Oscar 2024 ao levar o prêmio de Melhor Desenho de Som. Aclamado pela crítica e vencedor do prêmio FIPRESCI no Festival de Cannes, além do Oscar de Melhor Filme Internacional, "Zona de Interesse" nos leva a um olhar instigante sobre a banalidade do egoísmo e da relação humana perante o desconfortável.
Na trama acompanhamos o comandante Rudolf Höss (Christian Friedel) e sua esposa Hedwig (Sandra Hüller) enquanto constroem uma vida familiar bucólica em uma casa de luxo exatamente ao lado do campo de concentração de Auschwitz. A rotina doméstica, com seus afazeres banais e conversas triviais, contrasta brutalmente com os horrores que se desenrolam a poucos metros de distância - não raramente simbolizado pelos sons de tiros, gritos e até de um potente incinerador noturno. Essa justaposição cria um efeito tão desconcertante que temos a exata noção do que é morar ao lado do inferno sem ter que olhar para ele. Confira o trailer e sinta o clima:
"Zona de Interesse" não é um filme fácil de assistir - em sua forma e em seu conteúdo. Através de sua abordagem original e corajosa, o filme nos convida a confrontar os horrores do passado e a refletir sobre as raízes do mal, tanto na sociedade quanto no indivíduo - existe um tom de urgência em sua proposta conceitual que sem a menor dúvida coloca o filme naquela prateleira de obra tão necessária quanto importante.Glazer, que basicamente construiu sua carreira dirigindo videos musicais de bandas consagradas como "Massive Attack"e "Radiohead", utiliza uma série de recursos técnicos e estéticos para criar e desenvolver a atmosfera extremamente claustrofóbica e opressora de Auschwitz com o cuidado de não expor visualmente nenhum de seus horrores. Aqui o foco não é o horror em si, mas a percepção dele pelo olhar de quem não quer enfrentá-lo por estar em uma posição mais confortável socialmente.
A fotografia do grande Lukasz Zal (indicado ao Oscar por "Guerra Fria" e pelo fabuloso "Ida") se apropria de enquadramentos rigorosos para criar uma abismo estético entre o real e o fantasioso. Se de um lado do muro as cores brotam do chão a partir da delicadeza das flores em um encontro simbólico entre a paz, a segurança e a tranquilidade; do outro o que vemos é o frio e o monocromático dos tons de cinza e marrom. Reparem como essa experiência visual nos lembra o contraste tão marcante de "Florida Project". A direção precisa de Glazer (uma das melhores do ano) sabe nos provocar de uma maneira muito sensorial, nos jogando por uma jornada perturbadora, sem jamais cair na exploração gratuita da violência ou no sentimentalismo - e é com o apoio da trilha sonora minimalista e de um premiado desenho de som, que temos uma mixagem/aula sobre criação de desconforto e de angústia constantes.
"Zona de Interesse" é mesmo um filme imperdível, mas sua identidade mais independente tende a dividir opiniões. Sem perder aquele natural incômodo de um ritmo super cadenciado, Glazer parece não querer questionar os motivos das crueldades que acontecem do "outro lado do muro" ou até mesmo as motivações dos Höss em se fazerem de surdos em troca de uma vida pautada pela comodidade - e aqui é muito interessante reparar como os personagens secundários lidam com essa mesma condição, mas com propósitos diametralmente opostos. Ainda que o filme pareça trazer para os holofotes toda a crueldade nazista, seu objetivo mesmo é pontuar como o comportamento humano se adapta àquela zona de conforto (ou de interesse) sem muito questionar o status quo.
Imperdível em vários sentidos!
Mais do que um soco no estômago (o que de fato, é), "Zona de Interesse" é um verdadeiro tapa na cara da audiência quando, respeitando a potência e a importância da história que está sendo contata, criamos uma certa analogia com o mundo que vivemos hoje - especialmente se olharmos pelo prisma das diferenças sociais tão latentes e que cada vez vem ganhando mais espaço e profundidade pelas mãos do cinema independente (basta olharmos para o sucesso de "Parasita", por exemplo). Pois bem, o filme do diretor Jonathan Glazer nem de longe será uma unanimidade e certamente deve afastar aqueles que buscam respostas claras em uma narrativa. Aqui temos uma experiência cinematográfica visceral e perturbadora, mas muito mais pelo que é sugerido do que pelo que é mostrado - não por acaso que o filme surpreendeu no Oscar 2024 ao levar o prêmio de Melhor Desenho de Som. Aclamado pela crítica e vencedor do prêmio FIPRESCI no Festival de Cannes, além do Oscar de Melhor Filme Internacional, "Zona de Interesse" nos leva a um olhar instigante sobre a banalidade do egoísmo e da relação humana perante o desconfortável.
Na trama acompanhamos o comandante Rudolf Höss (Christian Friedel) e sua esposa Hedwig (Sandra Hüller) enquanto constroem uma vida familiar bucólica em uma casa de luxo exatamente ao lado do campo de concentração de Auschwitz. A rotina doméstica, com seus afazeres banais e conversas triviais, contrasta brutalmente com os horrores que se desenrolam a poucos metros de distância - não raramente simbolizado pelos sons de tiros, gritos e até de um potente incinerador noturno. Essa justaposição cria um efeito tão desconcertante que temos a exata noção do que é morar ao lado do inferno sem ter que olhar para ele. Confira o trailer e sinta o clima:
"Zona de Interesse" não é um filme fácil de assistir - em sua forma e em seu conteúdo. Através de sua abordagem original e corajosa, o filme nos convida a confrontar os horrores do passado e a refletir sobre as raízes do mal, tanto na sociedade quanto no indivíduo - existe um tom de urgência em sua proposta conceitual que sem a menor dúvida coloca o filme naquela prateleira de obra tão necessária quanto importante.Glazer, que basicamente construiu sua carreira dirigindo videos musicais de bandas consagradas como "Massive Attack"e "Radiohead", utiliza uma série de recursos técnicos e estéticos para criar e desenvolver a atmosfera extremamente claustrofóbica e opressora de Auschwitz com o cuidado de não expor visualmente nenhum de seus horrores. Aqui o foco não é o horror em si, mas a percepção dele pelo olhar de quem não quer enfrentá-lo por estar em uma posição mais confortável socialmente.
A fotografia do grande Lukasz Zal (indicado ao Oscar por "Guerra Fria" e pelo fabuloso "Ida") se apropria de enquadramentos rigorosos para criar uma abismo estético entre o real e o fantasioso. Se de um lado do muro as cores brotam do chão a partir da delicadeza das flores em um encontro simbólico entre a paz, a segurança e a tranquilidade; do outro o que vemos é o frio e o monocromático dos tons de cinza e marrom. Reparem como essa experiência visual nos lembra o contraste tão marcante de "Florida Project". A direção precisa de Glazer (uma das melhores do ano) sabe nos provocar de uma maneira muito sensorial, nos jogando por uma jornada perturbadora, sem jamais cair na exploração gratuita da violência ou no sentimentalismo - e é com o apoio da trilha sonora minimalista e de um premiado desenho de som, que temos uma mixagem/aula sobre criação de desconforto e de angústia constantes.
"Zona de Interesse" é mesmo um filme imperdível, mas sua identidade mais independente tende a dividir opiniões. Sem perder aquele natural incômodo de um ritmo super cadenciado, Glazer parece não querer questionar os motivos das crueldades que acontecem do "outro lado do muro" ou até mesmo as motivações dos Höss em se fazerem de surdos em troca de uma vida pautada pela comodidade - e aqui é muito interessante reparar como os personagens secundários lidam com essa mesma condição, mas com propósitos diametralmente opostos. Ainda que o filme pareça trazer para os holofotes toda a crueldade nazista, seu objetivo mesmo é pontuar como o comportamento humano se adapta àquela zona de conforto (ou de interesse) sem muito questionar o status quo.
Imperdível em vários sentidos!