Tiger Woods foi um verdadeiro fenômeno - no esporte e no marketing. Colocou o golfe sob os holofotes da imprensa esportiva no mesmo nível que um jogo dos Bulls de Jordan - e isso não é suposição, são números! Um jovem negro, em um esporte elitista, majoritariamente praticado por brancos, que se torna profissional com apenas 19 anos, vence mais de 70 torneios profissionais e 15 majors, é o segundo maior vencedor da história - justamente por isso, esse documentário da HBO em duas partes, é tão incrível: por que um fenômeno como Woods não se tornou o maior jogador de golfe de todos os tempos? A resposta é muito simples: não é fácil ser o Tiger Woods que a mídia precisava que ele fosse! Abstraindo todo julgamento moral, afinal, quem somos nós para julgar, "Tiger" pontua grande parte da carreira do campeão, mas também tenta encontrar respostas para seu comportamento fora de campo. Confira o trailer:
Os diretores Matthew Hamachek (de "Guerra dos Consoles") e Matthew Heineman (de "Cartel Land" - indicado ao Oscar de documentário em 2016) traçam uma verdadeira jornada do herói e constroem uma narrativa de admiração e empatia com o protagonista na primeira parte que, propositalmente, entra em colapso na segunda. Seguindo um conceito muito bem definido, onde entrevistam personagens que orbitaram no universo de Woods em vários momentos da vida do campeão, imagens de arquivos, tanto pessoal, quanto de veículos de comunicação; o documentário cria uma dinâmica que fica impossível não embarcar (mesmo não sabendo absolutamente nada do esporte). Diferente de "Last Dance" onde o foco era a história de uma conquista, se apoiando na construção de um mito; em "Tiger" o mito é construído rapidamente, mas completamente humanizado a partir dos seus erros como marido e como homem.
"Tiger" não é um projeto isento de opiniões pessoais ou de retratação pública, entendam como quiser; o fato é que a narrativa soube destacar o quanto a hipocrisia está presente dentro na sociedade americana, especialmente na mídia, e como a necessidade de construir mitos para depois ter o prazer de destrui-los se torna uma sombra na vida de quase todos os esportistas em qualquer lugar do mundo - reparem, reflitam e percebam como essa história não tem nada de novo!
Da relação com o pai, com a mãe, com a namorada e com a mulher traída, ao reflexo de muita dedicação e talento, "Tiger" é um obra essencial para entender o outro lado, menos glamuroso, que quase sempre é esquecido pelo simples incomodo que o sucesso pode provocar nas pessoas. O documentário é imperdível por isso e pelo registro da história de um dos maiores esportistas de todos os tempos e de todos os esportes!
Tiger Woods foi um verdadeiro fenômeno - no esporte e no marketing. Colocou o golfe sob os holofotes da imprensa esportiva no mesmo nível que um jogo dos Bulls de Jordan - e isso não é suposição, são números! Um jovem negro, em um esporte elitista, majoritariamente praticado por brancos, que se torna profissional com apenas 19 anos, vence mais de 70 torneios profissionais e 15 majors, é o segundo maior vencedor da história - justamente por isso, esse documentário da HBO em duas partes, é tão incrível: por que um fenômeno como Woods não se tornou o maior jogador de golfe de todos os tempos? A resposta é muito simples: não é fácil ser o Tiger Woods que a mídia precisava que ele fosse! Abstraindo todo julgamento moral, afinal, quem somos nós para julgar, "Tiger" pontua grande parte da carreira do campeão, mas também tenta encontrar respostas para seu comportamento fora de campo. Confira o trailer:
Os diretores Matthew Hamachek (de "Guerra dos Consoles") e Matthew Heineman (de "Cartel Land" - indicado ao Oscar de documentário em 2016) traçam uma verdadeira jornada do herói e constroem uma narrativa de admiração e empatia com o protagonista na primeira parte que, propositalmente, entra em colapso na segunda. Seguindo um conceito muito bem definido, onde entrevistam personagens que orbitaram no universo de Woods em vários momentos da vida do campeão, imagens de arquivos, tanto pessoal, quanto de veículos de comunicação; o documentário cria uma dinâmica que fica impossível não embarcar (mesmo não sabendo absolutamente nada do esporte). Diferente de "Last Dance" onde o foco era a história de uma conquista, se apoiando na construção de um mito; em "Tiger" o mito é construído rapidamente, mas completamente humanizado a partir dos seus erros como marido e como homem.
"Tiger" não é um projeto isento de opiniões pessoais ou de retratação pública, entendam como quiser; o fato é que a narrativa soube destacar o quanto a hipocrisia está presente dentro na sociedade americana, especialmente na mídia, e como a necessidade de construir mitos para depois ter o prazer de destrui-los se torna uma sombra na vida de quase todos os esportistas em qualquer lugar do mundo - reparem, reflitam e percebam como essa história não tem nada de novo!
Da relação com o pai, com a mãe, com a namorada e com a mulher traída, ao reflexo de muita dedicação e talento, "Tiger" é um obra essencial para entender o outro lado, menos glamuroso, que quase sempre é esquecido pelo simples incomodo que o sucesso pode provocar nas pessoas. O documentário é imperdível por isso e pelo registro da história de um dos maiores esportistas de todos os tempos e de todos os esportes!
"Time" vai muito além do que uma crítica ao sistema prisional americano ou a forma como o judiciário lida com os crimes cometidos por negros e pobres - o documentário fala sobre a solidão! Esse sentimento, tão doloroso, e ainda potencializado pelas repetidas decepções de um luta quase que diária pela liberdade, mas vista, olhem só, pelos olhos de quem está livre!
Nos anos 90, ainda muito jovens e cheios de sonhos, Fox e Rob Rich tentaram assaltar um banco em um ato de desespero, depois de ver seu negócio fracassar e se afundarem em dívidas. O resultado: ambos foram presos. Ela recebeu uma sentença de 13 anos, mas foi solta depois de três anos e meio. Ele pegou 60 anos de prisão, sem direito a fiança ou liberdade condicional. Confira o trailer:
Dirigido pela vencedora da categoria em Sundance (2020), Garrett Bradley usa de uma linguagem quase experimental para expor o que de mais íntimo acontece com Fox Rich assim que ela consegue sua liberdade. Única responsável por sua família com seis filhos, ela precisa encontrar uma maneira de manter a união, a esperança e, de alguma forma, ainda sobreviver perante uma dura realidade sem a presença do marido, preso. O interessante é que a diretora se apega as dificuldades do dia a dia e explora a dor que é não poder controlar o "tempo" (daí o nome do documentário): o bem mais precioso que um ser humano pode ter para ser feliz e que é ceifado pelo sistema. São gravações pessoais de Fox, misturadas ao trabalho de Bradley, que humanizam esses sentimentos e nos provocam a entender o valor da empatia.
Vale ressaltar que o documentário, embora crítico, não coloca Fox na posição de vítima - ela tem total consciência da besteira que cometeu e como suas atitudes influenciaram na vida de tantas famílias, inclusive na sua. O que vale, e isso também é genial, é que para toda história existem dois lados e ao quebrar a necessidade do julgamento e focar nos sentimentos, do arrependimento ao amor incondicional, "Time" prioriza muito mais os efeitos do encarceramento do que os fatos e acontecimentos em si!
Posso garantir que esse documentário vem forte para temporada de premiações em 2021!Vale muito a pena o seu play!
"Time" vai muito além do que uma crítica ao sistema prisional americano ou a forma como o judiciário lida com os crimes cometidos por negros e pobres - o documentário fala sobre a solidão! Esse sentimento, tão doloroso, e ainda potencializado pelas repetidas decepções de um luta quase que diária pela liberdade, mas vista, olhem só, pelos olhos de quem está livre!
Nos anos 90, ainda muito jovens e cheios de sonhos, Fox e Rob Rich tentaram assaltar um banco em um ato de desespero, depois de ver seu negócio fracassar e se afundarem em dívidas. O resultado: ambos foram presos. Ela recebeu uma sentença de 13 anos, mas foi solta depois de três anos e meio. Ele pegou 60 anos de prisão, sem direito a fiança ou liberdade condicional. Confira o trailer:
Dirigido pela vencedora da categoria em Sundance (2020), Garrett Bradley usa de uma linguagem quase experimental para expor o que de mais íntimo acontece com Fox Rich assim que ela consegue sua liberdade. Única responsável por sua família com seis filhos, ela precisa encontrar uma maneira de manter a união, a esperança e, de alguma forma, ainda sobreviver perante uma dura realidade sem a presença do marido, preso. O interessante é que a diretora se apega as dificuldades do dia a dia e explora a dor que é não poder controlar o "tempo" (daí o nome do documentário): o bem mais precioso que um ser humano pode ter para ser feliz e que é ceifado pelo sistema. São gravações pessoais de Fox, misturadas ao trabalho de Bradley, que humanizam esses sentimentos e nos provocam a entender o valor da empatia.
Vale ressaltar que o documentário, embora crítico, não coloca Fox na posição de vítima - ela tem total consciência da besteira que cometeu e como suas atitudes influenciaram na vida de tantas famílias, inclusive na sua. O que vale, e isso também é genial, é que para toda história existem dois lados e ao quebrar a necessidade do julgamento e focar nos sentimentos, do arrependimento ao amor incondicional, "Time" prioriza muito mais os efeitos do encarceramento do que os fatos e acontecimentos em si!
Posso garantir que esse documentário vem forte para temporada de premiações em 2021!Vale muito a pena o seu play!
Duro, mas emocionante como a vida pode ser! Finalmente estreou no Brasil o documentário indicado em três categorias no Emmy de 2021, "Tina"! Em meio a tantas cinebiografias, essa maravilhosa produção da HBO nos remete ao universo de uma verdadeira Diva ou, como ela mesma gosta de se posicionar, de uma verdadeira lenda do rock’n’roll! A grande questão porém, é que o roteiro (como não podia deixar de ser) foca pouco mais da metade do seu tempo nas dores mais profundas da cantora enquanto ainda era casada com Ike Turner, ex-marido e figura abusiva que marcou a carreira e a vida de Tina Turner, deixando sua redenção apenas para o final do segundo ato, onde, aí sim, conseguimos relaxar de uma narrativa extremamente densa e curtir alguns dos sucessos que fizeram muita gente dançar nos anos 80.
"Tina" se propõe a fazer um recorte bastante delicado da vida e da carreira da cantora americana Tina Turner. Ela que começou sua carreira cantando em corais de igrejas e virou uma das maiores artistas de sua geração, superou as probabilidades impossíveis de se tornar uma das primeiras artistas afro-americanas a alcançar um público internacional capaz de lotar estádios e ainda chegar ao primeiro lugar da Billboard. Confira o trailer (em inglês):
Existe uma arriscada escolha conceitual dos diretores e roteiristas Daniel Lindsay e T.J. Martin (vencedores do Oscar em 2012 pelo incrível "Undefeated") ao desenhar uma árdua linha do tempo que nos movimenta pela história de Tina Turner - veja, ao assumir alguns pontos contrastantes em relação ao que representou a cantora na sua vida pública e na sua vida privada, "Tina" acaba reconectando a protagonista com seus piores fantasmas, deixando boa parte da história muito cadenciada e realmente densa. Seu depoimento inicial, por exemplo, é forte, dolorido e carrega um certo tom de melancolia e isso impacta diretamente na nossa experiência como audiência, já que nem todos vão suportar o baque da narrativa - o que eu quero dizer é que não existe um equilíbrio, tudo de ruim é jogado na nossa cara sem dó!
Por outro lado, passada a tempestade, a sensação de alívio é enorme e é quando somos tomados pela emoção, pela nostalgia e passamos a valorizar ainda mais as conquistas de Tina Turner. É muito interessante como os depoimentos vão sendo recortados com imagens de arquivo nunca antes mostrados e gravações de antigas entrevistas com a própria cantora que contextualizam exatamente o momento que ela estava passando e tudo que ela vinha carregando. Aqui cabe um comentário pessoal, duas passagens me chamaram a atenção: a tentativa de suicídio contado por ela e uma entrevista onde o entrevistador pergunta se ela já amou ou foi amada durante a vida! Olha, se prepare para sentir uma facada no peito!
A proposta de pontuar o processo de redenção de Tina Turner parece encontrar um final apoteótico com esse documentário. Com alguma variedade de fortes depoimentos, de gente de peso como Oprah Winfrey e Angela Bassett (que viveu a cantora em sua cinebiografia de 1993, chamada "Tina – A verdadeira história de Tina Turner") além, é claro, dos relatos da própria protagonista (hoje uma jovem senhora cheia de vida), "Tina" tem o mérito de organizar perfeitamente a trajetória de uma vida difícil, mas que serviu como combustível para moldar a cantora que conhecemos dançando com aquele sorriso fácil como poucas artistas de sua geração. Não é exagero afirmar que a emoção vai tomando conta da narrativa, trocando a dor pela alegria, como se fosse um belíssimo prêmio por termos dividido tantos momentos complicados com a protagonista - e te garanto: não deixe de assistir os créditos após o "black" do final, serão os créditos mais especiais que você vai assistir em muito tempo!
Vale demais o seu play!
Em tempo, Tina lançou uma autobiografia no início dos anos 1990 chamada "Tina Turner: Minha história de amor" e atualmente um espetáculo vem fazendo muito sucesso na Broadway: "Tina -The Tina Turner Musical".
Duro, mas emocionante como a vida pode ser! Finalmente estreou no Brasil o documentário indicado em três categorias no Emmy de 2021, "Tina"! Em meio a tantas cinebiografias, essa maravilhosa produção da HBO nos remete ao universo de uma verdadeira Diva ou, como ela mesma gosta de se posicionar, de uma verdadeira lenda do rock’n’roll! A grande questão porém, é que o roteiro (como não podia deixar de ser) foca pouco mais da metade do seu tempo nas dores mais profundas da cantora enquanto ainda era casada com Ike Turner, ex-marido e figura abusiva que marcou a carreira e a vida de Tina Turner, deixando sua redenção apenas para o final do segundo ato, onde, aí sim, conseguimos relaxar de uma narrativa extremamente densa e curtir alguns dos sucessos que fizeram muita gente dançar nos anos 80.
"Tina" se propõe a fazer um recorte bastante delicado da vida e da carreira da cantora americana Tina Turner. Ela que começou sua carreira cantando em corais de igrejas e virou uma das maiores artistas de sua geração, superou as probabilidades impossíveis de se tornar uma das primeiras artistas afro-americanas a alcançar um público internacional capaz de lotar estádios e ainda chegar ao primeiro lugar da Billboard. Confira o trailer (em inglês):
Existe uma arriscada escolha conceitual dos diretores e roteiristas Daniel Lindsay e T.J. Martin (vencedores do Oscar em 2012 pelo incrível "Undefeated") ao desenhar uma árdua linha do tempo que nos movimenta pela história de Tina Turner - veja, ao assumir alguns pontos contrastantes em relação ao que representou a cantora na sua vida pública e na sua vida privada, "Tina" acaba reconectando a protagonista com seus piores fantasmas, deixando boa parte da história muito cadenciada e realmente densa. Seu depoimento inicial, por exemplo, é forte, dolorido e carrega um certo tom de melancolia e isso impacta diretamente na nossa experiência como audiência, já que nem todos vão suportar o baque da narrativa - o que eu quero dizer é que não existe um equilíbrio, tudo de ruim é jogado na nossa cara sem dó!
Por outro lado, passada a tempestade, a sensação de alívio é enorme e é quando somos tomados pela emoção, pela nostalgia e passamos a valorizar ainda mais as conquistas de Tina Turner. É muito interessante como os depoimentos vão sendo recortados com imagens de arquivo nunca antes mostrados e gravações de antigas entrevistas com a própria cantora que contextualizam exatamente o momento que ela estava passando e tudo que ela vinha carregando. Aqui cabe um comentário pessoal, duas passagens me chamaram a atenção: a tentativa de suicídio contado por ela e uma entrevista onde o entrevistador pergunta se ela já amou ou foi amada durante a vida! Olha, se prepare para sentir uma facada no peito!
A proposta de pontuar o processo de redenção de Tina Turner parece encontrar um final apoteótico com esse documentário. Com alguma variedade de fortes depoimentos, de gente de peso como Oprah Winfrey e Angela Bassett (que viveu a cantora em sua cinebiografia de 1993, chamada "Tina – A verdadeira história de Tina Turner") além, é claro, dos relatos da própria protagonista (hoje uma jovem senhora cheia de vida), "Tina" tem o mérito de organizar perfeitamente a trajetória de uma vida difícil, mas que serviu como combustível para moldar a cantora que conhecemos dançando com aquele sorriso fácil como poucas artistas de sua geração. Não é exagero afirmar que a emoção vai tomando conta da narrativa, trocando a dor pela alegria, como se fosse um belíssimo prêmio por termos dividido tantos momentos complicados com a protagonista - e te garanto: não deixe de assistir os créditos após o "black" do final, serão os créditos mais especiais que você vai assistir em muito tempo!
Vale demais o seu play!
Em tempo, Tina lançou uma autobiografia no início dos anos 1990 chamada "Tina Turner: Minha história de amor" e atualmente um espetáculo vem fazendo muito sucesso na Broadway: "Tina -The Tina Turner Musical".
"Todo dia a mesma noite" é excelente, porém é preciso um certo alerta para os pais e mães que estão lendo essa análise: a jornada será especialmente difícil, já que é impossível não gerar empatia por aqueles personagens e pelo momento que eles estão passando. A minissérie da Netflix que revive os acontecimentos da Boate Kiss em Santa Maria não é, necessariamente, sobre a noite da tragédia e sim sobre os reflexos na vida de quem sobreviveu e, principalmente, é sobre a luta por justiça daqueles que perderam seus filhos de uma forma tão absurda quanto brutal. Olha, a dor será quase insuportável!
Baseada no livro homônimo da jornalista e escritora Daniela Arbex, "Todo dia a mesma noite" relembra aquela noite de janeiro de 2013 onde 242 jovens perderam a vida na Boate Kiss e todas as noites que se repetiram para os sobreviventes e familiares até hoje. A partir dos trágicos acontecimentos, acompanhamos toda luta por justiça, liderada pelos pais das vítimas, para que algo parecido nunca mais se voltasse acontecer. Confira o trailer:
Existe uma certa economia narrativa (muito inteligente, aliás) ao reconstruir a linha do tempo da tragédia. Os cinco episódios, são mais do que necessários e tirando uma ou outra passagem, tem uma dinâmica extremamente eficaz que praticamente nos impede de parar de assistir enquanto o final não chega. A história é cruel, mas a forma como o roteirista Gustavo Lipsztein (de "1 Contra Todos") e a diretora geral Julia Rezende (de "De Pernas pro Ar 3") nos conduzem pela jornada, acaba provocando um efeito de solidariedade, uma identificação imediata, que mesmo naquele enorme desconforto, nos mantém envolvidos em um lugar bem particular entre a tristeza pelas vítimas e a indignação pela impunidade.
A produção é de altíssimo nível - tanto Julia quanto a co-diretora Carol Minêm (de "O Rei da TV") são extremamente competentes em usar uma certa limitação cênica à favor da narrativa. Veja, em nenhum momento a minissérie transforma o terror do interior da boate em algo que pudesse gerar muito impacto visual - assim que o incêndio começa, o foco se afasta dos personagens e passa a retratar a escuridão e o pânico em si. Rapidamente se estabelece o caos, de dentro para fora, mas nunca pautado no detalhe sórdido e descartável do sensacionalismo - esse equilíbrio é praticamente perfeito, porém alguns artifícios narrativos nos ferem demais: os celulares tocando em meio aos corpos cobertos após a noticia do incêndio começar a circular na pequena cidade e a sequência dos pais de um jovem procurando pelo carro no estacionamento e não pelo corpo do filho na rua, são ótimos e sensíveis exemplos desse cuidado com a verdade crua demais.
Paulo Gorgulho, Bianca Byington, Leonardo Medeiros, Debora Lamm e Thelmo Fernandes, mesmo derrapando no sotaque (pra que forçar algo que nunca funcionou?) e em algumas frases prontas, brilham na segunda metade da minissérie quando os holofotes passam a ser a luta por justiça e não a dor da perda de um filho. O desenho de produção que recriou o interior e o exterior da boate merece elogios e a fotografia do Dante Belluti (de "Todas as Mulheres do Mundo") está impecável no mesmo nível. Minha única crítica cai na necessidade de usar a trilha sonora como gatilho emocional quando a própria cena e o trabalho dos atores já dariam conta do recado - chega a irritar o fade in e fade out constante da música incidental!
"Todo dia a mesma noite" nos toca a alma ao mesmo tempo em que consegue mexer em uma ferida que vai além do sentimentalismo barato. A jornada é dura, densa, cruel, mas também é provocadora e importante para mostrar algo que todo mundo já sabe: o lixo que é nosso sistema judiciário e como os poderosos estão sempre protegidos. O fato é que "ninguém queria matar, mas matou" - e foram 242 jovens que, inclusive, poderiam ser filhos de qualquer um de nós!
Vale muito o seu play!
"Todo dia a mesma noite" é excelente, porém é preciso um certo alerta para os pais e mães que estão lendo essa análise: a jornada será especialmente difícil, já que é impossível não gerar empatia por aqueles personagens e pelo momento que eles estão passando. A minissérie da Netflix que revive os acontecimentos da Boate Kiss em Santa Maria não é, necessariamente, sobre a noite da tragédia e sim sobre os reflexos na vida de quem sobreviveu e, principalmente, é sobre a luta por justiça daqueles que perderam seus filhos de uma forma tão absurda quanto brutal. Olha, a dor será quase insuportável!
Baseada no livro homônimo da jornalista e escritora Daniela Arbex, "Todo dia a mesma noite" relembra aquela noite de janeiro de 2013 onde 242 jovens perderam a vida na Boate Kiss e todas as noites que se repetiram para os sobreviventes e familiares até hoje. A partir dos trágicos acontecimentos, acompanhamos toda luta por justiça, liderada pelos pais das vítimas, para que algo parecido nunca mais se voltasse acontecer. Confira o trailer:
Existe uma certa economia narrativa (muito inteligente, aliás) ao reconstruir a linha do tempo da tragédia. Os cinco episódios, são mais do que necessários e tirando uma ou outra passagem, tem uma dinâmica extremamente eficaz que praticamente nos impede de parar de assistir enquanto o final não chega. A história é cruel, mas a forma como o roteirista Gustavo Lipsztein (de "1 Contra Todos") e a diretora geral Julia Rezende (de "De Pernas pro Ar 3") nos conduzem pela jornada, acaba provocando um efeito de solidariedade, uma identificação imediata, que mesmo naquele enorme desconforto, nos mantém envolvidos em um lugar bem particular entre a tristeza pelas vítimas e a indignação pela impunidade.
A produção é de altíssimo nível - tanto Julia quanto a co-diretora Carol Minêm (de "O Rei da TV") são extremamente competentes em usar uma certa limitação cênica à favor da narrativa. Veja, em nenhum momento a minissérie transforma o terror do interior da boate em algo que pudesse gerar muito impacto visual - assim que o incêndio começa, o foco se afasta dos personagens e passa a retratar a escuridão e o pânico em si. Rapidamente se estabelece o caos, de dentro para fora, mas nunca pautado no detalhe sórdido e descartável do sensacionalismo - esse equilíbrio é praticamente perfeito, porém alguns artifícios narrativos nos ferem demais: os celulares tocando em meio aos corpos cobertos após a noticia do incêndio começar a circular na pequena cidade e a sequência dos pais de um jovem procurando pelo carro no estacionamento e não pelo corpo do filho na rua, são ótimos e sensíveis exemplos desse cuidado com a verdade crua demais.
Paulo Gorgulho, Bianca Byington, Leonardo Medeiros, Debora Lamm e Thelmo Fernandes, mesmo derrapando no sotaque (pra que forçar algo que nunca funcionou?) e em algumas frases prontas, brilham na segunda metade da minissérie quando os holofotes passam a ser a luta por justiça e não a dor da perda de um filho. O desenho de produção que recriou o interior e o exterior da boate merece elogios e a fotografia do Dante Belluti (de "Todas as Mulheres do Mundo") está impecável no mesmo nível. Minha única crítica cai na necessidade de usar a trilha sonora como gatilho emocional quando a própria cena e o trabalho dos atores já dariam conta do recado - chega a irritar o fade in e fade out constante da música incidental!
"Todo dia a mesma noite" nos toca a alma ao mesmo tempo em que consegue mexer em uma ferida que vai além do sentimentalismo barato. A jornada é dura, densa, cruel, mas também é provocadora e importante para mostrar algo que todo mundo já sabe: o lixo que é nosso sistema judiciário e como os poderosos estão sempre protegidos. O fato é que "ninguém queria matar, mas matou" - e foram 242 jovens que, inclusive, poderiam ser filhos de qualquer um de nós!
Vale muito o seu play!
Essa é uma série despretenciosa que foi lançada sem tanto alarde pela HBO em 2015. e que fechou o seu ciclo com apenas duas temporadas - se você gosta de séries como "Easy"ou "Modern Love", certamente "Togetherness" é para você, mas saiba que o gostinho de "quero mais" pode te consumir no final do 16º episódio. Criada pelos irmãos Duplass (dos geniais "Transparent" e "Room 104") e por Steve Zissis (de "Cruella"), "Togetherness" te fará rir e chorar em uma jornada, de fato, apaixonante. Com um humor até certo ponto ácido e uma sensibilidade bastante aguçada, a narrativa explora com muita inteligência os desafios da vida adulta com um toque de realismo que nos distancia daquelas comédias românticas mais tradicionais - talvez por isso ela tenha agradado mais a critica do que o público em geral, mesmo depois das duas indicações no "Critics Choice Awards" de 2015.
A trama, basicamente, gira em torno de Brett (Mark Duplass) e Michelle (Melanie Lynskey), um casal que enfrenta uma crise no casamento após a chegada dos filhos. Buscando recuperar a chama da paixão, eles decidem convidar o melhor amigo de Brett, Alex (Steve Zissis), e a irmã de Michelle, Tina (Amanda Peet), para morarem com eles. A convivência entre os quatro personagens, com suas próprias frustrações e inseguranças, gera situações hilárias e comoventes, explorando temas como amizade, amor, família e a busca pela felicidade. Confira o trailer a seguir (em inglês):
Me diga se você já viu isso em algum ligar: primeiro um casal na faixa dos seus 35 anos, com família e tudo mais, que se amam, mas que vem sofrendo com o desgaste natural após 10 anos de relacionamento. Segundo, um outro casal de amigos improváveis formado por um ator, quase fracassado, e uma linda mulher que ainda está solteira, mas não se conforma com isso. Pois é, eu sei sua resposta e é justamente isso que torna "Togetherness" imperdível - a forma como os irmãos Duplass e a Nicole Holofcener capturam a essência da vida real, com seus altos e baixos, sem filtros ou romantizações, é impressionante (e dolorido). Reparem como a série até começa apresentando um lado mais cômico da trama e de seus personagens, mas conforme vão passando os episódios é o drama que vai dando o tom da narrativa.
"Togetherness" se destaca pela naturalidade das atuações de seu pequeno elenco - mérito da direção sensível e cirúrgica dos Duplass. Não por acaso, todo aquele contexto de identificação nos leva para uma jornada verdadeiramente emocional, onde nos empatizamos com as dúvidas e angústias dos personagens ao ponto de nos fazer questionar nossas próprias escolhas de vida. Sem dúvida que a série representa um convite a reflexão sobre o que realmente importa na vida.
Ao mesmo tempo que nos diverte com situações e personagens excêntricos cheios de camadas que nos conquistam com sua humanidade, "Togetherness" também sabe ser apaixonante pelas discussões sobre os dilemas da vida adulta. Os irmãos Duplass mais uma vez marcam um golaço com essa comédia dramática que aposta na sabedoria de seu conceito narrativo para falar de sentimentos e trazer sensações muito presentes em algum momento da nossa vida - é o equilíbrio perfeito entre o alivio cômico e o drama mais intenso! Olhando alguns anos em retrospectiva, fica fácil atestar que "Togetherness" merecia uma melhor chance - leia-se uma terceira e definitiva temporada!
Sim, essa é daquelas de sentimos seu cancelamento, mas que ainda assim merece ser descoberta!
Essa é uma série despretenciosa que foi lançada sem tanto alarde pela HBO em 2015. e que fechou o seu ciclo com apenas duas temporadas - se você gosta de séries como "Easy"ou "Modern Love", certamente "Togetherness" é para você, mas saiba que o gostinho de "quero mais" pode te consumir no final do 16º episódio. Criada pelos irmãos Duplass (dos geniais "Transparent" e "Room 104") e por Steve Zissis (de "Cruella"), "Togetherness" te fará rir e chorar em uma jornada, de fato, apaixonante. Com um humor até certo ponto ácido e uma sensibilidade bastante aguçada, a narrativa explora com muita inteligência os desafios da vida adulta com um toque de realismo que nos distancia daquelas comédias românticas mais tradicionais - talvez por isso ela tenha agradado mais a critica do que o público em geral, mesmo depois das duas indicações no "Critics Choice Awards" de 2015.
A trama, basicamente, gira em torno de Brett (Mark Duplass) e Michelle (Melanie Lynskey), um casal que enfrenta uma crise no casamento após a chegada dos filhos. Buscando recuperar a chama da paixão, eles decidem convidar o melhor amigo de Brett, Alex (Steve Zissis), e a irmã de Michelle, Tina (Amanda Peet), para morarem com eles. A convivência entre os quatro personagens, com suas próprias frustrações e inseguranças, gera situações hilárias e comoventes, explorando temas como amizade, amor, família e a busca pela felicidade. Confira o trailer a seguir (em inglês):
Me diga se você já viu isso em algum ligar: primeiro um casal na faixa dos seus 35 anos, com família e tudo mais, que se amam, mas que vem sofrendo com o desgaste natural após 10 anos de relacionamento. Segundo, um outro casal de amigos improváveis formado por um ator, quase fracassado, e uma linda mulher que ainda está solteira, mas não se conforma com isso. Pois é, eu sei sua resposta e é justamente isso que torna "Togetherness" imperdível - a forma como os irmãos Duplass e a Nicole Holofcener capturam a essência da vida real, com seus altos e baixos, sem filtros ou romantizações, é impressionante (e dolorido). Reparem como a série até começa apresentando um lado mais cômico da trama e de seus personagens, mas conforme vão passando os episódios é o drama que vai dando o tom da narrativa.
"Togetherness" se destaca pela naturalidade das atuações de seu pequeno elenco - mérito da direção sensível e cirúrgica dos Duplass. Não por acaso, todo aquele contexto de identificação nos leva para uma jornada verdadeiramente emocional, onde nos empatizamos com as dúvidas e angústias dos personagens ao ponto de nos fazer questionar nossas próprias escolhas de vida. Sem dúvida que a série representa um convite a reflexão sobre o que realmente importa na vida.
Ao mesmo tempo que nos diverte com situações e personagens excêntricos cheios de camadas que nos conquistam com sua humanidade, "Togetherness" também sabe ser apaixonante pelas discussões sobre os dilemas da vida adulta. Os irmãos Duplass mais uma vez marcam um golaço com essa comédia dramática que aposta na sabedoria de seu conceito narrativo para falar de sentimentos e trazer sensações muito presentes em algum momento da nossa vida - é o equilíbrio perfeito entre o alivio cômico e o drama mais intenso! Olhando alguns anos em retrospectiva, fica fácil atestar que "Togetherness" merecia uma melhor chance - leia-se uma terceira e definitiva temporada!
Sim, essa é daquelas de sentimos seu cancelamento, mas que ainda assim merece ser descoberta!
Você não vai se apaixonar por "Tokyo Vice" imediatamente - será necessários pelo menos 3 ou 4 episódios para você desejar emendar um episódio no outro (e isso vai acontecer)! Basicamente, essa série da HBO Max é um drama policial com fortes elementos de jornalismo investigativo. Ambientado no submundo da Yakuza na Tóquio dos anos 90, a série criada por J.T. Rogers (de "Oslo"), captura como poucas a vibrante energia da capital japonesa, contrastando sua atmosfera histriônica com a brutalidade do crime organizado. Com uma narrativa até certo ponto cadenciada, mas naturalmente envolvente, atuações impecáveis e uma proposta de direção das mais interessantes, "Tokyo Vice" se destacou como uma das melhores séries de 2022, figurando, inclusive, em premiações como o Critics Choice Awards e o Gotham Independent Film Awards.
Jake Adelstein (Ansel Elgort) é um jovem jornalista americano obcecado pelo Japão que se muda para Tóquio em busca de uma oportunidade no prestigiado jornal Meicho Shimbun. Motivado por um idealismo ingênuo, ele logo se depara com a dura realidade do crime organizado, atraindo a atenção de Sato (Ken Watanabe), um detetive da divisão de homicídios que o guia pelas complexas teias da Yakuza. Confira o trailer:
Certamente o que vai mudar sua percepção sobre "Tokyo Vice" é o fato de se tratar de uma história real. Na verdade a série é inspirada no livro homônimo de memória de Adelstein, um jornalista judeu que realmente vivenciou as experiências retratadas na série. Naturalmente que não estamos falando de uma cópia página por página do livro, mas a essência dramática, acreditem, é a mesma. Observar um imigrante, natural do Meio-Oeste americano, vivendo em Tóquio e mergulhando na cultura nacionalista japonesa, é só uma das qualidades do roteiro de J.T. Roger. É impressionante como ele sabe aproveitar dessa base factual para agregar um peso extra à narrativa, conferindo veracidade aos eventos e seus personagens de uma forma realmente orgânica.
A atmosfera noirda série é lindamente potencializada pela fotografia impecável do Daniel Satinoff (e sua equipe) - ele captura a beleza noturna, totalmente neon, de Tóquio ao mesmo tempo que pontua uma aura de perigo constante do submundo do crime. São planos realmente muito bem planejados e impecáveis em sua realização, que ao lado de uma trilha sonora extremamente melancólica dão o tom exato do suspense e da tensão que a direção, especialmente, de Michael Mann ("Heat") exige - aliás, "Tokyo Vice" tem muito de "Colateral" na sua proposta visual e narrativa, uma pena que o talento de Mann na concepção de uma unidade estética vá se perdendo depois do piloto. Outro destaque, sem dúvida, é Ansel Elgort - ele entrega uma performance visceral como Jake, transmitindo sua ambição, ingenuidade e, principalmente, sua gradual desilusão com aquele mundo que o cerca. Ken Watanabe também rouba a cena como Sato, um detetive experiente e ambivalente, dividido entre a lealdade à lei e a necessidade de fazer justiça.
O fato é que "Tokyo Vice" começa morninha, mas vai aquecendo ao ponto de ter garantido uma segunda temporada com muitos méritos. Essa é uma série imperdível para os fãs de thrillers policiais baseado em histórias reais que de alguma forma provoca inúmeras sensações: da solidão ao entusiasmo, passando pela ansiedade e pela melancolia de seu protagonista - que não raramente se confunde com a atmosfera desafiadora de Tóquio. Ao explorar alguns temas através de vários personagens que se cruzam e se conectam por pontos em comum, como a dificuldade de um choque cultural tão marcante ou a busca por uma identidade que traria algum conforto ou até mesmo pela luta por justiça em um sistema tão corrompido e hipócrita, enfim, toda essa combinação de elementos resulta em uma experiência, de fato, única e memorável que vale a pena dar uma chance - por mais que inicialmente soe enganosa.
Você não vai se apaixonar por "Tokyo Vice" imediatamente - será necessários pelo menos 3 ou 4 episódios para você desejar emendar um episódio no outro (e isso vai acontecer)! Basicamente, essa série da HBO Max é um drama policial com fortes elementos de jornalismo investigativo. Ambientado no submundo da Yakuza na Tóquio dos anos 90, a série criada por J.T. Rogers (de "Oslo"), captura como poucas a vibrante energia da capital japonesa, contrastando sua atmosfera histriônica com a brutalidade do crime organizado. Com uma narrativa até certo ponto cadenciada, mas naturalmente envolvente, atuações impecáveis e uma proposta de direção das mais interessantes, "Tokyo Vice" se destacou como uma das melhores séries de 2022, figurando, inclusive, em premiações como o Critics Choice Awards e o Gotham Independent Film Awards.
Jake Adelstein (Ansel Elgort) é um jovem jornalista americano obcecado pelo Japão que se muda para Tóquio em busca de uma oportunidade no prestigiado jornal Meicho Shimbun. Motivado por um idealismo ingênuo, ele logo se depara com a dura realidade do crime organizado, atraindo a atenção de Sato (Ken Watanabe), um detetive da divisão de homicídios que o guia pelas complexas teias da Yakuza. Confira o trailer:
Certamente o que vai mudar sua percepção sobre "Tokyo Vice" é o fato de se tratar de uma história real. Na verdade a série é inspirada no livro homônimo de memória de Adelstein, um jornalista judeu que realmente vivenciou as experiências retratadas na série. Naturalmente que não estamos falando de uma cópia página por página do livro, mas a essência dramática, acreditem, é a mesma. Observar um imigrante, natural do Meio-Oeste americano, vivendo em Tóquio e mergulhando na cultura nacionalista japonesa, é só uma das qualidades do roteiro de J.T. Roger. É impressionante como ele sabe aproveitar dessa base factual para agregar um peso extra à narrativa, conferindo veracidade aos eventos e seus personagens de uma forma realmente orgânica.
A atmosfera noirda série é lindamente potencializada pela fotografia impecável do Daniel Satinoff (e sua equipe) - ele captura a beleza noturna, totalmente neon, de Tóquio ao mesmo tempo que pontua uma aura de perigo constante do submundo do crime. São planos realmente muito bem planejados e impecáveis em sua realização, que ao lado de uma trilha sonora extremamente melancólica dão o tom exato do suspense e da tensão que a direção, especialmente, de Michael Mann ("Heat") exige - aliás, "Tokyo Vice" tem muito de "Colateral" na sua proposta visual e narrativa, uma pena que o talento de Mann na concepção de uma unidade estética vá se perdendo depois do piloto. Outro destaque, sem dúvida, é Ansel Elgort - ele entrega uma performance visceral como Jake, transmitindo sua ambição, ingenuidade e, principalmente, sua gradual desilusão com aquele mundo que o cerca. Ken Watanabe também rouba a cena como Sato, um detetive experiente e ambivalente, dividido entre a lealdade à lei e a necessidade de fazer justiça.
O fato é que "Tokyo Vice" começa morninha, mas vai aquecendo ao ponto de ter garantido uma segunda temporada com muitos méritos. Essa é uma série imperdível para os fãs de thrillers policiais baseado em histórias reais que de alguma forma provoca inúmeras sensações: da solidão ao entusiasmo, passando pela ansiedade e pela melancolia de seu protagonista - que não raramente se confunde com a atmosfera desafiadora de Tóquio. Ao explorar alguns temas através de vários personagens que se cruzam e se conectam por pontos em comum, como a dificuldade de um choque cultural tão marcante ou a busca por uma identidade que traria algum conforto ou até mesmo pela luta por justiça em um sistema tão corrompido e hipócrita, enfim, toda essa combinação de elementos resulta em uma experiência, de fato, única e memorável que vale a pena dar uma chance - por mais que inicialmente soe enganosa.
Se você tem mais de 45 anos, teve uma fita cassete da "melhor trilha sonora de todos os tempos" e ainda usou uma jaqueta aviador de pele de carneiro, pode ter certeza que você vai assistir "Top Gun: Maverick" com um leve sorriso no rosto graças a uma experiência altamente nostálgica e muito divertida! Sim, "Top Gun: Maverick," a aguardada sequência do clássico dos anos 80, é, de fato, imperdível! Dirigido pelo excelente Joseph Kosinski (de "Spiderhead"), o filme não só honra o legado do original, mas também resgata aquela saudosa receita "Jerry Bruckheimer" do gênero de ação, que vai de "Dias de Trovão" até "Con Air". Obviamente que não foi uma surpresa que essa sequência tenha recebido tantos elogios, no entanto as 6 indicações ao Oscar de 2022, inclusive como Melhor Filme do Ano, surpreendeu - mas fez jus ao que o cinema americano sabe fazer de melhor: entreter!
Se você tem mais de 45 anos, teve uma fita cassete da "melhor trilha sonora de todos os tempos" e ainda usou uma jaqueta aviador de pele de carneiro, pode ter certeza que você vai assistir "Top Gun: Maverick" com um leve sorriso no rosto graças a uma experiência altamente nostálgica e muito divertida! Sim, "Top Gun: Maverick," a aguardada sequência do clássico dos anos 80, é, de fato, imperdível! Dirigido pelo excelente Joseph Kosinski (de "Spiderhead"), o filme não só honra o legado do original, mas também resgata aquela saudosa receita "Jerry Bruckheimer" do gênero de ação, que vai de "Dias de Trovão" até "Con Air". Obviamente que não foi uma surpresa que essa sequência tenha recebido tantos elogios, no entanto as 6 indicações ao Oscar de 2022, inclusive como Melhor Filme do Ano, surpreendeu - mas fez jus ao que o cinema americano sabe fazer de melhor: entreter!
"Top Model" (ou "The Model") é um filme dinamarquês de 2016 pouco original, mas não digo isso com demérito e sim com certa preocupação. É mais uma história sobre o universo predatório da moda que serve de aviso para milhões de adolescentes que sonham em sair de uma cidade pequena e estampar as mais cobiçadas capas de revistas e desfilar para as mais importantes grifes - o diferencial aqui, é justamente a forma realista e provocadora como o diretor Mads Matthiesen (de "Equinox") retrata essa atmosfera tentadora e pouco ficcional.
Emma (Maria Palm) é uma modelo emergente no meio artístico que está lutando para conseguir um espaço no cenário da moda parisiense depois de sair de uma pequena cidade do interior da Dinamarca. Em meio a sua batalha por espaço, ela desenvolve uma certa obsessão por um famoso fotógrafo de moda, Shane White (Ed Skrein), depois que uma rápida relação se estabelece entre os dois. Confira o trailer:
Talvez o ponto a ser observado de imediato, são os sinais de uma jornada que parece tão comum à tantas modelos em inicio de carreira. Obviamente sem generalizar e respeitando inúmeros profissionais que transitam nesse universo, é mais uma história que se encaixa na receita de um estereótipo criado depois de inúmeras repetições: a rotina de uma jovem, no caso dinamarquesa, que se aventura em Paris, sob a desconfiança da sua família pouco presente e da crença de um namorado de colégio, a quem promete amor eterno. Porém, o amor é frágil demais diante da possibilidade de tantas realizações de uma profissão tão glamorosa - e Matthiesen equilibra perfeitamente o perrengue do dia a dia com as oportunidades sociais que a profissão facilmente impõe.
O contraste entre a Dinamarca, e a história construída por lá e que fica para trás rapidamente, e a Paris que surge iluminada como a oportunidade de uma vida, fazem com que os enquadramentos retratem exatamente essa dicotomia - reparem como o filme trabalha a beleza do silêncio em planos da cidade como se estivessem nos preparando para o caos que o dia vai se tornar, se estendendo até a altas horas da noite, afinal estamos falando da "metrópole da moda". Esse e outros detalhes que podem passar despercebidos, criam inúmeras camadas na personagem Emma - aliás, a atriz que interpreta a protagonista, Maria Palm, é modelo profissional e se aproveita perfeitamente da familiaridade com o universo da profissão para representar algum encantamento dentro do competitivo, mas deslumbrante, mundo da moda pelos olhos de quem sonhou mais do que viveu. Ela merece nosso elogio, pela neutralidade e ao mesmo tempo pela profundidade com que interioriza tantos sentimentos, tão comuns para a idade (ela tem 16 anos na história).
"Top Model" é mais provocador do que surpreendente. Tudo é muito claro e vai se encaixando quase que automaticamente sem a menor intenção de criar um plot twist matador (desculpem o trocadilho). Sua dinâmica é bem construída e nos leva para dentro de uma jovem em transformação e sem a menor capacidade intelectual de sobreviver a tantos predadores - sucesso, homens, oportunidades, mulheres, dinheiro, competição! Filme vencedor Göteborg Film Festival em 2016, com uma levada conceitual bem independente, mas fácil de acompanhar e de se entreter!
Pode te surpreender!
"Top Model" (ou "The Model") é um filme dinamarquês de 2016 pouco original, mas não digo isso com demérito e sim com certa preocupação. É mais uma história sobre o universo predatório da moda que serve de aviso para milhões de adolescentes que sonham em sair de uma cidade pequena e estampar as mais cobiçadas capas de revistas e desfilar para as mais importantes grifes - o diferencial aqui, é justamente a forma realista e provocadora como o diretor Mads Matthiesen (de "Equinox") retrata essa atmosfera tentadora e pouco ficcional.
Emma (Maria Palm) é uma modelo emergente no meio artístico que está lutando para conseguir um espaço no cenário da moda parisiense depois de sair de uma pequena cidade do interior da Dinamarca. Em meio a sua batalha por espaço, ela desenvolve uma certa obsessão por um famoso fotógrafo de moda, Shane White (Ed Skrein), depois que uma rápida relação se estabelece entre os dois. Confira o trailer:
Talvez o ponto a ser observado de imediato, são os sinais de uma jornada que parece tão comum à tantas modelos em inicio de carreira. Obviamente sem generalizar e respeitando inúmeros profissionais que transitam nesse universo, é mais uma história que se encaixa na receita de um estereótipo criado depois de inúmeras repetições: a rotina de uma jovem, no caso dinamarquesa, que se aventura em Paris, sob a desconfiança da sua família pouco presente e da crença de um namorado de colégio, a quem promete amor eterno. Porém, o amor é frágil demais diante da possibilidade de tantas realizações de uma profissão tão glamorosa - e Matthiesen equilibra perfeitamente o perrengue do dia a dia com as oportunidades sociais que a profissão facilmente impõe.
O contraste entre a Dinamarca, e a história construída por lá e que fica para trás rapidamente, e a Paris que surge iluminada como a oportunidade de uma vida, fazem com que os enquadramentos retratem exatamente essa dicotomia - reparem como o filme trabalha a beleza do silêncio em planos da cidade como se estivessem nos preparando para o caos que o dia vai se tornar, se estendendo até a altas horas da noite, afinal estamos falando da "metrópole da moda". Esse e outros detalhes que podem passar despercebidos, criam inúmeras camadas na personagem Emma - aliás, a atriz que interpreta a protagonista, Maria Palm, é modelo profissional e se aproveita perfeitamente da familiaridade com o universo da profissão para representar algum encantamento dentro do competitivo, mas deslumbrante, mundo da moda pelos olhos de quem sonhou mais do que viveu. Ela merece nosso elogio, pela neutralidade e ao mesmo tempo pela profundidade com que interioriza tantos sentimentos, tão comuns para a idade (ela tem 16 anos na história).
"Top Model" é mais provocador do que surpreendente. Tudo é muito claro e vai se encaixando quase que automaticamente sem a menor intenção de criar um plot twist matador (desculpem o trocadilho). Sua dinâmica é bem construída e nos leva para dentro de uma jovem em transformação e sem a menor capacidade intelectual de sobreviver a tantos predadores - sucesso, homens, oportunidades, mulheres, dinheiro, competição! Filme vencedor Göteborg Film Festival em 2016, com uma levada conceitual bem independente, mas fácil de acompanhar e de se entreter!
Pode te surpreender!
"Trabalho Interno" é daqueles documentários que faz você perder completamente a fé no ser humano. Pode até parecer que o filme tem o objetivo de explicar como um sistema complexo foi desmoronando até encontrar o seu ápice em 2008, mas não, ele vai além: o que vemos na tela é um conjunto de ganância, hipocrisia e total falta de empatia do tamanho do bônus anual de cada um dos executivos dos bancos de investimentos envolvido na crise. Triste, mas real!
Em 2008, uma crise econômica de proporções globais fez com que milhões de pessoas perdessem suas casas e empregos. Ao todo, foram gastos mais de US$ 20 trilhões para combater a situação. Através de uma extensa pesquisa e entrevistas com pessoas ligadas ao mundo financeiro, políticos e jornalistas, é desvendado o relacionamento corrosivo que envolveu representantes da política, da justiça e do mundo acadêmico. Confira o trailer:
"Trabalho Interno" foi o grande vencedor do Oscar de melhor Documentário em 2011 e sua importância justifica o prêmio. Com o roteiro escrito pelos estreantes Chad Beck e Adam Bolt, e dirigido por Charles Ferguson (de "No End in Sight" que fazia uma abordagem critica do governo de George W. Bush e a intervenção americana no Iraque), o documentário surpreende pela clareza com que discute o assunto - é fácil perceber a organicidade do roteiro, nos dando a falsa impressão de que o tema é imensamente mais fácil e que tudo que aconteceu é muito pior do que imaginávamos. A montagem usa de uma narrativa bastante dinâmica, equilibrando perfeitamente entrevistas com animações praticamente auto-explicativas, e ainda uma narração perfeita que une todos os pontos no tom exato e sem rodeios (mérito de Matt Damon).
O bacana é que "Trabalho Interno" não se limita em explicar como a bolha econômica foi sendo construída. Ao melhor estilo "Michael Moore", há uma claro, e positivo, interesse de apontar os culpados e de denunciar, ponto a ponto, como alguns executivos enriqueceram com a crise. A desregulamentação iniciada pelo governo Reagan se estende até a administração de Barack Obama, passando, obviamente, por George W. Bush - Ferguson não passa pano em ninguém e isso qualifica sua posição como cineasta. O problema é que as denuncias não param por aí, não se salvam professores de universidades como Havard e Columbia, lobistas, diretores de grandes bancos, bancos de investimento e até de equipes econômicas dos presidentes americanos citados. Olha, é de embrulhar o estômago!
A divisão em capítulos ajuda muito a dinâmica do documentário, mas em nenhum momento ele se apoia em performances individuais para nos conquistar. Mesmo quando as perguntas vazam pelo microfone, o foco é muito mais na reação do entrevistado (e são tantas incríveis) do que na espetacularização na situação - e é aqui que o filme se distancia de Moore. "Inside the Job" (título original) é o filme que temos que assistir antes de "Margin Call" ou "A Grande Aposta", afinal ele nos dá a base intelectual para colhermos o que tem de melhor das outras produções.
Um grande e dolorido documentário! Vale muito seu play!
"Trabalho Interno" é daqueles documentários que faz você perder completamente a fé no ser humano. Pode até parecer que o filme tem o objetivo de explicar como um sistema complexo foi desmoronando até encontrar o seu ápice em 2008, mas não, ele vai além: o que vemos na tela é um conjunto de ganância, hipocrisia e total falta de empatia do tamanho do bônus anual de cada um dos executivos dos bancos de investimentos envolvido na crise. Triste, mas real!
Em 2008, uma crise econômica de proporções globais fez com que milhões de pessoas perdessem suas casas e empregos. Ao todo, foram gastos mais de US$ 20 trilhões para combater a situação. Através de uma extensa pesquisa e entrevistas com pessoas ligadas ao mundo financeiro, políticos e jornalistas, é desvendado o relacionamento corrosivo que envolveu representantes da política, da justiça e do mundo acadêmico. Confira o trailer:
"Trabalho Interno" foi o grande vencedor do Oscar de melhor Documentário em 2011 e sua importância justifica o prêmio. Com o roteiro escrito pelos estreantes Chad Beck e Adam Bolt, e dirigido por Charles Ferguson (de "No End in Sight" que fazia uma abordagem critica do governo de George W. Bush e a intervenção americana no Iraque), o documentário surpreende pela clareza com que discute o assunto - é fácil perceber a organicidade do roteiro, nos dando a falsa impressão de que o tema é imensamente mais fácil e que tudo que aconteceu é muito pior do que imaginávamos. A montagem usa de uma narrativa bastante dinâmica, equilibrando perfeitamente entrevistas com animações praticamente auto-explicativas, e ainda uma narração perfeita que une todos os pontos no tom exato e sem rodeios (mérito de Matt Damon).
O bacana é que "Trabalho Interno" não se limita em explicar como a bolha econômica foi sendo construída. Ao melhor estilo "Michael Moore", há uma claro, e positivo, interesse de apontar os culpados e de denunciar, ponto a ponto, como alguns executivos enriqueceram com a crise. A desregulamentação iniciada pelo governo Reagan se estende até a administração de Barack Obama, passando, obviamente, por George W. Bush - Ferguson não passa pano em ninguém e isso qualifica sua posição como cineasta. O problema é que as denuncias não param por aí, não se salvam professores de universidades como Havard e Columbia, lobistas, diretores de grandes bancos, bancos de investimento e até de equipes econômicas dos presidentes americanos citados. Olha, é de embrulhar o estômago!
A divisão em capítulos ajuda muito a dinâmica do documentário, mas em nenhum momento ele se apoia em performances individuais para nos conquistar. Mesmo quando as perguntas vazam pelo microfone, o foco é muito mais na reação do entrevistado (e são tantas incríveis) do que na espetacularização na situação - e é aqui que o filme se distancia de Moore. "Inside the Job" (título original) é o filme que temos que assistir antes de "Margin Call" ou "A Grande Aposta", afinal ele nos dá a base intelectual para colhermos o que tem de melhor das outras produções.
Um grande e dolorido documentário! Vale muito seu play!
Esse é mais um título que me fez perguntar: "Onde eu estava que não assisti esse filme antes?". "Trapaça" é uma produção de 2013 que foi indicada, pasmem, em dez categorias no Oscar - e com muito mérito, eu completo. Em uma época onde streaming era uma palavra que nem no dicionário estava, o filme simplesmente passou batido por mim e tenho a impressão de que por muita gente - o que é um pecado, pois ele é excelente, com uma narrativa dinâmica, muito bem dirigido e com performances de cair o queixo de um elenco que conta "só" com Christian Bale, Amy Adams, Bradley Cooper e Jennifer Lawrence (todos indicados ao Oscar, inclusive).
Incrivelmente baseado em um fato real, o filme conta a história de Irving Rosenfeld (Bale), um grande trapaceiro que tem como sócia e amante Sydney Prosser (Adams). Depois de serem surpreendidos e pegos por uma ação do FBI, os dois são forçados a colaborar com o agente Richie DiMaso (Cooper), que infiltra Rosenfeld no mundo da máfia ao mesmo tempo em que tenta conseguir provas do envolvimento político do mais alto escalão do país, em corrupção através do candidato Carmine Polito (Jeremy Renner). Os planos parecem dar certo, até a esposa de Irving, Rosalyn (Lawrence), aparecer e mudar completamente as regras do jogo. Confira o trailer:
Dirigido pelo sempre competente e muito talentoso (cinco vezes indicado ao Oscar), David Owen Russell de "Joy", "Trapaça" é meio que uma mistura de Guy Ritchie com Adam McKay, não visualmente (marca registrada dos dois diretores), mas na dinâmica narrativa, na escolha do tom e na ironia que cada linha de diálogo representa para a história que, a todo momento, soa tão absurda que parece mentira. Russell e seus montadores (Jay Cassidy, Crispin Struthers, Alan Baumgarten) constroem uma linha temporal muito interessante, narrada por diversos pontos de vista, com diferentes personagens, mas sempre mantendo a uma coerência cinematográfica que impressiona pela didática sem ser expositiva. Veja, quando vemos um verdadeiro "Zé Ninguém", careca, barrigudo, brega e, aparentemente, pacato, se transformar em Irving Rosenfeld; temos a certeza que a história vai nos levar para um lugar que nem podemos imaginar.
Escrito pelo próprio Russell ao lado de Eric Warren Singer (de "Top Gun: Maverick"), o filme vai nos surpreendendo a cada movimento dos personagens - como a trapaça está no centro da discussão, é impossível cravar o que de fato é sincero durante toda a jornada. O interessante é que todos os personagens parecem saber disso, e mesmo apoiados em alguns esteriótipos (propositais) e ações normalmente exageradas, toda essa desconfiança funciona como motivação e quando menos esperamos, algo quebra essa cadeia e somos surpreendidos. Talvez a personagem de Lawrence, a Rosalyn Rosenfeld, seja a personificação desse mood (ela está incrível) ou até mesmo as maravilhosas conversas entre os personagens de Cooper e Louis C.K. (o Stoddard Thorsen) nos escritórios do FBI dos anos 70 sintetizem bem esse conceito um pouco "over" de ser.
"Trapaça" tem a sagacidade de enganar a audiência ao se apresentar como algo mais complexo do que realmente é. Russell foi muito feliz em "sugerir" muito mais do que "mostrar", nos provocando o julgamento a cada novo movimento - mas tudo isso de uma forma tão orgânica e fácil, que nem nos damos conta quando o filme termina. A história não precisa empolgar, não é esse o objetivo, são os personagens e como eles se relacionam que realmente importa - é na profundidade de algo aparentemente superficial que a magia realmente acontece. Uma aula!
Esse é mais um título que me fez perguntar: "Onde eu estava que não assisti esse filme antes?". "Trapaça" é uma produção de 2013 que foi indicada, pasmem, em dez categorias no Oscar - e com muito mérito, eu completo. Em uma época onde streaming era uma palavra que nem no dicionário estava, o filme simplesmente passou batido por mim e tenho a impressão de que por muita gente - o que é um pecado, pois ele é excelente, com uma narrativa dinâmica, muito bem dirigido e com performances de cair o queixo de um elenco que conta "só" com Christian Bale, Amy Adams, Bradley Cooper e Jennifer Lawrence (todos indicados ao Oscar, inclusive).
Incrivelmente baseado em um fato real, o filme conta a história de Irving Rosenfeld (Bale), um grande trapaceiro que tem como sócia e amante Sydney Prosser (Adams). Depois de serem surpreendidos e pegos por uma ação do FBI, os dois são forçados a colaborar com o agente Richie DiMaso (Cooper), que infiltra Rosenfeld no mundo da máfia ao mesmo tempo em que tenta conseguir provas do envolvimento político do mais alto escalão do país, em corrupção através do candidato Carmine Polito (Jeremy Renner). Os planos parecem dar certo, até a esposa de Irving, Rosalyn (Lawrence), aparecer e mudar completamente as regras do jogo. Confira o trailer:
Dirigido pelo sempre competente e muito talentoso (cinco vezes indicado ao Oscar), David Owen Russell de "Joy", "Trapaça" é meio que uma mistura de Guy Ritchie com Adam McKay, não visualmente (marca registrada dos dois diretores), mas na dinâmica narrativa, na escolha do tom e na ironia que cada linha de diálogo representa para a história que, a todo momento, soa tão absurda que parece mentira. Russell e seus montadores (Jay Cassidy, Crispin Struthers, Alan Baumgarten) constroem uma linha temporal muito interessante, narrada por diversos pontos de vista, com diferentes personagens, mas sempre mantendo a uma coerência cinematográfica que impressiona pela didática sem ser expositiva. Veja, quando vemos um verdadeiro "Zé Ninguém", careca, barrigudo, brega e, aparentemente, pacato, se transformar em Irving Rosenfeld; temos a certeza que a história vai nos levar para um lugar que nem podemos imaginar.
Escrito pelo próprio Russell ao lado de Eric Warren Singer (de "Top Gun: Maverick"), o filme vai nos surpreendendo a cada movimento dos personagens - como a trapaça está no centro da discussão, é impossível cravar o que de fato é sincero durante toda a jornada. O interessante é que todos os personagens parecem saber disso, e mesmo apoiados em alguns esteriótipos (propositais) e ações normalmente exageradas, toda essa desconfiança funciona como motivação e quando menos esperamos, algo quebra essa cadeia e somos surpreendidos. Talvez a personagem de Lawrence, a Rosalyn Rosenfeld, seja a personificação desse mood (ela está incrível) ou até mesmo as maravilhosas conversas entre os personagens de Cooper e Louis C.K. (o Stoddard Thorsen) nos escritórios do FBI dos anos 70 sintetizem bem esse conceito um pouco "over" de ser.
"Trapaça" tem a sagacidade de enganar a audiência ao se apresentar como algo mais complexo do que realmente é. Russell foi muito feliz em "sugerir" muito mais do que "mostrar", nos provocando o julgamento a cada novo movimento - mas tudo isso de uma forma tão orgânica e fácil, que nem nos damos conta quando o filme termina. A história não precisa empolgar, não é esse o objetivo, são os personagens e como eles se relacionam que realmente importa - é na profundidade de algo aparentemente superficial que a magia realmente acontece. Uma aula!
É praticamente impossível escrever um review de "Três Estranhos Idênticos" sem deixar escapar algum spolier, então vou tomar o mesmo cuidado de quando analisei "Diga quem sou", inclusive me permitindo copiar um parágrafo quase que na sua íntegra para antecipar o que você vai encontrar ao dar o play mais abaixo: "Se prepare, pois existe uma profunda discussão moral em "Três Estranhos Idênticos" que é surpreendente, principalmente por tudo que vamos descobrindo durante o filme. Agora, nem de longe será um documentário fácil de digerir ou de aceitar, mas certamente te fará refletir muito!
Na Nova York de 1980, três completos estranhos descobrem que são trigêmeos idênticos separados durante o nascimento. Aos 19 anos, a feliz reunião dos três os lança para uma fama internacional, mas também traz um segredo extraordinário e perturbador, capaz de transformar a compreensão da natureza humana. Confira o trailer:
A escolha do diretor Tim Wardle e da roteirista Grace Hughes-Hallett ao construir a narrativa do filme a partir da história do reencontro de três irmãos gêmeos idênticos que não se conheciam mesmo morando em um raio de 160 km entre eles, já nos fisga logo de cara, pois é o tipo premissa que parece muito mais uma ficção do que realidade. Caminhamos pela felicidade desse reencontro após 19 anos, que transformou os trigêmeos em celebridades instantâneas, e isso deixa a trama ainda mais gostosa de assistir, mas ao mesmo tempo vai nos colocando uma pulga atrás da orelha: o que vai acontecer para que toda essa alegria e cumplicidade acabe? É aí que Wardle e Hughes-Hallett começam a trazer um tom mais investigativo ao documentário, emprestando elementos de mistério conspiratório que deixariam "Arquivo X" e Dan Brown morrendo de inveja.
A história de Edward Galland, David Kellman e Robert Shafran é contada pelos depoimentos dos protagonistas, de seus familiares e amigos, e apoiada em inúmeras imagens de arquivo e vídeos caseiros. Muitas reportagens e programas de TV sobre o caso que fez muito sucesso na época, também se fundem ao conceito narrativo de Wardle muito naturalmente, com uma trilha sonora maravilhosa e uma edição exemplar. Talvez o único detalhe que pode incomodar os mais curiosos (e atentos) é o limite de informação disponível sobre o caso - não que o documentário se proponha a responder todas as perguntas, mas é preciso alertar: em "teorias" existem lacunas e aqui não será diferente!
Assistir "Três Estranhos Idênticos" sem muito mais informações talvez seja a melhor escolha para não impactar em nada sua experiência, pois ter uma história tão inacreditável contada por quem viveu de perto chega a ser surreal, principalmente quando algumas peças começam a surgir e assim podemos perceber como o ser humano pode ser egoísta, mesmo quando pautado pela premissa de estar pensando "no próximo". Com momentos realmente emocionantes, cheios de amor e alegria, o filme vai te conquistando, te preparando para passagens tristes, reflexivas e levantando discussões éticas de uma forma extraordinária.
Vale muito a pena, principalmente porque o filme chega com a propriedade de três indicações ao Emmy e mais de 60 participações em Festivais e Premiações ao redor do globo entre os anos de 2018 e 2019.
Imperdível!
É praticamente impossível escrever um review de "Três Estranhos Idênticos" sem deixar escapar algum spolier, então vou tomar o mesmo cuidado de quando analisei "Diga quem sou", inclusive me permitindo copiar um parágrafo quase que na sua íntegra para antecipar o que você vai encontrar ao dar o play mais abaixo: "Se prepare, pois existe uma profunda discussão moral em "Três Estranhos Idênticos" que é surpreendente, principalmente por tudo que vamos descobrindo durante o filme. Agora, nem de longe será um documentário fácil de digerir ou de aceitar, mas certamente te fará refletir muito!
Na Nova York de 1980, três completos estranhos descobrem que são trigêmeos idênticos separados durante o nascimento. Aos 19 anos, a feliz reunião dos três os lança para uma fama internacional, mas também traz um segredo extraordinário e perturbador, capaz de transformar a compreensão da natureza humana. Confira o trailer:
A escolha do diretor Tim Wardle e da roteirista Grace Hughes-Hallett ao construir a narrativa do filme a partir da história do reencontro de três irmãos gêmeos idênticos que não se conheciam mesmo morando em um raio de 160 km entre eles, já nos fisga logo de cara, pois é o tipo premissa que parece muito mais uma ficção do que realidade. Caminhamos pela felicidade desse reencontro após 19 anos, que transformou os trigêmeos em celebridades instantâneas, e isso deixa a trama ainda mais gostosa de assistir, mas ao mesmo tempo vai nos colocando uma pulga atrás da orelha: o que vai acontecer para que toda essa alegria e cumplicidade acabe? É aí que Wardle e Hughes-Hallett começam a trazer um tom mais investigativo ao documentário, emprestando elementos de mistério conspiratório que deixariam "Arquivo X" e Dan Brown morrendo de inveja.
A história de Edward Galland, David Kellman e Robert Shafran é contada pelos depoimentos dos protagonistas, de seus familiares e amigos, e apoiada em inúmeras imagens de arquivo e vídeos caseiros. Muitas reportagens e programas de TV sobre o caso que fez muito sucesso na época, também se fundem ao conceito narrativo de Wardle muito naturalmente, com uma trilha sonora maravilhosa e uma edição exemplar. Talvez o único detalhe que pode incomodar os mais curiosos (e atentos) é o limite de informação disponível sobre o caso - não que o documentário se proponha a responder todas as perguntas, mas é preciso alertar: em "teorias" existem lacunas e aqui não será diferente!
Assistir "Três Estranhos Idênticos" sem muito mais informações talvez seja a melhor escolha para não impactar em nada sua experiência, pois ter uma história tão inacreditável contada por quem viveu de perto chega a ser surreal, principalmente quando algumas peças começam a surgir e assim podemos perceber como o ser humano pode ser egoísta, mesmo quando pautado pela premissa de estar pensando "no próximo". Com momentos realmente emocionantes, cheios de amor e alegria, o filme vai te conquistando, te preparando para passagens tristes, reflexivas e levantando discussões éticas de uma forma extraordinária.
Vale muito a pena, principalmente porque o filme chega com a propriedade de três indicações ao Emmy e mais de 60 participações em Festivais e Premiações ao redor do globo entre os anos de 2018 e 2019.
Imperdível!
O senso de urgência que experienciamos ao assistir "Treze Vidas" é impressionante - muito similar ao "127 Horas", premiado filme de 2010 do diretor Danny Boyle, porém pelo prisma de quem está fora do problema em si. Essa excelente produção da Amazon tem alguns elementos que só potencializam o nosso envolvimento com a história: primeiro por ser um fato recente (que aconteceu em 2018) e segundo pelas vítimas serem crianças, o que mobilizou o mundo na busca por soluções que pudessem ajudar no sucesso do resgate - mais uma vez, nós queremos salvar, não sermos salvos! Olha, são duas horas e meia de filme onde você será incapaz de tirar os olhos da tela mesmo já sabendo o final.
Baseado na história real que tocou o mundo, "Treze Vidas" é o relato emocionante do resgate de um time de futebol infantil da caverna Tham Luang, na Tailândia, onde doze crianças e seu treinador ficaram presos devido a um fenômeno meteorológico que antecipou as chuvas torrenciais na região, pegando o grupo de surpresa, impossibilitando qualquer tentativa de socorro graças a inundação do local. Confira o trailer:
Ron Howard (de "O Código Da Vinci") é um craque em criar narrativas que nos prendem à trama e nos fazem torcer pelos protagonistas desde o primeiro minuto. Dito isso, pode até parecer superficial sobre o que se esperar de "Thirteen Lives" (no original), mas não, Howard encontra o exato equilíbrio entre a potência de um drama real e a dinâmica de ação que a história pede. Ao lado do roteirista William Nicholson (de "Terra das Sombras") e baseado na história desenvolvida pelo Don MacPherson (de "Os Vingadores"), o diretor não perde tempo com apresentações de personagens ou se aprofunda nas motivações que fizeram os mergulhadores britânicos Rick Stanton (Viggo Mortensen) e John Volanthen (Colin Farrell) encararem esse desafio - eles criam mesmo é uma análise quase documental sobre os acontecimentos, não sobre os envolvidos.
A escolha de Howard em trabalhar boa parte do filme com tailandeses (muitos nem atores) em sua língua nativa, cria uma atmosfera de realidade muito interessante. Algumas das falas nem legendadas são e isso gera uma sensação de desconforto, de falta de informação, de angustia por noticias. Já em inglês, a relação dos mergulhadores com a marinha tailandesa funciona muito mais como um gatilho dramático do que como parte essencial da trama - a impressão que temos é que para existir um herói seria preciso criar um bandido e aqui não funcionou, pois o problema era muito maior e se sustentaria por si só.
"Treze Vidas" não se interessa em mostrar como a equipe de futebol ficou presa ou o que se passou com os jovens e seu treinador durante o período - o olhar do filme é o de quem ficou do lado de fora de Tham Luang e como o problema poderia ser resolvido. Ao mostrar todos os perigos que envolvem a missão de resgate, Howard deixa muito claro como a caverna alagada era perigosa, como aquele complexo labirinto claustrofóbico poderia ser fatal. Com o uso cirúrgico de uma inserção gráfica para ilustrar a caverna, temos a perfeita noção de como era complicado chegar aos jovens e pior, como era quase impossível tira-los de lá - afinal, um trajeto de mais de 6 horas embaixo da água, digamos que não é para qualquer um.
Obviamente que diversos momentos foram omitidos ou elipsados para que a história fosse mais objetiva - e funcionou. O desenho de produção e a fotografia do tailandês Sayombhu Mukdeeprom (de "Me chame pelo seu nome") são invejáveis e ajudam a criar uma tensão quase insuportável para a audiência. O trabalho do elenco, embora não seja memorável, também não compromete - meu destaque, óbvio, fica com Mortensen.
Resumindo, "Treze Vidas" é uma história sobre a sobrevivência humana contra todas as probabilidades de sucesso, que emociona na mesma dimensão que entretém! Vale muito o seu play!
PS: Para nós brasileiros um fato curioso: o roteiro usa a Copa do Mundo de 2018 como ferramenta para estabelecer a época que os eventos aconteceram e, infelizmente, a derrota do Brasil para a Bélgica aconteceu em um momento importante da história e por isso é citada algumas vezes! (rs)
O senso de urgência que experienciamos ao assistir "Treze Vidas" é impressionante - muito similar ao "127 Horas", premiado filme de 2010 do diretor Danny Boyle, porém pelo prisma de quem está fora do problema em si. Essa excelente produção da Amazon tem alguns elementos que só potencializam o nosso envolvimento com a história: primeiro por ser um fato recente (que aconteceu em 2018) e segundo pelas vítimas serem crianças, o que mobilizou o mundo na busca por soluções que pudessem ajudar no sucesso do resgate - mais uma vez, nós queremos salvar, não sermos salvos! Olha, são duas horas e meia de filme onde você será incapaz de tirar os olhos da tela mesmo já sabendo o final.
Baseado na história real que tocou o mundo, "Treze Vidas" é o relato emocionante do resgate de um time de futebol infantil da caverna Tham Luang, na Tailândia, onde doze crianças e seu treinador ficaram presos devido a um fenômeno meteorológico que antecipou as chuvas torrenciais na região, pegando o grupo de surpresa, impossibilitando qualquer tentativa de socorro graças a inundação do local. Confira o trailer:
Ron Howard (de "O Código Da Vinci") é um craque em criar narrativas que nos prendem à trama e nos fazem torcer pelos protagonistas desde o primeiro minuto. Dito isso, pode até parecer superficial sobre o que se esperar de "Thirteen Lives" (no original), mas não, Howard encontra o exato equilíbrio entre a potência de um drama real e a dinâmica de ação que a história pede. Ao lado do roteirista William Nicholson (de "Terra das Sombras") e baseado na história desenvolvida pelo Don MacPherson (de "Os Vingadores"), o diretor não perde tempo com apresentações de personagens ou se aprofunda nas motivações que fizeram os mergulhadores britânicos Rick Stanton (Viggo Mortensen) e John Volanthen (Colin Farrell) encararem esse desafio - eles criam mesmo é uma análise quase documental sobre os acontecimentos, não sobre os envolvidos.
A escolha de Howard em trabalhar boa parte do filme com tailandeses (muitos nem atores) em sua língua nativa, cria uma atmosfera de realidade muito interessante. Algumas das falas nem legendadas são e isso gera uma sensação de desconforto, de falta de informação, de angustia por noticias. Já em inglês, a relação dos mergulhadores com a marinha tailandesa funciona muito mais como um gatilho dramático do que como parte essencial da trama - a impressão que temos é que para existir um herói seria preciso criar um bandido e aqui não funcionou, pois o problema era muito maior e se sustentaria por si só.
"Treze Vidas" não se interessa em mostrar como a equipe de futebol ficou presa ou o que se passou com os jovens e seu treinador durante o período - o olhar do filme é o de quem ficou do lado de fora de Tham Luang e como o problema poderia ser resolvido. Ao mostrar todos os perigos que envolvem a missão de resgate, Howard deixa muito claro como a caverna alagada era perigosa, como aquele complexo labirinto claustrofóbico poderia ser fatal. Com o uso cirúrgico de uma inserção gráfica para ilustrar a caverna, temos a perfeita noção de como era complicado chegar aos jovens e pior, como era quase impossível tira-los de lá - afinal, um trajeto de mais de 6 horas embaixo da água, digamos que não é para qualquer um.
Obviamente que diversos momentos foram omitidos ou elipsados para que a história fosse mais objetiva - e funcionou. O desenho de produção e a fotografia do tailandês Sayombhu Mukdeeprom (de "Me chame pelo seu nome") são invejáveis e ajudam a criar uma tensão quase insuportável para a audiência. O trabalho do elenco, embora não seja memorável, também não compromete - meu destaque, óbvio, fica com Mortensen.
Resumindo, "Treze Vidas" é uma história sobre a sobrevivência humana contra todas as probabilidades de sucesso, que emociona na mesma dimensão que entretém! Vale muito o seu play!
PS: Para nós brasileiros um fato curioso: o roteiro usa a Copa do Mundo de 2018 como ferramenta para estabelecer a época que os eventos aconteceram e, infelizmente, a derrota do Brasil para a Bélgica aconteceu em um momento importante da história e por isso é citada algumas vezes! (rs)
"Trojan War" é um verdadeiro mergulho no mundo fascinante do futebol americano universitário em uma das histórias mais surpreendentes que você, amante do esporte, vai conhecer. Com um enfoque particular na lendária equipe da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, a USC e uma narrativa das mais envolventes, o documentário da ESPN Filmes explora a incrível história (e todos os desafios enfrentados) da USC desde a chegada do Pete Carroll (vencedor coach do Seahawks na NFL) e como ele transformou um time decadente em um dos melhores times de todos os tempos, com 34 vitórias seguidas. O filme ainda mostra toda a polêmica envolvendo o Reggie Bush, astro do time, antes de chegar na NFL.
Quando Pete Carroll assume como treinador do time de futebol da USC após a temporada de 2000, os outrora grandes "Cavalos de Tróia" estavam indo de mal a pior. Mas, graças à experiência de Caroll, além de seu otimismo e de sua excelente habilidade de recrutamento, o "Southern Cal" logo voltou ao topo do mundo do futebol universitário, com a popularidade disparando em uma jornada que entrou para a história, seja pelas inúmeras vitórias, seja pelas polêmicas que envolviam suas estrelas. Confira o trailer (em inglês):
Dirigido pelo Aaron Rahsaan Thomas (famoso por produzir C.S.I.), "Trojan War" oferece uma visão profunda e emocionante sobre o programa de futebol americano da USC. O interessante é que o documentário vai além do esporte em si - sua capacidade de retratar a tradição e a cultura arraigadas na equipe de futebol americano da USC, é o que impressiona. O filme começa contextualizando as raízes históricas do programa, destacando momentos marcantes e lendas do passado. Através de entrevistas com ex-jogadores, treinadores e figuras-chave dessa história, o documentário faz um recorte dos mais interessantes sobre os desafios que moldaram a identidade da equipe "Trojan".
A estrutura narrativa é habilmente construída a partir de uma mistura de imagens de arquivo, entrevistas atuais e cenas dos jogos da equipe, em uma montagem dinâmica que contribui de uma maneira única para criar um senso de imersão no mundo do futebol americano universitário, mesmo para aqueles pouco familiarizados com o esporte. Veja, aqui não estamos falando apenas de uma jornada de superação e resiliência esportiva, e sim da importância de uma construção de cultura sólida capaz de marcar gerações.
A forma como Aaron Rahsaan Thomas conduz a história permite que a audiência experimente a intensidade dos jogos e a paixão dos torcedores de uma maneira quase visceral. Reparem que o filme não se limita apenas em celebrar os momentos de glória, mas também o de explorar com muita honestidade os desafios enfrentados pelos jogadores, as lesões, as dores, as decepções, a pressão pelo sucesso e, principalmente, a necessidade de equilibrar a vida acadêmica com a esportiva. Eu diria que essa abordagem tão ampla, humaniza os jogadores e cria uma conexão emocional que nos impede de tirar os olhos da tela - como em "Last Chance U", uma aula de roteiro!
Vale muito o seu play!
"Trojan War" é um verdadeiro mergulho no mundo fascinante do futebol americano universitário em uma das histórias mais surpreendentes que você, amante do esporte, vai conhecer. Com um enfoque particular na lendária equipe da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, a USC e uma narrativa das mais envolventes, o documentário da ESPN Filmes explora a incrível história (e todos os desafios enfrentados) da USC desde a chegada do Pete Carroll (vencedor coach do Seahawks na NFL) e como ele transformou um time decadente em um dos melhores times de todos os tempos, com 34 vitórias seguidas. O filme ainda mostra toda a polêmica envolvendo o Reggie Bush, astro do time, antes de chegar na NFL.
Quando Pete Carroll assume como treinador do time de futebol da USC após a temporada de 2000, os outrora grandes "Cavalos de Tróia" estavam indo de mal a pior. Mas, graças à experiência de Caroll, além de seu otimismo e de sua excelente habilidade de recrutamento, o "Southern Cal" logo voltou ao topo do mundo do futebol universitário, com a popularidade disparando em uma jornada que entrou para a história, seja pelas inúmeras vitórias, seja pelas polêmicas que envolviam suas estrelas. Confira o trailer (em inglês):
Dirigido pelo Aaron Rahsaan Thomas (famoso por produzir C.S.I.), "Trojan War" oferece uma visão profunda e emocionante sobre o programa de futebol americano da USC. O interessante é que o documentário vai além do esporte em si - sua capacidade de retratar a tradição e a cultura arraigadas na equipe de futebol americano da USC, é o que impressiona. O filme começa contextualizando as raízes históricas do programa, destacando momentos marcantes e lendas do passado. Através de entrevistas com ex-jogadores, treinadores e figuras-chave dessa história, o documentário faz um recorte dos mais interessantes sobre os desafios que moldaram a identidade da equipe "Trojan".
A estrutura narrativa é habilmente construída a partir de uma mistura de imagens de arquivo, entrevistas atuais e cenas dos jogos da equipe, em uma montagem dinâmica que contribui de uma maneira única para criar um senso de imersão no mundo do futebol americano universitário, mesmo para aqueles pouco familiarizados com o esporte. Veja, aqui não estamos falando apenas de uma jornada de superação e resiliência esportiva, e sim da importância de uma construção de cultura sólida capaz de marcar gerações.
A forma como Aaron Rahsaan Thomas conduz a história permite que a audiência experimente a intensidade dos jogos e a paixão dos torcedores de uma maneira quase visceral. Reparem que o filme não se limita apenas em celebrar os momentos de glória, mas também o de explorar com muita honestidade os desafios enfrentados pelos jogadores, as lesões, as dores, as decepções, a pressão pelo sucesso e, principalmente, a necessidade de equilibrar a vida acadêmica com a esportiva. Eu diria que essa abordagem tão ampla, humaniza os jogadores e cria uma conexão emocional que nos impede de tirar os olhos da tela - como em "Last Chance U", uma aula de roteiro!
Vale muito o seu play!
Essa recomendação faz parte do nosso projeto "Semana dos Clássicos", onde convidamos você a revisitar filmes que mudaram os rumos da narrativa cinematográfica e que merecem um olhar mais critico sem esquecer, claro, do que pode ter representado emocionalmente na nossa vida!
Talvez essa tenha sido a maior prova de como Steven Spielberg é genial - e resiliente! "Tubarão", lançado em 1975, é considerado um dos filmes mais influentes da história do cinema - especialmente pela forma criativa com que Spielberg, com todas as limitações de produção, soube criar uma atmosfera realmente tensa. Baseado no romance de Peter Benchley, "Jaws" (no original) não apenas redefiniu o status de blockbuster, como também consolidou um conceito pouco explorado até então, onde um thriller de suspense seria capaz de combinar uma forte presença de tensão psicológica, alguma ação e muito drama, criando uma narrativa envolvente que explora o medo do desconhecido a partir de uma relação primitiva com um predador invisível.
A trama é basicamente centrada em Amity Island, uma cidade turística fictícia cuja economia depende do verão e de suas praias. Quando um grande tubarão-branco começa a atacar e matar banhistas, o chefe de polícia local, Martin Brody (Roy Scheider), se junta ao oceanógrafo Matt Hooper (Richard Dreyfuss) e ao caçador de tubarões Quint (Robert Shaw) para tentar capturar a criatura. O filme explora a tensão crescente entre as necessidades econômicas da cidade, o medo dos turistas e a força incontrolável da natureza. Confira o trailer:
Acho que o que faz de "Tubarão" uma referência, é sua impecável construção de suspense. Spielberg utiliza o tubarão de maneira inteligente, fazendo com que a ameaça seja sentida muito antes de ser vista. Os conhecidos problemas técnicos com o modelo mecânico do tubarão durante a produção forçaram Spielberg a adotar uma abordagem mais sutil, usando a câmera subjetiva para sugerir a presença do predador sem mostrá-lo explicitamente. Essa decisão criativa acabou se tornando uma das maiores forças do filme. A invisibilidade do tubarão nas primeiras cenas aumenta a sensação de terror, permitindo que o medo do desconhecido se infiltre na mente da audiência como um gatilho de pânico! É aqui que a trilha sonora icônica de John Williams entra como elemento essencial para a construção dessa tensão. O tema de "Tubarão", com suas notas repetitivas e ameaçadoras, tornou-se um dos mais reconhecidos da história do cinema justamente por compor a sensação constante de iminente perigo, preparando o público para os momentos de ataque e reforçando a presença mítica do tubarão - Williams , inclusive, ganhou o Oscar de Melhor Trilha Sonora por esse trabalho.
Repare como Spielberg também demonstra um domínio impressionante do ritmo de sua narrativa. "Tubarão" começa com um mood agradável e leve de verão, antes de gradualmente mergulhar em um suspense quase insuportável. As cenas de ataque construídas por Spielberg são rápidas e chocantes, com o diretor intercalando momentos de terror no mar com diálogos cheios de angustia entre os personagens principais em terra. Veja, os protagonistas lutam não apenas contra o tubarão, mas também contra suas próprias inseguranças e diferenças - isso confere ao filme uma camada emocional que vai além de um simples filme de suspense. Roy Scheider oferece uma performance equilibrada e realista, retratando um homem comum que é forçado a enfrentar um perigo extraordinário. A luta de Brody com seu medo de água e sua responsabilidade como protetor da comunidade criam um arco de personagem realmente envolvente. Richard Dreyfuss, como o oceanógrafo Matt Hooper, traz um certo humor irônico para a narrativa, com seu personagem funcionando como um contraponto mais científico e racional ao caçador de tubarões Quint. E aqui cabe um comentário: o monólogo sobre o naufrágio do USS Indianapolis feito por Quinn é um dos momentos mais intensos e memoráveis do filme.
Os efeitos especiais de "Tubarão", embora datados, foram revolucionários para a época. O tubarão mecânico de certa forma consegue ser uma presença aterrorizante na tela - mas o mérito do realismo das cenas de ataque, combinado com o uso inovador da câmera em primeira pessoa, é mérito exclusivo de Spielberg e de seu fotografo Bill Butler (de "Rocky II"). Eles criaram um senso palpável de perigo, mas é importante dizer que o verdadeiro terror não vem apenas dessa criatura quase mitológica, mas também do pavor crescente em relação àquilo que não pode ser controlado ou compreendido totalmente - esse medo arquetípico do predador invisível, que espreita sob a superfície da água, esperando o momento certo para atacar fez muita gente ficar com medo de entrar até na piscina depois do filme!
Décadas após seu lançamento, "Tubarão" continua a aterrorizar e cativar audiências, por isso merece ser visto (ou revisto)!
Essa recomendação faz parte do nosso projeto "Semana dos Clássicos", onde convidamos você a revisitar filmes que mudaram os rumos da narrativa cinematográfica e que merecem um olhar mais critico sem esquecer, claro, do que pode ter representado emocionalmente na nossa vida!
Talvez essa tenha sido a maior prova de como Steven Spielberg é genial - e resiliente! "Tubarão", lançado em 1975, é considerado um dos filmes mais influentes da história do cinema - especialmente pela forma criativa com que Spielberg, com todas as limitações de produção, soube criar uma atmosfera realmente tensa. Baseado no romance de Peter Benchley, "Jaws" (no original) não apenas redefiniu o status de blockbuster, como também consolidou um conceito pouco explorado até então, onde um thriller de suspense seria capaz de combinar uma forte presença de tensão psicológica, alguma ação e muito drama, criando uma narrativa envolvente que explora o medo do desconhecido a partir de uma relação primitiva com um predador invisível.
A trama é basicamente centrada em Amity Island, uma cidade turística fictícia cuja economia depende do verão e de suas praias. Quando um grande tubarão-branco começa a atacar e matar banhistas, o chefe de polícia local, Martin Brody (Roy Scheider), se junta ao oceanógrafo Matt Hooper (Richard Dreyfuss) e ao caçador de tubarões Quint (Robert Shaw) para tentar capturar a criatura. O filme explora a tensão crescente entre as necessidades econômicas da cidade, o medo dos turistas e a força incontrolável da natureza. Confira o trailer:
Acho que o que faz de "Tubarão" uma referência, é sua impecável construção de suspense. Spielberg utiliza o tubarão de maneira inteligente, fazendo com que a ameaça seja sentida muito antes de ser vista. Os conhecidos problemas técnicos com o modelo mecânico do tubarão durante a produção forçaram Spielberg a adotar uma abordagem mais sutil, usando a câmera subjetiva para sugerir a presença do predador sem mostrá-lo explicitamente. Essa decisão criativa acabou se tornando uma das maiores forças do filme. A invisibilidade do tubarão nas primeiras cenas aumenta a sensação de terror, permitindo que o medo do desconhecido se infiltre na mente da audiência como um gatilho de pânico! É aqui que a trilha sonora icônica de John Williams entra como elemento essencial para a construção dessa tensão. O tema de "Tubarão", com suas notas repetitivas e ameaçadoras, tornou-se um dos mais reconhecidos da história do cinema justamente por compor a sensação constante de iminente perigo, preparando o público para os momentos de ataque e reforçando a presença mítica do tubarão - Williams , inclusive, ganhou o Oscar de Melhor Trilha Sonora por esse trabalho.
Repare como Spielberg também demonstra um domínio impressionante do ritmo de sua narrativa. "Tubarão" começa com um mood agradável e leve de verão, antes de gradualmente mergulhar em um suspense quase insuportável. As cenas de ataque construídas por Spielberg são rápidas e chocantes, com o diretor intercalando momentos de terror no mar com diálogos cheios de angustia entre os personagens principais em terra. Veja, os protagonistas lutam não apenas contra o tubarão, mas também contra suas próprias inseguranças e diferenças - isso confere ao filme uma camada emocional que vai além de um simples filme de suspense. Roy Scheider oferece uma performance equilibrada e realista, retratando um homem comum que é forçado a enfrentar um perigo extraordinário. A luta de Brody com seu medo de água e sua responsabilidade como protetor da comunidade criam um arco de personagem realmente envolvente. Richard Dreyfuss, como o oceanógrafo Matt Hooper, traz um certo humor irônico para a narrativa, com seu personagem funcionando como um contraponto mais científico e racional ao caçador de tubarões Quint. E aqui cabe um comentário: o monólogo sobre o naufrágio do USS Indianapolis feito por Quinn é um dos momentos mais intensos e memoráveis do filme.
Os efeitos especiais de "Tubarão", embora datados, foram revolucionários para a época. O tubarão mecânico de certa forma consegue ser uma presença aterrorizante na tela - mas o mérito do realismo das cenas de ataque, combinado com o uso inovador da câmera em primeira pessoa, é mérito exclusivo de Spielberg e de seu fotografo Bill Butler (de "Rocky II"). Eles criaram um senso palpável de perigo, mas é importante dizer que o verdadeiro terror não vem apenas dessa criatura quase mitológica, mas também do pavor crescente em relação àquilo que não pode ser controlado ou compreendido totalmente - esse medo arquetípico do predador invisível, que espreita sob a superfície da água, esperando o momento certo para atacar fez muita gente ficar com medo de entrar até na piscina depois do filme!
Décadas após seu lançamento, "Tubarão" continua a aterrorizar e cativar audiências, por isso merece ser visto (ou revisto)!
É possível encontrar alguma beleza no meio do caos, da poluição e do descaso perante a natureza e ainda assim perceber que existe um fio de esperança? É justamente essa pergunta que diretor indiano, Shaunak Sen (de "Cities of Sleep") pretende responder com o seu nomeado ao Oscar de "Melhor Documentário" e multi-premiado (foram mais de 20 prêmios em festivais pelo mundo inteiro), "Tudo o que Respira". No entanto é preciso que se diga, embora chancelado pelo "Grand Jury Prize" em Sundance e pelo "Golden Eye" em Cannes, ambos em 2022, esse longa-metragem deve dividir opiniões por dois motivos: primeiro por ter um roteiro que fragmenta a jornada de uma forma pouco usual (quase sempre sem maiores explicações) e segundo pela narrativa mais cadenciada que tenta equilibrar lindas imagens com a triste realidade que é viver em uma Nova Deli nada glamourosa.
O filme segue três jovens (Saud, Salik e Nadeem) que dirigem um hospital de aves dedicado ao resgate de "milhafres pretos" feridos em Nova Deli, uma das cidades mais populosas do mundo, na Índia. À medida que a toxicidade ambiental e a agitação civil aumentam, a relação entre o ser humano e algumas espécies negligenciadas formam uma espécie de crônica poética da ecologia em colapso e aprofunda debates que expõem o tamanho da falha social que conduz a evolução. Confira o trailer:
O milhafre-preto é uma espécie de ave carnívora que se alimenta de ratos e outros animais que são facilmente encontrados em locais onde existe um volume considerável de lixo. Acontece que a mesma poluição que alimenta, também mata - inclusive, existem partículas cancerígenas em níveis tão absurdos no ar de determinados locais de Nova Deli que fazem com que as aves simplesmente caiam do céu. Contextualizado o absurdo desse cenário apocalíptico, o roteiro se esforça para equilibrar as nuances de uma vida caótica controlada pelo ser humano (que não por acaso sofre com suas próprias diferenças - e isso é brilhantemente retratado em vários níveis dentro da história: das escolhas pessoais de Nadeem às ondas de protestos religiosos extremamente violentos nas ruas da capital da Índia) e de uma natureza que segue se adaptando e improvisando (onde os pássaros passaram, vejam só, a utilizar as bitucas de cigarro encontradas nos lixões para espantar parasitas).
Obviamente que a descrição até aqui retratada pode soar indigesta, e de fato a sensação de repulsa é enorme, porém Shaunak Sen ao lado dos fotógrafos Ben Bernhard, Riju Das e Saumyananda Sahi, aproveitam desse cenário para extrair o máximo de beleza possível - os planos, muitos deles sensíveis em bem executas panorâmicas, dão a exata noção do tamanho do problema. Não raramente Sen traz para o primeiro plano uma infinidade de ratos se alimentando de lixo, larvas se chacoalhando num tanque de água parada ou ainda o céu coberto por aves sobrevoando as ruas imundas ou os lixões abertos - reparem em como o diretor usa do desenho de som (quase insuportável) para provocar uma experiência imersiva tão impressionante quanto angustiante.
Mas nem só de "dor" vive "Tudo o que Respira", existe o "amor" e a maneira como o diretor retrata a jornada dos irmãos Mohammade constrói sua narrativa para que a audiência entenda as dificuldades, os medos, os anseios e as frustrações de cada um deles, é simplesmente genial - veja, o filme não se preocupa em se aprofundar ou entregar todas as informações, mas o que importa está sempre ali na tela, mesmo que exija uma certa interpretação como quando o silêncio, entre um assunto e outro, diz mais que qualquer diálogo.
Vale muito o seu play, desde que você esteja disposto a sair de uma bolha para encarar essa dura (e não tão distante assim) realidade!
É possível encontrar alguma beleza no meio do caos, da poluição e do descaso perante a natureza e ainda assim perceber que existe um fio de esperança? É justamente essa pergunta que diretor indiano, Shaunak Sen (de "Cities of Sleep") pretende responder com o seu nomeado ao Oscar de "Melhor Documentário" e multi-premiado (foram mais de 20 prêmios em festivais pelo mundo inteiro), "Tudo o que Respira". No entanto é preciso que se diga, embora chancelado pelo "Grand Jury Prize" em Sundance e pelo "Golden Eye" em Cannes, ambos em 2022, esse longa-metragem deve dividir opiniões por dois motivos: primeiro por ter um roteiro que fragmenta a jornada de uma forma pouco usual (quase sempre sem maiores explicações) e segundo pela narrativa mais cadenciada que tenta equilibrar lindas imagens com a triste realidade que é viver em uma Nova Deli nada glamourosa.
O filme segue três jovens (Saud, Salik e Nadeem) que dirigem um hospital de aves dedicado ao resgate de "milhafres pretos" feridos em Nova Deli, uma das cidades mais populosas do mundo, na Índia. À medida que a toxicidade ambiental e a agitação civil aumentam, a relação entre o ser humano e algumas espécies negligenciadas formam uma espécie de crônica poética da ecologia em colapso e aprofunda debates que expõem o tamanho da falha social que conduz a evolução. Confira o trailer:
O milhafre-preto é uma espécie de ave carnívora que se alimenta de ratos e outros animais que são facilmente encontrados em locais onde existe um volume considerável de lixo. Acontece que a mesma poluição que alimenta, também mata - inclusive, existem partículas cancerígenas em níveis tão absurdos no ar de determinados locais de Nova Deli que fazem com que as aves simplesmente caiam do céu. Contextualizado o absurdo desse cenário apocalíptico, o roteiro se esforça para equilibrar as nuances de uma vida caótica controlada pelo ser humano (que não por acaso sofre com suas próprias diferenças - e isso é brilhantemente retratado em vários níveis dentro da história: das escolhas pessoais de Nadeem às ondas de protestos religiosos extremamente violentos nas ruas da capital da Índia) e de uma natureza que segue se adaptando e improvisando (onde os pássaros passaram, vejam só, a utilizar as bitucas de cigarro encontradas nos lixões para espantar parasitas).
Obviamente que a descrição até aqui retratada pode soar indigesta, e de fato a sensação de repulsa é enorme, porém Shaunak Sen ao lado dos fotógrafos Ben Bernhard, Riju Das e Saumyananda Sahi, aproveitam desse cenário para extrair o máximo de beleza possível - os planos, muitos deles sensíveis em bem executas panorâmicas, dão a exata noção do tamanho do problema. Não raramente Sen traz para o primeiro plano uma infinidade de ratos se alimentando de lixo, larvas se chacoalhando num tanque de água parada ou ainda o céu coberto por aves sobrevoando as ruas imundas ou os lixões abertos - reparem em como o diretor usa do desenho de som (quase insuportável) para provocar uma experiência imersiva tão impressionante quanto angustiante.
Mas nem só de "dor" vive "Tudo o que Respira", existe o "amor" e a maneira como o diretor retrata a jornada dos irmãos Mohammade constrói sua narrativa para que a audiência entenda as dificuldades, os medos, os anseios e as frustrações de cada um deles, é simplesmente genial - veja, o filme não se preocupa em se aprofundar ou entregar todas as informações, mas o que importa está sempre ali na tela, mesmo que exija uma certa interpretação como quando o silêncio, entre um assunto e outro, diz mais que qualquer diálogo.
Vale muito o seu play, desde que você esteja disposto a sair de uma bolha para encarar essa dura (e não tão distante assim) realidade!
Olha, não será uma jornada das mais tranquilas - já aviso! "Tudo ou Nada" é intenso e emocionante, mas também uma pancada sem muita dó! Dirigido pela talentosa Delphine Deloget, esse filme chega chancelado pelos elogios do público e da crítica especializada ao receber a indicação "Um Certo Olhar" no Festival de Cannes 2023, além de outros reconhecimentos em vários festivais ao redor do mundo. Com uma narrativa dura, impactante e cheia de desconforto, eu diria que você está diante de uma experiência cinematográfica das mais profundas e tocantes por sua visão amarga da vida adulta - sem cortes, mas com algum pré-julgamento.
A trama, protagonizada pela brilhante Virginie Efira, acompanha a árdua jornada de Sylvie, uma mãe solteira que enfrenta a dor de perder a guarda de seu filho caçula, Sofiane, após um acidente doméstico. Determinada a recuperar a custódia do filho, Sylvie mergulha em uma batalha judicial e emocionalmente desgastante, confrontando um sistema implacável que coloca em xeque até sua capacidade como mãe. Confira o trailer:
Uma jornada de reflexão através da dor e da impotência - talvez essa seja a forma mais simples de definir a complexidade de "Rien à Perdre" (no original). Com uma narrativa bem construída, o que vemos na tela é um retrato comovente da realidade de Sylvie a partir de um olhar honesto e sem censura sobre ser mãe. Veja, o filme se propõe a explorar as nuances da maternidade, questionando os padrões sociais e as estruturas que marginalizam mulheres como Sylvie e é com essa forte premissa que Deloget mostra como sua luta transcende a esfera individual e passa a ser vista como um símbolo para tantas outras que enfrentam desafios semelhantes. Ao longo da narrativa, somos confrontados com questionamentos sobre os limites da maternidade (muitas vezes em meio ao caos), sobre o papel do Estado na vida familiar (carregada de hipocrisia) e sobre a fragilidade do sistema judicial em muitos pontos (especialmente fora de contextos).
Aqui, a direção de Deloget é precisa e sensível, explorando com muita competência os detalhes que a história tem para contar em suas diversas camadas - mesmo aquelas não tão óbvias. Sua câmera se torna uma extensão da protagonista, capturando a realidade cruel de Sylvie e a beleza fugaz dos momentos de ternura entre ela e seus filhos. Aliás, é impossível não elogiar Virginie Efira - ela entrega uma performance magistral, capaz de equilibrar a força interior e a fragilidade de sua personagem com a mesma maestria. Cada olhar, cada gesto, cada palavra e cada momento de silêncio, transbordam emoção, nos convidando para um mergulho mais profundo na dor e na resiliência de Sylvie. Tudo isso, alinhado a uma fotografia maravilhosa de Guillaume Schiffman (indicado ao Oscar por "O Artista"), rica em tons frios e melancólicos que traduzem a angústia e a solidão da personagem; e da trilha sonora minimalista que pontua a narrativa com notas de esperança e força. Olha, eu diria que que nada está nesse filme por acaso.
"Tudo ou Nada", é preciso pontuar, não oferece respostas fáceis, mas vai te convidar à reflexão sobre as complexas relações entre mães e filhos, e sobre o impacto que a sociedade pode exercer sobre essa dinâmica nada padronizada. Essencial em sua proposta, esse filme de fato toca nossa alma de uma maneira avassaladora e nos provoca a repensar alguns conceitos sobre maternidade, sobre justiça social e sobre a força do amor - com um pouco mais de empatia por um lado e de conservadorismo do outro. Grande filme, mas nada simples!
Vale muito o seu play!
Olha, não será uma jornada das mais tranquilas - já aviso! "Tudo ou Nada" é intenso e emocionante, mas também uma pancada sem muita dó! Dirigido pela talentosa Delphine Deloget, esse filme chega chancelado pelos elogios do público e da crítica especializada ao receber a indicação "Um Certo Olhar" no Festival de Cannes 2023, além de outros reconhecimentos em vários festivais ao redor do mundo. Com uma narrativa dura, impactante e cheia de desconforto, eu diria que você está diante de uma experiência cinematográfica das mais profundas e tocantes por sua visão amarga da vida adulta - sem cortes, mas com algum pré-julgamento.
A trama, protagonizada pela brilhante Virginie Efira, acompanha a árdua jornada de Sylvie, uma mãe solteira que enfrenta a dor de perder a guarda de seu filho caçula, Sofiane, após um acidente doméstico. Determinada a recuperar a custódia do filho, Sylvie mergulha em uma batalha judicial e emocionalmente desgastante, confrontando um sistema implacável que coloca em xeque até sua capacidade como mãe. Confira o trailer:
Uma jornada de reflexão através da dor e da impotência - talvez essa seja a forma mais simples de definir a complexidade de "Rien à Perdre" (no original). Com uma narrativa bem construída, o que vemos na tela é um retrato comovente da realidade de Sylvie a partir de um olhar honesto e sem censura sobre ser mãe. Veja, o filme se propõe a explorar as nuances da maternidade, questionando os padrões sociais e as estruturas que marginalizam mulheres como Sylvie e é com essa forte premissa que Deloget mostra como sua luta transcende a esfera individual e passa a ser vista como um símbolo para tantas outras que enfrentam desafios semelhantes. Ao longo da narrativa, somos confrontados com questionamentos sobre os limites da maternidade (muitas vezes em meio ao caos), sobre o papel do Estado na vida familiar (carregada de hipocrisia) e sobre a fragilidade do sistema judicial em muitos pontos (especialmente fora de contextos).
Aqui, a direção de Deloget é precisa e sensível, explorando com muita competência os detalhes que a história tem para contar em suas diversas camadas - mesmo aquelas não tão óbvias. Sua câmera se torna uma extensão da protagonista, capturando a realidade cruel de Sylvie e a beleza fugaz dos momentos de ternura entre ela e seus filhos. Aliás, é impossível não elogiar Virginie Efira - ela entrega uma performance magistral, capaz de equilibrar a força interior e a fragilidade de sua personagem com a mesma maestria. Cada olhar, cada gesto, cada palavra e cada momento de silêncio, transbordam emoção, nos convidando para um mergulho mais profundo na dor e na resiliência de Sylvie. Tudo isso, alinhado a uma fotografia maravilhosa de Guillaume Schiffman (indicado ao Oscar por "O Artista"), rica em tons frios e melancólicos que traduzem a angústia e a solidão da personagem; e da trilha sonora minimalista que pontua a narrativa com notas de esperança e força. Olha, eu diria que que nada está nesse filme por acaso.
"Tudo ou Nada", é preciso pontuar, não oferece respostas fáceis, mas vai te convidar à reflexão sobre as complexas relações entre mães e filhos, e sobre o impacto que a sociedade pode exercer sobre essa dinâmica nada padronizada. Essencial em sua proposta, esse filme de fato toca nossa alma de uma maneira avassaladora e nos provoca a repensar alguns conceitos sobre maternidade, sobre justiça social e sobre a força do amor - com um pouco mais de empatia por um lado e de conservadorismo do outro. Grande filme, mas nada simples!
Vale muito o seu play!
Mais do que um filme sobre o "perdão", "Um lindo dia na vizinhança" fala sobre se "reconectar", com uma sensibilidade impressionante - mesmo que em muitos momentos tenhamos a exata impressão de que aquilo tudo não passa de uma enorme forçada de barra! O interessante, inclusive, é que justamente por isso que o filme nos toca, já que a diretora Marielle Heller usa do carisma (inacreditável - no fiel sentido da palavra) de Fred Rogers, um apresentador de um programa infantil de TV dos anos 70, para contar a história de um jornalista marcado pelo rancor e pela relação nada saudável com seu pai.
Lloyd Vogel (Matthew Rhys) é um jornalista sobrecarregado psicologicamente, que recebe a missão de escrever um artigo sobre o apresentador Fred Rogers (Tom Hanks) para a revista Esquire. Lloyd é um homem cuja vida (aos seus olhos) nunca lhe foi generosa, apesar do seu sucesso profissional - ele carrega consigo uma mágoa profunda por seu pai, Jerry (Chris Cooper). Ao aceitar o trabalho, Vogel acaba se surpreendendo com a maneira como seu entrevistado enxerga a vida e, principalmente, se relaciona com as pessoas. Aos poucos, Vogel e Rogers tornam-se cada vez mais íntimos, dividindo detalhes sobre a vida, sobre suas relações pessoais, com as esposas, filhos e, claro, com as feridas que o convívio com a família pode deixar. Confira o trailer:
Que as pessoas não são 100% ruins, da mesma forma que não são 100% boas, nós já sabemos; ou pelo menos essa é a regra imposta pela sociedade. Mas antes de falar sobre como existem exceções para determinadas regras, vamos contextualizar a história: “Vizinhança de Mister Rogers” foi um dos programas infantis a ficar mais tempo em exibição nos EUA (perdendo apenas recentemente para Vila Sésamo), nele o apresentador Fred Rogers utilizava do lúdico para falar sobre temas do cotidiano e até assuntos mais pesados como morte, depressão, divórcio, raiva, guerra. A grande questão é que Fred parecia ser um personagem dentro e fora do estúdio de gravação e isso instigou demais Lloyd Vogel. Seria possível alguém ser tão carismático, bondoso e empático por tanto tempo e com todo mundo?
“Como é ser casada com um santo?”, questiona o jornalista. “Não gosto desse termo, é como se o que ele é, fosse algo inatingível”, retruca Joanne (Maryann Plunkett), esposa de Rogers. Veja, embora a alma do filme seja Fred, a diretora quer mesmo é contar a história de Lloyd Vogel e a forma com que ela brinca com os conceitos lúdicos do programa do Mister Rogers, fazendo transições entre as maquetes e os movimentos em stop motion com os lugares reais do cotidiano de Vogel criam, metaforicamente, pontos de vista muito interessantes sobre seus fantasmas e como ele se esforça enfrentá-los.
Obviamente que Tom Hanks é o nome do filme - apoiado em uma belíssima maquiagem e nos figurinos exatos de Fred Rogers, o ator dá mais uma aula de caracterização ao mergulhar nas camadas mais profundas do personagem, com expressões pontualmente contidas no silêncio pausado da forma como Rogers se comunicava aos pequenos vícios corporais do apresentador. Matthew Rhys também está muito bem - sua expressão demonstra exatamente toda a carga emocional que Lloyd carrega consigo. Outro elemento que merece destaque é a trilha sonora de Nate Heller - ela pontua perfeitamente o mood das cenas e traz a belíssima "The Promisse" na voz de Tracy Chapman.
"Um Lindo Dia na Vizinhança" é um filme que não fez tanto barulho, mas que vai te surpreender pela sensibilidade e beleza do seu roteiro (de Noah Harpster e Micah Fitzerman-Blue). É um filme com alma, emocionante, dramático e inteligente ao nos mostrar o lado bom de uma boa conversa. Vale a pena!
Up-date: "Um Lindo Dia na Vizinhança" garantiu mais uma indicação para Tom Hanks no Oscar 2020: Melhor Ator Coadjuvante!
Mais do que um filme sobre o "perdão", "Um lindo dia na vizinhança" fala sobre se "reconectar", com uma sensibilidade impressionante - mesmo que em muitos momentos tenhamos a exata impressão de que aquilo tudo não passa de uma enorme forçada de barra! O interessante, inclusive, é que justamente por isso que o filme nos toca, já que a diretora Marielle Heller usa do carisma (inacreditável - no fiel sentido da palavra) de Fred Rogers, um apresentador de um programa infantil de TV dos anos 70, para contar a história de um jornalista marcado pelo rancor e pela relação nada saudável com seu pai.
Lloyd Vogel (Matthew Rhys) é um jornalista sobrecarregado psicologicamente, que recebe a missão de escrever um artigo sobre o apresentador Fred Rogers (Tom Hanks) para a revista Esquire. Lloyd é um homem cuja vida (aos seus olhos) nunca lhe foi generosa, apesar do seu sucesso profissional - ele carrega consigo uma mágoa profunda por seu pai, Jerry (Chris Cooper). Ao aceitar o trabalho, Vogel acaba se surpreendendo com a maneira como seu entrevistado enxerga a vida e, principalmente, se relaciona com as pessoas. Aos poucos, Vogel e Rogers tornam-se cada vez mais íntimos, dividindo detalhes sobre a vida, sobre suas relações pessoais, com as esposas, filhos e, claro, com as feridas que o convívio com a família pode deixar. Confira o trailer:
Que as pessoas não são 100% ruins, da mesma forma que não são 100% boas, nós já sabemos; ou pelo menos essa é a regra imposta pela sociedade. Mas antes de falar sobre como existem exceções para determinadas regras, vamos contextualizar a história: “Vizinhança de Mister Rogers” foi um dos programas infantis a ficar mais tempo em exibição nos EUA (perdendo apenas recentemente para Vila Sésamo), nele o apresentador Fred Rogers utilizava do lúdico para falar sobre temas do cotidiano e até assuntos mais pesados como morte, depressão, divórcio, raiva, guerra. A grande questão é que Fred parecia ser um personagem dentro e fora do estúdio de gravação e isso instigou demais Lloyd Vogel. Seria possível alguém ser tão carismático, bondoso e empático por tanto tempo e com todo mundo?
“Como é ser casada com um santo?”, questiona o jornalista. “Não gosto desse termo, é como se o que ele é, fosse algo inatingível”, retruca Joanne (Maryann Plunkett), esposa de Rogers. Veja, embora a alma do filme seja Fred, a diretora quer mesmo é contar a história de Lloyd Vogel e a forma com que ela brinca com os conceitos lúdicos do programa do Mister Rogers, fazendo transições entre as maquetes e os movimentos em stop motion com os lugares reais do cotidiano de Vogel criam, metaforicamente, pontos de vista muito interessantes sobre seus fantasmas e como ele se esforça enfrentá-los.
Obviamente que Tom Hanks é o nome do filme - apoiado em uma belíssima maquiagem e nos figurinos exatos de Fred Rogers, o ator dá mais uma aula de caracterização ao mergulhar nas camadas mais profundas do personagem, com expressões pontualmente contidas no silêncio pausado da forma como Rogers se comunicava aos pequenos vícios corporais do apresentador. Matthew Rhys também está muito bem - sua expressão demonstra exatamente toda a carga emocional que Lloyd carrega consigo. Outro elemento que merece destaque é a trilha sonora de Nate Heller - ela pontua perfeitamente o mood das cenas e traz a belíssima "The Promisse" na voz de Tracy Chapman.
"Um Lindo Dia na Vizinhança" é um filme que não fez tanto barulho, mas que vai te surpreender pela sensibilidade e beleza do seu roteiro (de Noah Harpster e Micah Fitzerman-Blue). É um filme com alma, emocionante, dramático e inteligente ao nos mostrar o lado bom de uma boa conversa. Vale a pena!
Up-date: "Um Lindo Dia na Vizinhança" garantiu mais uma indicação para Tom Hanks no Oscar 2020: Melhor Ator Coadjuvante!
"Um Lugar Qualquer" fala de solidão, mas em uma outra camada, talvez até de uma forma mais cruel que é a de ter a impressão que temos tudo sob controle e que apenas as escolhas do passado foram a causa dessa situação. Entender que a felicidade não está no dinheiro ou na realização pessoal é um processo doloroso e, sim, o personagem Johnny Marco (Stephen Dorff) sente isso na pele - eu diria, inclusive, que por se tratar de uma relação "pai e filha" é até mais difícil lidar do que a situação do Bob Harris (Bill Murray) em "Encontros e Desencontros" (2003) - filme que discute sentimentos e sensações parecidos.
Em "Somewhere" (título original), acompanhamos o já citado Johnny Marco, um bem sucedido ator norte-americano que mora no lendário, mas impessoal, hotel Chateau Marmont enquanto se recupera de um leve acidente. A rotina do ator se resume em diversão, álcool e sexo, mas também no vazio, na falta de relação afetiva e muita melancolia, pois tudo (ou quase tudo) na vida de Marco lhe é entregue de bandeja, sem esforço, por conveniência da profissão. Quando sua filha Cleo (Elle Fanning) chega para passar uma temporada com ele, Marco percebe que a verdadeira felicidade não está nas conquistas profissionais ou na farra irresponsável, e sim na cumplicidade entre pai e filha, mas talvez já seja tarde demais para mudar algo que ele mesmo provocou. Confira o trailer:
Ser filha de um grande diretor não deve ser tarefa das mais fáceis, mas acredite: não foi por acaso que Sofia Coppola conquistou alguns dos principais prêmios que um diretor pode almejar na carreira - do Oscar de melhor roteiro original ao Leão de Ouro do Festival de Veneza. Dito isso, meu conselho é: quem não viu "Um Lugar Qualquer", veja, pois Sofia não é só a filha de Francis Ford Coppola! O filme é, de fato, muito bom, tem um roteiro muito bem escrito, com uma direção focada nos detalhes e toda aquela capacidade de captar o sentimento que ela mostrou em"Encontros e Desencontros" está ali, com a mesma maestria e sensibilidade.
Embora não seja uma jornada das mais fáceis, pelo estilo cadenciado do filme e pelo assunto que ele discute, "Um Lugar Qualquer" é muito provocador e merece muitos elogios. Claro que ele vai impactar um número limitado da audiência, possivelmente aquele que mergulha nas inúmeras camadas de um personagem bastante complexo e que se permite projetar na história suas próprias experiências e aqui, o silêncio e uma trilha sonora lindíssima facilitam essa imersão. Outro detalhe bem interessante: reparem como a Sofia Coppola conta essa história: ela usa uma câmera fixa, como se o ação fizesse parte de um quadro, de uma pintura, para que possamos acompanhar a cena e só julgar o que estamos vendo; e aí vem o golaço, porque ela nos mostra um dos lados em profundidade e logo depois já nos pergunta" qual é o seu lado que sentiria, justamente, aquele julgamento? É incrível, pois mesmo sem perceber, estamos julgando aquele estilo de vida o tempo todo, mas depois vamos entendendo o preço que se paga por esse tipo "escolha".
"Um Lugar Qualquer" é um grande filme, mas será preciso uma certa sensibilidade para entender o "vazio" que a diretora propõe e em muitas passagens não vamos nos permitir encarar esse sentimento de frente, com sinceridade - e isso vai refletir na sua critica perante o que você assistiu! Para nós, imperdível!
"Um Lugar Qualquer" fala de solidão, mas em uma outra camada, talvez até de uma forma mais cruel que é a de ter a impressão que temos tudo sob controle e que apenas as escolhas do passado foram a causa dessa situação. Entender que a felicidade não está no dinheiro ou na realização pessoal é um processo doloroso e, sim, o personagem Johnny Marco (Stephen Dorff) sente isso na pele - eu diria, inclusive, que por se tratar de uma relação "pai e filha" é até mais difícil lidar do que a situação do Bob Harris (Bill Murray) em "Encontros e Desencontros" (2003) - filme que discute sentimentos e sensações parecidos.
Em "Somewhere" (título original), acompanhamos o já citado Johnny Marco, um bem sucedido ator norte-americano que mora no lendário, mas impessoal, hotel Chateau Marmont enquanto se recupera de um leve acidente. A rotina do ator se resume em diversão, álcool e sexo, mas também no vazio, na falta de relação afetiva e muita melancolia, pois tudo (ou quase tudo) na vida de Marco lhe é entregue de bandeja, sem esforço, por conveniência da profissão. Quando sua filha Cleo (Elle Fanning) chega para passar uma temporada com ele, Marco percebe que a verdadeira felicidade não está nas conquistas profissionais ou na farra irresponsável, e sim na cumplicidade entre pai e filha, mas talvez já seja tarde demais para mudar algo que ele mesmo provocou. Confira o trailer:
Ser filha de um grande diretor não deve ser tarefa das mais fáceis, mas acredite: não foi por acaso que Sofia Coppola conquistou alguns dos principais prêmios que um diretor pode almejar na carreira - do Oscar de melhor roteiro original ao Leão de Ouro do Festival de Veneza. Dito isso, meu conselho é: quem não viu "Um Lugar Qualquer", veja, pois Sofia não é só a filha de Francis Ford Coppola! O filme é, de fato, muito bom, tem um roteiro muito bem escrito, com uma direção focada nos detalhes e toda aquela capacidade de captar o sentimento que ela mostrou em"Encontros e Desencontros" está ali, com a mesma maestria e sensibilidade.
Embora não seja uma jornada das mais fáceis, pelo estilo cadenciado do filme e pelo assunto que ele discute, "Um Lugar Qualquer" é muito provocador e merece muitos elogios. Claro que ele vai impactar um número limitado da audiência, possivelmente aquele que mergulha nas inúmeras camadas de um personagem bastante complexo e que se permite projetar na história suas próprias experiências e aqui, o silêncio e uma trilha sonora lindíssima facilitam essa imersão. Outro detalhe bem interessante: reparem como a Sofia Coppola conta essa história: ela usa uma câmera fixa, como se o ação fizesse parte de um quadro, de uma pintura, para que possamos acompanhar a cena e só julgar o que estamos vendo; e aí vem o golaço, porque ela nos mostra um dos lados em profundidade e logo depois já nos pergunta" qual é o seu lado que sentiria, justamente, aquele julgamento? É incrível, pois mesmo sem perceber, estamos julgando aquele estilo de vida o tempo todo, mas depois vamos entendendo o preço que se paga por esse tipo "escolha".
"Um Lugar Qualquer" é um grande filme, mas será preciso uma certa sensibilidade para entender o "vazio" que a diretora propõe e em muitas passagens não vamos nos permitir encarar esse sentimento de frente, com sinceridade - e isso vai refletir na sua critica perante o que você assistiu! Para nós, imperdível!
"Um Motivo para Lutar" realmente pode te surpreender! O filme dirigido por Romain Cogitore é uma mistura equilibrada de drama e romance, que se apoia em uma narrativa emocionalmente intensa e cheia de contrastes bem ao estilo "Mil Vezes Boa Noite". Essa produção francesa da Disney, explora a interseção delicada entre a ideologia e as relações humanas, oferecendo uma reflexão profunda sobre o impacto das convicções em momentos de conflito. O filme se destaca ao discutir como o ativismo social e ambiental moldam as escolhas e as dinâmicas entre os personagens, criando dilemas complexos que desafiam os limites entre o dever e o afeto.
A trama segue Stella (Lyna Khoudri), uma jovem ativista engajada na resistência contra um projeto de construção em uma área ambientalmente protegida conhecida como "ZAD" (Zone à Défendre). No meio desse conflito, ela se envolve com Alexandre (François Civil), um policial infiltrado na comunidade de ativistas. À medida que o relacionamento entre eles se desenvolve, os dilemas éticos e emocionais emergem, colocando em risco tanto suas convicções quanto seus sentimentos. Confira o trailer (em francês):
Cogitore dirige o filme com uma sensibilidade impressionante, especialmente ao tratar da intimidade inserida dentro de um contexto de tensão política. Sua direção evita simplificações, focando justamente na ambiguidade moral que permeia a relação entre os protagonistas e a própria causa que eles defendem. A construção narrativa é tão cuidadosa que faz com que a tensão emocional entre Stella e Alexandre se desenvolva de um forma gradual, mantendo a audiência intrigada e entretida até o final. O roteiro escrito por Cogitore em parceria com Thomas Bidegain (de "Ferrugem e Osso") e Catherine Paillé (de "O Segredo da Câmara Escura") equilibra bem essa relação mais pessoal sem nunca abrir mão do pano de fundo político. A forma como "Um Motivo para Lutar"aborda a linha tênue entre o idealismo e o extremismo é notável, evitando juízos fáceis e oferecendo uma visão humana tanto dos ativistas quanto das forças de repressão.
A performance do elenco encabeçado por Lyna Khoudri e François Civil, sem dúvida, é um dos pontos altos do filme. Khoudri entrega uma personagem autêntica e visceral, revelando a sua intensidade e a sua vulnerabilidade diante dos dilemas afetivos e sociais que permeiam a narrativa. Civil também brilha ao interpretar Alexandre, um homem dividido entre sua missão profissional e o envolvimento emocional que nasce dentro da comunidade - a química entre os dois é palpável, e suas interações refletem a tensão entre "dever e desejo" a cada cena. Outro fator que ajuda a construir essa atmosfera de dualidade é a fotografia de Julien Hirsch (de "Lady Chatterley") - ao capturar as paisagens naturais da "ZAD", ele reforça tanto a beleza quanto a fragilidade do local. Os ambientes densos e isolados simbolizam a resistência dos ativistas e a pressão crescente que eles enfrentam, enquanto a escolha de cores mais naturalistas e uma iluminação suave complementam o tom intimista da narrativa. Repare como essa estética acentua os momentos de silêncio e reflexão, intensificando o impacto da história.
O foco na construção emocional e nas nuances dos personagens é um ponto relevante do trabalho de Cogitore, por outro lado essa identidade mais autoral impacta no ritmo e isso pode desgarrar alguns - e também pode dar a sensação de que a trama se alonga desnecessariamente em alguns momentos. No entanto, "Une Zone à Défendre" (no original), posso garantir, é uma experiência bastante envolvente especialmente por explorar a dinâmica entre Stella e Alexandre, respeitando a complexidade dos vínculos formados em contextos de conflito e a dificuldade de conciliar afetos com convicções. Realmente um convite para a reflexão sobre a natureza do compromisso e as fronteiras entre o amor e a lealdade por um ideal.
Vale muito o seu play!
"Um Motivo para Lutar" realmente pode te surpreender! O filme dirigido por Romain Cogitore é uma mistura equilibrada de drama e romance, que se apoia em uma narrativa emocionalmente intensa e cheia de contrastes bem ao estilo "Mil Vezes Boa Noite". Essa produção francesa da Disney, explora a interseção delicada entre a ideologia e as relações humanas, oferecendo uma reflexão profunda sobre o impacto das convicções em momentos de conflito. O filme se destaca ao discutir como o ativismo social e ambiental moldam as escolhas e as dinâmicas entre os personagens, criando dilemas complexos que desafiam os limites entre o dever e o afeto.
A trama segue Stella (Lyna Khoudri), uma jovem ativista engajada na resistência contra um projeto de construção em uma área ambientalmente protegida conhecida como "ZAD" (Zone à Défendre). No meio desse conflito, ela se envolve com Alexandre (François Civil), um policial infiltrado na comunidade de ativistas. À medida que o relacionamento entre eles se desenvolve, os dilemas éticos e emocionais emergem, colocando em risco tanto suas convicções quanto seus sentimentos. Confira o trailer (em francês):
Cogitore dirige o filme com uma sensibilidade impressionante, especialmente ao tratar da intimidade inserida dentro de um contexto de tensão política. Sua direção evita simplificações, focando justamente na ambiguidade moral que permeia a relação entre os protagonistas e a própria causa que eles defendem. A construção narrativa é tão cuidadosa que faz com que a tensão emocional entre Stella e Alexandre se desenvolva de um forma gradual, mantendo a audiência intrigada e entretida até o final. O roteiro escrito por Cogitore em parceria com Thomas Bidegain (de "Ferrugem e Osso") e Catherine Paillé (de "O Segredo da Câmara Escura") equilibra bem essa relação mais pessoal sem nunca abrir mão do pano de fundo político. A forma como "Um Motivo para Lutar"aborda a linha tênue entre o idealismo e o extremismo é notável, evitando juízos fáceis e oferecendo uma visão humana tanto dos ativistas quanto das forças de repressão.
A performance do elenco encabeçado por Lyna Khoudri e François Civil, sem dúvida, é um dos pontos altos do filme. Khoudri entrega uma personagem autêntica e visceral, revelando a sua intensidade e a sua vulnerabilidade diante dos dilemas afetivos e sociais que permeiam a narrativa. Civil também brilha ao interpretar Alexandre, um homem dividido entre sua missão profissional e o envolvimento emocional que nasce dentro da comunidade - a química entre os dois é palpável, e suas interações refletem a tensão entre "dever e desejo" a cada cena. Outro fator que ajuda a construir essa atmosfera de dualidade é a fotografia de Julien Hirsch (de "Lady Chatterley") - ao capturar as paisagens naturais da "ZAD", ele reforça tanto a beleza quanto a fragilidade do local. Os ambientes densos e isolados simbolizam a resistência dos ativistas e a pressão crescente que eles enfrentam, enquanto a escolha de cores mais naturalistas e uma iluminação suave complementam o tom intimista da narrativa. Repare como essa estética acentua os momentos de silêncio e reflexão, intensificando o impacto da história.
O foco na construção emocional e nas nuances dos personagens é um ponto relevante do trabalho de Cogitore, por outro lado essa identidade mais autoral impacta no ritmo e isso pode desgarrar alguns - e também pode dar a sensação de que a trama se alonga desnecessariamente em alguns momentos. No entanto, "Une Zone à Défendre" (no original), posso garantir, é uma experiência bastante envolvente especialmente por explorar a dinâmica entre Stella e Alexandre, respeitando a complexidade dos vínculos formados em contextos de conflito e a dificuldade de conciliar afetos com convicções. Realmente um convite para a reflexão sobre a natureza do compromisso e as fronteiras entre o amor e a lealdade por um ideal.
Vale muito o seu play!
"Um Pesadelo Americano" é um típico true crime de três episódios que além de intenso em sua proposta narrativa, é profundamente intrigante pela forma como a história é desconstruída. Chancelada por ser um projeto da mesma equipe criativa que produziu "O Golpista do Tinder", essa minissérie nos conduz por um caso absurdo pela perspectiva de quem investiga, mesmo que a narrativa seja feita por quem, de fato, foi vítima. É isso mesmo, essa quebra de expectativa entre o que vemos na tela e o que de fato aconteceu, nos provoca inúmeros julgamentos que diz muito sobre a maneira com que somos influenciados. Eu diria, inclusive, que essa produção original da Netflix é uma verdadeira imersão no obscuro labirinto da pseudo justiça e da hipocrisia da mídia americana, sem o receio de nos expor como parte desse circo - e aqui, ao surgir a comparação com "Garota Exemplar", entendemos exatamente onde a direção de Felicity Morris queria chegar.
"American Nightmare" (no original) foca na história do casal Denise Huskins e Aaron Quinn. Os dois são surpreendidos quando um grupo de pessoas em roupas de mergulho invadem sua casa e fazem os dois de reféns. Após serem supostamente drogados, Denise é levada pelos criminosos e Aaron só consegue fazer contato com a polícia no dia seguinte - é aí que o pesadelo começa, já que depois de um depoimento cheio de brechas, o jovem se torna o principal suspeito do desaparecimento misterioso da namorada. Confira o trailer:
Em um primeiro olhar, encontramos em "Um Pesadelo Americano" uma maestria técnica e artística empregada na sua realização que realmente chama atenção pela similaridade com uma obra de ficção. A forma como Morris explora cada nuance da história, capturando a intensidade emocional dos fatos e toda dinâmica da investigação, realmente nos faz lembrar de filmes do gênero, mais especificamente do próprio "Garota Exemplar" do grande David Fincher - que por curiosidade havia sido lançado um ano antes do crime. Obviamente que essa comparação extrapola o conceito narrativo para se transformar, por incrível que possa parecer, no ponto de partida da investigação diante dos depoimentos de Aaron Quinn e depois de Denise Huskins.
Apresentando as versões sobre o caso a partir de três personagens chave e em episódios "independentes", a direção não só propõe a construção de um quebra-cabeça como também controla quais as peças quer nos entregar. Veja, o roteiro é muito bem amarrado, o que potencializa o trabalho do montador que se delicia com inúmeros depoimentos (inclusive do casal), imagens de câmeras e áudios de policiais e dos suspeitos durante as investigações, gravações de celulares, reportagens de tv da época, e-mails, fotos, enfim, uma quantidade enorme de material que ajudam a compor a linha do tempo de maneira clara e dinâmica, mesmo que de certa forma fragmentada. Veja, até quando a direção propõe algumas reconstituições, o que vemos é uma gramática visual simplesmente cinematográfica e muito envolvente.
Existe uma certa genialidade na minissérie ao desconstruir pré-conceitos e oferecer uma nova perspectiva sobre o caso a cada informação, interpretação ou dúvida levantada por alguém. Essa quebra de expectativa funciona perfeitamente nos dois primeiro episódios, criando uma atmosfera de mistério. No entanto, já o terceiro episódio parece perder um pouco dessa unidade narrativa - elementos aparentemente insignificantes ganham relevância, questionando a veracidade das acusações e provocando uma análise crítica sobre a responsabilidade da mídia e da polícia durante a investigação. Aqui não se trata mais sobre o que aconteceu com Denise e sim sobre como o caso foi tratado. Dito isso, "Pesadelo Americano" não conta apenas com uma história intrigante, mas também nos convida a desafiar a forma como percebemos a verdade e a justiça com um toque de crítica social ao levantar discussões relevantes, especialmente, sobre a misoginia institucionalizada.
Vale seu play!
"Um Pesadelo Americano" é um típico true crime de três episódios que além de intenso em sua proposta narrativa, é profundamente intrigante pela forma como a história é desconstruída. Chancelada por ser um projeto da mesma equipe criativa que produziu "O Golpista do Tinder", essa minissérie nos conduz por um caso absurdo pela perspectiva de quem investiga, mesmo que a narrativa seja feita por quem, de fato, foi vítima. É isso mesmo, essa quebra de expectativa entre o que vemos na tela e o que de fato aconteceu, nos provoca inúmeros julgamentos que diz muito sobre a maneira com que somos influenciados. Eu diria, inclusive, que essa produção original da Netflix é uma verdadeira imersão no obscuro labirinto da pseudo justiça e da hipocrisia da mídia americana, sem o receio de nos expor como parte desse circo - e aqui, ao surgir a comparação com "Garota Exemplar", entendemos exatamente onde a direção de Felicity Morris queria chegar.
"American Nightmare" (no original) foca na história do casal Denise Huskins e Aaron Quinn. Os dois são surpreendidos quando um grupo de pessoas em roupas de mergulho invadem sua casa e fazem os dois de reféns. Após serem supostamente drogados, Denise é levada pelos criminosos e Aaron só consegue fazer contato com a polícia no dia seguinte - é aí que o pesadelo começa, já que depois de um depoimento cheio de brechas, o jovem se torna o principal suspeito do desaparecimento misterioso da namorada. Confira o trailer:
Em um primeiro olhar, encontramos em "Um Pesadelo Americano" uma maestria técnica e artística empregada na sua realização que realmente chama atenção pela similaridade com uma obra de ficção. A forma como Morris explora cada nuance da história, capturando a intensidade emocional dos fatos e toda dinâmica da investigação, realmente nos faz lembrar de filmes do gênero, mais especificamente do próprio "Garota Exemplar" do grande David Fincher - que por curiosidade havia sido lançado um ano antes do crime. Obviamente que essa comparação extrapola o conceito narrativo para se transformar, por incrível que possa parecer, no ponto de partida da investigação diante dos depoimentos de Aaron Quinn e depois de Denise Huskins.
Apresentando as versões sobre o caso a partir de três personagens chave e em episódios "independentes", a direção não só propõe a construção de um quebra-cabeça como também controla quais as peças quer nos entregar. Veja, o roteiro é muito bem amarrado, o que potencializa o trabalho do montador que se delicia com inúmeros depoimentos (inclusive do casal), imagens de câmeras e áudios de policiais e dos suspeitos durante as investigações, gravações de celulares, reportagens de tv da época, e-mails, fotos, enfim, uma quantidade enorme de material que ajudam a compor a linha do tempo de maneira clara e dinâmica, mesmo que de certa forma fragmentada. Veja, até quando a direção propõe algumas reconstituições, o que vemos é uma gramática visual simplesmente cinematográfica e muito envolvente.
Existe uma certa genialidade na minissérie ao desconstruir pré-conceitos e oferecer uma nova perspectiva sobre o caso a cada informação, interpretação ou dúvida levantada por alguém. Essa quebra de expectativa funciona perfeitamente nos dois primeiro episódios, criando uma atmosfera de mistério. No entanto, já o terceiro episódio parece perder um pouco dessa unidade narrativa - elementos aparentemente insignificantes ganham relevância, questionando a veracidade das acusações e provocando uma análise crítica sobre a responsabilidade da mídia e da polícia durante a investigação. Aqui não se trata mais sobre o que aconteceu com Denise e sim sobre como o caso foi tratado. Dito isso, "Pesadelo Americano" não conta apenas com uma história intrigante, mas também nos convida a desafiar a forma como percebemos a verdade e a justiça com um toque de crítica social ao levantar discussões relevantes, especialmente, sobre a misoginia institucionalizada.
Vale seu play!