Esse é mais um título que me fez perguntar: "Onde eu estava que não assisti esse filme antes?". "Trapaça" é uma produção de 2013 que foi indicada, pasmem, em dez categorias no Oscar - e com muito mérito, eu completo. Em uma época onde streaming era uma palavra que nem no dicionário estava, o filme simplesmente passou batido por mim e tenho a impressão de que por muita gente - o que é um pecado, pois ele é excelente, com uma narrativa dinâmica, muito bem dirigido e com performances de cair o queixo de um elenco que conta "só" com Christian Bale, Amy Adams, Bradley Cooper e Jennifer Lawrence (todos indicados ao Oscar, inclusive).
Incrivelmente baseado em um fato real, o filme conta a história de Irving Rosenfeld (Bale), um grande trapaceiro que tem como sócia e amante Sydney Prosser (Adams). Depois de serem surpreendidos e pegos por uma ação do FBI, os dois são forçados a colaborar com o agente Richie DiMaso (Cooper), que infiltra Rosenfeld no mundo da máfia ao mesmo tempo em que tenta conseguir provas do envolvimento político do mais alto escalão do país, em corrupção através do candidato Carmine Polito (Jeremy Renner). Os planos parecem dar certo, até a esposa de Irving, Rosalyn (Lawrence), aparecer e mudar completamente as regras do jogo. Confira o trailer:
Dirigido pelo sempre competente e muito talentoso (cinco vezes indicado ao Oscar), David Owen Russell de "Joy", "Trapaça" é meio que uma mistura de Guy Ritchie com Adam McKay, não visualmente (marca registrada dos dois diretores), mas na dinâmica narrativa, na escolha do tom e na ironia que cada linha de diálogo representa para a história que, a todo momento, soa tão absurda que parece mentira. Russell e seus montadores (Jay Cassidy, Crispin Struthers, Alan Baumgarten) constroem uma linha temporal muito interessante, narrada por diversos pontos de vista, com diferentes personagens, mas sempre mantendo a uma coerência cinematográfica que impressiona pela didática sem ser expositiva. Veja, quando vemos um verdadeiro "Zé Ninguém", careca, barrigudo, brega e, aparentemente, pacato, se transformar em Irving Rosenfeld; temos a certeza que a história vai nos levar para um lugar que nem podemos imaginar.
Escrito pelo próprio Russell ao lado de Eric Warren Singer (de "Top Gun: Maverick"), o filme vai nos surpreendendo a cada movimento dos personagens - como a trapaça está no centro da discussão, é impossível cravar o que de fato é sincero durante toda a jornada. O interessante é que todos os personagens parecem saber disso, e mesmo apoiados em alguns esteriótipos (propositais) e ações normalmente exageradas, toda essa desconfiança funciona como motivação e quando menos esperamos, algo quebra essa cadeia e somos surpreendidos. Talvez a personagem de Lawrence, a Rosalyn Rosenfeld, seja a personificação desse mood (ela está incrível) ou até mesmo as maravilhosas conversas entre os personagens de Cooper e Louis C.K. (o Stoddard Thorsen) nos escritórios do FBI dos anos 70 sintetizem bem esse conceito um pouco "over" de ser.
"Trapaça" tem a sagacidade de enganar a audiência ao se apresentar como algo mais complexo do que realmente é. Russell foi muito feliz em "sugerir" muito mais do que "mostrar", nos provocando o julgamento a cada novo movimento - mas tudo isso de uma forma tão orgânica e fácil, que nem nos damos conta quando o filme termina. A história não precisa empolgar, não é esse o objetivo, são os personagens e como eles se relacionam que realmente importa - é na profundidade de algo aparentemente superficial que a magia realmente acontece. Uma aula!
Esse é mais um título que me fez perguntar: "Onde eu estava que não assisti esse filme antes?". "Trapaça" é uma produção de 2013 que foi indicada, pasmem, em dez categorias no Oscar - e com muito mérito, eu completo. Em uma época onde streaming era uma palavra que nem no dicionário estava, o filme simplesmente passou batido por mim e tenho a impressão de que por muita gente - o que é um pecado, pois ele é excelente, com uma narrativa dinâmica, muito bem dirigido e com performances de cair o queixo de um elenco que conta "só" com Christian Bale, Amy Adams, Bradley Cooper e Jennifer Lawrence (todos indicados ao Oscar, inclusive).
Incrivelmente baseado em um fato real, o filme conta a história de Irving Rosenfeld (Bale), um grande trapaceiro que tem como sócia e amante Sydney Prosser (Adams). Depois de serem surpreendidos e pegos por uma ação do FBI, os dois são forçados a colaborar com o agente Richie DiMaso (Cooper), que infiltra Rosenfeld no mundo da máfia ao mesmo tempo em que tenta conseguir provas do envolvimento político do mais alto escalão do país, em corrupção através do candidato Carmine Polito (Jeremy Renner). Os planos parecem dar certo, até a esposa de Irving, Rosalyn (Lawrence), aparecer e mudar completamente as regras do jogo. Confira o trailer:
Dirigido pelo sempre competente e muito talentoso (cinco vezes indicado ao Oscar), David Owen Russell de "Joy", "Trapaça" é meio que uma mistura de Guy Ritchie com Adam McKay, não visualmente (marca registrada dos dois diretores), mas na dinâmica narrativa, na escolha do tom e na ironia que cada linha de diálogo representa para a história que, a todo momento, soa tão absurda que parece mentira. Russell e seus montadores (Jay Cassidy, Crispin Struthers, Alan Baumgarten) constroem uma linha temporal muito interessante, narrada por diversos pontos de vista, com diferentes personagens, mas sempre mantendo a uma coerência cinematográfica que impressiona pela didática sem ser expositiva. Veja, quando vemos um verdadeiro "Zé Ninguém", careca, barrigudo, brega e, aparentemente, pacato, se transformar em Irving Rosenfeld; temos a certeza que a história vai nos levar para um lugar que nem podemos imaginar.
Escrito pelo próprio Russell ao lado de Eric Warren Singer (de "Top Gun: Maverick"), o filme vai nos surpreendendo a cada movimento dos personagens - como a trapaça está no centro da discussão, é impossível cravar o que de fato é sincero durante toda a jornada. O interessante é que todos os personagens parecem saber disso, e mesmo apoiados em alguns esteriótipos (propositais) e ações normalmente exageradas, toda essa desconfiança funciona como motivação e quando menos esperamos, algo quebra essa cadeia e somos surpreendidos. Talvez a personagem de Lawrence, a Rosalyn Rosenfeld, seja a personificação desse mood (ela está incrível) ou até mesmo as maravilhosas conversas entre os personagens de Cooper e Louis C.K. (o Stoddard Thorsen) nos escritórios do FBI dos anos 70 sintetizem bem esse conceito um pouco "over" de ser.
"Trapaça" tem a sagacidade de enganar a audiência ao se apresentar como algo mais complexo do que realmente é. Russell foi muito feliz em "sugerir" muito mais do que "mostrar", nos provocando o julgamento a cada novo movimento - mas tudo isso de uma forma tão orgânica e fácil, que nem nos damos conta quando o filme termina. A história não precisa empolgar, não é esse o objetivo, são os personagens e como eles se relacionam que realmente importa - é na profundidade de algo aparentemente superficial que a magia realmente acontece. Uma aula!
É praticamente impossível escrever um review de "Três Estranhos Idênticos" sem deixar escapar algum spolier, então vou tomar o mesmo cuidado de quando analisei "Diga quem sou", inclusive me permitindo copiar um parágrafo quase que na sua íntegra para antecipar o que você vai encontrar ao dar o play mais abaixo: "Se prepare, pois existe uma profunda discussão moral em "Três Estranhos Idênticos" que é surpreendente, principalmente por tudo que vamos descobrindo durante o filme. Agora, nem de longe será um documentário fácil de digerir ou de aceitar, mas certamente te fará refletir muito!
Na Nova York de 1980, três completos estranhos descobrem que são trigêmeos idênticos separados durante o nascimento. Aos 19 anos, a feliz reunião dos três os lança para uma fama internacional, mas também traz um segredo extraordinário e perturbador, capaz de transformar a compreensão da natureza humana. Confira o trailer:
A escolha do diretor Tim Wardle e da roteirista Grace Hughes-Hallett ao construir a narrativa do filme a partir da história do reencontro de três irmãos gêmeos idênticos que não se conheciam mesmo morando em um raio de 160 km entre eles, já nos fisga logo de cara, pois é o tipo premissa que parece muito mais uma ficção do que realidade. Caminhamos pela felicidade desse reencontro após 19 anos, que transformou os trigêmeos em celebridades instantâneas, e isso deixa a trama ainda mais gostosa de assistir, mas ao mesmo tempo vai nos colocando uma pulga atrás da orelha: o que vai acontecer para que toda essa alegria e cumplicidade acabe? É aí que Wardle e Hughes-Hallett começam a trazer um tom mais investigativo ao documentário, emprestando elementos de mistério conspiratório que deixariam "Arquivo X" e Dan Brown morrendo de inveja.
A história de Edward Galland, David Kellman e Robert Shafran é contada pelos depoimentos dos protagonistas, de seus familiares e amigos, e apoiada em inúmeras imagens de arquivo e vídeos caseiros. Muitas reportagens e programas de TV sobre o caso que fez muito sucesso na época, também se fundem ao conceito narrativo de Wardle muito naturalmente, com uma trilha sonora maravilhosa e uma edição exemplar. Talvez o único detalhe que pode incomodar os mais curiosos (e atentos) é o limite de informação disponível sobre o caso - não que o documentário se proponha a responder todas as perguntas, mas é preciso alertar: em "teorias" existem lacunas e aqui não será diferente!
Assistir "Três Estranhos Idênticos" sem muito mais informações talvez seja a melhor escolha para não impactar em nada sua experiência, pois ter uma história tão inacreditável contada por quem viveu de perto chega a ser surreal, principalmente quando algumas peças começam a surgir e assim podemos perceber como o ser humano pode ser egoísta, mesmo quando pautado pela premissa de estar pensando "no próximo". Com momentos realmente emocionantes, cheios de amor e alegria, o filme vai te conquistando, te preparando para passagens tristes, reflexivas e levantando discussões éticas de uma forma extraordinária.
Vale muito a pena, principalmente porque o filme chega com a propriedade de três indicações ao Emmy e mais de 60 participações em Festivais e Premiações ao redor do globo entre os anos de 2018 e 2019.
Imperdível!
É praticamente impossível escrever um review de "Três Estranhos Idênticos" sem deixar escapar algum spolier, então vou tomar o mesmo cuidado de quando analisei "Diga quem sou", inclusive me permitindo copiar um parágrafo quase que na sua íntegra para antecipar o que você vai encontrar ao dar o play mais abaixo: "Se prepare, pois existe uma profunda discussão moral em "Três Estranhos Idênticos" que é surpreendente, principalmente por tudo que vamos descobrindo durante o filme. Agora, nem de longe será um documentário fácil de digerir ou de aceitar, mas certamente te fará refletir muito!
Na Nova York de 1980, três completos estranhos descobrem que são trigêmeos idênticos separados durante o nascimento. Aos 19 anos, a feliz reunião dos três os lança para uma fama internacional, mas também traz um segredo extraordinário e perturbador, capaz de transformar a compreensão da natureza humana. Confira o trailer:
A escolha do diretor Tim Wardle e da roteirista Grace Hughes-Hallett ao construir a narrativa do filme a partir da história do reencontro de três irmãos gêmeos idênticos que não se conheciam mesmo morando em um raio de 160 km entre eles, já nos fisga logo de cara, pois é o tipo premissa que parece muito mais uma ficção do que realidade. Caminhamos pela felicidade desse reencontro após 19 anos, que transformou os trigêmeos em celebridades instantâneas, e isso deixa a trama ainda mais gostosa de assistir, mas ao mesmo tempo vai nos colocando uma pulga atrás da orelha: o que vai acontecer para que toda essa alegria e cumplicidade acabe? É aí que Wardle e Hughes-Hallett começam a trazer um tom mais investigativo ao documentário, emprestando elementos de mistério conspiratório que deixariam "Arquivo X" e Dan Brown morrendo de inveja.
A história de Edward Galland, David Kellman e Robert Shafran é contada pelos depoimentos dos protagonistas, de seus familiares e amigos, e apoiada em inúmeras imagens de arquivo e vídeos caseiros. Muitas reportagens e programas de TV sobre o caso que fez muito sucesso na época, também se fundem ao conceito narrativo de Wardle muito naturalmente, com uma trilha sonora maravilhosa e uma edição exemplar. Talvez o único detalhe que pode incomodar os mais curiosos (e atentos) é o limite de informação disponível sobre o caso - não que o documentário se proponha a responder todas as perguntas, mas é preciso alertar: em "teorias" existem lacunas e aqui não será diferente!
Assistir "Três Estranhos Idênticos" sem muito mais informações talvez seja a melhor escolha para não impactar em nada sua experiência, pois ter uma história tão inacreditável contada por quem viveu de perto chega a ser surreal, principalmente quando algumas peças começam a surgir e assim podemos perceber como o ser humano pode ser egoísta, mesmo quando pautado pela premissa de estar pensando "no próximo". Com momentos realmente emocionantes, cheios de amor e alegria, o filme vai te conquistando, te preparando para passagens tristes, reflexivas e levantando discussões éticas de uma forma extraordinária.
Vale muito a pena, principalmente porque o filme chega com a propriedade de três indicações ao Emmy e mais de 60 participações em Festivais e Premiações ao redor do globo entre os anos de 2018 e 2019.
Imperdível!
O senso de urgência que experienciamos ao assistir "Treze Vidas" é impressionante - muito similar ao "127 Horas", premiado filme de 2010 do diretor Danny Boyle, porém pelo prisma de quem está fora do problema em si. Essa excelente produção da Amazon tem alguns elementos que só potencializam o nosso envolvimento com a história: primeiro por ser um fato recente (que aconteceu em 2018) e segundo pelas vítimas serem crianças, o que mobilizou o mundo na busca por soluções que pudessem ajudar no sucesso do resgate - mais uma vez, nós queremos salvar, não sermos salvos! Olha, são duas horas e meia de filme onde você será incapaz de tirar os olhos da tela mesmo já sabendo o final.
Baseado na história real que tocou o mundo, "Treze Vidas" é o relato emocionante do resgate de um time de futebol infantil da caverna Tham Luang, na Tailândia, onde doze crianças e seu treinador ficaram presos devido a um fenômeno meteorológico que antecipou as chuvas torrenciais na região, pegando o grupo de surpresa, impossibilitando qualquer tentativa de socorro graças a inundação do local. Confira o trailer:
Ron Howard (de "O Código Da Vinci") é um craque em criar narrativas que nos prendem à trama e nos fazem torcer pelos protagonistas desde o primeiro minuto. Dito isso, pode até parecer superficial sobre o que se esperar de "Thirteen Lives" (no original), mas não, Howard encontra o exato equilíbrio entre a potência de um drama real e a dinâmica de ação que a história pede. Ao lado do roteirista William Nicholson (de "Terra das Sombras") e baseado na história desenvolvida pelo Don MacPherson (de "Os Vingadores"), o diretor não perde tempo com apresentações de personagens ou se aprofunda nas motivações que fizeram os mergulhadores britânicos Rick Stanton (Viggo Mortensen) e John Volanthen (Colin Farrell) encararem esse desafio - eles criam mesmo é uma análise quase documental sobre os acontecimentos, não sobre os envolvidos.
A escolha de Howard em trabalhar boa parte do filme com tailandeses (muitos nem atores) em sua língua nativa, cria uma atmosfera de realidade muito interessante. Algumas das falas nem legendadas são e isso gera uma sensação de desconforto, de falta de informação, de angustia por noticias. Já em inglês, a relação dos mergulhadores com a marinha tailandesa funciona muito mais como um gatilho dramático do que como parte essencial da trama - a impressão que temos é que para existir um herói seria preciso criar um bandido e aqui não funcionou, pois o problema era muito maior e se sustentaria por si só.
"Treze Vidas" não se interessa em mostrar como a equipe de futebol ficou presa ou o que se passou com os jovens e seu treinador durante o período - o olhar do filme é o de quem ficou do lado de fora de Tham Luang e como o problema poderia ser resolvido. Ao mostrar todos os perigos que envolvem a missão de resgate, Howard deixa muito claro como a caverna alagada era perigosa, como aquele complexo labirinto claustrofóbico poderia ser fatal. Com o uso cirúrgico de uma inserção gráfica para ilustrar a caverna, temos a perfeita noção de como era complicado chegar aos jovens e pior, como era quase impossível tira-los de lá - afinal, um trajeto de mais de 6 horas embaixo da água, digamos que não é para qualquer um.
Obviamente que diversos momentos foram omitidos ou elipsados para que a história fosse mais objetiva - e funcionou. O desenho de produção e a fotografia do tailandês Sayombhu Mukdeeprom (de "Me chame pelo seu nome") são invejáveis e ajudam a criar uma tensão quase insuportável para a audiência. O trabalho do elenco, embora não seja memorável, também não compromete - meu destaque, óbvio, fica com Mortensen.
Resumindo, "Treze Vidas" é uma história sobre a sobrevivência humana contra todas as probabilidades de sucesso, que emociona na mesma dimensão que entretém! Vale muito o seu play!
PS: Para nós brasileiros um fato curioso: o roteiro usa a Copa do Mundo de 2018 como ferramenta para estabelecer a época que os eventos aconteceram e, infelizmente, a derrota do Brasil para a Bélgica aconteceu em um momento importante da história e por isso é citada algumas vezes! (rs)
O senso de urgência que experienciamos ao assistir "Treze Vidas" é impressionante - muito similar ao "127 Horas", premiado filme de 2010 do diretor Danny Boyle, porém pelo prisma de quem está fora do problema em si. Essa excelente produção da Amazon tem alguns elementos que só potencializam o nosso envolvimento com a história: primeiro por ser um fato recente (que aconteceu em 2018) e segundo pelas vítimas serem crianças, o que mobilizou o mundo na busca por soluções que pudessem ajudar no sucesso do resgate - mais uma vez, nós queremos salvar, não sermos salvos! Olha, são duas horas e meia de filme onde você será incapaz de tirar os olhos da tela mesmo já sabendo o final.
Baseado na história real que tocou o mundo, "Treze Vidas" é o relato emocionante do resgate de um time de futebol infantil da caverna Tham Luang, na Tailândia, onde doze crianças e seu treinador ficaram presos devido a um fenômeno meteorológico que antecipou as chuvas torrenciais na região, pegando o grupo de surpresa, impossibilitando qualquer tentativa de socorro graças a inundação do local. Confira o trailer:
Ron Howard (de "O Código Da Vinci") é um craque em criar narrativas que nos prendem à trama e nos fazem torcer pelos protagonistas desde o primeiro minuto. Dito isso, pode até parecer superficial sobre o que se esperar de "Thirteen Lives" (no original), mas não, Howard encontra o exato equilíbrio entre a potência de um drama real e a dinâmica de ação que a história pede. Ao lado do roteirista William Nicholson (de "Terra das Sombras") e baseado na história desenvolvida pelo Don MacPherson (de "Os Vingadores"), o diretor não perde tempo com apresentações de personagens ou se aprofunda nas motivações que fizeram os mergulhadores britânicos Rick Stanton (Viggo Mortensen) e John Volanthen (Colin Farrell) encararem esse desafio - eles criam mesmo é uma análise quase documental sobre os acontecimentos, não sobre os envolvidos.
A escolha de Howard em trabalhar boa parte do filme com tailandeses (muitos nem atores) em sua língua nativa, cria uma atmosfera de realidade muito interessante. Algumas das falas nem legendadas são e isso gera uma sensação de desconforto, de falta de informação, de angustia por noticias. Já em inglês, a relação dos mergulhadores com a marinha tailandesa funciona muito mais como um gatilho dramático do que como parte essencial da trama - a impressão que temos é que para existir um herói seria preciso criar um bandido e aqui não funcionou, pois o problema era muito maior e se sustentaria por si só.
"Treze Vidas" não se interessa em mostrar como a equipe de futebol ficou presa ou o que se passou com os jovens e seu treinador durante o período - o olhar do filme é o de quem ficou do lado de fora de Tham Luang e como o problema poderia ser resolvido. Ao mostrar todos os perigos que envolvem a missão de resgate, Howard deixa muito claro como a caverna alagada era perigosa, como aquele complexo labirinto claustrofóbico poderia ser fatal. Com o uso cirúrgico de uma inserção gráfica para ilustrar a caverna, temos a perfeita noção de como era complicado chegar aos jovens e pior, como era quase impossível tira-los de lá - afinal, um trajeto de mais de 6 horas embaixo da água, digamos que não é para qualquer um.
Obviamente que diversos momentos foram omitidos ou elipsados para que a história fosse mais objetiva - e funcionou. O desenho de produção e a fotografia do tailandês Sayombhu Mukdeeprom (de "Me chame pelo seu nome") são invejáveis e ajudam a criar uma tensão quase insuportável para a audiência. O trabalho do elenco, embora não seja memorável, também não compromete - meu destaque, óbvio, fica com Mortensen.
Resumindo, "Treze Vidas" é uma história sobre a sobrevivência humana contra todas as probabilidades de sucesso, que emociona na mesma dimensão que entretém! Vale muito o seu play!
PS: Para nós brasileiros um fato curioso: o roteiro usa a Copa do Mundo de 2018 como ferramenta para estabelecer a época que os eventos aconteceram e, infelizmente, a derrota do Brasil para a Bélgica aconteceu em um momento importante da história e por isso é citada algumas vezes! (rs)
"Trojan War" é um verdadeiro mergulho no mundo fascinante do futebol americano universitário em uma das histórias mais surpreendentes que você, amante do esporte, vai conhecer. Com um enfoque particular na lendária equipe da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, a USC e uma narrativa das mais envolventes, o documentário da ESPN Filmes explora a incrível história (e todos os desafios enfrentados) da USC desde a chegada do Pete Carroll (vencedor coach do Seahawks na NFL) e como ele transformou um time decadente em um dos melhores times de todos os tempos, com 34 vitórias seguidas. O filme ainda mostra toda a polêmica envolvendo o Reggie Bush, astro do time, antes de chegar na NFL.
Quando Pete Carroll assume como treinador do time de futebol da USC após a temporada de 2000, os outrora grandes "Cavalos de Tróia" estavam indo de mal a pior. Mas, graças à experiência de Caroll, além de seu otimismo e de sua excelente habilidade de recrutamento, o "Southern Cal" logo voltou ao topo do mundo do futebol universitário, com a popularidade disparando em uma jornada que entrou para a história, seja pelas inúmeras vitórias, seja pelas polêmicas que envolviam suas estrelas. Confira o trailer (em inglês):
Dirigido pelo Aaron Rahsaan Thomas (famoso por produzir C.S.I.), "Trojan War" oferece uma visão profunda e emocionante sobre o programa de futebol americano da USC. O interessante é que o documentário vai além do esporte em si - sua capacidade de retratar a tradição e a cultura arraigadas na equipe de futebol americano da USC, é o que impressiona. O filme começa contextualizando as raízes históricas do programa, destacando momentos marcantes e lendas do passado. Através de entrevistas com ex-jogadores, treinadores e figuras-chave dessa história, o documentário faz um recorte dos mais interessantes sobre os desafios que moldaram a identidade da equipe "Trojan".
A estrutura narrativa é habilmente construída a partir de uma mistura de imagens de arquivo, entrevistas atuais e cenas dos jogos da equipe, em uma montagem dinâmica que contribui de uma maneira única para criar um senso de imersão no mundo do futebol americano universitário, mesmo para aqueles pouco familiarizados com o esporte. Veja, aqui não estamos falando apenas de uma jornada de superação e resiliência esportiva, e sim da importância de uma construção de cultura sólida capaz de marcar gerações.
A forma como Aaron Rahsaan Thomas conduz a história permite que a audiência experimente a intensidade dos jogos e a paixão dos torcedores de uma maneira quase visceral. Reparem que o filme não se limita apenas em celebrar os momentos de glória, mas também o de explorar com muita honestidade os desafios enfrentados pelos jogadores, as lesões, as dores, as decepções, a pressão pelo sucesso e, principalmente, a necessidade de equilibrar a vida acadêmica com a esportiva. Eu diria que essa abordagem tão ampla, humaniza os jogadores e cria uma conexão emocional que nos impede de tirar os olhos da tela - como em "Last Chance U", uma aula de roteiro!
Vale muito o seu play!
"Trojan War" é um verdadeiro mergulho no mundo fascinante do futebol americano universitário em uma das histórias mais surpreendentes que você, amante do esporte, vai conhecer. Com um enfoque particular na lendária equipe da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, a USC e uma narrativa das mais envolventes, o documentário da ESPN Filmes explora a incrível história (e todos os desafios enfrentados) da USC desde a chegada do Pete Carroll (vencedor coach do Seahawks na NFL) e como ele transformou um time decadente em um dos melhores times de todos os tempos, com 34 vitórias seguidas. O filme ainda mostra toda a polêmica envolvendo o Reggie Bush, astro do time, antes de chegar na NFL.
Quando Pete Carroll assume como treinador do time de futebol da USC após a temporada de 2000, os outrora grandes "Cavalos de Tróia" estavam indo de mal a pior. Mas, graças à experiência de Caroll, além de seu otimismo e de sua excelente habilidade de recrutamento, o "Southern Cal" logo voltou ao topo do mundo do futebol universitário, com a popularidade disparando em uma jornada que entrou para a história, seja pelas inúmeras vitórias, seja pelas polêmicas que envolviam suas estrelas. Confira o trailer (em inglês):
Dirigido pelo Aaron Rahsaan Thomas (famoso por produzir C.S.I.), "Trojan War" oferece uma visão profunda e emocionante sobre o programa de futebol americano da USC. O interessante é que o documentário vai além do esporte em si - sua capacidade de retratar a tradição e a cultura arraigadas na equipe de futebol americano da USC, é o que impressiona. O filme começa contextualizando as raízes históricas do programa, destacando momentos marcantes e lendas do passado. Através de entrevistas com ex-jogadores, treinadores e figuras-chave dessa história, o documentário faz um recorte dos mais interessantes sobre os desafios que moldaram a identidade da equipe "Trojan".
A estrutura narrativa é habilmente construída a partir de uma mistura de imagens de arquivo, entrevistas atuais e cenas dos jogos da equipe, em uma montagem dinâmica que contribui de uma maneira única para criar um senso de imersão no mundo do futebol americano universitário, mesmo para aqueles pouco familiarizados com o esporte. Veja, aqui não estamos falando apenas de uma jornada de superação e resiliência esportiva, e sim da importância de uma construção de cultura sólida capaz de marcar gerações.
A forma como Aaron Rahsaan Thomas conduz a história permite que a audiência experimente a intensidade dos jogos e a paixão dos torcedores de uma maneira quase visceral. Reparem que o filme não se limita apenas em celebrar os momentos de glória, mas também o de explorar com muita honestidade os desafios enfrentados pelos jogadores, as lesões, as dores, as decepções, a pressão pelo sucesso e, principalmente, a necessidade de equilibrar a vida acadêmica com a esportiva. Eu diria que essa abordagem tão ampla, humaniza os jogadores e cria uma conexão emocional que nos impede de tirar os olhos da tela - como em "Last Chance U", uma aula de roteiro!
Vale muito o seu play!
Essa recomendação faz parte do nosso projeto "Semana dos Clássicos", onde convidamos você a revisitar filmes que mudaram os rumos da narrativa cinematográfica e que merecem um olhar mais critico sem esquecer, claro, do que pode ter representado emocionalmente na nossa vida!
Talvez essa tenha sido a maior prova de como Steven Spielberg é genial - e resiliente! "Tubarão", lançado em 1975, é considerado um dos filmes mais influentes da história do cinema - especialmente pela forma criativa com que Spielberg, com todas as limitações de produção, soube criar uma atmosfera realmente tensa. Baseado no romance de Peter Benchley, "Jaws" (no original) não apenas redefiniu o status de blockbuster, como também consolidou um conceito pouco explorado até então, onde um thriller de suspense seria capaz de combinar uma forte presença de tensão psicológica, alguma ação e muito drama, criando uma narrativa envolvente que explora o medo do desconhecido a partir de uma relação primitiva com um predador invisível.
A trama é basicamente centrada em Amity Island, uma cidade turística fictícia cuja economia depende do verão e de suas praias. Quando um grande tubarão-branco começa a atacar e matar banhistas, o chefe de polícia local, Martin Brody (Roy Scheider), se junta ao oceanógrafo Matt Hooper (Richard Dreyfuss) e ao caçador de tubarões Quint (Robert Shaw) para tentar capturar a criatura. O filme explora a tensão crescente entre as necessidades econômicas da cidade, o medo dos turistas e a força incontrolável da natureza. Confira o trailer:
Acho que o que faz de "Tubarão" uma referência, é sua impecável construção de suspense. Spielberg utiliza o tubarão de maneira inteligente, fazendo com que a ameaça seja sentida muito antes de ser vista. Os conhecidos problemas técnicos com o modelo mecânico do tubarão durante a produção forçaram Spielberg a adotar uma abordagem mais sutil, usando a câmera subjetiva para sugerir a presença do predador sem mostrá-lo explicitamente. Essa decisão criativa acabou se tornando uma das maiores forças do filme. A invisibilidade do tubarão nas primeiras cenas aumenta a sensação de terror, permitindo que o medo do desconhecido se infiltre na mente da audiência como um gatilho de pânico! É aqui que a trilha sonora icônica de John Williams entra como elemento essencial para a construção dessa tensão. O tema de "Tubarão", com suas notas repetitivas e ameaçadoras, tornou-se um dos mais reconhecidos da história do cinema justamente por compor a sensação constante de iminente perigo, preparando o público para os momentos de ataque e reforçando a presença mítica do tubarão - Williams , inclusive, ganhou o Oscar de Melhor Trilha Sonora por esse trabalho.
Repare como Spielberg também demonstra um domínio impressionante do ritmo de sua narrativa. "Tubarão" começa com um mood agradável e leve de verão, antes de gradualmente mergulhar em um suspense quase insuportável. As cenas de ataque construídas por Spielberg são rápidas e chocantes, com o diretor intercalando momentos de terror no mar com diálogos cheios de angustia entre os personagens principais em terra. Veja, os protagonistas lutam não apenas contra o tubarão, mas também contra suas próprias inseguranças e diferenças - isso confere ao filme uma camada emocional que vai além de um simples filme de suspense. Roy Scheider oferece uma performance equilibrada e realista, retratando um homem comum que é forçado a enfrentar um perigo extraordinário. A luta de Brody com seu medo de água e sua responsabilidade como protetor da comunidade criam um arco de personagem realmente envolvente. Richard Dreyfuss, como o oceanógrafo Matt Hooper, traz um certo humor irônico para a narrativa, com seu personagem funcionando como um contraponto mais científico e racional ao caçador de tubarões Quint. E aqui cabe um comentário: o monólogo sobre o naufrágio do USS Indianapolis feito por Quinn é um dos momentos mais intensos e memoráveis do filme.
Os efeitos especiais de "Tubarão", embora datados, foram revolucionários para a época. O tubarão mecânico de certa forma consegue ser uma presença aterrorizante na tela - mas o mérito do realismo das cenas de ataque, combinado com o uso inovador da câmera em primeira pessoa, é mérito exclusivo de Spielberg e de seu fotografo Bill Butler (de "Rocky II"). Eles criaram um senso palpável de perigo, mas é importante dizer que o verdadeiro terror não vem apenas dessa criatura quase mitológica, mas também do pavor crescente em relação àquilo que não pode ser controlado ou compreendido totalmente - esse medo arquetípico do predador invisível, que espreita sob a superfície da água, esperando o momento certo para atacar fez muita gente ficar com medo de entrar até na piscina depois do filme!
Décadas após seu lançamento, "Tubarão" continua a aterrorizar e cativar audiências, por isso merece ser visto (ou revisto)!
Essa recomendação faz parte do nosso projeto "Semana dos Clássicos", onde convidamos você a revisitar filmes que mudaram os rumos da narrativa cinematográfica e que merecem um olhar mais critico sem esquecer, claro, do que pode ter representado emocionalmente na nossa vida!
Talvez essa tenha sido a maior prova de como Steven Spielberg é genial - e resiliente! "Tubarão", lançado em 1975, é considerado um dos filmes mais influentes da história do cinema - especialmente pela forma criativa com que Spielberg, com todas as limitações de produção, soube criar uma atmosfera realmente tensa. Baseado no romance de Peter Benchley, "Jaws" (no original) não apenas redefiniu o status de blockbuster, como também consolidou um conceito pouco explorado até então, onde um thriller de suspense seria capaz de combinar uma forte presença de tensão psicológica, alguma ação e muito drama, criando uma narrativa envolvente que explora o medo do desconhecido a partir de uma relação primitiva com um predador invisível.
A trama é basicamente centrada em Amity Island, uma cidade turística fictícia cuja economia depende do verão e de suas praias. Quando um grande tubarão-branco começa a atacar e matar banhistas, o chefe de polícia local, Martin Brody (Roy Scheider), se junta ao oceanógrafo Matt Hooper (Richard Dreyfuss) e ao caçador de tubarões Quint (Robert Shaw) para tentar capturar a criatura. O filme explora a tensão crescente entre as necessidades econômicas da cidade, o medo dos turistas e a força incontrolável da natureza. Confira o trailer:
Acho que o que faz de "Tubarão" uma referência, é sua impecável construção de suspense. Spielberg utiliza o tubarão de maneira inteligente, fazendo com que a ameaça seja sentida muito antes de ser vista. Os conhecidos problemas técnicos com o modelo mecânico do tubarão durante a produção forçaram Spielberg a adotar uma abordagem mais sutil, usando a câmera subjetiva para sugerir a presença do predador sem mostrá-lo explicitamente. Essa decisão criativa acabou se tornando uma das maiores forças do filme. A invisibilidade do tubarão nas primeiras cenas aumenta a sensação de terror, permitindo que o medo do desconhecido se infiltre na mente da audiência como um gatilho de pânico! É aqui que a trilha sonora icônica de John Williams entra como elemento essencial para a construção dessa tensão. O tema de "Tubarão", com suas notas repetitivas e ameaçadoras, tornou-se um dos mais reconhecidos da história do cinema justamente por compor a sensação constante de iminente perigo, preparando o público para os momentos de ataque e reforçando a presença mítica do tubarão - Williams , inclusive, ganhou o Oscar de Melhor Trilha Sonora por esse trabalho.
Repare como Spielberg também demonstra um domínio impressionante do ritmo de sua narrativa. "Tubarão" começa com um mood agradável e leve de verão, antes de gradualmente mergulhar em um suspense quase insuportável. As cenas de ataque construídas por Spielberg são rápidas e chocantes, com o diretor intercalando momentos de terror no mar com diálogos cheios de angustia entre os personagens principais em terra. Veja, os protagonistas lutam não apenas contra o tubarão, mas também contra suas próprias inseguranças e diferenças - isso confere ao filme uma camada emocional que vai além de um simples filme de suspense. Roy Scheider oferece uma performance equilibrada e realista, retratando um homem comum que é forçado a enfrentar um perigo extraordinário. A luta de Brody com seu medo de água e sua responsabilidade como protetor da comunidade criam um arco de personagem realmente envolvente. Richard Dreyfuss, como o oceanógrafo Matt Hooper, traz um certo humor irônico para a narrativa, com seu personagem funcionando como um contraponto mais científico e racional ao caçador de tubarões Quint. E aqui cabe um comentário: o monólogo sobre o naufrágio do USS Indianapolis feito por Quinn é um dos momentos mais intensos e memoráveis do filme.
Os efeitos especiais de "Tubarão", embora datados, foram revolucionários para a época. O tubarão mecânico de certa forma consegue ser uma presença aterrorizante na tela - mas o mérito do realismo das cenas de ataque, combinado com o uso inovador da câmera em primeira pessoa, é mérito exclusivo de Spielberg e de seu fotografo Bill Butler (de "Rocky II"). Eles criaram um senso palpável de perigo, mas é importante dizer que o verdadeiro terror não vem apenas dessa criatura quase mitológica, mas também do pavor crescente em relação àquilo que não pode ser controlado ou compreendido totalmente - esse medo arquetípico do predador invisível, que espreita sob a superfície da água, esperando o momento certo para atacar fez muita gente ficar com medo de entrar até na piscina depois do filme!
Décadas após seu lançamento, "Tubarão" continua a aterrorizar e cativar audiências, por isso merece ser visto (ou revisto)!
É possível encontrar alguma beleza no meio do caos, da poluição e do descaso perante a natureza e ainda assim perceber que existe um fio de esperança? É justamente essa pergunta que diretor indiano, Shaunak Sen (de "Cities of Sleep") pretende responder com o seu nomeado ao Oscar de "Melhor Documentário" e multi-premiado (foram mais de 20 prêmios em festivais pelo mundo inteiro), "Tudo o que Respira". No entanto é preciso que se diga, embora chancelado pelo "Grand Jury Prize" em Sundance e pelo "Golden Eye" em Cannes, ambos em 2022, esse longa-metragem deve dividir opiniões por dois motivos: primeiro por ter um roteiro que fragmenta a jornada de uma forma pouco usual (quase sempre sem maiores explicações) e segundo pela narrativa mais cadenciada que tenta equilibrar lindas imagens com a triste realidade que é viver em uma Nova Deli nada glamourosa.
O filme segue três jovens (Saud, Salik e Nadeem) que dirigem um hospital de aves dedicado ao resgate de "milhafres pretos" feridos em Nova Deli, uma das cidades mais populosas do mundo, na Índia. À medida que a toxicidade ambiental e a agitação civil aumentam, a relação entre o ser humano e algumas espécies negligenciadas formam uma espécie de crônica poética da ecologia em colapso e aprofunda debates que expõem o tamanho da falha social que conduz a evolução. Confira o trailer:
O milhafre-preto é uma espécie de ave carnívora que se alimenta de ratos e outros animais que são facilmente encontrados em locais onde existe um volume considerável de lixo. Acontece que a mesma poluição que alimenta, também mata - inclusive, existem partículas cancerígenas em níveis tão absurdos no ar de determinados locais de Nova Deli que fazem com que as aves simplesmente caiam do céu. Contextualizado o absurdo desse cenário apocalíptico, o roteiro se esforça para equilibrar as nuances de uma vida caótica controlada pelo ser humano (que não por acaso sofre com suas próprias diferenças - e isso é brilhantemente retratado em vários níveis dentro da história: das escolhas pessoais de Nadeem às ondas de protestos religiosos extremamente violentos nas ruas da capital da Índia) e de uma natureza que segue se adaptando e improvisando (onde os pássaros passaram, vejam só, a utilizar as bitucas de cigarro encontradas nos lixões para espantar parasitas).
Obviamente que a descrição até aqui retratada pode soar indigesta, e de fato a sensação de repulsa é enorme, porém Shaunak Sen ao lado dos fotógrafos Ben Bernhard, Riju Das e Saumyananda Sahi, aproveitam desse cenário para extrair o máximo de beleza possível - os planos, muitos deles sensíveis em bem executas panorâmicas, dão a exata noção do tamanho do problema. Não raramente Sen traz para o primeiro plano uma infinidade de ratos se alimentando de lixo, larvas se chacoalhando num tanque de água parada ou ainda o céu coberto por aves sobrevoando as ruas imundas ou os lixões abertos - reparem em como o diretor usa do desenho de som (quase insuportável) para provocar uma experiência imersiva tão impressionante quanto angustiante.
Mas nem só de "dor" vive "Tudo o que Respira", existe o "amor" e a maneira como o diretor retrata a jornada dos irmãos Mohammade constrói sua narrativa para que a audiência entenda as dificuldades, os medos, os anseios e as frustrações de cada um deles, é simplesmente genial - veja, o filme não se preocupa em se aprofundar ou entregar todas as informações, mas o que importa está sempre ali na tela, mesmo que exija uma certa interpretação como quando o silêncio, entre um assunto e outro, diz mais que qualquer diálogo.
Vale muito o seu play, desde que você esteja disposto a sair de uma bolha para encarar essa dura (e não tão distante assim) realidade!
É possível encontrar alguma beleza no meio do caos, da poluição e do descaso perante a natureza e ainda assim perceber que existe um fio de esperança? É justamente essa pergunta que diretor indiano, Shaunak Sen (de "Cities of Sleep") pretende responder com o seu nomeado ao Oscar de "Melhor Documentário" e multi-premiado (foram mais de 20 prêmios em festivais pelo mundo inteiro), "Tudo o que Respira". No entanto é preciso que se diga, embora chancelado pelo "Grand Jury Prize" em Sundance e pelo "Golden Eye" em Cannes, ambos em 2022, esse longa-metragem deve dividir opiniões por dois motivos: primeiro por ter um roteiro que fragmenta a jornada de uma forma pouco usual (quase sempre sem maiores explicações) e segundo pela narrativa mais cadenciada que tenta equilibrar lindas imagens com a triste realidade que é viver em uma Nova Deli nada glamourosa.
O filme segue três jovens (Saud, Salik e Nadeem) que dirigem um hospital de aves dedicado ao resgate de "milhafres pretos" feridos em Nova Deli, uma das cidades mais populosas do mundo, na Índia. À medida que a toxicidade ambiental e a agitação civil aumentam, a relação entre o ser humano e algumas espécies negligenciadas formam uma espécie de crônica poética da ecologia em colapso e aprofunda debates que expõem o tamanho da falha social que conduz a evolução. Confira o trailer:
O milhafre-preto é uma espécie de ave carnívora que se alimenta de ratos e outros animais que são facilmente encontrados em locais onde existe um volume considerável de lixo. Acontece que a mesma poluição que alimenta, também mata - inclusive, existem partículas cancerígenas em níveis tão absurdos no ar de determinados locais de Nova Deli que fazem com que as aves simplesmente caiam do céu. Contextualizado o absurdo desse cenário apocalíptico, o roteiro se esforça para equilibrar as nuances de uma vida caótica controlada pelo ser humano (que não por acaso sofre com suas próprias diferenças - e isso é brilhantemente retratado em vários níveis dentro da história: das escolhas pessoais de Nadeem às ondas de protestos religiosos extremamente violentos nas ruas da capital da Índia) e de uma natureza que segue se adaptando e improvisando (onde os pássaros passaram, vejam só, a utilizar as bitucas de cigarro encontradas nos lixões para espantar parasitas).
Obviamente que a descrição até aqui retratada pode soar indigesta, e de fato a sensação de repulsa é enorme, porém Shaunak Sen ao lado dos fotógrafos Ben Bernhard, Riju Das e Saumyananda Sahi, aproveitam desse cenário para extrair o máximo de beleza possível - os planos, muitos deles sensíveis em bem executas panorâmicas, dão a exata noção do tamanho do problema. Não raramente Sen traz para o primeiro plano uma infinidade de ratos se alimentando de lixo, larvas se chacoalhando num tanque de água parada ou ainda o céu coberto por aves sobrevoando as ruas imundas ou os lixões abertos - reparem em como o diretor usa do desenho de som (quase insuportável) para provocar uma experiência imersiva tão impressionante quanto angustiante.
Mas nem só de "dor" vive "Tudo o que Respira", existe o "amor" e a maneira como o diretor retrata a jornada dos irmãos Mohammade constrói sua narrativa para que a audiência entenda as dificuldades, os medos, os anseios e as frustrações de cada um deles, é simplesmente genial - veja, o filme não se preocupa em se aprofundar ou entregar todas as informações, mas o que importa está sempre ali na tela, mesmo que exija uma certa interpretação como quando o silêncio, entre um assunto e outro, diz mais que qualquer diálogo.
Vale muito o seu play, desde que você esteja disposto a sair de uma bolha para encarar essa dura (e não tão distante assim) realidade!
Olha, não será uma jornada das mais tranquilas - já aviso! "Tudo ou Nada" é intenso e emocionante, mas também uma pancada sem muita dó! Dirigido pela talentosa Delphine Deloget, esse filme chega chancelado pelos elogios do público e da crítica especializada ao receber a indicação "Um Certo Olhar" no Festival de Cannes 2023, além de outros reconhecimentos em vários festivais ao redor do mundo. Com uma narrativa dura, impactante e cheia de desconforto, eu diria que você está diante de uma experiência cinematográfica das mais profundas e tocantes por sua visão amarga da vida adulta - sem cortes, mas com algum pré-julgamento.
A trama, protagonizada pela brilhante Virginie Efira, acompanha a árdua jornada de Sylvie, uma mãe solteira que enfrenta a dor de perder a guarda de seu filho caçula, Sofiane, após um acidente doméstico. Determinada a recuperar a custódia do filho, Sylvie mergulha em uma batalha judicial e emocionalmente desgastante, confrontando um sistema implacável que coloca em xeque até sua capacidade como mãe. Confira o trailer:
Uma jornada de reflexão através da dor e da impotência - talvez essa seja a forma mais simples de definir a complexidade de "Rien à Perdre" (no original). Com uma narrativa bem construída, o que vemos na tela é um retrato comovente da realidade de Sylvie a partir de um olhar honesto e sem censura sobre ser mãe. Veja, o filme se propõe a explorar as nuances da maternidade, questionando os padrões sociais e as estruturas que marginalizam mulheres como Sylvie e é com essa forte premissa que Deloget mostra como sua luta transcende a esfera individual e passa a ser vista como um símbolo para tantas outras que enfrentam desafios semelhantes. Ao longo da narrativa, somos confrontados com questionamentos sobre os limites da maternidade (muitas vezes em meio ao caos), sobre o papel do Estado na vida familiar (carregada de hipocrisia) e sobre a fragilidade do sistema judicial em muitos pontos (especialmente fora de contextos).
Aqui, a direção de Deloget é precisa e sensível, explorando com muita competência os detalhes que a história tem para contar em suas diversas camadas - mesmo aquelas não tão óbvias. Sua câmera se torna uma extensão da protagonista, capturando a realidade cruel de Sylvie e a beleza fugaz dos momentos de ternura entre ela e seus filhos. Aliás, é impossível não elogiar Virginie Efira - ela entrega uma performance magistral, capaz de equilibrar a força interior e a fragilidade de sua personagem com a mesma maestria. Cada olhar, cada gesto, cada palavra e cada momento de silêncio, transbordam emoção, nos convidando para um mergulho mais profundo na dor e na resiliência de Sylvie. Tudo isso, alinhado a uma fotografia maravilhosa de Guillaume Schiffman (indicado ao Oscar por "O Artista"), rica em tons frios e melancólicos que traduzem a angústia e a solidão da personagem; e da trilha sonora minimalista que pontua a narrativa com notas de esperança e força. Olha, eu diria que que nada está nesse filme por acaso.
"Tudo ou Nada", é preciso pontuar, não oferece respostas fáceis, mas vai te convidar à reflexão sobre as complexas relações entre mães e filhos, e sobre o impacto que a sociedade pode exercer sobre essa dinâmica nada padronizada. Essencial em sua proposta, esse filme de fato toca nossa alma de uma maneira avassaladora e nos provoca a repensar alguns conceitos sobre maternidade, sobre justiça social e sobre a força do amor - com um pouco mais de empatia por um lado e de conservadorismo do outro. Grande filme, mas nada simples!
Vale muito o seu play!
Olha, não será uma jornada das mais tranquilas - já aviso! "Tudo ou Nada" é intenso e emocionante, mas também uma pancada sem muita dó! Dirigido pela talentosa Delphine Deloget, esse filme chega chancelado pelos elogios do público e da crítica especializada ao receber a indicação "Um Certo Olhar" no Festival de Cannes 2023, além de outros reconhecimentos em vários festivais ao redor do mundo. Com uma narrativa dura, impactante e cheia de desconforto, eu diria que você está diante de uma experiência cinematográfica das mais profundas e tocantes por sua visão amarga da vida adulta - sem cortes, mas com algum pré-julgamento.
A trama, protagonizada pela brilhante Virginie Efira, acompanha a árdua jornada de Sylvie, uma mãe solteira que enfrenta a dor de perder a guarda de seu filho caçula, Sofiane, após um acidente doméstico. Determinada a recuperar a custódia do filho, Sylvie mergulha em uma batalha judicial e emocionalmente desgastante, confrontando um sistema implacável que coloca em xeque até sua capacidade como mãe. Confira o trailer:
Uma jornada de reflexão através da dor e da impotência - talvez essa seja a forma mais simples de definir a complexidade de "Rien à Perdre" (no original). Com uma narrativa bem construída, o que vemos na tela é um retrato comovente da realidade de Sylvie a partir de um olhar honesto e sem censura sobre ser mãe. Veja, o filme se propõe a explorar as nuances da maternidade, questionando os padrões sociais e as estruturas que marginalizam mulheres como Sylvie e é com essa forte premissa que Deloget mostra como sua luta transcende a esfera individual e passa a ser vista como um símbolo para tantas outras que enfrentam desafios semelhantes. Ao longo da narrativa, somos confrontados com questionamentos sobre os limites da maternidade (muitas vezes em meio ao caos), sobre o papel do Estado na vida familiar (carregada de hipocrisia) e sobre a fragilidade do sistema judicial em muitos pontos (especialmente fora de contextos).
Aqui, a direção de Deloget é precisa e sensível, explorando com muita competência os detalhes que a história tem para contar em suas diversas camadas - mesmo aquelas não tão óbvias. Sua câmera se torna uma extensão da protagonista, capturando a realidade cruel de Sylvie e a beleza fugaz dos momentos de ternura entre ela e seus filhos. Aliás, é impossível não elogiar Virginie Efira - ela entrega uma performance magistral, capaz de equilibrar a força interior e a fragilidade de sua personagem com a mesma maestria. Cada olhar, cada gesto, cada palavra e cada momento de silêncio, transbordam emoção, nos convidando para um mergulho mais profundo na dor e na resiliência de Sylvie. Tudo isso, alinhado a uma fotografia maravilhosa de Guillaume Schiffman (indicado ao Oscar por "O Artista"), rica em tons frios e melancólicos que traduzem a angústia e a solidão da personagem; e da trilha sonora minimalista que pontua a narrativa com notas de esperança e força. Olha, eu diria que que nada está nesse filme por acaso.
"Tudo ou Nada", é preciso pontuar, não oferece respostas fáceis, mas vai te convidar à reflexão sobre as complexas relações entre mães e filhos, e sobre o impacto que a sociedade pode exercer sobre essa dinâmica nada padronizada. Essencial em sua proposta, esse filme de fato toca nossa alma de uma maneira avassaladora e nos provoca a repensar alguns conceitos sobre maternidade, sobre justiça social e sobre a força do amor - com um pouco mais de empatia por um lado e de conservadorismo do outro. Grande filme, mas nada simples!
Vale muito o seu play!
Você vai se apaixonar por essa minissérie - especialmente se você mergulhar na perspectiva sócio-politica que a trama propõe de maneira criativa e singular! Narrativas sobre personagens confinados costumam oferecer um vasto território emocional e filosófico a ser explorado, e "Um Cavalheiro em Moscou" abraça essa premissa com elegância e com uma profundidade impressionante. Baseada no best-seller de Amor Towles e adaptada por Ben Vanstone (de "The English Game"), essa belíssima minissérie do Paramount+ entrega um drama altamente sofisticado e intimista, porém nem tão fácil assim, conduzido por uma atuação magistral de Ewan McGregor no papel do carismático Conde Alexander Rostov.
Publicado em 2016, o romance que deu origem a minissérie conta a história fictícia de Rostov, um Conde russo condenado por um tribunal bolchevique à prisão domiciliar no luxuoso Hotel Metropol, em Moscou, após a Revolução Russa de 1917. Privado de deixar o hotel, Rostov testemunha décadas de transformações na Rússia, enquanto desenvolve profundos laços com funcionários e hóspedes. Confira o trailer (dublado):
A ambientação de "Um Cavalheiro em Moscou" é um espetáculo à parte. O Hotel Metropol, com sua opulênciaart nouveau e corredores cheios de histórias, torna-se praticamente um personagem na narrativa. O contraste entre a grandiosidade do local e a realidade claustrofóbica do Conde reforça os temas centrais da minissérie como as dores da perda da liberdade, a necessidade de uma adaptação forçada e, especialmente, a resiliência humana diante de uma adversidade cruel. Reparem como a fotografia detalhista do Adam Gillham (de "Anne") e a direção primorosa de Sam Miller e de Sarah O'Gorman capturam com precisão tanto a nostalgia da era pré-revolucionária quanto a severidade e a hipocrisia do novo regime soviético, utilizando uma iluminação cheia de contraste e composições visuais cirúrgicas que refletem o estado emocional do protagonista com muita propriedade. As sensações e sentimentos que os episódios provocam, de fato, nos tiram da zona de conforto - algo muito parecido com o que encontramos no filme "Conclave".
McGregor entrega uma performance marcante, equilibrando o charme aristocrático do Conde com uma melancolia subjacente que toca a alma. Seu personagem, que no início encara sua nova realidade com uma resignação irônica, vai gradualmente descobrindo novas formas de encontrar algum significado dentro de sua "prisão dourada". Mary Elizabeth Winstead traz uma complexidade das mais interessantes para sua personagem Anna Urbanova - ela é uma atriz enigmática e parte fundamental da jornada do Conde. Outro ponto que merece destaque é a relação do Conde com Nina (Alexa Goodall e, posteriormente, Leah Harvey). Ela é uma jovem hóspede curiosa que se torna sua maior confidente, adicionando uma camada emocional tão genuína que praticamente funciona como um fio condutor do desenvolvimento do protagonista.
Agora é preciso que se diga, "Um Cavalheiro em Moscou" tem um ritmo de narrativa que, por vezes, adota um tom mais contemplativo - o que pode não agradar a todos. Propositalmente, a minissérie não se apoia em grandes reviravoltas ou sequências de ação, mas sim na riqueza dos diálogos e na construção minuciosa dos personagens. Ainda assim, claro, os momentos de tensão são habilmente construídos à medida que a vigilância do regime soviético se intensifica, colocando o Conde em situações que testam sua lealdade e seus valores. Em linhas gerais, a adaptação de Ben Vanstone mantém a essência do romance original, preservando sua qualidade literária, mas com os ajustes necessários para traduzir a introspecção do livro para a linguagem audiovisual. O resultado é uma obra que captura a beleza e a melancolia da história, sem perder a sensibilidade e a delicadeza do material de origem.
Saiba que "A Gentleman in Moscow" (no original) não é apenas uma minissérie sobre um homem forçado ao exílio dentro de um hotel, mas sim uma reflexão sobre o tempo, sobre a identidade e sobre a arte de encontrar significado nos pequenos momentos da vida. Eu diria que é uma experiência das mais envolventes, requintada e, acima de tudo, profundamente humana.
Em tempo, uma curiosidade: inicialmente, quem iria interpretar o Conde seria Kenneth Branagh, mas com a pandemia as coisas se desalinharam e o projeto acabou caindo nas mãos de Ewan McGregor - indicado ao Critics Choice Award e ao Globo de Ouro de 2025 pelo papel.
Você vai se apaixonar por essa minissérie - especialmente se você mergulhar na perspectiva sócio-politica que a trama propõe de maneira criativa e singular! Narrativas sobre personagens confinados costumam oferecer um vasto território emocional e filosófico a ser explorado, e "Um Cavalheiro em Moscou" abraça essa premissa com elegância e com uma profundidade impressionante. Baseada no best-seller de Amor Towles e adaptada por Ben Vanstone (de "The English Game"), essa belíssima minissérie do Paramount+ entrega um drama altamente sofisticado e intimista, porém nem tão fácil assim, conduzido por uma atuação magistral de Ewan McGregor no papel do carismático Conde Alexander Rostov.
Publicado em 2016, o romance que deu origem a minissérie conta a história fictícia de Rostov, um Conde russo condenado por um tribunal bolchevique à prisão domiciliar no luxuoso Hotel Metropol, em Moscou, após a Revolução Russa de 1917. Privado de deixar o hotel, Rostov testemunha décadas de transformações na Rússia, enquanto desenvolve profundos laços com funcionários e hóspedes. Confira o trailer (dublado):
A ambientação de "Um Cavalheiro em Moscou" é um espetáculo à parte. O Hotel Metropol, com sua opulênciaart nouveau e corredores cheios de histórias, torna-se praticamente um personagem na narrativa. O contraste entre a grandiosidade do local e a realidade claustrofóbica do Conde reforça os temas centrais da minissérie como as dores da perda da liberdade, a necessidade de uma adaptação forçada e, especialmente, a resiliência humana diante de uma adversidade cruel. Reparem como a fotografia detalhista do Adam Gillham (de "Anne") e a direção primorosa de Sam Miller e de Sarah O'Gorman capturam com precisão tanto a nostalgia da era pré-revolucionária quanto a severidade e a hipocrisia do novo regime soviético, utilizando uma iluminação cheia de contraste e composições visuais cirúrgicas que refletem o estado emocional do protagonista com muita propriedade. As sensações e sentimentos que os episódios provocam, de fato, nos tiram da zona de conforto - algo muito parecido com o que encontramos no filme "Conclave".
McGregor entrega uma performance marcante, equilibrando o charme aristocrático do Conde com uma melancolia subjacente que toca a alma. Seu personagem, que no início encara sua nova realidade com uma resignação irônica, vai gradualmente descobrindo novas formas de encontrar algum significado dentro de sua "prisão dourada". Mary Elizabeth Winstead traz uma complexidade das mais interessantes para sua personagem Anna Urbanova - ela é uma atriz enigmática e parte fundamental da jornada do Conde. Outro ponto que merece destaque é a relação do Conde com Nina (Alexa Goodall e, posteriormente, Leah Harvey). Ela é uma jovem hóspede curiosa que se torna sua maior confidente, adicionando uma camada emocional tão genuína que praticamente funciona como um fio condutor do desenvolvimento do protagonista.
Agora é preciso que se diga, "Um Cavalheiro em Moscou" tem um ritmo de narrativa que, por vezes, adota um tom mais contemplativo - o que pode não agradar a todos. Propositalmente, a minissérie não se apoia em grandes reviravoltas ou sequências de ação, mas sim na riqueza dos diálogos e na construção minuciosa dos personagens. Ainda assim, claro, os momentos de tensão são habilmente construídos à medida que a vigilância do regime soviético se intensifica, colocando o Conde em situações que testam sua lealdade e seus valores. Em linhas gerais, a adaptação de Ben Vanstone mantém a essência do romance original, preservando sua qualidade literária, mas com os ajustes necessários para traduzir a introspecção do livro para a linguagem audiovisual. O resultado é uma obra que captura a beleza e a melancolia da história, sem perder a sensibilidade e a delicadeza do material de origem.
Saiba que "A Gentleman in Moscow" (no original) não é apenas uma minissérie sobre um homem forçado ao exílio dentro de um hotel, mas sim uma reflexão sobre o tempo, sobre a identidade e sobre a arte de encontrar significado nos pequenos momentos da vida. Eu diria que é uma experiência das mais envolventes, requintada e, acima de tudo, profundamente humana.
Em tempo, uma curiosidade: inicialmente, quem iria interpretar o Conde seria Kenneth Branagh, mas com a pandemia as coisas se desalinharam e o projeto acabou caindo nas mãos de Ewan McGregor - indicado ao Critics Choice Award e ao Globo de Ouro de 2025 pelo papel.
Tirando seu protagonista icônico, "Um Completo Desconhecido" não tem absolutamente nada de novo - e isso poderia até soar ruim, mas não: o filme é muito bom! James Mangold, um diretor que já demonstrou sua habilidade em biografias musicais com "Johnny & June" (de 2005), agora retorna ao gênero com "A Complete Unknown", no original - um filme que surge da premissa de explorar um dos momentos mais emblemáticos da carreira de Bob Dylan. Estrelado por Timothée Chalamet, a narrativa se concentra na transição de Dylan do seu folk acústico para um rock cheio de eletricidade dos anos 1960 - um período que redefiniu sua trajetória e polarizou sua base de fãs. Assim como "Não Estou Lá", do diretor Todd Haynes, que retratou Dylan de forma fragmentada, "Um Completo Desconhecido" busca capturar a essência de um artista único, em constante reinvenção, mas com aquela abordagem mais linear, para não dizer tradicional, lembrando produções como "Bohemian Rhapsody" e, mais recentemente, "Elvis", que dramatizam a ascensão de um ícone da música, mas também a complexidade de seus conflitos internos.
A narrativa se desenrola no contexto do Festival de Newport de 1965, quando Dylan (Chalamet) surpreendeu (e enfureceu) os puristas do folk ao empunhar uma guitarra elétrica no palco. O roteiro, baseado no livro "Dylan Goes Electric!" de Elijah Wald, não se limita a reconstruir esse evento, claro, mas busca se aprofundar na relação do cantor com figuras-chave da época, como Joan Baez (Monica Barbaro), Pete Seeger (Edward Norton) eSylvie Russo (Elle Fanning). A escolha de Mangold em focar nesse recorte específico da vida de Dylan evita o formato convencional mais abrangente de cinebiografias, permitindo um mergulho mais detalhado na tensão entre tradição e inovação, autenticidade e loucura, arte e indústria. Confira o trailer:
Um ponto interessante do trabalho de Mangold é a forma como ele equilibra a mitificação e a desconstrução de Dylan, explorando sua relutância em ser um porta-voz de qualquer movimento - e até de sua feroz resistência em ser definido por algum tipo rótulo. A transição do folk para o rock não é apenas uma escolha musical, mas uma declaração de independência artística que marcou Dylan por anos - o filme acerta na mosca ao explorar as reações exacerbadas do seu público, de artistas e de alguns empresários diante dessa mudança. A tensão, aliás, cresce conforme Dylan enfrenta a ira dos puristas, simbolizando, além de tudo, seus dilemas perante sua própria identidade artística e seus desafios diante de sua ascensão meteórica. Meu único incomodo aqui, está na abordagem de Mangold: ele segue um caminho mais convencional que para mim, soou preguiçoso (o que me fez ficar muito surpreso por sua indicação ao Oscar). Isso define o filme como ruim? Longe disso, mas também é inegável que "Um Completo Desconhecido" aposta mais em uma estrutura acessível e emocional, que pode agradar ao grande público, do que algo mais desconstruído e subjetivo como muitos esperavam que Mangold entregaria.
Já Timothée Chalamet entrega uma performance meticulosa - que lhe rendeu mais uma indicação ao Oscar de "Melhor Ator". Chalamet foge da imitação barata para capturar a persona enigmática e a atitude irreverente de Dylan. Seu trabalho vocal, essencial aqui, impressiona; especialmente pelo fato de ele mesmo interpretar as canções ao invés de recorrer às dublagens. Monica Barbaro, outra que ganhou uma indicação ao Oscar, assume com intensidade o papel de Joan Baez, demonstrando a complexa dinâmica entre os dois músicos, que transitava entre admiração, rivalidade e uma inevitável desconexão - especialmente quando Dylan se distancia da cena folk. Edward Norton, também indicado como "Coadjuvante", traz um equilíbrio necessário para narrativa, funcionando tanto como mentor quanto como catalisador emocional da metamorfose artística do protagonista.
Tecnicamente,"Um Completo Desconhecido"reforça sua atmosfera nostálgica com uma fotografia que remete ao cinema da década de 1960, assinada por Phedon Papamichael (de "Nebraska" e "Os 7 de Chigago"). O departamento de arte reconstrói minuciosamente os bastidores da cena musical folk de Greenwich Village e a transição para um Dylan mais sofisticado, cercado por músicos do blues elétrico. A trilha sonora, obviamente, é um dos pontos altos do filme - repare como a curadoria das canções reflete as camadas emocionais do protagonista, evitando um mero "greatest hits" e privilegiando faixas que dialogam com os dilemas de Dylan. No fim, "Um Completo Desconhecido" se destaca como uma cinebiografia sólida, talvez por isso tão tradicional, que é impulsionada por performances marcantes e por um olhar cuidadoso sobre um momento crucial da história do rock. O filme não tenta decifrar Bob Dylan, mas captura um instante em que ele se reinventou e, ao fazer isso, mudou para sempre o rumo da música americana.
Vale muito a pena!
Um Completo Desconhecido" recebeu oito indicações ao Oscar 2025!
Tirando seu protagonista icônico, "Um Completo Desconhecido" não tem absolutamente nada de novo - e isso poderia até soar ruim, mas não: o filme é muito bom! James Mangold, um diretor que já demonstrou sua habilidade em biografias musicais com "Johnny & June" (de 2005), agora retorna ao gênero com "A Complete Unknown", no original - um filme que surge da premissa de explorar um dos momentos mais emblemáticos da carreira de Bob Dylan. Estrelado por Timothée Chalamet, a narrativa se concentra na transição de Dylan do seu folk acústico para um rock cheio de eletricidade dos anos 1960 - um período que redefiniu sua trajetória e polarizou sua base de fãs. Assim como "Não Estou Lá", do diretor Todd Haynes, que retratou Dylan de forma fragmentada, "Um Completo Desconhecido" busca capturar a essência de um artista único, em constante reinvenção, mas com aquela abordagem mais linear, para não dizer tradicional, lembrando produções como "Bohemian Rhapsody" e, mais recentemente, "Elvis", que dramatizam a ascensão de um ícone da música, mas também a complexidade de seus conflitos internos.
A narrativa se desenrola no contexto do Festival de Newport de 1965, quando Dylan (Chalamet) surpreendeu (e enfureceu) os puristas do folk ao empunhar uma guitarra elétrica no palco. O roteiro, baseado no livro "Dylan Goes Electric!" de Elijah Wald, não se limita a reconstruir esse evento, claro, mas busca se aprofundar na relação do cantor com figuras-chave da época, como Joan Baez (Monica Barbaro), Pete Seeger (Edward Norton) eSylvie Russo (Elle Fanning). A escolha de Mangold em focar nesse recorte específico da vida de Dylan evita o formato convencional mais abrangente de cinebiografias, permitindo um mergulho mais detalhado na tensão entre tradição e inovação, autenticidade e loucura, arte e indústria. Confira o trailer:
Um ponto interessante do trabalho de Mangold é a forma como ele equilibra a mitificação e a desconstrução de Dylan, explorando sua relutância em ser um porta-voz de qualquer movimento - e até de sua feroz resistência em ser definido por algum tipo rótulo. A transição do folk para o rock não é apenas uma escolha musical, mas uma declaração de independência artística que marcou Dylan por anos - o filme acerta na mosca ao explorar as reações exacerbadas do seu público, de artistas e de alguns empresários diante dessa mudança. A tensão, aliás, cresce conforme Dylan enfrenta a ira dos puristas, simbolizando, além de tudo, seus dilemas perante sua própria identidade artística e seus desafios diante de sua ascensão meteórica. Meu único incomodo aqui, está na abordagem de Mangold: ele segue um caminho mais convencional que para mim, soou preguiçoso (o que me fez ficar muito surpreso por sua indicação ao Oscar). Isso define o filme como ruim? Longe disso, mas também é inegável que "Um Completo Desconhecido" aposta mais em uma estrutura acessível e emocional, que pode agradar ao grande público, do que algo mais desconstruído e subjetivo como muitos esperavam que Mangold entregaria.
Já Timothée Chalamet entrega uma performance meticulosa - que lhe rendeu mais uma indicação ao Oscar de "Melhor Ator". Chalamet foge da imitação barata para capturar a persona enigmática e a atitude irreverente de Dylan. Seu trabalho vocal, essencial aqui, impressiona; especialmente pelo fato de ele mesmo interpretar as canções ao invés de recorrer às dublagens. Monica Barbaro, outra que ganhou uma indicação ao Oscar, assume com intensidade o papel de Joan Baez, demonstrando a complexa dinâmica entre os dois músicos, que transitava entre admiração, rivalidade e uma inevitável desconexão - especialmente quando Dylan se distancia da cena folk. Edward Norton, também indicado como "Coadjuvante", traz um equilíbrio necessário para narrativa, funcionando tanto como mentor quanto como catalisador emocional da metamorfose artística do protagonista.
Tecnicamente,"Um Completo Desconhecido"reforça sua atmosfera nostálgica com uma fotografia que remete ao cinema da década de 1960, assinada por Phedon Papamichael (de "Nebraska" e "Os 7 de Chigago"). O departamento de arte reconstrói minuciosamente os bastidores da cena musical folk de Greenwich Village e a transição para um Dylan mais sofisticado, cercado por músicos do blues elétrico. A trilha sonora, obviamente, é um dos pontos altos do filme - repare como a curadoria das canções reflete as camadas emocionais do protagonista, evitando um mero "greatest hits" e privilegiando faixas que dialogam com os dilemas de Dylan. No fim, "Um Completo Desconhecido" se destaca como uma cinebiografia sólida, talvez por isso tão tradicional, que é impulsionada por performances marcantes e por um olhar cuidadoso sobre um momento crucial da história do rock. O filme não tenta decifrar Bob Dylan, mas captura um instante em que ele se reinventou e, ao fazer isso, mudou para sempre o rumo da música americana.
Vale muito a pena!
Um Completo Desconhecido" recebeu oito indicações ao Oscar 2025!
Depois do imperdível "The Vow" ou do insano "As Faces da Marca", é impressionante a quantidade de documentários que fazem um recorte, cada vez mais doentio, da sociedade americana - e quando a gente acha que o limite chegou, surge outra produção que simplesmente destrói qualquer sinal de esperança perante o ser-humano nos dias "conectados" de hoje. Olha, é muito difícil terminar “Um Diabo na Família: O Caso de Ruby Franke” sem sentir um incômodo bastante profundo - especialmente se você já tiver filhos. A minissérie documental do Hulu, aqui no Disney+, é dirigida com sobriedade por Olly Lambert (vencedor do BAFTA por "Syria: Across the Lines") e mergulha nos bastidores de um dos casos mais chocantes da história recente da internet: a queda da influencer que colecionava milhões de visualizações no YouTube, Ruby Franke. Mas ao contrário do que se poderia esperar de uma produção sobre escândalos online, aqui não há pressa em apontar vilões ou simplificar dilemas - o que há é um trabalho de exposição cuidadoso, devastador e necessário.
Repare como a sinopse oficial já antecipa o desconforto que vem após o play: Por anos, Ruby Franke encantou o público americano com sua imagem de mãe exemplar no canal "8 Passengers". No entanto, por trás das câmeras, uma realidade sombria se desenrolava - após um dramático pedido de ajuda de seu caçula, na época com 12 anos, o mundo descobre os abusos sofridos pelos filhos de Ruby, culminando em sua prisão e uma condenação a 30 anos de reclusão. Ao longo de três episódios, a minissérie constrói com inteligência uma narrativa que não apenas documenta os fatos, mas os reposicionam dentro de um contexto maior - o da cultura da influência digital desmedida. Confira o trailer (em inglês):
A estrutura dos episódios de "Devil in the Family: The Fall of Ruby Franke", no original, é bastante clara: começamos com o sucesso, seguimos para os sinais ignorados até chegar na revelação impactante dos abusos físicos, emocionais e psicológicos a que as crianças foram submetidas - e é pesado, viu?! O trabalho de Olly Lambert na direção é ao mesmo tempo econômico e eficiente: ele evita os truques visuais comuns do true crime para apostar em um mise-en-scène mais sóbrio, baseado em imagens de arquivo cedidos pela própria família e em depoimentos, de fato, estarrecedores. Tudo isso é feito para amplificar o horror das situações justamente por não precisar encená-las. Veja, o peso narrativo está todo em depoimentos atuais, no olhar em retrospectiva de algumas imagens que vão além do que um dia foi publicado no YouTube e, principalmente, nas lacunas que vamos preenchendo com a imaginação, afinal o sinais estão ali, basta se propor a olha-los com cuidado.
Um dos acertos mais contundentes da minissérie está na forma como o roteiro conecta o caso Ruby Franke com a figura da conselheira Jodi Hildebrandt - uma figura misteriosa que se tornou uma espécie de mentora espiritual, pra variar, da influencer. Ao incorporar a fé mormon como ferramenta de controle e justificativa moral para práticas abusivas, Lambert vai criando paralelos de como os discursos religiosos podem ser instrumentalizados em contextos de poder, e como a lógica da “cura pelo sofrimento” pode desaguar em perversões ainda mais profundas. A manipulação emocional aqui, é um dos eixos centrais, e talvez dos mais indigestos, da minissérie - e é isso que torna tudo ainda mais incômodo, especialmente quando percebemos que parte do público estava aplaudindo, curtindo e compartilhando vídeos com conteúdos de gosto, no mínimo, duvidoso.
Do ponto de vista técnico, vale destacar o equilíbrio na montagem, que costura um belíssimo material de pesquisa com uma diversidade de vozes que ajuda a ampliar o olhar sobre o caso, evitando com que a audiência caia no erro de emitir conclusões precipitadas - em alguns momentos, inclusive, é possível até relativizar alguns comportamentos de Ruby e isso merece uma reflexão sem qualquer tipo de hipocrisia. Um ponto a se destacar é a sensível decisão de não expor as vítimas de forma tão direta - a ausência deliberada dos filhos mais novos da influencer em depoimentos atuais reforça a gravidade da situação e preserva a dignidade de quem mais sofreu com a situação. Agora saiba que “Um Diabo na Família” é menos sobre uma história de uma personagem de sucesso que acabou caindo em desgraça e mais sobre um retrato infeliz de uma sociedade que deixa de enxergar o óbvio apenas para construir pseudo-referências digitais. A linha entre entretenimento e crueldade, entre autoridade e violência, entre correção e abuso, é sempre tênue - e nos dias de hoje, se torna ainda mais difícil de identificar tais limites.
“Um Diabo na Família: O Caso de Ruby Franke” não é fácil de assistir, e nem deveria ser. Mas é necessária - principalmente num tempo em que curtidas ainda pesam mais que responsabilidade. Para quem busca alguma reflexão sobre os limites de uma exposição familiar, sobre o papel da fé na estrutura disciplinar das pessoas e sobre as consequências de transformar a infância em vitrine, essa é uma das obras mais relevantes que você vai encontrar no streaming! Vale demais o seu play!
Depois do imperdível "The Vow" ou do insano "As Faces da Marca", é impressionante a quantidade de documentários que fazem um recorte, cada vez mais doentio, da sociedade americana - e quando a gente acha que o limite chegou, surge outra produção que simplesmente destrói qualquer sinal de esperança perante o ser-humano nos dias "conectados" de hoje. Olha, é muito difícil terminar “Um Diabo na Família: O Caso de Ruby Franke” sem sentir um incômodo bastante profundo - especialmente se você já tiver filhos. A minissérie documental do Hulu, aqui no Disney+, é dirigida com sobriedade por Olly Lambert (vencedor do BAFTA por "Syria: Across the Lines") e mergulha nos bastidores de um dos casos mais chocantes da história recente da internet: a queda da influencer que colecionava milhões de visualizações no YouTube, Ruby Franke. Mas ao contrário do que se poderia esperar de uma produção sobre escândalos online, aqui não há pressa em apontar vilões ou simplificar dilemas - o que há é um trabalho de exposição cuidadoso, devastador e necessário.
Repare como a sinopse oficial já antecipa o desconforto que vem após o play: Por anos, Ruby Franke encantou o público americano com sua imagem de mãe exemplar no canal "8 Passengers". No entanto, por trás das câmeras, uma realidade sombria se desenrolava - após um dramático pedido de ajuda de seu caçula, na época com 12 anos, o mundo descobre os abusos sofridos pelos filhos de Ruby, culminando em sua prisão e uma condenação a 30 anos de reclusão. Ao longo de três episódios, a minissérie constrói com inteligência uma narrativa que não apenas documenta os fatos, mas os reposicionam dentro de um contexto maior - o da cultura da influência digital desmedida. Confira o trailer (em inglês):
A estrutura dos episódios de "Devil in the Family: The Fall of Ruby Franke", no original, é bastante clara: começamos com o sucesso, seguimos para os sinais ignorados até chegar na revelação impactante dos abusos físicos, emocionais e psicológicos a que as crianças foram submetidas - e é pesado, viu?! O trabalho de Olly Lambert na direção é ao mesmo tempo econômico e eficiente: ele evita os truques visuais comuns do true crime para apostar em um mise-en-scène mais sóbrio, baseado em imagens de arquivo cedidos pela própria família e em depoimentos, de fato, estarrecedores. Tudo isso é feito para amplificar o horror das situações justamente por não precisar encená-las. Veja, o peso narrativo está todo em depoimentos atuais, no olhar em retrospectiva de algumas imagens que vão além do que um dia foi publicado no YouTube e, principalmente, nas lacunas que vamos preenchendo com a imaginação, afinal o sinais estão ali, basta se propor a olha-los com cuidado.
Um dos acertos mais contundentes da minissérie está na forma como o roteiro conecta o caso Ruby Franke com a figura da conselheira Jodi Hildebrandt - uma figura misteriosa que se tornou uma espécie de mentora espiritual, pra variar, da influencer. Ao incorporar a fé mormon como ferramenta de controle e justificativa moral para práticas abusivas, Lambert vai criando paralelos de como os discursos religiosos podem ser instrumentalizados em contextos de poder, e como a lógica da “cura pelo sofrimento” pode desaguar em perversões ainda mais profundas. A manipulação emocional aqui, é um dos eixos centrais, e talvez dos mais indigestos, da minissérie - e é isso que torna tudo ainda mais incômodo, especialmente quando percebemos que parte do público estava aplaudindo, curtindo e compartilhando vídeos com conteúdos de gosto, no mínimo, duvidoso.
Do ponto de vista técnico, vale destacar o equilíbrio na montagem, que costura um belíssimo material de pesquisa com uma diversidade de vozes que ajuda a ampliar o olhar sobre o caso, evitando com que a audiência caia no erro de emitir conclusões precipitadas - em alguns momentos, inclusive, é possível até relativizar alguns comportamentos de Ruby e isso merece uma reflexão sem qualquer tipo de hipocrisia. Um ponto a se destacar é a sensível decisão de não expor as vítimas de forma tão direta - a ausência deliberada dos filhos mais novos da influencer em depoimentos atuais reforça a gravidade da situação e preserva a dignidade de quem mais sofreu com a situação. Agora saiba que “Um Diabo na Família” é menos sobre uma história de uma personagem de sucesso que acabou caindo em desgraça e mais sobre um retrato infeliz de uma sociedade que deixa de enxergar o óbvio apenas para construir pseudo-referências digitais. A linha entre entretenimento e crueldade, entre autoridade e violência, entre correção e abuso, é sempre tênue - e nos dias de hoje, se torna ainda mais difícil de identificar tais limites.
“Um Diabo na Família: O Caso de Ruby Franke” não é fácil de assistir, e nem deveria ser. Mas é necessária - principalmente num tempo em que curtidas ainda pesam mais que responsabilidade. Para quem busca alguma reflexão sobre os limites de uma exposição familiar, sobre o papel da fé na estrutura disciplinar das pessoas e sobre as consequências de transformar a infância em vitrine, essa é uma das obras mais relevantes que você vai encontrar no streaming! Vale demais o seu play!
Mais do que um filme sobre o "perdão", "Um lindo dia na vizinhança" fala sobre se "reconectar", com uma sensibilidade impressionante - mesmo que em muitos momentos tenhamos a exata impressão de que aquilo tudo não passa de uma enorme forçada de barra! O interessante, inclusive, é que justamente por isso que o filme nos toca, já que a diretora Marielle Heller usa do carisma (inacreditável - no fiel sentido da palavra) de Fred Rogers, um apresentador de um programa infantil de TV dos anos 70, para contar a história de um jornalista marcado pelo rancor e pela relação nada saudável com seu pai.
Lloyd Vogel (Matthew Rhys) é um jornalista sobrecarregado psicologicamente, que recebe a missão de escrever um artigo sobre o apresentador Fred Rogers (Tom Hanks) para a revista Esquire. Lloyd é um homem cuja vida (aos seus olhos) nunca lhe foi generosa, apesar do seu sucesso profissional - ele carrega consigo uma mágoa profunda por seu pai, Jerry (Chris Cooper). Ao aceitar o trabalho, Vogel acaba se surpreendendo com a maneira como seu entrevistado enxerga a vida e, principalmente, se relaciona com as pessoas. Aos poucos, Vogel e Rogers tornam-se cada vez mais íntimos, dividindo detalhes sobre a vida, sobre suas relações pessoais, com as esposas, filhos e, claro, com as feridas que o convívio com a família pode deixar. Confira o trailer:
Que as pessoas não são 100% ruins, da mesma forma que não são 100% boas, nós já sabemos; ou pelo menos essa é a regra imposta pela sociedade. Mas antes de falar sobre como existem exceções para determinadas regras, vamos contextualizar a história: “Vizinhança de Mister Rogers” foi um dos programas infantis a ficar mais tempo em exibição nos EUA (perdendo apenas recentemente para Vila Sésamo), nele o apresentador Fred Rogers utilizava do lúdico para falar sobre temas do cotidiano e até assuntos mais pesados como morte, depressão, divórcio, raiva, guerra. A grande questão é que Fred parecia ser um personagem dentro e fora do estúdio de gravação e isso instigou demais Lloyd Vogel. Seria possível alguém ser tão carismático, bondoso e empático por tanto tempo e com todo mundo?
“Como é ser casada com um santo?”, questiona o jornalista. “Não gosto desse termo, é como se o que ele é, fosse algo inatingível”, retruca Joanne (Maryann Plunkett), esposa de Rogers. Veja, embora a alma do filme seja Fred, a diretora quer mesmo é contar a história de Lloyd Vogel e a forma com que ela brinca com os conceitos lúdicos do programa do Mister Rogers, fazendo transições entre as maquetes e os movimentos em stop motion com os lugares reais do cotidiano de Vogel criam, metaforicamente, pontos de vista muito interessantes sobre seus fantasmas e como ele se esforça enfrentá-los.
Obviamente que Tom Hanks é o nome do filme - apoiado em uma belíssima maquiagem e nos figurinos exatos de Fred Rogers, o ator dá mais uma aula de caracterização ao mergulhar nas camadas mais profundas do personagem, com expressões pontualmente contidas no silêncio pausado da forma como Rogers se comunicava aos pequenos vícios corporais do apresentador. Matthew Rhys também está muito bem - sua expressão demonstra exatamente toda a carga emocional que Lloyd carrega consigo. Outro elemento que merece destaque é a trilha sonora de Nate Heller - ela pontua perfeitamente o mood das cenas e traz a belíssima "The Promisse" na voz de Tracy Chapman.
"Um Lindo Dia na Vizinhança" é um filme que não fez tanto barulho, mas que vai te surpreender pela sensibilidade e beleza do seu roteiro (de Noah Harpster e Micah Fitzerman-Blue). É um filme com alma, emocionante, dramático e inteligente ao nos mostrar o lado bom de uma boa conversa. Vale a pena!
Up-date: "Um Lindo Dia na Vizinhança" garantiu mais uma indicação para Tom Hanks no Oscar 2020: Melhor Ator Coadjuvante!
Mais do que um filme sobre o "perdão", "Um lindo dia na vizinhança" fala sobre se "reconectar", com uma sensibilidade impressionante - mesmo que em muitos momentos tenhamos a exata impressão de que aquilo tudo não passa de uma enorme forçada de barra! O interessante, inclusive, é que justamente por isso que o filme nos toca, já que a diretora Marielle Heller usa do carisma (inacreditável - no fiel sentido da palavra) de Fred Rogers, um apresentador de um programa infantil de TV dos anos 70, para contar a história de um jornalista marcado pelo rancor e pela relação nada saudável com seu pai.
Lloyd Vogel (Matthew Rhys) é um jornalista sobrecarregado psicologicamente, que recebe a missão de escrever um artigo sobre o apresentador Fred Rogers (Tom Hanks) para a revista Esquire. Lloyd é um homem cuja vida (aos seus olhos) nunca lhe foi generosa, apesar do seu sucesso profissional - ele carrega consigo uma mágoa profunda por seu pai, Jerry (Chris Cooper). Ao aceitar o trabalho, Vogel acaba se surpreendendo com a maneira como seu entrevistado enxerga a vida e, principalmente, se relaciona com as pessoas. Aos poucos, Vogel e Rogers tornam-se cada vez mais íntimos, dividindo detalhes sobre a vida, sobre suas relações pessoais, com as esposas, filhos e, claro, com as feridas que o convívio com a família pode deixar. Confira o trailer:
Que as pessoas não são 100% ruins, da mesma forma que não são 100% boas, nós já sabemos; ou pelo menos essa é a regra imposta pela sociedade. Mas antes de falar sobre como existem exceções para determinadas regras, vamos contextualizar a história: “Vizinhança de Mister Rogers” foi um dos programas infantis a ficar mais tempo em exibição nos EUA (perdendo apenas recentemente para Vila Sésamo), nele o apresentador Fred Rogers utilizava do lúdico para falar sobre temas do cotidiano e até assuntos mais pesados como morte, depressão, divórcio, raiva, guerra. A grande questão é que Fred parecia ser um personagem dentro e fora do estúdio de gravação e isso instigou demais Lloyd Vogel. Seria possível alguém ser tão carismático, bondoso e empático por tanto tempo e com todo mundo?
“Como é ser casada com um santo?”, questiona o jornalista. “Não gosto desse termo, é como se o que ele é, fosse algo inatingível”, retruca Joanne (Maryann Plunkett), esposa de Rogers. Veja, embora a alma do filme seja Fred, a diretora quer mesmo é contar a história de Lloyd Vogel e a forma com que ela brinca com os conceitos lúdicos do programa do Mister Rogers, fazendo transições entre as maquetes e os movimentos em stop motion com os lugares reais do cotidiano de Vogel criam, metaforicamente, pontos de vista muito interessantes sobre seus fantasmas e como ele se esforça enfrentá-los.
Obviamente que Tom Hanks é o nome do filme - apoiado em uma belíssima maquiagem e nos figurinos exatos de Fred Rogers, o ator dá mais uma aula de caracterização ao mergulhar nas camadas mais profundas do personagem, com expressões pontualmente contidas no silêncio pausado da forma como Rogers se comunicava aos pequenos vícios corporais do apresentador. Matthew Rhys também está muito bem - sua expressão demonstra exatamente toda a carga emocional que Lloyd carrega consigo. Outro elemento que merece destaque é a trilha sonora de Nate Heller - ela pontua perfeitamente o mood das cenas e traz a belíssima "The Promisse" na voz de Tracy Chapman.
"Um Lindo Dia na Vizinhança" é um filme que não fez tanto barulho, mas que vai te surpreender pela sensibilidade e beleza do seu roteiro (de Noah Harpster e Micah Fitzerman-Blue). É um filme com alma, emocionante, dramático e inteligente ao nos mostrar o lado bom de uma boa conversa. Vale a pena!
Up-date: "Um Lindo Dia na Vizinhança" garantiu mais uma indicação para Tom Hanks no Oscar 2020: Melhor Ator Coadjuvante!
"Um Lugar Qualquer" fala de solidão, mas em uma outra camada, talvez até de uma forma mais cruel que é a de ter a impressão que temos tudo sob controle e que apenas as escolhas do passado foram a causa dessa situação. Entender que a felicidade não está no dinheiro ou na realização pessoal é um processo doloroso e, sim, o personagem Johnny Marco (Stephen Dorff) sente isso na pele - eu diria, inclusive, que por se tratar de uma relação "pai e filha" é até mais difícil lidar do que a situação do Bob Harris (Bill Murray) em "Encontros e Desencontros" (2003) - filme que discute sentimentos e sensações parecidos.
Em "Somewhere" (título original), acompanhamos o já citado Johnny Marco, um bem sucedido ator norte-americano que mora no lendário, mas impessoal, hotel Chateau Marmont enquanto se recupera de um leve acidente. A rotina do ator se resume em diversão, álcool e sexo, mas também no vazio, na falta de relação afetiva e muita melancolia, pois tudo (ou quase tudo) na vida de Marco lhe é entregue de bandeja, sem esforço, por conveniência da profissão. Quando sua filha Cleo (Elle Fanning) chega para passar uma temporada com ele, Marco percebe que a verdadeira felicidade não está nas conquistas profissionais ou na farra irresponsável, e sim na cumplicidade entre pai e filha, mas talvez já seja tarde demais para mudar algo que ele mesmo provocou. Confira o trailer:
Ser filha de um grande diretor não deve ser tarefa das mais fáceis, mas acredite: não foi por acaso que Sofia Coppola conquistou alguns dos principais prêmios que um diretor pode almejar na carreira - do Oscar de melhor roteiro original ao Leão de Ouro do Festival de Veneza. Dito isso, meu conselho é: quem não viu "Um Lugar Qualquer", veja, pois Sofia não é só a filha de Francis Ford Coppola! O filme é, de fato, muito bom, tem um roteiro muito bem escrito, com uma direção focada nos detalhes e toda aquela capacidade de captar o sentimento que ela mostrou em"Encontros e Desencontros" está ali, com a mesma maestria e sensibilidade.
Embora não seja uma jornada das mais fáceis, pelo estilo cadenciado do filme e pelo assunto que ele discute, "Um Lugar Qualquer" é muito provocador e merece muitos elogios. Claro que ele vai impactar um número limitado da audiência, possivelmente aquele que mergulha nas inúmeras camadas de um personagem bastante complexo e que se permite projetar na história suas próprias experiências e aqui, o silêncio e uma trilha sonora lindíssima facilitam essa imersão. Outro detalhe bem interessante: reparem como a Sofia Coppola conta essa história: ela usa uma câmera fixa, como se o ação fizesse parte de um quadro, de uma pintura, para que possamos acompanhar a cena e só julgar o que estamos vendo; e aí vem o golaço, porque ela nos mostra um dos lados em profundidade e logo depois já nos pergunta" qual é o seu lado que sentiria, justamente, aquele julgamento? É incrível, pois mesmo sem perceber, estamos julgando aquele estilo de vida o tempo todo, mas depois vamos entendendo o preço que se paga por esse tipo "escolha".
"Um Lugar Qualquer" é um grande filme, mas será preciso uma certa sensibilidade para entender o "vazio" que a diretora propõe e em muitas passagens não vamos nos permitir encarar esse sentimento de frente, com sinceridade - e isso vai refletir na sua critica perante o que você assistiu! Para nós, imperdível!
"Um Lugar Qualquer" fala de solidão, mas em uma outra camada, talvez até de uma forma mais cruel que é a de ter a impressão que temos tudo sob controle e que apenas as escolhas do passado foram a causa dessa situação. Entender que a felicidade não está no dinheiro ou na realização pessoal é um processo doloroso e, sim, o personagem Johnny Marco (Stephen Dorff) sente isso na pele - eu diria, inclusive, que por se tratar de uma relação "pai e filha" é até mais difícil lidar do que a situação do Bob Harris (Bill Murray) em "Encontros e Desencontros" (2003) - filme que discute sentimentos e sensações parecidos.
Em "Somewhere" (título original), acompanhamos o já citado Johnny Marco, um bem sucedido ator norte-americano que mora no lendário, mas impessoal, hotel Chateau Marmont enquanto se recupera de um leve acidente. A rotina do ator se resume em diversão, álcool e sexo, mas também no vazio, na falta de relação afetiva e muita melancolia, pois tudo (ou quase tudo) na vida de Marco lhe é entregue de bandeja, sem esforço, por conveniência da profissão. Quando sua filha Cleo (Elle Fanning) chega para passar uma temporada com ele, Marco percebe que a verdadeira felicidade não está nas conquistas profissionais ou na farra irresponsável, e sim na cumplicidade entre pai e filha, mas talvez já seja tarde demais para mudar algo que ele mesmo provocou. Confira o trailer:
Ser filha de um grande diretor não deve ser tarefa das mais fáceis, mas acredite: não foi por acaso que Sofia Coppola conquistou alguns dos principais prêmios que um diretor pode almejar na carreira - do Oscar de melhor roteiro original ao Leão de Ouro do Festival de Veneza. Dito isso, meu conselho é: quem não viu "Um Lugar Qualquer", veja, pois Sofia não é só a filha de Francis Ford Coppola! O filme é, de fato, muito bom, tem um roteiro muito bem escrito, com uma direção focada nos detalhes e toda aquela capacidade de captar o sentimento que ela mostrou em"Encontros e Desencontros" está ali, com a mesma maestria e sensibilidade.
Embora não seja uma jornada das mais fáceis, pelo estilo cadenciado do filme e pelo assunto que ele discute, "Um Lugar Qualquer" é muito provocador e merece muitos elogios. Claro que ele vai impactar um número limitado da audiência, possivelmente aquele que mergulha nas inúmeras camadas de um personagem bastante complexo e que se permite projetar na história suas próprias experiências e aqui, o silêncio e uma trilha sonora lindíssima facilitam essa imersão. Outro detalhe bem interessante: reparem como a Sofia Coppola conta essa história: ela usa uma câmera fixa, como se o ação fizesse parte de um quadro, de uma pintura, para que possamos acompanhar a cena e só julgar o que estamos vendo; e aí vem o golaço, porque ela nos mostra um dos lados em profundidade e logo depois já nos pergunta" qual é o seu lado que sentiria, justamente, aquele julgamento? É incrível, pois mesmo sem perceber, estamos julgando aquele estilo de vida o tempo todo, mas depois vamos entendendo o preço que se paga por esse tipo "escolha".
"Um Lugar Qualquer" é um grande filme, mas será preciso uma certa sensibilidade para entender o "vazio" que a diretora propõe e em muitas passagens não vamos nos permitir encarar esse sentimento de frente, com sinceridade - e isso vai refletir na sua critica perante o que você assistiu! Para nós, imperdível!
"Um Motivo para Lutar" realmente pode te surpreender! O filme dirigido por Romain Cogitore é uma mistura equilibrada de drama e romance, que se apoia em uma narrativa emocionalmente intensa e cheia de contrastes bem ao estilo "Mil Vezes Boa Noite". Essa produção francesa da Disney, explora a interseção delicada entre a ideologia e as relações humanas, oferecendo uma reflexão profunda sobre o impacto das convicções em momentos de conflito. O filme se destaca ao discutir como o ativismo social e ambiental moldam as escolhas e as dinâmicas entre os personagens, criando dilemas complexos que desafiam os limites entre o dever e o afeto.
A trama segue Stella (Lyna Khoudri), uma jovem ativista engajada na resistência contra um projeto de construção em uma área ambientalmente protegida conhecida como "ZAD" (Zone à Défendre). No meio desse conflito, ela se envolve com Alexandre (François Civil), um policial infiltrado na comunidade de ativistas. À medida que o relacionamento entre eles se desenvolve, os dilemas éticos e emocionais emergem, colocando em risco tanto suas convicções quanto seus sentimentos. Confira o trailer (em francês):
Cogitore dirige o filme com uma sensibilidade impressionante, especialmente ao tratar da intimidade inserida dentro de um contexto de tensão política. Sua direção evita simplificações, focando justamente na ambiguidade moral que permeia a relação entre os protagonistas e a própria causa que eles defendem. A construção narrativa é tão cuidadosa que faz com que a tensão emocional entre Stella e Alexandre se desenvolva de um forma gradual, mantendo a audiência intrigada e entretida até o final. O roteiro escrito por Cogitore em parceria com Thomas Bidegain (de "Ferrugem e Osso") e Catherine Paillé (de "O Segredo da Câmara Escura") equilibra bem essa relação mais pessoal sem nunca abrir mão do pano de fundo político. A forma como "Um Motivo para Lutar"aborda a linha tênue entre o idealismo e o extremismo é notável, evitando juízos fáceis e oferecendo uma visão humana tanto dos ativistas quanto das forças de repressão.
A performance do elenco encabeçado por Lyna Khoudri e François Civil, sem dúvida, é um dos pontos altos do filme. Khoudri entrega uma personagem autêntica e visceral, revelando a sua intensidade e a sua vulnerabilidade diante dos dilemas afetivos e sociais que permeiam a narrativa. Civil também brilha ao interpretar Alexandre, um homem dividido entre sua missão profissional e o envolvimento emocional que nasce dentro da comunidade - a química entre os dois é palpável, e suas interações refletem a tensão entre "dever e desejo" a cada cena. Outro fator que ajuda a construir essa atmosfera de dualidade é a fotografia de Julien Hirsch (de "Lady Chatterley") - ao capturar as paisagens naturais da "ZAD", ele reforça tanto a beleza quanto a fragilidade do local. Os ambientes densos e isolados simbolizam a resistência dos ativistas e a pressão crescente que eles enfrentam, enquanto a escolha de cores mais naturalistas e uma iluminação suave complementam o tom intimista da narrativa. Repare como essa estética acentua os momentos de silêncio e reflexão, intensificando o impacto da história.
O foco na construção emocional e nas nuances dos personagens é um ponto relevante do trabalho de Cogitore, por outro lado essa identidade mais autoral impacta no ritmo e isso pode desgarrar alguns - e também pode dar a sensação de que a trama se alonga desnecessariamente em alguns momentos. No entanto, "Une Zone à Défendre" (no original), posso garantir, é uma experiência bastante envolvente especialmente por explorar a dinâmica entre Stella e Alexandre, respeitando a complexidade dos vínculos formados em contextos de conflito e a dificuldade de conciliar afetos com convicções. Realmente um convite para a reflexão sobre a natureza do compromisso e as fronteiras entre o amor e a lealdade por um ideal.
Vale muito o seu play!
"Um Motivo para Lutar" realmente pode te surpreender! O filme dirigido por Romain Cogitore é uma mistura equilibrada de drama e romance, que se apoia em uma narrativa emocionalmente intensa e cheia de contrastes bem ao estilo "Mil Vezes Boa Noite". Essa produção francesa da Disney, explora a interseção delicada entre a ideologia e as relações humanas, oferecendo uma reflexão profunda sobre o impacto das convicções em momentos de conflito. O filme se destaca ao discutir como o ativismo social e ambiental moldam as escolhas e as dinâmicas entre os personagens, criando dilemas complexos que desafiam os limites entre o dever e o afeto.
A trama segue Stella (Lyna Khoudri), uma jovem ativista engajada na resistência contra um projeto de construção em uma área ambientalmente protegida conhecida como "ZAD" (Zone à Défendre). No meio desse conflito, ela se envolve com Alexandre (François Civil), um policial infiltrado na comunidade de ativistas. À medida que o relacionamento entre eles se desenvolve, os dilemas éticos e emocionais emergem, colocando em risco tanto suas convicções quanto seus sentimentos. Confira o trailer (em francês):
Cogitore dirige o filme com uma sensibilidade impressionante, especialmente ao tratar da intimidade inserida dentro de um contexto de tensão política. Sua direção evita simplificações, focando justamente na ambiguidade moral que permeia a relação entre os protagonistas e a própria causa que eles defendem. A construção narrativa é tão cuidadosa que faz com que a tensão emocional entre Stella e Alexandre se desenvolva de um forma gradual, mantendo a audiência intrigada e entretida até o final. O roteiro escrito por Cogitore em parceria com Thomas Bidegain (de "Ferrugem e Osso") e Catherine Paillé (de "O Segredo da Câmara Escura") equilibra bem essa relação mais pessoal sem nunca abrir mão do pano de fundo político. A forma como "Um Motivo para Lutar"aborda a linha tênue entre o idealismo e o extremismo é notável, evitando juízos fáceis e oferecendo uma visão humana tanto dos ativistas quanto das forças de repressão.
A performance do elenco encabeçado por Lyna Khoudri e François Civil, sem dúvida, é um dos pontos altos do filme. Khoudri entrega uma personagem autêntica e visceral, revelando a sua intensidade e a sua vulnerabilidade diante dos dilemas afetivos e sociais que permeiam a narrativa. Civil também brilha ao interpretar Alexandre, um homem dividido entre sua missão profissional e o envolvimento emocional que nasce dentro da comunidade - a química entre os dois é palpável, e suas interações refletem a tensão entre "dever e desejo" a cada cena. Outro fator que ajuda a construir essa atmosfera de dualidade é a fotografia de Julien Hirsch (de "Lady Chatterley") - ao capturar as paisagens naturais da "ZAD", ele reforça tanto a beleza quanto a fragilidade do local. Os ambientes densos e isolados simbolizam a resistência dos ativistas e a pressão crescente que eles enfrentam, enquanto a escolha de cores mais naturalistas e uma iluminação suave complementam o tom intimista da narrativa. Repare como essa estética acentua os momentos de silêncio e reflexão, intensificando o impacto da história.
O foco na construção emocional e nas nuances dos personagens é um ponto relevante do trabalho de Cogitore, por outro lado essa identidade mais autoral impacta no ritmo e isso pode desgarrar alguns - e também pode dar a sensação de que a trama se alonga desnecessariamente em alguns momentos. No entanto, "Une Zone à Défendre" (no original), posso garantir, é uma experiência bastante envolvente especialmente por explorar a dinâmica entre Stella e Alexandre, respeitando a complexidade dos vínculos formados em contextos de conflito e a dificuldade de conciliar afetos com convicções. Realmente um convite para a reflexão sobre a natureza do compromisso e as fronteiras entre o amor e a lealdade por um ideal.
Vale muito o seu play!
"Um Pesadelo Americano" é um típico true crime de três episódios que além de intenso em sua proposta narrativa, é profundamente intrigante pela forma como a história é desconstruída. Chancelada por ser um projeto da mesma equipe criativa que produziu "O Golpista do Tinder", essa minissérie nos conduz por um caso absurdo pela perspectiva de quem investiga, mesmo que a narrativa seja feita por quem, de fato, foi vítima. É isso mesmo, essa quebra de expectativa entre o que vemos na tela e o que de fato aconteceu, nos provoca inúmeros julgamentos que diz muito sobre a maneira com que somos influenciados. Eu diria, inclusive, que essa produção original da Netflix é uma verdadeira imersão no obscuro labirinto da pseudo justiça e da hipocrisia da mídia americana, sem o receio de nos expor como parte desse circo - e aqui, ao surgir a comparação com "Garota Exemplar", entendemos exatamente onde a direção de Felicity Morris queria chegar.
"American Nightmare" (no original) foca na história do casal Denise Huskins e Aaron Quinn. Os dois são surpreendidos quando um grupo de pessoas em roupas de mergulho invadem sua casa e fazem os dois de reféns. Após serem supostamente drogados, Denise é levada pelos criminosos e Aaron só consegue fazer contato com a polícia no dia seguinte - é aí que o pesadelo começa, já que depois de um depoimento cheio de brechas, o jovem se torna o principal suspeito do desaparecimento misterioso da namorada. Confira o trailer:
Em um primeiro olhar, encontramos em "Um Pesadelo Americano" uma maestria técnica e artística empregada na sua realização que realmente chama atenção pela similaridade com uma obra de ficção. A forma como Morris explora cada nuance da história, capturando a intensidade emocional dos fatos e toda dinâmica da investigação, realmente nos faz lembrar de filmes do gênero, mais especificamente do próprio "Garota Exemplar" do grande David Fincher - que por curiosidade havia sido lançado um ano antes do crime. Obviamente que essa comparação extrapola o conceito narrativo para se transformar, por incrível que possa parecer, no ponto de partida da investigação diante dos depoimentos de Aaron Quinn e depois de Denise Huskins.
Apresentando as versões sobre o caso a partir de três personagens chave e em episódios "independentes", a direção não só propõe a construção de um quebra-cabeça como também controla quais as peças quer nos entregar. Veja, o roteiro é muito bem amarrado, o que potencializa o trabalho do montador que se delicia com inúmeros depoimentos (inclusive do casal), imagens de câmeras e áudios de policiais e dos suspeitos durante as investigações, gravações de celulares, reportagens de tv da época, e-mails, fotos, enfim, uma quantidade enorme de material que ajudam a compor a linha do tempo de maneira clara e dinâmica, mesmo que de certa forma fragmentada. Veja, até quando a direção propõe algumas reconstituições, o que vemos é uma gramática visual simplesmente cinematográfica e muito envolvente.
Existe uma certa genialidade na minissérie ao desconstruir pré-conceitos e oferecer uma nova perspectiva sobre o caso a cada informação, interpretação ou dúvida levantada por alguém. Essa quebra de expectativa funciona perfeitamente nos dois primeiro episódios, criando uma atmosfera de mistério. No entanto, já o terceiro episódio parece perder um pouco dessa unidade narrativa - elementos aparentemente insignificantes ganham relevância, questionando a veracidade das acusações e provocando uma análise crítica sobre a responsabilidade da mídia e da polícia durante a investigação. Aqui não se trata mais sobre o que aconteceu com Denise e sim sobre como o caso foi tratado. Dito isso, "Pesadelo Americano" não conta apenas com uma história intrigante, mas também nos convida a desafiar a forma como percebemos a verdade e a justiça com um toque de crítica social ao levantar discussões relevantes, especialmente, sobre a misoginia institucionalizada.
Vale seu play!
"Um Pesadelo Americano" é um típico true crime de três episódios que além de intenso em sua proposta narrativa, é profundamente intrigante pela forma como a história é desconstruída. Chancelada por ser um projeto da mesma equipe criativa que produziu "O Golpista do Tinder", essa minissérie nos conduz por um caso absurdo pela perspectiva de quem investiga, mesmo que a narrativa seja feita por quem, de fato, foi vítima. É isso mesmo, essa quebra de expectativa entre o que vemos na tela e o que de fato aconteceu, nos provoca inúmeros julgamentos que diz muito sobre a maneira com que somos influenciados. Eu diria, inclusive, que essa produção original da Netflix é uma verdadeira imersão no obscuro labirinto da pseudo justiça e da hipocrisia da mídia americana, sem o receio de nos expor como parte desse circo - e aqui, ao surgir a comparação com "Garota Exemplar", entendemos exatamente onde a direção de Felicity Morris queria chegar.
"American Nightmare" (no original) foca na história do casal Denise Huskins e Aaron Quinn. Os dois são surpreendidos quando um grupo de pessoas em roupas de mergulho invadem sua casa e fazem os dois de reféns. Após serem supostamente drogados, Denise é levada pelos criminosos e Aaron só consegue fazer contato com a polícia no dia seguinte - é aí que o pesadelo começa, já que depois de um depoimento cheio de brechas, o jovem se torna o principal suspeito do desaparecimento misterioso da namorada. Confira o trailer:
Em um primeiro olhar, encontramos em "Um Pesadelo Americano" uma maestria técnica e artística empregada na sua realização que realmente chama atenção pela similaridade com uma obra de ficção. A forma como Morris explora cada nuance da história, capturando a intensidade emocional dos fatos e toda dinâmica da investigação, realmente nos faz lembrar de filmes do gênero, mais especificamente do próprio "Garota Exemplar" do grande David Fincher - que por curiosidade havia sido lançado um ano antes do crime. Obviamente que essa comparação extrapola o conceito narrativo para se transformar, por incrível que possa parecer, no ponto de partida da investigação diante dos depoimentos de Aaron Quinn e depois de Denise Huskins.
Apresentando as versões sobre o caso a partir de três personagens chave e em episódios "independentes", a direção não só propõe a construção de um quebra-cabeça como também controla quais as peças quer nos entregar. Veja, o roteiro é muito bem amarrado, o que potencializa o trabalho do montador que se delicia com inúmeros depoimentos (inclusive do casal), imagens de câmeras e áudios de policiais e dos suspeitos durante as investigações, gravações de celulares, reportagens de tv da época, e-mails, fotos, enfim, uma quantidade enorme de material que ajudam a compor a linha do tempo de maneira clara e dinâmica, mesmo que de certa forma fragmentada. Veja, até quando a direção propõe algumas reconstituições, o que vemos é uma gramática visual simplesmente cinematográfica e muito envolvente.
Existe uma certa genialidade na minissérie ao desconstruir pré-conceitos e oferecer uma nova perspectiva sobre o caso a cada informação, interpretação ou dúvida levantada por alguém. Essa quebra de expectativa funciona perfeitamente nos dois primeiro episódios, criando uma atmosfera de mistério. No entanto, já o terceiro episódio parece perder um pouco dessa unidade narrativa - elementos aparentemente insignificantes ganham relevância, questionando a veracidade das acusações e provocando uma análise crítica sobre a responsabilidade da mídia e da polícia durante a investigação. Aqui não se trata mais sobre o que aconteceu com Denise e sim sobre como o caso foi tratado. Dito isso, "Pesadelo Americano" não conta apenas com uma história intrigante, mas também nos convida a desafiar a forma como percebemos a verdade e a justiça com um toque de crítica social ao levantar discussões relevantes, especialmente, sobre a misoginia institucionalizada.
Vale seu play!
Um filme sobre a vida como ela é - linda, mas cheia de pancadas!
Talvez não tenha maneira mais direta de definir "Uma Bela Manhã", filme dirigido por uma das mais respeitadas cineastas francesas em atividade, Mia Hansen-Løve (de "O Que Está Por Vir"). Seguindo muito seu conceito cinematográfico de retratar a vida cotidiana e suas relações mais particulares, Mia, mais uma vez, lança um olhar dos mais interessantes sobre seus personagens ao mesmo tempo em que se revela disposta a confrontá-los com situações complexas, mas de fácil identificação. Veja, se você está a procura do embate natural das relações ou uma história que segue aquela estrutura mais tradicional, certamente esse filme não é para você. Por outro lado, se estiver disposto a mergulhar em uma narrativa profundamente intima, de uma personagem que tenta encontrar a alegria nas pequenas coisas e na esperança de que tudo vai se encaixar em algum momento, mesmo que para isso tenha que lidar com os tombos da vida e com o tempo que faz questão de mostrar a sua crueldade, você está no lugar certo - mas não será uma jornada fácil (e dependendo do momento em que está passando, será uma jornada dificílima)!
Sandra (Léa Seydoux) é uma jovem viúva que trabalha como tradutora e que cria sozinha sua filha de 8 anos, tendo que lidar com os desafios da maternidade ao mesmo tempo em que cuida de seu pai, Georg Kinsler (Pascal Greggory), um professor de Filosofia aposentado e que já não pode mais se esquivar de uma morte lenta diante de uma doença degenerativa. Enquanto ela embarca com sua família por obstáculos em hospitais e lares de idosos para instalar Georg em um lugar seguro, Sandra se envolve com Clément (Melvil Poupaud), um homem casado e amigo do seu falecido marido. Confira o trailer:
É impossível não olhar para "Un Beau Matin" (no original) e não ficar absolutamente boquiaberto com a performance de Léa Seydoux (de "Azul é a Cor Mais Quente"). Dentro daquela atmosfera tão deprimente quanto humana, Seydoux entrega no olhar, a sua dor - e saiba que o "deprimente" que cito não se vale do estereótipo ou do convencional, mas sim da sensibilidade de entender que longe da fantasia, existe uma batalha diária para lidar com sua própria cruz. E aqui, também é preciso que se diga, o roteiro da própria Mia enaltece essa perspectiva mais introspectiva em um confronto quase visceral entre o que se sente e o que se mostra! É impressionante como essa dualidade alcança tons tão marcantes na maneira como experienciamos o filme - é de sentir uma dor no peito, pelo outro, ou por nós mesmos.
A diretora sabe do tamanho de sua responsabilidade ao basear uma história de quase duas horas apenas na psicologia de seus personagens. Reparem como até mesmo um pedido aparentemente simples de uma ex-aluna de seu pai como “você poderia me passar o e-mail dele?”, é capaz de levar Sandra às lágrimas. Sim, é um pedido cotidiano, mas o impacto do "comum" é o que move Mia na exploração magistral da condição humana como ninguém. Ela usa gatilhos narrativos perfeitos para discutir a complexidade dos relacionamentos (a dúvida natural de Clément sobre seu casamento, é um ótimo ponto) e das mudanças ao longo do tempo (a relação com sua mãe e sua irmã, e depois com seu pai, exemplificam bem essa provocação).
A direção de arte de Mila Preli (de "História de um Olhar") é fantástica - reparem como os cenários ajudam a construir a personalidade dos personagens. Já a fotografia do Denis Lenoir (de "Irma Vep") ao mesmo tempo que cria um ambiente sutil e palpável, carrega uma densidade impressionante. O fato é que tecnicamente o filme é tão bom quanto artisticamente, mesmo com seu ar mais independente. "Uma Bela Manhã" tem mesmo esse olhar sensível sobre a vida, sobre o tempo e sobre os relacionamentos amorosos e familiares, oferecendo uma experiência que certamente irá ressoar muito depois dos créditos finais - principalmente se você for uma pessoa que sofre, que luta, que chora e que se recompõe, que é forte quando necessário, mas frágil quando lhe permitem.
Filmaço!
Um filme sobre a vida como ela é - linda, mas cheia de pancadas!
Talvez não tenha maneira mais direta de definir "Uma Bela Manhã", filme dirigido por uma das mais respeitadas cineastas francesas em atividade, Mia Hansen-Løve (de "O Que Está Por Vir"). Seguindo muito seu conceito cinematográfico de retratar a vida cotidiana e suas relações mais particulares, Mia, mais uma vez, lança um olhar dos mais interessantes sobre seus personagens ao mesmo tempo em que se revela disposta a confrontá-los com situações complexas, mas de fácil identificação. Veja, se você está a procura do embate natural das relações ou uma história que segue aquela estrutura mais tradicional, certamente esse filme não é para você. Por outro lado, se estiver disposto a mergulhar em uma narrativa profundamente intima, de uma personagem que tenta encontrar a alegria nas pequenas coisas e na esperança de que tudo vai se encaixar em algum momento, mesmo que para isso tenha que lidar com os tombos da vida e com o tempo que faz questão de mostrar a sua crueldade, você está no lugar certo - mas não será uma jornada fácil (e dependendo do momento em que está passando, será uma jornada dificílima)!
Sandra (Léa Seydoux) é uma jovem viúva que trabalha como tradutora e que cria sozinha sua filha de 8 anos, tendo que lidar com os desafios da maternidade ao mesmo tempo em que cuida de seu pai, Georg Kinsler (Pascal Greggory), um professor de Filosofia aposentado e que já não pode mais se esquivar de uma morte lenta diante de uma doença degenerativa. Enquanto ela embarca com sua família por obstáculos em hospitais e lares de idosos para instalar Georg em um lugar seguro, Sandra se envolve com Clément (Melvil Poupaud), um homem casado e amigo do seu falecido marido. Confira o trailer:
É impossível não olhar para "Un Beau Matin" (no original) e não ficar absolutamente boquiaberto com a performance de Léa Seydoux (de "Azul é a Cor Mais Quente"). Dentro daquela atmosfera tão deprimente quanto humana, Seydoux entrega no olhar, a sua dor - e saiba que o "deprimente" que cito não se vale do estereótipo ou do convencional, mas sim da sensibilidade de entender que longe da fantasia, existe uma batalha diária para lidar com sua própria cruz. E aqui, também é preciso que se diga, o roteiro da própria Mia enaltece essa perspectiva mais introspectiva em um confronto quase visceral entre o que se sente e o que se mostra! É impressionante como essa dualidade alcança tons tão marcantes na maneira como experienciamos o filme - é de sentir uma dor no peito, pelo outro, ou por nós mesmos.
A diretora sabe do tamanho de sua responsabilidade ao basear uma história de quase duas horas apenas na psicologia de seus personagens. Reparem como até mesmo um pedido aparentemente simples de uma ex-aluna de seu pai como “você poderia me passar o e-mail dele?”, é capaz de levar Sandra às lágrimas. Sim, é um pedido cotidiano, mas o impacto do "comum" é o que move Mia na exploração magistral da condição humana como ninguém. Ela usa gatilhos narrativos perfeitos para discutir a complexidade dos relacionamentos (a dúvida natural de Clément sobre seu casamento, é um ótimo ponto) e das mudanças ao longo do tempo (a relação com sua mãe e sua irmã, e depois com seu pai, exemplificam bem essa provocação).
A direção de arte de Mila Preli (de "História de um Olhar") é fantástica - reparem como os cenários ajudam a construir a personalidade dos personagens. Já a fotografia do Denis Lenoir (de "Irma Vep") ao mesmo tempo que cria um ambiente sutil e palpável, carrega uma densidade impressionante. O fato é que tecnicamente o filme é tão bom quanto artisticamente, mesmo com seu ar mais independente. "Uma Bela Manhã" tem mesmo esse olhar sensível sobre a vida, sobre o tempo e sobre os relacionamentos amorosos e familiares, oferecendo uma experiência que certamente irá ressoar muito depois dos créditos finais - principalmente se você for uma pessoa que sofre, que luta, que chora e que se recompõe, que é forte quando necessário, mas frágil quando lhe permitem.
Filmaço!
"Uma noite em Miami..." tem um roteiro extremamente original, criativo, inteligente; é muito bem dirigido pela estreante Regina King, fotografado pelo Tami Reiker; e o elenco é simplesmente incrível - mas o filme não será uma unanimidade! Na nossa opinião, o filme é excelente, mas é difícil, pois exige uma certa visão de mundo que aproxima a história muito mais dos americanos do que de outras platéias. Embora seja uma ficção, o roteiro usa de muitas referências reais, detalhes históricos que poucos conhecem e que será de difícil identificação - mais ou menos como aconteceu com "Era uma vez em Hollywood" do Tarantino.
O filme é uma adaptação de uma peça de teatro do dramaturgo Kemp Powers. Ele coloca o ativista Malcolm X (Kingsley Ben-Adir), o “rei do soul” Sam Cooke (Leslie Odom Jr.), o pugilista Muhammed Ali (Eli Goree) e o ator/jogador de futebol americano Jim Brown (Aldis Hodge) juntos em um quarto de hotel, numa noite de 1964 em que celebravam o título mundial de Cassius Clay. É ali que essas importantes personalidades confrontam seus próprios papéis perante a sociedade, sobretudo em relação ao racismo estrutural que imperava naquele momento. Confira o trailer:
Olha que genial: embora contemporâneos, amigos e militantes do movimento por direitos civis dos negros na década de 1960, essa noite que vemos no filme, nunca existiu na realidade, apenas na cabeça de Powers que foi capaz de criar uma atmosfera que transforma um inesperado bate-papo em um momento cheio de reflexões importantes para a sociedade (atual). Como em "Os 7 de Chicago", "One Night in Miami" (título original) faz uma poderosa introdução apresentando os quatro protagonistas individualmente, usando de um conceito narrativo criativo para expor exatamente suas respectivas personalidades e pontuando suas opiniões (e postura) em relação ao segregacionismo da época.
Além de tecnicamente perfeito e de entrar definitivamente em uma corrida por muitas indicações ao Oscar, “Uma Noite em Miami…” é muito inteligente ao evitar polemizar os momentos de racismo e violência contra negros como vemos em outras obras com essa temática. Muito pelo contrário, a obra foca no que é dito nas entrelinhas e na amplitude que essa reflexão ganha na voz de personagens tão marcantes para o movimento - mesmo sendo uma ficção, é de uma força impressionante! O filme é intenso, cadenciado, praticamente construído em diálogos profundos, mas que nos provoca muitas (e muitas) reflexões.
Vale muito a pena e reparem no incrível trabalho de Kingsley Ben-Adir como Malcolm X - é de aplaudir de pé!
"Uma noite em Miami..." tem um roteiro extremamente original, criativo, inteligente; é muito bem dirigido pela estreante Regina King, fotografado pelo Tami Reiker; e o elenco é simplesmente incrível - mas o filme não será uma unanimidade! Na nossa opinião, o filme é excelente, mas é difícil, pois exige uma certa visão de mundo que aproxima a história muito mais dos americanos do que de outras platéias. Embora seja uma ficção, o roteiro usa de muitas referências reais, detalhes históricos que poucos conhecem e que será de difícil identificação - mais ou menos como aconteceu com "Era uma vez em Hollywood" do Tarantino.
O filme é uma adaptação de uma peça de teatro do dramaturgo Kemp Powers. Ele coloca o ativista Malcolm X (Kingsley Ben-Adir), o “rei do soul” Sam Cooke (Leslie Odom Jr.), o pugilista Muhammed Ali (Eli Goree) e o ator/jogador de futebol americano Jim Brown (Aldis Hodge) juntos em um quarto de hotel, numa noite de 1964 em que celebravam o título mundial de Cassius Clay. É ali que essas importantes personalidades confrontam seus próprios papéis perante a sociedade, sobretudo em relação ao racismo estrutural que imperava naquele momento. Confira o trailer:
Olha que genial: embora contemporâneos, amigos e militantes do movimento por direitos civis dos negros na década de 1960, essa noite que vemos no filme, nunca existiu na realidade, apenas na cabeça de Powers que foi capaz de criar uma atmosfera que transforma um inesperado bate-papo em um momento cheio de reflexões importantes para a sociedade (atual). Como em "Os 7 de Chicago", "One Night in Miami" (título original) faz uma poderosa introdução apresentando os quatro protagonistas individualmente, usando de um conceito narrativo criativo para expor exatamente suas respectivas personalidades e pontuando suas opiniões (e postura) em relação ao segregacionismo da época.
Além de tecnicamente perfeito e de entrar definitivamente em uma corrida por muitas indicações ao Oscar, “Uma Noite em Miami…” é muito inteligente ao evitar polemizar os momentos de racismo e violência contra negros como vemos em outras obras com essa temática. Muito pelo contrário, a obra foca no que é dito nas entrelinhas e na amplitude que essa reflexão ganha na voz de personagens tão marcantes para o movimento - mesmo sendo uma ficção, é de uma força impressionante! O filme é intenso, cadenciado, praticamente construído em diálogos profundos, mas que nos provoca muitas (e muitas) reflexões.
Vale muito a pena e reparem no incrível trabalho de Kingsley Ben-Adir como Malcolm X - é de aplaudir de pé!
"Uma Questão de Química" é uma graça, mas está longe de ser uma comédia ou uma história sobre uma química que faz fama e dinheiro como apresentadora de um programa de culinária na TV. Não é sobre isso, é sim sobre o papel da mulher na sociedade americana do início dos anos 1960 - que cá entre nós, são situações tão absurdas que soa até algo distante, mas olha, ainda acontece! A minissérie criada pelo Lee Eisenberg (do surpreendente "Na Mira do Júri"), baseada na obra de Bonnie Garmus, brilha por levantar discussões e tocar em temas sensíveis que vão dialogar perfeitamente com o universo feminino e com sua luta por transformações que a sociedade precisa reconhecer como essenciais - essa é a proposta do projeto. Veja, toda trama é construída em cima de elementos dramáticos para uma audiência que gosta e se identifica com histórias inspiradoras sobre mulheres que desafiam as normas sociais - e é exatamente isso que ela entrega!
"Lessons in Chemistry" (no original) conta a história de Elizabeth Zott (Brie Larson), uma química brilhante que vive as sombras de um machismo estrutural e que acaba demitida do laboratório onde trabalha por causa de uma gravidez inesperada. Elizabeth, sem muitas opções de trabalho devido a sua condição, decide aceitar um convite inesperado: se tornar apresentadora de um programa de culinária. O interessante é que ela acaba usando seu espaço na TV americana para ir além de receitas, e passa a ensinar às donas de casa sobre feminismo, igualdade e empoderamento. Confira o trailer:
Mesmo que a minissérie se apoie naquela história universal sobre a importância de seguir seus sonhos e nunca desistir de seus objetivos, tecnicamente, o roteiro de Eisenberg acaba falhando quando vai além, justamente por respeitar demais a gramática literária de sua matéria prima. Pessoalmente não acho que isso atrapalhe a experiência, mas é inegável que muitas pontas ficam soltas e principalmente, muitas expectativas acabam sendo quebradas sem fazer muito sentido - a que mais incomoda é a superficialidade com que a trama trata o processo de autodescoberta da protagonista e sua ascensão social/midiática quando ela se torna uma apresentadora de TV. O plot da rodovia também é fraco demais.
A performance de Brie Larson, sem dúvida, é um dos grandes destaques da minissérie - pode apostar que ela será indicada em todas as premiações de 2024. Larson foi capaz de entregar uma Elizabeth Zott complexa e cheia de camadas, mas sem cair no estereótipo da fragilidade que se transforma em poder; nada disso, Zott é uma mulher forte e determinada, claro, mas também é vulnerável e incrivelmente humana - a cena de conexão entre ela e sua filha recém-nascida (que ela nunca desejou) só pelo olhar, é simplesmente genial.
Todo elenco de apoio é excelente, com destaque para Lewis Pullman como Calvin Evans, Kevin Sussman como o produtor Walter Pine e a apaixonante Alice Halsey como Madeline (muita atenção com essa garota, ela é um fenômeno). Obviamente que a direção permite que o elenco brilhe, ela é segura tecnicamente e muito eficiente artisticamente - alinhada a uma produção detalhista, com figurinos e cenários que recriam com fidelidade a época, eu diria que "Uma Questão de Química" é realmente impecável nesse sentido! Então, se você está procurando uma série inspiradora, emocionante e que te fará refletir, pode dar o play que seu entretenimento está garantido pelos próximos 8 episódios!
"Uma Questão de Química" é uma graça, mas está longe de ser uma comédia ou uma história sobre uma química que faz fama e dinheiro como apresentadora de um programa de culinária na TV. Não é sobre isso, é sim sobre o papel da mulher na sociedade americana do início dos anos 1960 - que cá entre nós, são situações tão absurdas que soa até algo distante, mas olha, ainda acontece! A minissérie criada pelo Lee Eisenberg (do surpreendente "Na Mira do Júri"), baseada na obra de Bonnie Garmus, brilha por levantar discussões e tocar em temas sensíveis que vão dialogar perfeitamente com o universo feminino e com sua luta por transformações que a sociedade precisa reconhecer como essenciais - essa é a proposta do projeto. Veja, toda trama é construída em cima de elementos dramáticos para uma audiência que gosta e se identifica com histórias inspiradoras sobre mulheres que desafiam as normas sociais - e é exatamente isso que ela entrega!
"Lessons in Chemistry" (no original) conta a história de Elizabeth Zott (Brie Larson), uma química brilhante que vive as sombras de um machismo estrutural e que acaba demitida do laboratório onde trabalha por causa de uma gravidez inesperada. Elizabeth, sem muitas opções de trabalho devido a sua condição, decide aceitar um convite inesperado: se tornar apresentadora de um programa de culinária. O interessante é que ela acaba usando seu espaço na TV americana para ir além de receitas, e passa a ensinar às donas de casa sobre feminismo, igualdade e empoderamento. Confira o trailer:
Mesmo que a minissérie se apoie naquela história universal sobre a importância de seguir seus sonhos e nunca desistir de seus objetivos, tecnicamente, o roteiro de Eisenberg acaba falhando quando vai além, justamente por respeitar demais a gramática literária de sua matéria prima. Pessoalmente não acho que isso atrapalhe a experiência, mas é inegável que muitas pontas ficam soltas e principalmente, muitas expectativas acabam sendo quebradas sem fazer muito sentido - a que mais incomoda é a superficialidade com que a trama trata o processo de autodescoberta da protagonista e sua ascensão social/midiática quando ela se torna uma apresentadora de TV. O plot da rodovia também é fraco demais.
A performance de Brie Larson, sem dúvida, é um dos grandes destaques da minissérie - pode apostar que ela será indicada em todas as premiações de 2024. Larson foi capaz de entregar uma Elizabeth Zott complexa e cheia de camadas, mas sem cair no estereótipo da fragilidade que se transforma em poder; nada disso, Zott é uma mulher forte e determinada, claro, mas também é vulnerável e incrivelmente humana - a cena de conexão entre ela e sua filha recém-nascida (que ela nunca desejou) só pelo olhar, é simplesmente genial.
Todo elenco de apoio é excelente, com destaque para Lewis Pullman como Calvin Evans, Kevin Sussman como o produtor Walter Pine e a apaixonante Alice Halsey como Madeline (muita atenção com essa garota, ela é um fenômeno). Obviamente que a direção permite que o elenco brilhe, ela é segura tecnicamente e muito eficiente artisticamente - alinhada a uma produção detalhista, com figurinos e cenários que recriam com fidelidade a época, eu diria que "Uma Questão de Química" é realmente impecável nesse sentido! Então, se você está procurando uma série inspiradora, emocionante e que te fará refletir, pode dar o play que seu entretenimento está garantido pelos próximos 8 episódios!
Após ser diagnosticado com poliomelite, o jovem Robin Cavendish (Andrew Garfield) fica confinado a uma cama. Contrariando a opinião dos médicos, ele e sua esposa decidem viver uma história de amor e aproveitar cada momento como se fosse o último.
O roteiro é inteligente em não perder tempo explicando com o que o tempo vai mostrar naturalmente: Robin se apaixona por Diana (Claire Foy) e rapidamente o casal feliz já espera seu primeiro filho. Robin gosta muito de viajar e em uma dessas viagens, ele começa apresentar os primeiros sintomas da doença. O diagnóstico dos médicos é simples: ele viverá durante algum tempo em uma cama de hospital e depois morrerá. Não existiam tratamentos para a poliomelite na época, remédios ou meios de fazê-lo ter uma vida melhor. Enquanto Diana assume uma postura mais inconformada, já Robin quer morrer de uma vez. Mas e o amor? O filho recém nascido? É aí que o filme fortalece o conflito em busca de repostas e transforma o desejo de viver de Robin!
"Uma Razão Para Viver" nem de longe pode ser comparado ao "Escafandro e a Borboleta" - ambos com a mesma temática, mas com conceitos narrativos completamente diferentes. É até triste o que vou escrever, mas fico imaginando o Andrew Garfield recebendo esse roteiro e pensando: vou ganhar todos os prêmios possíveis com esse personagem e de fato, existia esse perspectiva... o único problema é que colocaram o ator Andy Serkis para dirigir e aí entrou água no chopp!
O que vemos no filme é um Diretor de Fotografia extremamente competente, no caso o Robert Richardson (10 vezes indicado ao Oscar), tentando salvar a pele do Diretor que não consegue encontrar a profundidade e a sensibilidade que o filme merecia - um desperdício! Alias, belíssimas imagens Richardson conseguiu enquadrar - sem dúvida o ponto mais alto do filme!
O fato é que "Breathe" (título original) poderia ser muito melhor do que realmente é. Esse filme na mão de um diretor como Cianfrance (Blue Valentine) , Andrew Garfield estaria agradecendo até hoje!
Vale como entretenimento!
Após ser diagnosticado com poliomelite, o jovem Robin Cavendish (Andrew Garfield) fica confinado a uma cama. Contrariando a opinião dos médicos, ele e sua esposa decidem viver uma história de amor e aproveitar cada momento como se fosse o último.
O roteiro é inteligente em não perder tempo explicando com o que o tempo vai mostrar naturalmente: Robin se apaixona por Diana (Claire Foy) e rapidamente o casal feliz já espera seu primeiro filho. Robin gosta muito de viajar e em uma dessas viagens, ele começa apresentar os primeiros sintomas da doença. O diagnóstico dos médicos é simples: ele viverá durante algum tempo em uma cama de hospital e depois morrerá. Não existiam tratamentos para a poliomelite na época, remédios ou meios de fazê-lo ter uma vida melhor. Enquanto Diana assume uma postura mais inconformada, já Robin quer morrer de uma vez. Mas e o amor? O filho recém nascido? É aí que o filme fortalece o conflito em busca de repostas e transforma o desejo de viver de Robin!
"Uma Razão Para Viver" nem de longe pode ser comparado ao "Escafandro e a Borboleta" - ambos com a mesma temática, mas com conceitos narrativos completamente diferentes. É até triste o que vou escrever, mas fico imaginando o Andrew Garfield recebendo esse roteiro e pensando: vou ganhar todos os prêmios possíveis com esse personagem e de fato, existia esse perspectiva... o único problema é que colocaram o ator Andy Serkis para dirigir e aí entrou água no chopp!
O que vemos no filme é um Diretor de Fotografia extremamente competente, no caso o Robert Richardson (10 vezes indicado ao Oscar), tentando salvar a pele do Diretor que não consegue encontrar a profundidade e a sensibilidade que o filme merecia - um desperdício! Alias, belíssimas imagens Richardson conseguiu enquadrar - sem dúvida o ponto mais alto do filme!
O fato é que "Breathe" (título original) poderia ser muito melhor do que realmente é. Esse filme na mão de um diretor como Cianfrance (Blue Valentine) , Andrew Garfield estaria agradecendo até hoje!
Vale como entretenimento!
Não tem jeito, você vai se emocionar! "Uma Vida: A História de Nicholas Winton", dirigido pelo excelente James Hawes (de "Slow Horses"), é um filme biográfico que traz à tona a inspiradora história de Nicholas Winton, o humanitário britânico que resgatou centenas de crianças judias da Tchecoslováquia durante a Segunda Guerra Mundial. Com uma direção inspirada e uma narrativa realmente potente, o filme oferece uma visão profunda e comovente do efeito de um indivíduo diante de uma das épocas mais sombrias da história - olha, é impossível não lembrar de "A Lista de Schindler", no entanto, e é preciso que se diga, aqui a jornada é construída nos bastidores, fugindo daquele impacto visual do horror da guerra que estamos acostumados a encontrar em outras produções, mas nem por isso, e eu posso garantir, a história perde força.
"One Life" (no original), basicamente, acompanha a vida de Winton (interpretado por Anthony Hopkins nos tempos atuais e por Johnny Flynn no passado), que, em 1938, viajou para Praga e testemunhou a iminente ameaça nazista sobre a população judaica. Movido por um senso de urgência e compaixão, Winton organizou uma série de transportes que salvaram 669 crianças, levando-as para a Grã-Bretanha. O filme detalha, em retrospectiva, as dificuldades logísticas e emocionais enfrentadas por Winton e sua equipe para salvar o maior número de crianças possíveis antes da invasão alemã de Adolf Hitler. Confira o trailer (em inglês):
É chover no molhado dizer que Anthony Hopkins entrega uma performance magistral como Nicholas Winton - mas é impressionante como o ator captura a profundidade emocional e a determinação silenciosa do personagem. Hopkins, com sua presença imponente e sua inigualável habilidade de transmitir nuances sutis, dá vida a Winton de uma maneira que ressoa profundamente na audiência. James Hawes sabe do ator que tem nas mãos e justamente por isso dirige o filme com uma sensibilidade que evita o sensacionalismo, focando em contar a história de seu protagonista com honestidade e respeito. A fotografia de Zac Nicholson (de "A História Pessoal de David Copperfield") é visualmente impressionante, utilizando uma paleta de cores que realça o contraste entre os dias sombrios da guerra e os momentos de esperança e salvação - as cenas do pré-guerra em Praga, por exemplo, são capturadas com um realismo que é capaz de relativizar as limitações do orçamento quando exige mais da produção, enquanto os close-ups no rosto de Hopkins, já no presente, destacam a carga emocional das memórias e da forma como o personagem sempre olhou para o mundo.
O roteiro de Lucinda Coxon e de Nick Drake, baseado no livro de Barbara Winton, é bem estruturado, abordando não apenas os eventos históricos, mas também as motivações internas e os dilemas éticos enfrentados por Nicholas Winton através dos tempos. Coxon e Drake tecem uma narrativa que é ao mesmo tempo relevante como recorte histórico e emocionalmente envolvente como entretenimento, evitando didatismos e permitindo que a trama se desenrole de uma forma mais orgânica. As interações entre Winton e as crianças, bem como os seus momentos de conflito interno, são tratados com delicadeza trazendo uma camada de realismo absurda para o filme. A trilha sonora é outro elemento que merece destaque - composta por Volker Bertelmann (vencedor do Oscar por "Nada de Novo no Front"), trilha complementa a narrativa com músicas que variam entre o melancólico e o inspirador, sublinhando os momentos de tensão e triunfo ao ponto de "esmagar nosso coração".
"Uma Vida: A História de Nicholas Winton" não apenas celebra o heroísmo de Winton, mas também oferece uma reflexão sobre o impacto que uma única pessoa pode ter no mundo. O filme destaca a importância de uma ação altruísta e o poder das decisões morais, especialmente em tempos de crise. A humildade de Winton, que manteve suas ações em segredo por décadas, é um testemunho da verdadeira natureza do amor ao próximo, algo que o filme desenvolve de maneira eficaz e por isso nos conectamos tanto com ele. Para alguns o ritmo pode parecer um pouco lento, mas o que posso adiantar é que estamos diante de uma jornada profundamente comovente que não só ilumina um capítulo importante da história, mas também nos desafia a refletir sobre nosso próprio olhar para a bem maior.
Vale muito o seu play!
Não tem jeito, você vai se emocionar! "Uma Vida: A História de Nicholas Winton", dirigido pelo excelente James Hawes (de "Slow Horses"), é um filme biográfico que traz à tona a inspiradora história de Nicholas Winton, o humanitário britânico que resgatou centenas de crianças judias da Tchecoslováquia durante a Segunda Guerra Mundial. Com uma direção inspirada e uma narrativa realmente potente, o filme oferece uma visão profunda e comovente do efeito de um indivíduo diante de uma das épocas mais sombrias da história - olha, é impossível não lembrar de "A Lista de Schindler", no entanto, e é preciso que se diga, aqui a jornada é construída nos bastidores, fugindo daquele impacto visual do horror da guerra que estamos acostumados a encontrar em outras produções, mas nem por isso, e eu posso garantir, a história perde força.
"One Life" (no original), basicamente, acompanha a vida de Winton (interpretado por Anthony Hopkins nos tempos atuais e por Johnny Flynn no passado), que, em 1938, viajou para Praga e testemunhou a iminente ameaça nazista sobre a população judaica. Movido por um senso de urgência e compaixão, Winton organizou uma série de transportes que salvaram 669 crianças, levando-as para a Grã-Bretanha. O filme detalha, em retrospectiva, as dificuldades logísticas e emocionais enfrentadas por Winton e sua equipe para salvar o maior número de crianças possíveis antes da invasão alemã de Adolf Hitler. Confira o trailer (em inglês):
É chover no molhado dizer que Anthony Hopkins entrega uma performance magistral como Nicholas Winton - mas é impressionante como o ator captura a profundidade emocional e a determinação silenciosa do personagem. Hopkins, com sua presença imponente e sua inigualável habilidade de transmitir nuances sutis, dá vida a Winton de uma maneira que ressoa profundamente na audiência. James Hawes sabe do ator que tem nas mãos e justamente por isso dirige o filme com uma sensibilidade que evita o sensacionalismo, focando em contar a história de seu protagonista com honestidade e respeito. A fotografia de Zac Nicholson (de "A História Pessoal de David Copperfield") é visualmente impressionante, utilizando uma paleta de cores que realça o contraste entre os dias sombrios da guerra e os momentos de esperança e salvação - as cenas do pré-guerra em Praga, por exemplo, são capturadas com um realismo que é capaz de relativizar as limitações do orçamento quando exige mais da produção, enquanto os close-ups no rosto de Hopkins, já no presente, destacam a carga emocional das memórias e da forma como o personagem sempre olhou para o mundo.
O roteiro de Lucinda Coxon e de Nick Drake, baseado no livro de Barbara Winton, é bem estruturado, abordando não apenas os eventos históricos, mas também as motivações internas e os dilemas éticos enfrentados por Nicholas Winton através dos tempos. Coxon e Drake tecem uma narrativa que é ao mesmo tempo relevante como recorte histórico e emocionalmente envolvente como entretenimento, evitando didatismos e permitindo que a trama se desenrole de uma forma mais orgânica. As interações entre Winton e as crianças, bem como os seus momentos de conflito interno, são tratados com delicadeza trazendo uma camada de realismo absurda para o filme. A trilha sonora é outro elemento que merece destaque - composta por Volker Bertelmann (vencedor do Oscar por "Nada de Novo no Front"), trilha complementa a narrativa com músicas que variam entre o melancólico e o inspirador, sublinhando os momentos de tensão e triunfo ao ponto de "esmagar nosso coração".
"Uma Vida: A História de Nicholas Winton" não apenas celebra o heroísmo de Winton, mas também oferece uma reflexão sobre o impacto que uma única pessoa pode ter no mundo. O filme destaca a importância de uma ação altruísta e o poder das decisões morais, especialmente em tempos de crise. A humildade de Winton, que manteve suas ações em segredo por décadas, é um testemunho da verdadeira natureza do amor ao próximo, algo que o filme desenvolve de maneira eficaz e por isso nos conectamos tanto com ele. Para alguns o ritmo pode parecer um pouco lento, mas o que posso adiantar é que estamos diante de uma jornada profundamente comovente que não só ilumina um capítulo importante da história, mas também nos desafia a refletir sobre nosso próprio olhar para a bem maior.
Vale muito o seu play!
A nova leva de episódios do selo "Untold" da Netflix chegou ampliando seu universo de temas sempre relacionados ao esporte. Em "Ascensão e Queda da And1" o que vemos é uma estrutura narrativa que sabe equilibrar perfeitamente seu conceito de "histórias de bastidores" (ou "não contadas" como o próprio título sugere) com um viés de empreendedorismo que se apoia na importância (tão valorizada hoje) da construção de comunidades e de uma comunicação assertiva 100% alinhada com seu nicho de mercado.
Para quem não sabe, a AND1 era uma marca de roupas e calçados esportivos que popularizou o Streetball (aquele jogo de basquete que mistura esporte, entretenimento performático e hiphop ao melhor estilo Harlem Globetrotters) mundo afora, inovando na forma como se comunicava com seu publico-alvo - foram eles os precursores de uma estratégia viral de vídeos "insanos" em uma época pré-internet. Confira o trailer (em inglês):
Em mais um estudo de caso digno de um MBA de Gestão e Marketing, “Untold: Ascensão e Queda da AND1” retrata a jornada de três amigos da faculdade Wharton School que sonhavam em ser astros da NBA, mas que resolveram empreender de uma forma onde fosse possível unir um negócio com a arte do streetball. Em uma época onde a NIKE era sinônimo de basquete graças ao seu maior trunfo midiático (e esportivo), Michael Jordan, a AND1 acabou encontrando um nicho específico (e muito rentável) que, de fato, abalou a indústria bilionária de produtos esportivos a partir do inicio dos anos 90.
Dirigido pelo talentoso Kevin Wilson Jr. (indicado ao Oscar pelo seu curta-metragem "My Nephew Emmett", em 2017), esse episódio de "Untold" chama atenção ao desenvolver uma linha do tempo que deixa muito claro a importância de se comunicar com o público especifico dentro de um contexto que faz todo sentido para ambos. Se a NIKE tinha Jordan e seus produtos na NBA, faria sentido entrar nesse embate com ínfimos recursos em relação ao seu competidor? Para Jay Coen Gilbert, Seth Berger e Tom Austin, sim, mas o destino resolveu ajustar a rota dessa aposta e foi aí que entraram em cena nomes como "The Professor", "Hot Sauce", "Skip 2 My Lou", "The Main Event", Shane "the Dribble Machine", entre outros - todos astros do basquete de rua.
"Ascensão e Queda da And1" foi muito feliz em mostrar o outro lado do esporte, sem perder sua essência de se aprofundar no fator humano - nesse caso, elemento primordial e decisivo para o sucesso da marca como negócio e no "fracasso" dos esportistas que, de uma forma muito importante, fizeram parte dessa disrupção. Partindo do principio de mostrar sempre um lado da história menos, digamos, glamoroso, a série eleva ainda mais o sucesso de critica e público que foi seu volume 1. Então se você já assistiu algum episódio de "Untold" e gostou, pode se preparar porque a Netflix quer elevar sua experiência e pelo que vi até aqui, vai conseguir!
Vale muito seu play!
A nova leva de episódios do selo "Untold" da Netflix chegou ampliando seu universo de temas sempre relacionados ao esporte. Em "Ascensão e Queda da And1" o que vemos é uma estrutura narrativa que sabe equilibrar perfeitamente seu conceito de "histórias de bastidores" (ou "não contadas" como o próprio título sugere) com um viés de empreendedorismo que se apoia na importância (tão valorizada hoje) da construção de comunidades e de uma comunicação assertiva 100% alinhada com seu nicho de mercado.
Para quem não sabe, a AND1 era uma marca de roupas e calçados esportivos que popularizou o Streetball (aquele jogo de basquete que mistura esporte, entretenimento performático e hiphop ao melhor estilo Harlem Globetrotters) mundo afora, inovando na forma como se comunicava com seu publico-alvo - foram eles os precursores de uma estratégia viral de vídeos "insanos" em uma época pré-internet. Confira o trailer (em inglês):
Em mais um estudo de caso digno de um MBA de Gestão e Marketing, “Untold: Ascensão e Queda da AND1” retrata a jornada de três amigos da faculdade Wharton School que sonhavam em ser astros da NBA, mas que resolveram empreender de uma forma onde fosse possível unir um negócio com a arte do streetball. Em uma época onde a NIKE era sinônimo de basquete graças ao seu maior trunfo midiático (e esportivo), Michael Jordan, a AND1 acabou encontrando um nicho específico (e muito rentável) que, de fato, abalou a indústria bilionária de produtos esportivos a partir do inicio dos anos 90.
Dirigido pelo talentoso Kevin Wilson Jr. (indicado ao Oscar pelo seu curta-metragem "My Nephew Emmett", em 2017), esse episódio de "Untold" chama atenção ao desenvolver uma linha do tempo que deixa muito claro a importância de se comunicar com o público especifico dentro de um contexto que faz todo sentido para ambos. Se a NIKE tinha Jordan e seus produtos na NBA, faria sentido entrar nesse embate com ínfimos recursos em relação ao seu competidor? Para Jay Coen Gilbert, Seth Berger e Tom Austin, sim, mas o destino resolveu ajustar a rota dessa aposta e foi aí que entraram em cena nomes como "The Professor", "Hot Sauce", "Skip 2 My Lou", "The Main Event", Shane "the Dribble Machine", entre outros - todos astros do basquete de rua.
"Ascensão e Queda da And1" foi muito feliz em mostrar o outro lado do esporte, sem perder sua essência de se aprofundar no fator humano - nesse caso, elemento primordial e decisivo para o sucesso da marca como negócio e no "fracasso" dos esportistas que, de uma forma muito importante, fizeram parte dessa disrupção. Partindo do principio de mostrar sempre um lado da história menos, digamos, glamoroso, a série eleva ainda mais o sucesso de critica e público que foi seu volume 1. Então se você já assistiu algum episódio de "Untold" e gostou, pode se preparar porque a Netflix quer elevar sua experiência e pelo que vi até aqui, vai conseguir!
Vale muito seu play!