Eu já disse uma vez e não canso de repetir: um dos melhores elogios que um diretor pode receber é quando o publico vê em seu filme o reflexo do seu estilo, do seu trabalho técnico, e isso é muito fácil de encontrar nos filmes do Shyamalan - quando ele acerta e quando ele erra. Ele é criativo demais, ele coloca a câmera sempre em lugares inusitados, os movimentos contam a história sem a necessidade de muitos cortes, ele brinca com os eixos como ninguém e quando o gênero é suspense, o cara domina a gramática como poucos!!! Sou fã do Shyamalan, sempre fui e acho ele um excelente diretor!!!
Pois bem, em "Fragmentado" ele parece ter retomado o que sabe fazer de melhor: nos envolver em uma trama misteriosa onde as respostas vão surgindo conforme a história se desenrola e muitas vezes, nos surpreendendo. Dennis (McAvoy) sequestra três estudantes aparentemente sem motivo algum e ao mantê-las em cativeiro ele vai desenvolvendo uma relação extremamente complexa com as meninas a ponto de duvidarmos da sua consciência. Claro que o filme foca nas multi-personalidades do protagonista, mas na forma com é conduzida. a história passa a ser muito mais interessante do que propriamente pelo seu conteúdo. Confira o trailer:
É um fato que "Fragmentado" funciona como entretenimento com um toque de suspense!!! Como mencionei, o filme é interessante, mas está longe de ser uma obra prima... e ainda bem!!!! Sem dúvida é o melhor filme dele depois da "Vila", mas, olha a crueldade: ainda é um filme inferior à "Sinais", "Corpo Fechado" e, claro, "Sexto Sentido".
O engraçado é que todo mundo, por muito tempo, assistiu os filmes do Shyamalan esperando a mesma fórmula de sucesso do Sexto Sentido, um plot twist matador no último ato, algo incrivelmente surpreendente que mudasse completamente nosso entendimento e fizesse nossa cabeça explodir! O problema é que ele acabou caindo no erro de querer defender essa expectativa em todo filme e foi decepcionando gradativamente o seu público até cair no ostracismo! Por que estou falando isso? Em "Fragmentado" ele foge dessa fórmula, mas não abre mão de sua aposta no diálogo bem construído, equilibrando o drama psicológico com uma narrativa estereotipada de gênero que funciona perfeitamente!
"Fragmentado" se torna, no mínimo, um filme divertido, mas no finalzinho que ele vacila ao querer agradar demais seus fãs para um futuro cross-over - ok, tem o propósito de provocar a audiência, claro, mas será que se sustenta, será que faz sentido? Eu admito que curti, mas prefiro esperar pra ver se vai funcionar mesmo! Por enquanto, aperto o play porque você vai se divertir!
Eu já disse uma vez e não canso de repetir: um dos melhores elogios que um diretor pode receber é quando o publico vê em seu filme o reflexo do seu estilo, do seu trabalho técnico, e isso é muito fácil de encontrar nos filmes do Shyamalan - quando ele acerta e quando ele erra. Ele é criativo demais, ele coloca a câmera sempre em lugares inusitados, os movimentos contam a história sem a necessidade de muitos cortes, ele brinca com os eixos como ninguém e quando o gênero é suspense, o cara domina a gramática como poucos!!! Sou fã do Shyamalan, sempre fui e acho ele um excelente diretor!!!
Pois bem, em "Fragmentado" ele parece ter retomado o que sabe fazer de melhor: nos envolver em uma trama misteriosa onde as respostas vão surgindo conforme a história se desenrola e muitas vezes, nos surpreendendo. Dennis (McAvoy) sequestra três estudantes aparentemente sem motivo algum e ao mantê-las em cativeiro ele vai desenvolvendo uma relação extremamente complexa com as meninas a ponto de duvidarmos da sua consciência. Claro que o filme foca nas multi-personalidades do protagonista, mas na forma com é conduzida. a história passa a ser muito mais interessante do que propriamente pelo seu conteúdo. Confira o trailer:
É um fato que "Fragmentado" funciona como entretenimento com um toque de suspense!!! Como mencionei, o filme é interessante, mas está longe de ser uma obra prima... e ainda bem!!!! Sem dúvida é o melhor filme dele depois da "Vila", mas, olha a crueldade: ainda é um filme inferior à "Sinais", "Corpo Fechado" e, claro, "Sexto Sentido".
O engraçado é que todo mundo, por muito tempo, assistiu os filmes do Shyamalan esperando a mesma fórmula de sucesso do Sexto Sentido, um plot twist matador no último ato, algo incrivelmente surpreendente que mudasse completamente nosso entendimento e fizesse nossa cabeça explodir! O problema é que ele acabou caindo no erro de querer defender essa expectativa em todo filme e foi decepcionando gradativamente o seu público até cair no ostracismo! Por que estou falando isso? Em "Fragmentado" ele foge dessa fórmula, mas não abre mão de sua aposta no diálogo bem construído, equilibrando o drama psicológico com uma narrativa estereotipada de gênero que funciona perfeitamente!
"Fragmentado" se torna, no mínimo, um filme divertido, mas no finalzinho que ele vacila ao querer agradar demais seus fãs para um futuro cross-over - ok, tem o propósito de provocar a audiência, claro, mas será que se sustenta, será que faz sentido? Eu admito que curti, mas prefiro esperar pra ver se vai funcionar mesmo! Por enquanto, aperto o play porque você vai se divertir!
"Fresh" é para você que gosta dos filmes do Jordan Peele, como "Corra!" e "Nós" - e olha, a similaridade não está no conteúdo e sim na forma quase non-sense de contar uma história de suspense com muitos elementos de terror e sangue, muito sangue. Então esteja preparado para uma experiência sensorial que vai do nojo ao humor indelicado, surpreendente, contagiante, mas com um gosto muito particular de gênero.
Em "Fresh" conhecemos a jovem e solteira Noa (Daisy Edgar-Jones), que inesperadamente encontra o sedutor Steve (Sebastian Stan) em um supermercado e, devido à frustração das recentes experiências com aplicativos de namoro, resolve arriscar e dar o seu número para o rapaz. Após um primeiro encontro romântico e envolvente, Noa aceita o convite de Steve para passar um final de semana juntos, porém o que parecia a chance de um grande amor acaba se tornando um pesadelo cheio de gostos e sabores. Confira o trailer:
Embora seja o primeiro trabalho da diretora Mimi Cave é notável seu domínio narrativo de uma gramática cinematográfica que nem sempre se encaixa com a proposta conceitual de um roteiro como esse - aliás, essa poderia ser uma história aterrorizante se fosse levada a sério, mas Cave parece ser uma diretora que não teme correr riscos e referenciada por nomes como o já citado Jordan Peele, Quentin Tarantino e até Bong Joon-Ho, entrega um filme que abusa do over-acting e se aproxima do kitsch para criar uma dinâmica tão absurda quanto divertida.
Unir todos esses pontos me pareceu ser o maior mérito de "Fresh" - é um fato que estamos sempre com os nervos a flor da pele esperando uma catástrofe que está anunciada desde o final de um bem desenvolvido primeiro ato. A montagem do Martin Pensa (de "Clube de Compras Dallas") brinca com nossa percepção ao traçar paralelos entre o arco principal e as subtramas - a verdade é que nunca sabemos o que vamos encontrar já que os cortes secos e dinâmicos criam uma atmosfera de insegurança absurda: seja na hora em que Steve está cozinhando, seja no sincronismo das ações em ambientes distintos.
É claro que "Fresh" não tem a profundidade e muito mesmo a força crítica de "Parasita" (embora tente), mas também é inegável a intenção da diretora, e da roteirista Lauryn Kahn, em dar voz ao feminismo, empoderando as protagonistas e ridicularizando qualquer figura masculina do filme. A própria importância do cenário (e de todo desenho de produção) nesse contexto, ajuda na construção de um clima claustrofóbico, ao mesmo tempo requintado, onde Steve reina e que, mais uma vez, nos remete ao filme de Bong Joon-Ho. Talvez até o final siga o mesmo caminho, mas aí já com um toque de "Silêncio dos Inocentes", mas o fato é que o nível de catarse é incrível e a sensação de originalidade soa maior ainda e, mesmo que essa não a realidade, toda essa mistura funciona muito bem.
Vale o play!
"Fresh" é para você que gosta dos filmes do Jordan Peele, como "Corra!" e "Nós" - e olha, a similaridade não está no conteúdo e sim na forma quase non-sense de contar uma história de suspense com muitos elementos de terror e sangue, muito sangue. Então esteja preparado para uma experiência sensorial que vai do nojo ao humor indelicado, surpreendente, contagiante, mas com um gosto muito particular de gênero.
Em "Fresh" conhecemos a jovem e solteira Noa (Daisy Edgar-Jones), que inesperadamente encontra o sedutor Steve (Sebastian Stan) em um supermercado e, devido à frustração das recentes experiências com aplicativos de namoro, resolve arriscar e dar o seu número para o rapaz. Após um primeiro encontro romântico e envolvente, Noa aceita o convite de Steve para passar um final de semana juntos, porém o que parecia a chance de um grande amor acaba se tornando um pesadelo cheio de gostos e sabores. Confira o trailer:
Embora seja o primeiro trabalho da diretora Mimi Cave é notável seu domínio narrativo de uma gramática cinematográfica que nem sempre se encaixa com a proposta conceitual de um roteiro como esse - aliás, essa poderia ser uma história aterrorizante se fosse levada a sério, mas Cave parece ser uma diretora que não teme correr riscos e referenciada por nomes como o já citado Jordan Peele, Quentin Tarantino e até Bong Joon-Ho, entrega um filme que abusa do over-acting e se aproxima do kitsch para criar uma dinâmica tão absurda quanto divertida.
Unir todos esses pontos me pareceu ser o maior mérito de "Fresh" - é um fato que estamos sempre com os nervos a flor da pele esperando uma catástrofe que está anunciada desde o final de um bem desenvolvido primeiro ato. A montagem do Martin Pensa (de "Clube de Compras Dallas") brinca com nossa percepção ao traçar paralelos entre o arco principal e as subtramas - a verdade é que nunca sabemos o que vamos encontrar já que os cortes secos e dinâmicos criam uma atmosfera de insegurança absurda: seja na hora em que Steve está cozinhando, seja no sincronismo das ações em ambientes distintos.
É claro que "Fresh" não tem a profundidade e muito mesmo a força crítica de "Parasita" (embora tente), mas também é inegável a intenção da diretora, e da roteirista Lauryn Kahn, em dar voz ao feminismo, empoderando as protagonistas e ridicularizando qualquer figura masculina do filme. A própria importância do cenário (e de todo desenho de produção) nesse contexto, ajuda na construção de um clima claustrofóbico, ao mesmo tempo requintado, onde Steve reina e que, mais uma vez, nos remete ao filme de Bong Joon-Ho. Talvez até o final siga o mesmo caminho, mas aí já com um toque de "Silêncio dos Inocentes", mas o fato é que o nível de catarse é incrível e a sensação de originalidade soa maior ainda e, mesmo que essa não a realidade, toda essa mistura funciona muito bem.
Vale o play!
"Fuja" é a boa opção de entretenimento da Netflix. Um drama familiar recheado de momentos de tensão e ótimas atuações. O diretor Aneesh Chaganty já deu mostras da sua criatividade e objetividade no disruptivo "Buscando..." (2018). Aqui, ele traz mais uma história urgente e ágil; porém, adota uma estética tradicional para compor sua narrativa.
Na trama, temos uma adolescente, Chloe (Kiera Allen), que nasceu com várias doenças físicas, exigindo adaptações na sua casa e na sua alimentação. Apesar disso, logo percebemos que a rotina dela é excessivamente controlada pela mãe (Sarah Paulson): de homeschooling (substituição da escola por estudos em casa) à restrição total de celular. Após presenciar alguns acontecimentos estranhos, desconfiada, Chloe inicia uma espécie de investigação que a leva a descobertas surpreendentes. Confira o trailer:
A superação física e a inteligência de Chloe faz com que tenhamos empatia imediata por ela. Isso é fundamental para que a narrativa funcione, pois é através do ponto de vista dela que enxergamos a história. Ponto para a atriz Kiera Allen, que ainda possui poucos trabalhos no currículo. E o que falar de Sarah Paulson? A queridinha do universo das séries honra sua fama de "força da natureza", dando vida (e morbidade) a uma mãe dúbia, controladora e misteriosa. É interessante notar que, apesar de não ser a protagonista, ela é vendida como tal na divulgação do filme, tamanho o prestígio que sua imagem tem.
O roteiro acha soluções criativas para os obstáculos enfrentados pela jovem. Além disso, é competente em criar tensão e preciso na duração das cenas. Entretanto, sofre com a estrutura convencional e relativamente previsível, perdendo forças no ato final – principalmente se você conhece histórias recentes como "Objetos Cortantes" e "The Act". Com um desfecho controverso (ou seria apenas subversivo?), "Run" (título original) é um thriller competente e bem executado. Para além do entretenimento, a reflexão causada não é das mais profundas. E menos ainda otimistas!
Vale seu play desde que acompanhado com muita pipoca!
Escrito por Ricelli Ribeiro - uma parceria @dicastreaming
"Fuja" é a boa opção de entretenimento da Netflix. Um drama familiar recheado de momentos de tensão e ótimas atuações. O diretor Aneesh Chaganty já deu mostras da sua criatividade e objetividade no disruptivo "Buscando..." (2018). Aqui, ele traz mais uma história urgente e ágil; porém, adota uma estética tradicional para compor sua narrativa.
Na trama, temos uma adolescente, Chloe (Kiera Allen), que nasceu com várias doenças físicas, exigindo adaptações na sua casa e na sua alimentação. Apesar disso, logo percebemos que a rotina dela é excessivamente controlada pela mãe (Sarah Paulson): de homeschooling (substituição da escola por estudos em casa) à restrição total de celular. Após presenciar alguns acontecimentos estranhos, desconfiada, Chloe inicia uma espécie de investigação que a leva a descobertas surpreendentes. Confira o trailer:
A superação física e a inteligência de Chloe faz com que tenhamos empatia imediata por ela. Isso é fundamental para que a narrativa funcione, pois é através do ponto de vista dela que enxergamos a história. Ponto para a atriz Kiera Allen, que ainda possui poucos trabalhos no currículo. E o que falar de Sarah Paulson? A queridinha do universo das séries honra sua fama de "força da natureza", dando vida (e morbidade) a uma mãe dúbia, controladora e misteriosa. É interessante notar que, apesar de não ser a protagonista, ela é vendida como tal na divulgação do filme, tamanho o prestígio que sua imagem tem.
O roteiro acha soluções criativas para os obstáculos enfrentados pela jovem. Além disso, é competente em criar tensão e preciso na duração das cenas. Entretanto, sofre com a estrutura convencional e relativamente previsível, perdendo forças no ato final – principalmente se você conhece histórias recentes como "Objetos Cortantes" e "The Act". Com um desfecho controverso (ou seria apenas subversivo?), "Run" (título original) é um thriller competente e bem executado. Para além do entretenimento, a reflexão causada não é das mais profundas. E menos ainda otimistas!
Vale seu play desde que acompanhado com muita pipoca!
Escrito por Ricelli Ribeiro - uma parceria @dicastreaming
Olha, assistir "Gêmeas: Mórbida Semelhança", minissérie em 6 episódios da Prime Vídeo, não é uma das tarefas das mais fáceis. No entanto, e é preciso que se diga, essa reinterpretação do filme dirigido pelo David Cronenberg, lançado em 1988 e estrelado pelo Jeremy Irons, é muito (mas, muito) boa. Seguindo (e respeitando) o estilo visceral de Cronenberg, a criadora Alice Birch (de "Normal People") foi capaz de repetir toda aquela atmosfera de suspense e horror do material original, na sua "forma" e no seu "conteúdo", e ainda desenvolver camadas mais profundas para as protagonistas Beverly e Elliot Mantle, brilhantemente interpretadas por Rachel Weisz. Inclusive, Birch chega a se apropriar do subgênero criado pelo diretor, chamado body horror, para impactar de uma maneira que chega a embrulhar o estômago - ou seja, se você tem medo de sangue, bisturi e afins, não dê o play!
Beverly e Elliot Mantle são renomadas cirurgiãs que compartilham tudo: desde a profissão até seus amantes e as drogas que consomem. Na missão de romper as barreiras do patriarcado na medicina e revolucionar os métodos de parto e da saúde feminina, elas desenvolvem um novo método de cirurgia ginecológica e obstetrícia, e até de pesquisas pouco convencionais. Altamente investidas na empreitada, elas testam os limites da ética médica e acabam se envolvendo em tensões que podem custar até a relação entre elas. Confira o trailer:
Existe uma violência perturbadora nessa minissérie que me faz classificar sua trama como algo bastante pesado - isso, claro, porque é o corpo humano seu principal instrumento de impacto. Veja, logo no começo do primeiro episódio, a direção estabelece seu tom quando somos apresentados ao dia a dia das Mantle com uma sequência de imagens de partos normais, de cesarianas, de incisões de Pfannenstiel e de sangue, muito sangue. A repulsa que essa brilhante edição causa é devastadora, principalmente por se tratar de registros extremamente realísticos - e aqui faço mais dois elogios: para o montador e para o departamento de efeitos e maquiagem.
Saindo da "forma" e indo um pouco para o "conteúdo", a trama constrói, sem a menor pressa de entregar os pontos, uma a dinâmica doentia entre as protagonistas. Tanto Beverly quanto Elliot são "fora da caixa" (para parecer educado e não chama-las de loucas), porém completamente diferentes entre si. Beverly, a gêmea de "cabelo preso" é séria e mais discreta, tem o sonho de criar uma clínica onde as mulheres possam ter um tratamento mais respeitoso e digno, porém é insegura perante suas relações e extremamente frágil - como se vivesse na sobra da irmã. Já Elliot, a gêmea “de cabelo solto”, é seu oposto, desbocada, abusa das drogas e do sexo casual para mostrar poder - é ela que quer expandir sua pesquisa (ilegal) sobre fertilidade e reprodução humana custe o que custar. Reparem como a relação entre elas cria uma forte sensação de claustrofobia, um sentimento de isolamento e, principalmente, de intensa alienação.
Como muitos dos filmes de David Cronenberg, essa nova versão de "Dead Ringers" (no original) explora de uma maneira muito inteligente, mas nada usual, temas sombrios como a obsessão, a deterioração mental, a solidão, a dependência e a falta de identidade, mergulhando nos recessos mais profundos da psique humana sem pedir licença para nos provocar. Uma aula de direção, com uma trilha sonora nostálgica e um desenho de produção incrível, sem falar, claro, de um desenho de som genial e de um roteiro bem construído e instigante, cheio de nuances e ironias que vão do mais sensível ao estereótipo sem sair do conceito proposto por Birch. Sensacional!
Se você estiver disposto a enfrentar a jornada, dê o play porque vai valer muito a pena!
Olha, assistir "Gêmeas: Mórbida Semelhança", minissérie em 6 episódios da Prime Vídeo, não é uma das tarefas das mais fáceis. No entanto, e é preciso que se diga, essa reinterpretação do filme dirigido pelo David Cronenberg, lançado em 1988 e estrelado pelo Jeremy Irons, é muito (mas, muito) boa. Seguindo (e respeitando) o estilo visceral de Cronenberg, a criadora Alice Birch (de "Normal People") foi capaz de repetir toda aquela atmosfera de suspense e horror do material original, na sua "forma" e no seu "conteúdo", e ainda desenvolver camadas mais profundas para as protagonistas Beverly e Elliot Mantle, brilhantemente interpretadas por Rachel Weisz. Inclusive, Birch chega a se apropriar do subgênero criado pelo diretor, chamado body horror, para impactar de uma maneira que chega a embrulhar o estômago - ou seja, se você tem medo de sangue, bisturi e afins, não dê o play!
Beverly e Elliot Mantle são renomadas cirurgiãs que compartilham tudo: desde a profissão até seus amantes e as drogas que consomem. Na missão de romper as barreiras do patriarcado na medicina e revolucionar os métodos de parto e da saúde feminina, elas desenvolvem um novo método de cirurgia ginecológica e obstetrícia, e até de pesquisas pouco convencionais. Altamente investidas na empreitada, elas testam os limites da ética médica e acabam se envolvendo em tensões que podem custar até a relação entre elas. Confira o trailer:
Existe uma violência perturbadora nessa minissérie que me faz classificar sua trama como algo bastante pesado - isso, claro, porque é o corpo humano seu principal instrumento de impacto. Veja, logo no começo do primeiro episódio, a direção estabelece seu tom quando somos apresentados ao dia a dia das Mantle com uma sequência de imagens de partos normais, de cesarianas, de incisões de Pfannenstiel e de sangue, muito sangue. A repulsa que essa brilhante edição causa é devastadora, principalmente por se tratar de registros extremamente realísticos - e aqui faço mais dois elogios: para o montador e para o departamento de efeitos e maquiagem.
Saindo da "forma" e indo um pouco para o "conteúdo", a trama constrói, sem a menor pressa de entregar os pontos, uma a dinâmica doentia entre as protagonistas. Tanto Beverly quanto Elliot são "fora da caixa" (para parecer educado e não chama-las de loucas), porém completamente diferentes entre si. Beverly, a gêmea de "cabelo preso" é séria e mais discreta, tem o sonho de criar uma clínica onde as mulheres possam ter um tratamento mais respeitoso e digno, porém é insegura perante suas relações e extremamente frágil - como se vivesse na sobra da irmã. Já Elliot, a gêmea “de cabelo solto”, é seu oposto, desbocada, abusa das drogas e do sexo casual para mostrar poder - é ela que quer expandir sua pesquisa (ilegal) sobre fertilidade e reprodução humana custe o que custar. Reparem como a relação entre elas cria uma forte sensação de claustrofobia, um sentimento de isolamento e, principalmente, de intensa alienação.
Como muitos dos filmes de David Cronenberg, essa nova versão de "Dead Ringers" (no original) explora de uma maneira muito inteligente, mas nada usual, temas sombrios como a obsessão, a deterioração mental, a solidão, a dependência e a falta de identidade, mergulhando nos recessos mais profundos da psique humana sem pedir licença para nos provocar. Uma aula de direção, com uma trilha sonora nostálgica e um desenho de produção incrível, sem falar, claro, de um desenho de som genial e de um roteiro bem construído e instigante, cheio de nuances e ironias que vão do mais sensível ao estereótipo sem sair do conceito proposto por Birch. Sensacional!
Se você estiver disposto a enfrentar a jornada, dê o play porque vai valer muito a pena!
"Godzilla Minus One" é um "filme de monstro" raiz - na sua forma e na sua essência! Justamente por essa característica tão marcante, fugindo desse estereótipo blockbuster mais genérico onde efeitos especiais cansativos se sobrepõem perante uma narrativa menos estruturada, é que essa produção japonesa, vencedora do Oscar de "Melhor Efeitos Visuais" em 2014, surge como uma relevante surpresa no universo kaiju (subgênero da ficção científica, criado pelos diretores Eiji Tsuburaya e Ishiro Honda, mentes por trás do "Godzilla" original de 1954). Dirigida pelo mestre japonês Takashi Yamazaki ("Papeis em Branco"), essa nova versão nos leva ao Japão do pós-Segunda Guerra Mundial, um país devastado e em reconstrução, assombrado por uma criatura colossal que emerge do mar para semear o terror. E aqui cabe um comentário importante: mais do que um monstro gigante, esse Godzilla se torna um símbolo das feridas ainda abertas da guerra, um lembrete cruel da fragilidade da paz e do custo humano que deixaram marcas em várias gerações daquele país.
Basicamente, a trama de "Minus One"acompanha a jornada de um jovem piloto kamikaze, Koichi Shikishima (Ryunosuke Kamiki), que se junta à uma força-tarefa encarregada de impedir que um misterioso monstro, Godzilla, chegue em Tóquio. Ao lado de outros sobreviventes da guerra, Koichi terá que enfrentar não apenas a fúria dessa criatura, mas também seus próprios traumas e demônios interiores. Confira o trailer (com legendas em inglês):
Pensado para celebrar o aniversário de 70 anos de Gojira (nome original do monstrão), "Godzilla Minus One" se destaca por sua simplicidade narrativa e por um visual belíssimo - e não falo apenas dos incríveis efeitos especiais, mas de uma fotografia cheia de identidade e criatividade que soa até improvável dado o surpreendente baixo orçamento da produção. Densa e com camadas emocionais bastante sensíveis, essa versão de Godzilla vai além da simples proposta de mostrar o tamanho da destruição proporcionada pelo monstro ao se apropriar de personagens que se colocam no centro de uma reflexão mais ampla sobre a tradição e os costumes de toda uma sociedade ainda em reconstrução pós-guerra. Ao explorar temas como a culpa, a importância da sobrevivência como nação, a esperança como fator humano e a busca por uma redenção em um mundo em ruínas, Yamazaki constrói com maestria uma atmosfera opressiva e angustiante que praticamente nos impede de tirar os olhos da tela durante os 120 minutos de filme.
Se as cenas de ação são de tirar o fôlego, com efeitos visuais realmente impressionantes, eu diria que é conexão com uma realidade palpável que faz de "Godzilla Minus One" mais impactante - embora a estética seja diferente de"Cloverfield", as sensações que o caos nos provoca são parecidas. Yamazaki sabe fazer do seu monstro um catalisador para o desenvolvimento dos personagens principais sem cair no estereótipo do herói hollywoodiano - embora Koichi tenha um pouquinho de "William Wallace", é inegável. A trilha sonora de Naoki Satô (seis vezes indicado ao Oscar do Japão, o "Awards of the Japanese Academy") é sensacional - ela funciona tão bem com o desenho de som criado pelo Moin G. Khan que somos incapazes de afirmar o que é real e o que é diegético. Tem uma cena no terceiro ato onde a total ausência de som dá o tom do drama - reparem na dramaticidade que essa escolha conceitual provoca!
O fato é "Minus One" é uma experiência completa, que nos faz sentir o horror do incontrolável, que nos faz pensar sobre o valor da vida e que até nos emociona por tudo que envolve aquela jornada. Falta alguma coragem para o roteiro assumir alguns riscos e deixar a entrega menos previsível? Sim, mas com tudo dentro do aceitável, é impossível negar que essa versão de "Godzilla" dá um baile em tudo que já foi feito, com muito mais dinheiro, no recente "Monsterverso". Aliás, essa é a prova que muitas vezes o retorno ao essencial bem feito vale muito mais do que o novo feito na superficialidade!
Vale muito o seu play!
"Godzilla Minus One" é um "filme de monstro" raiz - na sua forma e na sua essência! Justamente por essa característica tão marcante, fugindo desse estereótipo blockbuster mais genérico onde efeitos especiais cansativos se sobrepõem perante uma narrativa menos estruturada, é que essa produção japonesa, vencedora do Oscar de "Melhor Efeitos Visuais" em 2014, surge como uma relevante surpresa no universo kaiju (subgênero da ficção científica, criado pelos diretores Eiji Tsuburaya e Ishiro Honda, mentes por trás do "Godzilla" original de 1954). Dirigida pelo mestre japonês Takashi Yamazaki ("Papeis em Branco"), essa nova versão nos leva ao Japão do pós-Segunda Guerra Mundial, um país devastado e em reconstrução, assombrado por uma criatura colossal que emerge do mar para semear o terror. E aqui cabe um comentário importante: mais do que um monstro gigante, esse Godzilla se torna um símbolo das feridas ainda abertas da guerra, um lembrete cruel da fragilidade da paz e do custo humano que deixaram marcas em várias gerações daquele país.
Basicamente, a trama de "Minus One"acompanha a jornada de um jovem piloto kamikaze, Koichi Shikishima (Ryunosuke Kamiki), que se junta à uma força-tarefa encarregada de impedir que um misterioso monstro, Godzilla, chegue em Tóquio. Ao lado de outros sobreviventes da guerra, Koichi terá que enfrentar não apenas a fúria dessa criatura, mas também seus próprios traumas e demônios interiores. Confira o trailer (com legendas em inglês):
Pensado para celebrar o aniversário de 70 anos de Gojira (nome original do monstrão), "Godzilla Minus One" se destaca por sua simplicidade narrativa e por um visual belíssimo - e não falo apenas dos incríveis efeitos especiais, mas de uma fotografia cheia de identidade e criatividade que soa até improvável dado o surpreendente baixo orçamento da produção. Densa e com camadas emocionais bastante sensíveis, essa versão de Godzilla vai além da simples proposta de mostrar o tamanho da destruição proporcionada pelo monstro ao se apropriar de personagens que se colocam no centro de uma reflexão mais ampla sobre a tradição e os costumes de toda uma sociedade ainda em reconstrução pós-guerra. Ao explorar temas como a culpa, a importância da sobrevivência como nação, a esperança como fator humano e a busca por uma redenção em um mundo em ruínas, Yamazaki constrói com maestria uma atmosfera opressiva e angustiante que praticamente nos impede de tirar os olhos da tela durante os 120 minutos de filme.
Se as cenas de ação são de tirar o fôlego, com efeitos visuais realmente impressionantes, eu diria que é conexão com uma realidade palpável que faz de "Godzilla Minus One" mais impactante - embora a estética seja diferente de"Cloverfield", as sensações que o caos nos provoca são parecidas. Yamazaki sabe fazer do seu monstro um catalisador para o desenvolvimento dos personagens principais sem cair no estereótipo do herói hollywoodiano - embora Koichi tenha um pouquinho de "William Wallace", é inegável. A trilha sonora de Naoki Satô (seis vezes indicado ao Oscar do Japão, o "Awards of the Japanese Academy") é sensacional - ela funciona tão bem com o desenho de som criado pelo Moin G. Khan que somos incapazes de afirmar o que é real e o que é diegético. Tem uma cena no terceiro ato onde a total ausência de som dá o tom do drama - reparem na dramaticidade que essa escolha conceitual provoca!
O fato é "Minus One" é uma experiência completa, que nos faz sentir o horror do incontrolável, que nos faz pensar sobre o valor da vida e que até nos emociona por tudo que envolve aquela jornada. Falta alguma coragem para o roteiro assumir alguns riscos e deixar a entrega menos previsível? Sim, mas com tudo dentro do aceitável, é impossível negar que essa versão de "Godzilla" dá um baile em tudo que já foi feito, com muito mais dinheiro, no recente "Monsterverso". Aliás, essa é a prova que muitas vezes o retorno ao essencial bem feito vale muito mais do que o novo feito na superficialidade!
Vale muito o seu play!
"Hereditário" é um suspense sobrenatural clássico na sua narrativa, mas inovador na forma como ela é articulada pelo roteirista e diretor Ari Aster - e justamente por isso vai causar o efeito: ame ou odeie! Se você gostou de "Midsommar", outro filme do mesmo diretor, é bem provável que "Hereditário" te conquiste ainda mais, porém se você achou "Midsommar" sem pé nem cabeça, pare de ler esse review agora e parta para a próxima recomendação - sem ressentimentos! É isso, praticamente impossível existir um "meio-termo" para definir a qualidade desse filme, como explicarei no texto abaixo.
"Hereditário" conta, de forma perturbadora, a história de uma família classe média americana que está em luto pela perda de sua matriarca Ellen (Kathleen Chalfant), mãe de Annie (Toni Collette) e avó de Peter (Alex Wolff) e Charlie (Milly Shapiro). Após o funeral, fenômenos estranhos começam a acontecer na casa onde a família reside, o que acaba culminando em novas desgraças e trazendo à tona um incrível mistério sobre as circunstâncias que envolveram a morte de Ellen e seu passado. Confira o trailer:
Pois bem, "Hereditário" é considerado por muitos o melhor filme de suspense de 2018, o que para mim soa como um certo exagero, mas é compreensível essa adoração que o filme do então novato, Ari Aster, gerou na audiência. Foram mais de 100 indicações em festivais do mundo inteiro e 45 prêmios, inclusive foi finalista no "Academy of Science Fiction, Fantasy & Horror Films"em 2019, um dos prêmios mais respeitados do gênero - Aster acabou ganhando o Saturn Awards nesse mesmo ano! Mesmo com todo esse cartão de visitas, nem todos vão gostar, pois o filme, de fato, não segue um contexto tão convencional, onde tudo é explicado e o maior mérito fica para a quantidade de sustos que o filme provoca! "Hereditário" definitivamente não é isso; ele é um suspense sobrenatural sim, mas com elementos de drama psicológico que enriquecem o roteiro, mesmo com alguns esteriótipos de gênero. É o típico filme que você assiste, se envolve e assim que termina corre para a internet em busca de explicações que estão escondidas em pequenos detalhes ou em diálogos que podem parecer despretensiosos, mas que funcionam como estrutura vital para que a história faça algum sentido. É por isso que gostei mais do roteiro do que do filme - comparando com "Midsommar", por exemplo, achei que faltou algo que me causasse uma certa angústia; em todo caso, acho que vale muito a pena o play!
Ari Aster é um diretor extremamente criativo e seu trabalho merece muitos elogios: já na primeira sequência do filme entendemos que se trata de um diretor diferenciado, elegante na sua maneira de enquadrar e de dar dinâmica para a história. O fato dele ter escrito o filme ajuda nesse alinhamento conceitual entre o que está no roteiro e o que vai para a tela e é aqui que temos o ponto alto do filme: cheio de surpresas, "Hereditário" é um filme para ser interpretado, ele tem várias camadas e muitos (muitos) detalhes que impactam diretamente em como nos relacionamos com ele - um ótimo exemplo é o fato de que tudo leva a crer que a filha mais nova, Charlie, será a protagonista, porém já no final do primeiro ato o diretor nos mostra que nem tudo "é", aquilo que "parece"! Reparem também que o simbolismo está em todos os lugares e será ele o guia dessa jornada - mas, aviso: será preciso ficar muito atento, pois Aster alterna o "explícito" e o "sugestionável" com a mesma eficiência - reparem (sem spoiler) no colar que Ellen está usando no seu velório e onde mais aquele mesmo símbolo vai aparecer, e muita coisa fará sentido!
Outro elemento do roteiro que me chamou atenção é a mitologia que Aster usa para invocar o sobrenatural: ele escolhe "Paimon" em vez do "Demônio" e com isso amplia a curiosidade sobre a história, já que nos provoca a pesquisar as razões que levaram os personagens a agir de determinadas formas - eu acho isso genial, uma pequena troca e tudo ganha um sentido muito mais amplo! Dica: se após o filme você quiser ir mais profundamente na história por trás das decisões criativas do diretor, eu sugiro esse ótimo texto escrito pela Boo Mesquita para o site "Farofa Geek".
A produtora americana "A24", responsável por "Hereditário", já possui inúmeros sucessos que surpreenderam por agradar tanto a crítica como o público: é o caso de “A Bruxa” (2016) e “Ex Machina" (2015), além de todos os prêmios que conquistou com “Moonlight” (2017) e “O Quarto de Jack” (2016), e ainda inúmeras indicações com “Lady Bird" (2018) e “Projeto Flórida” (2018), com isso é de se esperar que a qualidade técnica esteja a altura da artística e é o que acontece. A produção, mesmo com um baixo orçamento - apenas 10 milhões de dólares - é um primor de detalhes! Basicamente faz uma releitura da "Casa mal-assombrada", ao melhor estilo "O Exorcista", que funciona de gatilho para gerar uma tensão permanente durante as duas horas de filme. A fotografia do Pawel Pogorzelski lembra muito o trabalho que vemos, alguns anos depois, em "Servant" da AppleTv+. O elenco é excelente também - Toni Collette (Sexto Sentido) merecia ter sido lembrada nas premiações por esse trabalho, ela está incrível como uma mãe completamente perturbada que transita com muita sensibilidade entre o "real" e o "paranóico". Mesmo muito contido, Gabriel Byrne também merece elogios e, claro, Alex Wolff é o grande destaque do filme. Apenas a jovem Milly Shapiro não me agradou - muito caricata para o meu gosto.
É bem possível que "Hereditário" vá te assustar, mas é o aspecto oculto que vai mexer com você. A riqueza da história está em uma camada mais profunda e se você não estiver disposto a acessá-la, provavelmente, você vai se decepcionar. Agora, se você quiser ir além do que a tela está sugerindo, certamente você vai encontrar um material vasto que serve como ferramenta na construção de um quebra-cabeça muito bem pensado. Visto o lucro nas bilheterias, mais de 80 milhões de dólares, "Hereditário" conseguiu alcançar o seu público e ainda fortalecer essa nova geração de diretores que estão transformando as histórias de suspense/terror no cinema!
Indico!
"Hereditário" é um suspense sobrenatural clássico na sua narrativa, mas inovador na forma como ela é articulada pelo roteirista e diretor Ari Aster - e justamente por isso vai causar o efeito: ame ou odeie! Se você gostou de "Midsommar", outro filme do mesmo diretor, é bem provável que "Hereditário" te conquiste ainda mais, porém se você achou "Midsommar" sem pé nem cabeça, pare de ler esse review agora e parta para a próxima recomendação - sem ressentimentos! É isso, praticamente impossível existir um "meio-termo" para definir a qualidade desse filme, como explicarei no texto abaixo.
"Hereditário" conta, de forma perturbadora, a história de uma família classe média americana que está em luto pela perda de sua matriarca Ellen (Kathleen Chalfant), mãe de Annie (Toni Collette) e avó de Peter (Alex Wolff) e Charlie (Milly Shapiro). Após o funeral, fenômenos estranhos começam a acontecer na casa onde a família reside, o que acaba culminando em novas desgraças e trazendo à tona um incrível mistério sobre as circunstâncias que envolveram a morte de Ellen e seu passado. Confira o trailer:
Pois bem, "Hereditário" é considerado por muitos o melhor filme de suspense de 2018, o que para mim soa como um certo exagero, mas é compreensível essa adoração que o filme do então novato, Ari Aster, gerou na audiência. Foram mais de 100 indicações em festivais do mundo inteiro e 45 prêmios, inclusive foi finalista no "Academy of Science Fiction, Fantasy & Horror Films"em 2019, um dos prêmios mais respeitados do gênero - Aster acabou ganhando o Saturn Awards nesse mesmo ano! Mesmo com todo esse cartão de visitas, nem todos vão gostar, pois o filme, de fato, não segue um contexto tão convencional, onde tudo é explicado e o maior mérito fica para a quantidade de sustos que o filme provoca! "Hereditário" definitivamente não é isso; ele é um suspense sobrenatural sim, mas com elementos de drama psicológico que enriquecem o roteiro, mesmo com alguns esteriótipos de gênero. É o típico filme que você assiste, se envolve e assim que termina corre para a internet em busca de explicações que estão escondidas em pequenos detalhes ou em diálogos que podem parecer despretensiosos, mas que funcionam como estrutura vital para que a história faça algum sentido. É por isso que gostei mais do roteiro do que do filme - comparando com "Midsommar", por exemplo, achei que faltou algo que me causasse uma certa angústia; em todo caso, acho que vale muito a pena o play!
Ari Aster é um diretor extremamente criativo e seu trabalho merece muitos elogios: já na primeira sequência do filme entendemos que se trata de um diretor diferenciado, elegante na sua maneira de enquadrar e de dar dinâmica para a história. O fato dele ter escrito o filme ajuda nesse alinhamento conceitual entre o que está no roteiro e o que vai para a tela e é aqui que temos o ponto alto do filme: cheio de surpresas, "Hereditário" é um filme para ser interpretado, ele tem várias camadas e muitos (muitos) detalhes que impactam diretamente em como nos relacionamos com ele - um ótimo exemplo é o fato de que tudo leva a crer que a filha mais nova, Charlie, será a protagonista, porém já no final do primeiro ato o diretor nos mostra que nem tudo "é", aquilo que "parece"! Reparem também que o simbolismo está em todos os lugares e será ele o guia dessa jornada - mas, aviso: será preciso ficar muito atento, pois Aster alterna o "explícito" e o "sugestionável" com a mesma eficiência - reparem (sem spoiler) no colar que Ellen está usando no seu velório e onde mais aquele mesmo símbolo vai aparecer, e muita coisa fará sentido!
Outro elemento do roteiro que me chamou atenção é a mitologia que Aster usa para invocar o sobrenatural: ele escolhe "Paimon" em vez do "Demônio" e com isso amplia a curiosidade sobre a história, já que nos provoca a pesquisar as razões que levaram os personagens a agir de determinadas formas - eu acho isso genial, uma pequena troca e tudo ganha um sentido muito mais amplo! Dica: se após o filme você quiser ir mais profundamente na história por trás das decisões criativas do diretor, eu sugiro esse ótimo texto escrito pela Boo Mesquita para o site "Farofa Geek".
A produtora americana "A24", responsável por "Hereditário", já possui inúmeros sucessos que surpreenderam por agradar tanto a crítica como o público: é o caso de “A Bruxa” (2016) e “Ex Machina" (2015), além de todos os prêmios que conquistou com “Moonlight” (2017) e “O Quarto de Jack” (2016), e ainda inúmeras indicações com “Lady Bird" (2018) e “Projeto Flórida” (2018), com isso é de se esperar que a qualidade técnica esteja a altura da artística e é o que acontece. A produção, mesmo com um baixo orçamento - apenas 10 milhões de dólares - é um primor de detalhes! Basicamente faz uma releitura da "Casa mal-assombrada", ao melhor estilo "O Exorcista", que funciona de gatilho para gerar uma tensão permanente durante as duas horas de filme. A fotografia do Pawel Pogorzelski lembra muito o trabalho que vemos, alguns anos depois, em "Servant" da AppleTv+. O elenco é excelente também - Toni Collette (Sexto Sentido) merecia ter sido lembrada nas premiações por esse trabalho, ela está incrível como uma mãe completamente perturbada que transita com muita sensibilidade entre o "real" e o "paranóico". Mesmo muito contido, Gabriel Byrne também merece elogios e, claro, Alex Wolff é o grande destaque do filme. Apenas a jovem Milly Shapiro não me agradou - muito caricata para o meu gosto.
É bem possível que "Hereditário" vá te assustar, mas é o aspecto oculto que vai mexer com você. A riqueza da história está em uma camada mais profunda e se você não estiver disposto a acessá-la, provavelmente, você vai se decepcionar. Agora, se você quiser ir além do que a tela está sugerindo, certamente você vai encontrar um material vasto que serve como ferramenta na construção de um quebra-cabeça muito bem pensado. Visto o lucro nas bilheterias, mais de 80 milhões de dólares, "Hereditário" conseguiu alcançar o seu público e ainda fortalecer essa nova geração de diretores que estão transformando as histórias de suspense/terror no cinema!
Indico!
Intrigante! Uma atmosfera que nos remete ao excelente "Devs", mas que não nos deixa esquecer de "Ruptura" - só que com o mérito de ter sido lançada bem antes dessas duas pérolas do streaming. O fato é que "Homecoming" é muito mais que uma minissérie de suspense psicológico, ela é um verdadeiro quebra-cabeça narrativo que nos provoca e nos surpreende a cada nova peça apresentada. Criada por Sam Esmail (a mente criativa por trás de "Mr. Robot") essa recomendação é um prato cheio para quem aprecia um bom thriller com fortes elementos de mistério e algumas camadas de drama. Vale lembrar, inclusive, que "Homecoming" venceu o Satellite Awards como Melhor Série Dramática em 2019, além de ter recebido indicações importantes no Globo de Ouro e no Emmy do mesmo ano.
Boas intenções. Chefes inconstantes. Paranoia crescente. Consequências imprevistas saindo de controle. Heidi (Julia Roberts) trabalha em Homecoming, uma unidade que ajuda soldados no processo de transição para a vida civil. Anos após ela começar uma nova vida, o Departamento de Defesa do EUA passa a questionar Heidi para entender os reais motivos de sua saída do misterioso programa e é justamente a partir daí que ela entende que há uma outra história por trás daquela que ela acreditava ser a verdadeira. Confira o trailer (em inglês):
Nem o amável sorriso de Heidi consegue disfarçar que há algo de errado em "Homecoming" - desde o primeiro episódio somos fisgados pelo clima de tensão e mistério que vai tomando conta dos corredores deste que se anuncia como um projeto revolucionário, mas que claramente esconde nos seus benefícios, interesses maliciosos. Explorando a fragilidade da mente humana e os efeitos psicológicos do trauma, Esmail sabe exatamente como criar uma complexa e bem elaborada trama, com personagens realmente intrigantes e uma atmosfera que nos faz questionar, a cada episódio, tudo o que sabemos, ou pelo menos, tudo o que nos vai sendo contado.
Com duas linhas temporais distintas, que inicialmente não se completam, "Homecoming" dá um show como proposta narrativa e conceito estético - mais do que uma mudança sutil no visual da protagonista, os períodos são filmados de modos muito diferentes. Enquanto o passado ocupa toda a tela da TV e valoriza as cores do arborizado e moderno centro de recuperação, o presente é apresentado no formato 4:3, aquele mais quadrado, com tons opacos e acinzentados - tudo isso para criar um sentimento de angustia e melancolia que se misturam e que acaba se justificando pela perspectiva de uma inteligente metáfora que vai surgindo com o final da temporada. O fato é que, em "Homecoming", nada é por acaso.
Com atuações impecáveis de Julia Roberts e Stephan James (que interpreta o soldado Walter Cruz que Heidi monitora) o que vemos na tela é a potencialização da complexidade emocional do ser humano se sobrepondo perante sua própria fragilidade. Sim, a sentença pode até soar redundante, mas ao mergulharmos na proposta de Esmail entendemos perfeitamente sua estratégia de criar esse senso de desorientação permanente, nos provocando e instigando nossa curiosidade como poucas vezes experienciamos. No entanto, antes do play, saiba que "Homecoming" não é uma jornada simples, sua narrativa é mais cadenciada e seu propósito como obra é naturalmente pouco expositivo. Dito isso, se prepare para uma jornada viciante (ainda mais sabendo que cada episódio tem apenas 30 minutos) onde os perigos do poder e da manipulação serão ótimos assuntos para uma discussão - pós-créditos, claro.
Imperdível!
Intrigante! Uma atmosfera que nos remete ao excelente "Devs", mas que não nos deixa esquecer de "Ruptura" - só que com o mérito de ter sido lançada bem antes dessas duas pérolas do streaming. O fato é que "Homecoming" é muito mais que uma minissérie de suspense psicológico, ela é um verdadeiro quebra-cabeça narrativo que nos provoca e nos surpreende a cada nova peça apresentada. Criada por Sam Esmail (a mente criativa por trás de "Mr. Robot") essa recomendação é um prato cheio para quem aprecia um bom thriller com fortes elementos de mistério e algumas camadas de drama. Vale lembrar, inclusive, que "Homecoming" venceu o Satellite Awards como Melhor Série Dramática em 2019, além de ter recebido indicações importantes no Globo de Ouro e no Emmy do mesmo ano.
Boas intenções. Chefes inconstantes. Paranoia crescente. Consequências imprevistas saindo de controle. Heidi (Julia Roberts) trabalha em Homecoming, uma unidade que ajuda soldados no processo de transição para a vida civil. Anos após ela começar uma nova vida, o Departamento de Defesa do EUA passa a questionar Heidi para entender os reais motivos de sua saída do misterioso programa e é justamente a partir daí que ela entende que há uma outra história por trás daquela que ela acreditava ser a verdadeira. Confira o trailer (em inglês):
Nem o amável sorriso de Heidi consegue disfarçar que há algo de errado em "Homecoming" - desde o primeiro episódio somos fisgados pelo clima de tensão e mistério que vai tomando conta dos corredores deste que se anuncia como um projeto revolucionário, mas que claramente esconde nos seus benefícios, interesses maliciosos. Explorando a fragilidade da mente humana e os efeitos psicológicos do trauma, Esmail sabe exatamente como criar uma complexa e bem elaborada trama, com personagens realmente intrigantes e uma atmosfera que nos faz questionar, a cada episódio, tudo o que sabemos, ou pelo menos, tudo o que nos vai sendo contado.
Com duas linhas temporais distintas, que inicialmente não se completam, "Homecoming" dá um show como proposta narrativa e conceito estético - mais do que uma mudança sutil no visual da protagonista, os períodos são filmados de modos muito diferentes. Enquanto o passado ocupa toda a tela da TV e valoriza as cores do arborizado e moderno centro de recuperação, o presente é apresentado no formato 4:3, aquele mais quadrado, com tons opacos e acinzentados - tudo isso para criar um sentimento de angustia e melancolia que se misturam e que acaba se justificando pela perspectiva de uma inteligente metáfora que vai surgindo com o final da temporada. O fato é que, em "Homecoming", nada é por acaso.
Com atuações impecáveis de Julia Roberts e Stephan James (que interpreta o soldado Walter Cruz que Heidi monitora) o que vemos na tela é a potencialização da complexidade emocional do ser humano se sobrepondo perante sua própria fragilidade. Sim, a sentença pode até soar redundante, mas ao mergulharmos na proposta de Esmail entendemos perfeitamente sua estratégia de criar esse senso de desorientação permanente, nos provocando e instigando nossa curiosidade como poucas vezes experienciamos. No entanto, antes do play, saiba que "Homecoming" não é uma jornada simples, sua narrativa é mais cadenciada e seu propósito como obra é naturalmente pouco expositivo. Dito isso, se prepare para uma jornada viciante (ainda mais sabendo que cada episódio tem apenas 30 minutos) onde os perigos do poder e da manipulação serão ótimos assuntos para uma discussão - pós-créditos, claro.
Imperdível!
"I am Mother" é um filme australiano, distribuído pela Netflix, que foi lançado na plataforma no começo de junho de 2019 e, olha, vou te dizer, ficção científica com alma! Grande filme, inteligente, profundo e um excelente entretenimento além de tudo! Tipo do filme que te faz refletir, na linha de "Mother!" do Aronofsky ou "Ex-Machina" do Alex Garland ou até de "Rua Cloverfild, 10" do Dan Trachtenberg.
O filme conta a história de uma adolescente, interpretada pela ótima Clara Rugaard (mas poderia ter sido a Jennifer Lawrence tranquilamente), que é criada em uma espécie de bunker após a extinção total da raça humana. Um robô auto-denominado "Mãe", projetado para ajudar na reconstrução da Terra, é a responsável por preparar sua "Filha" para expandir essa missão, elevando a capacidade humana de existir baseado em valores éticos e morais. Porém, toda essa realidade começa a ser colocada em dúvida com a chegada inesperada de uma suposta sobrevivente, papel da Hilary Swank. Confira o trailer:
Eu diria que "I am Mother" poderia ter sido dirigido pelo Nolan ou até pelo mestre Stanley Kubrick, dada a sua complexidade visual e elegância narrativa - no entanto, é visível a limitação de orçamento em vários elementos artísticos do filme: desde seu desenho de produção até na própria composição de pós em algumas cenas! Mas isso não atrapalha em absolutamente nada a experiência do filme, pois o roteiro é muito bem amarrado e fosse uma super produção, certamente estaria fazendo um enorme barulho!
Esse é o primeiro filme do diretor Grant Sputore - marquem esse nome, porque o cara é muito talentoso - e sua condução encontrou o equilíbrio perfeito entre o drama e a ficção, sempre pontuada por uma série de alegorias muito referenciadas em filmes como "Mother!", por exemplo. Aliás, vale uma pesquisa "pós-filme" para entender ou confirmar algumas interpretações e teorias que vamos encontrando durante toda jornada. Outro ponto que me chamou a atenção é a beleza da fotografia, grande trabalho do também novato Steve Annis - ele está nos créditos de impressionantes 58 curtas-metargem antes de assinar seu primeiro longa, ou seja, preparado ele está!
"I am Mother" é uma agradável surpresa que vale muito a pena e posso garantir: quanto menos souber do filme, melhor. Por isso tomei esse cuidado para não prejudicar a sua experiência, mas se posso dar uma única dica: preste muita atenção nos letterings no início do filme, eles farão toda a diferença lá no final!
Vale muito o play!!!!
"I am Mother" é um filme australiano, distribuído pela Netflix, que foi lançado na plataforma no começo de junho de 2019 e, olha, vou te dizer, ficção científica com alma! Grande filme, inteligente, profundo e um excelente entretenimento além de tudo! Tipo do filme que te faz refletir, na linha de "Mother!" do Aronofsky ou "Ex-Machina" do Alex Garland ou até de "Rua Cloverfild, 10" do Dan Trachtenberg.
O filme conta a história de uma adolescente, interpretada pela ótima Clara Rugaard (mas poderia ter sido a Jennifer Lawrence tranquilamente), que é criada em uma espécie de bunker após a extinção total da raça humana. Um robô auto-denominado "Mãe", projetado para ajudar na reconstrução da Terra, é a responsável por preparar sua "Filha" para expandir essa missão, elevando a capacidade humana de existir baseado em valores éticos e morais. Porém, toda essa realidade começa a ser colocada em dúvida com a chegada inesperada de uma suposta sobrevivente, papel da Hilary Swank. Confira o trailer:
Eu diria que "I am Mother" poderia ter sido dirigido pelo Nolan ou até pelo mestre Stanley Kubrick, dada a sua complexidade visual e elegância narrativa - no entanto, é visível a limitação de orçamento em vários elementos artísticos do filme: desde seu desenho de produção até na própria composição de pós em algumas cenas! Mas isso não atrapalha em absolutamente nada a experiência do filme, pois o roteiro é muito bem amarrado e fosse uma super produção, certamente estaria fazendo um enorme barulho!
Esse é o primeiro filme do diretor Grant Sputore - marquem esse nome, porque o cara é muito talentoso - e sua condução encontrou o equilíbrio perfeito entre o drama e a ficção, sempre pontuada por uma série de alegorias muito referenciadas em filmes como "Mother!", por exemplo. Aliás, vale uma pesquisa "pós-filme" para entender ou confirmar algumas interpretações e teorias que vamos encontrando durante toda jornada. Outro ponto que me chamou a atenção é a beleza da fotografia, grande trabalho do também novato Steve Annis - ele está nos créditos de impressionantes 58 curtas-metargem antes de assinar seu primeiro longa, ou seja, preparado ele está!
"I am Mother" é uma agradável surpresa que vale muito a pena e posso garantir: quanto menos souber do filme, melhor. Por isso tomei esse cuidado para não prejudicar a sua experiência, mas se posso dar uma única dica: preste muita atenção nos letterings no início do filme, eles farão toda a diferença lá no final!
Vale muito o play!!!!
"Instinto Materno" é um filme sensacional e extremamente profundo se você estiver disposto a mergulhar nas relações familiares dentro de um contexto social que vai te provocar inúmeros julgamentos morais e mais do que isso: que vai te fazer refletir, te fazer repensar e até buscar algumas respostas (ou motivos) que justifiquem tantos sentimentos, tabus e comportamentos, muitas vezes incompreensíveis, que permeiam uma dinâmica entre mãe e filho - e essa jornada não será das mais simples!
Superprotetora, Cornelia Keneres (Luminita Gheorghiu) é uma mãe que possui um relacionamento conturbado com o filho Barbu (Bogdan Dumitrache) de 32 anos. Com uma perspectiva completamente infantil e dependente do filho, Cornelia tenta de todas as formas evitar que o filho seja indiciado por um acidente de carro que culminou na morte de um adolescente de 14 anos. Confira o trailer:
Essa produção romena, vencedora do Urso de Ouro em 2014 no Festival de Berlin, explora de maneira muito sútil o enorme abismo social do mundo moderno, sem a premissa de encontrar um vilão ou um mocinho. Na verdade, quando o roteiro pontua os reflexos do status social em algumas relações, como uma suposta facilidade em conseguir algumas informações com a polícia ou o pedido de favores entre patroa e empregada em troca de um lindo par de sapatos para a filha adolescente, a história ganha uma outra dimensão, não só baseada na obsessão de uma mãe, mas também em como isso esconde a fragilidade do ser humano e se conecta com a perda de valores ou com o abuso de privilégios.
Dirigido pelo talentoso Cãlin Peter Netzer (de "Ana, meu Amor"), com roteiro dele ao lado de Razvan Radulescu, "Instinto Materno" usa e abusa de sua câmera na mão, para imprimir um aspecto documental impressionante - é como se observássemos toda cena de dentro dela e ele faz isso com o único intuito de nos constranger. Veja, as situações são apresentadas de maneira seca, sem nenhum tipo de muleta visual (no bom sentido) e isso cria uma enorme sensação de realidade - é como se a história que vemos na tela pode ser a mesma que vamos escutar no próximo encontro com os amigos. Tudo isso faz ainda mais sentido porque temos uma Luminita Gheorghiu roubando a cena - ela é simplesmente intragável ao mesmo tempo em que é frágil, ressentida, perturbada, mal amada, enfim, são tantas camadas que seria impossível definir sua personagem em uma única palavra. Para quem não sabe, Gheorghiu sempre foi considerada uma das melhores atrizes de seu país e que, infelizmente, nos deixou em 4 de julho de 2021, com 71 anos.
"Instinto Materno" discute em vários níveis o conforto que a sensação de controle pode nos gerar e, obviamente, o inferno que nossa vida pode se tornar se não o tivermos. É um preço muito caro viver assim, além de ser uma parte indissociável de uma classe com privilégios, capaz de moldar (e transformar) a índole de um ser humano de acordo com suas próprias frustrações ou anseios. Não se trata de ser bom ou ruim, mas sim de usar os "meios" para alcançar um "fim" por si só. Não estranhe o fato do filme começar e terminar com reticências - esse é o seu conceito narrativo e propósito: talvez te gere uma percepção de vazio além do que estamos acostumados - e se isso acontecer, ele cumpriu seu papel!
Vale muito a pena!
"Instinto Materno" é um filme sensacional e extremamente profundo se você estiver disposto a mergulhar nas relações familiares dentro de um contexto social que vai te provocar inúmeros julgamentos morais e mais do que isso: que vai te fazer refletir, te fazer repensar e até buscar algumas respostas (ou motivos) que justifiquem tantos sentimentos, tabus e comportamentos, muitas vezes incompreensíveis, que permeiam uma dinâmica entre mãe e filho - e essa jornada não será das mais simples!
Superprotetora, Cornelia Keneres (Luminita Gheorghiu) é uma mãe que possui um relacionamento conturbado com o filho Barbu (Bogdan Dumitrache) de 32 anos. Com uma perspectiva completamente infantil e dependente do filho, Cornelia tenta de todas as formas evitar que o filho seja indiciado por um acidente de carro que culminou na morte de um adolescente de 14 anos. Confira o trailer:
Essa produção romena, vencedora do Urso de Ouro em 2014 no Festival de Berlin, explora de maneira muito sútil o enorme abismo social do mundo moderno, sem a premissa de encontrar um vilão ou um mocinho. Na verdade, quando o roteiro pontua os reflexos do status social em algumas relações, como uma suposta facilidade em conseguir algumas informações com a polícia ou o pedido de favores entre patroa e empregada em troca de um lindo par de sapatos para a filha adolescente, a história ganha uma outra dimensão, não só baseada na obsessão de uma mãe, mas também em como isso esconde a fragilidade do ser humano e se conecta com a perda de valores ou com o abuso de privilégios.
Dirigido pelo talentoso Cãlin Peter Netzer (de "Ana, meu Amor"), com roteiro dele ao lado de Razvan Radulescu, "Instinto Materno" usa e abusa de sua câmera na mão, para imprimir um aspecto documental impressionante - é como se observássemos toda cena de dentro dela e ele faz isso com o único intuito de nos constranger. Veja, as situações são apresentadas de maneira seca, sem nenhum tipo de muleta visual (no bom sentido) e isso cria uma enorme sensação de realidade - é como se a história que vemos na tela pode ser a mesma que vamos escutar no próximo encontro com os amigos. Tudo isso faz ainda mais sentido porque temos uma Luminita Gheorghiu roubando a cena - ela é simplesmente intragável ao mesmo tempo em que é frágil, ressentida, perturbada, mal amada, enfim, são tantas camadas que seria impossível definir sua personagem em uma única palavra. Para quem não sabe, Gheorghiu sempre foi considerada uma das melhores atrizes de seu país e que, infelizmente, nos deixou em 4 de julho de 2021, com 71 anos.
"Instinto Materno" discute em vários níveis o conforto que a sensação de controle pode nos gerar e, obviamente, o inferno que nossa vida pode se tornar se não o tivermos. É um preço muito caro viver assim, além de ser uma parte indissociável de uma classe com privilégios, capaz de moldar (e transformar) a índole de um ser humano de acordo com suas próprias frustrações ou anseios. Não se trata de ser bom ou ruim, mas sim de usar os "meios" para alcançar um "fim" por si só. Não estranhe o fato do filme começar e terminar com reticências - esse é o seu conceito narrativo e propósito: talvez te gere uma percepção de vazio além do que estamos acostumados - e se isso acontecer, ele cumpriu seu papel!
Vale muito a pena!
"Iris" (que em em inglês recebeu o título de "In the Shadow of Iris") é um excelente drama policial francês - daqueles que as informações mais embaralham nossa cabeça, mas que em nenhum momento rouba no jogo. Talvez sem a necessidade de uma suspensão da realidade tão marcante como em "Contratiempo", mas não menos competente na construção de seu mistério - eu diria até que "Iris" vem bem na linha do ótimo "O Amante Duplo".
Iris (Charlotte Le Bon) a linda esposa de Antoine (Jalil Lespert), um banqueiro muito rico e poderoso, desaparece no centro de Paris enquanto esperava do lado de fora de um restaurante enquanto o marido pagava a conta. Depois de apenas algumas horas, um sequestrador exige meio milhão de euros como resgate - a grande questão, porém, é que nem tudo é o que parece quando a corda começa a estourar para lado mais fraco. Confira o trailer com legendas em inglês:
"Iris" que na verdade é um remake do filme "Chaos" (2000), de Hideo Nakata, é instigante desde o primeiro plano. O roteiro do australiano Andrew Bovell vai construindo uma trama que parece previsível, mas que vai nos provocando um certo caos (e aqui fica impossível não citar o acerto do título original). Lespert, que também dirige o filme, foi muito feliz (e corajoso) ao escolher um conceito visual onde os planos (e os cortes) são rápidos e quase sempre "sujos", para justamente nos causar uma sensação de confusão - o fato é que o diretor não deixa de mostrar absolutamente nada durante as cenas, mas nunca ele expõe com clareza a razão de determinados movimentos dos atores em ação.
A dúvida sobre o que assistimos em uma cena, algum relance de personagem ou o que de fato aconteceu como um todo, ganha uma camada ainda mais corajosa quando Lespert não diferencia visualmente as ações na linha do tempo, ou seja, o que é flashback tem exatamente o mesmo conceito estético que o presente. A fotografia do Pierre-Yves Bastard (Versailles) é igualmente linda ao retratar Paris com a mesma competência em que cria esse mood de mistério que o roteiro tanto exige. O elenco também caminha alinhado com essa proposta: Charlotte Le Bon está impecável mais uma vez, mas quem rouba a cena, sem dúvida, é Camille Cottin - ela é uma das melhores atrizes da França na atualidade: versátil e sempre no tom certo!
"Iris" é o tipo do filme que está escondido no catálogo do streaming, mas que vale muito a pena e que é louco para entrar no boca a boca dos amantes de dramas policiais - eu diria, inclusive, que é um thriller que merece ser descoberto e apreciado como um ótimo entretenimento. Saíba que ele é desafiador - um prato cheio para quem gosta de mistério policial com um toque sex appeal!
Vale o play!
"Iris" (que em em inglês recebeu o título de "In the Shadow of Iris") é um excelente drama policial francês - daqueles que as informações mais embaralham nossa cabeça, mas que em nenhum momento rouba no jogo. Talvez sem a necessidade de uma suspensão da realidade tão marcante como em "Contratiempo", mas não menos competente na construção de seu mistério - eu diria até que "Iris" vem bem na linha do ótimo "O Amante Duplo".
Iris (Charlotte Le Bon) a linda esposa de Antoine (Jalil Lespert), um banqueiro muito rico e poderoso, desaparece no centro de Paris enquanto esperava do lado de fora de um restaurante enquanto o marido pagava a conta. Depois de apenas algumas horas, um sequestrador exige meio milhão de euros como resgate - a grande questão, porém, é que nem tudo é o que parece quando a corda começa a estourar para lado mais fraco. Confira o trailer com legendas em inglês:
"Iris" que na verdade é um remake do filme "Chaos" (2000), de Hideo Nakata, é instigante desde o primeiro plano. O roteiro do australiano Andrew Bovell vai construindo uma trama que parece previsível, mas que vai nos provocando um certo caos (e aqui fica impossível não citar o acerto do título original). Lespert, que também dirige o filme, foi muito feliz (e corajoso) ao escolher um conceito visual onde os planos (e os cortes) são rápidos e quase sempre "sujos", para justamente nos causar uma sensação de confusão - o fato é que o diretor não deixa de mostrar absolutamente nada durante as cenas, mas nunca ele expõe com clareza a razão de determinados movimentos dos atores em ação.
A dúvida sobre o que assistimos em uma cena, algum relance de personagem ou o que de fato aconteceu como um todo, ganha uma camada ainda mais corajosa quando Lespert não diferencia visualmente as ações na linha do tempo, ou seja, o que é flashback tem exatamente o mesmo conceito estético que o presente. A fotografia do Pierre-Yves Bastard (Versailles) é igualmente linda ao retratar Paris com a mesma competência em que cria esse mood de mistério que o roteiro tanto exige. O elenco também caminha alinhado com essa proposta: Charlotte Le Bon está impecável mais uma vez, mas quem rouba a cena, sem dúvida, é Camille Cottin - ela é uma das melhores atrizes da França na atualidade: versátil e sempre no tom certo!
"Iris" é o tipo do filme que está escondido no catálogo do streaming, mas que vale muito a pena e que é louco para entrar no boca a boca dos amantes de dramas policiais - eu diria, inclusive, que é um thriller que merece ser descoberto e apreciado como um ótimo entretenimento. Saíba que ele é desafiador - um prato cheio para quem gosta de mistério policial com um toque sex appeal!
Vale o play!
Para quem estava com saudades daquele filme de suspense espanhol com fortes elementos dramáticos que colocaram o país entre os queridinhos dos assinantes de streaming, eu adianto: "Jaula" é imperdível! Produzido pelo talentoso Álex de La Iglesia (de "O Bar"), o filme resgata uma história real absurda para servir de base (apenas de base) para um roteiro muito bem amarrado e que entrega uma trama que transita perfeitamente entre a "tensão" e a "dúvida" a cada cena - sim, a trama é mesmo consistente o suficiente para que você não tire os olhos da tela até o seu final!
Paula (Elena Anaya) e seu marido Simón (Pablo Molinero) estão voltando para casa quando, de repente, encontram uma criança de seis anos vagando sozinha pela estrada. Ao se certificar que ninguém foi atrás dela, o casal decide leva-la para casa temporariamente. O que poderia ser uma alegria para eles, logo se transforma em caos, já que menina é incapaz de sair de um quadrado de giz pintado no chão e misteriosas situações passam acontecer com todos a sua volta. Dado o forte vínculo criado entre a Paula e ela, Paula decide investigar o passado enigmático da garota e sua descoberta acaba colocando ambas em muito perigo. Confira o trailer (em espanhol):
Dirigido pelo Ignacio Tatay (em seu primeiro longa-metragem), "Jaula", de fato, entrega um mistério dos mais intrigantes - é muito interessante como o roteiro do próprio Tatay ao lado da premiada escritora Isabel Peña (do ótimo "Stockholm") brinca com vários gatilhos narrativos que vão do sobrenatural ao psicológico em apenas uma linha de diálogo ou uma troca de enquadramento. Essa dinâmica, aliás, em nada facilita para audiência na resolução do mistério e mesmo que esse mistério não se sustente até o final, ele nos surpreende e acaba nos movendo para uma visão completa de tudo que foi se construindo até ali, sem roubar no jogo - existe um uma troca de perspectiva no terceiro ato que é muito bem encaixada e criativa, e que funciona lindamente no filme.
Na busca por um equilíbrio cirúrgico entre o fantasioso de "O Telefone Preto"e o realismo brutal de "3096 Dias", o filme mais acerta do que erra, mesmo que em alguns momentos os diálogos e os dramas paralelos pereçam não te levar para lugar algum. É verdade que a construção de camadas que supostamente dariam uma profundidade maior para Paula e Simón é pouco aproveitada, por outro lado essa "deficiência" acaba favorecendo o entretenimento, deixando a trama menos "cabeça". Mas não se engane, a história tem uma série de detalhes, principalmente na investigação de Paula, que merecem e precisam muito da sua atenção!
"Jaula" vem na linha de "A Casa" ou "Quem com ferro fere", que chega no streaming sem muito barulho, mas que acaba conquistando uma audiência relevante e fiel às novas propostas do cinema espanhol. A experiência de assistir o filme é ótima, a história é inteligente e envolvente, o mistério é bem arquitetado e a resolução bem satisfatória, mas saiba que muito será apenas sugerido, então não espere tantas explicações - juntar as peças para uma conclusão mais, digamos, completa, será sua função e isso, na minha opinião, é o mais divertido quando nos deparamos com um bom filme do gênero como esse.
Vale muito seu play!
Para quem estava com saudades daquele filme de suspense espanhol com fortes elementos dramáticos que colocaram o país entre os queridinhos dos assinantes de streaming, eu adianto: "Jaula" é imperdível! Produzido pelo talentoso Álex de La Iglesia (de "O Bar"), o filme resgata uma história real absurda para servir de base (apenas de base) para um roteiro muito bem amarrado e que entrega uma trama que transita perfeitamente entre a "tensão" e a "dúvida" a cada cena - sim, a trama é mesmo consistente o suficiente para que você não tire os olhos da tela até o seu final!
Paula (Elena Anaya) e seu marido Simón (Pablo Molinero) estão voltando para casa quando, de repente, encontram uma criança de seis anos vagando sozinha pela estrada. Ao se certificar que ninguém foi atrás dela, o casal decide leva-la para casa temporariamente. O que poderia ser uma alegria para eles, logo se transforma em caos, já que menina é incapaz de sair de um quadrado de giz pintado no chão e misteriosas situações passam acontecer com todos a sua volta. Dado o forte vínculo criado entre a Paula e ela, Paula decide investigar o passado enigmático da garota e sua descoberta acaba colocando ambas em muito perigo. Confira o trailer (em espanhol):
Dirigido pelo Ignacio Tatay (em seu primeiro longa-metragem), "Jaula", de fato, entrega um mistério dos mais intrigantes - é muito interessante como o roteiro do próprio Tatay ao lado da premiada escritora Isabel Peña (do ótimo "Stockholm") brinca com vários gatilhos narrativos que vão do sobrenatural ao psicológico em apenas uma linha de diálogo ou uma troca de enquadramento. Essa dinâmica, aliás, em nada facilita para audiência na resolução do mistério e mesmo que esse mistério não se sustente até o final, ele nos surpreende e acaba nos movendo para uma visão completa de tudo que foi se construindo até ali, sem roubar no jogo - existe um uma troca de perspectiva no terceiro ato que é muito bem encaixada e criativa, e que funciona lindamente no filme.
Na busca por um equilíbrio cirúrgico entre o fantasioso de "O Telefone Preto"e o realismo brutal de "3096 Dias", o filme mais acerta do que erra, mesmo que em alguns momentos os diálogos e os dramas paralelos pereçam não te levar para lugar algum. É verdade que a construção de camadas que supostamente dariam uma profundidade maior para Paula e Simón é pouco aproveitada, por outro lado essa "deficiência" acaba favorecendo o entretenimento, deixando a trama menos "cabeça". Mas não se engane, a história tem uma série de detalhes, principalmente na investigação de Paula, que merecem e precisam muito da sua atenção!
"Jaula" vem na linha de "A Casa" ou "Quem com ferro fere", que chega no streaming sem muito barulho, mas que acaba conquistando uma audiência relevante e fiel às novas propostas do cinema espanhol. A experiência de assistir o filme é ótima, a história é inteligente e envolvente, o mistério é bem arquitetado e a resolução bem satisfatória, mas saiba que muito será apenas sugerido, então não espere tantas explicações - juntar as peças para uma conclusão mais, digamos, completa, será sua função e isso, na minha opinião, é o mais divertido quando nos deparamos com um bom filme do gênero como esse.
Vale muito seu play!
Você vai se surpreender com a potência de “Jogo Justo” - principalmente por trazer elementos bastante particulares de obras como “A Assistente” e “Industry”. Embora tenha sido vendido como uma espécie de thriller erótico pela Netflix, o filme vai muito além ao equilibrar aquela atmosfera de excessos dos bancos de investimento de Wall Street (daí a referência de “Industry”) com um drama angustiante pela sua psicologia e pela discussão relevante sobre o machismo e as várias formas de abuso (talvez um pouco mais explícito, mas igualmente competente, como vimos em “A Assistente”). Com um excelente roteiro e uma inspirada direção de Chloe Domon (de “Ballers”), o filme se alimenta de uma tensão crescente, quase insuportável, para expor uma triste realidade que realmente mexe com nossa percepção sobre o ser humano.
Basicamente, o filme acompanha o jovem casal Emily (Phoebe Dynevor) e Luke (Alden Ehrenreich), que trabalha em um banco de investimentos e que acabam embarcando em um romance proibido que vai contra as regras da organização. O segredo parece tornar as coisas ainda mais intensas até que Emily é promovida inesperadamente para uma posição que Luke almejava e aí, já viu. Confira o trailer:
Ë impressionante como acompanhar o colapso de um relacionamento diante da ebulição de egos, poder e pressões sociais e profissionais, mexe com a gente. “Jogo Justo” sabe exatamente como construir uma dinâmica envolvente que, pouca a pouco, é tirada de nós em uma desconstrução narrativa digna de aplausos - tirando algumas leves derrapadas no terceiro ato, eu diria que o roteiro merece mais do que elogios!
Domon é inteligente com explorar a sensibilidade do olhar e do silêncio ao mesmo tempo em que seu texto é mais bruto, direto, provocador. Não por acaso você vai escutar que Emily deve ter tido relações sexuais com o chefe para conseguir a promoção ou até que ela nunca será respeitada porque parece um cupcake indo para o trabalho, no entanto é na forma como Dynevor e Ehrenreich se relacionam com essas situações que somos tocados - é quase como se eles não soubessem decodificar suas falhas, dada a naturalidade desse tipo de posicionamento machista (para quem diz e para quem escuta). E o legal é que o roteiro também expõe a insegurança de Emily ao lidar com essa atmosfera, mesmo quando ela vai contra seus princípios para fazer parte de tudo aquilo e assim se sentir “inserida”.
Um ponto muito interessante e que vale citar é o fato de que “Fair Play” (no original) fez um certo barulho no Festival de Sundance em 2023 - gerando, inclusive, comparações com “Psicopata Americano” destaque no mesmo festival em 2000. Tão diferentes quanto semelhantes, ambos os filmes desafiam nossa compreensão sobre o ser humana ao ser provocado intimamente. O fato é que aqui temos mais uma história densa sobre a colisão caótica entre o poder e o ego, em uma era tão socialmente sensível ao lugar de fala sobre disparidade de gêneros. Com uma direção que sabe da capacidade interpretativa de sua audiência, ela deixa espaço para uma discussão coerente sem precisar levantar bandeiras à toa - é por isso que eu diria que esse filme já pode ser considerado um dos melhores dramas psicológicos recentes. Finalmente temos um excepcional filme de gênero que vale cada centavo dos míseros US$20 milhões pagos em direitos pela Netflix.
Imperdível.
Você vai se surpreender com a potência de “Jogo Justo” - principalmente por trazer elementos bastante particulares de obras como “A Assistente” e “Industry”. Embora tenha sido vendido como uma espécie de thriller erótico pela Netflix, o filme vai muito além ao equilibrar aquela atmosfera de excessos dos bancos de investimento de Wall Street (daí a referência de “Industry”) com um drama angustiante pela sua psicologia e pela discussão relevante sobre o machismo e as várias formas de abuso (talvez um pouco mais explícito, mas igualmente competente, como vimos em “A Assistente”). Com um excelente roteiro e uma inspirada direção de Chloe Domon (de “Ballers”), o filme se alimenta de uma tensão crescente, quase insuportável, para expor uma triste realidade que realmente mexe com nossa percepção sobre o ser humano.
Basicamente, o filme acompanha o jovem casal Emily (Phoebe Dynevor) e Luke (Alden Ehrenreich), que trabalha em um banco de investimentos e que acabam embarcando em um romance proibido que vai contra as regras da organização. O segredo parece tornar as coisas ainda mais intensas até que Emily é promovida inesperadamente para uma posição que Luke almejava e aí, já viu. Confira o trailer:
Ë impressionante como acompanhar o colapso de um relacionamento diante da ebulição de egos, poder e pressões sociais e profissionais, mexe com a gente. “Jogo Justo” sabe exatamente como construir uma dinâmica envolvente que, pouca a pouco, é tirada de nós em uma desconstrução narrativa digna de aplausos - tirando algumas leves derrapadas no terceiro ato, eu diria que o roteiro merece mais do que elogios!
Domon é inteligente com explorar a sensibilidade do olhar e do silêncio ao mesmo tempo em que seu texto é mais bruto, direto, provocador. Não por acaso você vai escutar que Emily deve ter tido relações sexuais com o chefe para conseguir a promoção ou até que ela nunca será respeitada porque parece um cupcake indo para o trabalho, no entanto é na forma como Dynevor e Ehrenreich se relacionam com essas situações que somos tocados - é quase como se eles não soubessem decodificar suas falhas, dada a naturalidade desse tipo de posicionamento machista (para quem diz e para quem escuta). E o legal é que o roteiro também expõe a insegurança de Emily ao lidar com essa atmosfera, mesmo quando ela vai contra seus princípios para fazer parte de tudo aquilo e assim se sentir “inserida”.
Um ponto muito interessante e que vale citar é o fato de que “Fair Play” (no original) fez um certo barulho no Festival de Sundance em 2023 - gerando, inclusive, comparações com “Psicopata Americano” destaque no mesmo festival em 2000. Tão diferentes quanto semelhantes, ambos os filmes desafiam nossa compreensão sobre o ser humana ao ser provocado intimamente. O fato é que aqui temos mais uma história densa sobre a colisão caótica entre o poder e o ego, em uma era tão socialmente sensível ao lugar de fala sobre disparidade de gêneros. Com uma direção que sabe da capacidade interpretativa de sua audiência, ela deixa espaço para uma discussão coerente sem precisar levantar bandeiras à toa - é por isso que eu diria que esse filme já pode ser considerado um dos melhores dramas psicológicos recentes. Finalmente temos um excepcional filme de gênero que vale cada centavo dos míseros US$20 milhões pagos em direitos pela Netflix.
Imperdível.
Essa era uma história que merecia ser contada e digo mais: você vai se surpreender com sua força! "Joika: Uma Americana no Bolshoi" é, de fato, uma jornada inspiradora de paixão e de superação que nos conquista logo de cara. O desconhecido diretor e roteirista James Napier Robertson (da elogiada "Whina") mostra muito talento e competência ao contar a história real de Joy Womack, uma bailarina americana que desafiou inúmeras barreiras culturais para se tornar a primeira americana a se apresentar no prestigiado Ballet Bolshoi. Narrada com uma sensibilidade impressionante e fotografada com um realismo visceral, "The American" (no original) merece demais a sua a atenção, especialmente se você se identifica com filmes como "Cisne Negro", "Birds of Paradise" e até com o georgiano, "E então nós dançamos"! Vale dizer que essa produção conquistou o prêmio de Melhor Filme no Festival de Cinema de Milão, além do prêmio da audiência no Palm Springs International Film Festival em 2024.
Basicamente, o filme segue Joy (Talia Ryder), uma prodígio do balé que aspira se tornar a Prima Ballerina da Academia Bolshoi de Moscou. Aos quinze anos, ela se muda para a Rússia, apoiada pelos pais, com a esperança de ser aceita na prestigiada academia. No entanto, ela rapidamente se depara com a hostilidade de suas colegas e de uma severa diretora, Tatiyana Volkova (Diane Kruger), que constantemente a chama pejorativamente de “a americana”. Determinada a provar seu valor, independente de seu país de origem, Joy enfrenta desafios físicos e emocionais enquanto luta para conquistar seu lugar de destaque na história do balé mundial. Confira o trailer (em inglês):
Naturalmente já é possível imaginar que "Joika" é um mergulha na realidade implacável dessa arte tão exigente e cheia de tradição. A pressão constante pela excelência, a disciplina draconiana e as privações físicas e emocionais são retratadas com uma honestidade brutal no filme que olha, se tem uma coisa que Robertson não faz, é nos poupar do lado sombrio da busca pela perfeição como manifestação artística Sensível e precisa, a direção nos conduzi por uma história recheada de ritmo e emoção que não cai na tentação de cortar caminhos para encontrar a conexão com a audiência. É claro que o drama está lá desde o primeiro ato, mas a forma como o roteiro vai construindo a jornada nos entrega uma série de sensações muito particulares - veja, se em "Cisne Negro" Aronofsky brinca com nossa percepção da realidade, aqui, é justamente a realidade que nos mantém angustiado até os créditos subirem.
Além da qualidade artística da direção, alguns elementos técnicos merecem destaque - a já citada fotografia é uma delas. Assinada pelo polonês Tomasz Naumiuk (de "Rastros"), a fotografia captura a beleza e a melancolia da vida na Rússia, utilizando tons frios e contrastes marcantes para criar uma atmosfera tão imersiva quanto desconfortável - algo como vimos em "O Gambito da Rainha". Já a trilha sonora composta por Dana Lund (de "The Dark Horse") transita entre melodias depressivas e outras inspiradoras acompanhando perfeitamente a jornada de Joy, intensificando as emoções, elevando a experiência e nos aproximando dos grandes clássicos do balé. Sobre o elenco, Talia Ryder entrega uma performance de tirar o fôlego - a melhor de sua carreira. Sua atuação captura a força, a determinação e a vulnerabilidade da personagem com maestria - seu domínio físico é impressionante, traduzindo em cada movimento sua paixão e a sua dor. Diane Kruger também brilha - imponente e intimidadora, mas com nuances de fragilidade, a atriz entrega uma personagem tão complexa e humana que eu diria ser "uma personificação das contradições do mundo do balé".
Mesmo que tenha surgido timidamente, "Joika: Uma Americana no Bolshoi" é sim um filme imperdível - especialmente para aqueles que buscam dramas inspiradores, histórias reais e atuações memoráveis. É um convite para entendermos as nuances da arte pela perspectiva da paixão avassaladora, da força e da resiliência como fator primordial do espírito humano. Entretenimento, mas inteligente na sua essência, saiba que você vai se emocionar, vai se inspirar e até refletir sobre o valor de acreditar em um sonho, sem aquela conotação piegas, de buscar a excelência e de encontrar na superação, os próprios limites.
Vale muito o seu play!
Essa era uma história que merecia ser contada e digo mais: você vai se surpreender com sua força! "Joika: Uma Americana no Bolshoi" é, de fato, uma jornada inspiradora de paixão e de superação que nos conquista logo de cara. O desconhecido diretor e roteirista James Napier Robertson (da elogiada "Whina") mostra muito talento e competência ao contar a história real de Joy Womack, uma bailarina americana que desafiou inúmeras barreiras culturais para se tornar a primeira americana a se apresentar no prestigiado Ballet Bolshoi. Narrada com uma sensibilidade impressionante e fotografada com um realismo visceral, "The American" (no original) merece demais a sua a atenção, especialmente se você se identifica com filmes como "Cisne Negro", "Birds of Paradise" e até com o georgiano, "E então nós dançamos"! Vale dizer que essa produção conquistou o prêmio de Melhor Filme no Festival de Cinema de Milão, além do prêmio da audiência no Palm Springs International Film Festival em 2024.
Basicamente, o filme segue Joy (Talia Ryder), uma prodígio do balé que aspira se tornar a Prima Ballerina da Academia Bolshoi de Moscou. Aos quinze anos, ela se muda para a Rússia, apoiada pelos pais, com a esperança de ser aceita na prestigiada academia. No entanto, ela rapidamente se depara com a hostilidade de suas colegas e de uma severa diretora, Tatiyana Volkova (Diane Kruger), que constantemente a chama pejorativamente de “a americana”. Determinada a provar seu valor, independente de seu país de origem, Joy enfrenta desafios físicos e emocionais enquanto luta para conquistar seu lugar de destaque na história do balé mundial. Confira o trailer (em inglês):
Naturalmente já é possível imaginar que "Joika" é um mergulha na realidade implacável dessa arte tão exigente e cheia de tradição. A pressão constante pela excelência, a disciplina draconiana e as privações físicas e emocionais são retratadas com uma honestidade brutal no filme que olha, se tem uma coisa que Robertson não faz, é nos poupar do lado sombrio da busca pela perfeição como manifestação artística Sensível e precisa, a direção nos conduzi por uma história recheada de ritmo e emoção que não cai na tentação de cortar caminhos para encontrar a conexão com a audiência. É claro que o drama está lá desde o primeiro ato, mas a forma como o roteiro vai construindo a jornada nos entrega uma série de sensações muito particulares - veja, se em "Cisne Negro" Aronofsky brinca com nossa percepção da realidade, aqui, é justamente a realidade que nos mantém angustiado até os créditos subirem.
Além da qualidade artística da direção, alguns elementos técnicos merecem destaque - a já citada fotografia é uma delas. Assinada pelo polonês Tomasz Naumiuk (de "Rastros"), a fotografia captura a beleza e a melancolia da vida na Rússia, utilizando tons frios e contrastes marcantes para criar uma atmosfera tão imersiva quanto desconfortável - algo como vimos em "O Gambito da Rainha". Já a trilha sonora composta por Dana Lund (de "The Dark Horse") transita entre melodias depressivas e outras inspiradoras acompanhando perfeitamente a jornada de Joy, intensificando as emoções, elevando a experiência e nos aproximando dos grandes clássicos do balé. Sobre o elenco, Talia Ryder entrega uma performance de tirar o fôlego - a melhor de sua carreira. Sua atuação captura a força, a determinação e a vulnerabilidade da personagem com maestria - seu domínio físico é impressionante, traduzindo em cada movimento sua paixão e a sua dor. Diane Kruger também brilha - imponente e intimidadora, mas com nuances de fragilidade, a atriz entrega uma personagem tão complexa e humana que eu diria ser "uma personificação das contradições do mundo do balé".
Mesmo que tenha surgido timidamente, "Joika: Uma Americana no Bolshoi" é sim um filme imperdível - especialmente para aqueles que buscam dramas inspiradores, histórias reais e atuações memoráveis. É um convite para entendermos as nuances da arte pela perspectiva da paixão avassaladora, da força e da resiliência como fator primordial do espírito humano. Entretenimento, mas inteligente na sua essência, saiba que você vai se emocionar, vai se inspirar e até refletir sobre o valor de acreditar em um sonho, sem aquela conotação piegas, de buscar a excelência e de encontrar na superação, os próprios limites.
Vale muito o seu play!
"Kimi" (que no Brasil ganhou o expositivo subtítulo "Alguém está escutando") é um curioso caso de "ame ou odeie" que vai se basear nas referências de quem assiste e, mais do que isso, na forma como a audiência vai encarar a proposta do diretor Steven Soderbergh (de "Mosaic"e "High Flying Bird"). Se você olhar a história pelo prisma de "Black Mirror" com "A Mulher na Janela", provavelmente, sua resposta será "ok, mas esperava mais"; porém se você enxergar em Angela traços de uma possível personagem de "Ruptura" é bem possível que sua experiência seja completamente diferente e seu veredito bem mais positivo - como foi no nosso caso, inclusive.
Na trama, Angela Childs (Zoë Kravitz) é uma funcionária que analisa áudios coletados de uma assistente de voz chamada Kimi. Certo dia ela descobre uma mensagem que sugere um crime violento e ao tentar relatá-lo aos seus superiores, ela se depara com uma conspiração muito mais complexa do que havia imaginado. Confira o trailer (em inglês):
Steven Soderbergh sempre foi um diretor diferenciado, disposto a experimentar novas gramáticas e conceitos visuais para contar sua história com um certo tom de modernidade - inclusive tecnológico. Cinéfilo assumido, Soderbergh aproveita de um roteiro simples do veterano David Koepp (de "Jurassic Park", "Missão: Impossível" e "Homem-Aranha", para citar apenas três blockbusters sob sua chancela) para construir uma narrativa que inicialmente se propõe a ser mais realista trazendo um ar de Alfred Hitchcock, mas que em seguida subverte a proposta com o intuito de impor um certo humor, mais ácido (eu diria), apoiado propositalmente em clichês que vão da paranóia tecnológica contemporânea ao corporativismo metido a disruptivo que beira o non-sense - entende a comparação feita acima?
Sem a menor dúvida que o diretor brilha ao deixar claro que sabe exatamente o que está fazendo ao dividir sua obra em duas abordagens completamente diferentes - para alguns isso pode soar confuso, para outros genial. Tenho a impressão (e aí posso estar influenciado pelo que representou "Ruptura") que a segunda metade tem mais brilho que a primeira, principalmente quando o roteiro se permite não se levar tanto a sério - ou você acha que ter um hacker russo que vive no apartamento da mãe, uma assistente de voz que te grava 24h por dia ou o comentário sobre os termos e condições de aplicativos que ninguém lê, não são, de fato, críticas veladas fantasiadas de esteriótipos?
Um elemento que funciona muito mais para a "forma" do que para o "conteúdo" é o fato da protagonista ser "agorafóbica" (quem sofre com agorafobia tem medo de situações que possam levá-lo a sensações de aprisionamento). Reparem como Soderbergh usa de sua câmera e do desenho de som para nos colocar dentro do sufocamento da personagem. Dito isso, "Kimi" tem o mérito de brincar com a seriedade do assunto sem se tornar superficial ou ter a pretensão de entregar um plot twist matador no terceiro ato. Não, o filme não é sobre isso, mesmo que decepcione alguns - essencialmente aqueles que não gostaram ou ainda não assistiram "Ruptura".
Aqui cabe uma observação: nossa análise não sugere nenhum tipo de comparação entre "Ruptura" e "Kimi" como obra, mas sim pelo tom irônico e critico que uma premissa realista, com base no universo tecnológico e corporativo, pode se tornar se houver a disposição para isso, ou seja, seu play vai muito além do entretenimento raso que o contexto poderia sugerir.
"Kimi" (que no Brasil ganhou o expositivo subtítulo "Alguém está escutando") é um curioso caso de "ame ou odeie" que vai se basear nas referências de quem assiste e, mais do que isso, na forma como a audiência vai encarar a proposta do diretor Steven Soderbergh (de "Mosaic"e "High Flying Bird"). Se você olhar a história pelo prisma de "Black Mirror" com "A Mulher na Janela", provavelmente, sua resposta será "ok, mas esperava mais"; porém se você enxergar em Angela traços de uma possível personagem de "Ruptura" é bem possível que sua experiência seja completamente diferente e seu veredito bem mais positivo - como foi no nosso caso, inclusive.
Na trama, Angela Childs (Zoë Kravitz) é uma funcionária que analisa áudios coletados de uma assistente de voz chamada Kimi. Certo dia ela descobre uma mensagem que sugere um crime violento e ao tentar relatá-lo aos seus superiores, ela se depara com uma conspiração muito mais complexa do que havia imaginado. Confira o trailer (em inglês):
Steven Soderbergh sempre foi um diretor diferenciado, disposto a experimentar novas gramáticas e conceitos visuais para contar sua história com um certo tom de modernidade - inclusive tecnológico. Cinéfilo assumido, Soderbergh aproveita de um roteiro simples do veterano David Koepp (de "Jurassic Park", "Missão: Impossível" e "Homem-Aranha", para citar apenas três blockbusters sob sua chancela) para construir uma narrativa que inicialmente se propõe a ser mais realista trazendo um ar de Alfred Hitchcock, mas que em seguida subverte a proposta com o intuito de impor um certo humor, mais ácido (eu diria), apoiado propositalmente em clichês que vão da paranóia tecnológica contemporânea ao corporativismo metido a disruptivo que beira o non-sense - entende a comparação feita acima?
Sem a menor dúvida que o diretor brilha ao deixar claro que sabe exatamente o que está fazendo ao dividir sua obra em duas abordagens completamente diferentes - para alguns isso pode soar confuso, para outros genial. Tenho a impressão (e aí posso estar influenciado pelo que representou "Ruptura") que a segunda metade tem mais brilho que a primeira, principalmente quando o roteiro se permite não se levar tanto a sério - ou você acha que ter um hacker russo que vive no apartamento da mãe, uma assistente de voz que te grava 24h por dia ou o comentário sobre os termos e condições de aplicativos que ninguém lê, não são, de fato, críticas veladas fantasiadas de esteriótipos?
Um elemento que funciona muito mais para a "forma" do que para o "conteúdo" é o fato da protagonista ser "agorafóbica" (quem sofre com agorafobia tem medo de situações que possam levá-lo a sensações de aprisionamento). Reparem como Soderbergh usa de sua câmera e do desenho de som para nos colocar dentro do sufocamento da personagem. Dito isso, "Kimi" tem o mérito de brincar com a seriedade do assunto sem se tornar superficial ou ter a pretensão de entregar um plot twist matador no terceiro ato. Não, o filme não é sobre isso, mesmo que decepcione alguns - essencialmente aqueles que não gostaram ou ainda não assistiram "Ruptura".
Aqui cabe uma observação: nossa análise não sugere nenhum tipo de comparação entre "Ruptura" e "Kimi" como obra, mas sim pelo tom irônico e critico que uma premissa realista, com base no universo tecnológico e corporativo, pode se tornar se houver a disposição para isso, ou seja, seu play vai muito além do entretenimento raso que o contexto poderia sugerir.
Sabe aquela sensação de "vai dar ruim", mas que você não sabe muito bem quando ou de onde virá? Pois bem, é isso que você vai encontrar na excelente, mas angustiante, "Little Fires Everywhere". Lançada em 2020, a minissérie criada por Liz Tigelaar, é uma adaptação fiel e intensa do romance homônimo de Celeste Ng que explora temas sensíveis como o racismo, a maternidade e o privilégio social que normalmente vem acompanhado de muita hipocrisia - tudo isso entrelaçado pelas histórias de duas famílias muito diferentes que se chocam em meio a uma série de eventos que vão transformando suas vidas de uma forma visceral. Com performances fortes e uma narrativa que equilibra o suspense e o drama com a mesma competência, "Little Fires Everywhere" é um verdadeiro mergulho nas obscuridades das relações humanas e nas tensões que moldam os destinos (e o caráter) de seus personagens.
Aqui, a história se passa na década de 1990, em Shaker Heights, Ohio, uma comunidade planejada que valoriza a ordem e a perfeição. No centro da narrativa, temos duas mulheres com vidas e perspectivas completamente distintas: Elena Richardson (Reese Witherspoon), uma mãe e jornalista que segue rigidamente as regras da comunidade e mantém uma fachada de perfeição; e Mia Warren (Kerry Washington), uma artista e mãe solteira que vive de forma independente, sem se prender em convenções sociais. Quando Mia e sua filha Pearl (Lexi Underwood) se mudam para Shaker Heights e começam a se aproximar dos Richardson, suas vidas se colidem de forma incontrolável, revelando segredos e gerando conflitos que abalam a estrutura aparentemente perfeita da comunidade. Confira o trailer:
Dada as suas devidas proporções e estilos, "Little Fires Everywhere" é meio que um "Treta" ou "Parasita", só que da vida real! A adaptação de Liz Tigelaar é fiel ao espírito provocador do livro e ainda faz escolhas que expandem as discussões propostas por Celeste Ng, principalmente em relação as questões raciais e ao contexto social da época. A minissérie não se limita em explorar as diferenças de classe ou as tensões de gênero, mas também aprofunda as implicações raciais presentes na interação entre Mia e Elena, criando camadas adicionais de discriminação que afetam suas vidas e as vidas de seus filhos. Essa proposta dá para a minissérie uma relevância ainda maior e a torna uma reflexão poderosa sobre os sistemas de opressão que persistem, mesmo em comunidades aparentemente progressistas e "perfeitas".
Veja, a narrativa é construída de forma não-linear, com flashbacks que revelam gradualmente o passado de Mia e de Elena, explicando as motivações por trás de suas ações e decisões. Essa escolha conceitual mantém a audiência intrigada, ao mesmo tempo que oferece uma reflexão mais cuidadosa sobre os traumas e as escolhas que moldaram as protagonistas - e aqui cabe um comentário: elas estão longe de serem (im)perfeitas e muito menos unidimensionais. É isso que faz com que cada episódio seja uma peça de um enorme quebra-cabeça emocional que vai se construindo e nos surpreendendo até culminar em um final que, embora trágico, não deixa de ser fiel à lógica, a dinâmica da trama e, claro, ao destino dos personagens.
"Little Fires Everywhere" se aproveita das performances de Reese Witherspoon e Kerry Washington, para trazer autenticidade à história. Witherspoon interpreta Elena com precisão, capturando a frustração e a rigidez de uma mulher que, em sua busca pela perfeição, é incapaz de lidar com as imperfeições e contradições de sua própria vida. Ela é uma figura que simboliza o privilégio e a cegueira que muitas vezes acompanham aqueles que se beneficiam de sistemas que favorecem certos grupos em detrimento de outros. Já Kerry Washington, traz intensidade e ao papel de Mia - ela consegue transmitir tanto a força quanto a fragilidade de uma mulher que luta para proteger sua filha e seu próprio senso de liberdade, ao mesmo tempo que carrega o peso de algumas marcas do passado. A dinâmica entre Mia e Elena é o coração da minissérie, e as tensões entre as duas são construídas com cuidado, refletindo não apenas um conflito pessoal, mas também um embate de visões de mundo opostos.
Dito isso e embora em alguns momentos o roteiro possa até exagerar no melodrama, fica fácil atestar que "Little Fires Everywhere" sem dúvida não perde em impacto emocional e muito menos deixa de ser um entretenimento da melhor qualidade. Imperdível!
Sabe aquela sensação de "vai dar ruim", mas que você não sabe muito bem quando ou de onde virá? Pois bem, é isso que você vai encontrar na excelente, mas angustiante, "Little Fires Everywhere". Lançada em 2020, a minissérie criada por Liz Tigelaar, é uma adaptação fiel e intensa do romance homônimo de Celeste Ng que explora temas sensíveis como o racismo, a maternidade e o privilégio social que normalmente vem acompanhado de muita hipocrisia - tudo isso entrelaçado pelas histórias de duas famílias muito diferentes que se chocam em meio a uma série de eventos que vão transformando suas vidas de uma forma visceral. Com performances fortes e uma narrativa que equilibra o suspense e o drama com a mesma competência, "Little Fires Everywhere" é um verdadeiro mergulho nas obscuridades das relações humanas e nas tensões que moldam os destinos (e o caráter) de seus personagens.
Aqui, a história se passa na década de 1990, em Shaker Heights, Ohio, uma comunidade planejada que valoriza a ordem e a perfeição. No centro da narrativa, temos duas mulheres com vidas e perspectivas completamente distintas: Elena Richardson (Reese Witherspoon), uma mãe e jornalista que segue rigidamente as regras da comunidade e mantém uma fachada de perfeição; e Mia Warren (Kerry Washington), uma artista e mãe solteira que vive de forma independente, sem se prender em convenções sociais. Quando Mia e sua filha Pearl (Lexi Underwood) se mudam para Shaker Heights e começam a se aproximar dos Richardson, suas vidas se colidem de forma incontrolável, revelando segredos e gerando conflitos que abalam a estrutura aparentemente perfeita da comunidade. Confira o trailer:
Dada as suas devidas proporções e estilos, "Little Fires Everywhere" é meio que um "Treta" ou "Parasita", só que da vida real! A adaptação de Liz Tigelaar é fiel ao espírito provocador do livro e ainda faz escolhas que expandem as discussões propostas por Celeste Ng, principalmente em relação as questões raciais e ao contexto social da época. A minissérie não se limita em explorar as diferenças de classe ou as tensões de gênero, mas também aprofunda as implicações raciais presentes na interação entre Mia e Elena, criando camadas adicionais de discriminação que afetam suas vidas e as vidas de seus filhos. Essa proposta dá para a minissérie uma relevância ainda maior e a torna uma reflexão poderosa sobre os sistemas de opressão que persistem, mesmo em comunidades aparentemente progressistas e "perfeitas".
Veja, a narrativa é construída de forma não-linear, com flashbacks que revelam gradualmente o passado de Mia e de Elena, explicando as motivações por trás de suas ações e decisões. Essa escolha conceitual mantém a audiência intrigada, ao mesmo tempo que oferece uma reflexão mais cuidadosa sobre os traumas e as escolhas que moldaram as protagonistas - e aqui cabe um comentário: elas estão longe de serem (im)perfeitas e muito menos unidimensionais. É isso que faz com que cada episódio seja uma peça de um enorme quebra-cabeça emocional que vai se construindo e nos surpreendendo até culminar em um final que, embora trágico, não deixa de ser fiel à lógica, a dinâmica da trama e, claro, ao destino dos personagens.
"Little Fires Everywhere" se aproveita das performances de Reese Witherspoon e Kerry Washington, para trazer autenticidade à história. Witherspoon interpreta Elena com precisão, capturando a frustração e a rigidez de uma mulher que, em sua busca pela perfeição, é incapaz de lidar com as imperfeições e contradições de sua própria vida. Ela é uma figura que simboliza o privilégio e a cegueira que muitas vezes acompanham aqueles que se beneficiam de sistemas que favorecem certos grupos em detrimento de outros. Já Kerry Washington, traz intensidade e ao papel de Mia - ela consegue transmitir tanto a força quanto a fragilidade de uma mulher que luta para proteger sua filha e seu próprio senso de liberdade, ao mesmo tempo que carrega o peso de algumas marcas do passado. A dinâmica entre Mia e Elena é o coração da minissérie, e as tensões entre as duas são construídas com cuidado, refletindo não apenas um conflito pessoal, mas também um embate de visões de mundo opostos.
Dito isso e embora em alguns momentos o roteiro possa até exagerar no melodrama, fica fácil atestar que "Little Fires Everywhere" sem dúvida não perde em impacto emocional e muito menos deixa de ser um entretenimento da melhor qualidade. Imperdível!
Se você gosta daquele estilo de filme onde um único personagem comanda a narrativa normalmente contracenando com um telefone ou uma tela de computador como "A Hora do Desespero", de "Culpa" e até de "Buscando...", "Locke" é para você! O filme dirigido pelo Steven Knight (de "Calmaria"), funciona basicamente como um thriller psicológico dos mais inteligentes, levando a audiência em uma viagem angustiante, emocionalmente densa e profundamente cativante - eu diria que é um olhar profundo sobre temas como responsabilidade, ética e consequências, uma verdadeira reflexão sobre as escolhas que fazemos e como elas moldam nossas vidas.
A trama se desenrola em tempo real, enquanto acompanhamos Ivan Locke (Tom Hardy), um dedicado e respeitado engenheiro durante uma viagem de carro para Londres, um dia antes de encarar o maior desafio de sua carreira, pela qual lutou arduamente. Quando Locke recebe um telefonema ameaçando a segurança de sua família, ele tem 90 minutos e um "viva-voz" para enfrentar vários desafios pessoais e profissionais que colocam, inclusive, sua vida em xeque. Confira o trailer (em inglês):
O roteiro escrito pelo próprio Knight é a prova de que uma boa história não exige grandes investimentos. O texto é afiado e inteligente, capaz de explorar as camadas emocionais do protagonista de uma forma sutil e eficaz. Através das conversas telefônicas de Locke com sua esposa, filhos, colegas de trabalho, somos expostos a diferentes facetas de sua vida e da sua personalidade. A estrutura narrativa que usa das vozes dos outros personagens sem mostrá-los fisicamente contribui para a sensação de isolamento e intensifica a atmosfera de tensão pela qual o personagem está passando.
Inclusive, Tom Hardy entrega uma performance emocionalmente poderosa como Locke. Sua habilidade de transmitir as complexidades do personagem, mesmo sem a presença física de outros atores, é notável. Através de sua voz e das suas expressões faciais, Hardy transmite um range considerável de emoções - reparem como a confiança e determinação inicial se transforma em uma crescente ansiedade e vulnerabilidade à medida que os desafios se intensificam. Não foi por acaso que "Locke" ganhou o prêmio de melhor roteiro no British Independent Film Awards em 2013.
A direção de Steven Knight também é muito competente ao criar uma verdadeira experiência imersiva, mesmo com recursos limitados. A escolha de manter a ação dentro do carro e usar a iluminação noturna das estradas para criar uma atmosfera claustrofóbica é muito eficaz. A trilha sonora e o desenho de som também contribuem para a construção desse clima tenso, no entanto, para alguns, essa abordagem altamente conceitual pode parecer maçante. A falta de ação física e a ênfase quase exclusiva nas conversas por telefone podem desapontar aqueles que buscam um ritmo mais acelerado.
"Locke" é um filme com uma pegada independente, autoral e bastante criativo (valores que a A24 carrega em sua produções, diga-se de passagem) - só por isso já mereceria o seu play, mas além de tudo sua história é concisa, e mesmo sem se preocupar em entregar todas as respostas, nos proporciona uma ótima jornada de entretenimento.
Se você gosta daquele estilo de filme onde um único personagem comanda a narrativa normalmente contracenando com um telefone ou uma tela de computador como "A Hora do Desespero", de "Culpa" e até de "Buscando...", "Locke" é para você! O filme dirigido pelo Steven Knight (de "Calmaria"), funciona basicamente como um thriller psicológico dos mais inteligentes, levando a audiência em uma viagem angustiante, emocionalmente densa e profundamente cativante - eu diria que é um olhar profundo sobre temas como responsabilidade, ética e consequências, uma verdadeira reflexão sobre as escolhas que fazemos e como elas moldam nossas vidas.
A trama se desenrola em tempo real, enquanto acompanhamos Ivan Locke (Tom Hardy), um dedicado e respeitado engenheiro durante uma viagem de carro para Londres, um dia antes de encarar o maior desafio de sua carreira, pela qual lutou arduamente. Quando Locke recebe um telefonema ameaçando a segurança de sua família, ele tem 90 minutos e um "viva-voz" para enfrentar vários desafios pessoais e profissionais que colocam, inclusive, sua vida em xeque. Confira o trailer (em inglês):
O roteiro escrito pelo próprio Knight é a prova de que uma boa história não exige grandes investimentos. O texto é afiado e inteligente, capaz de explorar as camadas emocionais do protagonista de uma forma sutil e eficaz. Através das conversas telefônicas de Locke com sua esposa, filhos, colegas de trabalho, somos expostos a diferentes facetas de sua vida e da sua personalidade. A estrutura narrativa que usa das vozes dos outros personagens sem mostrá-los fisicamente contribui para a sensação de isolamento e intensifica a atmosfera de tensão pela qual o personagem está passando.
Inclusive, Tom Hardy entrega uma performance emocionalmente poderosa como Locke. Sua habilidade de transmitir as complexidades do personagem, mesmo sem a presença física de outros atores, é notável. Através de sua voz e das suas expressões faciais, Hardy transmite um range considerável de emoções - reparem como a confiança e determinação inicial se transforma em uma crescente ansiedade e vulnerabilidade à medida que os desafios se intensificam. Não foi por acaso que "Locke" ganhou o prêmio de melhor roteiro no British Independent Film Awards em 2013.
A direção de Steven Knight também é muito competente ao criar uma verdadeira experiência imersiva, mesmo com recursos limitados. A escolha de manter a ação dentro do carro e usar a iluminação noturna das estradas para criar uma atmosfera claustrofóbica é muito eficaz. A trilha sonora e o desenho de som também contribuem para a construção desse clima tenso, no entanto, para alguns, essa abordagem altamente conceitual pode parecer maçante. A falta de ação física e a ênfase quase exclusiva nas conversas por telefone podem desapontar aqueles que buscam um ritmo mais acelerado.
"Locke" é um filme com uma pegada independente, autoral e bastante criativo (valores que a A24 carrega em sua produções, diga-se de passagem) - só por isso já mereceria o seu play, mas além de tudo sua história é concisa, e mesmo sem se preocupar em entregar todas as respostas, nos proporciona uma ótima jornada de entretenimento.
"Losing Alice" é sensacional, eu diria, imperdível! Provavelmente você nem saiba do que eu estou falando, já que a série estreou quietinha, sem muito marketing e na AppleTV+, serviço de streaming que ainda está se estabelecendo no mercado nacional; mas, meu amigo, essa produção israelense com elementos de suspense psicológico, drama e erotismo, bem ao estilo "Instinto Selvagem" ou "Mulher solteira procura", nos prende de tal forma que nem vemos o tempo passar!
A trama é inspirada na história de Fausto e está dividida em 8 episódios de 50 minutos. Ela acompanha Alice (Ayelet Zurer) uma ambiciosa diretora de cinema de 47 anos que tenta dar uma guinada em sua carreira depois de passar um bom tempo cuidado de sua família. Quando ela encontra uma jovem e sexy roteirista, Sophie (Lihi Kornowski), sua vida vira de ponta cabeça. Alice fica obcecada pelo roteiro de Sophie que, por coincidência, seu marido, David (Gal Toren) irá protagonizar, e faz de tudo para assumir a direção do projeto. Obviamente que ela entra no projeto e conforme as duas vão se aproximando e o roteiro de Sophie vai ganhando vida, Alice vai renunciando toda sua integridade moral em um jogo perigoso de sedução, busca pelo sucesso e poder. Confira o trailer:
"Losing Alice", é escrita e dirigida por Sigal Avin, o que nos proporciona uma total integração de um texto excelente com uma direção muito segura e de muita qualidade. Veja, não se trata de uma tarefa fácil já que a história, propositalmente, orbita entre o real e a fantasia de uma forma muito orgânica e inteligente, nos provocando a criar inúmeras teorias do que realmente está acontecendo - mesmo que não esteja acontecendo nada demais! É incrível como o roteiro nos convida para mergulhar nas inúmeras camadas dos protagonistas (e aqui cito: Alice, Sophie e o próprio David) e encarar de frente todos os seus desejos mais ocultos e particulares, suas angústias, inseguranças, alegrias, e claro, ambições.
A fotografia, a trilha sonora e a direção de arte são sensacionais - tudo se conecta perfeitamente com uma atmosfera provocante, cheia de fetiches, no limite da tensão e do prazer. Reparem na casa de Alice e David - ela é toda de vidro e a relação com os vizinhos, embora pontuais, fortalecem a personalidade dos protagonistas e a complexidade das suas atitudes. É, de fato, um roteiro muito cuidadoso, com uma direção de muito bom gosto e uma produção irretocável - nível HBO!
Com essa chancela, embarque nessa jornada que vai valer muito a pena!
"Losing Alice" é sensacional, eu diria, imperdível! Provavelmente você nem saiba do que eu estou falando, já que a série estreou quietinha, sem muito marketing e na AppleTV+, serviço de streaming que ainda está se estabelecendo no mercado nacional; mas, meu amigo, essa produção israelense com elementos de suspense psicológico, drama e erotismo, bem ao estilo "Instinto Selvagem" ou "Mulher solteira procura", nos prende de tal forma que nem vemos o tempo passar!
A trama é inspirada na história de Fausto e está dividida em 8 episódios de 50 minutos. Ela acompanha Alice (Ayelet Zurer) uma ambiciosa diretora de cinema de 47 anos que tenta dar uma guinada em sua carreira depois de passar um bom tempo cuidado de sua família. Quando ela encontra uma jovem e sexy roteirista, Sophie (Lihi Kornowski), sua vida vira de ponta cabeça. Alice fica obcecada pelo roteiro de Sophie que, por coincidência, seu marido, David (Gal Toren) irá protagonizar, e faz de tudo para assumir a direção do projeto. Obviamente que ela entra no projeto e conforme as duas vão se aproximando e o roteiro de Sophie vai ganhando vida, Alice vai renunciando toda sua integridade moral em um jogo perigoso de sedução, busca pelo sucesso e poder. Confira o trailer:
"Losing Alice", é escrita e dirigida por Sigal Avin, o que nos proporciona uma total integração de um texto excelente com uma direção muito segura e de muita qualidade. Veja, não se trata de uma tarefa fácil já que a história, propositalmente, orbita entre o real e a fantasia de uma forma muito orgânica e inteligente, nos provocando a criar inúmeras teorias do que realmente está acontecendo - mesmo que não esteja acontecendo nada demais! É incrível como o roteiro nos convida para mergulhar nas inúmeras camadas dos protagonistas (e aqui cito: Alice, Sophie e o próprio David) e encarar de frente todos os seus desejos mais ocultos e particulares, suas angústias, inseguranças, alegrias, e claro, ambições.
A fotografia, a trilha sonora e a direção de arte são sensacionais - tudo se conecta perfeitamente com uma atmosfera provocante, cheia de fetiches, no limite da tensão e do prazer. Reparem na casa de Alice e David - ela é toda de vidro e a relação com os vizinhos, embora pontuais, fortalecem a personalidade dos protagonistas e a complexidade das suas atitudes. É, de fato, um roteiro muito cuidadoso, com uma direção de muito bom gosto e uma produção irretocável - nível HBO!
Com essa chancela, embarque nessa jornada que vai valer muito a pena!
Depois de assistir "Mother!" (título original) é tanta coisa pra dizer que fica até difícil começar. O fato é que fica muito claro que é um filme do Darren Aronofsky ("Cisne Negro") - é o estilo dele: da escolha das lentes, dos enquadramentos (basicamente três no filme inteiro), do movimento de câmera, da direção de atores com precisão até chegar no tom perfeito, a cor e a velocidade da narrativa extremamente pontual e objetiva - nos permitindo entender apenas o que ele mostra em um determinado momento e só! Para mim, ao lado do Denis Villeneuve e do (um pouco mais novo) Derek Cianfrance, o Aronofsky está entre os melhores diretores dessa geração.
No filme, uma mulher pensa que terá um final de semana tranquilo com o marido em casa. Porém, começam a chegar diversos convidados misteriosos na sua residência e isso faz com que o casamento deles seja testado das mais variadas maneiras. Confira o trailer:
Só pelo trailer o filme já merece ser assistido, agora saiba que não será uma experiência fácil e muito menos superficial. O filme possui várias camadas e as alegorias religiosas (muito bem embasadas, inclusive) estão por todos os lados, mas nem por isso são 100% perceptíveis - mas tenha certeza: nada no filme está ali por acaso (ele vai te provar isso, mas para isso você vai ser obrigado a assistir de novo e talvez "de novo").
"A história surgiu de viver nesse planeta e meio que ver o que acontece à nossa volta e ser incapaz de fazer algo", disse Aronofsky em entrevista à Variety. "Eu apenas sentia muita raiva, ódio, e quis canalizar isso em uma só emoção, em um só sentimento. Em cinco dias eu escrevi a primeira versão do roteiro. Foi como se ele fluísse dentro de mim", explica o cineasta sobre o processo criativo que o acometeu ao conceber "Mãe!".
É preciso dizer que muita gente não gostou do filme e eu respeito, mas esse é o tipo de filme que te obriga a sair da zona de conforto. Não é pra qualquer um (sem deméritos, mas é preciso gostar do estilo)! É o filme que te convida à embarcar em uma viagem que faz todo o sentido quando você busca as respostas no outro ou até mesmo no google (rs). Não é um filme comum e por isso seu roteiro é simplesmente genial. A metáfora fundamental de que "Mãe!" é a personificação da natureza e o conflito está na forma perversa como as pessoas se relacionam com o universo, faz Aronofsky adotar a típica estrutura de um suspense psicológico, onde um casal e a sua casa são os protagonistas, mas a narrativa se apoia em histórias bíblicas para recontar surgimento da humanidade no planeta Terra - parece loucura? Eu sei, mas faz todo sentido!
Na direção, Aronofsky faz o que quer com a câmera, com a lente (tenho a impressão que ele rodou tudo com uma 85mm, em close e só mudava o campo focal com a "facilidade" de ter a câmera na mão) - é coisa de quem sabe brincar de cinema, e muito bem! As percepções de Deus, da Natureza, de Adão, Eva, Caim, Abel, do Planeta, do Homem e da própria vaidade são jogadas na nossa cara a todo momento - e como ganha valor quando ele se critica também, afinal ele é o criador "desse" universo!!! Cada alegoria te permite muitas interpretações e, como ele mesmo disse: "são passíveis de discussão".
Eu acho que a Academia entrou no Hype do "filme cabeça demais para o meu gosto", mas não deveria. Por justiça, Jennifer Lawrence (no melhor papel da carreira) e Javier Bardem mereciam uma indicação (interpretação de olhar). Michelle Pfeiffer também, embora um pouco mais estereotipada! Montagem e Edição de Som tinham potencial até surpreender. Agora, não ter direção, roteiro e fotografia indicados, foi para perder as esperanças no mundo!!!
Vale muito o play... 3x no mínimo!!!
Depois de assistir "Mother!" (título original) é tanta coisa pra dizer que fica até difícil começar. O fato é que fica muito claro que é um filme do Darren Aronofsky ("Cisne Negro") - é o estilo dele: da escolha das lentes, dos enquadramentos (basicamente três no filme inteiro), do movimento de câmera, da direção de atores com precisão até chegar no tom perfeito, a cor e a velocidade da narrativa extremamente pontual e objetiva - nos permitindo entender apenas o que ele mostra em um determinado momento e só! Para mim, ao lado do Denis Villeneuve e do (um pouco mais novo) Derek Cianfrance, o Aronofsky está entre os melhores diretores dessa geração.
No filme, uma mulher pensa que terá um final de semana tranquilo com o marido em casa. Porém, começam a chegar diversos convidados misteriosos na sua residência e isso faz com que o casamento deles seja testado das mais variadas maneiras. Confira o trailer:
Só pelo trailer o filme já merece ser assistido, agora saiba que não será uma experiência fácil e muito menos superficial. O filme possui várias camadas e as alegorias religiosas (muito bem embasadas, inclusive) estão por todos os lados, mas nem por isso são 100% perceptíveis - mas tenha certeza: nada no filme está ali por acaso (ele vai te provar isso, mas para isso você vai ser obrigado a assistir de novo e talvez "de novo").
"A história surgiu de viver nesse planeta e meio que ver o que acontece à nossa volta e ser incapaz de fazer algo", disse Aronofsky em entrevista à Variety. "Eu apenas sentia muita raiva, ódio, e quis canalizar isso em uma só emoção, em um só sentimento. Em cinco dias eu escrevi a primeira versão do roteiro. Foi como se ele fluísse dentro de mim", explica o cineasta sobre o processo criativo que o acometeu ao conceber "Mãe!".
É preciso dizer que muita gente não gostou do filme e eu respeito, mas esse é o tipo de filme que te obriga a sair da zona de conforto. Não é pra qualquer um (sem deméritos, mas é preciso gostar do estilo)! É o filme que te convida à embarcar em uma viagem que faz todo o sentido quando você busca as respostas no outro ou até mesmo no google (rs). Não é um filme comum e por isso seu roteiro é simplesmente genial. A metáfora fundamental de que "Mãe!" é a personificação da natureza e o conflito está na forma perversa como as pessoas se relacionam com o universo, faz Aronofsky adotar a típica estrutura de um suspense psicológico, onde um casal e a sua casa são os protagonistas, mas a narrativa se apoia em histórias bíblicas para recontar surgimento da humanidade no planeta Terra - parece loucura? Eu sei, mas faz todo sentido!
Na direção, Aronofsky faz o que quer com a câmera, com a lente (tenho a impressão que ele rodou tudo com uma 85mm, em close e só mudava o campo focal com a "facilidade" de ter a câmera na mão) - é coisa de quem sabe brincar de cinema, e muito bem! As percepções de Deus, da Natureza, de Adão, Eva, Caim, Abel, do Planeta, do Homem e da própria vaidade são jogadas na nossa cara a todo momento - e como ganha valor quando ele se critica também, afinal ele é o criador "desse" universo!!! Cada alegoria te permite muitas interpretações e, como ele mesmo disse: "são passíveis de discussão".
Eu acho que a Academia entrou no Hype do "filme cabeça demais para o meu gosto", mas não deveria. Por justiça, Jennifer Lawrence (no melhor papel da carreira) e Javier Bardem mereciam uma indicação (interpretação de olhar). Michelle Pfeiffer também, embora um pouco mais estereotipada! Montagem e Edição de Som tinham potencial até surpreender. Agora, não ter direção, roteiro e fotografia indicados, foi para perder as esperanças no mundo!!!
Vale muito o play... 3x no mínimo!!!
Simplesmente impressionante e surpreendente - eu diria que é uma mistura equilibrada e muito bem construída de "Devs"e "Ruptura" com um leve toque do saudoso "Fringe"! "Matéria Escura", criada por Blake Crouch para a Apple TV+, é uma adaptação de seu próprio romance de ficção científica lançado em 2016. A série mergulha profundamente em temas como identidade, livre-arbítrio e realidades alternativas, proporcionando uma narrativa de fato envolvente e cheia de mistério e suspense, com elementos de uma complexa cadeia de ficção e ciência. Com uma premissa que explora as infinitas possibilidades da física quântica e as escolhas espirituais que definem nossas vidas, "Matéria Escura" cumpre a promessa de não apenas entreter, mas também de desafiar a audiência a refletir sobre as questões filosóficas que a história levanta com muita sabedoria.
A trama em si gira em torno de Jason Dessen (Joel Edgerton), um professor de física quântica cuja vida aparentemente comum é subitamente virada de cabeça para baixo quando ele é sequestrado e transportado para uma realidade paralela. Nessa nova realidade, Jason não é o homem de família simples que conhecemos, mas sim um renomado cientista que fez uma descoberta revolucionária sobre viagem entre universos paralelos. A série parte da busca de Jason para voltar à sua realidade original e à sua família, especialmente para sua mulher Daniela Vargas Dessen (Jennifer Connelly), enquanto navega pelas consequências de suas escolhas em múltiplos universos onde enfrenta versões alternativas de si mesmo. Confira o trailer:
É inegável;avel que a premissa central da série é ao mesmo tempo fascinante e complexa. A ideia de universos paralelos e as infinitas ramificações de cada escolha feita na vida de uma pessoa são habilmente exploradas por Blake Crouch, tanto no romance quanto na série. A física quântica e a teoria dos muitos mundos servem de base para a narrativa, mas "Matéria Escura" não se limita a ser apenas uma história de ficção científica; é também um drama emocional poderoso sobre a natureza das nossas decisões e o desejo universal de encontrar o nosso propósito e felicidade em meio às incertezas inerentes da nossa jornada. O roteiro é tão bem estruturado, com diálogos que equilibram a exposição científica necessária com momentos emocionais mais profundos, que nos sentimos bem confortáveis qualquer que seja o assunto. As questões filosóficas que surgem ao longo da série, como "O que define quem somos?" ou "As nossas escolhas realmente importam?", são abordadas de maneira direta, sem se tornarem excessivamente complicadas ou abstratas - isso, ao meu olhar, é o golaço da série!
Visualmente impressionante, "Matéria Escura" tem uma fotografia muito interessante que reflete o caos e a estranheza dos universos paralelos que Jason atravessa - mérito de John Lindley (de Your Honor") e de Jeffrey Greeley (especialista em efeitos especiais de "Jurrassic Park"). Os enquadramentos entregam cenários que variam de um mundo para o outro, desde paisagens distópicas até versões ligeiramente diferentes da nossa realidade, sempre mantendo a audiência imersa nas possibilidades infinitas desse multiverso. A Apple TV+, aliás, investiu pesado em efeitos visuais de alta qualidade aqui, o que foi essencial para tornar realista as transições entre as várias realidades que encontramos durante a jornada. Reparem como essas mudanças visuais ajudam a criar uma atmosfera de constante desorientação, refletindo o estado psicológico de Jason conforme ele perde a noção do que é real.
Antes de finalizar, é preciso comentar que, embora a ciência seja parte integrante da história, pode ser difícil para os menos familiarizados com esse conceito de mundos paralelos acompanhar todos os detalhes técnicos sem se sentir perdido em algum momento. Mesmo com o ritmo narrativo variando entre episódios, o impacto emocional da trama está sempre apoiado nas teses mais divertidas da física quântica, ou seja, a proposta de Crouch é mesmo o de provocar (para não dizer fritar) nosso intelecto, mas sem ser bitolado demais. Olha, para os fãs de ficção científica que apreciam uma boa dose de filosofia e drama, essa série oferece uma experiência realmente imersiva que sabe misturar entretenimento com uma exploração menos superficial de questões universais sobre a vida como entendemos!
Intrigante e que vai fazer valer muito o seu play!
Simplesmente impressionante e surpreendente - eu diria que é uma mistura equilibrada e muito bem construída de "Devs"e "Ruptura" com um leve toque do saudoso "Fringe"! "Matéria Escura", criada por Blake Crouch para a Apple TV+, é uma adaptação de seu próprio romance de ficção científica lançado em 2016. A série mergulha profundamente em temas como identidade, livre-arbítrio e realidades alternativas, proporcionando uma narrativa de fato envolvente e cheia de mistério e suspense, com elementos de uma complexa cadeia de ficção e ciência. Com uma premissa que explora as infinitas possibilidades da física quântica e as escolhas espirituais que definem nossas vidas, "Matéria Escura" cumpre a promessa de não apenas entreter, mas também de desafiar a audiência a refletir sobre as questões filosóficas que a história levanta com muita sabedoria.
A trama em si gira em torno de Jason Dessen (Joel Edgerton), um professor de física quântica cuja vida aparentemente comum é subitamente virada de cabeça para baixo quando ele é sequestrado e transportado para uma realidade paralela. Nessa nova realidade, Jason não é o homem de família simples que conhecemos, mas sim um renomado cientista que fez uma descoberta revolucionária sobre viagem entre universos paralelos. A série parte da busca de Jason para voltar à sua realidade original e à sua família, especialmente para sua mulher Daniela Vargas Dessen (Jennifer Connelly), enquanto navega pelas consequências de suas escolhas em múltiplos universos onde enfrenta versões alternativas de si mesmo. Confira o trailer:
É inegável;avel que a premissa central da série é ao mesmo tempo fascinante e complexa. A ideia de universos paralelos e as infinitas ramificações de cada escolha feita na vida de uma pessoa são habilmente exploradas por Blake Crouch, tanto no romance quanto na série. A física quântica e a teoria dos muitos mundos servem de base para a narrativa, mas "Matéria Escura" não se limita a ser apenas uma história de ficção científica; é também um drama emocional poderoso sobre a natureza das nossas decisões e o desejo universal de encontrar o nosso propósito e felicidade em meio às incertezas inerentes da nossa jornada. O roteiro é tão bem estruturado, com diálogos que equilibram a exposição científica necessária com momentos emocionais mais profundos, que nos sentimos bem confortáveis qualquer que seja o assunto. As questões filosóficas que surgem ao longo da série, como "O que define quem somos?" ou "As nossas escolhas realmente importam?", são abordadas de maneira direta, sem se tornarem excessivamente complicadas ou abstratas - isso, ao meu olhar, é o golaço da série!
Visualmente impressionante, "Matéria Escura" tem uma fotografia muito interessante que reflete o caos e a estranheza dos universos paralelos que Jason atravessa - mérito de John Lindley (de Your Honor") e de Jeffrey Greeley (especialista em efeitos especiais de "Jurrassic Park"). Os enquadramentos entregam cenários que variam de um mundo para o outro, desde paisagens distópicas até versões ligeiramente diferentes da nossa realidade, sempre mantendo a audiência imersa nas possibilidades infinitas desse multiverso. A Apple TV+, aliás, investiu pesado em efeitos visuais de alta qualidade aqui, o que foi essencial para tornar realista as transições entre as várias realidades que encontramos durante a jornada. Reparem como essas mudanças visuais ajudam a criar uma atmosfera de constante desorientação, refletindo o estado psicológico de Jason conforme ele perde a noção do que é real.
Antes de finalizar, é preciso comentar que, embora a ciência seja parte integrante da história, pode ser difícil para os menos familiarizados com esse conceito de mundos paralelos acompanhar todos os detalhes técnicos sem se sentir perdido em algum momento. Mesmo com o ritmo narrativo variando entre episódios, o impacto emocional da trama está sempre apoiado nas teses mais divertidas da física quântica, ou seja, a proposta de Crouch é mesmo o de provocar (para não dizer fritar) nosso intelecto, mas sem ser bitolado demais. Olha, para os fãs de ficção científica que apreciam uma boa dose de filosofia e drama, essa série oferece uma experiência realmente imersiva que sabe misturar entretenimento com uma exploração menos superficial de questões universais sobre a vida como entendemos!
Intrigante e que vai fazer valer muito o seu play!
"Midsommar" é uma experiência interessante, principalmente se você entender a proposta, se permitir mergulhar na dinâmica narrativa e na psique dos personagens. Veja, a história acompanha Dani (Florence Pugh) que após um terrível incidente que tirou a vida de toda sua família, se vê sozinha. Ao buscar o apoio em seu namorado Christian (Jack Reynor), ela percebe que os dois passam por um momento delicado do relacionamento - o que só aumenta sua insegurança. Quando Pelle (Vilhelm Blomgren), amigo sueco de Christian, convida ele e mais dois amigos para uma tradicional celebração de verão na aldeia onde cresceu, Dani não lida muito bem com a situação e praticamente obriga o namorado a convidá-la. O fato é que ela vê nessa viagem a chance de processar seu luto, porém o que ela encontra é algo completamente fora do esperado, do seu entendimento, o que transforma essa experiência em algo extremamente macabro. Confira o trailer:
"Midsommar" é o segundo trabalho do diretor Ari Aster, do excelente e premiadíssimo "Hereditário" - talvez por essa razão, o filme chegou cheio de expectativas entre os amantes de suspense com uma levada mais "Boa Noite, Mamãe" de 2014. Embora completamente distintos, existe um ponto de convergência entre esses filmes que nos ajuda a entender o fascínio pela forma como Ari Aster constrói a história: o desenvolvimento na relação dos personagens com o ambiente que eles estão inseridos é delicadamente formatado por camadas que, juntas, intensificam a sensação de angústia e que separadas focam em elementos essências para um bom suspense: umas são mais delicadas, outras mais brutas, mas quando tudo nos leva a crer que o problema é externo - visualmente representada por cenas bem impactantes; entendemos que é o íntimo que transforma a situação em algo quase insuportável. Isso tudo para dizer que "Midsommar" é um filme que vai além do que vemos na tela e isso não deve agradar a todos, porém é preciso elogiar o trabalho conceitual que o diretor nos entrega.Vale muito a pena se você gostar do gênero e da forma como ele é representado!
É característica desse diretor/roteirista trabalhar muita coisa ao mesmo tempo, e nem sempre isso é visto com bons olhos - até porque o filme acaba ficando longo e, para alguns, cansativo. O relacionamento dos protagonistas trazem a sutileza do desconforto mútuo entre pessoas que já não se gostam mais como antes, mas também o medo de perder aquilo que já faz parte da sua vida. Mesmo inconstante psicologicamente, Christian não quer deixar Dani, mas ela já entendeu que tudo que viveu com ele talvez já não faça mais sentido - só que ele não sabe ainda. Essa relação de insegurança perante a vida do ser humano é extremamente difícil de se retratar sem estereotipar uma ou outra situação e é aí que Ari Aster brilha: ele deixa para estereotipar o "em torno" e nunca o sentimento dos personagens, então quando misturamos tudo isso, parece loucura, algo sem noção, mas na verdade é só a forma natural como ele provoca os personagens a lidarem com suas dores mais profundas em um universo tão distante da realidade deles! Quando Aster se dedica na construção de uma atmosfera misteriosa, com um toque de terror pastoral - bem mais intenso que Shayamalan imprimiu em "A Vila", entendemos porque o comportamento daquelas pessoas que vivem na Aldeia nos causam tanto desconforto. O trabalho sutil do medo é validado por atitudes extremas, esse é o conceito!
Se em alguns momentos tudo aquilo parece um pouco ensaiado demais, logo lembramos que se trata de um culto e a repetição trás essa característica. É tão interessante o impacto que isso causa nos outros personagens, mesmo que superficialmente, que eu diria que se "Midsommar" fosse uma série, estaríamos tão intrigados como nos tempos de "Lost". O fato é que o filme trabalha muito bem o que pode ser mostrado e o que deve ser sugerido e isso pode causar um certo distanciamento do público que quer "tomar sustos" - não estamos falando desse tipo de filme, que fique claro, porém o que vemos no primeiro ato, para mim, já foi mais que o suficiente e me deixou ansioso e receoso pelo o que eu poderia encontrar no restante da história. Para alguns isso pode parecer inconstância, para mim foi estratégico e no final do filme, a sensação de alivio foi tão intensa que as próprias escolhas duvidosas do roteiro foram esquecidas.
Reparem como "Midsommar" tem cara de suspense psicológico independente, mas está fantasiado de filme comercial! No final das contas eu gostei e indico para o assinante mais disposto a refletir sobre o que vai ver na tela e sobre o que poderia ter visto, mas o diretor preferiu não entregar!
"Midsommar" é uma experiência interessante, principalmente se você entender a proposta, se permitir mergulhar na dinâmica narrativa e na psique dos personagens. Veja, a história acompanha Dani (Florence Pugh) que após um terrível incidente que tirou a vida de toda sua família, se vê sozinha. Ao buscar o apoio em seu namorado Christian (Jack Reynor), ela percebe que os dois passam por um momento delicado do relacionamento - o que só aumenta sua insegurança. Quando Pelle (Vilhelm Blomgren), amigo sueco de Christian, convida ele e mais dois amigos para uma tradicional celebração de verão na aldeia onde cresceu, Dani não lida muito bem com a situação e praticamente obriga o namorado a convidá-la. O fato é que ela vê nessa viagem a chance de processar seu luto, porém o que ela encontra é algo completamente fora do esperado, do seu entendimento, o que transforma essa experiência em algo extremamente macabro. Confira o trailer:
"Midsommar" é o segundo trabalho do diretor Ari Aster, do excelente e premiadíssimo "Hereditário" - talvez por essa razão, o filme chegou cheio de expectativas entre os amantes de suspense com uma levada mais "Boa Noite, Mamãe" de 2014. Embora completamente distintos, existe um ponto de convergência entre esses filmes que nos ajuda a entender o fascínio pela forma como Ari Aster constrói a história: o desenvolvimento na relação dos personagens com o ambiente que eles estão inseridos é delicadamente formatado por camadas que, juntas, intensificam a sensação de angústia e que separadas focam em elementos essências para um bom suspense: umas são mais delicadas, outras mais brutas, mas quando tudo nos leva a crer que o problema é externo - visualmente representada por cenas bem impactantes; entendemos que é o íntimo que transforma a situação em algo quase insuportável. Isso tudo para dizer que "Midsommar" é um filme que vai além do que vemos na tela e isso não deve agradar a todos, porém é preciso elogiar o trabalho conceitual que o diretor nos entrega.Vale muito a pena se você gostar do gênero e da forma como ele é representado!
É característica desse diretor/roteirista trabalhar muita coisa ao mesmo tempo, e nem sempre isso é visto com bons olhos - até porque o filme acaba ficando longo e, para alguns, cansativo. O relacionamento dos protagonistas trazem a sutileza do desconforto mútuo entre pessoas que já não se gostam mais como antes, mas também o medo de perder aquilo que já faz parte da sua vida. Mesmo inconstante psicologicamente, Christian não quer deixar Dani, mas ela já entendeu que tudo que viveu com ele talvez já não faça mais sentido - só que ele não sabe ainda. Essa relação de insegurança perante a vida do ser humano é extremamente difícil de se retratar sem estereotipar uma ou outra situação e é aí que Ari Aster brilha: ele deixa para estereotipar o "em torno" e nunca o sentimento dos personagens, então quando misturamos tudo isso, parece loucura, algo sem noção, mas na verdade é só a forma natural como ele provoca os personagens a lidarem com suas dores mais profundas em um universo tão distante da realidade deles! Quando Aster se dedica na construção de uma atmosfera misteriosa, com um toque de terror pastoral - bem mais intenso que Shayamalan imprimiu em "A Vila", entendemos porque o comportamento daquelas pessoas que vivem na Aldeia nos causam tanto desconforto. O trabalho sutil do medo é validado por atitudes extremas, esse é o conceito!
Se em alguns momentos tudo aquilo parece um pouco ensaiado demais, logo lembramos que se trata de um culto e a repetição trás essa característica. É tão interessante o impacto que isso causa nos outros personagens, mesmo que superficialmente, que eu diria que se "Midsommar" fosse uma série, estaríamos tão intrigados como nos tempos de "Lost". O fato é que o filme trabalha muito bem o que pode ser mostrado e o que deve ser sugerido e isso pode causar um certo distanciamento do público que quer "tomar sustos" - não estamos falando desse tipo de filme, que fique claro, porém o que vemos no primeiro ato, para mim, já foi mais que o suficiente e me deixou ansioso e receoso pelo o que eu poderia encontrar no restante da história. Para alguns isso pode parecer inconstância, para mim foi estratégico e no final do filme, a sensação de alivio foi tão intensa que as próprias escolhas duvidosas do roteiro foram esquecidas.
Reparem como "Midsommar" tem cara de suspense psicológico independente, mas está fantasiado de filme comercial! No final das contas eu gostei e indico para o assinante mais disposto a refletir sobre o que vai ver na tela e sobre o que poderia ter visto, mas o diretor preferiu não entregar!