O cinema tem uma longa tradição de explorar histórias baseadas em eventos reais, mas poucos filmes conseguem capturar a tensão de uma situação verídica com a precisão e o minimalismo de "Reality"- no entanto, ele vai dividir opiniões, muito mais por sua forma do que pelo seu conteúdo. Eu diria que se você não gostou do conceito narrativo de "A Assistente", possivelmente você também não terá um boa experiência com "Reality", mas saiba que o inverso é proporcionalmente verdadeiro! Dirigido pela Tina Satter e estrelado pela queridinha Sydney Sweeney, o filme adapta para as telas a transcrição exata do interrogatório do FBI com Reality Winner, ex-funcionária da NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA) que supostamente vazou um documento confidencial sobre a interferência russa nas eleições presidenciais de 2016. Com uma abordagem, não por acaso, quase teatral e uma direção meticulosa, "Reality" se destaca como um thriller psicólogo e político atípico, que transforma diálogos burocráticos em uma experiência claustrofóbica e muito angustiante.
O filme inteiro se desenrola em 3 de junho de 2017, quando Reality Winner (Sweeney) retorna para casa e é imediatamente confrontada por agentes do FBI. Em tempo real, acompanhamos seu interrogatório, conduzido por dois agentes interpretados por Josh Hamilton e Marchánt Davis, enquanto a tensão cresce a cada resposta aparentemente inocente. O roteiro é construído inteiramente com base na transcrição do interrogatório oficial, o que confere ao filme um senso de autenticidade raro, sem concessões dramatúrgicas convencionais. A escolha de manter cada hesitação, pausa e repetição de palavras enfatiza a frieza do processo e a vulnerabilidade da protagonista. Confira o trailer (em inglês):
Tina Satter, que já havia explorado essa história no teatro com "Is This a Room", transporta sua visão para o cinema com uma direção extremamente austera e econômica. Sua câmera permanece próxima dos personagens, capturando os mínimos gestos e expressões, enquanto a montagem sutil reforça a crescente opressão psicológica que a protagonista precisa lidar. A decisão de manter a ação restrita ao ambiente fechado da casa de Reality contribui para todo esse caráter claustrofóbico e angustiante da narrativa, criando um senso de sufocamento que se intensifica conforme o interrogatório avança - é impossível você não se colocar no lugar dela e assim sentir seus medos e receios. Além disso, o uso ocasional de silêncios e sobreposições sonoras (como as falas censuradas da transcrição original) sublinha a natureza fria e meticulosa dessa operação do FBI.
Sydney Sweeney entrega, possivelmente, a melhor performance de sua carreira, afastando-se completamente de seus papéis anteriores em "Euphoria" e "The White Lotus". Aqui, ela encarna uma Reality com um realismo impressionante, equilibrando nervosismo, confusão e resignação diante de uma situação que rapidamente foge do seu controle (mesmo ela tentando manter a calma). Seu trabalho corporal e a maneira como ela reage aos agentes do FBI sem recorrer a exageros dramáticos demonstram uma maturidade impressionante como atriz - não por acaso ela foi indicada ao
. Já Josh Hamilton e Marchánt Davis, como os agentes interrogadores, também brilham ao trazer uma performance contida, no tom exato, que enfatiza a banalidade do mal. Veja, aqui não há vilões caricatos, apenas burocratas fazendo seu trabalho de forma fria e impessoal.A grande verdade é que o que torna "Reality" tão impactante é a sua capacidade de transformar um simples diálogo em um thriller psicológico denso e inquietante. A ausência de trilha sonora, a iluminação naturalista e a montagem linear fazem com que a audiência sinta o peso da manipulação exercida durante o interrogatório - temos impressão que nada acontece, mas na realidade aquilo é nos leva para um caos íntimo e sem fim. Para mim,"Reality" é um estudo muito poderoso e atual sobre poder, vigilância, privacidade e, claro, sobre as consequências de desafiar um sistema que costuma ser implacável.
Vale muito o seu play!
O cinema tem uma longa tradição de explorar histórias baseadas em eventos reais, mas poucos filmes conseguem capturar a tensão de uma situação verídica com a precisão e o minimalismo de "Reality"- no entanto, ele vai dividir opiniões, muito mais por sua forma do que pelo seu conteúdo. Eu diria que se você não gostou do conceito narrativo de "A Assistente", possivelmente você também não terá um boa experiência com "Reality", mas saiba que o inverso é proporcionalmente verdadeiro! Dirigido pela Tina Satter e estrelado pela queridinha Sydney Sweeney, o filme adapta para as telas a transcrição exata do interrogatório do FBI com Reality Winner, ex-funcionária da NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA) que supostamente vazou um documento confidencial sobre a interferência russa nas eleições presidenciais de 2016. Com uma abordagem, não por acaso, quase teatral e uma direção meticulosa, "Reality" se destaca como um thriller psicólogo e político atípico, que transforma diálogos burocráticos em uma experiência claustrofóbica e muito angustiante.
O filme inteiro se desenrola em 3 de junho de 2017, quando Reality Winner (Sweeney) retorna para casa e é imediatamente confrontada por agentes do FBI. Em tempo real, acompanhamos seu interrogatório, conduzido por dois agentes interpretados por Josh Hamilton e Marchánt Davis, enquanto a tensão cresce a cada resposta aparentemente inocente. O roteiro é construído inteiramente com base na transcrição do interrogatório oficial, o que confere ao filme um senso de autenticidade raro, sem concessões dramatúrgicas convencionais. A escolha de manter cada hesitação, pausa e repetição de palavras enfatiza a frieza do processo e a vulnerabilidade da protagonista. Confira o trailer (em inglês):
Tina Satter, que já havia explorado essa história no teatro com "Is This a Room", transporta sua visão para o cinema com uma direção extremamente austera e econômica. Sua câmera permanece próxima dos personagens, capturando os mínimos gestos e expressões, enquanto a montagem sutil reforça a crescente opressão psicológica que a protagonista precisa lidar. A decisão de manter a ação restrita ao ambiente fechado da casa de Reality contribui para todo esse caráter claustrofóbico e angustiante da narrativa, criando um senso de sufocamento que se intensifica conforme o interrogatório avança - é impossível você não se colocar no lugar dela e assim sentir seus medos e receios. Além disso, o uso ocasional de silêncios e sobreposições sonoras (como as falas censuradas da transcrição original) sublinha a natureza fria e meticulosa dessa operação do FBI.
Sydney Sweeney entrega, possivelmente, a melhor performance de sua carreira, afastando-se completamente de seus papéis anteriores em "Euphoria" e "The White Lotus". Aqui, ela encarna uma Reality com um realismo impressionante, equilibrando nervosismo, confusão e resignação diante de uma situação que rapidamente foge do seu controle (mesmo ela tentando manter a calma). Seu trabalho corporal e a maneira como ela reage aos agentes do FBI sem recorrer a exageros dramáticos demonstram uma maturidade impressionante como atriz - não por acaso ela foi indicada ao
. Já Josh Hamilton e Marchánt Davis, como os agentes interrogadores, também brilham ao trazer uma performance contida, no tom exato, que enfatiza a banalidade do mal. Veja, aqui não há vilões caricatos, apenas burocratas fazendo seu trabalho de forma fria e impessoal.A grande verdade é que o que torna "Reality" tão impactante é a sua capacidade de transformar um simples diálogo em um thriller psicológico denso e inquietante. A ausência de trilha sonora, a iluminação naturalista e a montagem linear fazem com que a audiência sinta o peso da manipulação exercida durante o interrogatório - temos impressão que nada acontece, mas na realidade aquilo é nos leva para um caos íntimo e sem fim. Para mim,"Reality" é um estudo muito poderoso e atual sobre poder, vigilância, privacidade e, claro, sobre as consequências de desafiar um sistema que costuma ser implacável.
Vale muito o seu play!
Com todos os clichês românticos possíveis e uma narrativa que muitas vezes beira o dramalhão meloso, posso te garantir: você vai se surpreender e se apaixonar por "Recomeço"! Lançada em 2022 pela Netflix, a minissérie é um drama dos mais encantadores e emocionantes - criada por Tembi Locke e inspirada em suas próprias memórias, retratadas no livro "From Scratch: A Memoir of Love, Sicily, and Finding Home". Olha, não se engane, a minissérie não é uma jornada tão tranquila assim, embora o primeiro episódio deixe a falsa impressão que "tivesse algumas piadinhas", facilmente poderia ser uma comédia romântica, "Recomeço" sabe da sua força dramática ao explorar as nuances entre o poder do amor, a dor da perda e o processo de reconstrução após uma tragédia - sempre pela perspectiva, muitas vezes crítica, da família.
Basicamente a trama gira em torno de Amy Wheeler (Zoe Saldaña), uma americana que se muda para a Itália para estudar arte e que, durante sua estadia em Florença, se apaixona por Lino (Eugenio Mastrandrea), um adorável chef siciliano. À medida que o romance engata, a história passa explorar as dinâmicas culturais entre as famílias de Amy e Lino, e os desafios que o casal enfrenta em sua relação intercultural. No entanto, o drama aumenta quando Lino é diagnosticado com uma doença terminal, forçando o casal a enfrentar a dor e as dificuldades de uma perda iminente. Confira o trailer, mas separe o lencinho:
"Recomeço" é profundamente pessoal e intimista, e por mais que possa parecer "mais do mesmo" ao fazer um recorte mais romântico, e depois dramático, das experiências reais de Locke e de sua luta quando descobre a doença de seu marido, existe uma certa sensação de magia na sua narrativa. A forma como ela retrata a reconstrução de sua vida confere à narrativa uma autenticidade emocional que é palpável e incrivelmente empática - é impossível não se conectar com a protagonista. "Recomeço" é um drama que toca em temas universais, claro, mas faz de uma maneira honesta, pontuando as expectativas de Amy Wheeler em contrapartida à dura realidade de Lino.
Zoe Saldaña oferece uma performance poderosa e sensível. Ela captura a jornada emocional de uma mulher apaixonada e cheia de vida que é forçada a enfrentar uma perda devastadora. Saldaña equilibra momentos de alegria e esperança com cenas de profundo desespero, tornando a trajetória de Amy incrivelmente humana. Sua química com Eugenio Mastrandrea é autêntica e comovente - é impressionante como os dois juntos formam o coração emocional da minissérie. E aqui cabe um comentário importante: o roteiro exalta a gastronomia italiana como um alívio entre as cenas mais dramáticas e ainda que flerte com alguns estereótipos, consegue evidenciar questões culturais clássicas que separam um modo de vida europeu do americano.
A direção de Nzingha Stewart (de "Daisy Jones & The Six") e de Dennie Gordon (de "Bloodline") é visualmente impressionante - especialmente nas cenas que se passam na Itália. As paisagens da Toscana e da Sicília são capturadas de maneira belíssima, servindo como pano de fundo para a jornada do casal. A fotografia aproveita ao máximo os contrastes entre o calor da cultura italiana e o peso do drama familiar em Los Angeles, criando um gatilho que reflete as tensões emocionais e culturais presentes na história. Outro elemento que merece destaque é a trilha sonora: com músicas que vão de baladas emocionantes a sons italianos mais tradicionais, eu diria que esse é o ponto que dá o tom da minissérie - a música não apenas reforça a emoção das cenas, mas também ajuda a criar uma atmosfera que destaca o encontro de culturas tão diferentes.
Com atuações comoventes e uma narrativa rica em sentimentos e sensações, "From Scratch" (no original) é uma das boas surpresas escondidas no streaming. Uma história de amor que não esquece dos reflexos sobre a família. Uma história de resiliência que não esquece de como essa jornada pode ser dolorosa. Uma história de vida que não esquece de como a conexão entre diferentes pessoas e culturas exige tanto de nós. Tudo contado com uma autenticidade que traz as experiências pessoais da autora ao mesmo tempo que oferece uma visão honesta e sincera sobre como as memórias podem servir como um ponto de inflexão da vida e com aqueles que amamos.
Imperdível!
Com todos os clichês românticos possíveis e uma narrativa que muitas vezes beira o dramalhão meloso, posso te garantir: você vai se surpreender e se apaixonar por "Recomeço"! Lançada em 2022 pela Netflix, a minissérie é um drama dos mais encantadores e emocionantes - criada por Tembi Locke e inspirada em suas próprias memórias, retratadas no livro "From Scratch: A Memoir of Love, Sicily, and Finding Home". Olha, não se engane, a minissérie não é uma jornada tão tranquila assim, embora o primeiro episódio deixe a falsa impressão que "tivesse algumas piadinhas", facilmente poderia ser uma comédia romântica, "Recomeço" sabe da sua força dramática ao explorar as nuances entre o poder do amor, a dor da perda e o processo de reconstrução após uma tragédia - sempre pela perspectiva, muitas vezes crítica, da família.
Basicamente a trama gira em torno de Amy Wheeler (Zoe Saldaña), uma americana que se muda para a Itália para estudar arte e que, durante sua estadia em Florença, se apaixona por Lino (Eugenio Mastrandrea), um adorável chef siciliano. À medida que o romance engata, a história passa explorar as dinâmicas culturais entre as famílias de Amy e Lino, e os desafios que o casal enfrenta em sua relação intercultural. No entanto, o drama aumenta quando Lino é diagnosticado com uma doença terminal, forçando o casal a enfrentar a dor e as dificuldades de uma perda iminente. Confira o trailer, mas separe o lencinho:
"Recomeço" é profundamente pessoal e intimista, e por mais que possa parecer "mais do mesmo" ao fazer um recorte mais romântico, e depois dramático, das experiências reais de Locke e de sua luta quando descobre a doença de seu marido, existe uma certa sensação de magia na sua narrativa. A forma como ela retrata a reconstrução de sua vida confere à narrativa uma autenticidade emocional que é palpável e incrivelmente empática - é impossível não se conectar com a protagonista. "Recomeço" é um drama que toca em temas universais, claro, mas faz de uma maneira honesta, pontuando as expectativas de Amy Wheeler em contrapartida à dura realidade de Lino.
Zoe Saldaña oferece uma performance poderosa e sensível. Ela captura a jornada emocional de uma mulher apaixonada e cheia de vida que é forçada a enfrentar uma perda devastadora. Saldaña equilibra momentos de alegria e esperança com cenas de profundo desespero, tornando a trajetória de Amy incrivelmente humana. Sua química com Eugenio Mastrandrea é autêntica e comovente - é impressionante como os dois juntos formam o coração emocional da minissérie. E aqui cabe um comentário importante: o roteiro exalta a gastronomia italiana como um alívio entre as cenas mais dramáticas e ainda que flerte com alguns estereótipos, consegue evidenciar questões culturais clássicas que separam um modo de vida europeu do americano.
A direção de Nzingha Stewart (de "Daisy Jones & The Six") e de Dennie Gordon (de "Bloodline") é visualmente impressionante - especialmente nas cenas que se passam na Itália. As paisagens da Toscana e da Sicília são capturadas de maneira belíssima, servindo como pano de fundo para a jornada do casal. A fotografia aproveita ao máximo os contrastes entre o calor da cultura italiana e o peso do drama familiar em Los Angeles, criando um gatilho que reflete as tensões emocionais e culturais presentes na história. Outro elemento que merece destaque é a trilha sonora: com músicas que vão de baladas emocionantes a sons italianos mais tradicionais, eu diria que esse é o ponto que dá o tom da minissérie - a música não apenas reforça a emoção das cenas, mas também ajuda a criar uma atmosfera que destaca o encontro de culturas tão diferentes.
Com atuações comoventes e uma narrativa rica em sentimentos e sensações, "From Scratch" (no original) é uma das boas surpresas escondidas no streaming. Uma história de amor que não esquece dos reflexos sobre a família. Uma história de resiliência que não esquece de como essa jornada pode ser dolorosa. Uma história de vida que não esquece de como a conexão entre diferentes pessoas e culturas exige tanto de nós. Tudo contado com uma autenticidade que traz as experiências pessoais da autora ao mesmo tempo que oferece uma visão honesta e sincera sobre como as memórias podem servir como um ponto de inflexão da vida e com aqueles que amamos.
Imperdível!
"Rede de Ódio" é um grande filme, com um roteiro excelente e uma direção impecável! Dito isso, fica muito fácil criar um paralelo desse filme polonês com uma produção sueca, dessa vez uma minissérie, chamada "Areia Movediça" - ambos mostram como é construída uma situação extrema de ódio, embora com objetivos diferentes, o foco não é ato em si, mas o que leva uma pessoa a cometer uma atrocidade dessas. É quase um estudo psicológico sobre os protagonistas, como se fosse peças de um quebra-cabeça que vão se juntando até alcançar o limite de uma ideologia - vale citar que o protagonista de "Rede de Ódio" dá um show (mas sobre isso vamos nos aprofundar mais a frente).
Tomasz Giemza (Maciej Musialowski) é um jovem rapaz vindo do interior da Polônia cujos estudos na faculdade de Direito são pagos pela família de Robert (Jacek Koman) e Zofia Krasucka (Danuta Stenka). Tomasz nutre uma paixão quase platônica por Gabi (Vanessa Aleksander), filha mais nova do casal, mas, apesar do aparente respeito entre eles, Tomasz descobre que é motivo de chacota ao escutar uma conversa dos Krasucka - por sua forma de ser e pelo abismo social que os separam. Ao ser expulso da faculdade, por plagiar um trabalho, Tomasz começa um emprego numa agência de publicidade especializada em eliminar a reputação dos concorrentes de seus clientes através das redes sociais. Quando ele é escalado para destruir um dos candidatos à prefeitura de Varsóvia e esse mesmo candidato é apoiado pela família de Gabi, Tomasz se vê em uma enorme oportunidade de mostrar que, mesmo humilhado pela vida, ele pode dar a volta por cima e ainda provar que não existem limites para sua ambição e competência! Confira o trailer (em inglês):
"Rede de Ódio" é uma agradável surpresa, chancelada pelo prêmio de melhor Filme Internacional no Tribeca Film Festival de 2020. Novo filme do diretor de "Corpus Christi", indicado ao último Oscar de Filme Estrangeiro, "Rede de Ódio" é um drama psicológico muito, mas muito bom! A forma como a trama vai se construindo é tão fluida que nem nos damos conta de como tudo aquilo que vemos na tela é tão próximo de nós, mesmo sendo tão surreal - é como misturar o documentário "Privacidade Hackeada" com o filme "22 July", ambos da Netflix! Olha, vale muito a pena mesmo e pode acreditar: esse filme vai te fazer refletir sobre muito dos absurdos que vivemos hoje em dia no nosso país!
O roteiro do jovem polonês Mateusz Pacewicz é uma aula de construção de personagem em apenas duas horas - é de Pacewicz o roteiro de "Corpus Christi", inclusive. Ele vai transformando Tomasz Giemza ao mesmo tempo em que vai se aprofundando em cada uma das camadas do personagem - se no inicio sentimos dó, em um determinado momento sentimos ódio e logo depois entendemos suas motivações, mas não concordamos com suas atitudes! Sim, é um ciclo de emoções que nos vai provocando até nos perguntarmos até onde Tomasz será capaz de ir para se provar como um homem de sucesso! O interessante na maneira como o diretor Jan Komasa direciona sua câmera é que ele nos coloca ao lado do protagonista durante o filme inteiro, como se quisesse que refletíssemos sobre o que faríamos se estivéssemos naquela mesma posição. Quando a montadora Aleksandra Gowin quebra a linha temporal para explicar como Tomasz está se sentindo, ao lidar com todo aquele menosprezo, temos uma ideia bastante clara de como o sentimento de inferioridade vai construindo um extremista que precisa ser superior em algum momento!
Logo na primeira cena do filme já temos a certeza que Jan Komasa é daqueles diretores geniais que precisamos acompanhar de perto. A sensibilidade com que ele dirigiu o ator Maciej Musialowski é impressionante. Musialowsk não vacila um minuto na construção de um criminoso dos dias de hoje - ele sabe utilizar tão bem o silêncio que antecede cada uma das suas ações que somos capazes de adivinhar exatamente o que ele está pensado (ou pesando) antes de tomar sua próxima atitude. Quando ele se aproxima do candidato Pawel Rudnicki (Maciej Stuhr) ou da sua chefe Beata Santorska (Agata Kulesza) temos absoluta certeza que se trata de uma mente psicopata em plena evolução! O interessante é que o personagem tem uma dualidade muito particular, perfeitamente alinhada a fotografia do diretor Radek Ladczuk: se nos momentos em que está sozinho, tramando suas ações, a tonalidade é mais fria, azulada, em situações sociais ela é mais quente, amarelada até!
Outro ponto que também merece destaque é o equilíbrio entre a mixagem e o desenho de som: em um determinado momento temos uma cena com uma belíssima música clássica contrastando com a força dramática que vemos na tela, bem ao estilo "Cisne Negro" - reparem! Talvez seja o ponto alto de filme e quando entendemos que tudo está muito bem conectado: direção, fotografia, atuação, trilha e, claro, roteiro!
"Rede de Ódio" parece uma história superficial, bobinha, mas pouco a pouco vamos sendo guiados por caminhos tão obscuros e inesperados, que quando nos damos conta já perdemos a noção do que é certo e do que errado, o que se justifica e o que é uma porta aberta para a loucura! Um filme que expõe os limites de uma indústria do ódio abastecida pela ferramenta das fake news que manipula e transforma qualquer pessoa menos atenta em expectadores de um circo nada amigável e quase sempre cruel! Vale a pena o seu play, já!
"Rede de Ódio" é um grande filme, com um roteiro excelente e uma direção impecável! Dito isso, fica muito fácil criar um paralelo desse filme polonês com uma produção sueca, dessa vez uma minissérie, chamada "Areia Movediça" - ambos mostram como é construída uma situação extrema de ódio, embora com objetivos diferentes, o foco não é ato em si, mas o que leva uma pessoa a cometer uma atrocidade dessas. É quase um estudo psicológico sobre os protagonistas, como se fosse peças de um quebra-cabeça que vão se juntando até alcançar o limite de uma ideologia - vale citar que o protagonista de "Rede de Ódio" dá um show (mas sobre isso vamos nos aprofundar mais a frente).
Tomasz Giemza (Maciej Musialowski) é um jovem rapaz vindo do interior da Polônia cujos estudos na faculdade de Direito são pagos pela família de Robert (Jacek Koman) e Zofia Krasucka (Danuta Stenka). Tomasz nutre uma paixão quase platônica por Gabi (Vanessa Aleksander), filha mais nova do casal, mas, apesar do aparente respeito entre eles, Tomasz descobre que é motivo de chacota ao escutar uma conversa dos Krasucka - por sua forma de ser e pelo abismo social que os separam. Ao ser expulso da faculdade, por plagiar um trabalho, Tomasz começa um emprego numa agência de publicidade especializada em eliminar a reputação dos concorrentes de seus clientes através das redes sociais. Quando ele é escalado para destruir um dos candidatos à prefeitura de Varsóvia e esse mesmo candidato é apoiado pela família de Gabi, Tomasz se vê em uma enorme oportunidade de mostrar que, mesmo humilhado pela vida, ele pode dar a volta por cima e ainda provar que não existem limites para sua ambição e competência! Confira o trailer (em inglês):
"Rede de Ódio" é uma agradável surpresa, chancelada pelo prêmio de melhor Filme Internacional no Tribeca Film Festival de 2020. Novo filme do diretor de "Corpus Christi", indicado ao último Oscar de Filme Estrangeiro, "Rede de Ódio" é um drama psicológico muito, mas muito bom! A forma como a trama vai se construindo é tão fluida que nem nos damos conta de como tudo aquilo que vemos na tela é tão próximo de nós, mesmo sendo tão surreal - é como misturar o documentário "Privacidade Hackeada" com o filme "22 July", ambos da Netflix! Olha, vale muito a pena mesmo e pode acreditar: esse filme vai te fazer refletir sobre muito dos absurdos que vivemos hoje em dia no nosso país!
O roteiro do jovem polonês Mateusz Pacewicz é uma aula de construção de personagem em apenas duas horas - é de Pacewicz o roteiro de "Corpus Christi", inclusive. Ele vai transformando Tomasz Giemza ao mesmo tempo em que vai se aprofundando em cada uma das camadas do personagem - se no inicio sentimos dó, em um determinado momento sentimos ódio e logo depois entendemos suas motivações, mas não concordamos com suas atitudes! Sim, é um ciclo de emoções que nos vai provocando até nos perguntarmos até onde Tomasz será capaz de ir para se provar como um homem de sucesso! O interessante na maneira como o diretor Jan Komasa direciona sua câmera é que ele nos coloca ao lado do protagonista durante o filme inteiro, como se quisesse que refletíssemos sobre o que faríamos se estivéssemos naquela mesma posição. Quando a montadora Aleksandra Gowin quebra a linha temporal para explicar como Tomasz está se sentindo, ao lidar com todo aquele menosprezo, temos uma ideia bastante clara de como o sentimento de inferioridade vai construindo um extremista que precisa ser superior em algum momento!
Logo na primeira cena do filme já temos a certeza que Jan Komasa é daqueles diretores geniais que precisamos acompanhar de perto. A sensibilidade com que ele dirigiu o ator Maciej Musialowski é impressionante. Musialowsk não vacila um minuto na construção de um criminoso dos dias de hoje - ele sabe utilizar tão bem o silêncio que antecede cada uma das suas ações que somos capazes de adivinhar exatamente o que ele está pensado (ou pesando) antes de tomar sua próxima atitude. Quando ele se aproxima do candidato Pawel Rudnicki (Maciej Stuhr) ou da sua chefe Beata Santorska (Agata Kulesza) temos absoluta certeza que se trata de uma mente psicopata em plena evolução! O interessante é que o personagem tem uma dualidade muito particular, perfeitamente alinhada a fotografia do diretor Radek Ladczuk: se nos momentos em que está sozinho, tramando suas ações, a tonalidade é mais fria, azulada, em situações sociais ela é mais quente, amarelada até!
Outro ponto que também merece destaque é o equilíbrio entre a mixagem e o desenho de som: em um determinado momento temos uma cena com uma belíssima música clássica contrastando com a força dramática que vemos na tela, bem ao estilo "Cisne Negro" - reparem! Talvez seja o ponto alto de filme e quando entendemos que tudo está muito bem conectado: direção, fotografia, atuação, trilha e, claro, roteiro!
"Rede de Ódio" parece uma história superficial, bobinha, mas pouco a pouco vamos sendo guiados por caminhos tão obscuros e inesperados, que quando nos damos conta já perdemos a noção do que é certo e do que errado, o que se justifica e o que é uma porta aberta para a loucura! Um filme que expõe os limites de uma indústria do ódio abastecida pela ferramenta das fake news que manipula e transforma qualquer pessoa menos atenta em expectadores de um circo nada amigável e quase sempre cruel! Vale a pena o seu play, já!
Se você gostou de "WeCrashed", "The Dropout", "Super Pumped: A Batalha Pela Uber" e da também alemã, "Batalha Bilionária: O Caso Google Earth", pode ter certeza que você vai se divertir (e muito) com a sátira inteligente e muito bem equilibrada de "Rei dos Stonks". Essa é mais uma série sobre startups, CEOs excêntricos e, claro, fraudes; porém o seu diferencial, além de ser "baseado em fatos reais mas sem citar nomes", é o tom - se em todas as outras referências sobre o assunto, o drama pautava a narrativa, aqui é a dramédia, o que, diga-se de passagem, se encaixa perfeitamente ao tema. ;)
A trama gira em torno de Felix Armand (Thomas Schubert) um co-founder pouco reconhecido que quer chegar ao topo de sua Startup. Ele é o cérebro por trás da Fintech mais bem sucedida de todos os tempos da Alemanha - uma espécie de PayPal, que recebeu o sugestivo nome de CableCash. Pois bem, tudo começa a complicar após o IPO, onde é descoberto algumas movimentações suspeitas, investidores enganados, relações institucionais com mafiosos e sites de conteúdo impróprio, etc. Porém Felix acredita que tudo pode melhorar e como um "bom" empreendedor, luta com unhas e dentes para salvar sua empresa do desastre ao mesmo tempo em que tem que lidar com um CEO sem noção, Dr. Magnus Cramer (Matthias Brandt). Confira o trailer (em alemão):
Com uma narrativa mais despojada, divertida e leve como vimos em "Batalha Bilionária: O Caso Google Earth" e até em "Clark" (para citar produções fora dos EUA, mas que fizeram sucesso na Netflix), "Rei dos Stonks" tem claras influências de “O Lobo de Wall Street” de Martin Scorsese e do igualmente excelente “A Grande Jogada” de Adam McKay, com isso em mente fica fácil lembrar de uma das séries mais bacanas disponíveis no catálogo da Netflix atualmente: “Como Vender Drogas Online (Rápido)” - e claro que nada disso é por acaso, afinal Matthias Murmann (criador) e o time de produtores são os mesmos.
O ponto alto, sem a menor dúvida, é a forma como os roteiristas traçam paralelos entre o absurdo e o real - até porquê sabemos que muitas coisas que vemos em Startups nem são tão absurdas assim, basta lembrar das estripulias de Adam Neumann (da WeWork) e de Travis Kalanick (do UBER). O CEO da CableCash, Dr. Magnus Cramer, é a soma estereotipada de todos eles que sonha em ser reconhecido e respeitado como Jeff Bezos, Steve Jobs e, claro, Elon Musk (seu ídolo) - as citações são frequentes. Só por isso já teríamos uma série divertida, mas o fator "crescimento a qualquer custo" entra com força na história e tudo parece fazer ainda mais sentido - ver as jogadas de Felix para tentar salvar a empresa, é impagável.
Embora "Rei dos Stonks" seja um sátira, não vemos uma mão tão pesada no conceito narrativo quanto em "Silicon Valley" da HBO, mas diverte igual. A dinâmica dos episódios, como não poderia deixar de ser sabendo dos nomes envolvidos, é empolgante; porém as tramas mais profundas podem se tornar confusas para quem não está ambientado com o universo startupeiro e empreendedor - além de muitos personagens, os assuntos exigem um raciocínio lógico e um conhecimento sobre as artimanhas de investimento e relações corporativas (muito até é explicado, mas de forma rápida). Dito isso, a série vai agradar mais um nicho que parece estar crescendo dado o número de produções que vem explorando o tema - e essa é mais uma das boas!
Obs: A CableCash da vida real se chama Wirecard, mas muito do que se vê em tela realmente ocorreu. A empresa inicialmente se envolvia com traficantes de drogas, prostituição e pornografia on line, ou seja, clientes que queriam discrição em seus negócios. A série mostra bem essa relação conflituosa e também é eficaz em tentar explicar a dificuldade de legitimar a empresa e leva-la para outro patamar, no caso, o de capital aberto.
Vale seu play!
Se você gostou de "WeCrashed", "The Dropout", "Super Pumped: A Batalha Pela Uber" e da também alemã, "Batalha Bilionária: O Caso Google Earth", pode ter certeza que você vai se divertir (e muito) com a sátira inteligente e muito bem equilibrada de "Rei dos Stonks". Essa é mais uma série sobre startups, CEOs excêntricos e, claro, fraudes; porém o seu diferencial, além de ser "baseado em fatos reais mas sem citar nomes", é o tom - se em todas as outras referências sobre o assunto, o drama pautava a narrativa, aqui é a dramédia, o que, diga-se de passagem, se encaixa perfeitamente ao tema. ;)
A trama gira em torno de Felix Armand (Thomas Schubert) um co-founder pouco reconhecido que quer chegar ao topo de sua Startup. Ele é o cérebro por trás da Fintech mais bem sucedida de todos os tempos da Alemanha - uma espécie de PayPal, que recebeu o sugestivo nome de CableCash. Pois bem, tudo começa a complicar após o IPO, onde é descoberto algumas movimentações suspeitas, investidores enganados, relações institucionais com mafiosos e sites de conteúdo impróprio, etc. Porém Felix acredita que tudo pode melhorar e como um "bom" empreendedor, luta com unhas e dentes para salvar sua empresa do desastre ao mesmo tempo em que tem que lidar com um CEO sem noção, Dr. Magnus Cramer (Matthias Brandt). Confira o trailer (em alemão):
Com uma narrativa mais despojada, divertida e leve como vimos em "Batalha Bilionária: O Caso Google Earth" e até em "Clark" (para citar produções fora dos EUA, mas que fizeram sucesso na Netflix), "Rei dos Stonks" tem claras influências de “O Lobo de Wall Street” de Martin Scorsese e do igualmente excelente “A Grande Jogada” de Adam McKay, com isso em mente fica fácil lembrar de uma das séries mais bacanas disponíveis no catálogo da Netflix atualmente: “Como Vender Drogas Online (Rápido)” - e claro que nada disso é por acaso, afinal Matthias Murmann (criador) e o time de produtores são os mesmos.
O ponto alto, sem a menor dúvida, é a forma como os roteiristas traçam paralelos entre o absurdo e o real - até porquê sabemos que muitas coisas que vemos em Startups nem são tão absurdas assim, basta lembrar das estripulias de Adam Neumann (da WeWork) e de Travis Kalanick (do UBER). O CEO da CableCash, Dr. Magnus Cramer, é a soma estereotipada de todos eles que sonha em ser reconhecido e respeitado como Jeff Bezos, Steve Jobs e, claro, Elon Musk (seu ídolo) - as citações são frequentes. Só por isso já teríamos uma série divertida, mas o fator "crescimento a qualquer custo" entra com força na história e tudo parece fazer ainda mais sentido - ver as jogadas de Felix para tentar salvar a empresa, é impagável.
Embora "Rei dos Stonks" seja um sátira, não vemos uma mão tão pesada no conceito narrativo quanto em "Silicon Valley" da HBO, mas diverte igual. A dinâmica dos episódios, como não poderia deixar de ser sabendo dos nomes envolvidos, é empolgante; porém as tramas mais profundas podem se tornar confusas para quem não está ambientado com o universo startupeiro e empreendedor - além de muitos personagens, os assuntos exigem um raciocínio lógico e um conhecimento sobre as artimanhas de investimento e relações corporativas (muito até é explicado, mas de forma rápida). Dito isso, a série vai agradar mais um nicho que parece estar crescendo dado o número de produções que vem explorando o tema - e essa é mais uma das boas!
Obs: A CableCash da vida real se chama Wirecard, mas muito do que se vê em tela realmente ocorreu. A empresa inicialmente se envolvia com traficantes de drogas, prostituição e pornografia on line, ou seja, clientes que queriam discrição em seus negócios. A série mostra bem essa relação conflituosa e também é eficaz em tentar explicar a dificuldade de legitimar a empresa e leva-la para outro patamar, no caso, o de capital aberto.
Vale seu play!
Essa é mais uma história do esporte que merecia ser contada e diferente do que estamos acostumados, aqui o foco é o remo! Mas não desanime, já que esse esporte pode até parecer pouco convencional para nós brasileiros, mas aqui é a jornada que importa. Dirigido pelo astro George Clooney e baseado na história real da equipe de remo da Universidade de Washington, o filme nos convida a mergulhar na década de 1930, época marcada pela Grande Depressão e pela ascensão do nazismo - embora o contexto sócio-politico, de fato, não seja o foco. Eu quero dizer é que em "Remando para o Ouro" o que realmente interessa é o drama esportivo pela perspectiva de seus atletas, da perseverança, da superação e de certa forma, do poder transformador do trabalho em equipe.
"The Boys in the Boat" (no original) basicamente retrata a história real de um grupo de jovens azarões que acabam sob os holofotes do esporte ao enfrentarem de igual para igual rivais da elite americana do remo até alcançarem o grande objetivo de disputar os Jogos Olímpicos de Berlim em 1936. Confira o trailer (em inglês):
Se você procura originalidade pode ser que você não se conecte com "Remando para o Ouro", já que sua narrativa é extremamente linear e muito previsível. Por outro lado, o que nos encanta nesse projeto liderado por Clooney é justamente a simplicidade com que ele conta essa história - claramente esse é um daqueles filmes despretensiosos e gostosos de assistir. Para alinhar as expectavas, não espere mais do que um agradável e curioso entretenimento. Embora o roteiro do Daniel James Brown (autor do livro que deu origem ao filme) e do Mark L. Smith (de "O Regresso") não se limite a ser um mero conto de fadas sobre uma equipe de remo, eu diria que é na fórmula "importância da resiliência", "trabalho em equipe" e "busca pelos nossos sonhos" que a narrativa se apoia. Agora é preciso ressaltar: todo o contexto que a equipe de remo da Universidade de Washington estava inserida faz dessa jornada algo muito especial!
A direção de Clooney é precisa e envolvente, mas conservadora. Ele conduz a narrativa com ritmo impecável, alternando com maestria momentos de ação e tensão com cenas de profunda introspecção e emoção. A fotografia do Martin Ruhe (de "O Céu da Meia-Noite") captura com maestria a beleza das paisagens e a grandiosidade das competições de remo nos EUA e depois em Berlin - as cenas das regatas, acreditem, são excelentes! Obviamente que a trilha sonora, em um filme esportivo, é um elemento essencial para a construção das camadas emocionais da história e aqui o trabalho de Alexandre Desplat (vencedor de dois Oscars por "A Forma da Água" e "O Grande Hotel Budapeste") é simplesmente sensacional!
Embora o filme peque na construção de personagens complexos e multidimensionais, Callum Turner, ainda assim, entrega uma performance honesta. O ponto é que "Remando para o Ouro" vem com esse mood inspirador, emocionante e visualmente deslumbrante - um filme feito para te tocar com uma história improvável de jovens remadores que, contra todas as probabilidades, alcançaram a glória e provaram (e aqui me desculpe o tom auto-ajuda) que mais importante que o "destino" é o "caminho"!
Vale seu play!
Essa é mais uma história do esporte que merecia ser contada e diferente do que estamos acostumados, aqui o foco é o remo! Mas não desanime, já que esse esporte pode até parecer pouco convencional para nós brasileiros, mas aqui é a jornada que importa. Dirigido pelo astro George Clooney e baseado na história real da equipe de remo da Universidade de Washington, o filme nos convida a mergulhar na década de 1930, época marcada pela Grande Depressão e pela ascensão do nazismo - embora o contexto sócio-politico, de fato, não seja o foco. Eu quero dizer é que em "Remando para o Ouro" o que realmente interessa é o drama esportivo pela perspectiva de seus atletas, da perseverança, da superação e de certa forma, do poder transformador do trabalho em equipe.
"The Boys in the Boat" (no original) basicamente retrata a história real de um grupo de jovens azarões que acabam sob os holofotes do esporte ao enfrentarem de igual para igual rivais da elite americana do remo até alcançarem o grande objetivo de disputar os Jogos Olímpicos de Berlim em 1936. Confira o trailer (em inglês):
Se você procura originalidade pode ser que você não se conecte com "Remando para o Ouro", já que sua narrativa é extremamente linear e muito previsível. Por outro lado, o que nos encanta nesse projeto liderado por Clooney é justamente a simplicidade com que ele conta essa história - claramente esse é um daqueles filmes despretensiosos e gostosos de assistir. Para alinhar as expectavas, não espere mais do que um agradável e curioso entretenimento. Embora o roteiro do Daniel James Brown (autor do livro que deu origem ao filme) e do Mark L. Smith (de "O Regresso") não se limite a ser um mero conto de fadas sobre uma equipe de remo, eu diria que é na fórmula "importância da resiliência", "trabalho em equipe" e "busca pelos nossos sonhos" que a narrativa se apoia. Agora é preciso ressaltar: todo o contexto que a equipe de remo da Universidade de Washington estava inserida faz dessa jornada algo muito especial!
A direção de Clooney é precisa e envolvente, mas conservadora. Ele conduz a narrativa com ritmo impecável, alternando com maestria momentos de ação e tensão com cenas de profunda introspecção e emoção. A fotografia do Martin Ruhe (de "O Céu da Meia-Noite") captura com maestria a beleza das paisagens e a grandiosidade das competições de remo nos EUA e depois em Berlin - as cenas das regatas, acreditem, são excelentes! Obviamente que a trilha sonora, em um filme esportivo, é um elemento essencial para a construção das camadas emocionais da história e aqui o trabalho de Alexandre Desplat (vencedor de dois Oscars por "A Forma da Água" e "O Grande Hotel Budapeste") é simplesmente sensacional!
Embora o filme peque na construção de personagens complexos e multidimensionais, Callum Turner, ainda assim, entrega uma performance honesta. O ponto é que "Remando para o Ouro" vem com esse mood inspirador, emocionante e visualmente deslumbrante - um filme feito para te tocar com uma história improvável de jovens remadores que, contra todas as probabilidades, alcançaram a glória e provaram (e aqui me desculpe o tom auto-ajuda) que mais importante que o "destino" é o "caminho"!
Vale seu play!
Poucas vezes você vai assistir um filme com tanta personalidade como "Réquiem para um Sonho", do incrível Darren Aronofsky (o diretor de "Mãe!"). Lançado em 2000, este filme muito impactante é capaz de nos levar para uma verdadeira montanha-russa emocional, basicamente explorando a relação de 4 personagens com as drogas e os reflexos devastadores do vício, pela perspectiva da ambição desenfreada e da busca incessante pela felicidade.
"Réquiem para um Sonho" segue quatro personagens: Harry (Jared Leto), Marion (Jennifer Connelly), Tyrone (Marlon Wayans) e Sara (Ellen Burstyn), cujas vidas são marcadas por aspirações e sonhos aparentemente inatingíveis. O filme habilmente entrelaça suas histórias enquanto eles se perdem em um labirinto de vícios, seja por drogas, amor ou fama. A narrativa cruamente realista evita o romantismo e mergulha nas profundezas sombrias das consequências dessas escolhas, resultando em um retrato visceral da fragilidade humana. Confira o trailer (em inglês):
Sem a menor dúvida que um dos pontos mais altos do filme está na direção - Aronofsky demonstra sua maestria ao utilizar uma variedade de técnicas visuais e estímulos sonoros que intensificam a nossa experiência de uma forma absurda, ao mesmo tempo em que cria uma atmosfera perturbadora para a narrativa. A montagem do Jay Rabinowitz (de "Oslo") é frenética, os cortes são rápidos e o alinhamento com a trilha sonora de Clint Mansell trabalham com tanta sinergia que acabam criando um ritmo muito particular, alucinante, eu diria; potencializando ainda mais a crescente ansiedade dos personagens. Reparem como a escolha dos enquadramentos e do uso de câmeras subjetivas são cirúrgicos, contribuindo para uma imersão profunda pela intimidade dos protagonistas, nos tornando uma espécie de cúmplice de suas tragédias.
O elenco é um show a parte, entregando performances que ecoam a angústia da narrativa de maneira poderosa. Jared Leto, Jennifer Connelly, Marlon Wayans e especialmente Ellen Burstyn (indicada ao Oscar pelo papel) transmitem a dor, a esperança e a desolação de seus personagens de maneira crua e autêntica. É o compromisso dessas atuações que nos permite a conexão emocional em uma espiral descendente, entendendo suas lutas e percebendo como elas são devastadoras.
"Réquiem para um Sonho", de fato, não é um filme fácil de assistir. Sua exploração sem concessões da realidade brutal do vício (e de seus reflexos) pode ser perturbador para muita gente - então cuidado. No entanto, é justamente por esse impacto emocional que o filme se torna tão memorável. Ao melhor estilo Aronofsky, o filme não apenas levanta questões sobre as escolhas individuais, mas também sobre a natureza da esperança e da busca pela felicidade em um mundo muitas vezes indiferente e implacável. Sua abordagem corajosa ao tratar de temas complexos e desconfortáveis torna a jornada um ponto de referência na exploração cinematográfica das sombras da psique humana.
Em um filme que transcende as barreiras do entretenimento tradicional, que exige reflexão e empatia, não existe a menor chance de não recomendar o play já com o status de "obra-prima"!
Poucas vezes você vai assistir um filme com tanta personalidade como "Réquiem para um Sonho", do incrível Darren Aronofsky (o diretor de "Mãe!"). Lançado em 2000, este filme muito impactante é capaz de nos levar para uma verdadeira montanha-russa emocional, basicamente explorando a relação de 4 personagens com as drogas e os reflexos devastadores do vício, pela perspectiva da ambição desenfreada e da busca incessante pela felicidade.
"Réquiem para um Sonho" segue quatro personagens: Harry (Jared Leto), Marion (Jennifer Connelly), Tyrone (Marlon Wayans) e Sara (Ellen Burstyn), cujas vidas são marcadas por aspirações e sonhos aparentemente inatingíveis. O filme habilmente entrelaça suas histórias enquanto eles se perdem em um labirinto de vícios, seja por drogas, amor ou fama. A narrativa cruamente realista evita o romantismo e mergulha nas profundezas sombrias das consequências dessas escolhas, resultando em um retrato visceral da fragilidade humana. Confira o trailer (em inglês):
Sem a menor dúvida que um dos pontos mais altos do filme está na direção - Aronofsky demonstra sua maestria ao utilizar uma variedade de técnicas visuais e estímulos sonoros que intensificam a nossa experiência de uma forma absurda, ao mesmo tempo em que cria uma atmosfera perturbadora para a narrativa. A montagem do Jay Rabinowitz (de "Oslo") é frenética, os cortes são rápidos e o alinhamento com a trilha sonora de Clint Mansell trabalham com tanta sinergia que acabam criando um ritmo muito particular, alucinante, eu diria; potencializando ainda mais a crescente ansiedade dos personagens. Reparem como a escolha dos enquadramentos e do uso de câmeras subjetivas são cirúrgicos, contribuindo para uma imersão profunda pela intimidade dos protagonistas, nos tornando uma espécie de cúmplice de suas tragédias.
O elenco é um show a parte, entregando performances que ecoam a angústia da narrativa de maneira poderosa. Jared Leto, Jennifer Connelly, Marlon Wayans e especialmente Ellen Burstyn (indicada ao Oscar pelo papel) transmitem a dor, a esperança e a desolação de seus personagens de maneira crua e autêntica. É o compromisso dessas atuações que nos permite a conexão emocional em uma espiral descendente, entendendo suas lutas e percebendo como elas são devastadoras.
"Réquiem para um Sonho", de fato, não é um filme fácil de assistir. Sua exploração sem concessões da realidade brutal do vício (e de seus reflexos) pode ser perturbador para muita gente - então cuidado. No entanto, é justamente por esse impacto emocional que o filme se torna tão memorável. Ao melhor estilo Aronofsky, o filme não apenas levanta questões sobre as escolhas individuais, mas também sobre a natureza da esperança e da busca pela felicidade em um mundo muitas vezes indiferente e implacável. Sua abordagem corajosa ao tratar de temas complexos e desconfortáveis torna a jornada um ponto de referência na exploração cinematográfica das sombras da psique humana.
Em um filme que transcende as barreiras do entretenimento tradicional, que exige reflexão e empatia, não existe a menor chance de não recomendar o play já com o status de "obra-prima"!
"Respire Fundo" é um retrato silencioso sobre a depressão - ou seja, essa será uma jornada dolorosa, então se você for sensível ao assunto, definitivamente esse filme não é para você.
Bem na linha de "Tully", o filme de estreia da promissora diretora e roteirista Amy Koppelman, aborda um lado pouco discutido da maternidade e como o pós-parto pode potencializar alguns gatilhos bastante sensíveis para algumas mulheres. Ao romantizar a maternidade, deixa-se de lado uma nova realidade, difícil e solitária, mesmo que você tenha uma rede de apoio como a que personagem Julie (Amanda Seyfried) possui, com um marido presente como Ethan (Finn Witrock) e uma mãe dedicada como Bobbi (Amy Irving).
Julie Davis é uma famosa autora best-seller de livros infantis. Ela é carinhosa, gentil e amorosa com seu marido e com seu filho recém-nascido. Embora seus livros tratem de desvendar os medos da infância, ela não consegue lidar com um segredo que tem assombrado sua própria vida. Mas quando seu segundo filho nasce, alguns eventos trazem esse mistério à tona e com isso, Julie, inicia uma batalha esmagadora e poderosa pela sobrevivência. Confira o trailer (em inglês):
Baseado no próprio livro de Koppelman, "A Mouthful of Air" (no original) merece muito cuidado em sua avaliação. Os elementos técnicos e artísticos são irretocáveis. Tanto a diretora quanto Seyfried são impecáveis ao explorar os dramas mais íntimos da personagem com muita sensibilidade e honestidade. Koppelman, aliás, evita a tentação de impactar visualmente, o que imprime uma certa sensação de angustia e ansiedade muito coerente com o que esta sendo discutido na tela. Os enquadramentos bem construídos pelo fotógrafo Frank G. DeMarco (de "Até o Fim") dão a exata noção da profundidade do problema sem ao menos mostrar suas consequências mais cruéis.
O roteiro transforma a experiência de assistir “Respire Fundo” em algo muito difícil ao mesmo tempo em que também traz um certo (e bem vindo) didatismo para o assunto. Ver alguém se desintegrando, apesar de ter um futuro lindo pela frente, e estar vivendo um dos momentos mais sublimes da vida de uma mulher, é de cortar o coração. Por outro lado, a dinâmica narrativa é muito inteligente ao buscar no passado algumas situações marcantes que, de alguma maneira, podem justificar o que está acontecendo no presente - e eu disse "podem", não que justifiquem. A reflexão sobre essas passagens bastante sutis dos flashbacks ajudam a construir um certo entendimento sobre a linha de conduta de Julie, mas em hipótese alguma devem servir como respostas - como a diretora sabe disso, ela se relaciona cinematograficamente com os fatos de uma maneira quase lúdica, colocando o filme em outro patamar: menos expositivo do que muitos poderiam esperar.
"Respire Fundo" é corajoso ao trazer um tom poético para uma realidade tão dura e de difícil aceitação. As escolhas conceituais da diretora dão a exata proporção de como a depressão é sorrateira sem precisar se apoiar em clichês. Eu diria que o filme é até mais importante do que inesquecível, mas seria injusto pela qualidade dramática que a história tem e pelas inúmeras sensações que a narrativa nos provoca!
Vale muito o seu play, mas esteja preparado!
"Respire Fundo" é um retrato silencioso sobre a depressão - ou seja, essa será uma jornada dolorosa, então se você for sensível ao assunto, definitivamente esse filme não é para você.
Bem na linha de "Tully", o filme de estreia da promissora diretora e roteirista Amy Koppelman, aborda um lado pouco discutido da maternidade e como o pós-parto pode potencializar alguns gatilhos bastante sensíveis para algumas mulheres. Ao romantizar a maternidade, deixa-se de lado uma nova realidade, difícil e solitária, mesmo que você tenha uma rede de apoio como a que personagem Julie (Amanda Seyfried) possui, com um marido presente como Ethan (Finn Witrock) e uma mãe dedicada como Bobbi (Amy Irving).
Julie Davis é uma famosa autora best-seller de livros infantis. Ela é carinhosa, gentil e amorosa com seu marido e com seu filho recém-nascido. Embora seus livros tratem de desvendar os medos da infância, ela não consegue lidar com um segredo que tem assombrado sua própria vida. Mas quando seu segundo filho nasce, alguns eventos trazem esse mistério à tona e com isso, Julie, inicia uma batalha esmagadora e poderosa pela sobrevivência. Confira o trailer (em inglês):
Baseado no próprio livro de Koppelman, "A Mouthful of Air" (no original) merece muito cuidado em sua avaliação. Os elementos técnicos e artísticos são irretocáveis. Tanto a diretora quanto Seyfried são impecáveis ao explorar os dramas mais íntimos da personagem com muita sensibilidade e honestidade. Koppelman, aliás, evita a tentação de impactar visualmente, o que imprime uma certa sensação de angustia e ansiedade muito coerente com o que esta sendo discutido na tela. Os enquadramentos bem construídos pelo fotógrafo Frank G. DeMarco (de "Até o Fim") dão a exata noção da profundidade do problema sem ao menos mostrar suas consequências mais cruéis.
O roteiro transforma a experiência de assistir “Respire Fundo” em algo muito difícil ao mesmo tempo em que também traz um certo (e bem vindo) didatismo para o assunto. Ver alguém se desintegrando, apesar de ter um futuro lindo pela frente, e estar vivendo um dos momentos mais sublimes da vida de uma mulher, é de cortar o coração. Por outro lado, a dinâmica narrativa é muito inteligente ao buscar no passado algumas situações marcantes que, de alguma maneira, podem justificar o que está acontecendo no presente - e eu disse "podem", não que justifiquem. A reflexão sobre essas passagens bastante sutis dos flashbacks ajudam a construir um certo entendimento sobre a linha de conduta de Julie, mas em hipótese alguma devem servir como respostas - como a diretora sabe disso, ela se relaciona cinematograficamente com os fatos de uma maneira quase lúdica, colocando o filme em outro patamar: menos expositivo do que muitos poderiam esperar.
"Respire Fundo" é corajoso ao trazer um tom poético para uma realidade tão dura e de difícil aceitação. As escolhas conceituais da diretora dão a exata proporção de como a depressão é sorrateira sem precisar se apoiar em clichês. Eu diria que o filme é até mais importante do que inesquecível, mas seria injusto pela qualidade dramática que a história tem e pelas inúmeras sensações que a narrativa nos provoca!
Vale muito o seu play, mas esteja preparado!
Esse filme é simplesmente sensacional - e tenho certeza, vai mexer com seus sentimentos mais nostálgicos ao mesmo tempo que vai te fazer refletir sobre o que você se tornou perante seus amigos de longa data. Dirigido pelo talentoso diretor francêsLaurent Cantet (de "Entre os Muros da Escola"), "Retorno a Ítaca" é filme sobre as histórias mais íntimas entre um grupo de amigos que, até pela amizade, vivem se julgando e buscando no outro justificativas para as próprias frustrações - bem na linha de "Les Petits Mouchoirs" (ou "Pequenas Mentiras entre Amigos").
A história se passa durante uma única noite, basicamente, no terraço de uma casa em Havana, em Cuba, onde cinco grandes amigos se encontram para festejar o retorno de um deles, Amadeo (Néstor Jiménez), que mora na Espanha há 16 anos. Em meio a nostalgia dos bons tempos da juventude e de inúmeras histórias marcantes, com direito a inevitável constatação de que todos envelheceram, emergem algumas rusgas do passado e a busca por explicações passa tomar conta do que, até ali, era apenas uma deliciosa celebração. Confira o trailer:
Em “Odisseia” de Homero, Odisseu levou 10 anos para regressar à sua terra natal, Ítaca; e é com esse princípio que Cantet cria uma narrativa extremamente envolvente onde o principal atrativo são justamente os personagens - o que foi e retornou, e os que ficaram (desamparados!). Sim, o roteiro escrito a quatro mãos pelo próprio diretor e o autor cubanoLeonardo Padura, é uma crítica pesada (mas honesta) ao que se tornou Cuba em duas décadas; mas sem a menor sombra de dúvidas é a forma como as histórias dos cinco personagens vão sendo apresentadas que transforma "Retorno a Ítaca" em um drama dos mais potentes, humanos e com um dos melhores elencos que já presenciei em um filme.
A fotografia do incrível Diego Dussuel, equilibra muito bem os planos fechados que expõem os mais profundos sentimentos dos personagens, com o planos mais abertos que mesclam a beleza de um cenário praiano paradisíaco aos prédios decadentes de Havana. A forma como Dussuel e Cantet constroem aquele retrato desolador e solitário e como ele impacta no mood dos personagens é uma aula de cinema - com técnica e com alma! Veja, se a população local enfrenta um crônico problema de falta de luz, os personagens repetem emocionalmente exatamente a mesma situação. Se os vizinhos parecem (apenas parecem) viver em uma grande festa, os personagens discutem e criticam justamente esse estilo de vida - eu diria que o encaixe entre esses dois elementos é um reflexo do que é Cuba nos dias atuais: um misto de sonho e desilusão, uma "selva" como define um dos personagens!
"Retorno a Ítaca" te tira completamente da zona de conforto e te provoca em muitos momentos - da discussão politica ideológica ao profundo mergulho nos arrependimentos de um ser humano que age por impulso ou por acreditar que está seguindo o melhor caminho. Mas esse caminho é melhor para todo mundo? Ao apresentar um panorama bastante revelador sobre o estado de espírito da população cubana e sua percepção do regime de Fidel Castro, o filme escancara uma jornada muito pessoal de nostalgia e dor.
Vale muito a pena, mas antes do play saiba que essa produção francesa, falada em espanhol, venceu nada menos que o Biarritz International Festival of Latin American Cinema, o Venice Film Festival e o prêmio dos críticos no São Paulo International Film Festival, todos em 2014.
Esse filme é simplesmente sensacional - e tenho certeza, vai mexer com seus sentimentos mais nostálgicos ao mesmo tempo que vai te fazer refletir sobre o que você se tornou perante seus amigos de longa data. Dirigido pelo talentoso diretor francêsLaurent Cantet (de "Entre os Muros da Escola"), "Retorno a Ítaca" é filme sobre as histórias mais íntimas entre um grupo de amigos que, até pela amizade, vivem se julgando e buscando no outro justificativas para as próprias frustrações - bem na linha de "Les Petits Mouchoirs" (ou "Pequenas Mentiras entre Amigos").
A história se passa durante uma única noite, basicamente, no terraço de uma casa em Havana, em Cuba, onde cinco grandes amigos se encontram para festejar o retorno de um deles, Amadeo (Néstor Jiménez), que mora na Espanha há 16 anos. Em meio a nostalgia dos bons tempos da juventude e de inúmeras histórias marcantes, com direito a inevitável constatação de que todos envelheceram, emergem algumas rusgas do passado e a busca por explicações passa tomar conta do que, até ali, era apenas uma deliciosa celebração. Confira o trailer:
Em “Odisseia” de Homero, Odisseu levou 10 anos para regressar à sua terra natal, Ítaca; e é com esse princípio que Cantet cria uma narrativa extremamente envolvente onde o principal atrativo são justamente os personagens - o que foi e retornou, e os que ficaram (desamparados!). Sim, o roteiro escrito a quatro mãos pelo próprio diretor e o autor cubanoLeonardo Padura, é uma crítica pesada (mas honesta) ao que se tornou Cuba em duas décadas; mas sem a menor sombra de dúvidas é a forma como as histórias dos cinco personagens vão sendo apresentadas que transforma "Retorno a Ítaca" em um drama dos mais potentes, humanos e com um dos melhores elencos que já presenciei em um filme.
A fotografia do incrível Diego Dussuel, equilibra muito bem os planos fechados que expõem os mais profundos sentimentos dos personagens, com o planos mais abertos que mesclam a beleza de um cenário praiano paradisíaco aos prédios decadentes de Havana. A forma como Dussuel e Cantet constroem aquele retrato desolador e solitário e como ele impacta no mood dos personagens é uma aula de cinema - com técnica e com alma! Veja, se a população local enfrenta um crônico problema de falta de luz, os personagens repetem emocionalmente exatamente a mesma situação. Se os vizinhos parecem (apenas parecem) viver em uma grande festa, os personagens discutem e criticam justamente esse estilo de vida - eu diria que o encaixe entre esses dois elementos é um reflexo do que é Cuba nos dias atuais: um misto de sonho e desilusão, uma "selva" como define um dos personagens!
"Retorno a Ítaca" te tira completamente da zona de conforto e te provoca em muitos momentos - da discussão politica ideológica ao profundo mergulho nos arrependimentos de um ser humano que age por impulso ou por acreditar que está seguindo o melhor caminho. Mas esse caminho é melhor para todo mundo? Ao apresentar um panorama bastante revelador sobre o estado de espírito da população cubana e sua percepção do regime de Fidel Castro, o filme escancara uma jornada muito pessoal de nostalgia e dor.
Vale muito a pena, mas antes do play saiba que essa produção francesa, falada em espanhol, venceu nada menos que o Biarritz International Festival of Latin American Cinema, o Venice Film Festival e o prêmio dos críticos no São Paulo International Film Festival, todos em 2014.
"Retrato de uma Jovem em Chamas" é um grande filme! Certamente um dos melhores de 2019, mas que não vai agradar a todos já que tem uma narrativa bastante cadenciada, extremamente poética, focada nos pequenos detalhes, no silêncio, no olhar, na sensibilidade e no texto bem elaborado que é capaz de unir todos esses elementos e entregar uma história com alma, feminina!
A história se passa na França do século 18, Marianne (Noémie Merlant) é contratada para pintar o retrato da jovem Héloïse (Adèle Haenel); já que sua mãe pretende enviar a obra para um pretendente que está na Itália e assim convencê-lo a casar-se com ela. Como a noiva reluta em posar para qualquer artista que possa retrata-la, Marianne precisa se disfarçar de dama de companhia durante dia, para poder pintar o retrato de Héloïse durante as noites, usando apenas sua memória. Acontece que a aproximação entre as duas vai se tornando cada vez mais íntima e uma relação muito além da amizade parece nascer da sensibilidade de uma artista e do desejo de uma mulher em busca de descobertas. Confira o trailer:
Alguns pontos merecem destaque nesse belíssimo filme: ele é tecnicamente perfeito e todos os elementos artísticos conversam entre si com uma singularidade tamanha que em muitos momentos somos impactados por planos visualmente tão perfeitos que parecem pinturas e em outros, por diálogos tão profundos, que acabam soando muito mais como uma poesia do que como uma narrativa em 3 atos. Reparem, por exemplo, como Merlant e Haenel possuem uma conexão tão natural que tudo parece extremamente bem ensaiado, quase como um espetáculo de teatro - e, claro, isso não é por acaso, a diretora Céline Sciamma não só tem essa consciência, como usa da própria gramática teatral para criar uma relação quase platônica ou até espiritual entre as duas personagens.
A fotografia de Claire Mathon (do também incrível "Atlantique") é outro bom exemplo dessa unidade: ela capta todas essas nuances da relação, sempre com a lente certa, com o enquadramento perfeito e com as cores que constroem uma espécie de dicotomia imaginária, que na verdade não passa de uma confusão, ou melhor, de uma busca pelo único sentimento que parece estar escondido (ou adormecido) entre elas: o amor verdadeiro! "Retrato de uma Jovem em Chamas" é um filme que fala essencialmente do amor, mas apenas pelos olhos femininos, com uma narrativa mais sensível e que nos envolve rapidamente. Não é um filme fácil, mas assim que embarcamos na história e entendemos sua razão de existir, o único caminho passa ser o de apreciar, sem pressa, uma verdadeira poesia visual!
Vale muito a pena - mas precisa gostar do estilo!
"Retrato de uma Jovem em Chamas" é um grande filme! Certamente um dos melhores de 2019, mas que não vai agradar a todos já que tem uma narrativa bastante cadenciada, extremamente poética, focada nos pequenos detalhes, no silêncio, no olhar, na sensibilidade e no texto bem elaborado que é capaz de unir todos esses elementos e entregar uma história com alma, feminina!
A história se passa na França do século 18, Marianne (Noémie Merlant) é contratada para pintar o retrato da jovem Héloïse (Adèle Haenel); já que sua mãe pretende enviar a obra para um pretendente que está na Itália e assim convencê-lo a casar-se com ela. Como a noiva reluta em posar para qualquer artista que possa retrata-la, Marianne precisa se disfarçar de dama de companhia durante dia, para poder pintar o retrato de Héloïse durante as noites, usando apenas sua memória. Acontece que a aproximação entre as duas vai se tornando cada vez mais íntima e uma relação muito além da amizade parece nascer da sensibilidade de uma artista e do desejo de uma mulher em busca de descobertas. Confira o trailer:
Alguns pontos merecem destaque nesse belíssimo filme: ele é tecnicamente perfeito e todos os elementos artísticos conversam entre si com uma singularidade tamanha que em muitos momentos somos impactados por planos visualmente tão perfeitos que parecem pinturas e em outros, por diálogos tão profundos, que acabam soando muito mais como uma poesia do que como uma narrativa em 3 atos. Reparem, por exemplo, como Merlant e Haenel possuem uma conexão tão natural que tudo parece extremamente bem ensaiado, quase como um espetáculo de teatro - e, claro, isso não é por acaso, a diretora Céline Sciamma não só tem essa consciência, como usa da própria gramática teatral para criar uma relação quase platônica ou até espiritual entre as duas personagens.
A fotografia de Claire Mathon (do também incrível "Atlantique") é outro bom exemplo dessa unidade: ela capta todas essas nuances da relação, sempre com a lente certa, com o enquadramento perfeito e com as cores que constroem uma espécie de dicotomia imaginária, que na verdade não passa de uma confusão, ou melhor, de uma busca pelo único sentimento que parece estar escondido (ou adormecido) entre elas: o amor verdadeiro! "Retrato de uma Jovem em Chamas" é um filme que fala essencialmente do amor, mas apenas pelos olhos femininos, com uma narrativa mais sensível e que nos envolve rapidamente. Não é um filme fácil, mas assim que embarcamos na história e entendemos sua razão de existir, o único caminho passa ser o de apreciar, sem pressa, uma verdadeira poesia visual!
Vale muito a pena - mas precisa gostar do estilo!
Só assista "Rio, eu te amo" se você já conhecer a dinâmica narrativa da série de filmes que fazem parte do projeto "Cities of Love" dos ótimos "Paris Je T’Aime" e "New York, I Love You". Primeiro por ter uma identidade muito particular e segundo por se tratar de um projeto extremamente autoral e, em muitos momentos, bastante experimental. Pessoalmente, acho a série de filmes incrível, porém reconheço que existe uma oscilação entre uma história e outra que acaba englobando vários estilos e gêneros e isso afasta boa parte da audiência que está acostumada com uma narrativa mais conservadora e linear - e aqui não se trata de uma crítica, já que "gosto é gosto", mas é preciso alinhar as expectativas para você não se decepcionar com a proposta do filme.
Como os seus antecessores, "Rio, Eu Te Amo" reúne dez curtas de diretores brasileiros e internacionais que contam histórias que se passam em diferentes pontos do Rio de Janeiro, revelando as características da cidade e tendo um elemento em comum: o amor (ou a falta dele). Confira o trailer:
Produzida pelo francês Emmanuel Benbihy, "Rio, eu te amo" tem mais acertos do que falhas e um dos elementos que mais me atrai na proposta experimental do filme é a forma como a montagem vai encaixando as histórias que, diga-se de passagem, não tem a menor necessidade de conversarem entre si. Veja, como toda metrópole o Rio de Janeiro também tem as suas histórias e seus personagens muito particulares, além de um visual incrível (lindamente trabalhada na fotografia), com isso a passagem de bastão entre um curta-metragem e outro é muito fluida quando a interação entre os protagonistas acontecem. Claro que existem alguns desalinhamentos, mas a conexão cria, de fato, uma sensação de unidade, mesmo com conduções tão fragmentadas.
Reparem que nada indica quando uma história termina e outra começa, por isso conhecer o conceito ajuda a se relacionar melhor com o filme, mas é notório que algumas das propostas funcionam melhor do que outras quando observadas de perto. De cara vale destacar "O Milagre" de Nadine Labaki ("E Agora, Aonde Vamos"). Durante uma filmagem no Rio, um casal de atores famosos conhecem um menino que acredita receber telefonemas de Jesus. No início, eles o encaram com desconfiança, mas logo percebem que esse "Jesus" não é quem o menino está pensando e resolvem "ajudar" o simpático carioquinha - o jovem Cauã Antunes é uma pérola. Outro segmento que me chamou atenção foi "Texas" de Guillermo Arriaga (roteirista de "Babel"). Após um acidente de carro, Texas, um ex-lutador de boxe, perde um braço e sua esposa não consegue mais andar. Para conseguir pagar uma cirurgia que pode curar a esposa, ele acaba se envolvendo em uma rede lutas clandestinas que coloca o seu relacionamento em jogo. E para finalizar, "Pas de Deux" de Carlos Saldanha. Aqui temos uma curiosidade: esse foi o primeiro filme em live-action dirigido pelo animador brasileiro. Ele se passa no interior do belíssimo Teatro Municipal e retrata a relação de um casal de bailarinos que entra em crise por causa da carreira, que pode separá-los, momentos antes de iniciarem uma importante apresentação.
Claro que "Rio, eu te amo" é um recorte do Brasil, que está naquela mesma prateleira que vimos em New York e Paris - ou seja, o filme que se apropria da paisagem e das particularidades locais com aquela pitada de conto literal para "inglês ver". O filme tem o pretexto de misturar talento (e são muitos: Andrucha Waddington, José Padilha, Fernando Meirelles, Paolo Sorrentino, etc) com liberdade criativa, para fazer publicidade com um toque de homenagem, crítica social e até um certo ufanismo. Eu te digo que é uma experiência interessante, divertida, mas que não será uma unanimidade na sua totalidade. Como mérito, talvez essa versão brasileira do projeto "Cities of Love" seja a mais sincera e honesta até aqui.
Vale o play!
Só assista "Rio, eu te amo" se você já conhecer a dinâmica narrativa da série de filmes que fazem parte do projeto "Cities of Love" dos ótimos "Paris Je T’Aime" e "New York, I Love You". Primeiro por ter uma identidade muito particular e segundo por se tratar de um projeto extremamente autoral e, em muitos momentos, bastante experimental. Pessoalmente, acho a série de filmes incrível, porém reconheço que existe uma oscilação entre uma história e outra que acaba englobando vários estilos e gêneros e isso afasta boa parte da audiência que está acostumada com uma narrativa mais conservadora e linear - e aqui não se trata de uma crítica, já que "gosto é gosto", mas é preciso alinhar as expectativas para você não se decepcionar com a proposta do filme.
Como os seus antecessores, "Rio, Eu Te Amo" reúne dez curtas de diretores brasileiros e internacionais que contam histórias que se passam em diferentes pontos do Rio de Janeiro, revelando as características da cidade e tendo um elemento em comum: o amor (ou a falta dele). Confira o trailer:
Produzida pelo francês Emmanuel Benbihy, "Rio, eu te amo" tem mais acertos do que falhas e um dos elementos que mais me atrai na proposta experimental do filme é a forma como a montagem vai encaixando as histórias que, diga-se de passagem, não tem a menor necessidade de conversarem entre si. Veja, como toda metrópole o Rio de Janeiro também tem as suas histórias e seus personagens muito particulares, além de um visual incrível (lindamente trabalhada na fotografia), com isso a passagem de bastão entre um curta-metragem e outro é muito fluida quando a interação entre os protagonistas acontecem. Claro que existem alguns desalinhamentos, mas a conexão cria, de fato, uma sensação de unidade, mesmo com conduções tão fragmentadas.
Reparem que nada indica quando uma história termina e outra começa, por isso conhecer o conceito ajuda a se relacionar melhor com o filme, mas é notório que algumas das propostas funcionam melhor do que outras quando observadas de perto. De cara vale destacar "O Milagre" de Nadine Labaki ("E Agora, Aonde Vamos"). Durante uma filmagem no Rio, um casal de atores famosos conhecem um menino que acredita receber telefonemas de Jesus. No início, eles o encaram com desconfiança, mas logo percebem que esse "Jesus" não é quem o menino está pensando e resolvem "ajudar" o simpático carioquinha - o jovem Cauã Antunes é uma pérola. Outro segmento que me chamou atenção foi "Texas" de Guillermo Arriaga (roteirista de "Babel"). Após um acidente de carro, Texas, um ex-lutador de boxe, perde um braço e sua esposa não consegue mais andar. Para conseguir pagar uma cirurgia que pode curar a esposa, ele acaba se envolvendo em uma rede lutas clandestinas que coloca o seu relacionamento em jogo. E para finalizar, "Pas de Deux" de Carlos Saldanha. Aqui temos uma curiosidade: esse foi o primeiro filme em live-action dirigido pelo animador brasileiro. Ele se passa no interior do belíssimo Teatro Municipal e retrata a relação de um casal de bailarinos que entra em crise por causa da carreira, que pode separá-los, momentos antes de iniciarem uma importante apresentação.
Claro que "Rio, eu te amo" é um recorte do Brasil, que está naquela mesma prateleira que vimos em New York e Paris - ou seja, o filme que se apropria da paisagem e das particularidades locais com aquela pitada de conto literal para "inglês ver". O filme tem o pretexto de misturar talento (e são muitos: Andrucha Waddington, José Padilha, Fernando Meirelles, Paolo Sorrentino, etc) com liberdade criativa, para fazer publicidade com um toque de homenagem, crítica social e até um certo ufanismo. Eu te digo que é uma experiência interessante, divertida, mas que não será uma unanimidade na sua totalidade. Como mérito, talvez essa versão brasileira do projeto "Cities of Love" seja a mais sincera e honesta até aqui.
Vale o play!
É muito provável que se você está lendo esse review, você também conheça o astro do basquete norte-americano e MVP da NBA em 2021, Giannis Antetokounmpo. O que provavelmente você ainda não conheça é sua incrível história de vida e o que levou um jovem grego de descendência africana até o topo do esporte ao fazer do modesto Milwaukee Bucks, campeão depois de meio século da sua última conquista e, pasmem, marcando 50 pontos no jogo final - onde apenas 7 jogadores na história conseguiram esse feito.
"Rise" não mostra o sucesso de Giannis mais sim a jornada da família Antetokounmpo após Veronika (Yetide Badaki) e Charles (Dayo Okeniyi) chegarem na Grécia, vindos na Nigéria, onde lutaram para sobreviver e sustentar seus cinco filhos, enquanto viviam sob a ameaça diária de deportação. Com seu filho mais velho ainda na Nigéria com parentes, o casal estava desesperado para obter cidadania grega mas se via minado por um sistema que bloqueava, a cada tentativa, todas as possibilidades de se legalizarem. Quando não estavam estudando ou vendendo artigos para turistas nas ruas com o resto da família, os irmãos Thanasis (Ral Agada) e Giannis (Uche Agada) iam escondidos jogar basquete com um time juvenil local. Ingressando tarde no esporte, eles descobriram suas grandes habilidades na quadra e se esforçaram muito para se tornarem atletas de altíssimo nível. Com a ajuda de um jovem agente, Haris (Efthimis Chalkidis), Giannis se credenciou para o NBA Draft em 2013 em uma improvável perspectiva que mudaria não apenas sua vida, mas a vida de toda a sua família. Confira o trailer (dublado):
"Rise" é uma mistura de "Arremessando Alto" com "King Richard" e com um toque de "American Underdog" - ou seja, se você gostou de qualquer um desses títulos, você está no lugar certo! Embora o roteiro do Arash Amel (indicado ao Emmy em 2014 por "Grace of Monaco") não seja um primor e a direção do nigeriano Akin Omotoso (mais conhecido como o ator que interpretou o General Solomon em "Senhor das Armas") seja apenas mediana, "Rise" tem uma história sensacional e extremamente curiosa - eu diria até surpreendente visto que os três irmão de Giannis também conseguiram jogar no basquete americano.
Obviamente que pelo tamanho do seu protagonista, essa história merecia um diretor mais experiente e uma produção mais bem cuidada, mas em nada isso atrapalha nossa experiência como audiência. Você vai se revoltar, se emocionar e ainda torcer pelos personagens (mesmo sabendo o que a realidade já tratou de nos contar), mas também vai encontrar inúmeras frases de efeito (sempre com aquele tom motivacional barato) e algumas cenas super clichês (mesmo que bonitas visualmente), como a de Thanasis e Giannis treinando na chuva sob o olhar atento do seu pai Charles. Um ponto alto, sem dúvida, é a presença de Fela Kuti na trilha sonora, que, diga-se de passagem, é um dos elementos mais bem trabalhados no filme.
O fato é que "Rise", embora seja um filme para quem gosta de histórias marcantes e de superação sobre, hoje, astros do esporte; ainda traz um drama familiar muito interessante e real, além de uma jornada pela busca de pertencimento que toca em assuntos delicados e sensíveis como o racismo e a crise de imigração da Grécia no inicio dos anos 2000, mas que peca pela superficialidade como tratou o processo de ascensão de Giannis até chegar na NBA - talvez não fosse nem essa a proposta, eu entendo, mas é impossível não lembrar de como os títulos recentes que mencionei acima olharam para esse elemento dramático tão essencial e que acaba colocando o filme em outro patamar.
Vale pela história, pelo entretenimento e pela sensação de alegria e satisfação ao ver os créditos subindo com o resultado real de toda essa jornada!
É muito provável que se você está lendo esse review, você também conheça o astro do basquete norte-americano e MVP da NBA em 2021, Giannis Antetokounmpo. O que provavelmente você ainda não conheça é sua incrível história de vida e o que levou um jovem grego de descendência africana até o topo do esporte ao fazer do modesto Milwaukee Bucks, campeão depois de meio século da sua última conquista e, pasmem, marcando 50 pontos no jogo final - onde apenas 7 jogadores na história conseguiram esse feito.
"Rise" não mostra o sucesso de Giannis mais sim a jornada da família Antetokounmpo após Veronika (Yetide Badaki) e Charles (Dayo Okeniyi) chegarem na Grécia, vindos na Nigéria, onde lutaram para sobreviver e sustentar seus cinco filhos, enquanto viviam sob a ameaça diária de deportação. Com seu filho mais velho ainda na Nigéria com parentes, o casal estava desesperado para obter cidadania grega mas se via minado por um sistema que bloqueava, a cada tentativa, todas as possibilidades de se legalizarem. Quando não estavam estudando ou vendendo artigos para turistas nas ruas com o resto da família, os irmãos Thanasis (Ral Agada) e Giannis (Uche Agada) iam escondidos jogar basquete com um time juvenil local. Ingressando tarde no esporte, eles descobriram suas grandes habilidades na quadra e se esforçaram muito para se tornarem atletas de altíssimo nível. Com a ajuda de um jovem agente, Haris (Efthimis Chalkidis), Giannis se credenciou para o NBA Draft em 2013 em uma improvável perspectiva que mudaria não apenas sua vida, mas a vida de toda a sua família. Confira o trailer (dublado):
"Rise" é uma mistura de "Arremessando Alto" com "King Richard" e com um toque de "American Underdog" - ou seja, se você gostou de qualquer um desses títulos, você está no lugar certo! Embora o roteiro do Arash Amel (indicado ao Emmy em 2014 por "Grace of Monaco") não seja um primor e a direção do nigeriano Akin Omotoso (mais conhecido como o ator que interpretou o General Solomon em "Senhor das Armas") seja apenas mediana, "Rise" tem uma história sensacional e extremamente curiosa - eu diria até surpreendente visto que os três irmão de Giannis também conseguiram jogar no basquete americano.
Obviamente que pelo tamanho do seu protagonista, essa história merecia um diretor mais experiente e uma produção mais bem cuidada, mas em nada isso atrapalha nossa experiência como audiência. Você vai se revoltar, se emocionar e ainda torcer pelos personagens (mesmo sabendo o que a realidade já tratou de nos contar), mas também vai encontrar inúmeras frases de efeito (sempre com aquele tom motivacional barato) e algumas cenas super clichês (mesmo que bonitas visualmente), como a de Thanasis e Giannis treinando na chuva sob o olhar atento do seu pai Charles. Um ponto alto, sem dúvida, é a presença de Fela Kuti na trilha sonora, que, diga-se de passagem, é um dos elementos mais bem trabalhados no filme.
O fato é que "Rise", embora seja um filme para quem gosta de histórias marcantes e de superação sobre, hoje, astros do esporte; ainda traz um drama familiar muito interessante e real, além de uma jornada pela busca de pertencimento que toca em assuntos delicados e sensíveis como o racismo e a crise de imigração da Grécia no inicio dos anos 2000, mas que peca pela superficialidade como tratou o processo de ascensão de Giannis até chegar na NBA - talvez não fosse nem essa a proposta, eu entendo, mas é impossível não lembrar de como os títulos recentes que mencionei acima olharam para esse elemento dramático tão essencial e que acaba colocando o filme em outro patamar.
Vale pela história, pelo entretenimento e pela sensação de alegria e satisfação ao ver os créditos subindo com o resultado real de toda essa jornada!
"Rivais" poderia ter cinco minutos a menos, mas ainda assim é muito bom - agora é preciso que se diga: o filme é uma versão de "Closer", mais adolescente e no universo do tênis profissional. É isso, "Challengers" (no original) é um drama que se destaca pelo paralelo que constrói entre uma relação de casal e o intrigante mundo do tênis, obviamente, indo além do esporte para explorar questões como a ambição e os reflexos de um complexo triângulo emocional entre seus personagens principais. Lançado em 2024, o filme dirigido por Luca Guadagnino combina sua estética visual única com um enredo que mescla romance, tensão e angústia.
A história segue Tashi Duncan (Zendaya), uma ex-jogadora de tênis prodígio que, após uma grave lesão que a impede de continuar jogando, se torna treinadora de seu marido, Art (Mike Faist), um atleta em crise de confiança. O relacionamento deles começa a desmoronar quando Art é forçado a competir contra Patrick (Josh O'Connor), seu ex-melhor amigo e também ex-namorado de Tashi. À medida que o torneio avança, as tensões entre o trio aumentam, misturando ressentimentos passados, ciúmes e rivalidades pessoais onde a necessidade de vitória vai muito além do esporte. Confira o trailer:
Um fato: o filme não é sobre tênis, mas sobre as relações interpessoais e os conflitos que surgem no meio de uma pressão imensa. Guadagnino usa do esporte apenas como um pano de fundo para explorar cuidadosamente os altos e baixos dos relacionamentos, principalmente na dinâmica, através dos anos, entre Tashi, Art e Patrick. O tênis, nesse caso, é mais uma metáfora para a competitividade que permeia todas as esferas da vida - seja no campo profissional, amoroso ou pessoal. A direção de Guadagnino, para muitos, vai soar elegante e visualmente cativante. Ele utiliza a câmera para capturar não apenas a intensidade física das partidas de tênis (aqui pouco inspirado), mas também a intimidade emocional dos personagens (já aqui o que ele sabe fazer de melhor). As cenas dos jogos de tênis são coreografadas de maneira até vibrante, transmitindo a energia e a tensão da competição, mas são nos momentos mais silenciosos e introspectivos que Guadagnino realmente brilha - a forma como ele dirige seu elenco é genial. Repare na maneira como ele constrói o suspense emocional entre os personagens - é muito Mike Nichols (diretor de "Closer").
Zendaya mais uma vez se destaca, retratando uma personagem forte, ambiciosa e, ao mesmo tempo, emocionalmente vulnerável e de caráter duvidoso. Sua atuação é complexa, já que Tashi é uma mulher que manipula os dois homens ao longo de sua vida para alcançar seus próprios objetivos, mas também é alguém que carrega o peso de suas próprias inseguranças e arrependimentos. A relação de Tashi com Art e Patrick é marcada por uma mistura de paixão, traição e desejo, e Zendaya consegue equilibrar perfeitamente esses elementos de forma convincente, tornando sua personagem fascinante de acompanhar - uma mistura de Alice (Natalie Portman) com Anna (Julia Roberts) para ficar só em "Closer".
Embora o roteiro possa parecer um tanto previsível em alguns momentos, especialmente nas reviravoltas emocionais que envolvem o triângulo amoroso, os diálogos são muito bem escritos e as motivações dos personagens soam compreensíveis - a sacada do simbolismo da raquete no final do terceiro ato é uma golaço de Justin Kuritzkes (em seu primeiro texto para o cinema). O enredo segue uma trajetória que pode ser antecipada pela audiência, especialmente para aqueles familiarizados com dramas de relações que envolvem rivalidades amorosas, ainda assim, "Rivais" consegue se sustentar por mais de 120 minutos - em grande parte devido às atuações poderosas e à habilidade de Guadagnino de criar uma atmosfera emocional das mais intensas.
Vale muito o seu play!
"Rivais" poderia ter cinco minutos a menos, mas ainda assim é muito bom - agora é preciso que se diga: o filme é uma versão de "Closer", mais adolescente e no universo do tênis profissional. É isso, "Challengers" (no original) é um drama que se destaca pelo paralelo que constrói entre uma relação de casal e o intrigante mundo do tênis, obviamente, indo além do esporte para explorar questões como a ambição e os reflexos de um complexo triângulo emocional entre seus personagens principais. Lançado em 2024, o filme dirigido por Luca Guadagnino combina sua estética visual única com um enredo que mescla romance, tensão e angústia.
A história segue Tashi Duncan (Zendaya), uma ex-jogadora de tênis prodígio que, após uma grave lesão que a impede de continuar jogando, se torna treinadora de seu marido, Art (Mike Faist), um atleta em crise de confiança. O relacionamento deles começa a desmoronar quando Art é forçado a competir contra Patrick (Josh O'Connor), seu ex-melhor amigo e também ex-namorado de Tashi. À medida que o torneio avança, as tensões entre o trio aumentam, misturando ressentimentos passados, ciúmes e rivalidades pessoais onde a necessidade de vitória vai muito além do esporte. Confira o trailer:
Um fato: o filme não é sobre tênis, mas sobre as relações interpessoais e os conflitos que surgem no meio de uma pressão imensa. Guadagnino usa do esporte apenas como um pano de fundo para explorar cuidadosamente os altos e baixos dos relacionamentos, principalmente na dinâmica, através dos anos, entre Tashi, Art e Patrick. O tênis, nesse caso, é mais uma metáfora para a competitividade que permeia todas as esferas da vida - seja no campo profissional, amoroso ou pessoal. A direção de Guadagnino, para muitos, vai soar elegante e visualmente cativante. Ele utiliza a câmera para capturar não apenas a intensidade física das partidas de tênis (aqui pouco inspirado), mas também a intimidade emocional dos personagens (já aqui o que ele sabe fazer de melhor). As cenas dos jogos de tênis são coreografadas de maneira até vibrante, transmitindo a energia e a tensão da competição, mas são nos momentos mais silenciosos e introspectivos que Guadagnino realmente brilha - a forma como ele dirige seu elenco é genial. Repare na maneira como ele constrói o suspense emocional entre os personagens - é muito Mike Nichols (diretor de "Closer").
Zendaya mais uma vez se destaca, retratando uma personagem forte, ambiciosa e, ao mesmo tempo, emocionalmente vulnerável e de caráter duvidoso. Sua atuação é complexa, já que Tashi é uma mulher que manipula os dois homens ao longo de sua vida para alcançar seus próprios objetivos, mas também é alguém que carrega o peso de suas próprias inseguranças e arrependimentos. A relação de Tashi com Art e Patrick é marcada por uma mistura de paixão, traição e desejo, e Zendaya consegue equilibrar perfeitamente esses elementos de forma convincente, tornando sua personagem fascinante de acompanhar - uma mistura de Alice (Natalie Portman) com Anna (Julia Roberts) para ficar só em "Closer".
Embora o roteiro possa parecer um tanto previsível em alguns momentos, especialmente nas reviravoltas emocionais que envolvem o triângulo amoroso, os diálogos são muito bem escritos e as motivações dos personagens soam compreensíveis - a sacada do simbolismo da raquete no final do terceiro ato é uma golaço de Justin Kuritzkes (em seu primeiro texto para o cinema). O enredo segue uma trajetória que pode ser antecipada pela audiência, especialmente para aqueles familiarizados com dramas de relações que envolvem rivalidades amorosas, ainda assim, "Rivais" consegue se sustentar por mais de 120 minutos - em grande parte devido às atuações poderosas e à habilidade de Guadagnino de criar uma atmosfera emocional das mais intensas.
Vale muito o seu play!
"Rocketman" é mais um filme biográfico de um astro da música com vários elementos dramáticos de "Bohemian Rhapsody" e "Judy", para citar apenas duas recentes produções! Porém, o conceito narrativo de "Rocketman" é diferente: ele traz para dentro do roteiro performances extremamente alinhadas com a história, que explicam determinadas passagens da vida do protagonista ao som de suas próprias músicas. Com isso, eu diria que o filme se torna um híbrido entre um drama biográfico e um musical da Broadway!
"Rocketman" acompanha a jornada do Elton John desde sua infância até sua transformação em um astro pop! Para contar essa história, porém, o roteirista Lee Hall colocou o protagonista em uma espécie de reunião dos Alcóolicos Anônimos para criar um mecanismo onde Elton John se mostrasse mais vulnerável e, de alguma forma, defendesse apenas seu ponto de vista, mesmo que a sua versão não fosse exatamente um reflexo da realidade, e sim a forma como ele enxergava essa "realidade"! Confira o trailer e sinta o clima que te espera:
O que mais me chamou a atenção é que "Rocketman" não estrutura sua história tendo o sucesso de Elton John como foco, mas sim a sua trajetória de fracasso. Rocketman, além do apelido famoso, tem outro significado: o do artista que alcançou um sucesso tão meteórico que mal conseguiu prever o tombo gigantesco que levaria da vida e é isso que humaniza o personagem, que deixa sua história menos romântica, se mostrando mais pessoal e sincera. Talvez "Judy" tenha um pouco disso também, mas nesse caso, o fato do próprio Elton John e do seu marido, David Furnish (que, inclusive, já fez um documentário sobre a vida do artista) terem participado da produção, fez toda a diferença! Olha, não é uma jornada das mais tranquilas, algumas cenas podem incomodar por diversos fatores, mas posso garantir que é um grande filme - certamente um dos mais injustiçados no Oscar 2020 ao lado de "Jóias Brutas" e "A Despedida"!
“Oi, meu nome é Elton Hercules John. Eu sou viciado em álcool, drogas em geral, cocaína, maconha, sou bulímico, tenho acessos de raiva e sou víciado em sexo” - esse é o cartão de visitas de um roteiro muito bem escrito pelo já citado Lee Hal (de "Billy Elliot" - filme que lhe garantiu uma indicação ao Oscar). Sua capacidade de condensar um história tão poderosa em tão pouco tempo merece elogios - mesmo que alguns possam reclamar que faltou profundidade em determinadas passagens! Eu discordaria, pois Hal foi cirúrgico em mostrar como o "caos" ajudou a construir o personagem que se transformou em Elton John!
O roteiro se mostra mais inteligente ainda em seus alívios dramáticos, sem perder a linha biográfica, quando, ao invés de focar em como o protagonista criou cada uma de suas composições, as músicas são inseridas para ressaltar o sentimento dos personagens, criando um clima de fantasia em uma história verdadeiramente real - mesmo que pelos olhos do próprio Elton! É lindo - mas será preciso gostar daquele estilo musical mais clássico do cinema antigo, embora modernizado por lindos movimentos de câmera e um aspecto gráfico belíssimo! Reparem na paleta de cores levemente desbotada da primeira intervenção musical do filme: ela serve para mostrar a difícil e pobre infância do garoto em contraponto com o colorido e exuberância do que ele gostaria de se tornar (e fazia questão de explorar em seus figurinos)!
A direção de Dexter Fletcher - que também trabalhou em "Bohemian Rhapsody", mas que não ganhou seus créditos pela assistência na direção; é exemplar! Ele explora a construção da personalidade de Elton John sem remediar nenhum dos seus excessos, com isso ele fortalece o drama pessoal do personagem, dando o tempo para que o grande Taron Egerton (vencedor do Globo de Ouro e, incrivelmente, nem indicado ao Oscar) encontre o sentimento de vazio que permeia a história de vida do astro - essa vida sem amor construiu uma pessoa cheia de buracos que só foi preenchida com a música e isso está no filme, com trocas de estilos narrativos tão orgânicas que muitas vezes nem nos damos conta! Ainda no elenco, destaco a química impressionante entre o Taron Egerton e Jamie Bell que interpreta o parceiro profissional de uma vida, Bernie Taupin - desde as primeiras cenas juntos, eles se completam. Reparem na cena em que surge a música "Your Song˜. Richard Madden como o empresário John Reid também merece seu destaque!
"Rocketman" segue a linha do gênero, mas é diferente por não cair no clichê da volta por cima a qualquer custo sem mostrar as marcas de quando se esteve por baixo - a última cena é um lindo e poético fechamento para essa jornada quase conceitual! Elton John descobriu que o pior do inferno não está na postura dos outros e sim que a responsabilidade de seus atos são exclusivamente dele, o que desperta um nível de honestidade absurdo - e como em uma reunião dos Alcóolicos Anônimos, esse é o primeiro passo para a redenção e as legendas finais comprovam a tese!
Dê o play!
"Rocketman" é mais um filme biográfico de um astro da música com vários elementos dramáticos de "Bohemian Rhapsody" e "Judy", para citar apenas duas recentes produções! Porém, o conceito narrativo de "Rocketman" é diferente: ele traz para dentro do roteiro performances extremamente alinhadas com a história, que explicam determinadas passagens da vida do protagonista ao som de suas próprias músicas. Com isso, eu diria que o filme se torna um híbrido entre um drama biográfico e um musical da Broadway!
"Rocketman" acompanha a jornada do Elton John desde sua infância até sua transformação em um astro pop! Para contar essa história, porém, o roteirista Lee Hall colocou o protagonista em uma espécie de reunião dos Alcóolicos Anônimos para criar um mecanismo onde Elton John se mostrasse mais vulnerável e, de alguma forma, defendesse apenas seu ponto de vista, mesmo que a sua versão não fosse exatamente um reflexo da realidade, e sim a forma como ele enxergava essa "realidade"! Confira o trailer e sinta o clima que te espera:
O que mais me chamou a atenção é que "Rocketman" não estrutura sua história tendo o sucesso de Elton John como foco, mas sim a sua trajetória de fracasso. Rocketman, além do apelido famoso, tem outro significado: o do artista que alcançou um sucesso tão meteórico que mal conseguiu prever o tombo gigantesco que levaria da vida e é isso que humaniza o personagem, que deixa sua história menos romântica, se mostrando mais pessoal e sincera. Talvez "Judy" tenha um pouco disso também, mas nesse caso, o fato do próprio Elton John e do seu marido, David Furnish (que, inclusive, já fez um documentário sobre a vida do artista) terem participado da produção, fez toda a diferença! Olha, não é uma jornada das mais tranquilas, algumas cenas podem incomodar por diversos fatores, mas posso garantir que é um grande filme - certamente um dos mais injustiçados no Oscar 2020 ao lado de "Jóias Brutas" e "A Despedida"!
“Oi, meu nome é Elton Hercules John. Eu sou viciado em álcool, drogas em geral, cocaína, maconha, sou bulímico, tenho acessos de raiva e sou víciado em sexo” - esse é o cartão de visitas de um roteiro muito bem escrito pelo já citado Lee Hal (de "Billy Elliot" - filme que lhe garantiu uma indicação ao Oscar). Sua capacidade de condensar um história tão poderosa em tão pouco tempo merece elogios - mesmo que alguns possam reclamar que faltou profundidade em determinadas passagens! Eu discordaria, pois Hal foi cirúrgico em mostrar como o "caos" ajudou a construir o personagem que se transformou em Elton John!
O roteiro se mostra mais inteligente ainda em seus alívios dramáticos, sem perder a linha biográfica, quando, ao invés de focar em como o protagonista criou cada uma de suas composições, as músicas são inseridas para ressaltar o sentimento dos personagens, criando um clima de fantasia em uma história verdadeiramente real - mesmo que pelos olhos do próprio Elton! É lindo - mas será preciso gostar daquele estilo musical mais clássico do cinema antigo, embora modernizado por lindos movimentos de câmera e um aspecto gráfico belíssimo! Reparem na paleta de cores levemente desbotada da primeira intervenção musical do filme: ela serve para mostrar a difícil e pobre infância do garoto em contraponto com o colorido e exuberância do que ele gostaria de se tornar (e fazia questão de explorar em seus figurinos)!
A direção de Dexter Fletcher - que também trabalhou em "Bohemian Rhapsody", mas que não ganhou seus créditos pela assistência na direção; é exemplar! Ele explora a construção da personalidade de Elton John sem remediar nenhum dos seus excessos, com isso ele fortalece o drama pessoal do personagem, dando o tempo para que o grande Taron Egerton (vencedor do Globo de Ouro e, incrivelmente, nem indicado ao Oscar) encontre o sentimento de vazio que permeia a história de vida do astro - essa vida sem amor construiu uma pessoa cheia de buracos que só foi preenchida com a música e isso está no filme, com trocas de estilos narrativos tão orgânicas que muitas vezes nem nos damos conta! Ainda no elenco, destaco a química impressionante entre o Taron Egerton e Jamie Bell que interpreta o parceiro profissional de uma vida, Bernie Taupin - desde as primeiras cenas juntos, eles se completam. Reparem na cena em que surge a música "Your Song˜. Richard Madden como o empresário John Reid também merece seu destaque!
"Rocketman" segue a linha do gênero, mas é diferente por não cair no clichê da volta por cima a qualquer custo sem mostrar as marcas de quando se esteve por baixo - a última cena é um lindo e poético fechamento para essa jornada quase conceitual! Elton John descobriu que o pior do inferno não está na postura dos outros e sim que a responsabilidade de seus atos são exclusivamente dele, o que desperta um nível de honestidade absurdo - e como em uma reunião dos Alcóolicos Anônimos, esse é o primeiro passo para a redenção e as legendas finais comprovam a tese!
Dê o play!
Essa recomendação faz parte do nosso projeto "Semana dos Clássicos", onde convidamos você a revisitar filmes que mudaram os rumos da narrativa cinematográfica e que merecem um olhar mais critico sem esquecer, claro, do que pode ter representado emocionalmente na nossa vida!
"Rocky", sem dúvida alguma, é um dos filmes mais icônicos da história. Um filme que além de ser muito bem construído narrativamente, ainda consolidou Sylvester Stallone como uma estrela mundial e criou uma franquia que redefiniu o gênero de esportes no cinema. Com um roteiro eficaz, escrito pelo próprio Stallone, "Rocky" vai além de uma história de boxe, oferecendo um retrato profundamente humano de perseverança, de superação e de luta pela dignidade pela perspectiva mais intima de seu protagonista. O filme é realmente surpreendente nesse sentido - hoje fica ainda mais claro entender a razão de ter conquistado o coração de milhões de pessoas e ainda ter levado para casa três Oscars (depois de 10 indicações), incluindo o de "Melhor Filme" e de "Melhor Diretor", tornando-se um marco da cultura pop.
A história gira em torno de Rocky Balboa (Sylvester Stallone), um lutador amador de boxe da Filadélfia que trabalha como cobrador de dívidas para a máfia local. Sua vida é marcada por frustrações, falta de oportunidades e uma carreira no boxe que nunca decolou. No entanto, sua sorte muda quando o campeão mundial de pesos pesados, Apollo Creed (Carl Weathers), decide lhe dar uma chance de lutar pelo título como uma jogada de marketing para manter a atenção do público. O que começa como uma manobra publicitária acaba se tornando um conto inspirador sobre perseverança e espírito de luta, à medida que Rocky se prepara para o maior combate de sua vida. Confira o trailer e segura esse coração:
Lançado em 1976 e dirigido pelo John G. Avildsen (de "Karatê Kid - A Hora da Verdade"), "Rocky", é preciso dizer, tem uma narrativa que é movida por uma simplicidade que acerta na mosca ao capturar o espírito do “sonho americano” de uma maneira sincera e autêntica. A história não é sobre a vitória, mas sobre a luta. Rocky Balboasabe que não tem chance de vencer Apollo, um boxeador altamente talentoso e arrogante, mas ele decide lutar para provar para si mesmo que pode durar pelo menos os 15 rounds, mostrando que a verdadeira vitória está em dar o melhor de si. Essa simplicidade de propósito, que hoje pode parecer até piegas, combinada com a força emocional de um personagem complexo, ressoa com a audiência e dá ao filme sua força que depois virou receita de sucesso para filmes, digamos, menos inspirados.
A direção de John G. Avildsen é muito eficaz, focada em criar um realismo em torno da vida de Rocky e da Filadélfia, uma cidade que funciona perfeitamente como cenário nesse processo de superação - repare como ela ganha vida e importância metafórica durante a jornada do protagonista (Filadélfia não é Nova York e muito menos Los Angeles. Até ali, Filadélfia era só a Filadélfia). Repare como a câmera segue Rocky pelas ruas geladas, pelos becos sombrios e pelos ambientes modestos, o que contribui para a sensação de autenticidade e proximidade com o público. O treinamento de Rocky, especialmente na famosa sequência da subida das escadarias do Museu de Arte da Filadélfia, tornou-se um momento icônico, simbolizando o espírito de luta e a determinação que um atleta precisa para vencer. Sylvester Stallone, em um papel que ele próprio escreveu e para qual lutou muito até ser escalado, dá vida a Rocky Balboa com uma honestidade crua e cativante. Stallone evita o clichê do herói invencível, retratando Rocky como um homem simples, com sonhos pequenos, mas com um coração gigante. Sua vulnerabilidade e humildade tornam o personagem incrivelmente inspirador. Além de Stallone, Talia Shire, como Adrian, o interesse amoroso de Rocky, traz uma atuação delicada e sensível. A relação entre Rocky e Adrian, construída com ternura e timidez, é um dos pilares emocionais do filme. Burt Young, como Paulie, e Burgess Meredith, como Mickey, também merecem destaque por suas performances memoráveis.
Dois pontos precisam ser citados antes de concluirmos: o primeiro é sobre o confronto final entre Rocky e Creed - a coreografia da luta é realista ao ponto de sentirmos os golpes pesados e os momentos de exaustão física que refletem a brutalidade do boxe profissional. E o segundo, é a inesquecível trilha sonora composta por Bill Conti - a música-tema "Gonna Fly Now", que acompanha a sequência de treinamento, tornou-se um dos temas mais reconhecidos e inspiradores da história do cinema - e é essa trilha sonora que reforça a atmosfera emocional e heróica do filme, elevando momentos chave da narrativa a um patamar invejável de empolgação! Ah, mas alguns podem argumentar que o filme, em seu desejo de ser inspirador, recorre a alguns clichês de histórias de superação e tal! Ok, essas pessoas estão certas, mas estamos falando de um filme onde, em sua essência, um homem que foi deixado para trás pela sociedade, sem muitas opções de futuro, consegue ascender na vida e assim refletir a esperança universal de que qualquer um, se tiver a oportunidade certa, pode alcançar algo maior. Funciona!
"Rocky" transcende qualquer discurso motivacional para se tornar um marco que fará você sorrir enquanto os créditos sobem!
Essa recomendação faz parte do nosso projeto "Semana dos Clássicos", onde convidamos você a revisitar filmes que mudaram os rumos da narrativa cinematográfica e que merecem um olhar mais critico sem esquecer, claro, do que pode ter representado emocionalmente na nossa vida!
"Rocky", sem dúvida alguma, é um dos filmes mais icônicos da história. Um filme que além de ser muito bem construído narrativamente, ainda consolidou Sylvester Stallone como uma estrela mundial e criou uma franquia que redefiniu o gênero de esportes no cinema. Com um roteiro eficaz, escrito pelo próprio Stallone, "Rocky" vai além de uma história de boxe, oferecendo um retrato profundamente humano de perseverança, de superação e de luta pela dignidade pela perspectiva mais intima de seu protagonista. O filme é realmente surpreendente nesse sentido - hoje fica ainda mais claro entender a razão de ter conquistado o coração de milhões de pessoas e ainda ter levado para casa três Oscars (depois de 10 indicações), incluindo o de "Melhor Filme" e de "Melhor Diretor", tornando-se um marco da cultura pop.
A história gira em torno de Rocky Balboa (Sylvester Stallone), um lutador amador de boxe da Filadélfia que trabalha como cobrador de dívidas para a máfia local. Sua vida é marcada por frustrações, falta de oportunidades e uma carreira no boxe que nunca decolou. No entanto, sua sorte muda quando o campeão mundial de pesos pesados, Apollo Creed (Carl Weathers), decide lhe dar uma chance de lutar pelo título como uma jogada de marketing para manter a atenção do público. O que começa como uma manobra publicitária acaba se tornando um conto inspirador sobre perseverança e espírito de luta, à medida que Rocky se prepara para o maior combate de sua vida. Confira o trailer e segura esse coração:
Lançado em 1976 e dirigido pelo John G. Avildsen (de "Karatê Kid - A Hora da Verdade"), "Rocky", é preciso dizer, tem uma narrativa que é movida por uma simplicidade que acerta na mosca ao capturar o espírito do “sonho americano” de uma maneira sincera e autêntica. A história não é sobre a vitória, mas sobre a luta. Rocky Balboasabe que não tem chance de vencer Apollo, um boxeador altamente talentoso e arrogante, mas ele decide lutar para provar para si mesmo que pode durar pelo menos os 15 rounds, mostrando que a verdadeira vitória está em dar o melhor de si. Essa simplicidade de propósito, que hoje pode parecer até piegas, combinada com a força emocional de um personagem complexo, ressoa com a audiência e dá ao filme sua força que depois virou receita de sucesso para filmes, digamos, menos inspirados.
A direção de John G. Avildsen é muito eficaz, focada em criar um realismo em torno da vida de Rocky e da Filadélfia, uma cidade que funciona perfeitamente como cenário nesse processo de superação - repare como ela ganha vida e importância metafórica durante a jornada do protagonista (Filadélfia não é Nova York e muito menos Los Angeles. Até ali, Filadélfia era só a Filadélfia). Repare como a câmera segue Rocky pelas ruas geladas, pelos becos sombrios e pelos ambientes modestos, o que contribui para a sensação de autenticidade e proximidade com o público. O treinamento de Rocky, especialmente na famosa sequência da subida das escadarias do Museu de Arte da Filadélfia, tornou-se um momento icônico, simbolizando o espírito de luta e a determinação que um atleta precisa para vencer. Sylvester Stallone, em um papel que ele próprio escreveu e para qual lutou muito até ser escalado, dá vida a Rocky Balboa com uma honestidade crua e cativante. Stallone evita o clichê do herói invencível, retratando Rocky como um homem simples, com sonhos pequenos, mas com um coração gigante. Sua vulnerabilidade e humildade tornam o personagem incrivelmente inspirador. Além de Stallone, Talia Shire, como Adrian, o interesse amoroso de Rocky, traz uma atuação delicada e sensível. A relação entre Rocky e Adrian, construída com ternura e timidez, é um dos pilares emocionais do filme. Burt Young, como Paulie, e Burgess Meredith, como Mickey, também merecem destaque por suas performances memoráveis.
Dois pontos precisam ser citados antes de concluirmos: o primeiro é sobre o confronto final entre Rocky e Creed - a coreografia da luta é realista ao ponto de sentirmos os golpes pesados e os momentos de exaustão física que refletem a brutalidade do boxe profissional. E o segundo, é a inesquecível trilha sonora composta por Bill Conti - a música-tema "Gonna Fly Now", que acompanha a sequência de treinamento, tornou-se um dos temas mais reconhecidos e inspiradores da história do cinema - e é essa trilha sonora que reforça a atmosfera emocional e heróica do filme, elevando momentos chave da narrativa a um patamar invejável de empolgação! Ah, mas alguns podem argumentar que o filme, em seu desejo de ser inspirador, recorre a alguns clichês de histórias de superação e tal! Ok, essas pessoas estão certas, mas estamos falando de um filme onde, em sua essência, um homem que foi deixado para trás pela sociedade, sem muitas opções de futuro, consegue ascender na vida e assim refletir a esperança universal de que qualquer um, se tiver a oportunidade certa, pode alcançar algo maior. Funciona!
"Rocky" transcende qualquer discurso motivacional para se tornar um marco que fará você sorrir enquanto os créditos sobem!
"Roma" é sensacional!!!! Talvez o melhor trabalho da carreira do Alfonso Cuarón!!! Dito isso, você precisa saber que se trata de um filme longo, P&B (preto e branco), bem lento e que fala de relações humanas!!! Mas você precisa saber também que esse filme já ganhou 83 prêmios em Festivais pelo mundo - e isso não é nada fácil - inclusive o Leão de Ouro em Veneza!!!
Certamente a pergunta que fica é: como um filme p&b, lento, longo e sem uma história tão marcante ganha tantos prêmios? Simples - "Roma" é uma aula de Cinema. Todos, eu disse todos, os planos são muito bem pensados, coreografadas e cirurgicamente bem realizados com enquadramentos que parecem muito mais uma pintura. Movimentos de câmera inovadores (como ele mesmo fez em Gravidade)? Que nada, cinema raiz (rs) - um ou outro travelling nas externas (muito bem feitos, com uma composição de centenas de figurantes e uma direção de arte que poucas vezes vi de tão orgânica), além de muitas, muitas, panorâmicas!!! Panorâmicas bem feitas, que criam a sensação de amplitude, de um vazio dos personagens dentro daquela casa repleta de histórias que ninguém teria coragem de contar porque são simples histórias do dia a dia, de todos nós, de uma ou outra família, mas que o Cuarón transformou em uma obra prima."Roma" é o retrato de um ano tumultuado na vida de uma família de classe média da Cidade do México no início dos anos 70, como vemos no trailer a seguir:
Os sentimentos estavam lá, no silêncio, no diálogo baixinho, quase inseguro; ou no desenho de som perturbador que transformava o vazio daquele ambiente (como a cena do carro raspando na garagem ou nas crianças brigando na sala). Meu amigo, isso é cinema com alma, maravilhosamente bem captado em aspecto "2.35" (mais largado), com grande angulares, e muito mais espaço para compor aqueles planos... lindo de ver!!! É um filme simples, com uma das cenas mais impactantes que eu já assisti (do parto da protagonista), onde o Cuarón não faz nenhum movimento com a câmera, não inventa, só deixa esse maravilhoso instrumento contar aquela dolorida história - sem cortes!!!! Ou a cena na loja de móveis, com um show de atuação da Yaritza Aparicio e do Jorge Antonio Guerrero - sem nenhuma palavra, só no olhar!!!
Cuarón é um cineasta incrível, versátil, mas é humano, gente como a gente - tive a honra de assistir a palestra que ele fez em 2017 durante o Festival de Cannes e posso afirmar com todas as letras: um ser humano talentoso que aceita suas fraquezas, mas que trabalha muito para transforma-las em sua maior virtude!!! Ele escreveu, dirigiu e fotografou (sim, Alfonso Cuarón dá uma aula de fotografia no primeiro longa que ele fotografa e se ele não for, no mínimo, indicado ao Oscar, será uma das maiores injustiças dos últimos tempos). "Roma" não vai agradar a todos, não está bombando nas redes sociais como "Bohemian Rhapsody" ou "Infiltrado na Klan" (que são ótimos diga-se de passagem), mas posso te garantir que esse filme vai te fazer pensar e trazer sentimentos e sensações como nenhum outro, em muito tempo. Eu diria que é outro patamar de cinematografia!!!
Obrigado Netflix pelo presente de Natal. Obrigado Alfonso Cuarón por nos permitir conhecer sua história. É só dar o play e separar a estatueta!!!!
Up-date: "Roma" ganhou em três categorias no Oscar 2019: Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Fotografia e Melhor Diretor!
"Roma" é sensacional!!!! Talvez o melhor trabalho da carreira do Alfonso Cuarón!!! Dito isso, você precisa saber que se trata de um filme longo, P&B (preto e branco), bem lento e que fala de relações humanas!!! Mas você precisa saber também que esse filme já ganhou 83 prêmios em Festivais pelo mundo - e isso não é nada fácil - inclusive o Leão de Ouro em Veneza!!!
Certamente a pergunta que fica é: como um filme p&b, lento, longo e sem uma história tão marcante ganha tantos prêmios? Simples - "Roma" é uma aula de Cinema. Todos, eu disse todos, os planos são muito bem pensados, coreografadas e cirurgicamente bem realizados com enquadramentos que parecem muito mais uma pintura. Movimentos de câmera inovadores (como ele mesmo fez em Gravidade)? Que nada, cinema raiz (rs) - um ou outro travelling nas externas (muito bem feitos, com uma composição de centenas de figurantes e uma direção de arte que poucas vezes vi de tão orgânica), além de muitas, muitas, panorâmicas!!! Panorâmicas bem feitas, que criam a sensação de amplitude, de um vazio dos personagens dentro daquela casa repleta de histórias que ninguém teria coragem de contar porque são simples histórias do dia a dia, de todos nós, de uma ou outra família, mas que o Cuarón transformou em uma obra prima."Roma" é o retrato de um ano tumultuado na vida de uma família de classe média da Cidade do México no início dos anos 70, como vemos no trailer a seguir:
Os sentimentos estavam lá, no silêncio, no diálogo baixinho, quase inseguro; ou no desenho de som perturbador que transformava o vazio daquele ambiente (como a cena do carro raspando na garagem ou nas crianças brigando na sala). Meu amigo, isso é cinema com alma, maravilhosamente bem captado em aspecto "2.35" (mais largado), com grande angulares, e muito mais espaço para compor aqueles planos... lindo de ver!!! É um filme simples, com uma das cenas mais impactantes que eu já assisti (do parto da protagonista), onde o Cuarón não faz nenhum movimento com a câmera, não inventa, só deixa esse maravilhoso instrumento contar aquela dolorida história - sem cortes!!!! Ou a cena na loja de móveis, com um show de atuação da Yaritza Aparicio e do Jorge Antonio Guerrero - sem nenhuma palavra, só no olhar!!!
Cuarón é um cineasta incrível, versátil, mas é humano, gente como a gente - tive a honra de assistir a palestra que ele fez em 2017 durante o Festival de Cannes e posso afirmar com todas as letras: um ser humano talentoso que aceita suas fraquezas, mas que trabalha muito para transforma-las em sua maior virtude!!! Ele escreveu, dirigiu e fotografou (sim, Alfonso Cuarón dá uma aula de fotografia no primeiro longa que ele fotografa e se ele não for, no mínimo, indicado ao Oscar, será uma das maiores injustiças dos últimos tempos). "Roma" não vai agradar a todos, não está bombando nas redes sociais como "Bohemian Rhapsody" ou "Infiltrado na Klan" (que são ótimos diga-se de passagem), mas posso te garantir que esse filme vai te fazer pensar e trazer sentimentos e sensações como nenhum outro, em muito tempo. Eu diria que é outro patamar de cinematografia!!!
Obrigado Netflix pelo presente de Natal. Obrigado Alfonso Cuarón por nos permitir conhecer sua história. É só dar o play e separar a estatueta!!!!
Up-date: "Roma" ganhou em três categorias no Oscar 2019: Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Fotografia e Melhor Diretor!
Um advogado com princípios muito enraizados que, por uma circunstância de vida, faz uma escolha errada. Não é uma história tão original, mas te prende do começo ao fim!
Roman J. Israel (Denzel Washington) é um inteligente advogado que trabalha há muito tempo em uma firma de advocacia que ajudava pessoas de baixa renda. Roman era uma espécie de coadjuvante, não ia aos tribunais, conhecia todos os casos e ajudava na sua resolução, mas sempre atuando nos bastidores. Quando, inesperadamente, seu sócio morre, o protagonista acaba se envolvendo na situação da empresa e acaba tendo que começar a aparecer mais, porém com a projeção vem a responsabilidade e é aí que Roman J. Israel começa a se perder entre seu idealismo e a necessidade de se transformar em algo maior!
"Roman J. Israel" já se define pelo título - É um filme de personagem e embora eu ache o Denzel Washington um péssimo "perdedor" (vide a cara feia no Oscar 2017), ele está impecável no papel. Foi realmente merecida sua indicação como "Melhor Ator" em 2018. Já o filme, olha, é bom, mas tem um "problema" de roteiro que pode incomodar os mais exigentes - o primeiro ato é muito longo, com isso o clímax e o desfecho são pouco desenvolvidos. Quando a história pega, faltam só 40 minutos para acabar o filme e dá a impressão que tudo acaba sendo resolvido com muita pressa. Tinha um potencial de exploração muito maior (e aí não sei se foi o Estúdio que mandou cortar) porque a trama é bem amarradinha no segundo ato, criando uma sensação de angústia muito grande em quem assiste, mas, infelizmente, acaba rápido demais! O ritmo muda tão drasticamente que no final surge aquele: "Já?"!!!
O diretor é o Dan Gilroy, o mesmo do excelente "Nightcrawler" (O Abutre). Ele constrói muito bem essa atmosfera de tensão (inclusive porque é ele que escreve os roteiros que filma), mas em "Roman J. Israel, Esq.", embora competente demais na direção, seguro e sem querer aparecer muito, achei que acabou derrapando no roteiro pelo elementos que citei acima!
Resumindo: é um filme bom; com uma história realmente boa, mas tinha potencial pra ser um filme muito melhor! Vale o play, será um ótimo entretenimento, mas não é um filme inesquecível!
Um advogado com princípios muito enraizados que, por uma circunstância de vida, faz uma escolha errada. Não é uma história tão original, mas te prende do começo ao fim!
Roman J. Israel (Denzel Washington) é um inteligente advogado que trabalha há muito tempo em uma firma de advocacia que ajudava pessoas de baixa renda. Roman era uma espécie de coadjuvante, não ia aos tribunais, conhecia todos os casos e ajudava na sua resolução, mas sempre atuando nos bastidores. Quando, inesperadamente, seu sócio morre, o protagonista acaba se envolvendo na situação da empresa e acaba tendo que começar a aparecer mais, porém com a projeção vem a responsabilidade e é aí que Roman J. Israel começa a se perder entre seu idealismo e a necessidade de se transformar em algo maior!
"Roman J. Israel" já se define pelo título - É um filme de personagem e embora eu ache o Denzel Washington um péssimo "perdedor" (vide a cara feia no Oscar 2017), ele está impecável no papel. Foi realmente merecida sua indicação como "Melhor Ator" em 2018. Já o filme, olha, é bom, mas tem um "problema" de roteiro que pode incomodar os mais exigentes - o primeiro ato é muito longo, com isso o clímax e o desfecho são pouco desenvolvidos. Quando a história pega, faltam só 40 minutos para acabar o filme e dá a impressão que tudo acaba sendo resolvido com muita pressa. Tinha um potencial de exploração muito maior (e aí não sei se foi o Estúdio que mandou cortar) porque a trama é bem amarradinha no segundo ato, criando uma sensação de angústia muito grande em quem assiste, mas, infelizmente, acaba rápido demais! O ritmo muda tão drasticamente que no final surge aquele: "Já?"!!!
O diretor é o Dan Gilroy, o mesmo do excelente "Nightcrawler" (O Abutre). Ele constrói muito bem essa atmosfera de tensão (inclusive porque é ele que escreve os roteiros que filma), mas em "Roman J. Israel, Esq.", embora competente demais na direção, seguro e sem querer aparecer muito, achei que acabou derrapando no roteiro pelo elementos que citei acima!
Resumindo: é um filme bom; com uma história realmente boa, mas tinha potencial pra ser um filme muito melhor! Vale o play, será um ótimo entretenimento, mas não é um filme inesquecível!
"Sabor da Vida" é mais um motivo para agradecer essa "era de streaming" por nos dar a oportunidade de conhecer um tipo de filme que jamais entraria no circuito de cinema comercial aqui no Brasil. Essa produção japonesa, brilhantemente dirigida pela premiada Naomi Kawase (responsável pelo filme oficial dos jogos olímpicos de Tokyo e, acreditem, 9 vezes indicada para premiações no Festival de Cannes - levando para casa quatro desses prêmios), é delicada, profunda e sensível. Uma verdadeira poesia visual para discutir, entre outras coisas, a importância de uma segunda chance sob um olhar sem preconceito e humano.
Sentaro (Masatoshi Nagase) é um chef de um pequeno negócio especializado em dorayakis - um tradicional doce oriental a base de pasta de feijão vermelho. Quando uma senhora de 76 anos, Tokue (Kirin Kiki), se oferece para ajudar na cozinha, ele relutantemente aceita. Mas graças a uma receita secreta de Tokue, o pequeno negócio logo floresce, porém o preconceito impede que essa parceria de sucesso prospere, por outro lado, os laços criados entre eles acabam ajudando na busca pela cura de velhas feridas. Confira o trailer:
"Sabor da Vida" é um filme bastante cadenciado, com uma estrutura dramática densa e complexa. Sua proposta mais autoral entrega uma história bem construída, claro, mas pouco expositiva, ou seja, muito do que sentimos ao assistir o filme é o que vai nos ajudar a entender a intenção de Kawase em discutir um sério problema da sociedade japonesa sem precisar criar grandes embates através do diálogo. A diretora é extremamente competente ao usar o silêncio dos atores da mesma forma em que se aproveita de desenho de som para construir sensações a partir de planos que são verdadeiras pinturas (e que ainda expressam o valor da cultura japonesa).
Grande vencedor do Festival Internacional de Cinema de São Paulo em 2015, o filme cria uma conexão de empatia e respeito ao próximo como poucas vezes vimos no cinema, e muito mérito disso se dá pela performance e química entre Masatoshi Nagase e Kirin Kiki. O personagem de Nagase é cheio de marcas no seu intimo. Já para Kirin as marcas estão no seu corpo, mas para ambos é a dor o combustível que os faz buscar uma nova oportunidade de ser feliz - e já te adianto que você vai se impressionar com a verdade com que essa dupla conduz seus personagens durante toda história.
Com uma leve atmosfera de solidão que nos remete as consequências que a vida insiste em nos mostrar, "Sabor da Vida" vai fundo na reflexão, além de ser uma aula de direção de atores e de construção de uma trama lírica e ao mesmo tempo muito realista. Para os amantes de filmes independentes, de dramas bem estruturados e de uma beleza visual única, esse "play" é quase uma obrigação!
"Sabor da Vida" é mais um motivo para agradecer essa "era de streaming" por nos dar a oportunidade de conhecer um tipo de filme que jamais entraria no circuito de cinema comercial aqui no Brasil. Essa produção japonesa, brilhantemente dirigida pela premiada Naomi Kawase (responsável pelo filme oficial dos jogos olímpicos de Tokyo e, acreditem, 9 vezes indicada para premiações no Festival de Cannes - levando para casa quatro desses prêmios), é delicada, profunda e sensível. Uma verdadeira poesia visual para discutir, entre outras coisas, a importância de uma segunda chance sob um olhar sem preconceito e humano.
Sentaro (Masatoshi Nagase) é um chef de um pequeno negócio especializado em dorayakis - um tradicional doce oriental a base de pasta de feijão vermelho. Quando uma senhora de 76 anos, Tokue (Kirin Kiki), se oferece para ajudar na cozinha, ele relutantemente aceita. Mas graças a uma receita secreta de Tokue, o pequeno negócio logo floresce, porém o preconceito impede que essa parceria de sucesso prospere, por outro lado, os laços criados entre eles acabam ajudando na busca pela cura de velhas feridas. Confira o trailer:
"Sabor da Vida" é um filme bastante cadenciado, com uma estrutura dramática densa e complexa. Sua proposta mais autoral entrega uma história bem construída, claro, mas pouco expositiva, ou seja, muito do que sentimos ao assistir o filme é o que vai nos ajudar a entender a intenção de Kawase em discutir um sério problema da sociedade japonesa sem precisar criar grandes embates através do diálogo. A diretora é extremamente competente ao usar o silêncio dos atores da mesma forma em que se aproveita de desenho de som para construir sensações a partir de planos que são verdadeiras pinturas (e que ainda expressam o valor da cultura japonesa).
Grande vencedor do Festival Internacional de Cinema de São Paulo em 2015, o filme cria uma conexão de empatia e respeito ao próximo como poucas vezes vimos no cinema, e muito mérito disso se dá pela performance e química entre Masatoshi Nagase e Kirin Kiki. O personagem de Nagase é cheio de marcas no seu intimo. Já para Kirin as marcas estão no seu corpo, mas para ambos é a dor o combustível que os faz buscar uma nova oportunidade de ser feliz - e já te adianto que você vai se impressionar com a verdade com que essa dupla conduz seus personagens durante toda história.
Com uma leve atmosfera de solidão que nos remete as consequências que a vida insiste em nos mostrar, "Sabor da Vida" vai fundo na reflexão, além de ser uma aula de direção de atores e de construção de uma trama lírica e ao mesmo tempo muito realista. Para os amantes de filmes independentes, de dramas bem estruturados e de uma beleza visual única, esse "play" é quase uma obrigação!
"Safety" é muito bacana (muito "mesmo"!) - daqueles filmes emocionantes que nos fazem sorrir com o coração e com a alma! Safety para quem está pouco familiarizado com o Futebol Americano é uma posição importante da linha de defesa de um time e que em uma tradução livre significa "segurança". Muito mais do que contar a história de um atleta que joga nessa posição, o título do filme pretende explorar o real significado da palavra dentro do âmbito familiar e é isso que transforma essa produção original da Disney em um filme simplesmente imperdível!
Essa é a história real de Ray McElrathbey (Jay Reeves), um jovem jogador de futebol americano recém chegado em uma das Universidades mais tradicionais dos EUA quando o assunto é o programa de bolsas para o esporte. A oportunidade de jogar nos "Tigers" de Clemson é tão relevante quanto ganhar uma bolsa integral da Universidade, porém McElrathbey precisa enfrentar uma série de desafiadores obstáculos na vida e lutar contra muitas adversidades para manter essa condição de estudante e atleta, ao mesmo tempo que precisa cuidar de seu irmão de 11 anos de idade enquanto sua mãe passa por um tratamento para se livrar das drogas. Confira o trailer:
Veja, mesmo com inúmeras referências ao esporte, inclusive com diálogos bastante complicados até para os mais familiarizados, "Safety" não é um filme de futebol americano na sua essência - são pouquíssimas cenas de jogos ou de citações sobre a necessidade de vencer o título da temporada. Obviamente que a atmosfera esportiva e a importância dos Tigers para a comunidade são claramente perceptíveis durante o desenrolar do filme, mas eu diria que a relação direta com o esporte em si para por aí. É inegável que a audiência acostumada com o futebol americano vai se relacionar de uma maneira muito mais profunda com a trama, mas o roteiro de Nick Santora (da série “Prison Break”) cumpre muito bem o papel didático para fisgar um público mais abrangente.
"Safety" é um excelente exemplo de história que daria um filme impactante se o conceito narrativo se apoiasse no realismo brutal do drama familiar como em "Florida Project"ou "Palmer", mas assim não seria um filme "Disney". A escolha (ou imposição) do diretor Reginald Hudlin (“O Pai da Black Music”) por um tom mais brando prejudica a experiência? Não, muito pelo contrário, mas não dá para negar que a busca pela solução do problema acaba ganhando uma importância narrativa muito maior do que o problema em si.
Tecnicamente o filme é muito bem realizado - dos planos abertos do campo de futebol americano para nos posicionar perante a grandiosidade do esporte e de sua tradição para a universidade de Clemson aos cortes bem executados entre uma câmera subjetiva ou um movimento de travelling para nos colocar no campo de jogo. Tudo isso, porém, são apenas elementos visualmente impactantes para emoldurar as mensagens inspiradoras e emocionantes, além de ótimos momentos que servem como alívios cômicos (principalmente com o ótimo Thaddeus J. Mixson - o irmão mais novo de Ray, Fahmarr).
"Safety" é repleto de clichês, mas que funciona perfeitamente para nos emocionar, além de trazer aquela sensação de bem-estar tão característico das produções da Disney que em nenhum momento perdem o seu brilho ou a simpatia dos personagens.
Vale muito a pena!
"Safety" é muito bacana (muito "mesmo"!) - daqueles filmes emocionantes que nos fazem sorrir com o coração e com a alma! Safety para quem está pouco familiarizado com o Futebol Americano é uma posição importante da linha de defesa de um time e que em uma tradução livre significa "segurança". Muito mais do que contar a história de um atleta que joga nessa posição, o título do filme pretende explorar o real significado da palavra dentro do âmbito familiar e é isso que transforma essa produção original da Disney em um filme simplesmente imperdível!
Essa é a história real de Ray McElrathbey (Jay Reeves), um jovem jogador de futebol americano recém chegado em uma das Universidades mais tradicionais dos EUA quando o assunto é o programa de bolsas para o esporte. A oportunidade de jogar nos "Tigers" de Clemson é tão relevante quanto ganhar uma bolsa integral da Universidade, porém McElrathbey precisa enfrentar uma série de desafiadores obstáculos na vida e lutar contra muitas adversidades para manter essa condição de estudante e atleta, ao mesmo tempo que precisa cuidar de seu irmão de 11 anos de idade enquanto sua mãe passa por um tratamento para se livrar das drogas. Confira o trailer:
Veja, mesmo com inúmeras referências ao esporte, inclusive com diálogos bastante complicados até para os mais familiarizados, "Safety" não é um filme de futebol americano na sua essência - são pouquíssimas cenas de jogos ou de citações sobre a necessidade de vencer o título da temporada. Obviamente que a atmosfera esportiva e a importância dos Tigers para a comunidade são claramente perceptíveis durante o desenrolar do filme, mas eu diria que a relação direta com o esporte em si para por aí. É inegável que a audiência acostumada com o futebol americano vai se relacionar de uma maneira muito mais profunda com a trama, mas o roteiro de Nick Santora (da série “Prison Break”) cumpre muito bem o papel didático para fisgar um público mais abrangente.
"Safety" é um excelente exemplo de história que daria um filme impactante se o conceito narrativo se apoiasse no realismo brutal do drama familiar como em "Florida Project"ou "Palmer", mas assim não seria um filme "Disney". A escolha (ou imposição) do diretor Reginald Hudlin (“O Pai da Black Music”) por um tom mais brando prejudica a experiência? Não, muito pelo contrário, mas não dá para negar que a busca pela solução do problema acaba ganhando uma importância narrativa muito maior do que o problema em si.
Tecnicamente o filme é muito bem realizado - dos planos abertos do campo de futebol americano para nos posicionar perante a grandiosidade do esporte e de sua tradição para a universidade de Clemson aos cortes bem executados entre uma câmera subjetiva ou um movimento de travelling para nos colocar no campo de jogo. Tudo isso, porém, são apenas elementos visualmente impactantes para emoldurar as mensagens inspiradoras e emocionantes, além de ótimos momentos que servem como alívios cômicos (principalmente com o ótimo Thaddeus J. Mixson - o irmão mais novo de Ray, Fahmarr).
"Safety" é repleto de clichês, mas que funciona perfeitamente para nos emocionar, além de trazer aquela sensação de bem-estar tão característico das produções da Disney que em nenhum momento perdem o seu brilho ou a simpatia dos personagens.
Vale muito a pena!
Antes de continuarmos eu preciso te passar duas informações importantes: só assista "Saída à Francesa" se você gostar de filmes "estilo Woody Allen" e também saiba que esse filme não se trata de uma comédia romântica, muito pelo contrário, para mim, a história se encaixa muito mais como um drama de relações e, aí sim, com bons elementos de comédia - a famosa "dramédia". Dito isso, fica muito simples de analisar o conceito narrativo do filme dirigido pelo Azazel Jacobs (de "The Lovers") já que mesmo com escolhas narrativas que soam próximas do absurdo, é possível se divertir e ainda refletir sobre toda aquela atmosfera introspectiva que envolve a protagonistaFrances Price (uma Michelle Pfeiffer impagável - inclusive indicada ao Globo de Ouro por essa performance em 2021).
Frances (Michelle Pfeiffer) é uma socialite viúva e sem dinheiro que mora em Manhattan, cujo marido morreu há quase duas décadas. Com sua herança evaporando, ela recolhe o último de seus bens e resolve viver seus dias de solidão anonimamente em um apartamento emprestado em Paris, acompanhada por seu filho Malcolm (Lucas Hedge) e de um gato de estimação. Confira o trailer:
Baseado no livro homônimo de Patrick DeWitt (que também escreve o roteiro), "Saída à Francesa" é basicamente um estudo de caso psicológico de uma mulher marcada pelo seu passado que é incapaz de se relacionar com um presente completamente diferente do que ela jamais sonhou. Embora o filme possua uma narrativa bastante peculiar, com um ritmo até mais cadenciado, é impressionante como a trama usa do "insano" para nos envolver emocionalmente e nos mostrar que mesmo a partir de uma personagem essencialmente egoísta e inconsequente, existe um ser humano sensível que, infelizmente, não soube lidar com a melancolia e com a dor de ter priorizado a superficialidade do material para preencher seu vazio existencial.
Francis tem uma aura lunática, fato - que por sinal gera bons momentos como a cena em que um garçom francês demora para trazer a conta. Mas, na minha opinião, esse não é o ponto forte do filme e sim o gatilho para que possamos entender a profundidade do texto de DeWitt. Veja, aqui temos uma personagem imponente que costuma intimidar as pessoas sem precisar falar nada, sendo apenas imprevisível, que busca se relacionar com um filho que se anula de diversas formas para tentar se moldar a algo que agrade o ego inflado de sua mãe - mesmo que soe estereotipado em um primeiro olhar, essa construção tem um sentido verdadeiro, uma marca intensa, difícil de lidar e que quando desvendada, conecta vários pontos e faz tudo ganhar outro sentido. Isso sem falar na coragem de Jacobs e de DeWitt em entregar um final digno de um bom premiado drama independente ao som de uma trilha sonora belíssima e tendo Paris como cenário.
“Saída à Francesa” não vai agradar grande parte daquela audiência que vai cair na péssima estratégia de marketing da Sony - o filme não é nada daquilo que está sendo vendido: do nome engraçadinho ao tom comercial do trailer. O filme é sim uma obra das mais competentes, que sabe perfeitamente equilibrar a loucura aparente com a dor mais introspectiva de Francis sem soar clichê. Você vai encontrar ao longo da trama momentos engraçados, outros tocantes e até alguns poucos mais angustiantes - talvez seja assim o melhor caminho para definir a sanidade de uma personagem que pouco sabe sobre companheirismo, mas que ao entender o significado de ser adulto, aprende o que realmente importa na vida.
Vale o seu play!
Antes de continuarmos eu preciso te passar duas informações importantes: só assista "Saída à Francesa" se você gostar de filmes "estilo Woody Allen" e também saiba que esse filme não se trata de uma comédia romântica, muito pelo contrário, para mim, a história se encaixa muito mais como um drama de relações e, aí sim, com bons elementos de comédia - a famosa "dramédia". Dito isso, fica muito simples de analisar o conceito narrativo do filme dirigido pelo Azazel Jacobs (de "The Lovers") já que mesmo com escolhas narrativas que soam próximas do absurdo, é possível se divertir e ainda refletir sobre toda aquela atmosfera introspectiva que envolve a protagonistaFrances Price (uma Michelle Pfeiffer impagável - inclusive indicada ao Globo de Ouro por essa performance em 2021).
Frances (Michelle Pfeiffer) é uma socialite viúva e sem dinheiro que mora em Manhattan, cujo marido morreu há quase duas décadas. Com sua herança evaporando, ela recolhe o último de seus bens e resolve viver seus dias de solidão anonimamente em um apartamento emprestado em Paris, acompanhada por seu filho Malcolm (Lucas Hedge) e de um gato de estimação. Confira o trailer:
Baseado no livro homônimo de Patrick DeWitt (que também escreve o roteiro), "Saída à Francesa" é basicamente um estudo de caso psicológico de uma mulher marcada pelo seu passado que é incapaz de se relacionar com um presente completamente diferente do que ela jamais sonhou. Embora o filme possua uma narrativa bastante peculiar, com um ritmo até mais cadenciado, é impressionante como a trama usa do "insano" para nos envolver emocionalmente e nos mostrar que mesmo a partir de uma personagem essencialmente egoísta e inconsequente, existe um ser humano sensível que, infelizmente, não soube lidar com a melancolia e com a dor de ter priorizado a superficialidade do material para preencher seu vazio existencial.
Francis tem uma aura lunática, fato - que por sinal gera bons momentos como a cena em que um garçom francês demora para trazer a conta. Mas, na minha opinião, esse não é o ponto forte do filme e sim o gatilho para que possamos entender a profundidade do texto de DeWitt. Veja, aqui temos uma personagem imponente que costuma intimidar as pessoas sem precisar falar nada, sendo apenas imprevisível, que busca se relacionar com um filho que se anula de diversas formas para tentar se moldar a algo que agrade o ego inflado de sua mãe - mesmo que soe estereotipado em um primeiro olhar, essa construção tem um sentido verdadeiro, uma marca intensa, difícil de lidar e que quando desvendada, conecta vários pontos e faz tudo ganhar outro sentido. Isso sem falar na coragem de Jacobs e de DeWitt em entregar um final digno de um bom premiado drama independente ao som de uma trilha sonora belíssima e tendo Paris como cenário.
“Saída à Francesa” não vai agradar grande parte daquela audiência que vai cair na péssima estratégia de marketing da Sony - o filme não é nada daquilo que está sendo vendido: do nome engraçadinho ao tom comercial do trailer. O filme é sim uma obra das mais competentes, que sabe perfeitamente equilibrar a loucura aparente com a dor mais introspectiva de Francis sem soar clichê. Você vai encontrar ao longo da trama momentos engraçados, outros tocantes e até alguns poucos mais angustiantes - talvez seja assim o melhor caminho para definir a sanidade de uma personagem que pouco sabe sobre companheirismo, mas que ao entender o significado de ser adulto, aprende o que realmente importa na vida.
Vale o seu play!
Se “Halston” é a versão biográfica hollywoodiana de um ícone da moda para o streaming, sem a menor dúvida que "Saint Laurent" cumpre o mesmo papel para o cinema independente - e essa analogia vai além do conteúdo, já que a forma com que o diretor francês Bertrand Bonello (de "Coma") cobre um recorte importante da carreira do estilista é pouco convencional e extremamente autoral. Certamente que as escolhas estéticas e narrativas do diretor vão afastar parte da audiência, porém, para o amante da moda, de cinebiografias e, principalmente, para quem gosta de filmes mais autorais, posso dizer que você está prestes a assistir um excelente filme!
O filme basicamente acompanha um recorte da vida de Yves Saint Laurent, especificamente entre os anos de 1967 e 1976, período em que, mesmo frágil emocionalmente, o famoso estilista estava no auge de sua carreira. confira o trailer:
Não por acaso "Saint Laurent" ostenta o selo de "Seleção Oficial" no Festival de Cannes 2014 e foi indicado pela França para concorrer na categoria de Melhor Filme Internacional no Oscar 2015. O curioso, porém, é que essa não é a única obra sobre o estilista que foi produzida e reconhecida naquele ano de 2014 - enquanto "Saint Laurent", de Bonello, insiste em explorar os aspectos mais sombrios da personalidade do protagonista."Yves Saint Laurent", de Jalil Lespert, uma versão "autorizada" por Pierre Bergé, companheiro do estilista que faleceu em 2008, foca na vida do jovem que vai se transformando na velocidade de seu prestígio e através da tumultuada relação com o próprio Bergé.
Veja, aqui o roteiro se propõe a mostrar o reinado de Saint Laurent no mundo da alta costura francesa sem se aprofundar em como ele conquistou esse status. O valor da obra está no processo criativo, nos relacionamentos amorosos, nas dificuldades emocionais e nas polêmicas com o marido e empresário Pierre Berger, mas sem levantar nenhuma bandeira ou provocar grandes discussões sobre os caminhos que o estilista escolheu durante a carreira - o que acaba distanciando a narrativa de "Halston", por exemplo. Em compensação, o recorte do filme é verdadeiramente impactante visualmente - seja pela maneira como o protagonista criava ou pela sua postura íntima em relação aos seus parceiros e amigos.
Propositalmente cadenciado e sem respeitar a linearidade das passagens retratadas, "Saint Laurent" vai incomodar os menos dispostos a encarar uma narrativa quase experimental. O primeiro ato, de fato, é o menos chamativo, porém ao entender a proposta do diretor, tudo muda de figura e nos conectamos com o personagem maravilhosamente interpretado pelo Gaspard Ulliel (de "Era uma segunda vez") - performance que lhe rendeu inúmeros prêmios e indicações, inclusive para o "Oscar Francês", o César Awards. Dito isso, é preciso comentar que o filme cresce muito quando se apoia na ruína íntima de Yves Saint Laurent (é onde se aproxima de Halston - por isso a comparação inicial), principalmente nos instantes em que a notoriedade, o dinheiro, a bajulação e o reconhecimento, já não eram suficientes para torna-lo uma pessoa feliz e realizada - por incrível que pareça!
Vale seu play!
Se “Halston” é a versão biográfica hollywoodiana de um ícone da moda para o streaming, sem a menor dúvida que "Saint Laurent" cumpre o mesmo papel para o cinema independente - e essa analogia vai além do conteúdo, já que a forma com que o diretor francês Bertrand Bonello (de "Coma") cobre um recorte importante da carreira do estilista é pouco convencional e extremamente autoral. Certamente que as escolhas estéticas e narrativas do diretor vão afastar parte da audiência, porém, para o amante da moda, de cinebiografias e, principalmente, para quem gosta de filmes mais autorais, posso dizer que você está prestes a assistir um excelente filme!
O filme basicamente acompanha um recorte da vida de Yves Saint Laurent, especificamente entre os anos de 1967 e 1976, período em que, mesmo frágil emocionalmente, o famoso estilista estava no auge de sua carreira. confira o trailer:
Não por acaso "Saint Laurent" ostenta o selo de "Seleção Oficial" no Festival de Cannes 2014 e foi indicado pela França para concorrer na categoria de Melhor Filme Internacional no Oscar 2015. O curioso, porém, é que essa não é a única obra sobre o estilista que foi produzida e reconhecida naquele ano de 2014 - enquanto "Saint Laurent", de Bonello, insiste em explorar os aspectos mais sombrios da personalidade do protagonista."Yves Saint Laurent", de Jalil Lespert, uma versão "autorizada" por Pierre Bergé, companheiro do estilista que faleceu em 2008, foca na vida do jovem que vai se transformando na velocidade de seu prestígio e através da tumultuada relação com o próprio Bergé.
Veja, aqui o roteiro se propõe a mostrar o reinado de Saint Laurent no mundo da alta costura francesa sem se aprofundar em como ele conquistou esse status. O valor da obra está no processo criativo, nos relacionamentos amorosos, nas dificuldades emocionais e nas polêmicas com o marido e empresário Pierre Berger, mas sem levantar nenhuma bandeira ou provocar grandes discussões sobre os caminhos que o estilista escolheu durante a carreira - o que acaba distanciando a narrativa de "Halston", por exemplo. Em compensação, o recorte do filme é verdadeiramente impactante visualmente - seja pela maneira como o protagonista criava ou pela sua postura íntima em relação aos seus parceiros e amigos.
Propositalmente cadenciado e sem respeitar a linearidade das passagens retratadas, "Saint Laurent" vai incomodar os menos dispostos a encarar uma narrativa quase experimental. O primeiro ato, de fato, é o menos chamativo, porém ao entender a proposta do diretor, tudo muda de figura e nos conectamos com o personagem maravilhosamente interpretado pelo Gaspard Ulliel (de "Era uma segunda vez") - performance que lhe rendeu inúmeros prêmios e indicações, inclusive para o "Oscar Francês", o César Awards. Dito isso, é preciso comentar que o filme cresce muito quando se apoia na ruína íntima de Yves Saint Laurent (é onde se aproxima de Halston - por isso a comparação inicial), principalmente nos instantes em que a notoriedade, o dinheiro, a bajulação e o reconhecimento, já não eram suficientes para torna-lo uma pessoa feliz e realizada - por incrível que pareça!
Vale seu play!