Não é por acaso que "Parasita" é considerado um dos melhores filmes de 2019! Embora seja uma produção sul-coreana, que para muitos pode causar um certo estranhamento devido ao idioma, o filme de Bong Joon Ho (Okja) tem elementos narrativos (e até conceituais) que nos lembram "Era uma vez em Hollywood" do Tarantino e "Nós" de Jordan Peele. É preciso deixar claro que "Parasita" é um filme de metáforas e faz do seu roteiro uma das coisas mais bacanas que assisti recentemente. Então vamos partir do principio: parasita é um organismo que vive às custas de outro organismo, obtendo dele alimento e causando danos - agora aplique isso em uma crítica muito bem embasada sobre a sociedade moderna e a diferenciação de classes. Importante: a genialidade do filme está em tocar em assuntos extremamente delicados sem precisar impor qualquer tipo de discussão filosófica ou política (por mais que ele saiba perfeitamente onde quer chegar)!
"Parasita" conta a história de como duas famílias completamente distintas socialmente que acabam se relacionando: Os "Kim", representam uma família mais pobre, que sobrevive dobrando caixas de papelão. Eles vivem em uma espécie de sótão, bem na periferia, e que mal conseguem dinheiro para comer. Os "Park", já representam um família mais rica, com um homem bem sucedido no comando e uma mulher que cuida da casa cercada de empregados e cheia de neuroses sobre a educação dos filhos. Eles vivem em uma casa maravilhosa, com muito conforto e espaço! O mundo dessas duas famílias se encontram quando, depois de uma indicação, o jovem Ki-woo (Woo-sik Choi), da família "Kin", se torna tutor de inglês da filha mais velha dos "Park", Da-hye (Ji-so Jung). Ki-woo, ao perceber que se trata de uma família bastante ingênua e completamente fora da realidade, vê a oportunidade de colocar os outros membros da família para também trabalhar com os "Park" - mesmo que para isso seja necessário trapacear e tirar quem já trabalhava lá. O interessante é que essa dinâmica dos "Kin" não carrega o peso da desonestidade e isso é discutido durante o filme sem a obrigação de se fazer julgamentos, afinal, eles "só" queriam ganhar mais dinheiro e viver com mais dignidade, embora, como parasitas, para se obter o alimento, certamente, algum dano precisaria ser causado!
Um dos elementos que mais me impressionou enquanto assistia "Parasita" foi a facilidade de como o roteiro (do próprio Bong Joon Ho e do novato Jin Won Han) traduzia cada um dos extremos sociais dessa história sem efetivamente transformar nenhum dos lados em um vilão, mesmo que apontando seus defeitos e fraquezas. O roteiro deixa muito fácil de se entender que não se tratam de pessoas más, mas de pessoas aprisionadas em mundos completamente opostos e que por isso pagam o preço das oportunidades.
Reparem como o diretor enquadra a janela principal da casa dos "Kin" - é como se eles estivem dentro de um bueiro e depois insiste em mostrar a importância (e a imponência) das escadas na casa dos "Park". Ou quando Ki-woo diz que não estava enganando ninguém ao falsificar um diploma para conseguir o emprego, apenas imprimiu ele antes de fazer a faculdade! E quando Park comenta com a esposa sobre o cheiro dos empregados e que isso lembrava muito o cheiro do metro. Ela logo responde que fazia anos que não andava de metro e mesmo assim Park retruca dizendo que as pessoas no metro tinham um cheiro bem peculiar! - é muito interessante não enxergar a maldade que os diálogos sugerem, graças a uma apresentação de personagens incrível! Outro detalhe bem interessante é a forma como os atores se movimentam em cena: os "Kin" são como baratas, esperam o momento certo para ir de um lado para o outro, enquanto os "Park" não olham para baixo em momento algum, sendo assim não percebem nem os "insetos" que os rodeiam! O filme é cheio dessas metáforas. São só exemplos e acreditem: existe muito mais profundidade nos diálogos que podemos imaginar!
A fotografia é algo interessante também, além dos já citados enquadramentos e movimentos de câmera, Kyung-pyo Hong faz um trabalho incrível ao lado do departamento de arte: a casa dos "Kim", por exemplo, é apertada, com muita coisa amontoada, sem padrão de cor para criar a sensação de caos, mas com uma certa escuridão - chega a ser angustiante, sujo. Já na casa dos "Park" vemos um estilo totalmente "clean" com tudo hermeticamente organizado ao mesmo tempo que o tom mais "pastel" e a iluminação amarelada traduz um certo aconchego. Já caminhando para o final, tem uma sequência linda, onde chove muito e sentimos exatamente o que representa as dores de tanta diferença social - o diálogo de Park Yeon-kyo no dia seguinte, só fortalece a maneira como essas realidades lidam com cada detalhe da história - é muito bom!!! Vale ressaltar que o Desenho de Produção de "Parasita" foi indicado ao Oscar 2020 e não vou me surpreender se levar! Reparem em cada detalhe, porque é muito fácil perceber a mensagem que Bong Joon Ho quer passar. O elenco está incrível: todos, sem exceção! Me surpreende nenhum dos atores ter sido indicado ao Oscar, mas a recente vitória no SAG Awards, o prêmio do Sindicato de Atores de Hollywood, corrige esse conservadorismo da Academia - e vale ressaltar que o elenco do filme coreano foi aplaudido de pé durante a premiação!
Com um orçamento de US$ 11 milhões, "Parasita" arrecadou mais que dez vezes esse valor pelo mundo inteiro, chegando a US$ 140 milhões. Ganhou mais de 150 prêmios em Festivais Internacionais (inclusive Cannes) e foi indicado para outros 150. Teve papel importante em premiações de peso como Globo de Ouro e SAG Awards. É o grande favorito (eu diria que barbada) para levar o Oscar de Filme Estrangeiro e deve beliscar pelo menos mais uma ou duas categorias das seis em que foi indicado. "Parasita" é um fenômeno do mesmo nível (ou maior) que "A vida é bela" - acredito, inclusive, que se o filme fosse americano, seria o vencedor do ano! É fato que a Academia reconhece a obra, claro, mas não sei se teria coragem de coloca-la na frente de nomes como Tarantino ou Scorsese e de filmes como 1917 ou Coringa - por merecimento, seria o campeão da noite; por intuição o páreo ainda está aberto! Não deixe de assistir!
Up-date: "Parasita" ganhou em quatro categorias no Oscar 2020: Melhor Filme, Melhor Filme Internacional, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Original!
Não é por acaso que "Parasita" é considerado um dos melhores filmes de 2019! Embora seja uma produção sul-coreana, que para muitos pode causar um certo estranhamento devido ao idioma, o filme de Bong Joon Ho (Okja) tem elementos narrativos (e até conceituais) que nos lembram "Era uma vez em Hollywood" do Tarantino e "Nós" de Jordan Peele. É preciso deixar claro que "Parasita" é um filme de metáforas e faz do seu roteiro uma das coisas mais bacanas que assisti recentemente. Então vamos partir do principio: parasita é um organismo que vive às custas de outro organismo, obtendo dele alimento e causando danos - agora aplique isso em uma crítica muito bem embasada sobre a sociedade moderna e a diferenciação de classes. Importante: a genialidade do filme está em tocar em assuntos extremamente delicados sem precisar impor qualquer tipo de discussão filosófica ou política (por mais que ele saiba perfeitamente onde quer chegar)!
"Parasita" conta a história de como duas famílias completamente distintas socialmente que acabam se relacionando: Os "Kim", representam uma família mais pobre, que sobrevive dobrando caixas de papelão. Eles vivem em uma espécie de sótão, bem na periferia, e que mal conseguem dinheiro para comer. Os "Park", já representam um família mais rica, com um homem bem sucedido no comando e uma mulher que cuida da casa cercada de empregados e cheia de neuroses sobre a educação dos filhos. Eles vivem em uma casa maravilhosa, com muito conforto e espaço! O mundo dessas duas famílias se encontram quando, depois de uma indicação, o jovem Ki-woo (Woo-sik Choi), da família "Kin", se torna tutor de inglês da filha mais velha dos "Park", Da-hye (Ji-so Jung). Ki-woo, ao perceber que se trata de uma família bastante ingênua e completamente fora da realidade, vê a oportunidade de colocar os outros membros da família para também trabalhar com os "Park" - mesmo que para isso seja necessário trapacear e tirar quem já trabalhava lá. O interessante é que essa dinâmica dos "Kin" não carrega o peso da desonestidade e isso é discutido durante o filme sem a obrigação de se fazer julgamentos, afinal, eles "só" queriam ganhar mais dinheiro e viver com mais dignidade, embora, como parasitas, para se obter o alimento, certamente, algum dano precisaria ser causado!
Um dos elementos que mais me impressionou enquanto assistia "Parasita" foi a facilidade de como o roteiro (do próprio Bong Joon Ho e do novato Jin Won Han) traduzia cada um dos extremos sociais dessa história sem efetivamente transformar nenhum dos lados em um vilão, mesmo que apontando seus defeitos e fraquezas. O roteiro deixa muito fácil de se entender que não se tratam de pessoas más, mas de pessoas aprisionadas em mundos completamente opostos e que por isso pagam o preço das oportunidades.
Reparem como o diretor enquadra a janela principal da casa dos "Kin" - é como se eles estivem dentro de um bueiro e depois insiste em mostrar a importância (e a imponência) das escadas na casa dos "Park". Ou quando Ki-woo diz que não estava enganando ninguém ao falsificar um diploma para conseguir o emprego, apenas imprimiu ele antes de fazer a faculdade! E quando Park comenta com a esposa sobre o cheiro dos empregados e que isso lembrava muito o cheiro do metro. Ela logo responde que fazia anos que não andava de metro e mesmo assim Park retruca dizendo que as pessoas no metro tinham um cheiro bem peculiar! - é muito interessante não enxergar a maldade que os diálogos sugerem, graças a uma apresentação de personagens incrível! Outro detalhe bem interessante é a forma como os atores se movimentam em cena: os "Kin" são como baratas, esperam o momento certo para ir de um lado para o outro, enquanto os "Park" não olham para baixo em momento algum, sendo assim não percebem nem os "insetos" que os rodeiam! O filme é cheio dessas metáforas. São só exemplos e acreditem: existe muito mais profundidade nos diálogos que podemos imaginar!
A fotografia é algo interessante também, além dos já citados enquadramentos e movimentos de câmera, Kyung-pyo Hong faz um trabalho incrível ao lado do departamento de arte: a casa dos "Kim", por exemplo, é apertada, com muita coisa amontoada, sem padrão de cor para criar a sensação de caos, mas com uma certa escuridão - chega a ser angustiante, sujo. Já na casa dos "Park" vemos um estilo totalmente "clean" com tudo hermeticamente organizado ao mesmo tempo que o tom mais "pastel" e a iluminação amarelada traduz um certo aconchego. Já caminhando para o final, tem uma sequência linda, onde chove muito e sentimos exatamente o que representa as dores de tanta diferença social - o diálogo de Park Yeon-kyo no dia seguinte, só fortalece a maneira como essas realidades lidam com cada detalhe da história - é muito bom!!! Vale ressaltar que o Desenho de Produção de "Parasita" foi indicado ao Oscar 2020 e não vou me surpreender se levar! Reparem em cada detalhe, porque é muito fácil perceber a mensagem que Bong Joon Ho quer passar. O elenco está incrível: todos, sem exceção! Me surpreende nenhum dos atores ter sido indicado ao Oscar, mas a recente vitória no SAG Awards, o prêmio do Sindicato de Atores de Hollywood, corrige esse conservadorismo da Academia - e vale ressaltar que o elenco do filme coreano foi aplaudido de pé durante a premiação!
Com um orçamento de US$ 11 milhões, "Parasita" arrecadou mais que dez vezes esse valor pelo mundo inteiro, chegando a US$ 140 milhões. Ganhou mais de 150 prêmios em Festivais Internacionais (inclusive Cannes) e foi indicado para outros 150. Teve papel importante em premiações de peso como Globo de Ouro e SAG Awards. É o grande favorito (eu diria que barbada) para levar o Oscar de Filme Estrangeiro e deve beliscar pelo menos mais uma ou duas categorias das seis em que foi indicado. "Parasita" é um fenômeno do mesmo nível (ou maior) que "A vida é bela" - acredito, inclusive, que se o filme fosse americano, seria o vencedor do ano! É fato que a Academia reconhece a obra, claro, mas não sei se teria coragem de coloca-la na frente de nomes como Tarantino ou Scorsese e de filmes como 1917 ou Coringa - por merecimento, seria o campeão da noite; por intuição o páreo ainda está aberto! Não deixe de assistir!
Up-date: "Parasita" ganhou em quatro categorias no Oscar 2020: Melhor Filme, Melhor Filme Internacional, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Original!
"Passagem", de fato, não é um filme fácil! Sua narrativa, além de profunda e cheia de nuances emocionais, é cadenciada, reflexiva, provocativa até - algo como encontramos em "Nomadland", por exemplo. Dirigido pela talentosa Lila Neugebauer (de "Maid"), "Causeway" (no original) é um verdadeiro estudo sobre a solidão no sentido mais amplo da palavra - o roteiro se apoia na introspecção da dupla de protagonistas para discutir temas universais como os impactos dos traumas na vida das pessoas, como a resiliência pode ser a chave para uma segunda chance e, finalmente, como a amizade verdadeira pode mudar nossa perspectiva de mundo e nos dar um certo ar de esperança. Se a sinopse vai te apresentar a jornada de Lynsey como motivo para você dar o play, saiba que essa obra vai além, tecendo uma narrativa rica em detalhes que revelam a fragilidade e a força do ser humano sob vários pontos de vista.
A trama basicamente acompanha a história de Lynsey (Jennifer Lawrence) uma jovem militar que retorna para Nova Orleans e luta para se readaptar à vida civil após uma lesão traumática que sofreu no Afeganistão. Em meio à sua solidão e desespero, ela encontra em James (Brian Tyree Henry), um mecânico local, um inesperado refúgio e a chance de recomeçar. Confira o trailer (em inglês):
"Passagem" chama atenção pela profundidade de seu roteiro. Ao não se contentar em ser apenas mais uma história sobre os traumas de uma guerra, o filme acaba explorando de uma maneira muito sensível, as cicatrizes invisíveis que essa experiência deixa em seus soldados e como é árduo o processo de reconstrução da vida após um evento traumático. Sem passagens impactantes visualmente ou flashbacks que poderiam facilitar o caminho e dar uma ideia palpável do que é o horror de uma guerra, Neugebauer assume uma proposta narrativa menos expositiva nos convidando a refletir sobre a importância da conexão humana, do amor e da amizade como ferramenta de cura e redenção pela perspectiva da própria protagonista. Obviamente que essa escolha cobra o seu preço, sacrificando a dinâmica do primeiro ato e deixando para depois (e para quem tem um pouco mais de paciência) todas as conexões que vão se construindo entre Lynsey e James.
A direção de Neugebauer, nesse sentido, é impecável, pois ela arquiteta com muita inteligência todo um ambiente intimista e sensorial que nos joga na história sem pedir muita licença, ou seja, nada fica muito simples conforme vamos conhecendo os fantasmas do passado de cada um deles. Aliás, aqui a fotografia assinada por Diego García (de "Tokyo Vice"), ganha outro status como elemento narrativo - é impressionante como ele captura uma certa beleza da solidão e da melancolia colocando uma Nova Orleans cheia de contrastes como cenário sem perder o foco mais existencial dos personagens. A trilha sonora, composta por Alex Somers, é outro elemento fundamental para a construção dessa atmosfera, potencializando as emoções e intensificando o impacto das cenas quase sempre pontuando o silêncio e dando insumos para o incrível trabalho do elenco principal. Lawrence entrega uma performance visceral, transmitindo com maestria a dor e a angústia de Lynsey, enquanto Brian Tyree Henry exala carisma e magnetismo, mesmo quando destroçado emocionalmente. A química entre os dois atores é incrível e talvez o grande trunfo para a indicação de Tyree Henry ao Oscar de 2023.
Muito premiado em festivais por todo o globo, "Passagem" vai sim te tocar profundamente - mas te adianto que será preciso embarcar na proposta da diretora e no olhar menos usual de sua narrativa lenta para se conectar com a história. Saiba que mais do que um mero entretenimento, essa produção da A24 se apresenta como uma experiência de certa forma transformadora e que ficará marcada na sua memória, se não por uma trama impactante, pela atmosfera realista que Neugebauer foi capaz de imprimir ao preferir uma abordagem mais intimista, contemplativa e sensível de uma dor que teima em ser avassaladora: a dor da solidão, mesmo que acompanhada.
Vale seu play!
"Passagem", de fato, não é um filme fácil! Sua narrativa, além de profunda e cheia de nuances emocionais, é cadenciada, reflexiva, provocativa até - algo como encontramos em "Nomadland", por exemplo. Dirigido pela talentosa Lila Neugebauer (de "Maid"), "Causeway" (no original) é um verdadeiro estudo sobre a solidão no sentido mais amplo da palavra - o roteiro se apoia na introspecção da dupla de protagonistas para discutir temas universais como os impactos dos traumas na vida das pessoas, como a resiliência pode ser a chave para uma segunda chance e, finalmente, como a amizade verdadeira pode mudar nossa perspectiva de mundo e nos dar um certo ar de esperança. Se a sinopse vai te apresentar a jornada de Lynsey como motivo para você dar o play, saiba que essa obra vai além, tecendo uma narrativa rica em detalhes que revelam a fragilidade e a força do ser humano sob vários pontos de vista.
A trama basicamente acompanha a história de Lynsey (Jennifer Lawrence) uma jovem militar que retorna para Nova Orleans e luta para se readaptar à vida civil após uma lesão traumática que sofreu no Afeganistão. Em meio à sua solidão e desespero, ela encontra em James (Brian Tyree Henry), um mecânico local, um inesperado refúgio e a chance de recomeçar. Confira o trailer (em inglês):
"Passagem" chama atenção pela profundidade de seu roteiro. Ao não se contentar em ser apenas mais uma história sobre os traumas de uma guerra, o filme acaba explorando de uma maneira muito sensível, as cicatrizes invisíveis que essa experiência deixa em seus soldados e como é árduo o processo de reconstrução da vida após um evento traumático. Sem passagens impactantes visualmente ou flashbacks que poderiam facilitar o caminho e dar uma ideia palpável do que é o horror de uma guerra, Neugebauer assume uma proposta narrativa menos expositiva nos convidando a refletir sobre a importância da conexão humana, do amor e da amizade como ferramenta de cura e redenção pela perspectiva da própria protagonista. Obviamente que essa escolha cobra o seu preço, sacrificando a dinâmica do primeiro ato e deixando para depois (e para quem tem um pouco mais de paciência) todas as conexões que vão se construindo entre Lynsey e James.
A direção de Neugebauer, nesse sentido, é impecável, pois ela arquiteta com muita inteligência todo um ambiente intimista e sensorial que nos joga na história sem pedir muita licença, ou seja, nada fica muito simples conforme vamos conhecendo os fantasmas do passado de cada um deles. Aliás, aqui a fotografia assinada por Diego García (de "Tokyo Vice"), ganha outro status como elemento narrativo - é impressionante como ele captura uma certa beleza da solidão e da melancolia colocando uma Nova Orleans cheia de contrastes como cenário sem perder o foco mais existencial dos personagens. A trilha sonora, composta por Alex Somers, é outro elemento fundamental para a construção dessa atmosfera, potencializando as emoções e intensificando o impacto das cenas quase sempre pontuando o silêncio e dando insumos para o incrível trabalho do elenco principal. Lawrence entrega uma performance visceral, transmitindo com maestria a dor e a angústia de Lynsey, enquanto Brian Tyree Henry exala carisma e magnetismo, mesmo quando destroçado emocionalmente. A química entre os dois atores é incrível e talvez o grande trunfo para a indicação de Tyree Henry ao Oscar de 2023.
Muito premiado em festivais por todo o globo, "Passagem" vai sim te tocar profundamente - mas te adianto que será preciso embarcar na proposta da diretora e no olhar menos usual de sua narrativa lenta para se conectar com a história. Saiba que mais do que um mero entretenimento, essa produção da A24 se apresenta como uma experiência de certa forma transformadora e que ficará marcada na sua memória, se não por uma trama impactante, pela atmosfera realista que Neugebauer foi capaz de imprimir ao preferir uma abordagem mais intimista, contemplativa e sensível de uma dor que teima em ser avassaladora: a dor da solidão, mesmo que acompanhada.
Vale seu play!
"Paterson" é um reflexo poético da monotonia do cotidiano pelos olhos do veterano diretor, e especialista em captar as diversas camadas de um personagem, Jim Jarmusch - e nem por isso deixa de ser um ótimo e sensível filme, que fique claro!
Na história acompanhamos o dia a dia de Paterson (Adam Driver), um motorista de ônibus cujo seu nome, ele compartilha com uma cidadezinha de Nova Jersey. Ali, ele vive com sua namorada, a inquieta, Laura (Golshifteh Farahani). Durante 7 dias, assistimos a rotina de Paterson e sua enorme paixão pela poesia. Confira o trailer:
Sem dúvida que o maior mérito de "Paterson" está na ideia de que a beleza da vida está no detalhe! Sim, eu sei que pode parecer poético demais e que a cadência repetitiva do cotidiano de um único personagem pode dar sono - e de fato esse elemento vai polarizar muitas opiniões sobre o filme, mas te garanto: não tem nada de chato se colocar na posição de só observar! Temos a impressão que "Paterson" não nos leva a lugar algum e talvez essa percepção seja até adequada perante o conceito narrativo que Jarmusch quis imprimir no filme, porém é preciso dizer que existem nuances tão interessantes que impactam diretamente na nossa experiência - veja, existe uma pré-disposição a esperarmos que algo diferente aconteça na nossa vida e muitas vezes esse "algo" nunca acontece - a vida é assim e o filme também! Essa certa tensão da "espera" nos acompanha durante todo filme, nos causando uma certa ansiedade, mas quando entendemos a razão de tudo aquilo, simplesmente relaxamos e nos permitimos acompanhar a busca pelo entendimento de que a felicidade está na tranquilidade de saber quais os próximos passos temos que dar!
Prepare-se para um filme que te vai te provocar uma auto-reflexão, que teve uma carreira respeitada em festivais importantes por todo planeta e que retrata a monotonia da vida comum como poucas vezes assistimos! Vale muito o seu play, mas só se você estiver disposto a embarcar na proposta pouco usual do diretor!
“Todo dia é um novo dia”, já dizia o poema de Carlos Williams Carlos, um dos ídolos de Paterson - e é assim que o personagem vive: ele acorda nos braços da namorada, vai para o trabalho, conversa com seu supervisor pessimista, dirige seu ônibus, escuta uma ou outra conversa dos passageiros, almoça, escreve um pouco de poesia, chega em casa, janta e termina a noite com uma cerveja, num bar, depois de caminhar com o cachorro da namorada! Pronto, entra com um fade to black que determina o final do dia e tudo se repete com uma ou outra diferença que serve para nos encher de expectativas, até que...
Um dos elementos que merece elogios é a montagem inteligente que o brasileiro Affonso Gonçalves criou - o pace é tão constante que até as elipses que determinam algumas repetições diárias de eventos e que, eventualmente, pulam uma determinada ordem, nos divertem sem sabermos exatamente a razão! Reparem na cena que explica como a caixa de correio sempre fica torta ou em como Gonçalves procura sempre posicionar algum take do cachorro, como mero espectador (mal-humorado), reagindo a uma situação! Esse humor sutil, quase irônico, faz toda a diferença em vários momentos do filme - o que acaba deixando a experiência bastante agradável, quase como uma suspensão daquela realidade tão monótona!
Jarmusch sabe como ninguém sobre a importância de ter um bom ator que possa dar vida a um roteiro tão particular que ele mesmo escreve. Adam Driver se apoia em um tom bastante dócil e muito (mas, muito) contido, enquanto sua namorada Laura exala energia, em busca de algo que a tire da monotonia - ela faz questão de sempre mudar algo em sua casa, aprender alguma coisa diferente ou até de criar novas receitas para sair da mesmice. É tão bacana perceber como toda essa diferença entre eles os completam tão bem, que sempre estamos esperando um ou o outro vacilar só para provar que toda aquela cumplicidade nunca existiu de verdade!
"Paterson" não é um filme fácil, mas é um filme delicado e que exalta as pequenas coisas. Saber olhar e enxergar a beleza do cotidiano é para poucos e é exatamente isso que o diretor Jim Jarmusch quer: nos provocar a entender que a felicidade está nas pequenas coisas, mesmo que seja na risada incontrolável ao ver uma pessoa reclamando de um término de relação ou na alegria da companheira em poder te convidar para assistir um filme no cinema no sábado a noite!
Simples e lindo!
"Paterson" é um reflexo poético da monotonia do cotidiano pelos olhos do veterano diretor, e especialista em captar as diversas camadas de um personagem, Jim Jarmusch - e nem por isso deixa de ser um ótimo e sensível filme, que fique claro!
Na história acompanhamos o dia a dia de Paterson (Adam Driver), um motorista de ônibus cujo seu nome, ele compartilha com uma cidadezinha de Nova Jersey. Ali, ele vive com sua namorada, a inquieta, Laura (Golshifteh Farahani). Durante 7 dias, assistimos a rotina de Paterson e sua enorme paixão pela poesia. Confira o trailer:
Sem dúvida que o maior mérito de "Paterson" está na ideia de que a beleza da vida está no detalhe! Sim, eu sei que pode parecer poético demais e que a cadência repetitiva do cotidiano de um único personagem pode dar sono - e de fato esse elemento vai polarizar muitas opiniões sobre o filme, mas te garanto: não tem nada de chato se colocar na posição de só observar! Temos a impressão que "Paterson" não nos leva a lugar algum e talvez essa percepção seja até adequada perante o conceito narrativo que Jarmusch quis imprimir no filme, porém é preciso dizer que existem nuances tão interessantes que impactam diretamente na nossa experiência - veja, existe uma pré-disposição a esperarmos que algo diferente aconteça na nossa vida e muitas vezes esse "algo" nunca acontece - a vida é assim e o filme também! Essa certa tensão da "espera" nos acompanha durante todo filme, nos causando uma certa ansiedade, mas quando entendemos a razão de tudo aquilo, simplesmente relaxamos e nos permitimos acompanhar a busca pelo entendimento de que a felicidade está na tranquilidade de saber quais os próximos passos temos que dar!
Prepare-se para um filme que te vai te provocar uma auto-reflexão, que teve uma carreira respeitada em festivais importantes por todo planeta e que retrata a monotonia da vida comum como poucas vezes assistimos! Vale muito o seu play, mas só se você estiver disposto a embarcar na proposta pouco usual do diretor!
“Todo dia é um novo dia”, já dizia o poema de Carlos Williams Carlos, um dos ídolos de Paterson - e é assim que o personagem vive: ele acorda nos braços da namorada, vai para o trabalho, conversa com seu supervisor pessimista, dirige seu ônibus, escuta uma ou outra conversa dos passageiros, almoça, escreve um pouco de poesia, chega em casa, janta e termina a noite com uma cerveja, num bar, depois de caminhar com o cachorro da namorada! Pronto, entra com um fade to black que determina o final do dia e tudo se repete com uma ou outra diferença que serve para nos encher de expectativas, até que...
Um dos elementos que merece elogios é a montagem inteligente que o brasileiro Affonso Gonçalves criou - o pace é tão constante que até as elipses que determinam algumas repetições diárias de eventos e que, eventualmente, pulam uma determinada ordem, nos divertem sem sabermos exatamente a razão! Reparem na cena que explica como a caixa de correio sempre fica torta ou em como Gonçalves procura sempre posicionar algum take do cachorro, como mero espectador (mal-humorado), reagindo a uma situação! Esse humor sutil, quase irônico, faz toda a diferença em vários momentos do filme - o que acaba deixando a experiência bastante agradável, quase como uma suspensão daquela realidade tão monótona!
Jarmusch sabe como ninguém sobre a importância de ter um bom ator que possa dar vida a um roteiro tão particular que ele mesmo escreve. Adam Driver se apoia em um tom bastante dócil e muito (mas, muito) contido, enquanto sua namorada Laura exala energia, em busca de algo que a tire da monotonia - ela faz questão de sempre mudar algo em sua casa, aprender alguma coisa diferente ou até de criar novas receitas para sair da mesmice. É tão bacana perceber como toda essa diferença entre eles os completam tão bem, que sempre estamos esperando um ou o outro vacilar só para provar que toda aquela cumplicidade nunca existiu de verdade!
"Paterson" não é um filme fácil, mas é um filme delicado e que exalta as pequenas coisas. Saber olhar e enxergar a beleza do cotidiano é para poucos e é exatamente isso que o diretor Jim Jarmusch quer: nos provocar a entender que a felicidade está nas pequenas coisas, mesmo que seja na risada incontrolável ao ver uma pessoa reclamando de um término de relação ou na alegria da companheira em poder te convidar para assistir um filme no cinema no sábado a noite!
Simples e lindo!
"Pecados Íntimos" parece um filme simples ao se propor fazer um recorte bastante peculiar do cotidiano de dois personagens normais, que vivem a monotonia de uma vida normal, em um bairro de classe média no subúrbio de Massachusetts. Sim, esse é mais um daqueles filmes em que sua história não é construída tendo como base um formato clássico de um roteiro com todos os elementos da jornada do herói, onde o protagonista tem um objetivo, passa por dificuldades, mas encontra seu propósito ao vencer seus desafios; muito pelo contrário, "Pecados Íntimos" é um ensaio da vida real, quase uma crônica ao estilo "Beleza Americana", que mesmo sendo uma ficção, poderia ser um documentário, e não fosse a criatividade do diretor Todd Field, talvez nem daríamos tanta importância para aquele universo, digamos, tão pacato.
Na história acompanhamos em primeiro plano a vida de dois personagens em casamentos distintos, mas igualmente sem brilho e sem paixão. Um pouco mais distante, um criminoso sexual acaba de ser solto, criando um certo clima de tensão no mesmo bairro. Temos também um ex-policial com um passado violento e que vive para esconder o seu fracasso. Mas o que esses quatro personagens tão distintos tem em comum? Simples, eles lutam para lidar com suas escolhas no passado, resistir as tentações do presente e assim tentar encontrar um caminho de felicidade para o futuro, mesmo que isso pareça impossível.. Confira o trailer (em inglês):
Baseado no livro "Little Children" (algo como "Criancinhas" - que também é o título original do filme) de Tom Perrotta, "Pecados Íntimos" é um primor de roteiro - tanto que foi indicado ao Oscar de 2007 na categoria "Roteiro Adaptado". O que vemos na tela é o resultado de uma construção narrativa extremamente intrigante que brinca a cada nova cena com a dubiedade das situações. Veja, se Sarah (Kate Winslet) é uma dona de casa que sofre com a mediocridade de sua vida e ainda por cima tem que lidar com um marido omisso, viciado em pornografia pela Internet, por que não buscar em Brad (Patrick Wilson) uma relação de cumplicidade que possa reacender seus desejos mais íntimos? - afinal, ele também vive uma situação similar no casamento, é ofuscado pelo sucesso da sua linda mulher que está sempre ocupada e que vive cobrando dele uma urgência na ascensão profissional.
Por outro lado, temos Ronnie (Jackie Earle Haley), um homem atormentado por seus distúrbios sexuais, mas que é amado por sua mãe e odiado por todas as pessoas do bairro, inclusive por Larry (Noah Emmerich), o ex-policial, estereótipo do pai de família ideal, representante dos bons costumes que, vejam só, não é amado por ninguém. O encontro dessa dualidade, muito bem costurada por uma narração que soa como um leitor daqueles livros oitentistas de romance barato, dá um charme todo especial ao filme que usa de alegorias cotidianas para provocar nosso julgamento.Se a adaptação do título nacional para "Pecados Íntimos" faz referência as atividades "secretas" dos personagens, no original "Little Children" vai além ao brincar, mais uma vez, com a interpretação dúbia do texto ao relacionar as ações dos protagonistas com as crianças, que acabam funcionando como um elemento desencadeador de conflitos, fortalecendo a alusão sobre a intensidade dos desejos e a inconsequência dos atos que já não são mais tão inocentes como no passado.
"Pecados Íntimos" vai sempre além do que assistimos na tela - ele é mais profundo, basta "cavucar". É um filme disposto a mostrar o outro lado das histórias dos personagens, deixando o poder do julgamento para quem assiste sem a menor intenção de esconder alguma peça do tabuleiro para nos confundir. É uma história que foge dos padrões mais convencionais (o que pode afastar algumas pessoas) e ao mesmo tempo inteligente em nos tirar da zona de conforto para que façamos o exercício de perceber que, muitas vezes, tomamos decisões por impulso e isso pode até gerar algum prazer momentâneo, mas que logo pode se transformar em arrependimento, dor e culpa ou em uma enorme dor de cabeça!
Vale muito a pena!
"Pecados Íntimos" parece um filme simples ao se propor fazer um recorte bastante peculiar do cotidiano de dois personagens normais, que vivem a monotonia de uma vida normal, em um bairro de classe média no subúrbio de Massachusetts. Sim, esse é mais um daqueles filmes em que sua história não é construída tendo como base um formato clássico de um roteiro com todos os elementos da jornada do herói, onde o protagonista tem um objetivo, passa por dificuldades, mas encontra seu propósito ao vencer seus desafios; muito pelo contrário, "Pecados Íntimos" é um ensaio da vida real, quase uma crônica ao estilo "Beleza Americana", que mesmo sendo uma ficção, poderia ser um documentário, e não fosse a criatividade do diretor Todd Field, talvez nem daríamos tanta importância para aquele universo, digamos, tão pacato.
Na história acompanhamos em primeiro plano a vida de dois personagens em casamentos distintos, mas igualmente sem brilho e sem paixão. Um pouco mais distante, um criminoso sexual acaba de ser solto, criando um certo clima de tensão no mesmo bairro. Temos também um ex-policial com um passado violento e que vive para esconder o seu fracasso. Mas o que esses quatro personagens tão distintos tem em comum? Simples, eles lutam para lidar com suas escolhas no passado, resistir as tentações do presente e assim tentar encontrar um caminho de felicidade para o futuro, mesmo que isso pareça impossível.. Confira o trailer (em inglês):
Baseado no livro "Little Children" (algo como "Criancinhas" - que também é o título original do filme) de Tom Perrotta, "Pecados Íntimos" é um primor de roteiro - tanto que foi indicado ao Oscar de 2007 na categoria "Roteiro Adaptado". O que vemos na tela é o resultado de uma construção narrativa extremamente intrigante que brinca a cada nova cena com a dubiedade das situações. Veja, se Sarah (Kate Winslet) é uma dona de casa que sofre com a mediocridade de sua vida e ainda por cima tem que lidar com um marido omisso, viciado em pornografia pela Internet, por que não buscar em Brad (Patrick Wilson) uma relação de cumplicidade que possa reacender seus desejos mais íntimos? - afinal, ele também vive uma situação similar no casamento, é ofuscado pelo sucesso da sua linda mulher que está sempre ocupada e que vive cobrando dele uma urgência na ascensão profissional.
Por outro lado, temos Ronnie (Jackie Earle Haley), um homem atormentado por seus distúrbios sexuais, mas que é amado por sua mãe e odiado por todas as pessoas do bairro, inclusive por Larry (Noah Emmerich), o ex-policial, estereótipo do pai de família ideal, representante dos bons costumes que, vejam só, não é amado por ninguém. O encontro dessa dualidade, muito bem costurada por uma narração que soa como um leitor daqueles livros oitentistas de romance barato, dá um charme todo especial ao filme que usa de alegorias cotidianas para provocar nosso julgamento.Se a adaptação do título nacional para "Pecados Íntimos" faz referência as atividades "secretas" dos personagens, no original "Little Children" vai além ao brincar, mais uma vez, com a interpretação dúbia do texto ao relacionar as ações dos protagonistas com as crianças, que acabam funcionando como um elemento desencadeador de conflitos, fortalecendo a alusão sobre a intensidade dos desejos e a inconsequência dos atos que já não são mais tão inocentes como no passado.
"Pecados Íntimos" vai sempre além do que assistimos na tela - ele é mais profundo, basta "cavucar". É um filme disposto a mostrar o outro lado das histórias dos personagens, deixando o poder do julgamento para quem assiste sem a menor intenção de esconder alguma peça do tabuleiro para nos confundir. É uma história que foge dos padrões mais convencionais (o que pode afastar algumas pessoas) e ao mesmo tempo inteligente em nos tirar da zona de conforto para que façamos o exercício de perceber que, muitas vezes, tomamos decisões por impulso e isso pode até gerar algum prazer momentâneo, mas que logo pode se transformar em arrependimento, dor e culpa ou em uma enorme dor de cabeça!
Vale muito a pena!
Se você gostou da série sensação de 2022, "O Urso"ou do sempre simpático "Chef", certamente você vai gostar desse drama estrelado pelo Bradley Cooper, chamado "Pegando Fogo". Embora o titulo esteja muito aquém do que a trama nos propõe, o filme talvez seja o exato "meio do caminho" entre as duas referências citadas, ou seja, ele não é nem uma comédia "deliciosa" ao melhor estilo "Sessão da Tarde", nem um drama denso e muito profundo que exija muitas reflexões ou nos impacte emocionalmente - eu diria que "Burnt" (no original) é um excelente entretenimento para quem gosta dos bastidores da gastronomia sem perder o charme de uma boa jornada de redenção!
O chefe de cozinha Adam Jones (Bradley Cooper) já foi um dos mais respeitados em Paris, mas o envolvimento com álcool, mulheres e drogas fizeram com que sua carreira fosse ladeira abaixo. Após um período de isolamento em Nova Orleans, ele parte para Londres disposto a recomeçar e conquistar a tão sonhada terceira estrela Michelin. Para tanto ele conta com Tony (Daniel Brühl), que gerencia um restaurante na capital britânica, e com uma equipe de velhos conhecidos que podem ajudá-lo a vencer seus fantasmas e a provar que ainda é um grande chef. Confira o trailer:
Dirigido pelo competente John Wells (de "Maid") e com um elenco repleto de estrelas que vai do já citado Brühl, passando por Sienna Miller (como "Helena") e Omar Sy (como "Michel"), além de participações para lá de especiais de Emma Thompson, Uma Thurman e Alicia Vikander; "Pegando Fogo" é aquele tipo de filme que é muito difícil não gostar - todos os elementos dramáticos que o roteiro do Steven Knight (de "Coisas Belas e Sujas"e "Spencer") apresenta, imediatamente nos conectam com os personagens e com suas histórias. Obviamente que essas histórias estão carregadas de clichês, mas é justamente por isso um filme despretensioso se torna tão divertido.
Wells se aproveita de uma montagem extremamente ágil, mérito do Nick Moore (de "Rei dos Ladrões"), para nos transportar até aquela loucura que é uma cozinha de um grande restaurante ao mesmo tempo em que deixa Cooper fazer o que ele faz de melhor: ser um charmoso personagem cheio de marcas do passado que está em busca da felicidade - não por acaso as semelhanças entre o chef Adam Jones e o astro country, Jack, de "Nasce uma Estrela", são imensas. Se o roteiro de "Pegando Fogo" não tem a potência de "Nasce uma Estrela" (e de fato não tem), as sensações que as histórias geram são muito semelhantes, o que praticamente nos impede de não torcer para que tudo dê certo e que todos os personagens sejam felizes para sempre.
"Pegando Fogo" tem sim um arco dramático bastante familiar, embora com algumas boas surpresas no final do segundo ato. As subtramas não decolam como o esperado e por isso soam até dispensáveis. Por outro lado, é importante dizer: quando a trama está focada no seu eixo principal, tudo funciona perfeitamente - "forma" e "conteúdo" estão 100% alinhados à uma trilha sonora suave e sensível (do Rob Simonsen de "O Caminho de Volta") que vale o elogio. Agora, sem a pretensão de ser um filme inesquecível, mas cumprindo o seu papel como entretenimento, "Pegando Fogo" vale o seu play tranquilamente - tenho certeza que você vai gostar!
Se você gostou da série sensação de 2022, "O Urso"ou do sempre simpático "Chef", certamente você vai gostar desse drama estrelado pelo Bradley Cooper, chamado "Pegando Fogo". Embora o titulo esteja muito aquém do que a trama nos propõe, o filme talvez seja o exato "meio do caminho" entre as duas referências citadas, ou seja, ele não é nem uma comédia "deliciosa" ao melhor estilo "Sessão da Tarde", nem um drama denso e muito profundo que exija muitas reflexões ou nos impacte emocionalmente - eu diria que "Burnt" (no original) é um excelente entretenimento para quem gosta dos bastidores da gastronomia sem perder o charme de uma boa jornada de redenção!
O chefe de cozinha Adam Jones (Bradley Cooper) já foi um dos mais respeitados em Paris, mas o envolvimento com álcool, mulheres e drogas fizeram com que sua carreira fosse ladeira abaixo. Após um período de isolamento em Nova Orleans, ele parte para Londres disposto a recomeçar e conquistar a tão sonhada terceira estrela Michelin. Para tanto ele conta com Tony (Daniel Brühl), que gerencia um restaurante na capital britânica, e com uma equipe de velhos conhecidos que podem ajudá-lo a vencer seus fantasmas e a provar que ainda é um grande chef. Confira o trailer:
Dirigido pelo competente John Wells (de "Maid") e com um elenco repleto de estrelas que vai do já citado Brühl, passando por Sienna Miller (como "Helena") e Omar Sy (como "Michel"), além de participações para lá de especiais de Emma Thompson, Uma Thurman e Alicia Vikander; "Pegando Fogo" é aquele tipo de filme que é muito difícil não gostar - todos os elementos dramáticos que o roteiro do Steven Knight (de "Coisas Belas e Sujas"e "Spencer") apresenta, imediatamente nos conectam com os personagens e com suas histórias. Obviamente que essas histórias estão carregadas de clichês, mas é justamente por isso um filme despretensioso se torna tão divertido.
Wells se aproveita de uma montagem extremamente ágil, mérito do Nick Moore (de "Rei dos Ladrões"), para nos transportar até aquela loucura que é uma cozinha de um grande restaurante ao mesmo tempo em que deixa Cooper fazer o que ele faz de melhor: ser um charmoso personagem cheio de marcas do passado que está em busca da felicidade - não por acaso as semelhanças entre o chef Adam Jones e o astro country, Jack, de "Nasce uma Estrela", são imensas. Se o roteiro de "Pegando Fogo" não tem a potência de "Nasce uma Estrela" (e de fato não tem), as sensações que as histórias geram são muito semelhantes, o que praticamente nos impede de não torcer para que tudo dê certo e que todos os personagens sejam felizes para sempre.
"Pegando Fogo" tem sim um arco dramático bastante familiar, embora com algumas boas surpresas no final do segundo ato. As subtramas não decolam como o esperado e por isso soam até dispensáveis. Por outro lado, é importante dizer: quando a trama está focada no seu eixo principal, tudo funciona perfeitamente - "forma" e "conteúdo" estão 100% alinhados à uma trilha sonora suave e sensível (do Rob Simonsen de "O Caminho de Volta") que vale o elogio. Agora, sem a pretensão de ser um filme inesquecível, mas cumprindo o seu papel como entretenimento, "Pegando Fogo" vale o seu play tranquilamente - tenho certeza que você vai gostar!
Antes de mais nada é preciso avisar que "Pelas ruas de Paris" é um filme conceitual, autoral e voltado para um nicho muito específico de assinante - o filme é quase um Manifesto na verdade, na sua forma e no seu conteúdo! Desde o primeiro minuto é nítida a influência de cineastas como Terrence Malick por exemplo, então se você achou "Árvore da Vida" uma viagem ou "To the Wonder" sem pé nem cabeça, nem perca seu tempo lendo esse review, porque fatalmente você vai odiar o filme.
Basicamente, "Pelas ruas de Paris" conta a história de um casal: do primeiro beijo até o término da relação - nada original, eu sei, mas é aí que a experimentação entra em jogo pelas mãos da diretora Elisabeth Vogler que, de uma forma bastante onírica, vai contando todo o processo de desgaste daquele relacionamento pelo ponto de vista de uma jovem parisiense que, a cada momento, se coloca em uma postura de reflexão abusando das várias camadas que determina o individualismo e a complexidade humana. Mais um vez, se você não está disposto a entrar em uma experiência visual não dê o play, mas se um filme bastante conceitual te provoca à imergir em um universo tão particular, siga em frente!
"Pelas ruas de Paris" acompanha a relação de Anna e Greg, desde seu início circunstancial (e até juvenil) em um festival de música eletrônica até o ponto atual de amadurecimento que acaba desencadeando uma crise de relacionamento quando ele decide morar Espanha. Para Anna é preciso decidir se embarca no sonho do namorado ou se continua em Paris buscando seus próprios objetivos de vida - que, por sinal, ela nem sabe muito bem quais são. O ponto alto dessa premissa é o fato do casal parecer único no início e aos poucos ir se afastando pelas escolhas individuais - essa dicotomia é tão interessante quanto (vejam só) normal!
Os momentos de reflexão e indagação criam uma sensação bastante comum entre os jovens ao mesmo tempo em que provoca uma espécie de epifania na personagem - eu sei que pode parecer complexo em palavras, mas, na minha opinião, Elisabeth Vogler soube decodificar muito bem esse processo na forma de imagens. Ela aproveita a naturalidade do texto para misturar planos longos de diálogos com cortes completamente aleatórios tendo ao fundo belíssimas narrações em off. É claro que isso trás uma certa poesia para o filme, o que nos dois primeiros atos funcionam perfeitamente - minha única critica é com a falta de fôlego do terceiro ato. Tudo foi tão bem construído no visual e na narrativa, durante 50 minutos, que senti um pouco de descaso na conclusão de toda aquela jornada. A não linearidade se encaixa perfeitamente ao conceito do filme, trás na montagem pontos bastante relevantes e a fotografia funciona perfeitamente como um bela moldura para o trabalho de Noémie Schmidt. Admito que em um determinado momento achei que a diretora perdeu um pouco a mão na sua proposta conceitual, deixou tanto o movimento de câmera, quanto a interpretação, nervosas demais - perdeu a sutileza poética, mas por outro lado, é possível entender essas escolhas, pois a sensação de tensão e aprisionamento da personagem também foi aumentando.
"Pelas ruas de Paris" é interessante, difícil e muito particular. Como eu disse acima: ou você embarca na "viagem" que o filme propõe - e só faça isso se você realmente gostar desse tipo de experiência - ou procure o filme ao lado, pois "Pelas ruas de Paris" será genial para algumas (poucas) pessoas e uma grande porcaria para a grande maioria de assinantes - e nenhum dos dois grupos estarão tão errados assim!!!
Antes de mais nada é preciso avisar que "Pelas ruas de Paris" é um filme conceitual, autoral e voltado para um nicho muito específico de assinante - o filme é quase um Manifesto na verdade, na sua forma e no seu conteúdo! Desde o primeiro minuto é nítida a influência de cineastas como Terrence Malick por exemplo, então se você achou "Árvore da Vida" uma viagem ou "To the Wonder" sem pé nem cabeça, nem perca seu tempo lendo esse review, porque fatalmente você vai odiar o filme.
Basicamente, "Pelas ruas de Paris" conta a história de um casal: do primeiro beijo até o término da relação - nada original, eu sei, mas é aí que a experimentação entra em jogo pelas mãos da diretora Elisabeth Vogler que, de uma forma bastante onírica, vai contando todo o processo de desgaste daquele relacionamento pelo ponto de vista de uma jovem parisiense que, a cada momento, se coloca em uma postura de reflexão abusando das várias camadas que determina o individualismo e a complexidade humana. Mais um vez, se você não está disposto a entrar em uma experiência visual não dê o play, mas se um filme bastante conceitual te provoca à imergir em um universo tão particular, siga em frente!
"Pelas ruas de Paris" acompanha a relação de Anna e Greg, desde seu início circunstancial (e até juvenil) em um festival de música eletrônica até o ponto atual de amadurecimento que acaba desencadeando uma crise de relacionamento quando ele decide morar Espanha. Para Anna é preciso decidir se embarca no sonho do namorado ou se continua em Paris buscando seus próprios objetivos de vida - que, por sinal, ela nem sabe muito bem quais são. O ponto alto dessa premissa é o fato do casal parecer único no início e aos poucos ir se afastando pelas escolhas individuais - essa dicotomia é tão interessante quanto (vejam só) normal!
Os momentos de reflexão e indagação criam uma sensação bastante comum entre os jovens ao mesmo tempo em que provoca uma espécie de epifania na personagem - eu sei que pode parecer complexo em palavras, mas, na minha opinião, Elisabeth Vogler soube decodificar muito bem esse processo na forma de imagens. Ela aproveita a naturalidade do texto para misturar planos longos de diálogos com cortes completamente aleatórios tendo ao fundo belíssimas narrações em off. É claro que isso trás uma certa poesia para o filme, o que nos dois primeiros atos funcionam perfeitamente - minha única critica é com a falta de fôlego do terceiro ato. Tudo foi tão bem construído no visual e na narrativa, durante 50 minutos, que senti um pouco de descaso na conclusão de toda aquela jornada. A não linearidade se encaixa perfeitamente ao conceito do filme, trás na montagem pontos bastante relevantes e a fotografia funciona perfeitamente como um bela moldura para o trabalho de Noémie Schmidt. Admito que em um determinado momento achei que a diretora perdeu um pouco a mão na sua proposta conceitual, deixou tanto o movimento de câmera, quanto a interpretação, nervosas demais - perdeu a sutileza poética, mas por outro lado, é possível entender essas escolhas, pois a sensação de tensão e aprisionamento da personagem também foi aumentando.
"Pelas ruas de Paris" é interessante, difícil e muito particular. Como eu disse acima: ou você embarca na "viagem" que o filme propõe - e só faça isso se você realmente gostar desse tipo de experiência - ou procure o filme ao lado, pois "Pelas ruas de Paris" será genial para algumas (poucas) pessoas e uma grande porcaria para a grande maioria de assinantes - e nenhum dos dois grupos estarão tão errados assim!!!
"Pequena Mamãe" é um filme incrível, de uma sensibilidade única, delicado, profundo, envolvente e muito sincero - mas vai agradar apenas um público bem específico! Se partirmos do principio que os filmes da premiada diretora e roteirista francesa, Céline Sciamma (do excelente "Retrato de uma Jovem em Chamas") giram sempre em torno de protagonistas cheias de camadas, que dialogam com o olhar, com o sentimento e com alma, fica claro que esse filme vai nos tocar.
O filme conta a história de Nelly (Joséphine Sanz), uma menina de 8 anos que acabou de perder a avó. Enquanto ajuda seus pais a esvaziar a casa em que sua mãe cresceu, Nelly conhece outra menina da sua idade, Marion (Gabrielle Sanz) e, com a conexão imediata entre as duas, começa uma bela amizade. Entre brincadeiras e confidências, elas descobrem um segredo fascinante que vai ajuda-las no entendimento do que acontecerá em suas vidas dali para frente. Confira o trailer:
Não existe outra maneira de começar essa análise sem citar a aula de roteiro que é o prólogo de "Pequena Mamãe". Assim que termina de jogar palavras cruzadas com uma senhora, Nelly passeia de quarto em quarto, despedindo-se de mais duas ou três idosas com o seu simpático "au revoir",até chegar em um quarto recém esvaziado. Ela então pergunta para uma mulher que está de costas: “Posso ficar com a bengala dela?” “Sim”, responde em tom melancólico essa mulher. Foram três linhas de diálogos que ratificam o poder que Sciamma tem de criar uma atmosfera completamente sensorial sem ao menos precisar se apoiar em uma trilha sentimentalista ou em estratégias didáticas como um personagem emocionado olhando uma foto de toda família reunida em um momento de alegria e saudade! Não, "Pequena Mamãe" não é esse filme, então tenha em mente que você não terá todas as respostas e muito menos explicações para cada atitude das protagonistas, mas não se preocupe: tudo fará sentido, desde que você se permita olhar para dentro e refletir sobre suas vivências e memórias.
Em pouco mais de 70 minutos, com apenas dois personagens em cena (e mais três adultos transitando por aquele universo dramático), poucos cenários e diálogo curtos, Sciamma cria uma espécie de fábula para discutir temas como o luto, arrependimentos, ciclos familiares e, principalmente, o entendimento de algumas escolhas - e aqui falo tanto das escolhas de vida quanto daquelas que fazemos internamente, sozinhos. O filme tem um ar bastante comovente, mas não derruba uma lágrima sequer e se você já tiver um(a) filho(a), a conexão será imediata - reparem na cena, também no prólogo, onde mãe e filha fazem uma pequena troca de carinhos dentro do carro. Embora apenas o rosto da mãe esteja no enquadramento, as ações justificam a intimidade, o cuidado e também a tristeza daquele momento. Lindo de ver!
"Pequena Mamãe" é uma história de auto-conhecimento e contato com os sentimentos mais profundos a partir do olhar inocente de uma criança - e o caminho encontrado para isso é o caráter mágico do encontro entre Nelly e Marion. Embora use de uma simbologia completamente fantasiosa, a conexão é tão generosa quanto verossímil para as duas. Além do primor da direção e roteiro, o elenco está incrível (com maior destaque para a cumplicidade natural entre Joséphine e Gabrielle), a fotografia da talentosa Claire Mathon (de "Spencer", "Atlantique" e também de "Retrato de uma Jovem em Chamas") é outro espetáculo e a montagem de Julien Lacheray (de "A Jornada"), a cereja do bolo!
Antes de finalizar, por favor, reparem na cena em que Nelly e Marion encenam uma história como se fosse uma peça de teatro e veja como roteiro trabalha tão bem as metáforas para explicar a relação entre as escolhas, despedidas e o amor entre mãe e filha.
Bom, acho que depois de tudo não preciso nem dizer que vale muito a pena, né?
"Pequena Mamãe" é um filme incrível, de uma sensibilidade única, delicado, profundo, envolvente e muito sincero - mas vai agradar apenas um público bem específico! Se partirmos do principio que os filmes da premiada diretora e roteirista francesa, Céline Sciamma (do excelente "Retrato de uma Jovem em Chamas") giram sempre em torno de protagonistas cheias de camadas, que dialogam com o olhar, com o sentimento e com alma, fica claro que esse filme vai nos tocar.
O filme conta a história de Nelly (Joséphine Sanz), uma menina de 8 anos que acabou de perder a avó. Enquanto ajuda seus pais a esvaziar a casa em que sua mãe cresceu, Nelly conhece outra menina da sua idade, Marion (Gabrielle Sanz) e, com a conexão imediata entre as duas, começa uma bela amizade. Entre brincadeiras e confidências, elas descobrem um segredo fascinante que vai ajuda-las no entendimento do que acontecerá em suas vidas dali para frente. Confira o trailer:
Não existe outra maneira de começar essa análise sem citar a aula de roteiro que é o prólogo de "Pequena Mamãe". Assim que termina de jogar palavras cruzadas com uma senhora, Nelly passeia de quarto em quarto, despedindo-se de mais duas ou três idosas com o seu simpático "au revoir",até chegar em um quarto recém esvaziado. Ela então pergunta para uma mulher que está de costas: “Posso ficar com a bengala dela?” “Sim”, responde em tom melancólico essa mulher. Foram três linhas de diálogos que ratificam o poder que Sciamma tem de criar uma atmosfera completamente sensorial sem ao menos precisar se apoiar em uma trilha sentimentalista ou em estratégias didáticas como um personagem emocionado olhando uma foto de toda família reunida em um momento de alegria e saudade! Não, "Pequena Mamãe" não é esse filme, então tenha em mente que você não terá todas as respostas e muito menos explicações para cada atitude das protagonistas, mas não se preocupe: tudo fará sentido, desde que você se permita olhar para dentro e refletir sobre suas vivências e memórias.
Em pouco mais de 70 minutos, com apenas dois personagens em cena (e mais três adultos transitando por aquele universo dramático), poucos cenários e diálogo curtos, Sciamma cria uma espécie de fábula para discutir temas como o luto, arrependimentos, ciclos familiares e, principalmente, o entendimento de algumas escolhas - e aqui falo tanto das escolhas de vida quanto daquelas que fazemos internamente, sozinhos. O filme tem um ar bastante comovente, mas não derruba uma lágrima sequer e se você já tiver um(a) filho(a), a conexão será imediata - reparem na cena, também no prólogo, onde mãe e filha fazem uma pequena troca de carinhos dentro do carro. Embora apenas o rosto da mãe esteja no enquadramento, as ações justificam a intimidade, o cuidado e também a tristeza daquele momento. Lindo de ver!
"Pequena Mamãe" é uma história de auto-conhecimento e contato com os sentimentos mais profundos a partir do olhar inocente de uma criança - e o caminho encontrado para isso é o caráter mágico do encontro entre Nelly e Marion. Embora use de uma simbologia completamente fantasiosa, a conexão é tão generosa quanto verossímil para as duas. Além do primor da direção e roteiro, o elenco está incrível (com maior destaque para a cumplicidade natural entre Joséphine e Gabrielle), a fotografia da talentosa Claire Mathon (de "Spencer", "Atlantique" e também de "Retrato de uma Jovem em Chamas") é outro espetáculo e a montagem de Julien Lacheray (de "A Jornada"), a cereja do bolo!
Antes de finalizar, por favor, reparem na cena em que Nelly e Marion encenam uma história como se fosse uma peça de teatro e veja como roteiro trabalha tão bem as metáforas para explicar a relação entre as escolhas, despedidas e o amor entre mãe e filha.
Bom, acho que depois de tudo não preciso nem dizer que vale muito a pena, né?
“Pieces of a Woman” é um filme sensacional, mas já aviso: não será uma jornada nada fácil. É um verdadeiro soco no estômago e, como pai, talvez tenha sido os primeiros 30 minutos mais doloridos que já experienciei em um filme na minha vida! Sério, é muito difícil desvincular a percepção de uma realidade avassaladora de uma comprovada história de "ficção" como essa!
O filme acompanha Martha (Vanessa Kirby) e Sean (Shia LaBeouf), um jovem casal que se prepara para a chegada da primeira filha. Decididos a fazer o parto em casa, o procedimento não acontece exatamente como previam e os dois precisam lidar com o impacto de uma tragédia. Sofrendo pressões familiares, midiáticas e de advogados, o casal precisa (re)descobrir uma forma de continuar a vida e de preservar o relacionamento em meio uma crise que toca a alma. Confira o trailer:
Impossível começar uma análise sem citar a aula de cinema que são os primeiros trinta minutos desse filme. Além criar uma atmosfera narrativa angustiante (quase como um filme de terror) e de ser um plano sequência (sem cortes) com mais de vinte minutos, criativo e tecnicamente perfeito, “Pieces of a Woman” nos deixa completamente destruídos ao acompanhar o trabalho de parto feito em casa pela parteira Eva (Molly Parker). A construção do relacionamento, as inseguranças do jovem casal, as dúvidas sobre o procedimento, a atenção e a humanidade da parteira; tudo isso é pontuado sem atropelos, no seu tempo, com uma câmera viva captando cada sensação, cada sentimento - é incrível (e penoso)!
A partir da tragédia do casal, o premiadíssimo diretor húngaro Kornél Mundruczó não deixa o nível dramático cair. Ele escolhe lindos planos para contar a destruição que uma tragédia como essa representa na vida de um ser humano, em uma relação e em todos que os cercam. A relação de Martha com sua mãe, com suas cicatrizes abertas, é um espetáculo de ambas as atrizes - Ellen Burstyn maltrata com sua técnica e capacidade dramática! Na verdade, acho que todo elenco está impecável e vou me surpreender se não forem indicados nessa temporada de premiações: Vanessa Kirby, inclusive, deve despontar até como favorita!
Puxa, o que dizer além de elogiar “Pieces of a Woman”? Talvez reafirmar a dor que ele vai provocar? Não sei, agora como audiência posso garantir que é uma experiência única e que nos provoca a entender as dores que a vida pode nos proporcionar sem esquecer de agradecer por tudo que ela já nos presenteou. Vale muito o seu play, mas será preciso força!
Observações:
1. O roteiro de Kata Wéber foi escrito a partir de uma experiência pessoal com seu parceiro, o próprio diretor, e, talvez por isso, sua protagonista transborda tanta honestidade, mesmo sendo um drama que estrapola a dor tão íntima e legítima de uma mãe!
2. O filme ganhou dois prêmios no Festival de Veneza em 2020: Melhor Filme e Melhor Atriz!
“Pieces of a Woman” é um filme sensacional, mas já aviso: não será uma jornada nada fácil. É um verdadeiro soco no estômago e, como pai, talvez tenha sido os primeiros 30 minutos mais doloridos que já experienciei em um filme na minha vida! Sério, é muito difícil desvincular a percepção de uma realidade avassaladora de uma comprovada história de "ficção" como essa!
O filme acompanha Martha (Vanessa Kirby) e Sean (Shia LaBeouf), um jovem casal que se prepara para a chegada da primeira filha. Decididos a fazer o parto em casa, o procedimento não acontece exatamente como previam e os dois precisam lidar com o impacto de uma tragédia. Sofrendo pressões familiares, midiáticas e de advogados, o casal precisa (re)descobrir uma forma de continuar a vida e de preservar o relacionamento em meio uma crise que toca a alma. Confira o trailer:
Impossível começar uma análise sem citar a aula de cinema que são os primeiros trinta minutos desse filme. Além criar uma atmosfera narrativa angustiante (quase como um filme de terror) e de ser um plano sequência (sem cortes) com mais de vinte minutos, criativo e tecnicamente perfeito, “Pieces of a Woman” nos deixa completamente destruídos ao acompanhar o trabalho de parto feito em casa pela parteira Eva (Molly Parker). A construção do relacionamento, as inseguranças do jovem casal, as dúvidas sobre o procedimento, a atenção e a humanidade da parteira; tudo isso é pontuado sem atropelos, no seu tempo, com uma câmera viva captando cada sensação, cada sentimento - é incrível (e penoso)!
A partir da tragédia do casal, o premiadíssimo diretor húngaro Kornél Mundruczó não deixa o nível dramático cair. Ele escolhe lindos planos para contar a destruição que uma tragédia como essa representa na vida de um ser humano, em uma relação e em todos que os cercam. A relação de Martha com sua mãe, com suas cicatrizes abertas, é um espetáculo de ambas as atrizes - Ellen Burstyn maltrata com sua técnica e capacidade dramática! Na verdade, acho que todo elenco está impecável e vou me surpreender se não forem indicados nessa temporada de premiações: Vanessa Kirby, inclusive, deve despontar até como favorita!
Puxa, o que dizer além de elogiar “Pieces of a Woman”? Talvez reafirmar a dor que ele vai provocar? Não sei, agora como audiência posso garantir que é uma experiência única e que nos provoca a entender as dores que a vida pode nos proporcionar sem esquecer de agradecer por tudo que ela já nos presenteou. Vale muito o seu play, mas será preciso força!
Observações:
1. O roteiro de Kata Wéber foi escrito a partir de uma experiência pessoal com seu parceiro, o próprio diretor, e, talvez por isso, sua protagonista transborda tanta honestidade, mesmo sendo um drama que estrapola a dor tão íntima e legítima de uma mãe!
2. O filme ganhou dois prêmios no Festival de Veneza em 2020: Melhor Filme e Melhor Atriz!
Certamente "Pinguim" é uma das melhores produções de 2024 - e se você também considera "Batman" como uma das melhores de 2022, pare tudo e dê o play porque você está prestes a entrar em uma jornada das mais envolventes, eu diria até que essa produção da HBO é o spin-off perfeito e que deixa o terreno prontinho para "Batman 2" brilhar ainda mais! Desenvolvida pela Lauren LeFranc (de "Impulse"), a série expande o universo sombrio e criminoso de Gotham City apresentado por Matt Reeves, trazendo para o centro das atenções um dos personagens mais enigmáticos e implacáveis do submundo da cidade: Oswald Cobblepot. Com Colin Farrell reprisando o papel título (muito elogiado no filme, aliás), a série é um mergulho profundo nas intrigas, jogos de poder e brutalidade que definem aquela mesma Gotham de Reeves. Assim como outras produções do dark universe da DC, como "Coringa", "Pinguim" busca ir além e assim explorar a complexidade moral de seu protagonista e as consequências que é viver em um ambiente corroído pelo crime.
Como não poderia deixar de ser, a trama segue Oswald Cobblepot uma semana após os eventos de "Batman", enquanto ele aproveita o vácuo de poder deixado pela queda de Carmine Falcone para consolidar seu domínio sobre Gotham. A narrativa se concentra em sua busca pela ascensão ao poder, detalhando suas alianças instáveis, traições e ambições. No centro da história está a transformação de Cobblepot em um dos maiores chefões do crime organizado de Gotham, mostrando tanto sua inteligência estratégica quanto a brutalidade necessária para sobreviver em um mundo repleto de violência e corrupção. Confira o trailer:
Seguindo a mesma unidade de comunicação gráfica, a proposta narrativa e o belíssimo conceito visual de "Batman", Lauren LeFranc conduz a série com um equilíbrio impressionante, especialmente por se tratar de um drama de máfia, onde a ação (violenta) tem o mesmo valor que o desenvolvimento de personagens. Aqui, o roteiro dá uma aula ao expor a psique de Cobblepot, revelando as nuances de suas motivações, de seus traumas mais íntimos e, claro, das suas ambições, ao mesmo em que cria um retrato rico e multifacetado de um anti-herói que é fascinante, mas realmente perturbador. Como a narrativa apresentada por Reeves, LeFranc não se limita a glorificar um personagem violento, mas explorar suas escolhas morais questionáveis e as consequências de suas ações, tornando a jornada emocionalmente ressonante e moralmente ambígua - e, sim, você vai se pegar torcendo pelo bandido da história!
A direção da série, comandada pelo craque Craig Zobel (de "Mare of Easttown") complementa a atmosfera sombria e opressiva dessa Gotham, com cenários decadentes, iluminação em tons de néon e uma paleta de cores quentes e frias, mas sempre melancólicas, que refletem exatamente o caos e a desolação da cidade após os evento de "Batman". A fotografia, mais uma vez, destaca o contraste entre os momentos em que Cobblepot vai se transformando em um personagem central daquela dinâmica criminal e as cenas de ação intensas propriamente ditas, criando uma experiência visual estilizada e imersiva capaz de nos deixar de queixo caído - o fotógrafo Darran Tiernan parece ter Greig Fraser ao seu lado, dada a habilidade de replicar a relação luz e sombra que fizeram das ruas de Gotham um personagem vivo e pulsante em "Batman". Repare como essa proposta visual reforça a sensação de que a cidade é tanto um campo de batalha caótico quanto um prêmio final para aqueles que ousam controlá-la.
Colin Farrell mais uma vez entrega uma atuação impressionante como Pinguim, encarnando o personagem com um equilíbrio impecável entre carisma e ameaça. Sua transformação física e emocional é tão convincente quanto no filme, mas aqui ele tem mais espaço para explorar a profundidade de Cobblepot. Farrell captura a astúcia e ambição de um homem marcado pela vida, potencializando os seus momentos de vulnerabilidade e tornando-o um protagonista irresistivelmente complexo. O elenco de apoio também se destaca, com performances que enriquecem a dinâmica de poder e lealdade entre os personagens secundários, sejam aliados ou inimigos de Cobblepot - e aqui destaco a excelenteCristin Milioti (e sua Sofia Falcone) e Rhenzy Feliz, o Victor Aguilar.
Ao som da trilha sonora composta por Michael Giacchino (de "Skeleton Crew"), que mantém o mood sombrio e ameaçador estabelecido em "The Batman" (no original), com temas que intensificam a tensão (e refletem o estado emocional de Cobblepot) e um design de som notável, utilizando os efeitos caóticos que adicionam peso às cenas de ação e imersão aos ambientes urbanos de Gotham, "The Penguin" (também no original) entrega não só ritmo, mas também densidade à narrativa - uma experiência única, com um tom meticuloso e deliberadamente cartunesco (no melhor sentido da palavra), que foca nas dinâmicas de poder e nos dilemas internos do personagem, sem esquecer daquele jogo de gato e rato, alucinante e apaixonante, do submundo do crime.
Imperdível!
Certamente "Pinguim" é uma das melhores produções de 2024 - e se você também considera "Batman" como uma das melhores de 2022, pare tudo e dê o play porque você está prestes a entrar em uma jornada das mais envolventes, eu diria até que essa produção da HBO é o spin-off perfeito e que deixa o terreno prontinho para "Batman 2" brilhar ainda mais! Desenvolvida pela Lauren LeFranc (de "Impulse"), a série expande o universo sombrio e criminoso de Gotham City apresentado por Matt Reeves, trazendo para o centro das atenções um dos personagens mais enigmáticos e implacáveis do submundo da cidade: Oswald Cobblepot. Com Colin Farrell reprisando o papel título (muito elogiado no filme, aliás), a série é um mergulho profundo nas intrigas, jogos de poder e brutalidade que definem aquela mesma Gotham de Reeves. Assim como outras produções do dark universe da DC, como "Coringa", "Pinguim" busca ir além e assim explorar a complexidade moral de seu protagonista e as consequências que é viver em um ambiente corroído pelo crime.
Como não poderia deixar de ser, a trama segue Oswald Cobblepot uma semana após os eventos de "Batman", enquanto ele aproveita o vácuo de poder deixado pela queda de Carmine Falcone para consolidar seu domínio sobre Gotham. A narrativa se concentra em sua busca pela ascensão ao poder, detalhando suas alianças instáveis, traições e ambições. No centro da história está a transformação de Cobblepot em um dos maiores chefões do crime organizado de Gotham, mostrando tanto sua inteligência estratégica quanto a brutalidade necessária para sobreviver em um mundo repleto de violência e corrupção. Confira o trailer:
Seguindo a mesma unidade de comunicação gráfica, a proposta narrativa e o belíssimo conceito visual de "Batman", Lauren LeFranc conduz a série com um equilíbrio impressionante, especialmente por se tratar de um drama de máfia, onde a ação (violenta) tem o mesmo valor que o desenvolvimento de personagens. Aqui, o roteiro dá uma aula ao expor a psique de Cobblepot, revelando as nuances de suas motivações, de seus traumas mais íntimos e, claro, das suas ambições, ao mesmo em que cria um retrato rico e multifacetado de um anti-herói que é fascinante, mas realmente perturbador. Como a narrativa apresentada por Reeves, LeFranc não se limita a glorificar um personagem violento, mas explorar suas escolhas morais questionáveis e as consequências de suas ações, tornando a jornada emocionalmente ressonante e moralmente ambígua - e, sim, você vai se pegar torcendo pelo bandido da história!
A direção da série, comandada pelo craque Craig Zobel (de "Mare of Easttown") complementa a atmosfera sombria e opressiva dessa Gotham, com cenários decadentes, iluminação em tons de néon e uma paleta de cores quentes e frias, mas sempre melancólicas, que refletem exatamente o caos e a desolação da cidade após os evento de "Batman". A fotografia, mais uma vez, destaca o contraste entre os momentos em que Cobblepot vai se transformando em um personagem central daquela dinâmica criminal e as cenas de ação intensas propriamente ditas, criando uma experiência visual estilizada e imersiva capaz de nos deixar de queixo caído - o fotógrafo Darran Tiernan parece ter Greig Fraser ao seu lado, dada a habilidade de replicar a relação luz e sombra que fizeram das ruas de Gotham um personagem vivo e pulsante em "Batman". Repare como essa proposta visual reforça a sensação de que a cidade é tanto um campo de batalha caótico quanto um prêmio final para aqueles que ousam controlá-la.
Colin Farrell mais uma vez entrega uma atuação impressionante como Pinguim, encarnando o personagem com um equilíbrio impecável entre carisma e ameaça. Sua transformação física e emocional é tão convincente quanto no filme, mas aqui ele tem mais espaço para explorar a profundidade de Cobblepot. Farrell captura a astúcia e ambição de um homem marcado pela vida, potencializando os seus momentos de vulnerabilidade e tornando-o um protagonista irresistivelmente complexo. O elenco de apoio também se destaca, com performances que enriquecem a dinâmica de poder e lealdade entre os personagens secundários, sejam aliados ou inimigos de Cobblepot - e aqui destaco a excelenteCristin Milioti (e sua Sofia Falcone) e Rhenzy Feliz, o Victor Aguilar.
Ao som da trilha sonora composta por Michael Giacchino (de "Skeleton Crew"), que mantém o mood sombrio e ameaçador estabelecido em "The Batman" (no original), com temas que intensificam a tensão (e refletem o estado emocional de Cobblepot) e um design de som notável, utilizando os efeitos caóticos que adicionam peso às cenas de ação e imersão aos ambientes urbanos de Gotham, "The Penguin" (também no original) entrega não só ritmo, mas também densidade à narrativa - uma experiência única, com um tom meticuloso e deliberadamente cartunesco (no melhor sentido da palavra), que foca nas dinâmicas de poder e nos dilemas internos do personagem, sem esquecer daquele jogo de gato e rato, alucinante e apaixonante, do submundo do crime.
Imperdível!
Que série incrível - e realmente impactante! "Plantão Policial" me lembrou muito a dinamarquesa "Zona de Confronto"- pelo seu estilo quase documental e pela crueldade visceral de sua narrativa. O fato é que séries policiais sempre foram um dos pilares mais sólidos da TV americana, e "Plantão Policial" ou "On Call", no original, chega com uma proposta bastante provocativa ao mesclar um realismo absurdo, com muita intensidade e ótimas discussões sobre dilemas morais, diferenciando-se assim, das narrativas mais convencionais de investigação criminal. Criada por Tim Walsh e Elliot Wolf, com produção de Dick Wolf (de "Lei e Ordem"), essa produção da Prime Video mergulha no dia a dia de uma patrulha policial em Long Beach, Califórnia, acompanhando dois oficiais em um ambiente onde as linhas entre certo e errado são frequentemente desafiadas. Olha, para quem gosta da tensão e de uma abordagem realmente imersiva, essa nova aposta da Amazon Studios não vai decepcionar - ela entrega ação e drama na medida certa!
A trama, basicamente, segue o cotidiano da oficial Traci Harmon (Troian Bellisario), uma policial experiente e marcada pelo trauma da morte de sua última pupila, e Alex Diaz (Brandon Larracuente), um jovem oficial que ainda precisa aprender os limites entre empatia e impulsividade. A relação entre os dois funciona como o coração da série, adotando uma dinâmica de mentor e aprendiz, mas que se revela mais profunda conforme os episódios avançam. Harmon luta contra a culpa e tenta garantir que não repetirá os mesmos erros do passado, enquanto Diaz, lidando com problemas familiares e um irmão preso, busca se provar dentro da corporação. Confira o trailer e sinta o clima:
Uma das coisas que mais chamam a atenção de"PlantãoPolicial" é sua coragem em meio aquela estética ultra-realista. É justamente por esse gatilho narrativo que a construção dos personagens e de seus conflitos internos se mostram como dois dos maiores acertos da série. Veja, o roteiro não apenas explora a rotina exaustiva das patrulhas, como também mergulha nos dilemas íntimos dos protagonistas, tornando-os figuras mais palpáveis, complexas e análogas. A head-writer Molly Manning (de"Hightown") acerta ao criar diálogos diretos e honestos entre Harmon e Diaz, fazendo com que as interações entre eles tenham, além de tudo, um peso emocional profundo - aqui não há espaço para heroísmo idealizado; cada decisão traz consequências, e a ética policial, em diversas camadas, é constantemente questionada.
A direção de Brenna Malloy (não por acaso de "Chicago P.D.") e de Eriq La Salle (da saudosa "Without a Trace") adiciona um ritmo dinâmico para a série, utilizando uma estética mais documental, realista e claustrofóbica que reforça a tensão das situações enfrentadas pelos personagens. O uso de câmeras acopladas aos uniformes dos policiais é um dos acertos da série, trazendo uma perspectiva de fato imersiva e colocando a audiência dentro da ação. Repare como as cenas de"Plantão Policial" oscilam entre momentos de aparente rotina com situações de alta periculosidade, garantindo que cada episódio mantenha um nível constante de suspense e urgência - bem "a vida como ela é"! Agora é importante que se diga: a ação nunca é gratuita, mas sempre orgânica dentro de uma narrativa que surprendente pela forma, pelo conteúdo e pelo estilo.
Os episódios curtos, com cerca de 30 minutos cada, evitam enrolação e garantem que cada conflito tenha algum impacto, sem perder tempo com tramas secundárias irrelevantes. Aliás, se há um grande mérito em"PlantãoPolicial", é justamente sua capacidade de ser direta e com isso apresentar uma abordagem menos maniqueísta da justiça - a série reconhece que a aplicação da lei não é um jogo de mocinhos contra vilões, e que os próprios policiais, muitas vezes, precisam recorrer a decisões moralmente ambíguas para garantir a ordem (e a sobrevivência). Da mesma forma, os criminosos também não são retratados como figuras unidimensionais, mas como produtos de um ambiente e de um contexto que os moldam.
"PlantãoPolicial" não reinventa o gênero, mas traz frescor ao explorar a rotina policial com um olhar humano e sem romantizações, apostando no real e em ótimos gatilhos emocionais para criar uma experiência envolvente e reflexiva que vai fazer valer o seu play!
Que série incrível - e realmente impactante! "Plantão Policial" me lembrou muito a dinamarquesa "Zona de Confronto"- pelo seu estilo quase documental e pela crueldade visceral de sua narrativa. O fato é que séries policiais sempre foram um dos pilares mais sólidos da TV americana, e "Plantão Policial" ou "On Call", no original, chega com uma proposta bastante provocativa ao mesclar um realismo absurdo, com muita intensidade e ótimas discussões sobre dilemas morais, diferenciando-se assim, das narrativas mais convencionais de investigação criminal. Criada por Tim Walsh e Elliot Wolf, com produção de Dick Wolf (de "Lei e Ordem"), essa produção da Prime Video mergulha no dia a dia de uma patrulha policial em Long Beach, Califórnia, acompanhando dois oficiais em um ambiente onde as linhas entre certo e errado são frequentemente desafiadas. Olha, para quem gosta da tensão e de uma abordagem realmente imersiva, essa nova aposta da Amazon Studios não vai decepcionar - ela entrega ação e drama na medida certa!
A trama, basicamente, segue o cotidiano da oficial Traci Harmon (Troian Bellisario), uma policial experiente e marcada pelo trauma da morte de sua última pupila, e Alex Diaz (Brandon Larracuente), um jovem oficial que ainda precisa aprender os limites entre empatia e impulsividade. A relação entre os dois funciona como o coração da série, adotando uma dinâmica de mentor e aprendiz, mas que se revela mais profunda conforme os episódios avançam. Harmon luta contra a culpa e tenta garantir que não repetirá os mesmos erros do passado, enquanto Diaz, lidando com problemas familiares e um irmão preso, busca se provar dentro da corporação. Confira o trailer e sinta o clima:
Uma das coisas que mais chamam a atenção de"PlantãoPolicial" é sua coragem em meio aquela estética ultra-realista. É justamente por esse gatilho narrativo que a construção dos personagens e de seus conflitos internos se mostram como dois dos maiores acertos da série. Veja, o roteiro não apenas explora a rotina exaustiva das patrulhas, como também mergulha nos dilemas íntimos dos protagonistas, tornando-os figuras mais palpáveis, complexas e análogas. A head-writer Molly Manning (de"Hightown") acerta ao criar diálogos diretos e honestos entre Harmon e Diaz, fazendo com que as interações entre eles tenham, além de tudo, um peso emocional profundo - aqui não há espaço para heroísmo idealizado; cada decisão traz consequências, e a ética policial, em diversas camadas, é constantemente questionada.
A direção de Brenna Malloy (não por acaso de "Chicago P.D.") e de Eriq La Salle (da saudosa "Without a Trace") adiciona um ritmo dinâmico para a série, utilizando uma estética mais documental, realista e claustrofóbica que reforça a tensão das situações enfrentadas pelos personagens. O uso de câmeras acopladas aos uniformes dos policiais é um dos acertos da série, trazendo uma perspectiva de fato imersiva e colocando a audiência dentro da ação. Repare como as cenas de"Plantão Policial" oscilam entre momentos de aparente rotina com situações de alta periculosidade, garantindo que cada episódio mantenha um nível constante de suspense e urgência - bem "a vida como ela é"! Agora é importante que se diga: a ação nunca é gratuita, mas sempre orgânica dentro de uma narrativa que surprendente pela forma, pelo conteúdo e pelo estilo.
Os episódios curtos, com cerca de 30 minutos cada, evitam enrolação e garantem que cada conflito tenha algum impacto, sem perder tempo com tramas secundárias irrelevantes. Aliás, se há um grande mérito em"PlantãoPolicial", é justamente sua capacidade de ser direta e com isso apresentar uma abordagem menos maniqueísta da justiça - a série reconhece que a aplicação da lei não é um jogo de mocinhos contra vilões, e que os próprios policiais, muitas vezes, precisam recorrer a decisões moralmente ambíguas para garantir a ordem (e a sobrevivência). Da mesma forma, os criminosos também não são retratados como figuras unidimensionais, mas como produtos de um ambiente e de um contexto que os moldam.
"PlantãoPolicial" não reinventa o gênero, mas traz frescor ao explorar a rotina policial com um olhar humano e sem romantizações, apostando no real e em ótimos gatilhos emocionais para criar uma experiência envolvente e reflexiva que vai fazer valer o seu play!
"Pobres Criaturas" é realmente excelente, mas não se deixe levar por tantos elogios da critica e do público - e muito menos pelos quatro Oscars que o filme abocanhou em 2024. Sim, nem todos vão gostar do filme, mas saiba que quem gostar, na verdade vai amar! Escrevo isso com a mais absoluta tranquilidade, pois o filme é uma experiência cinematográfica única, que te fará rir, pensar e questionar a própria natureza humana de uma forma bastante particular. Por essa perspectiva, o filme é imperdível. Dirigido pelo aclamado Yorgos Lanthimos (de "A Favorita"), "Poor Things" (no original) tem uma dinâmica visual impressionante e uma narrativa pouco usual, orbitando entre uma comédia mais ácida e o drama totalmente existencialista - daqueles que desafiam as convenções sociais e exploram temas como identidade, gênero, sexualidade e morte, tudo junto e misturado. Profundo, não? Sim, muito, no entanto só dê o play se estiver disposto a mergulhar na proposta mais conceitual do diretor com seu estilo mais teatral, criativo e muito inventivo.
Baseado no livro homônimo de Alasdair Grey e referenciando o clássico "Frankenstein", a história se passa em uma atmosfera vitoriana atemporal e acompanha Bella Baxter (Emma Stone), trazida de volta à vida após se jogar de uma ponte. O experimento realizado pelo doutor Godwin Baxter (Willem Dafoe), um cientista brilhante, porém nada ortodoxo, é um sucesso, no entanto Bella, querendo conhecer mais do mundo, foge com um advogado e graças a maturidade que vai adquirindo passa exigir igualdade e liberdade. Confira o trailer:
Todos sabemos que o grego Yorgos Lanthimos é conhecido por seu estilo peculiar, que combina o humor negro com temas mais sérios em uma abordagem quase sempre perturbadora. Pois bem, aqui ele utiliza da sua assinatura como cineasta para recriar, com muita simbologia e sensibilidade, o cabo de guerra intenso entre o desejo e a razão - claro, com aquele toque de monstruosidade que tende a penalizar, com a mesma força, mas de modos distintos, os homens e as mulheres. Reparem como, em cinco "capítulos", o desenvolvimento da mente de Bella vai se transformando e a experiência de conhecer o mundo (e sair daquilo que a limitava) faz com que ela se aproxime cada vez mais do seu corpo amadurecido. É lindo de perceber esses detalhes a partir de planos simétricos e lentes completamente anguladas, criando uma atmosfera surreal e desconcertante, perfeita para os diálogos secos e sarcásticos do roteiro de Tony McNamara (duas vezes indicado ao Oscar) que coloca frente a frente modos tão diferentes de pensar e agir.
Obviamente que o elenco de "Pobres Criaturas" é a cereja do bolo dessa overdose visual de cor e estilo. Impecável em todas as camadas, eu diria que esse é o melhor trabalho (até aqui) da atriz Emma Stone - ela é capaz de entregar uma performance multifacetada e complexa, mesmo mergulhada no esteriótipo que vai se desconstruindo de acordo com o seu ganho de maturidade. Stone captura perfeitamente a confusão, a frustração e a resiliência de Bella perante suas descobertas, em todas as suas fases. Willem Dafoe, meu Deus, também está excelente como o Dr. Baxter - um personagem excêntrico e enigmático, sempre com aquele toque de sadismo tão sutil e ao mesmo tempo tão potente. Outro que merece destaque, claro, é Mark Ruffalo - simplesmente impecável, mais uma vez!
"Pobres Criaturas" é um filme que não se encaixa em nenhuma dessas prateleiras mais tradicionais do cinema atual. Ele é uma comédia, um drama e um filme de terror clássico, tudo ao mesmo tempo - uma mistura de "A Tragédia de Macbeth" com "A Invenção de Hugo Cabret" e aquele toque final de "Irma Vep" ou de "Hereditário". Veja, Lanthimos não tem, e nunca terá, medo de abordar temas ou tabus e ainda assim desafiar as expectativas da audiência com textos e cenas de fato impactantes, então esteja preparado para se chocar. Para aqueles mais tradicionais, sugiro passar longe dessa recomendação. Já para aqueles que vão se aventurar nesse mundo estranho e fascinante do diretor, muito possivelmente, serão recompensados com uma obra de arte singular e memorável.
Vale muito o seu play!
Up-date: "Pobres Criaturas" ganhou em quatro categorias no Oscar 2024, inclusive de Melhor Atriz!
"Pobres Criaturas" é realmente excelente, mas não se deixe levar por tantos elogios da critica e do público - e muito menos pelos quatro Oscars que o filme abocanhou em 2024. Sim, nem todos vão gostar do filme, mas saiba que quem gostar, na verdade vai amar! Escrevo isso com a mais absoluta tranquilidade, pois o filme é uma experiência cinematográfica única, que te fará rir, pensar e questionar a própria natureza humana de uma forma bastante particular. Por essa perspectiva, o filme é imperdível. Dirigido pelo aclamado Yorgos Lanthimos (de "A Favorita"), "Poor Things" (no original) tem uma dinâmica visual impressionante e uma narrativa pouco usual, orbitando entre uma comédia mais ácida e o drama totalmente existencialista - daqueles que desafiam as convenções sociais e exploram temas como identidade, gênero, sexualidade e morte, tudo junto e misturado. Profundo, não? Sim, muito, no entanto só dê o play se estiver disposto a mergulhar na proposta mais conceitual do diretor com seu estilo mais teatral, criativo e muito inventivo.
Baseado no livro homônimo de Alasdair Grey e referenciando o clássico "Frankenstein", a história se passa em uma atmosfera vitoriana atemporal e acompanha Bella Baxter (Emma Stone), trazida de volta à vida após se jogar de uma ponte. O experimento realizado pelo doutor Godwin Baxter (Willem Dafoe), um cientista brilhante, porém nada ortodoxo, é um sucesso, no entanto Bella, querendo conhecer mais do mundo, foge com um advogado e graças a maturidade que vai adquirindo passa exigir igualdade e liberdade. Confira o trailer:
Todos sabemos que o grego Yorgos Lanthimos é conhecido por seu estilo peculiar, que combina o humor negro com temas mais sérios em uma abordagem quase sempre perturbadora. Pois bem, aqui ele utiliza da sua assinatura como cineasta para recriar, com muita simbologia e sensibilidade, o cabo de guerra intenso entre o desejo e a razão - claro, com aquele toque de monstruosidade que tende a penalizar, com a mesma força, mas de modos distintos, os homens e as mulheres. Reparem como, em cinco "capítulos", o desenvolvimento da mente de Bella vai se transformando e a experiência de conhecer o mundo (e sair daquilo que a limitava) faz com que ela se aproxime cada vez mais do seu corpo amadurecido. É lindo de perceber esses detalhes a partir de planos simétricos e lentes completamente anguladas, criando uma atmosfera surreal e desconcertante, perfeita para os diálogos secos e sarcásticos do roteiro de Tony McNamara (duas vezes indicado ao Oscar) que coloca frente a frente modos tão diferentes de pensar e agir.
Obviamente que o elenco de "Pobres Criaturas" é a cereja do bolo dessa overdose visual de cor e estilo. Impecável em todas as camadas, eu diria que esse é o melhor trabalho (até aqui) da atriz Emma Stone - ela é capaz de entregar uma performance multifacetada e complexa, mesmo mergulhada no esteriótipo que vai se desconstruindo de acordo com o seu ganho de maturidade. Stone captura perfeitamente a confusão, a frustração e a resiliência de Bella perante suas descobertas, em todas as suas fases. Willem Dafoe, meu Deus, também está excelente como o Dr. Baxter - um personagem excêntrico e enigmático, sempre com aquele toque de sadismo tão sutil e ao mesmo tempo tão potente. Outro que merece destaque, claro, é Mark Ruffalo - simplesmente impecável, mais uma vez!
"Pobres Criaturas" é um filme que não se encaixa em nenhuma dessas prateleiras mais tradicionais do cinema atual. Ele é uma comédia, um drama e um filme de terror clássico, tudo ao mesmo tempo - uma mistura de "A Tragédia de Macbeth" com "A Invenção de Hugo Cabret" e aquele toque final de "Irma Vep" ou de "Hereditário". Veja, Lanthimos não tem, e nunca terá, medo de abordar temas ou tabus e ainda assim desafiar as expectativas da audiência com textos e cenas de fato impactantes, então esteja preparado para se chocar. Para aqueles mais tradicionais, sugiro passar longe dessa recomendação. Já para aqueles que vão se aventurar nesse mundo estranho e fascinante do diretor, muito possivelmente, serão recompensados com uma obra de arte singular e memorável.
Vale muito o seu play!
Up-date: "Pobres Criaturas" ganhou em quatro categorias no Oscar 2024, inclusive de Melhor Atriz!
Imagine-se diferente de todos ao seu redor. Imagine que resolva mostrar ao mundo quem você é, e não há preconceito, luta, injustiça e humilhação que o detenha de alcançar seu grande sonho... simplesmente ser quem você é! "Pose" é isso e muito mais!
A série se passa em meados dos anos 80/90, em Nova York, onde, para sobreviver e se proteger, os transexuais se reúnem em "famílias", sob as diretrizes das chamadas "Mães", que enxergam o melhor em cada um de seus "filhos", e se lançam nos badalados bailes LGBTQ, em busca de oportunidades para mostrar ao mundo toda a sua sensualidade, beleza e ousadia, através dos movimentos inusitados da Dança Vogue - leia-se a diva mor Madonna no hot parade. Confira o trailer:
Antes de mais nada é preciso dizer que a trilha sonora é um elemento a parte - simplesmente incrível! Já o roteiro não suaviza ao expor o fantasma da AIDS e como a doença continuava causando medo e incerteza na comunidade, embora o tratamento já mostrasse alguns resultados importantes - bem diferente de “Halston”dos anos 70 e do mesmo Ryan Murphy (criador da série). Drogas, violência, conteúdo sexual e uma pegada de humor trágico, é um retrato do que enfrentavam os transsexuais, com muita pose, para serem aceitos e respeitados em suas diferenças - e há muita sensibilidade para dimensionar isso naquela sociedade.
Outro ponto que merece destaque, diz respeito ao maior elenco transexual reunido em uma única produção! Blanca (Mj Rodriguez), Elektra (Dominique Jackson), Angel (Indya Moore) e Candy (Angelica Ross) trazem para a tela, o que há por trás de todas as cores e brilhos daquele universo onde não se trata de escolha ou de opção, é simplesmente ser quem realmente é - e olha, não foi por acaso que "Pose" teve 10 indicações ao Emmy, inclusive como "Melhor Elenco em Série Dramática", além de mais de 70 indicações e 30 prêmios em vários festivais pelo mundo.
O fato é que "Pose" brilha dentro e fora de cada um dos personagens, sem perder de vista a elegância e a sutileza para tocar em temas muito desconfortáveis, mas essenciais na discussão sobre tolerância e respeito, onde a voz das minorias reverbera, humildemente, na evolução do ser humano pelos olhos da cultura pop.
Vale o play!
Escrito por Willy Roosevelt com Edição de André Siqueira - uma parceria @tudocine1
Imagine-se diferente de todos ao seu redor. Imagine que resolva mostrar ao mundo quem você é, e não há preconceito, luta, injustiça e humilhação que o detenha de alcançar seu grande sonho... simplesmente ser quem você é! "Pose" é isso e muito mais!
A série se passa em meados dos anos 80/90, em Nova York, onde, para sobreviver e se proteger, os transexuais se reúnem em "famílias", sob as diretrizes das chamadas "Mães", que enxergam o melhor em cada um de seus "filhos", e se lançam nos badalados bailes LGBTQ, em busca de oportunidades para mostrar ao mundo toda a sua sensualidade, beleza e ousadia, através dos movimentos inusitados da Dança Vogue - leia-se a diva mor Madonna no hot parade. Confira o trailer:
Antes de mais nada é preciso dizer que a trilha sonora é um elemento a parte - simplesmente incrível! Já o roteiro não suaviza ao expor o fantasma da AIDS e como a doença continuava causando medo e incerteza na comunidade, embora o tratamento já mostrasse alguns resultados importantes - bem diferente de “Halston”dos anos 70 e do mesmo Ryan Murphy (criador da série). Drogas, violência, conteúdo sexual e uma pegada de humor trágico, é um retrato do que enfrentavam os transsexuais, com muita pose, para serem aceitos e respeitados em suas diferenças - e há muita sensibilidade para dimensionar isso naquela sociedade.
Outro ponto que merece destaque, diz respeito ao maior elenco transexual reunido em uma única produção! Blanca (Mj Rodriguez), Elektra (Dominique Jackson), Angel (Indya Moore) e Candy (Angelica Ross) trazem para a tela, o que há por trás de todas as cores e brilhos daquele universo onde não se trata de escolha ou de opção, é simplesmente ser quem realmente é - e olha, não foi por acaso que "Pose" teve 10 indicações ao Emmy, inclusive como "Melhor Elenco em Série Dramática", além de mais de 70 indicações e 30 prêmios em vários festivais pelo mundo.
O fato é que "Pose" brilha dentro e fora de cada um dos personagens, sem perder de vista a elegância e a sutileza para tocar em temas muito desconfortáveis, mas essenciais na discussão sobre tolerância e respeito, onde a voz das minorias reverbera, humildemente, na evolução do ser humano pelos olhos da cultura pop.
Vale o play!
Escrito por Willy Roosevelt com Edição de André Siqueira - uma parceria @tudocine1
"Precisamos falar sobre o Kevin", é basicamente sobre maternidade e sobre o show da atriz Tilda Swinton como Eva - que inclusive lhe rendeu uma indicação ao Globo de Ouro de 2012.
O roteiro faz um caminho inverso ao do mais recente "O Quarto de Jack", que começa como um suspense e aos poucos se torna um drama. Aqui, temos um drama familiar que ganha cada vez mais tensão e caminha para um trágico terceiro ato. Eva (Swinton) é uma mulher bem casada e bem-sucedida no trabalho que acaba tendo uma gravidez indesejada e, mesmo após o nascimento de Kevin (Rock Duer - Jasper Newell - Ezra Miller), continua enxergando a maternidade como um fardo ao invés de recebê-la como graça.Por isso (ou não), Kevin se torna uma criança problemática e de difícil convivência, especialmente com a mãe. Após alguns anos, o casal tem outra filha: Celia (Ashley Gerasimovich), uma garotinha amável com todos - até com Kevin. Confira o trailer:
A narrativa acompanha diferentes linhas do tempo, intercalando passado e presente, o que funciona para alimentar o clima de mistério e estabelecer uma dinâmica bastante interessante. A Eva solitária e amaldiçoada pela vizinhança do presente contrasta com a mãe de família do passado. Sabemos que algo trágico aconteceu entre esses dois momentos e só há uma certeza: Kevin esteve envolvido. Mesmo assim, as revelações não deixam de ser perturbadoras e impactantes.
A última cena é sutil e ao mesmo tempo grandiosa, pois mostra as peças, mas deixa que o espectador monte seu próprio quebra-cabeça psicológico. Afinal, existem erros imperdoáveis? De quem é a culpa? O mal precisa de um motivo pra existir, ou simplesmente existe?
Vale muito a pena!
Escrito por Ricelli Ribeiro - uma parceria @dicastreaming
"Precisamos falar sobre o Kevin", é basicamente sobre maternidade e sobre o show da atriz Tilda Swinton como Eva - que inclusive lhe rendeu uma indicação ao Globo de Ouro de 2012.
O roteiro faz um caminho inverso ao do mais recente "O Quarto de Jack", que começa como um suspense e aos poucos se torna um drama. Aqui, temos um drama familiar que ganha cada vez mais tensão e caminha para um trágico terceiro ato. Eva (Swinton) é uma mulher bem casada e bem-sucedida no trabalho que acaba tendo uma gravidez indesejada e, mesmo após o nascimento de Kevin (Rock Duer - Jasper Newell - Ezra Miller), continua enxergando a maternidade como um fardo ao invés de recebê-la como graça.Por isso (ou não), Kevin se torna uma criança problemática e de difícil convivência, especialmente com a mãe. Após alguns anos, o casal tem outra filha: Celia (Ashley Gerasimovich), uma garotinha amável com todos - até com Kevin. Confira o trailer:
A narrativa acompanha diferentes linhas do tempo, intercalando passado e presente, o que funciona para alimentar o clima de mistério e estabelecer uma dinâmica bastante interessante. A Eva solitária e amaldiçoada pela vizinhança do presente contrasta com a mãe de família do passado. Sabemos que algo trágico aconteceu entre esses dois momentos e só há uma certeza: Kevin esteve envolvido. Mesmo assim, as revelações não deixam de ser perturbadoras e impactantes.
A última cena é sutil e ao mesmo tempo grandiosa, pois mostra as peças, mas deixa que o espectador monte seu próprio quebra-cabeça psicológico. Afinal, existem erros imperdoáveis? De quem é a culpa? O mal precisa de um motivo pra existir, ou simplesmente existe?
Vale muito a pena!
Escrito por Ricelli Ribeiro - uma parceria @dicastreaming
"Vanilla Sky" está, sem dúvida, entre meus filmes preferidos! Muito bem conduzido pelo Cameron Crowe, "Vanilla Sky", produção de 2001, foi o primeiro filme que lembro ter me desafiado intelectualmente. Pois bem, após assistir a versão original "Preso na Escuridão" (ou "Abre Los Ojos" no original), tenho que admitir: ela é ainda melhor! O filme é infinitamente mais humano que seu remake americano, seu roteiro é ainda mais sensível e aquele conceito visual mais independente do genial diretor chileno, Alejandro Amenábar (de "Os Outros"), é muito mais bonito. Olha, esse filme é uma obra-prima por si só - ele apresenta uma narrativa complexa, com performances verdadeiramente cativantes, além de uma exploração profunda do valor da identidade de uma forma muito sensorial, eu diria, inclusive, única! Que experiência que o streaming nos proporciona! Assista!
A história acompanha a vida de César (Eduardo Noriega), um jovem carismático que tem tudo: beleza, riqueza e sucesso. No entanto, sua vida muda drasticamente após um acidente de carro, que o deixa desfigurado e com cicatrizes graves. À medida que ele tenta lidar com sua nova aparência e reconstruir sua vida, César mergulha em um mundo de sonhos e pesadelos interconectados, onde a linha entre a realidade e a fantasia se torna cada vez mais obscura.
É impressionante como "Preso na Escuridão" nos entrega uma atmosfera intensamente envolvente, provocadora e, claro, perturbadora. Amenábar, ao lado de seu fotógrafo Hans Burmann (de "Amnésia"), trabalha o conceito estético do filme de uma forma meticulosa, aproveitando de uma trilha sonora arrebatadora para transmitir a sensação de paranoia que permeia a mente do protagonista. Reparem nas sequências de sonhos e alucinações - elas são especialmente marcantes, com imagens surreais que desafiam nossas expectativas e nos levam a questionar o que é real e o que é fruto da imaginação.
O desempenho de Eduardo Noriega é brilhante e complexo - ele é capaz de capturar perfeitamente a transformação de um homem confiante e sedutor em um ser atormentado e desesperado - e aqui sem os trejeitos de uma figura já consagrada como Tom Cruise. A química entre Noriega e Penélope Cruz, que interpreta a enigmática Sofia, traz uma camada adicional de profundidade emocional à trama que chega a ser desconfortável. Veja, não será uma única que vez que você vai ser colocar no lugar de César e também de Sofia. O roteiro do próprio Amenábar trabalha essas sensações com reviravoltas surpreendentes - mas surpreendentes mesmo!
"Preso na Escuridão" é inteligente, criativo e potente, capaz de explorar questões filosóficas profundas, como a natureza da identidade, a influência da percepção na construção da realidade e os limites da nossa compreensão sobre mundo, sobre o amor e sobre nossa capacidade de se redimir, com a mesma competência com que nos provoca simples reflexões. De uma forma intrigante, o filme nos desafiado a cada cena, exigindo o máximo da nossa atenção e concentração - como um convite intelectualmente estimulante.
Pode acreditar "Preso na Escuridão" certamente merece um lugar na sua lista de filmes imperdíveis.
PS: O filme recebeu 10 indicações ao prêmio Goya de 1999, além de vencer
"Vanilla Sky" está, sem dúvida, entre meus filmes preferidos! Muito bem conduzido pelo Cameron Crowe, "Vanilla Sky", produção de 2001, foi o primeiro filme que lembro ter me desafiado intelectualmente. Pois bem, após assistir a versão original "Preso na Escuridão" (ou "Abre Los Ojos" no original), tenho que admitir: ela é ainda melhor! O filme é infinitamente mais humano que seu remake americano, seu roteiro é ainda mais sensível e aquele conceito visual mais independente do genial diretor chileno, Alejandro Amenábar (de "Os Outros"), é muito mais bonito. Olha, esse filme é uma obra-prima por si só - ele apresenta uma narrativa complexa, com performances verdadeiramente cativantes, além de uma exploração profunda do valor da identidade de uma forma muito sensorial, eu diria, inclusive, única! Que experiência que o streaming nos proporciona! Assista!
A história acompanha a vida de César (Eduardo Noriega), um jovem carismático que tem tudo: beleza, riqueza e sucesso. No entanto, sua vida muda drasticamente após um acidente de carro, que o deixa desfigurado e com cicatrizes graves. À medida que ele tenta lidar com sua nova aparência e reconstruir sua vida, César mergulha em um mundo de sonhos e pesadelos interconectados, onde a linha entre a realidade e a fantasia se torna cada vez mais obscura.
É impressionante como "Preso na Escuridão" nos entrega uma atmosfera intensamente envolvente, provocadora e, claro, perturbadora. Amenábar, ao lado de seu fotógrafo Hans Burmann (de "Amnésia"), trabalha o conceito estético do filme de uma forma meticulosa, aproveitando de uma trilha sonora arrebatadora para transmitir a sensação de paranoia que permeia a mente do protagonista. Reparem nas sequências de sonhos e alucinações - elas são especialmente marcantes, com imagens surreais que desafiam nossas expectativas e nos levam a questionar o que é real e o que é fruto da imaginação.
O desempenho de Eduardo Noriega é brilhante e complexo - ele é capaz de capturar perfeitamente a transformação de um homem confiante e sedutor em um ser atormentado e desesperado - e aqui sem os trejeitos de uma figura já consagrada como Tom Cruise. A química entre Noriega e Penélope Cruz, que interpreta a enigmática Sofia, traz uma camada adicional de profundidade emocional à trama que chega a ser desconfortável. Veja, não será uma única que vez que você vai ser colocar no lugar de César e também de Sofia. O roteiro do próprio Amenábar trabalha essas sensações com reviravoltas surpreendentes - mas surpreendentes mesmo!
"Preso na Escuridão" é inteligente, criativo e potente, capaz de explorar questões filosóficas profundas, como a natureza da identidade, a influência da percepção na construção da realidade e os limites da nossa compreensão sobre mundo, sobre o amor e sobre nossa capacidade de se redimir, com a mesma competência com que nos provoca simples reflexões. De uma forma intrigante, o filme nos desafiado a cada cena, exigindo o máximo da nossa atenção e concentração - como um convite intelectualmente estimulante.
Pode acreditar "Preso na Escuridão" certamente merece um lugar na sua lista de filmes imperdíveis.
PS: O filme recebeu 10 indicações ao prêmio Goya de 1999, além de vencer
Quanto vale uma vida que se foi? Talvez essa seja a pergunta mais difícil de responder independente do motivo pelo qual ela está sendo feita. Em "Worth" (título original) temos a exata noção do quão dolorido é lidar com algum tipo de acordo ou compensação pela vida de alguém que amamos. Ao explorar um lado muito interessante, sensível e difícil do pós 11 de setembro, a jovem e talentosa diretora Sara Colangelo entrega um filme muito mais profundo que seu roteiro e talvez por isso não agrade a todos, mas que sem dúvida merece muito ser visto - mais ou menos como aconteceu com "Oslo".
Após os ataques de 2001 ao World Trade Center e ao Pentágono, o Congresso Americano nomeou o advogado e renomado mediador Kenneth Feinberg (Michael Keaton) para liderar o Fundo de Compensação às Vítimas do 11 de setembro. Encarregados de destinar recursos financeiros para as vítimas da tragédia, Feinberg e sua sócia Camille Biros (Amy Ryan), enfrentam a impossível tarefa de determinar o valor de uma vida, que servirá de auxílio para as famílias que sofreram perdas no atentado. Quando Feinberg conhece Charles Wolf (Stanley Tucci), um organizador comunitário que perdeu sua esposa naquele fatídico dia, ele entende que as coisas não são tão simples e práticas como uma fórmula matemática, e agora precisa encontrar uma maneira de conseguir se aproximar destas famílias que permanecem em luto para cumprir a missão pela qual foi designado. Confira o trailer:
Max Borenstein (Kong: A Ilha da Caveira) teve a difícil tarefa de construir uma linha narrativa interessante e convincente em cima de uma história real que, digamos, não tem uma dinâmica tão claras muito menos empolgante. A relação entre advogado e cliente, no cinema, funciona perfeitamente quando o conflito extrapola a lógica e a busca pela verdade a qualquer preço passa a ser o principal objetivo para alcançar o cálice sagrado da jornada do herói - por isso o fascínio por tantos filmes de tribunal que se tornaram inesquecíveis. Acontece que aqui, o roteiro não consegue seguir essa regra, pois o elemento marcante da história está na busca pelo respeito, pela dor e pelo luto de uma tragédia - e o protagonista não quer isso em nenhum momento.
Veja, o que nos toca em "Quanto vale?" são as histórias que ouvimos dos familiares das vítimas e não o processo de transformação de um personagem prático (como todo advogado) em um ser emocional capaz de se adaptar as circunstâncias para encontrar um solução mais humana e assim ter sucesso na sua missão. Embora Michael Keaton esteja sensacional (mais uma vez), em nenhum momento torcemos por Kenneth Feinberg ou por sua redenção - isso não nos move; por outro lado entender o que sentem as pessoas que tiveram que se relacionar com a perda ou precisam lidar com as marcas do 11 de setembro, isso sim nos toca, mas acaba sendo pouco explorado.
Baseado no livro escrito pelo próprio Feinberg, o protagonista de Keaton passa por uma difícil jornada e sem dúvida transformadora, mas no filme soa atropelada, desequilibrada. Quando Sara Colangelo traz para narrativa a força dos depoimentos doas vítimas, entendemos como a dor verdadeira é muito mais valiosa que os bastidores burocráticos que parece ser o assunto central - o objetivo de proteger a economia americana em um momento de crise para não deixar que companhias aéreas caíssem em longos e custosos processos judiciais. No filme, como "o" filme, quando se trata de uma tragédia como a de 11 de setembro, o burocrático por si só é frágil - o olhar humano vale muito mais do que os diálogos rebuscados que nos afastam da humanidade.
Dito isso, "Quanto vale?" mostra um ponto de vista diferente, curioso e doloroso; é muito bom, mas que não será inesquecível. Vale a pena pela história, pela verdade dos relatos e não pelo luta do protagonista. O play passa a ser essencial por ser mais uma peça importante desse enorme quebra-cabeça, cheio de variáveis que ainda estamos aprendendo a digerir com o passar dor anos.
Quanto vale uma vida que se foi? Talvez essa seja a pergunta mais difícil de responder independente do motivo pelo qual ela está sendo feita. Em "Worth" (título original) temos a exata noção do quão dolorido é lidar com algum tipo de acordo ou compensação pela vida de alguém que amamos. Ao explorar um lado muito interessante, sensível e difícil do pós 11 de setembro, a jovem e talentosa diretora Sara Colangelo entrega um filme muito mais profundo que seu roteiro e talvez por isso não agrade a todos, mas que sem dúvida merece muito ser visto - mais ou menos como aconteceu com "Oslo".
Após os ataques de 2001 ao World Trade Center e ao Pentágono, o Congresso Americano nomeou o advogado e renomado mediador Kenneth Feinberg (Michael Keaton) para liderar o Fundo de Compensação às Vítimas do 11 de setembro. Encarregados de destinar recursos financeiros para as vítimas da tragédia, Feinberg e sua sócia Camille Biros (Amy Ryan), enfrentam a impossível tarefa de determinar o valor de uma vida, que servirá de auxílio para as famílias que sofreram perdas no atentado. Quando Feinberg conhece Charles Wolf (Stanley Tucci), um organizador comunitário que perdeu sua esposa naquele fatídico dia, ele entende que as coisas não são tão simples e práticas como uma fórmula matemática, e agora precisa encontrar uma maneira de conseguir se aproximar destas famílias que permanecem em luto para cumprir a missão pela qual foi designado. Confira o trailer:
Max Borenstein (Kong: A Ilha da Caveira) teve a difícil tarefa de construir uma linha narrativa interessante e convincente em cima de uma história real que, digamos, não tem uma dinâmica tão claras muito menos empolgante. A relação entre advogado e cliente, no cinema, funciona perfeitamente quando o conflito extrapola a lógica e a busca pela verdade a qualquer preço passa a ser o principal objetivo para alcançar o cálice sagrado da jornada do herói - por isso o fascínio por tantos filmes de tribunal que se tornaram inesquecíveis. Acontece que aqui, o roteiro não consegue seguir essa regra, pois o elemento marcante da história está na busca pelo respeito, pela dor e pelo luto de uma tragédia - e o protagonista não quer isso em nenhum momento.
Veja, o que nos toca em "Quanto vale?" são as histórias que ouvimos dos familiares das vítimas e não o processo de transformação de um personagem prático (como todo advogado) em um ser emocional capaz de se adaptar as circunstâncias para encontrar um solução mais humana e assim ter sucesso na sua missão. Embora Michael Keaton esteja sensacional (mais uma vez), em nenhum momento torcemos por Kenneth Feinberg ou por sua redenção - isso não nos move; por outro lado entender o que sentem as pessoas que tiveram que se relacionar com a perda ou precisam lidar com as marcas do 11 de setembro, isso sim nos toca, mas acaba sendo pouco explorado.
Baseado no livro escrito pelo próprio Feinberg, o protagonista de Keaton passa por uma difícil jornada e sem dúvida transformadora, mas no filme soa atropelada, desequilibrada. Quando Sara Colangelo traz para narrativa a força dos depoimentos doas vítimas, entendemos como a dor verdadeira é muito mais valiosa que os bastidores burocráticos que parece ser o assunto central - o objetivo de proteger a economia americana em um momento de crise para não deixar que companhias aéreas caíssem em longos e custosos processos judiciais. No filme, como "o" filme, quando se trata de uma tragédia como a de 11 de setembro, o burocrático por si só é frágil - o olhar humano vale muito mais do que os diálogos rebuscados que nos afastam da humanidade.
Dito isso, "Quanto vale?" mostra um ponto de vista diferente, curioso e doloroso; é muito bom, mas que não será inesquecível. Vale a pena pela história, pela verdade dos relatos e não pelo luta do protagonista. O play passa a ser essencial por ser mais uma peça importante desse enorme quebra-cabeça, cheio de variáveis que ainda estamos aprendendo a digerir com o passar dor anos.
"Quatro dias com ela"
A história é razoavelmente simples - após uma década de recaídas, mentiras e manipulações, Deb (Glenn Close) precisa acreditar que sua filha de 30 e poucos anos, Molly (Mila Kunis), finalmente está disposta a se livrar das drogas. Nos quatro dias mais cruciais da desintoxicação, antes de iniciar um tratamentos inovador, o relacionamento entre elas é colocado à prova e é quando todos os fantasmas do passado voltam a assombrar aquela relação completamente destruída pela heroína e por decisões que vão além do vício. Confira o trailer (em inglês):
Em 2016, Eli Saslow publicou um artigo no Washington Post intitulado “How’s Amanda? A Story of Truth, Lies and an American Addiction”. O texto explorava a onda de toxicodependência nos EUA através de um caso especifico: o de Amanda Wendler. Foi esse trabalho jornalístico que serviu de base para o argumento que o próprio Saslow viria a escrever, trazendo para ficção uma junção desse caso com outros casos reais que fizeram parte de sua pesquisa e que, olha, impressionam demais pela densidade dramática e pela realidade avassaladora do problema.
Eu diria até que existe uma certa sensibilidade na escolha conceitual de Garcia, que construiu o roteiro a partir do material de Saslow, ao utilizar um recorte mais pontual da relação entre Deb e Molly, onde a convivência de alguns dias acaba criando uma forte conexão de empatia entre a audiência e a viciada, sem necessariamente se apoiar no julgamento perante o problema em si, mas sim na busca por justificativas que teriam gerado aquele problema. Mesmo que uma certa visão preconceituosa da mãe para com a própria filha dite as regras dessa relação (o que é até natural), é pela expectativa de que dias melhores aconteçam que nos mantemos dispostos à acompanhar o drama das personagens.
Como era de se esperar, claro, "Four Good Days" (no original) segue ponto a ponto aquela cartilha dramática dos filmes que abordam a luta de pais que buscam não desistir de seus filhos viciados, com uma boa dose de resiliência e amor, mas que, mesmo nas melhores intenções, tendem a fragilizar o problema por não saberem lidar muito bem com sua causa. Sim, talvez o filme possa mesmo parecer linear demais para parte da audiência, daqueles que não arriscam e que acabam preferindo o dramalhão, mas não se engane, pois existe um profundidade na história que merece demais sua atenção.
Vale muito o seu play!
"Quatro dias com ela"
A história é razoavelmente simples - após uma década de recaídas, mentiras e manipulações, Deb (Glenn Close) precisa acreditar que sua filha de 30 e poucos anos, Molly (Mila Kunis), finalmente está disposta a se livrar das drogas. Nos quatro dias mais cruciais da desintoxicação, antes de iniciar um tratamentos inovador, o relacionamento entre elas é colocado à prova e é quando todos os fantasmas do passado voltam a assombrar aquela relação completamente destruída pela heroína e por decisões que vão além do vício. Confira o trailer (em inglês):
Em 2016, Eli Saslow publicou um artigo no Washington Post intitulado “How’s Amanda? A Story of Truth, Lies and an American Addiction”. O texto explorava a onda de toxicodependência nos EUA através de um caso especifico: o de Amanda Wendler. Foi esse trabalho jornalístico que serviu de base para o argumento que o próprio Saslow viria a escrever, trazendo para ficção uma junção desse caso com outros casos reais que fizeram parte de sua pesquisa e que, olha, impressionam demais pela densidade dramática e pela realidade avassaladora do problema.
Eu diria até que existe uma certa sensibilidade na escolha conceitual de Garcia, que construiu o roteiro a partir do material de Saslow, ao utilizar um recorte mais pontual da relação entre Deb e Molly, onde a convivência de alguns dias acaba criando uma forte conexão de empatia entre a audiência e a viciada, sem necessariamente se apoiar no julgamento perante o problema em si, mas sim na busca por justificativas que teriam gerado aquele problema. Mesmo que uma certa visão preconceituosa da mãe para com a própria filha dite as regras dessa relação (o que é até natural), é pela expectativa de que dias melhores aconteçam que nos mantemos dispostos à acompanhar o drama das personagens.
Como era de se esperar, claro, "Four Good Days" (no original) segue ponto a ponto aquela cartilha dramática dos filmes que abordam a luta de pais que buscam não desistir de seus filhos viciados, com uma boa dose de resiliência e amor, mas que, mesmo nas melhores intenções, tendem a fragilizar o problema por não saberem lidar muito bem com sua causa. Sim, talvez o filme possa mesmo parecer linear demais para parte da audiência, daqueles que não arriscam e que acabam preferindo o dramalhão, mas não se engane, pois existe um profundidade na história que merece demais sua atenção.
Vale muito o seu play!
Sob um primeiro olhar, "Querida Alice" pode dar a impressão de se tratar de um thriller psicológico anos 90 bem ao estilo "Dormindo com o Inimigo" ou "Atração Fatal", no entanto o filme de estreia da diretora inglesa Mary Nighy (de "Industry") vai muito além - ele traz para tela uma jornada íntima, realista e brutal sobre as dores de um relacionamento tóxico sem precisar impactar a audiência com imagens fortes para manter aquele impressionante clima de tensão que nos acompanha durante toda a jornada da protagonista. Veja, o filme não se preocupa em mostrar o abuso em si, ele apenas deixa subentendido, no entanto, a perspectiva de Alice para o seu drama é visceral!
Na trama acompanhamos a história da Alice do título (interpretada por Anna Kendrick), uma mulher cuja identidade foi se fragilizando com o tempo e com isso se desconectando das amizades graças a seu namorado, Ross (Charlie Carrick), um jovem artista psicologicamente abusivo. É quando Alice se junta com Tess (Kaniehtiio Horn) e Sophie (Wunmi Mosaku) para uma viagem entre amigas, que ela entende o quanto precisa encontrar forças para se libertar desse relacionamento que vem acabando com sua auto-estima pouco am pouco. Confira o trailer (em inglês):
"Querida Alice" estreou no Festival de Cinema de Toronto em setembro de 2022 e acabou sendo aclamado pela crítica especializada, o que gerou a expectativa de algumas indicações ao Oscar do ano seguinte - expectativas essas que não se confirmaram e, para mim, de maneira até injusta. Mesmo com uma aprovação de 86% no Rotten Tomatoes e uma atuação primorosa de Kendrick (tranquilamente a melhor de sua carreira), o filme não emplacou e continuou dividindo opiniões até hoje. Para muitos, ele é cadenciado demais - existe uma linha de comentários que defende que a história não evolui e quando ela finalmente encontra seu clímax, é solucionada rapidamente. Eu discordo, porém entendo essa resistência, já que o filme, de fato, se apoia muito mais nos fantasmas de Alice do que em cenas visualmente impactantes (por sua crueldade e brutalidade) que encontramos em outros filmes com o mesmo tema.
Nighy deliberadamente escolhe o caminho mais difícil para contar essa história que exige uma certa conexão com a protagonista para entender o sofrimento que ela está passando - por isso afirmo tranquilamente que as mulheres vão se relacionar melhor com o filme. A diretora esbanja sensibilidade e mostra dominar a gramática cinematográfica do suspense psicológico - guardem esse nome: Mary Nighy. Já conceitualmente, os roteiristas Alanna Francis e Mark Van de Ven (ambos do excelente "The Rest of Us") se apropriam muito mais das sensações de medo e angustia do que do embate psicológico expositivo - mesmo que a ótima montagem do talentoso Gareth C. Scales (de "O Espião Inglês") sugira um confronto iminente (mais ou menos como em "A Assistente").
"Querida Alice" tem uma atmosfera tão realista que podemos nem nos dar conta que estamos falando de uma ficção. Embora o roteiro use uma subtrama frágil sobre o desaparecimento de uma jovem para criar um clima de suspense que nunca se concretiza, é na dor e na fragilidade emocional de Alice que a história realmente brilha - as crises de ansiedade e desespero da protagonista são tão realistas quanto chocantes, e podem ser passíveis de gatilhos para quem sofre de síndrome do pânico, então cuidado ao dar o play. Por outro lado, aqui também temos um drama importante, bem realizado e muito bem equilibrado, que talvez se distancie um pouco do entretenimento barato para expor como o abuso psicológico pode ser tão perigoso e avassalador quanto o fisico.
Vale muito seu play!
Sob um primeiro olhar, "Querida Alice" pode dar a impressão de se tratar de um thriller psicológico anos 90 bem ao estilo "Dormindo com o Inimigo" ou "Atração Fatal", no entanto o filme de estreia da diretora inglesa Mary Nighy (de "Industry") vai muito além - ele traz para tela uma jornada íntima, realista e brutal sobre as dores de um relacionamento tóxico sem precisar impactar a audiência com imagens fortes para manter aquele impressionante clima de tensão que nos acompanha durante toda a jornada da protagonista. Veja, o filme não se preocupa em mostrar o abuso em si, ele apenas deixa subentendido, no entanto, a perspectiva de Alice para o seu drama é visceral!
Na trama acompanhamos a história da Alice do título (interpretada por Anna Kendrick), uma mulher cuja identidade foi se fragilizando com o tempo e com isso se desconectando das amizades graças a seu namorado, Ross (Charlie Carrick), um jovem artista psicologicamente abusivo. É quando Alice se junta com Tess (Kaniehtiio Horn) e Sophie (Wunmi Mosaku) para uma viagem entre amigas, que ela entende o quanto precisa encontrar forças para se libertar desse relacionamento que vem acabando com sua auto-estima pouco am pouco. Confira o trailer (em inglês):
"Querida Alice" estreou no Festival de Cinema de Toronto em setembro de 2022 e acabou sendo aclamado pela crítica especializada, o que gerou a expectativa de algumas indicações ao Oscar do ano seguinte - expectativas essas que não se confirmaram e, para mim, de maneira até injusta. Mesmo com uma aprovação de 86% no Rotten Tomatoes e uma atuação primorosa de Kendrick (tranquilamente a melhor de sua carreira), o filme não emplacou e continuou dividindo opiniões até hoje. Para muitos, ele é cadenciado demais - existe uma linha de comentários que defende que a história não evolui e quando ela finalmente encontra seu clímax, é solucionada rapidamente. Eu discordo, porém entendo essa resistência, já que o filme, de fato, se apoia muito mais nos fantasmas de Alice do que em cenas visualmente impactantes (por sua crueldade e brutalidade) que encontramos em outros filmes com o mesmo tema.
Nighy deliberadamente escolhe o caminho mais difícil para contar essa história que exige uma certa conexão com a protagonista para entender o sofrimento que ela está passando - por isso afirmo tranquilamente que as mulheres vão se relacionar melhor com o filme. A diretora esbanja sensibilidade e mostra dominar a gramática cinematográfica do suspense psicológico - guardem esse nome: Mary Nighy. Já conceitualmente, os roteiristas Alanna Francis e Mark Van de Ven (ambos do excelente "The Rest of Us") se apropriam muito mais das sensações de medo e angustia do que do embate psicológico expositivo - mesmo que a ótima montagem do talentoso Gareth C. Scales (de "O Espião Inglês") sugira um confronto iminente (mais ou menos como em "A Assistente").
"Querida Alice" tem uma atmosfera tão realista que podemos nem nos dar conta que estamos falando de uma ficção. Embora o roteiro use uma subtrama frágil sobre o desaparecimento de uma jovem para criar um clima de suspense que nunca se concretiza, é na dor e na fragilidade emocional de Alice que a história realmente brilha - as crises de ansiedade e desespero da protagonista são tão realistas quanto chocantes, e podem ser passíveis de gatilhos para quem sofre de síndrome do pânico, então cuidado ao dar o play. Por outro lado, aqui também temos um drama importante, bem realizado e muito bem equilibrado, que talvez se distancie um pouco do entretenimento barato para expor como o abuso psicológico pode ser tão perigoso e avassalador quanto o fisico.
Vale muito seu play!
"Querido Menino" é um soco na boca do estômago por defender uma tese que vai completamente contra ao que acreditamos ser o remédio para tudo na vida: o amor não resolve todos os problemas do mundo! O diretor belga Felix van Groeningen, que já tinha mostrado todo o seu talento no premiado (e imperdível) "Alabama Monroe", usa toda a sua capacidade e sensibilidade para construir uma narrativa completamente claustrofóbica e viceral para contar a história real de um jovem garoto, amado e acolhido por todos, que luta para vencer as drogas - mas aqui o foco foge um pouco do problema do usuário e passa pelas consequências emocionais de quem o amou e o acolheu!
O filme aborda a relação entre um pai e seu filho. David (Steve Carell) é um respeitado jornalista, com textos publicados na Rolling Stone e no New York Times. Ele vive com sua segunda esposa e seus três filhos. O mais velho, Nic (Timothée Chalamet), fruto do primeiro casamento de David, está prestes a entrar para a universidade quando ele se vê em meio a uma rotina de consumo de drogas que começa a abalar seu dia a dia e a relação com seu pai. Confira o trailer:
"Querido Menino" é inspirado em dois livros, um de memórias do jornalista David Sheff chamado "Beautiful Boy" e outro do seu filho, Nic, "Tweak". O roteiro foi escrito pelo diretor ao lado de Luke Davies (responsável por "Lion" e "Relatos do Mundo") e trabalha muito bem dois sentimentos que deveriam estar em prateleiras separadas mas que acabam se tornando um consequência do outro: impotência e culpa! Mesmo sem uma exposição tão clara, é possível perceber que Nic se tornou mais introspectivo após o divórcio dos pais - a cena em que David se despede de Nic ainda criança no aeroporto, é simples, potente e esclarecedora. A fragilidade do garoto, não tem ligação nenhuma com o amor que recebia, mas talvez toda a liberdade e a enorme confiança, sim. É impressionante como o diretor nos coloca na posição de observador e nos provoca o julgamento a cada nova informação (muitas delas vindo das próprias atitudes de Nic durante a vida). O que leva o garoto para vício não foi a troca descontraída entre pai e filho e um cigarro de maconha, mas entendendo o contexto, isso não pode ter sido um gatilho?
O roteiro é muito cuidadoso em não apontar os culpados, mas também não deixa de indicar algumas pistas - seja pela troca de acusações entre os pais separados pelo celular ou a falta de pertencimento que o garoto sentia dentro da nova estrutura familiar que o pai criou. O interessante é que Felix van Groeningen usa a mesma estrutura narrativa fragmentada de "Alabama Monroe" e mais uma vez, nos entrega as peças "bagunçadas" para nós interpretarmos e só depois montarmos, de acordo com a nossa percepção de valor e capacidade analítica - o responsável pela edição, inclusive, é o mesmo Nico Leunen.
Um detalhe importante: o filme jamais demoniza o usuário de drogas e isso impacta diretamente na performance de Chalamet (indicado ao Globo de Ouro pelo papel), mas quem brilha mesmo, sem dúvida, é Steve Carell! Carrell entrega uma introspecção impressionante, passando toda a complexidade e desespero de um pai que se vê seu filho caminhar para a morte, sem saber o que fazer e, mais interessante, sem perder o tom - que seria extremamente natural para causar impacto em cenas de confronto. O fato é que o impacto do filme está no que é sentido e nunca no que é dito - e aqui eu peço que vocês reparem na cena em que a mulher de David, Karen (Maura Tierney), vai atrás de Nic com seu carro e em um determinado momento, desiste. Nada mais simbólico que isso, sem um palavra, só sentimento!
"Querido Menino" mostra que a jornada na dependência química não é somente do viciado, mas de todos aqueles que o amam e que as drogas (e o álcool) é a consequência, nunca a causa do problema. Mas qual o problema? Essa é a pergunta que David tenta responder como pai, mas que nem Nic, como filho, consegue entregar e mesmo sem o roteiro citar a depressão como gatilho para as atitudes do garoto, Groeningen, com muita sensibilidade, faz com que nosso sinal de alerta seja ligado para refletirmos e, principalmente, olharmos para dentro.
Vale muito a pena, mas esteja preparado para uma jornada difícil!
"Querido Menino" é um soco na boca do estômago por defender uma tese que vai completamente contra ao que acreditamos ser o remédio para tudo na vida: o amor não resolve todos os problemas do mundo! O diretor belga Felix van Groeningen, que já tinha mostrado todo o seu talento no premiado (e imperdível) "Alabama Monroe", usa toda a sua capacidade e sensibilidade para construir uma narrativa completamente claustrofóbica e viceral para contar a história real de um jovem garoto, amado e acolhido por todos, que luta para vencer as drogas - mas aqui o foco foge um pouco do problema do usuário e passa pelas consequências emocionais de quem o amou e o acolheu!
O filme aborda a relação entre um pai e seu filho. David (Steve Carell) é um respeitado jornalista, com textos publicados na Rolling Stone e no New York Times. Ele vive com sua segunda esposa e seus três filhos. O mais velho, Nic (Timothée Chalamet), fruto do primeiro casamento de David, está prestes a entrar para a universidade quando ele se vê em meio a uma rotina de consumo de drogas que começa a abalar seu dia a dia e a relação com seu pai. Confira o trailer:
"Querido Menino" é inspirado em dois livros, um de memórias do jornalista David Sheff chamado "Beautiful Boy" e outro do seu filho, Nic, "Tweak". O roteiro foi escrito pelo diretor ao lado de Luke Davies (responsável por "Lion" e "Relatos do Mundo") e trabalha muito bem dois sentimentos que deveriam estar em prateleiras separadas mas que acabam se tornando um consequência do outro: impotência e culpa! Mesmo sem uma exposição tão clara, é possível perceber que Nic se tornou mais introspectivo após o divórcio dos pais - a cena em que David se despede de Nic ainda criança no aeroporto, é simples, potente e esclarecedora. A fragilidade do garoto, não tem ligação nenhuma com o amor que recebia, mas talvez toda a liberdade e a enorme confiança, sim. É impressionante como o diretor nos coloca na posição de observador e nos provoca o julgamento a cada nova informação (muitas delas vindo das próprias atitudes de Nic durante a vida). O que leva o garoto para vício não foi a troca descontraída entre pai e filho e um cigarro de maconha, mas entendendo o contexto, isso não pode ter sido um gatilho?
O roteiro é muito cuidadoso em não apontar os culpados, mas também não deixa de indicar algumas pistas - seja pela troca de acusações entre os pais separados pelo celular ou a falta de pertencimento que o garoto sentia dentro da nova estrutura familiar que o pai criou. O interessante é que Felix van Groeningen usa a mesma estrutura narrativa fragmentada de "Alabama Monroe" e mais uma vez, nos entrega as peças "bagunçadas" para nós interpretarmos e só depois montarmos, de acordo com a nossa percepção de valor e capacidade analítica - o responsável pela edição, inclusive, é o mesmo Nico Leunen.
Um detalhe importante: o filme jamais demoniza o usuário de drogas e isso impacta diretamente na performance de Chalamet (indicado ao Globo de Ouro pelo papel), mas quem brilha mesmo, sem dúvida, é Steve Carell! Carrell entrega uma introspecção impressionante, passando toda a complexidade e desespero de um pai que se vê seu filho caminhar para a morte, sem saber o que fazer e, mais interessante, sem perder o tom - que seria extremamente natural para causar impacto em cenas de confronto. O fato é que o impacto do filme está no que é sentido e nunca no que é dito - e aqui eu peço que vocês reparem na cena em que a mulher de David, Karen (Maura Tierney), vai atrás de Nic com seu carro e em um determinado momento, desiste. Nada mais simbólico que isso, sem um palavra, só sentimento!
"Querido Menino" mostra que a jornada na dependência química não é somente do viciado, mas de todos aqueles que o amam e que as drogas (e o álcool) é a consequência, nunca a causa do problema. Mas qual o problema? Essa é a pergunta que David tenta responder como pai, mas que nem Nic, como filho, consegue entregar e mesmo sem o roteiro citar a depressão como gatilho para as atitudes do garoto, Groeningen, com muita sensibilidade, faz com que nosso sinal de alerta seja ligado para refletirmos e, principalmente, olharmos para dentro.
Vale muito a pena, mas esteja preparado para uma jornada difícil!
A adaptação da HQ "The Kitchen", da Vertigo, pela estreante na direção Andrea Berloff (indicada ao Oscar pelo roteiro de Straight Outta Compton: A História do N.W.A), é boa, mas poderia ser melhor. "Rainhas do Crime" é um exemplo claro de uma história com enorme potencial que é transformada em um bom filme, nada mais que isso. O que poderia ser o grande mérito da produção acabou se transformando no seu maior problema. É clara a tentativa da diretora de usar o empoderamento feminino como bandeira para dar o tom do filme e, sim, isso era importante, mas não essencial, pois a própria dinâmica da história já passaria a mensagem por si só se fosse bem trabalhada.
Para você ter uma idéia, o filme retrata uma Nova York no final dos anos 70, onde Kathy (Melissa McCarthy), Ruby (Tiffany Haddish) e Claire (Elisabeth Moss) estão casadas com mafiosos irlandeses que comandam os negócios em Hell's Kitchen (exato, o mesmo cenário do Demolidor). Quando seus maridos são presos após um assalto mal sucedido, o trio fica a mercê do novo chefe local, Little Jackie (Myk Watford), que se recusa repassar o dinheiro necessário para o sustento delas e de suas famílias. Entendendo que a situação apenas pioraria com o tempo, Kathy, Ruby e Claire decidem então unir forças para tomar o poder do bairro, oferecendo apoio e proteção aos pequenos comerciantes locais. O poder do trio cresce tanto, que além de começar a incomodar Little Jackie, também chama a atenção da máfia italiana no Brooklin. A partir daí inicia-se uma guerra, onde as três mulheres precisam resolver as diferenças entre elas ao mesmo tempo que procuram se estabelecer no poder e impedir que os homens possam, de alguma forma, retomar os negócios.
"Rainhas do Crime" tem no seu elenco, o maior trunfo. O trio de protagonistas realmente faz a diferença. Destaque para Elisabeth Moss (The Handmaid's Tale) que usa o silêncio como forma de expressão, capaz de passar todo o sentimento de opressão que sua personagem viveu durante seu casamento só com o olhar. Já Melissa McCarthy usa e abusa da sua capacidade de se questionar a todo momento e isso gera uma sensação de insegurança que cai como uma luva para sua personagem. E por fim, Tiffany Haddish, um surpreendente trabalho se levarmos em consideração que sua praia é a comédia! É importante dizer que a diretora Andrea Berloff é competente no que se propõe a fazer, embora eu tenha achado suas escolhas conceituais muito superficiais, o filme que ela entrega é divertido de se assistir. O roteiro derrapa um pouquinho, não desenvolve muito bem as personagens e suas motivações são rapidamente apresentadas (e resolvidas). Faltou um pouco da jornada de transformação e isso fez falta. Um detalhe que me incomodou foi a tentativa do plot twist do 3º ato que envolveu a personagem "Ruby" - tudo foi tão mal construído que pareceu idéia do montador e não do roteirista e essa escolha prejudicou demais o final do filme. Digamos que ficou tudo atropelado!
O fato é que "Rainhas do Crime" perdeu uma grande oportunidade de ser um grande filme. Com esse elenco, um pouco mais de violência e um conceito visual com mais identidade, certamente, o filme faria muito mais barulho. Sinceramente pareceu que o propósito pessoal da diretora se tornou maior que a sua própria obra e isso imprimiu na tela e vem gerando muitas críticas. Uma pena, eu até gostei do filme, me diverti, mas de fato a impressão que ficou é que "Rainhas do Crime" não decola. Acho o até que a história é tão boa que funcionaria muito melhor se tivesse sido desenvolvida como série. Como filme, um entretenimento para um dia chuvoso.
A adaptação da HQ "The Kitchen", da Vertigo, pela estreante na direção Andrea Berloff (indicada ao Oscar pelo roteiro de Straight Outta Compton: A História do N.W.A), é boa, mas poderia ser melhor. "Rainhas do Crime" é um exemplo claro de uma história com enorme potencial que é transformada em um bom filme, nada mais que isso. O que poderia ser o grande mérito da produção acabou se transformando no seu maior problema. É clara a tentativa da diretora de usar o empoderamento feminino como bandeira para dar o tom do filme e, sim, isso era importante, mas não essencial, pois a própria dinâmica da história já passaria a mensagem por si só se fosse bem trabalhada.
Para você ter uma idéia, o filme retrata uma Nova York no final dos anos 70, onde Kathy (Melissa McCarthy), Ruby (Tiffany Haddish) e Claire (Elisabeth Moss) estão casadas com mafiosos irlandeses que comandam os negócios em Hell's Kitchen (exato, o mesmo cenário do Demolidor). Quando seus maridos são presos após um assalto mal sucedido, o trio fica a mercê do novo chefe local, Little Jackie (Myk Watford), que se recusa repassar o dinheiro necessário para o sustento delas e de suas famílias. Entendendo que a situação apenas pioraria com o tempo, Kathy, Ruby e Claire decidem então unir forças para tomar o poder do bairro, oferecendo apoio e proteção aos pequenos comerciantes locais. O poder do trio cresce tanto, que além de começar a incomodar Little Jackie, também chama a atenção da máfia italiana no Brooklin. A partir daí inicia-se uma guerra, onde as três mulheres precisam resolver as diferenças entre elas ao mesmo tempo que procuram se estabelecer no poder e impedir que os homens possam, de alguma forma, retomar os negócios.
"Rainhas do Crime" tem no seu elenco, o maior trunfo. O trio de protagonistas realmente faz a diferença. Destaque para Elisabeth Moss (The Handmaid's Tale) que usa o silêncio como forma de expressão, capaz de passar todo o sentimento de opressão que sua personagem viveu durante seu casamento só com o olhar. Já Melissa McCarthy usa e abusa da sua capacidade de se questionar a todo momento e isso gera uma sensação de insegurança que cai como uma luva para sua personagem. E por fim, Tiffany Haddish, um surpreendente trabalho se levarmos em consideração que sua praia é a comédia! É importante dizer que a diretora Andrea Berloff é competente no que se propõe a fazer, embora eu tenha achado suas escolhas conceituais muito superficiais, o filme que ela entrega é divertido de se assistir. O roteiro derrapa um pouquinho, não desenvolve muito bem as personagens e suas motivações são rapidamente apresentadas (e resolvidas). Faltou um pouco da jornada de transformação e isso fez falta. Um detalhe que me incomodou foi a tentativa do plot twist do 3º ato que envolveu a personagem "Ruby" - tudo foi tão mal construído que pareceu idéia do montador e não do roteirista e essa escolha prejudicou demais o final do filme. Digamos que ficou tudo atropelado!
O fato é que "Rainhas do Crime" perdeu uma grande oportunidade de ser um grande filme. Com esse elenco, um pouco mais de violência e um conceito visual com mais identidade, certamente, o filme faria muito mais barulho. Sinceramente pareceu que o propósito pessoal da diretora se tornou maior que a sua própria obra e isso imprimiu na tela e vem gerando muitas críticas. Uma pena, eu até gostei do filme, me diverti, mas de fato a impressão que ficou é que "Rainhas do Crime" não decola. Acho o até que a história é tão boa que funcionaria muito melhor se tivesse sido desenvolvida como série. Como filme, um entretenimento para um dia chuvoso.
"Raymond e Ray" é ótimo, porém (e esse tipo de filme sempre tem um "porém") só um nicho muito específico vai se conectar com o drama que o diretor colombiano Rodrigo García (de "Santa Evita") apresenta. Digo isso pois a dinâmica narrativa é bastante cadenciado, focada em dois personagens-chave, que se alternam entre a dor da perda do pai e a raiva de carregar os fantasmas do passado durante toda a vida! Sim, o filme fala sobre o "luto", mas com camadas muito mais profundas que um simples ritual de despedida ou de entendimento do "fim" - e acredite: isso vai te tocar!
Dois meio-irmãos, Raymond (Ewan McGregor) e Ray (Ethan Hawke) se reencontram no funeral de seu pai, ambos lutando com o legado de seu relacionamento difícil com um pai exigente e pouco amoroso. De alguma forma, o funeral se torna uma chance para eles se reinventarem e entenderem que onde existe raiva, dor e loucura, também pode haver amor e uma pitada de senso de humor. Confira o trailer (em inglês):
"Raymond e Ray" pode ser considerado um equilibrado e bem desenvolvido "drama de relação" (nesse caso familiar e não de um casal), no entanto o roteiro escrito pelo próprio Garcia (que é filho do grande Gabriel Garcia Marquez) tem um pé no melodrama que deve afastar os mais céticos - não que isso seja ruim, mas é impossível não levar em consideração os reflexos na performance do elenco: as caras e bocas de McGregor e o esforço descomunal de Hawke para encontrar o tom do seu sofrimento, são dois bons exemplos.
Ao se apoiar na premissa da "busca por um inevitável acerto de contas", o roteiro acaba caindo na natural armadilha de fazer com que tudo termine bem, porém é de se elogiar que o caminho escolhido para isso traga uma realidade pontualmente dolorosa para a história e mesmo que soe distante, nos conecte aos personagens. Rodrigo García dá espaço para que os personagens imponham suas inseguranças e mesmo com diálogos superficiais, é possível entender o quanto enterrar aquele pai é difícil - ao nos mostrar as falhas de caráter desse ser humano egoísta e amado ao mesmo tempo, entendemos nas atitudes de seus filhos, os reflexos de quem só experienciou um lado dessa moeda. Se você se permitir, não será uma vez que você se colocará no lugar de Raymond ou de Ray!
Muito bem fotografado pelo Igor Jadue-Lillo (de "Minhas Mães e Meu Pai"), "Raymond e Ray" é belíssimo visualmente e muito consistente como trama de transformação. Até em suas derrapadas (e elas existem), é possível perceber que a química entre os protagonistas funciona para mover o filme na direção correta. Ele é lento? Sim. Chato? Para alguns será. No entanto existe uma certa franqueza nessa jornada que gera identificação e por isso empatia - elementos narrativos essenciais para um drama como esse! Funcionou!
"Raymond e Ray" é ótimo, porém (e esse tipo de filme sempre tem um "porém") só um nicho muito específico vai se conectar com o drama que o diretor colombiano Rodrigo García (de "Santa Evita") apresenta. Digo isso pois a dinâmica narrativa é bastante cadenciado, focada em dois personagens-chave, que se alternam entre a dor da perda do pai e a raiva de carregar os fantasmas do passado durante toda a vida! Sim, o filme fala sobre o "luto", mas com camadas muito mais profundas que um simples ritual de despedida ou de entendimento do "fim" - e acredite: isso vai te tocar!
Dois meio-irmãos, Raymond (Ewan McGregor) e Ray (Ethan Hawke) se reencontram no funeral de seu pai, ambos lutando com o legado de seu relacionamento difícil com um pai exigente e pouco amoroso. De alguma forma, o funeral se torna uma chance para eles se reinventarem e entenderem que onde existe raiva, dor e loucura, também pode haver amor e uma pitada de senso de humor. Confira o trailer (em inglês):
"Raymond e Ray" pode ser considerado um equilibrado e bem desenvolvido "drama de relação" (nesse caso familiar e não de um casal), no entanto o roteiro escrito pelo próprio Garcia (que é filho do grande Gabriel Garcia Marquez) tem um pé no melodrama que deve afastar os mais céticos - não que isso seja ruim, mas é impossível não levar em consideração os reflexos na performance do elenco: as caras e bocas de McGregor e o esforço descomunal de Hawke para encontrar o tom do seu sofrimento, são dois bons exemplos.
Ao se apoiar na premissa da "busca por um inevitável acerto de contas", o roteiro acaba caindo na natural armadilha de fazer com que tudo termine bem, porém é de se elogiar que o caminho escolhido para isso traga uma realidade pontualmente dolorosa para a história e mesmo que soe distante, nos conecte aos personagens. Rodrigo García dá espaço para que os personagens imponham suas inseguranças e mesmo com diálogos superficiais, é possível entender o quanto enterrar aquele pai é difícil - ao nos mostrar as falhas de caráter desse ser humano egoísta e amado ao mesmo tempo, entendemos nas atitudes de seus filhos, os reflexos de quem só experienciou um lado dessa moeda. Se você se permitir, não será uma vez que você se colocará no lugar de Raymond ou de Ray!
Muito bem fotografado pelo Igor Jadue-Lillo (de "Minhas Mães e Meu Pai"), "Raymond e Ray" é belíssimo visualmente e muito consistente como trama de transformação. Até em suas derrapadas (e elas existem), é possível perceber que a química entre os protagonistas funciona para mover o filme na direção correta. Ele é lento? Sim. Chato? Para alguns será. No entanto existe uma certa franqueza nessa jornada que gera identificação e por isso empatia - elementos narrativos essenciais para um drama como esse! Funcionou!