Embora o último Big Brother Brasil tenha batido recorde de inscrições, nem todo mundo está disposto (ainda) a abrir mão da sua privacidade para ter a intimidade exposta em rede nacional durante as férias de verão da garotada. Porém, entra ano, sai ano, a tecnologia e os costumes mudam. O limite do que era privado, se afasta um pouco. E quando nos damos conta, tem o David Brasil postando stories no vaso sanitário. Isso a Globo não mostra. Talvez a Record sim. Esse voyeurismo midiático primeiro penetrou nas nossas casas, e agora caminha conosco nos nossos bolsos. Pode-se acompanhar, vinte quatro horas por dia, o que o crush ou o famoso favorito está fazendo, em primeira mão, numa verdadeira novela da vida real. Mas e os formatos? Como ficam com essa explosão de realidades?
A primeira onda deles era uma mera curiosidade, a novidade inocente das candid cameras, inspiradas no cinema verité europeu. Em um post anterior trouxe um exemplo clássico dessa fase, a série Up.
A segunda onda, leva em consideração o poder de alcance de uma mídia global, sempre em busca do novo, preferencialmente a um custo baixo. A TV aberta nesta época já está consolidada e agora tenta se ajeitar com sua irmã mais nova, a TV paga e seus múltiplos canais. Muitos espaços na grade de programação e pouco dinheiro para produzir.
A solução, a princípio, eram reprises de filmes e séries antigas, mas aos poucos surgem os primeiro sinais dessa nova fase, como "Real World" na MTV. A ideia de colocar um bando de jovens numa casa, similar a uma república estudantil no Brasil, e registrar o dia a dia deles, os ritos de passagem para a vida adulta, parecia um convite ao tédio. Mas a ousadia funcionou. E o público se identificou com aqueles "personagens". E estes passaram a ser convidados para festas, eventos e palestras (coisa comum e até esperada entre os brothers atuais). Da noite para o dia, pessoas comuns se tornavam celebridades. Muitas delas pulando de um reality para outro, dando origem ao termo celebriality, o divisor de águas para os formatos deste gênero.
Elenco da 1ª Temporada de Real World em 1992
A coisa evolui (ou involui), a concorrência aumenta, a fragmentação da audiência começa a despontar no horizonte. É preciso fabricar mais personagens. E eles vão se tornando cada vez mais excêntricos. Uma jovem norte-americana tem sua intimidade exposta na Internet por uma sex tape. Não é a primeira nem a última a sofrer esse tipo de coisa. Mas esta soube aproveitar a oportunidade e o espírito do tempo para se transformar, junto com toda a família, numa das franquias mais lucrativas e longevas da TV, os Kardashians. São desbravadores. E abrem caminho para crianças em concursos de beleza (Honey Boo Boo), criadores de patos (Duck Dinasty), anões (são tantos exemplos que me recuso a listar) e até, claro, gente pelada (Largados e Pelados, Buying Naked, The Naked Office, Dating Naked, Naked Attraction, etc). Basta assistir um episódio da primeira temporada do BBB e comparar com um episódio de "De Férias com Ex" em 2019 para entender o abismo entre essas fases (aconselho o exercício).
Entra em cena o smartphone e, em seguida as redes sociais. Agora o inimigo é outro, diria um certo capitão. A vida da Kylie, da Kendall, da Kim e da Marquezine são fruto de desejo, mas a vida do vizinho é muito mais interessante de acompanhar, comparar e criticar. Concorrência pesada, segundo os produtores. O que resta a explorar?
A nova fronteira não é externa, mas interna. Quando todos olham para fora, nos resta olhar para dentro. E assim nos aproximamos da terceira fase dos reality shows. Agora os barracos e a baixaria dividem espaço com programas sobre aflições íntimas, autoafirmação, aceitação, e consciência de que somos únicos em nossas diferenças.
Keeping Up With The Kardashians, Temporada 15
No último post trouxe um exemplo dessa nova safra, "Couples Therapy", com casais abrindo seus corações para uma terapeuta e para os telespectadores. Os sinais apontam nessa direção. Fotos incríveis no Instagram não bastam. Precisa-se de angústias. O ápice do desapego. Com isso, chegamos ao fundo do poço? Não.
Sempre haverá novidades na indústria (e na sociedade). Formatos em realidade virtual (que apelidei de virtuality shows), realidade ampliada, mista, formatos personalizados via big data. Todos eles invadindo um pouco mais a existência de seus participantes, internality shows.
Até o dia em que compartilharemos memórias, emoções, histórias e conhecimento automaticamente, de mentes para mentes. Talvez aí seja o fim da jornada para o que hoje conhecemos como reality shows e como privacidade. Talvez.