Para quem não sabe, trabalho com criação e desenvolvimento de Formatos desde 2007 - literalmente quando isso tudo aqui era mato! Eram outros tempos, não existia no Brasil uma cultura de desenvolvimento de projetos que pudessem ser escalados e produzidos em outros países a partir de uma "receita original" que chamamos de "bíblia". Nossas referências eram basicamente o Big Brother e grandes empresas como Endemol e Fremantle. Após anos frequentando o maior evento de cinema e televisão da América Latina, na época chamado de Rio Content Market, era fácil perceber a miopia do Mercado em relação ao excelente negócio que poderia se transformar um Formato de sucesso. Sabe o conceito de Startup que está tão na moda hoje em dia? Pois é, desenvolver Formato é mais ou menos igual: criar algo novo (ou melhor), validar (no seu mercado) e depois, com esse primeiro retorno positivo, escalar (ganhar o mundo e algum dinheiro)! Só que em 2014 - isso mesmo: sete anos depois que comecei a trabalhar com Formatos, tivemos apenas dois painéis sobre o assunto e em uma salinha bem pequinininha no hotel que acontecia Rio Content Market: uma com Patty Geneste, CEO de Absolut Independent (agora Nordic) e Presidente de FRAPPA e outra com a Tracy Forsyth, VP Commissioning da BBC.
O Formato como Negócio tinha apenas um caminho e era de fora para dentro! Me lembro de ir em muitas reuniões em grandes emissoras e ouvir dos executivos que a idéia (modo de falar, porque já era um projeto desenvolvido) era muito boa, mas que seria muito arriscado produzir algo que não tivesse sido testado ainda - em 2007 todo mundo queria um novo Big Brother (essa continuava sendo a referência de Formato), mas ninguém queria ser o primeiro a investir! Inovar sem se arriscar não existe - mas os executivos da época não compreendiam muito bem essa equação! Os anos se passaram e, claro, que produzir Formatos já validados lá fora acabaram ganhando ainda mais força, se tornando uma excelente estratégia "custo x benefício" para chamar a atenção da audiência. Os caros reality-shows de confinamento foram dando cada vez mais espaço para games e documentários completamente repaginados e adaptados a essa nova forma de enxergar o produto como mecanismo de globalização de conteúdo e monetização em escala.
Muitas empresas que antes só negociavam produtos estrangeiros começaram a criar e desenvolver Formatos por aqui, entendendo o enorme potencial criativo que sempre tivemos e adaptando os processos baseado na nossa cultura de produção. Sempre fizemos isso, só não sabíamos "empacotar" de uma forma atraente e segura para poder negociar lá fora! Com a maturidade do mercado fomos ganhando força e hoje, seguramente, temos condições de nos tornarmos referência na criação e no business. Acontece que esse processo, um pouco tardio para nós, gerou uma certa sobreoferta de formatos estrangeiros, popularizando muitos produtos que antes eram mais difíceis de conhecer e que hoje se tornaram ótimas referências de entretenimento para um público muito grande. O que eu quero dizer é que sempre foi a partir de referências que começávamos a desenvolver um novo Formato - o problema é que a falta de conhecimento sobre o processo, aqui no Brasil, muitas vezes, é considerado falta de originalidade ou, pior, cópia! Existem elementos-chaves no processo de criação e desenvolvimento de um Formato (os chamados Elementos de Formato) que precisam, no conjunto, se diferenciar de um outro produto. Vou citar como exemplo um Formato que criei em 2010 e que em outubro de 2012 me fez postar um comentário no Facebook:
Em uma pesquisa para um outro projeto eu me deparei com esse vídeo:
Era o teaser de lançamento do "The Taste" nos EUA - que inclusive teve o Formato adaptado no Brasil pela Moonshot Pictures para GNT e com o mesmo Claude Troisgros de "Mestre do Sabor". É claro que se compararmos o meu texto com o vídeo, vamos encontrar similaridades entre as duas idéias, mas isso acontece pelo simples fato de que percebemos um potencial de entretenimento em várias referências em comum - talvez o meu mérito tenha sido perceber isso antes, enquanto o mérito dos caras tenha sido produzir isso antes! No post acima, quando cito que meu Formato seria um "The Voice Gastronômico" não impede que o Boninho parta da mesma referência para criar o seu "Mestre do Sabor", pois o principio é exatamente o mesmo de outros processos criativos. Se um crítico diz que "Master Chef" ou "Top Chef" são parecidos (e realmente são) e que agora o projeto da Globo tem alguns elementos que remetem a esses projetos; eu afirmo: sim, e é esse é o nosso trabalho, buscar e entender as tendências do nosso mercado, hackear, decodificar, adaptar e experimentar dentro de uma nova dinâmica narrativa em um processo extremamente complexo que é o de criar um Formato!
O fato é que "Mestre do Sabor" é um ótimo Formato, usa muito bem os "elementos" do "The Voice" - como a forma de seleção dos competidores e a maneira como apresenta as histórias de vida dos personagens. O Claude Troisgros, além de gênio na cozinha, é um cara extremamente carismático, adora se relacionar com pessoas e com suas histórias - muito acertada sua escalação. Os jurados são chefs incríveis, talvez ainda se acostumando com a TV, mas OK, estão cumprindo muito bem o seu papel e devem ganhar mais protagonismo durante a temporada. O primeiro episódio foi interessante, dinâmico, bem produzido, bem montado e muito original - Boninho é um craque nisso! Sim, precisa de um ou outro ajuste, natural de uma primeira temporada - O Batista, por exemplo, é muito carismático também, mas está sem função nenhuma no palco.
José Avillez, Leo Paixão, Kátia Barbosa, Claude Troisgros e Batista
"Mestre do Sabor" foi original porque soube trabalhar em cima das suas referências e foi capaz de transformá-las em algo novo: em novos Elementos de Formato. É preciso aguardar a continuidade da temporada para ter a certeza de que a dinâmica vai se sustentar, pois a competição ainda nem começou, mas tem tudo para dar certo! Pelo que vi no episódio de estreia, eu indico de olhos fechados. Vale a pena!