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Sexta, 28 Junho 2019 11:21

Primeiras Impressões - O potencial enorme de "O Escolhido"

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Adaptação de uma série mexicana chamada Niño Santo, "O Escolhido" chegou a Netflix nessa sexta-feira pelas mãos dos competentes Raphael Draccon e Carolina Munhóz, direção de Michel Tikhomiroff e produção da Mixer. Assistimos os três primeiros episódios em uma sentada e o que encontramos é um projeto de muito potencial. Confira:

Antes de mais nada é de se ressaltar a coragem da Netflix em produzir uma série como essa no Brasil. "O Escolhido" é de uma complexidade de produção enorme e isso fica muito claro já nas primeiras cenas. Posso garantir porque já estive lá: filmar um projeto como esse é "osso"!!! 

Bom, vamos lá: de cara, chama atenção a qualidade do texto - a  história é realmente boa e te prende rapidamente! Se você gosta do gênero é impossível não te remeter à referências de "Lost" ou da série de jogos "Far Cry" e é aí que a coisa complica um pouco. Trabalhar em um gênero que te trás referências tão pesadas, nos leva a fazer comparações que muitas vezes podem soar injustas, então vou tomar o cuidado de colocar os devidos pontos respeitando a realidade de produção que nós temos por aqui. O que posso afirmar é que, com um orçamento maior e pequenos ajustes, "O Escolhido" tem potencial para fazer história!

Por muito tempo existiu uma pressão na TV americana (o que prejudicou muitas séries, inclusive) de que se produzisse um "novo Lost" - vieram "Flashfowrd", "The Event", "Primeval", "Alcatraz" (?) e mais recentemente "Manisfest"!!! Nenhuma delas vigou porque, embora as premissas fossem boas, não se faz um "Lost" todo ano. Aliás, se você quiser conhecer a história da criação e do processo de aprovação de Lost pela ABC, clique aqui! "Lost" é um divisor de águas, uma troca de patamar que reverbera até hoje, quase dez anos depois do seu final. Embora tenha derrapado em alguns momentos, "Lost" trabalhava elementos sobrenaturais, ciência e relacionamentos humanos com muita maestria. Os conceitos narrativos eram muito bem trabalhados o que nos surpreendia a cada episódio. Em "O Escolhido" percebi pontos semelhantes que me fizeram refletir sobre o potencial narrativo da série, um deles é o cliffhanger (o nosso popular "gancho"). "Lost" nos ensinou a escrever cenas finais que nos consumissem durante uma semana (às vezes por um ano) para saber o que aconteceria no próximo episódio - "O Escolhido" tem isso! "Lost" nos trouxe a eterna discussão do que era real, o que era sobrenatural, o que era ciência - "O Escolhido" tem isso. "Lost" nos presenteava com histórias paralelas dos personagens (os famosos flashbacks e depois os flashfowards) que ilustravam perfeitamente algumas das suas ações na Ilha - "O Escolhido" tem isso (mas aqui vai minha primeira crítica: isso poderia ser melhor trabalhado nos episódios para que fosse criado um vínculo ainda maior com os personagens - o que quero dizer é que algumas das ações aconteceram muito cedo, não tínhamos todos os elementos que nos fizesse se importar com eles como nos importávamos com um cara mal caráter como o Sawyer, por exemplo. O bacana de "O Escolhido" é que esse elemento está lá, só precisa ser ajustado!!! Agora, Flashback em PB não dá! O "color" está lindo, não é isso, tem até um elemento pontuado de cor em cada cena que descaracteriza o PB tradicional, mas mudar a cor para indicar que está mostrando algo que aconteceu no passado é muito ultrapassado - sei lá, filma com outra camera, uma super 8, uma Bolex, para ter uma mudança natural de textura ou deixa simplesmente alinhado ao presente, mesmo que isso cause uma confusão em quem assiste - é legal se confundir e depois entender  que aquilo tudo tinha uma razão, um conceito (Lost transitava tão bem nessa linha temporal, ia para trás, para frente, para um universo paralelo... e era tão bacana interpretar isso).

É de se entender a dificuldade em trabalhar só com atores com um orçamento, digamos, "limitado"! Mas a diferença é enorme quando você coloca uma excelente atriz como a Paloma Bernardi para contracenar com alguém do elenco de apoio local. Se queremos alcançar um certo patamar, precisamos cuidar melhor do nosso casting e aí imagino a dificuldade que foi montar uma estrutura no meio do nada que pudesse atender todas as demandas do roteiro com relação a isso. Índio é índio, não é ator (e se for, pior, porque não foram bem escolhidos ou bem preparados). Embora precise acertar um pouquinho o tom para não soar over demais, gostei do trabalho do Mariano Mattos Martins como Mateus e do Lourinelson Vladmir como Santiago.

 

O tom da série exige uma gramática cinematográfica bastante especifica e muitas vezes o desenho de produção não pode entregar o que o diretor precisa para poder desempenhar sua função como deveria, aí entra a criatividade. Eu não sei se a escolha conceitual pela câmera fixa foi a melhor. Tenho a impressão que nos momentos em que a câmera está mais solta a dinâmica da ação fluiu melhor. Me lembro que em "Lost", de repente, surgia alguém do nada e OK - no "O Escolhido", muitas vezes me pareceu estranho - acho que faltou o time certo. Mesma coisa quando ficamos na expectativa de quem vai sair do meio do mato, aquele suspense e tal... também acho que "Lost" me trouxe mais tensão - mas isso é daquelas coisas que um pequeno ajuste e a coisa voa!!! Uma coisa muito importante e que precisa de atenção é que "O Escolhido" não precisa mostrar tudo, a montagem me pareceu muito conservadora para uma série tão misteriosa que é - as vezes o plano mais aberto, onde não vemos exatamente o que está acontecendo é mais tenso do que cortar para o plano fechado só para mostrar exatamente aquela ação. Dá a impressão de se quer entregar tudo e aí perdemos a oportunidade daquela discussão quando acaba o episódio ou a temporada - alguém já esqueceu a primeira vez que Jacob apareceu em "Lost"?

Esses detalhes que podem passar despercebidos muitas vezes, nos geram a sensação de que algo está diferente do que vemos em séries americanas do mesmo gênero e isso acaba depondo contra nós - está claro, provado por A + B que podemos fazer algo diferente, bacana, menos burocrático. Acho, sinceramente, que "O Escolhido", por sua complexidade, foi uma das melhores apostas da Netflix por aqui e se me atentei a esses detalhes narrativos, estéticos e conceituais é porque finalmente temos um projeto com um potencial enorme e que vai servir para fomentar muitos outros! "Dark" foi produzido na Alemanha e mesmo com alguns efeitos ao melhor estilo "Chapolin Colorado" se tornou uma unanimidade - "O Escolhido" tem tudo para seguir o mesmo caminho, mas precisa entender suas limitações, resolve-las com criatividade e assumir, de uma vez por todas, o risco de criar uma identidade forte!

 

 

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