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Corpo e Alma

"Corpo e Alma" foi o representante Húngaro na disputa do Oscar 2018. Ele chegou com a validação por ter ganho o Urso de Ouro em Berlin em 2017. O filme conta a história de um homem e uma mulher, colegas de trabalho, que passam a se conhecer melhor e acabam descobrindo que eles sonham as mesmas coisas durante a noite. Com isso, eles decidem tornar essa relação incomum em algo real, apesar das dificuldades no mundo real. Confira o trailer:

"On Body and Soul" (título internacional)é tecnicamente muito bem realizado e tem uma história até que interessante - embora, tenha uma ou outra cena mais chocante envolvendo animais, porém apresentada de forma gratuita - muito mais para chocar do que para mover a história para frente. Até acho que faz algum sentido no contexto cruel daquele universo, mas, admito, marca demais!

Analisando isoladamente é um filme que te prende e te instiga assim que a trama central é apresentada. Os atores húngaros estão muito bem, com destaque para o Géza Morcsányi. Já a Alexandra Borbély, mais experiente, achei um pouco fora do tom, quase esteriotipada, mas como seu personagem pedia isso, certamente foi uma escolha justificada pelo contexto - penso que se não estivesse tão robótica ficaria mais fácil criar uma empatia. O fato é que em nenhum momento torci ou me preocupei com ela, talvez por isso não tenha gostado tanto do filme quanto gostei de "Loveless" e "The Square" que também estão na disputa pelo Oscar.

A diretora, Ildikó Enyedi, já havia ganho a Camera de Ouro em Cannes em 89 e vale a pena conhecer o trabalho dela. Ela não inventa, faz um cinema mais clássico e com muita qualidade. Gostei!

No geral, o filme é bacana. O cinema húngaro foi um novidade para mim, mas eu gostei do que vi e por isso indico tranquilamente!

Assista Agora

"Corpo e Alma" foi o representante Húngaro na disputa do Oscar 2018. Ele chegou com a validação por ter ganho o Urso de Ouro em Berlin em 2017. O filme conta a história de um homem e uma mulher, colegas de trabalho, que passam a se conhecer melhor e acabam descobrindo que eles sonham as mesmas coisas durante a noite. Com isso, eles decidem tornar essa relação incomum em algo real, apesar das dificuldades no mundo real. Confira o trailer:

"On Body and Soul" (título internacional)é tecnicamente muito bem realizado e tem uma história até que interessante - embora, tenha uma ou outra cena mais chocante envolvendo animais, porém apresentada de forma gratuita - muito mais para chocar do que para mover a história para frente. Até acho que faz algum sentido no contexto cruel daquele universo, mas, admito, marca demais!

Analisando isoladamente é um filme que te prende e te instiga assim que a trama central é apresentada. Os atores húngaros estão muito bem, com destaque para o Géza Morcsányi. Já a Alexandra Borbély, mais experiente, achei um pouco fora do tom, quase esteriotipada, mas como seu personagem pedia isso, certamente foi uma escolha justificada pelo contexto - penso que se não estivesse tão robótica ficaria mais fácil criar uma empatia. O fato é que em nenhum momento torci ou me preocupei com ela, talvez por isso não tenha gostado tanto do filme quanto gostei de "Loveless" e "The Square" que também estão na disputa pelo Oscar.

A diretora, Ildikó Enyedi, já havia ganho a Camera de Ouro em Cannes em 89 e vale a pena conhecer o trabalho dela. Ela não inventa, faz um cinema mais clássico e com muita qualidade. Gostei!

No geral, o filme é bacana. O cinema húngaro foi um novidade para mim, mas eu gostei do que vi e por isso indico tranquilamente!

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Dois Dias, Uma Noite

Você aceitaria mil euros se soubesse que esse bônus resultaria no desligamento de uma colega de trabalho, que precisa do salário para ajudar sua família? Sim, eu sei que a resposta pode até parecer simples se olharmos pela perspectiva do "politicamente correto", no entanto a vida não é  "politicamente correta"! "Dois Dias, Uma Noite", filme que levou sua protagonista, Marion Cotillard, para a disputa do Oscar de "Melhor Atriz" em 2015 e que ganhou mais de quarenta e um prêmios em festivais ao redor do globo, é um verdadeiro mergulho pela complexidade das relações humanas. Dirigido pelos mestres belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne (de "A Garota Desconhecida"), este filme transcende as fronteiras do drama social, adentrando profundamente na alma de quem luta por alguma dignidade quando o único caminho disponível para a sobrevivência é o trabalho. Indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes e aclamado pela crítica, essa é uma narrativa que ecoa na consciência da audiência, despertando reflexões interessantes sobre solidariedade, ética e o poder da resiliência. Se você busca um filme com uma identidade mais autoral, envolvente (mesmo dentro de uma certa cadência) e capaz explorar os cantos mais sombrios da condição humana, eu diria que esse play é fundamental!

Em "Deux Jours, Une Nuit" (no original) conhecemos Sandra (Marion Cotillard), uma operária de fábrica que ao retornar de uma licença médica descobre que seus colegas optaram por receber um bônus de mil euros em troca de sua demissão. Desesperada, Sandra tem apenas dois dias e uma noite para convencer seus colegas a desistirem do bônus para que ela mantenha seu emprego e assim consiga sustentar sua família com dignidade. Confira o trailer:

Com essa premissa aparentemente simples, a narrativa constrói um cenário perfeito para uma jornada emocional e ética muito provocativa. O mérito disso está na maneira habilidosa como os Dardenne desafiam nossas noções preconcebidas de certo e errado, nos deixando um questionamento legítimo sobre nossas possíveis escolhas e compromissos perante uma situação tão delicada. Veja, a câmera nunca se afasta de Sandra em sua odisseia, capturando cada nuance de sua luta interior e o como ela precisa lidar, olho no olho, com seus colegas de trabalho - embora em um primeiro olhar possa parecer repetitiva, essa estratégia narrativa nada mais é que um inteligente recorte social das relações humanas sob diferentes níveis de entendimento. 

A escolha por uma abordagem mais realista, minimalista talvez, só amplifica a autenticidade da história, criando conexão imediata com a protagonista de uma forma visceral - os dilemas enfrentados por ela realmente nos machucam, ou seja, acompanhar Sandra lidando com aquela dor não é uma jornada das mais tranquilas. É aí que entra a performance magistral de Cotillard - ela adiciona uma série de camadas, com uma profundidade emocional impressionante, tornando sua personagem uma figura universalmente reconhecível tanto em sua vulnerabilidade quanto em sua determinação. Nesse sentido, a cinematografia de Alain Marcoen (de "Rosetta") soa até despojada, enquanto a trilha sonora complementa perfeitamente a atmosfera emocional do filme - repare como essa combinação cria sensações tão particulares perante o cotidiano implacável de Sandra e nos mantém interessados em saber como tudo vai acabar.

Sem julgamentos morais simplistas, "Dois Dias, Uma Noite" é um testemunho poderoso sobre a resiliência e a capacidade (ou a falta) de compaixão. É uma jornada cinematográfica que ressoa muito além da tela, deixando uma discussão pertinente sobre a estrutura moral e ética do ser humano, onde uma situação de medo (que certamente já tomou conta de todo trabalhador ao menos uma vez na vida, especialmente se ele tem uma família para sustentar) se transforma em um lembrete comovente sobre a fragilidade e a falta de responsabilidade que temos como sociedade "saudável".

Vale muito o seu play!

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Você aceitaria mil euros se soubesse que esse bônus resultaria no desligamento de uma colega de trabalho, que precisa do salário para ajudar sua família? Sim, eu sei que a resposta pode até parecer simples se olharmos pela perspectiva do "politicamente correto", no entanto a vida não é  "politicamente correta"! "Dois Dias, Uma Noite", filme que levou sua protagonista, Marion Cotillard, para a disputa do Oscar de "Melhor Atriz" em 2015 e que ganhou mais de quarenta e um prêmios em festivais ao redor do globo, é um verdadeiro mergulho pela complexidade das relações humanas. Dirigido pelos mestres belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne (de "A Garota Desconhecida"), este filme transcende as fronteiras do drama social, adentrando profundamente na alma de quem luta por alguma dignidade quando o único caminho disponível para a sobrevivência é o trabalho. Indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes e aclamado pela crítica, essa é uma narrativa que ecoa na consciência da audiência, despertando reflexões interessantes sobre solidariedade, ética e o poder da resiliência. Se você busca um filme com uma identidade mais autoral, envolvente (mesmo dentro de uma certa cadência) e capaz explorar os cantos mais sombrios da condição humana, eu diria que esse play é fundamental!

Em "Deux Jours, Une Nuit" (no original) conhecemos Sandra (Marion Cotillard), uma operária de fábrica que ao retornar de uma licença médica descobre que seus colegas optaram por receber um bônus de mil euros em troca de sua demissão. Desesperada, Sandra tem apenas dois dias e uma noite para convencer seus colegas a desistirem do bônus para que ela mantenha seu emprego e assim consiga sustentar sua família com dignidade. Confira o trailer:

Com essa premissa aparentemente simples, a narrativa constrói um cenário perfeito para uma jornada emocional e ética muito provocativa. O mérito disso está na maneira habilidosa como os Dardenne desafiam nossas noções preconcebidas de certo e errado, nos deixando um questionamento legítimo sobre nossas possíveis escolhas e compromissos perante uma situação tão delicada. Veja, a câmera nunca se afasta de Sandra em sua odisseia, capturando cada nuance de sua luta interior e o como ela precisa lidar, olho no olho, com seus colegas de trabalho - embora em um primeiro olhar possa parecer repetitiva, essa estratégia narrativa nada mais é que um inteligente recorte social das relações humanas sob diferentes níveis de entendimento. 

A escolha por uma abordagem mais realista, minimalista talvez, só amplifica a autenticidade da história, criando conexão imediata com a protagonista de uma forma visceral - os dilemas enfrentados por ela realmente nos machucam, ou seja, acompanhar Sandra lidando com aquela dor não é uma jornada das mais tranquilas. É aí que entra a performance magistral de Cotillard - ela adiciona uma série de camadas, com uma profundidade emocional impressionante, tornando sua personagem uma figura universalmente reconhecível tanto em sua vulnerabilidade quanto em sua determinação. Nesse sentido, a cinematografia de Alain Marcoen (de "Rosetta") soa até despojada, enquanto a trilha sonora complementa perfeitamente a atmosfera emocional do filme - repare como essa combinação cria sensações tão particulares perante o cotidiano implacável de Sandra e nos mantém interessados em saber como tudo vai acabar.

Sem julgamentos morais simplistas, "Dois Dias, Uma Noite" é um testemunho poderoso sobre a resiliência e a capacidade (ou a falta) de compaixão. É uma jornada cinematográfica que ressoa muito além da tela, deixando uma discussão pertinente sobre a estrutura moral e ética do ser humano, onde uma situação de medo (que certamente já tomou conta de todo trabalhador ao menos uma vez na vida, especialmente se ele tem uma família para sustentar) se transforma em um lembrete comovente sobre a fragilidade e a falta de responsabilidade que temos como sociedade "saudável".

Vale muito o seu play!

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Dor e Glória

Antes de mais nada é preciso deixar claro que "Dor e Glória" é um filme do Almodóvar na sua forma e no seu conteúdo!

Primeiro vamos falar do conteúdo: o filme conta a história do diretor de cinema Salvador Mallo (Antonio Banderas) que vive mergulhado em uma amarga melancolia graças à fortes dores no seu corpo, principalmente nas costas, impossibilitando-o, inclusive, de amarrar seu tênis. Essa condição acaba impedindo Salvador de trabalhar normalmente, já que ele mesmo defende que a dinâmica de um set de filmagem requer muita energia, dedicação e saúde - elementos que ele não encontra mais em si! Conformado com sua nova condição, o cineasta é provocado a passar por um dolorido processo de auto-análise, se obrigando a revisitar o passado na busca de um único objetivo: encontrar o caminho para continuar sua vida, em paz!

Sim, "Dor e Glória" é um filme de enorme reflexão, saudosista e até egocêntrico (no melhor sentido da palavra), já que Salvador Mallo é o alter-ego do próprio Pedro Almodóvar, mas a forma (e é claro que vamos falar mais dela logo abaixo) como ele conduz sua história mexe com a gente, pois é impossível não pensar na nossa própria vida. Essa dinâmica é tão inteligente que projetamos um filme a cada assunto (ou momento) em que ele precisa enfrentar seus "demônios" e a entrega que ele faz no final é só mais um belíssimo detalhe para um fechamento com chave de ouro!

Olha, vale muito a pena se você estiver disposto a enfrentar um filme mais cadenciado, sem uma dinâmica narrativa que possa empolgar, mas que tem no texto e, principalmente, no subtexto, uma espécie de imersão emocional muito genuína e reflexiva! É preciso gostar de Almodóvar para não se decepcionar!

Quando partimos do princípio que Salvador já teve seus momentos de glória e que agora ele só consegue enxergar (ou sentir) a dor, física e emocional, facilmente nos conectamos com o belíssimo trabalho do Antonio Banderas - indicado ao Oscar por esse trabalho. Ele está impecável como Salvador Mallo e é preciso dar muito mérito ao Almodóvar por isso - ele é um exímio diretor de atores e foi capaz de tirar o melhor de um Banderas completamente mergulhado na psiquê do seu mentor e amigo. É muito interessante o contraste que o ator conseguiu imprimir no seu personagem: se por um lado ele está rodeado de cores vivas, arte e conforto, por outro lado ele está sozinho e é incapaz de se conectar com a forma com que ele via (e vivia) a vida - o fato do apartamento de Salvador ser do próprio Almodóvar, só fortalece essa sensação de conflito interno! Um detalhe interessante do roteiro (e que nos faz pensar em várias passagens do filme) é como a vida não nos permite "jogar a sujeira para baixo do tapete"; em algum momento ela vai trabalhar para que a gente possa, finalmente, resolver essas pendências. É muito inteligente como os "nós" vão sendo desatados sem precisar forçar a barra e quando achamos que existe um certo exagero (o que até seria perdoável pelo estilo do diretor) ele nos explica com um único movimento de câmera, exatamente na última cena - e tudo faz mais sentido! Genial! O roteiro toca em pontos delicados como a percepção sobre o homossexualismo logo na infância, a relação com a religião, com as drogas, com a mãe, com os parceiros de trabalho e de vida; enfim, tudo está lá e muito bem amarrado - eu não teria ficado surpreso se fosse indicado para o Oscar de melhor roteiro original!

A fotografia do seu parceiro de longa data (mais um), Jose Luis Alcaine, segue sua gramática visual: das cores vivas, do contraste, dos planos abertos e da câmera fixa em 90% do filme - enquadramentos que parecem uma pintura estão lá também! Outro elemento que precisa ser destacado é o elenco que, além de Bandeiras, conta com um Asier Etxeandia (Por siempre Jamón e Velvet) como o ator Alberto Crespo que ficou 30 anos brigado com Salvador por desentendimentos criativos (e de comportamento) e pela participação cirúrgica de Penélope Cruz (Volver) eJulieta Serrano (Cuando vuelvas a mi lado) como a mãe de Salvador, Jacinta: a primeira na juventude e a segunda pouco antes de sua morte - aliás o diálogo entre Jacinta e Salvador no final do filme é algo digno de muitos prêmios, de roteiro e de atuação!

"Dor e Glória" é um filme que teria mais chances no Oscar não fosse o fenômeno "Parasita". Sua história é profunda, baseada em um roteiro inteligente e em um personagem muito bem construído pelo Antonio Banderas. A direção do Pedro Almodóvar é tecnicamente perfeita e cheia de detalhes quase imperceptíveis, mas que fazem a diferença. Reparem como ele trabalha o silêncio dos atores e mesmo assim somos capazes de sentir exatamente o drama que eles estão passando - a cena onde Salvador se despede de Frederico na porta do seu apartamento é um ótimo exemplo de como o subtexto do filme é importante: ele diz uma coisa, mas seu olhar diz outra! É demais! Vale muito o seu play e se o estilo Almodóvar te agradar, você vai se divertir muito! 

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Antes de mais nada é preciso deixar claro que "Dor e Glória" é um filme do Almodóvar na sua forma e no seu conteúdo!

Primeiro vamos falar do conteúdo: o filme conta a história do diretor de cinema Salvador Mallo (Antonio Banderas) que vive mergulhado em uma amarga melancolia graças à fortes dores no seu corpo, principalmente nas costas, impossibilitando-o, inclusive, de amarrar seu tênis. Essa condição acaba impedindo Salvador de trabalhar normalmente, já que ele mesmo defende que a dinâmica de um set de filmagem requer muita energia, dedicação e saúde - elementos que ele não encontra mais em si! Conformado com sua nova condição, o cineasta é provocado a passar por um dolorido processo de auto-análise, se obrigando a revisitar o passado na busca de um único objetivo: encontrar o caminho para continuar sua vida, em paz!

Sim, "Dor e Glória" é um filme de enorme reflexão, saudosista e até egocêntrico (no melhor sentido da palavra), já que Salvador Mallo é o alter-ego do próprio Pedro Almodóvar, mas a forma (e é claro que vamos falar mais dela logo abaixo) como ele conduz sua história mexe com a gente, pois é impossível não pensar na nossa própria vida. Essa dinâmica é tão inteligente que projetamos um filme a cada assunto (ou momento) em que ele precisa enfrentar seus "demônios" e a entrega que ele faz no final é só mais um belíssimo detalhe para um fechamento com chave de ouro!

Olha, vale muito a pena se você estiver disposto a enfrentar um filme mais cadenciado, sem uma dinâmica narrativa que possa empolgar, mas que tem no texto e, principalmente, no subtexto, uma espécie de imersão emocional muito genuína e reflexiva! É preciso gostar de Almodóvar para não se decepcionar!

Quando partimos do princípio que Salvador já teve seus momentos de glória e que agora ele só consegue enxergar (ou sentir) a dor, física e emocional, facilmente nos conectamos com o belíssimo trabalho do Antonio Banderas - indicado ao Oscar por esse trabalho. Ele está impecável como Salvador Mallo e é preciso dar muito mérito ao Almodóvar por isso - ele é um exímio diretor de atores e foi capaz de tirar o melhor de um Banderas completamente mergulhado na psiquê do seu mentor e amigo. É muito interessante o contraste que o ator conseguiu imprimir no seu personagem: se por um lado ele está rodeado de cores vivas, arte e conforto, por outro lado ele está sozinho e é incapaz de se conectar com a forma com que ele via (e vivia) a vida - o fato do apartamento de Salvador ser do próprio Almodóvar, só fortalece essa sensação de conflito interno! Um detalhe interessante do roteiro (e que nos faz pensar em várias passagens do filme) é como a vida não nos permite "jogar a sujeira para baixo do tapete"; em algum momento ela vai trabalhar para que a gente possa, finalmente, resolver essas pendências. É muito inteligente como os "nós" vão sendo desatados sem precisar forçar a barra e quando achamos que existe um certo exagero (o que até seria perdoável pelo estilo do diretor) ele nos explica com um único movimento de câmera, exatamente na última cena - e tudo faz mais sentido! Genial! O roteiro toca em pontos delicados como a percepção sobre o homossexualismo logo na infância, a relação com a religião, com as drogas, com a mãe, com os parceiros de trabalho e de vida; enfim, tudo está lá e muito bem amarrado - eu não teria ficado surpreso se fosse indicado para o Oscar de melhor roteiro original!

A fotografia do seu parceiro de longa data (mais um), Jose Luis Alcaine, segue sua gramática visual: das cores vivas, do contraste, dos planos abertos e da câmera fixa em 90% do filme - enquadramentos que parecem uma pintura estão lá também! Outro elemento que precisa ser destacado é o elenco que, além de Bandeiras, conta com um Asier Etxeandia (Por siempre Jamón e Velvet) como o ator Alberto Crespo que ficou 30 anos brigado com Salvador por desentendimentos criativos (e de comportamento) e pela participação cirúrgica de Penélope Cruz (Volver) eJulieta Serrano (Cuando vuelvas a mi lado) como a mãe de Salvador, Jacinta: a primeira na juventude e a segunda pouco antes de sua morte - aliás o diálogo entre Jacinta e Salvador no final do filme é algo digno de muitos prêmios, de roteiro e de atuação!

"Dor e Glória" é um filme que teria mais chances no Oscar não fosse o fenômeno "Parasita". Sua história é profunda, baseada em um roteiro inteligente e em um personagem muito bem construído pelo Antonio Banderas. A direção do Pedro Almodóvar é tecnicamente perfeita e cheia de detalhes quase imperceptíveis, mas que fazem a diferença. Reparem como ele trabalha o silêncio dos atores e mesmo assim somos capazes de sentir exatamente o drama que eles estão passando - a cena onde Salvador se despede de Frederico na porta do seu apartamento é um ótimo exemplo de como o subtexto do filme é importante: ele diz uma coisa, mas seu olhar diz outra! É demais! Vale muito o seu play e se o estilo Almodóvar te agradar, você vai se divertir muito! 

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Drive My Car

Se há um filme que merece ser destacado como uma obra imperdível do cinema contemporâneo, esse é "Drive My Car" (2021), dirigido magistralmente por Ryûsuke Hamaguchi (de "Roda do Destino"). Esta produção japonesa, vencedora do Oscar de Melhor Filme Internacional em 2022, não apenas cativa a audiência com uma narrativa emocionante como mas também eleva o cinema a novos patamares de excelência técnica e artística - mais uma vez quebrando as barreiras do idioma em diversas formas (eu diria, inclusive, de uma maneira bem metalinguística)! Vencedor de inúmeros prêmios em festivais ao redor do mundo, "Drive My Car" é uma jornada que transcende as fronteiras culturais, deixando uma marca profunda na alma e na mente de quem o assiste ao discutir temas como a morte, o arrependimento, a perseverança e a redenção, sempre chancelado pelo texto do indiscutível dramaturgo russo Anton Tchekhov e de seu "Tio Vanya" (de 1897). Olha, para os apreciadores de um cinema independente que busca uma experiência tão intensa quanto reflexiva, mas sem perder a sensibilidade, esse filme é um verdadeiro achado!

Na trama, conhecemos Yusuke Kafuku (Hidetoshi Nishijima), um renomado ator e diretor de teatro que se vê confrontado com uma devastadora perda pessoal. Quando ele recebe uma oferta para dirigir uma produção de "Tio Vanya" em Hiroshima, Yusuke mergulha em uma jornada de autoconhecimento e cura. Ao longo do caminho, ele desenvolve uma conexão improvável com a jovem motorista Misaki (Tôko Miura), que, embora inicialmente tensa, se transforma em uma relação de confiança e afeto, permitindo que ambos explorem seus traumas e encontrem uma redenção definitiva. Confira o trailer:

Um fato: "Drive My Car" é impressionante em vários sentidos. A maneira como Hamaguchi cadencia sua narrativa em troca de tecer camadas complexas de emoção e cheias de significado, onde cada cena funciona como uma espécie de quebra-cabeça íntimo, sem dúvida, é o ponto alto do filme. Nada está ali por acaso. A fotografia do Hidetoshi Shinomiya (de "O Grito"), por exemplo, captura a beleza melancólica daquela paisagem marcante de Hiroshima, enquanto a trilha sonora sutilmente evoca uma gama de sentimentos, desde a nostalgia até a esperança - tudo isso 100% alinhado com o conceito do diretor, mas sem precisar aparecer demais.

A direção de Hamaguchi é verdadeiramente inspiradora, permitindo que os momentos silenciosos e introspectivos da narrativa ressoem com um poder emocional como poucas vezes vemos. A cena de "Tio Vanya" e sua mensagem final, faz tudo fazer sentido sem uma única palavra precisar sem dita - é um espetáculo inesquecível! E aqui cabe mais alguns elogios: a montagem meticulosa do Azusa Yamazaki cria um ritmo hipnótico, nos convidando para uma jornada interior de uma forma visceral e envolvente, enquanto Nishijima entrega uma performance monumental, transmitindo a angústia de seu personagem com uma capacidade técnica exemplar - reparem como a dor e a fragilidade estão nos seus olhos a cada interação. 

O fato é que "Drive My Car" não é nada fácil - daqueles filmes que apenas contam uma história e tudo bem. Aqui temos uma incrível experiência sensorial e emocional que fica gravada na memória muito depois que os créditos finais rolam. Com sua narrativa profundamente comovente, performances excepcionais e uma direção habilidosa, esse filme é daquelas obras que nos faz refletir sobre o luto, sobre a memória e sobre o poder da arte como ferramenta de cura e transformação!

Imperdível!

Up-date: "Drive My Car" ganhou em uma categoria no Oscar 2022 (como adiantamos), mas foi indicado em mais três: Direção, Roteiro Adaptado e até Melhor Filme do Ano!

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Se há um filme que merece ser destacado como uma obra imperdível do cinema contemporâneo, esse é "Drive My Car" (2021), dirigido magistralmente por Ryûsuke Hamaguchi (de "Roda do Destino"). Esta produção japonesa, vencedora do Oscar de Melhor Filme Internacional em 2022, não apenas cativa a audiência com uma narrativa emocionante como mas também eleva o cinema a novos patamares de excelência técnica e artística - mais uma vez quebrando as barreiras do idioma em diversas formas (eu diria, inclusive, de uma maneira bem metalinguística)! Vencedor de inúmeros prêmios em festivais ao redor do mundo, "Drive My Car" é uma jornada que transcende as fronteiras culturais, deixando uma marca profunda na alma e na mente de quem o assiste ao discutir temas como a morte, o arrependimento, a perseverança e a redenção, sempre chancelado pelo texto do indiscutível dramaturgo russo Anton Tchekhov e de seu "Tio Vanya" (de 1897). Olha, para os apreciadores de um cinema independente que busca uma experiência tão intensa quanto reflexiva, mas sem perder a sensibilidade, esse filme é um verdadeiro achado!

Na trama, conhecemos Yusuke Kafuku (Hidetoshi Nishijima), um renomado ator e diretor de teatro que se vê confrontado com uma devastadora perda pessoal. Quando ele recebe uma oferta para dirigir uma produção de "Tio Vanya" em Hiroshima, Yusuke mergulha em uma jornada de autoconhecimento e cura. Ao longo do caminho, ele desenvolve uma conexão improvável com a jovem motorista Misaki (Tôko Miura), que, embora inicialmente tensa, se transforma em uma relação de confiança e afeto, permitindo que ambos explorem seus traumas e encontrem uma redenção definitiva. Confira o trailer:

Um fato: "Drive My Car" é impressionante em vários sentidos. A maneira como Hamaguchi cadencia sua narrativa em troca de tecer camadas complexas de emoção e cheias de significado, onde cada cena funciona como uma espécie de quebra-cabeça íntimo, sem dúvida, é o ponto alto do filme. Nada está ali por acaso. A fotografia do Hidetoshi Shinomiya (de "O Grito"), por exemplo, captura a beleza melancólica daquela paisagem marcante de Hiroshima, enquanto a trilha sonora sutilmente evoca uma gama de sentimentos, desde a nostalgia até a esperança - tudo isso 100% alinhado com o conceito do diretor, mas sem precisar aparecer demais.

A direção de Hamaguchi é verdadeiramente inspiradora, permitindo que os momentos silenciosos e introspectivos da narrativa ressoem com um poder emocional como poucas vezes vemos. A cena de "Tio Vanya" e sua mensagem final, faz tudo fazer sentido sem uma única palavra precisar sem dita - é um espetáculo inesquecível! E aqui cabe mais alguns elogios: a montagem meticulosa do Azusa Yamazaki cria um ritmo hipnótico, nos convidando para uma jornada interior de uma forma visceral e envolvente, enquanto Nishijima entrega uma performance monumental, transmitindo a angústia de seu personagem com uma capacidade técnica exemplar - reparem como a dor e a fragilidade estão nos seus olhos a cada interação. 

O fato é que "Drive My Car" não é nada fácil - daqueles filmes que apenas contam uma história e tudo bem. Aqui temos uma incrível experiência sensorial e emocional que fica gravada na memória muito depois que os créditos finais rolam. Com sua narrativa profundamente comovente, performances excepcionais e uma direção habilidosa, esse filme é daquelas obras que nos faz refletir sobre o luto, sobre a memória e sobre o poder da arte como ferramenta de cura e transformação!

Imperdível!

Up-date: "Drive My Car" ganhou em uma categoria no Oscar 2022 (como adiantamos), mas foi indicado em mais três: Direção, Roteiro Adaptado e até Melhor Filme do Ano!

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Duck Butter

Duck Butter

Definitivamente "Duck Butter" não é um filme fácil, mas dentro da sua proposta é um filme que me atraiu, principalmente por ser muito bem dirigido pelo Porto-riquenho Miguel Arteta - diretor que veio da TV e que fez um belo trabalho de direção de atores nesse filme. "Duck Butter" bebe na fonte do francês "La vie d'Adèle" (Azul é a cor mais quente), mas sem a mesma força, na minha opinião.

O filme trata da relação entre duas jovens completamente diferentes que, por circunstâncias de vida, acabam se aproximando e vivendo uma intensa relação de 24 horas que vai minguando de acordo com a aproximação da realidade que é a vida e que é estar em uma relação! É preciso dizer que o filme é intenso no conteúdo e na maneira de expor essas "imperfeições" do ser humano. É um filme que discute até quanto "mandar tudo a m..." é um caminho a se considerar.

Miguel Arteta tem sensibilidade e aplica isso nas escolhas que faz com sua diretora de fotografia Hillary Spera. O filme foi finalista no Tribeca Film Festival de 2018 e tem como grande nome a Laia Costa uma jovem e talentosa atriz que merece atenção pelo seu trabalho - é o segundo filme que assisto dela (o primeiro foi "Newness") e em ambos ela mandou muito bem!

Filme complicado, mas para quem gosta de filmes independentes com ótima carreira em Festivais, é imperdível!!!

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Definitivamente "Duck Butter" não é um filme fácil, mas dentro da sua proposta é um filme que me atraiu, principalmente por ser muito bem dirigido pelo Porto-riquenho Miguel Arteta - diretor que veio da TV e que fez um belo trabalho de direção de atores nesse filme. "Duck Butter" bebe na fonte do francês "La vie d'Adèle" (Azul é a cor mais quente), mas sem a mesma força, na minha opinião.

O filme trata da relação entre duas jovens completamente diferentes que, por circunstâncias de vida, acabam se aproximando e vivendo uma intensa relação de 24 horas que vai minguando de acordo com a aproximação da realidade que é a vida e que é estar em uma relação! É preciso dizer que o filme é intenso no conteúdo e na maneira de expor essas "imperfeições" do ser humano. É um filme que discute até quanto "mandar tudo a m..." é um caminho a se considerar.

Miguel Arteta tem sensibilidade e aplica isso nas escolhas que faz com sua diretora de fotografia Hillary Spera. O filme foi finalista no Tribeca Film Festival de 2018 e tem como grande nome a Laia Costa uma jovem e talentosa atriz que merece atenção pelo seu trabalho - é o segundo filme que assisto dela (o primeiro foi "Newness") e em ambos ela mandou muito bem!

Filme complicado, mas para quem gosta de filmes independentes com ótima carreira em Festivais, é imperdível!!!

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É apenas o Fim do Mundo

"É apenas o Fim do Mundo" é um filme difícil, não por uma narrativa complicada ou por um conceito visual ou estético que nos provoque muito mais do que nos mostre; mas pela forma como o jovem diretor canadense Xavier Dolan constrói um espetáculo onde os personagens são profundos, machucados, amargurados e inconsequentes em seus atos e, pricipalmente, em suas palavras. É perceptível a dor enrustida em cada um deles, com motivos, claro, mas sem nenhum controle ou respiro para reflexão. É um "misancene" tão real, palpável e comum, que chega a ferir quem assiste - pelo simples fato de entender que toda história tem dois lados e mesmo sem a coragem de encarar os fatos, todos preferem em alimentar a dor, do que ter que enfrentá-la.

Baseado na peça homônima de Jean-Luc Lagarce de 1990, "É apenas o Fim do Mundo" acompanha um jovem e renomado dramaturgo, Louis (Gaspard Ulliel), que resolve visitar sua família após 12 anos de ausência. Seu objetivo, no entanto, é revelar sua iminente morte para sua mãe (Nathalie Baye), para sua irmã mais nova (Léa Seydoux) com quem praticamente não se relacionou, para o ressentido irmão mais velho (Vincent Cassel) e sua submissa esposa (Marion Cottilard). Confira o trailer:

Xavier Dolan praticamente dirige o filme com uma lente 85mm, ou seja, com planos extremamente fechado ele parece querer que as almas dos personagens sejam lidas, e vou te dizer: funciona! As relações estabelecidas assim que Louis entra na casa de sua família já nos indica exatamente onde estamos nos enfiando - no caos emocional! Ao acompanhar essa dinâmica, o roteiro nos dá o primeiro gatilho: é compreensível que Louis tenha se mantido afastado de sua família por tanto tempo, limitando-se a enviar cartões em datas comemorativas. Mas com o passar do tempo, vem o segundo e poderoso gatilho: mas e o outro lado? E o sentimento de inferioridade e inadequação do irmão mais velho? E a ansiedade de Suzanne para impressionar o irmão famoso que pouco conhece? E a tentativa da mãe em transformar tantas mágoas e recuperar essas relações completamente fragmentadas? Até Catherine, a cunhada, sofre com os reflexos de tudo isso ao ter que lidar com um marido ignorante que a transformou em uma mulher insegura que mal pode se expressar - e aqui cabe um comentário que merece sua atenção: Marion Cottilard é uma grande atriz e todos sabemos disso, mas a capacidade que ela tem de expressar seus sentimentos apenas com o olhar, é de cair o queixo! Reparem!

O filme brilha ao expor a capacidade de interpretação dos atores. "É apenas o Fim do Mundo" é um filme de diálogos, de confrontos, de atuação! Nenhuma discussão é por acaso e tudo ajuda a construir (ou desvendar) as inúmeras camadas de cada um dos personagens - estamos falando de um obra independente, autoral, de relação, com uma referência teatral enorme, cheio de poesia, metáforas, símbolos, sensibilidade - inclusive na fotografia que pontua a troca de atmosferas e a distância entre o que é dito e o que é pensado - a mudança de luz no terceiro ato, entre a chuva e o sol que surge é incrível! Isso é lindo e muito difícil de equilibrar com o realismo que o cinema pede nesse tipo de filme.

O fato é que se você gostou dos também franceses "Até a Eternidade" (ou Les Petits Mouchoirs) ou "Frankie" é muito provável que você vai se identificar com "É apenas o Fim do Mundo", mas se prepare: vai doer na alma!

Assista Agora

"É apenas o Fim do Mundo" é um filme difícil, não por uma narrativa complicada ou por um conceito visual ou estético que nos provoque muito mais do que nos mostre; mas pela forma como o jovem diretor canadense Xavier Dolan constrói um espetáculo onde os personagens são profundos, machucados, amargurados e inconsequentes em seus atos e, pricipalmente, em suas palavras. É perceptível a dor enrustida em cada um deles, com motivos, claro, mas sem nenhum controle ou respiro para reflexão. É um "misancene" tão real, palpável e comum, que chega a ferir quem assiste - pelo simples fato de entender que toda história tem dois lados e mesmo sem a coragem de encarar os fatos, todos preferem em alimentar a dor, do que ter que enfrentá-la.

Baseado na peça homônima de Jean-Luc Lagarce de 1990, "É apenas o Fim do Mundo" acompanha um jovem e renomado dramaturgo, Louis (Gaspard Ulliel), que resolve visitar sua família após 12 anos de ausência. Seu objetivo, no entanto, é revelar sua iminente morte para sua mãe (Nathalie Baye), para sua irmã mais nova (Léa Seydoux) com quem praticamente não se relacionou, para o ressentido irmão mais velho (Vincent Cassel) e sua submissa esposa (Marion Cottilard). Confira o trailer:

Xavier Dolan praticamente dirige o filme com uma lente 85mm, ou seja, com planos extremamente fechado ele parece querer que as almas dos personagens sejam lidas, e vou te dizer: funciona! As relações estabelecidas assim que Louis entra na casa de sua família já nos indica exatamente onde estamos nos enfiando - no caos emocional! Ao acompanhar essa dinâmica, o roteiro nos dá o primeiro gatilho: é compreensível que Louis tenha se mantido afastado de sua família por tanto tempo, limitando-se a enviar cartões em datas comemorativas. Mas com o passar do tempo, vem o segundo e poderoso gatilho: mas e o outro lado? E o sentimento de inferioridade e inadequação do irmão mais velho? E a ansiedade de Suzanne para impressionar o irmão famoso que pouco conhece? E a tentativa da mãe em transformar tantas mágoas e recuperar essas relações completamente fragmentadas? Até Catherine, a cunhada, sofre com os reflexos de tudo isso ao ter que lidar com um marido ignorante que a transformou em uma mulher insegura que mal pode se expressar - e aqui cabe um comentário que merece sua atenção: Marion Cottilard é uma grande atriz e todos sabemos disso, mas a capacidade que ela tem de expressar seus sentimentos apenas com o olhar, é de cair o queixo! Reparem!

O filme brilha ao expor a capacidade de interpretação dos atores. "É apenas o Fim do Mundo" é um filme de diálogos, de confrontos, de atuação! Nenhuma discussão é por acaso e tudo ajuda a construir (ou desvendar) as inúmeras camadas de cada um dos personagens - estamos falando de um obra independente, autoral, de relação, com uma referência teatral enorme, cheio de poesia, metáforas, símbolos, sensibilidade - inclusive na fotografia que pontua a troca de atmosferas e a distância entre o que é dito e o que é pensado - a mudança de luz no terceiro ato, entre a chuva e o sol que surge é incrível! Isso é lindo e muito difícil de equilibrar com o realismo que o cinema pede nesse tipo de filme.

O fato é que se você gostou dos também franceses "Até a Eternidade" (ou Les Petits Mouchoirs) ou "Frankie" é muito provável que você vai se identificar com "É apenas o Fim do Mundo", mas se prepare: vai doer na alma!

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E então nós dançamos

"E então nós dançamos" é um belíssimo e sensível filme sobre a aceitação da homossexualidade em diversas esferas da sociedade, bem na linha de "Me chame pelo seu nome" - obviamente que respeitando suas particularidades culturais e talvez esteja aí o grande trunfo do roteiro, já que a história se passa na Geórgia, país extremamente preconceituoso, onde a figura do homem é exaltada e onde até o seu tradicional ballet se baseia em "movimentos masculinizados e de força impositiva".

O jovem Merab (Levan Gelbakhiani) faz parte de uma companhia georgiana de dança folclórica, seguindo os passos do pai. Descontente com a vida de precariedade financeira e o baixo reconhecimento artístico, ele tem sua vida transformada pela chegada de Irakli (Bachi Valishvili), dançarino novato que disputa com ele a mesma vaga em uma importante audição que pode coloca-lo no elenco principal do National Georgian Ensemble. Porém Merab descobre, pela primeira vez, sua paixão por outro rapaz, dentro de um contexto homofóbico e, não surpreendente, violento. Confira o trailer:

Como no já referenciado "Me chame pelo seu nome", esse premiado filme vindo da Geórgia deixa claro, já nos seus primeiros minutos, qual é o seu objetivo: assim que o novato Irakli entra na sala de dança onde se encontra com Merab, sabemos que os dois ficarão juntos em algum momento do filme, mesmo que o diretor sueco Levan Akin (de "O Círculo") sugira que a disputa será pelo protagonismo da companhia de dança. A grande questão, no entanto, ganha mais profundidade quando o comentário sobre um colega gay que foi agredido e expulso da companhia vem à tona - é a partir desse gatilho que Akin começa a construir as angústias e euforias das descobertas de Merab e até de Irakli.

Veja, ao mesmo tempo que Merab descobre uma nova paixão, é o seu amor pela dança que pode afasta-lo da felicidade - e mais uma vez o roteiro se aprofunda em questionar: onde está a felicidade? Essas nuances vão e voltam a cada aproximação entre os personagens em seus diversos ambientes sociais - essa dinâmica faz com que tenhamos a sensação de que, em outro país, o protagonista faria parte um grupo e encontraria seu caminho com mais tranquilidade, mas a barreira está na tradição cultural, na mente fechada da sociedade georgiana. Seja no ambiente familiar, caótico por sinal, no grupo de dança e até nas reuniões com os amigos, a história deixa claro que o homem precisa se relacionar com a mulher. Uma das cenas mais emblemáticas, na minha opinião, é quando Mary (Ana Javakishvili), parceira de dança e amiga intima de Merab, mostra uma camisinha, convidando ele para uma relação sexual casual que, obviamente, ele se esquiva.

"E então nós dançamos" é uma drama de relação onde o pano de fundo é a dança. Dito isso é de se esperar cenas bem coreografadas e culturalmente relevantes para nós que assistimos a produção do outro lado do planeta. Destaco as passagens ao som de ‘Take a Chance on Me’ do ABBA, e ‘Honey’, de Robyn; além da excelente cena final ao melhor estilo "Cisne Negro" / "Flashdance". Muito bem dirigido por Akin (reparem no complexo plano-sequência durante o casamento do irmão do protagonista), o cinema georgiano debuta com classe por aqui e por isso a recomendação - mesmo sabendo que apenas um pequeno nicho dos nosso usuários vão se relacionar bem com a história. Uma pena, já que o filme tem muita qualidade e mereceria maior atenção!

Vale seu play!

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"E então nós dançamos" é um belíssimo e sensível filme sobre a aceitação da homossexualidade em diversas esferas da sociedade, bem na linha de "Me chame pelo seu nome" - obviamente que respeitando suas particularidades culturais e talvez esteja aí o grande trunfo do roteiro, já que a história se passa na Geórgia, país extremamente preconceituoso, onde a figura do homem é exaltada e onde até o seu tradicional ballet se baseia em "movimentos masculinizados e de força impositiva".

O jovem Merab (Levan Gelbakhiani) faz parte de uma companhia georgiana de dança folclórica, seguindo os passos do pai. Descontente com a vida de precariedade financeira e o baixo reconhecimento artístico, ele tem sua vida transformada pela chegada de Irakli (Bachi Valishvili), dançarino novato que disputa com ele a mesma vaga em uma importante audição que pode coloca-lo no elenco principal do National Georgian Ensemble. Porém Merab descobre, pela primeira vez, sua paixão por outro rapaz, dentro de um contexto homofóbico e, não surpreendente, violento. Confira o trailer:

Como no já referenciado "Me chame pelo seu nome", esse premiado filme vindo da Geórgia deixa claro, já nos seus primeiros minutos, qual é o seu objetivo: assim que o novato Irakli entra na sala de dança onde se encontra com Merab, sabemos que os dois ficarão juntos em algum momento do filme, mesmo que o diretor sueco Levan Akin (de "O Círculo") sugira que a disputa será pelo protagonismo da companhia de dança. A grande questão, no entanto, ganha mais profundidade quando o comentário sobre um colega gay que foi agredido e expulso da companhia vem à tona - é a partir desse gatilho que Akin começa a construir as angústias e euforias das descobertas de Merab e até de Irakli.

Veja, ao mesmo tempo que Merab descobre uma nova paixão, é o seu amor pela dança que pode afasta-lo da felicidade - e mais uma vez o roteiro se aprofunda em questionar: onde está a felicidade? Essas nuances vão e voltam a cada aproximação entre os personagens em seus diversos ambientes sociais - essa dinâmica faz com que tenhamos a sensação de que, em outro país, o protagonista faria parte um grupo e encontraria seu caminho com mais tranquilidade, mas a barreira está na tradição cultural, na mente fechada da sociedade georgiana. Seja no ambiente familiar, caótico por sinal, no grupo de dança e até nas reuniões com os amigos, a história deixa claro que o homem precisa se relacionar com a mulher. Uma das cenas mais emblemáticas, na minha opinião, é quando Mary (Ana Javakishvili), parceira de dança e amiga intima de Merab, mostra uma camisinha, convidando ele para uma relação sexual casual que, obviamente, ele se esquiva.

"E então nós dançamos" é uma drama de relação onde o pano de fundo é a dança. Dito isso é de se esperar cenas bem coreografadas e culturalmente relevantes para nós que assistimos a produção do outro lado do planeta. Destaco as passagens ao som de ‘Take a Chance on Me’ do ABBA, e ‘Honey’, de Robyn; além da excelente cena final ao melhor estilo "Cisne Negro" / "Flashdance". Muito bem dirigido por Akin (reparem no complexo plano-sequência durante o casamento do irmão do protagonista), o cinema georgiano debuta com classe por aqui e por isso a recomendação - mesmo sabendo que apenas um pequeno nicho dos nosso usuários vão se relacionar bem com a história. Uma pena, já que o filme tem muita qualidade e mereceria maior atenção!

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Entre Mulheres

"Entre Mulheres" é excelente, mas muito difícil! Veja, no cenário cinematográfico contemporâneo, obras que exploram a complexidade das relações humanas e abordam temas sensíveis como o estupro, o assédio e a violência contra a mulher, têm ganhado cada vez mais destaque e o filme dirigido por Sarah Pulley (de "Histórias que Contamos"), é mais um exemplo notável dessa tendência. No entanto, aqui, não encontramos uma narrativa tão fluida, pois, propositalmente, a diretora prefere explorar o texto de uma forma que mistura o simbolismo com a dura realidade e essa escolha certamente vai afastar parte da audiência. Existe uma poesia e uma profundidade nas entrelinhas que impressionam, mas a cadência de como a trama é desenvolvida exige muita boa vontade até alcançar o final. 

Baseado no livro homônimo deMiriam Toews, "Entre Mulheres"  acompanha um grupo de mulheres que moram em uma comunidade cristã menonita isolada nos EUA. Alvos de crimes sexuais cometidos pelos homens da comunidade, elas criam um plebiscito para decidir se deixam a comunidade, que representa tudo o que elas conhecem até então, ou se ficam e lutam para torná-la um lugar mais seguro para elas e para as próximas gerações – uma opção não muito mais fácil, visto que quase todos os homens adultos do local se dispuseram a pagar a fiança dos criminosos e deram às suas esposas, mães, irmãs e filhas um ultimato: ou elas perdoam os agressores, ou terão de arriscar a danação eterna. Confira o trailer:

Depois de um prólogo praticamente perfeito em sua estrutura dramática, não existiria forma mais irônica de iniciar o filme em si se não com a frase: “Esta história é fruto da fértil imaginação feminina”. É impressionante como Sarah Pulley contextualiza o problema, apresenta as personagens e nos indica exatamente qual o caminho sua narrativa vai seguir, em pouquíssimos planos, quase sem nenhum diálogo, mas com uma narração tão potente quanto profunda e um texto, de fato, digno de Oscar - aliás, "Entre Mulheres" ganhou o prêmio de "Roteiro Adaptado" em 2023 e concorreu como "Melhor Filme do Ano".

A direção de Pulley merece aplausos, especialmente pela maneira como ela constrói a narrativa visualmente - eu diria que o filme é uma poesia visual, como "Retrato de uma Jovem em Chamas". A paleta de cores mais esverdeada, quase sem saturação, reflete exatamente o momento íntimo que as personagens estão passando. Existe uma frieza que conectada à fotografia do diretor Luc Montpellier (de "Tales from the Loop") cria uma atmosfera delicada, porém densa, que serve de moldura para o excepcional elenco brilhar. Além disso, por favor, reparem na trilha sonora original e como ela contribui para uma imersão visceral, nos guiando pelas profundezas das emoções sem precisar se sobressair. 

De fato, o elenco de "Entre Mulheres" oferece performances notáveis que elevam a narrativa aos patamares mais altos que uma produção tão intimista pode chegar. Pulley é sagaz em trabalhar o silêncio e em quebrar nossas expectativas com trocas de tom em um piscar de olhos - a verdade é que nunca sabemos o que vamos encontrar: se um conforto, uma palavra de sabedoria, uma passagem religiosa ou simplesmente uma discussão bastante ofensiva. Claire Foy, Rooney Mara, Judith Ivey e Jessie Buckley dão um verdadeiro show!

Para aqueles que se permitirem embarcar na proposta da diretora, eu adianto que "Entre Mulheres" tem uma capacidade única de mexer com nossas emoções de uma forma muito particular - essencialmente na audiência feminina. A narrativa não se contenta em apresentar uma história simples com superficialidade; em vez disso, ela mergulha fundo nas experiências das personagens, explorando temas como o amor, o perdão, o arrependimento e a reconciliação, mesmo que submersa naquela atmosfera de alienação, religião e violência. 

Vale seu play, mas não assista com sono!

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"Entre Mulheres" é excelente, mas muito difícil! Veja, no cenário cinematográfico contemporâneo, obras que exploram a complexidade das relações humanas e abordam temas sensíveis como o estupro, o assédio e a violência contra a mulher, têm ganhado cada vez mais destaque e o filme dirigido por Sarah Pulley (de "Histórias que Contamos"), é mais um exemplo notável dessa tendência. No entanto, aqui, não encontramos uma narrativa tão fluida, pois, propositalmente, a diretora prefere explorar o texto de uma forma que mistura o simbolismo com a dura realidade e essa escolha certamente vai afastar parte da audiência. Existe uma poesia e uma profundidade nas entrelinhas que impressionam, mas a cadência de como a trama é desenvolvida exige muita boa vontade até alcançar o final. 

Baseado no livro homônimo deMiriam Toews, "Entre Mulheres"  acompanha um grupo de mulheres que moram em uma comunidade cristã menonita isolada nos EUA. Alvos de crimes sexuais cometidos pelos homens da comunidade, elas criam um plebiscito para decidir se deixam a comunidade, que representa tudo o que elas conhecem até então, ou se ficam e lutam para torná-la um lugar mais seguro para elas e para as próximas gerações – uma opção não muito mais fácil, visto que quase todos os homens adultos do local se dispuseram a pagar a fiança dos criminosos e deram às suas esposas, mães, irmãs e filhas um ultimato: ou elas perdoam os agressores, ou terão de arriscar a danação eterna. Confira o trailer:

Depois de um prólogo praticamente perfeito em sua estrutura dramática, não existiria forma mais irônica de iniciar o filme em si se não com a frase: “Esta história é fruto da fértil imaginação feminina”. É impressionante como Sarah Pulley contextualiza o problema, apresenta as personagens e nos indica exatamente qual o caminho sua narrativa vai seguir, em pouquíssimos planos, quase sem nenhum diálogo, mas com uma narração tão potente quanto profunda e um texto, de fato, digno de Oscar - aliás, "Entre Mulheres" ganhou o prêmio de "Roteiro Adaptado" em 2023 e concorreu como "Melhor Filme do Ano".

A direção de Pulley merece aplausos, especialmente pela maneira como ela constrói a narrativa visualmente - eu diria que o filme é uma poesia visual, como "Retrato de uma Jovem em Chamas". A paleta de cores mais esverdeada, quase sem saturação, reflete exatamente o momento íntimo que as personagens estão passando. Existe uma frieza que conectada à fotografia do diretor Luc Montpellier (de "Tales from the Loop") cria uma atmosfera delicada, porém densa, que serve de moldura para o excepcional elenco brilhar. Além disso, por favor, reparem na trilha sonora original e como ela contribui para uma imersão visceral, nos guiando pelas profundezas das emoções sem precisar se sobressair. 

De fato, o elenco de "Entre Mulheres" oferece performances notáveis que elevam a narrativa aos patamares mais altos que uma produção tão intimista pode chegar. Pulley é sagaz em trabalhar o silêncio e em quebrar nossas expectativas com trocas de tom em um piscar de olhos - a verdade é que nunca sabemos o que vamos encontrar: se um conforto, uma palavra de sabedoria, uma passagem religiosa ou simplesmente uma discussão bastante ofensiva. Claire Foy, Rooney Mara, Judith Ivey e Jessie Buckley dão um verdadeiro show!

Para aqueles que se permitirem embarcar na proposta da diretora, eu adianto que "Entre Mulheres" tem uma capacidade única de mexer com nossas emoções de uma forma muito particular - essencialmente na audiência feminina. A narrativa não se contenta em apresentar uma história simples com superficialidade; em vez disso, ela mergulha fundo nas experiências das personagens, explorando temas como o amor, o perdão, o arrependimento e a reconciliação, mesmo que submersa naquela atmosfera de alienação, religião e violência. 

Vale seu play, mas não assista com sono!

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Era uma vez um sonho

"Era uma vez um sonho" é um filme que chegou sem muito barulho na Netflix e que apanhou muito da critica, na minha opinião, injustamente. A estrutura narrativa e o tema que movimenta a história tem como base o peso que o ciclos geracionais trazem para vida de um personagem - tudo muito parecido com o excelente "O Castelo de Vidro", embora sem a mesma profundidade e força dramática.

A filme conta a história real de J.D. Vance (Gabriel Basso) um jovem promissor que tenta vencer sua origem humilde para ingressar na prestigiada Universidade de Yale e se formar em Direito, mas vê seu sonho ameaçado quando recebe uma ligação de sua irmã Lindsay (Haley Bennett) contando que sua mãe, Beverly (Amy Adams), teve uma overdose de heroína. No caminho de volta para sua terra natal, Vance relembra sua vida através de três gerações: a de sua mãe, de sua avó Mamaw (Glenn Close) e sua própria e de sua irmã. Confira o trailer:

Definir o filme como uma peça política por ter tido seu relato disputado por democratas e republicanos, competindo pela narrativa exposta no livro lançado em 2016, é de uma limitação sem tamanho. Entender que essa mesma narrativa se baseia em provar que o chamado “sonho americano” está vivo e que todos podem conquistá-lo se batalharem bastante é tão frágil quanto a tese de que a história mostra exatamente o fundo do poço no qual estava a nação norte-americana que elegeu o (ex)presidente Donald Trump na época. Esquece! O filme pode ter as duas interpretações, porém, ambas, estão na camada mais superficial (e tendenciosa) da história. Tanto a direção de Ron Howard, quanto o roteiro de Vanessa Taylor, mesmo com algumas falhas conceituais, buscam algo muito mais intimista - um olhar para o passado, cheio de cicatrizes profundas, e a possibilidade de quebrar a repetição de padrões  familiares que, pouco a pouco, destruiram todos daquela família.

Amy Adams e Glenn Close dão um show de interpretação - que rendeu mais uma indicação ao Oscar de Atriz Coadjuvante para Close e outra ignorada para o trabalho de Adams. Sério, as duas estão impecáveis - e aqui cabe um comentário: "Era uma vez um sonho" recebeu mais uma indicação ao Oscar 2021, o de "Cabelo e Maquiagem", elemento vital para a construção da personagem de Glenn Close. Ao ver os vídeos reais de J.D. Vance no final do filme, percebemos que a vó Mamaw é, de fato, a atriz. Impressionante a semelhança! Ah, antes de seguir, é preciso comentar sobre o trabalho de Owen Asztalos (o J.D. Vance jovem): ele também merece todos os elogios.

É fato que "Era uma vez um sonho" tinha pretensões maiores para a temporada de premiações e não só as dezenas de indicações que Glenn Close recebeu, mas olhando em perspectiva, nesse mundo polarizado que estamos vivendo, é até natural o distanciamento do público americano (e da Academia) por uma história biográfica tão complexa ideologicamente e que merecia ser contada, da forma que foi. Eu diria que vale muito a pena, desde que você se permita (e para nós isso será mais fácil) enxergar além dos esteriótipos regionais e assim encarar o que realmente importa: o significado de deixar nossos fantasmas para trás quando é necessário seguir nosso caminho olhando para frente!

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"Era uma vez um sonho" é um filme que chegou sem muito barulho na Netflix e que apanhou muito da critica, na minha opinião, injustamente. A estrutura narrativa e o tema que movimenta a história tem como base o peso que o ciclos geracionais trazem para vida de um personagem - tudo muito parecido com o excelente "O Castelo de Vidro", embora sem a mesma profundidade e força dramática.

A filme conta a história real de J.D. Vance (Gabriel Basso) um jovem promissor que tenta vencer sua origem humilde para ingressar na prestigiada Universidade de Yale e se formar em Direito, mas vê seu sonho ameaçado quando recebe uma ligação de sua irmã Lindsay (Haley Bennett) contando que sua mãe, Beverly (Amy Adams), teve uma overdose de heroína. No caminho de volta para sua terra natal, Vance relembra sua vida através de três gerações: a de sua mãe, de sua avó Mamaw (Glenn Close) e sua própria e de sua irmã. Confira o trailer:

Definir o filme como uma peça política por ter tido seu relato disputado por democratas e republicanos, competindo pela narrativa exposta no livro lançado em 2016, é de uma limitação sem tamanho. Entender que essa mesma narrativa se baseia em provar que o chamado “sonho americano” está vivo e que todos podem conquistá-lo se batalharem bastante é tão frágil quanto a tese de que a história mostra exatamente o fundo do poço no qual estava a nação norte-americana que elegeu o (ex)presidente Donald Trump na época. Esquece! O filme pode ter as duas interpretações, porém, ambas, estão na camada mais superficial (e tendenciosa) da história. Tanto a direção de Ron Howard, quanto o roteiro de Vanessa Taylor, mesmo com algumas falhas conceituais, buscam algo muito mais intimista - um olhar para o passado, cheio de cicatrizes profundas, e a possibilidade de quebrar a repetição de padrões  familiares que, pouco a pouco, destruiram todos daquela família.

Amy Adams e Glenn Close dão um show de interpretação - que rendeu mais uma indicação ao Oscar de Atriz Coadjuvante para Close e outra ignorada para o trabalho de Adams. Sério, as duas estão impecáveis - e aqui cabe um comentário: "Era uma vez um sonho" recebeu mais uma indicação ao Oscar 2021, o de "Cabelo e Maquiagem", elemento vital para a construção da personagem de Glenn Close. Ao ver os vídeos reais de J.D. Vance no final do filme, percebemos que a vó Mamaw é, de fato, a atriz. Impressionante a semelhança! Ah, antes de seguir, é preciso comentar sobre o trabalho de Owen Asztalos (o J.D. Vance jovem): ele também merece todos os elogios.

É fato que "Era uma vez um sonho" tinha pretensões maiores para a temporada de premiações e não só as dezenas de indicações que Glenn Close recebeu, mas olhando em perspectiva, nesse mundo polarizado que estamos vivendo, é até natural o distanciamento do público americano (e da Academia) por uma história biográfica tão complexa ideologicamente e que merecia ser contada, da forma que foi. Eu diria que vale muito a pena, desde que você se permita (e para nós isso será mais fácil) enxergar além dos esteriótipos regionais e assim encarar o que realmente importa: o significado de deixar nossos fantasmas para trás quando é necessário seguir nosso caminho olhando para frente!

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Eu, Daniel Blake

Uma imersão pelo desespero humano perante uma burocracia desumana de um sistema hipócrita e ultrapassada! Talvez não exista forma melhor de definir “Eu, Daniel Blake” depois de assimilar a pancada que é se envolver com a narrativa proposta pelo brilhante diretor Ken Loach (de "Mundo Livre"). E aqui vale ressaltar que Loach não apenas levou para casa a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2016, mas também tocou corações e mentes ao redor do mundo como poucas vezes vimos no cinema moderno - seu filme recebeu mais de 30 prêmios em festivais, além de reconhecimento no Bafta, no Goya, em Locarno e no Cézar Awards. Embora o filme seja uma crítica contundente ao sistema de assistência social britânico, sua mensagem ressoa universalmente, ecoando as lutas de muitos que enfrentam a burocracia opressora em momentos de extrema vulnerabilidade - e isso dói demais! Comparável a outras produções do próprio Loach ao trazer para tela discussões profundas sobre dramas sociais, “Eu, Daniel Blake”, posso garantir, se destaca por seu realismo brutal e por sua jornada visceral na busca pelo que é certo por direito.

Daniel Blake (Dave Johns) é um carpinteiro de 59 anos que, após sofrer um ataque cardíaco, se vê incapaz de trabalhar e por isso precisa solicitar benefícios sociais. Durante sua jornada, ele conhece Katie (Hayley Squires), uma mãe solteira que também enfrenta as dificuldades de um sistema indiferente às necessidades humanas. Juntos, Daniel e Katie formam uma aliança improvável e comovente contra a desumanização burocrática, lutando para manter sua dignidade e, principalmente, a esperança. Confira o trailer:

Não tem como iniciar uma análise mais técnica sem citar Ken Loach - ele é simplesmente magistral como diretor ao transformar uma narrativa até certo ponto simples em uma poderosa crítica social sem soar politizado demais! Loach, conhecido por seu estilo realista e por sua abordagem direta, captura a essência da luta cotidiana dos menos favorecidos e decodifica narrativamente como um verdadeira jornada do herói, sem esteriótipos ou pré-conceitos. Repare como ele faz isso sem exageros melodramáticos, sempre se apoiando em uma honestidade brutal que nos obriga, de um lado, uma reflexão mais estruturada e de outro, uma certa necessidade de confronto perante as injustiças retratadas.

A partir de sua identidade fortemente estabelecida em sua filmografia, Loach brinca com nossa percepção sobre onde começa a "ficção" e termina o "documental" ao escolher atores amadores ou pouco conhecidos, como o próprio Dave Johns, adicionando assim uma camada de autenticidade impressionante e para muitos, até rara. Aliás, Johns, com sua atuação crua e sincera, é a personificação da resistência silenciosa e um símbolo da desesperança para muitos que estão à margem da sociedade. A belíssima fotografia de Robbie Ryan (indicado ao Oscar duas vezes, por "Pobres Criaturas" e "A Favorita")  também merece destaque - existe uma simplicidade tão eficaz perante um trabalho tão complexo que é preciso aplaudir de pé. A câmera de Ryan segue de perto os personagens, quase como um documentário, reforçando a sensação de realidade e urgência. As cores são frias e a iluminação é natural, refletindo toda essa atmosfera mais opressiva e desoladora da vida de Daniel e Katie. Essa abordagem visual complementa perfeitamente o conceito narrativo do filme, nos levando em uma experiência onde o foco é unicamente os protagonistas sem distração estética alguma.

“Eu, Daniel Blake” é um filme que todos deveriam assistir - e você vai entender essa observação assim que os créditos subirem. Esse filme não apenas expõe as falhas de um sistema que deveria proteger os mais vulneráveis, mas também celebra a resiliência e a solidariedade humana por um olhar bem mais empático. Ken Loach está no melhor da sua forma, ele oferece uma visão implacável, porém essencial, da luta por dignidade em um mundo cada vez mais indiferente. Olha, não será uma jornada confortável, mas se você estiver disposto a encarar a dura realidade apresentada por Loach, “Eu, Daniel Blake” será uma experiência, de fato, inesquecível. Pode me cobrar depois!

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Uma imersão pelo desespero humano perante uma burocracia desumana de um sistema hipócrita e ultrapassada! Talvez não exista forma melhor de definir “Eu, Daniel Blake” depois de assimilar a pancada que é se envolver com a narrativa proposta pelo brilhante diretor Ken Loach (de "Mundo Livre"). E aqui vale ressaltar que Loach não apenas levou para casa a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2016, mas também tocou corações e mentes ao redor do mundo como poucas vezes vimos no cinema moderno - seu filme recebeu mais de 30 prêmios em festivais, além de reconhecimento no Bafta, no Goya, em Locarno e no Cézar Awards. Embora o filme seja uma crítica contundente ao sistema de assistência social britânico, sua mensagem ressoa universalmente, ecoando as lutas de muitos que enfrentam a burocracia opressora em momentos de extrema vulnerabilidade - e isso dói demais! Comparável a outras produções do próprio Loach ao trazer para tela discussões profundas sobre dramas sociais, “Eu, Daniel Blake”, posso garantir, se destaca por seu realismo brutal e por sua jornada visceral na busca pelo que é certo por direito.

Daniel Blake (Dave Johns) é um carpinteiro de 59 anos que, após sofrer um ataque cardíaco, se vê incapaz de trabalhar e por isso precisa solicitar benefícios sociais. Durante sua jornada, ele conhece Katie (Hayley Squires), uma mãe solteira que também enfrenta as dificuldades de um sistema indiferente às necessidades humanas. Juntos, Daniel e Katie formam uma aliança improvável e comovente contra a desumanização burocrática, lutando para manter sua dignidade e, principalmente, a esperança. Confira o trailer:

Não tem como iniciar uma análise mais técnica sem citar Ken Loach - ele é simplesmente magistral como diretor ao transformar uma narrativa até certo ponto simples em uma poderosa crítica social sem soar politizado demais! Loach, conhecido por seu estilo realista e por sua abordagem direta, captura a essência da luta cotidiana dos menos favorecidos e decodifica narrativamente como um verdadeira jornada do herói, sem esteriótipos ou pré-conceitos. Repare como ele faz isso sem exageros melodramáticos, sempre se apoiando em uma honestidade brutal que nos obriga, de um lado, uma reflexão mais estruturada e de outro, uma certa necessidade de confronto perante as injustiças retratadas.

A partir de sua identidade fortemente estabelecida em sua filmografia, Loach brinca com nossa percepção sobre onde começa a "ficção" e termina o "documental" ao escolher atores amadores ou pouco conhecidos, como o próprio Dave Johns, adicionando assim uma camada de autenticidade impressionante e para muitos, até rara. Aliás, Johns, com sua atuação crua e sincera, é a personificação da resistência silenciosa e um símbolo da desesperança para muitos que estão à margem da sociedade. A belíssima fotografia de Robbie Ryan (indicado ao Oscar duas vezes, por "Pobres Criaturas" e "A Favorita")  também merece destaque - existe uma simplicidade tão eficaz perante um trabalho tão complexo que é preciso aplaudir de pé. A câmera de Ryan segue de perto os personagens, quase como um documentário, reforçando a sensação de realidade e urgência. As cores são frias e a iluminação é natural, refletindo toda essa atmosfera mais opressiva e desoladora da vida de Daniel e Katie. Essa abordagem visual complementa perfeitamente o conceito narrativo do filme, nos levando em uma experiência onde o foco é unicamente os protagonistas sem distração estética alguma.

“Eu, Daniel Blake” é um filme que todos deveriam assistir - e você vai entender essa observação assim que os créditos subirem. Esse filme não apenas expõe as falhas de um sistema que deveria proteger os mais vulneráveis, mas também celebra a resiliência e a solidariedade humana por um olhar bem mais empático. Ken Loach está no melhor da sua forma, ele oferece uma visão implacável, porém essencial, da luta por dignidade em um mundo cada vez mais indiferente. Olha, não será uma jornada confortável, mas se você estiver disposto a encarar a dura realidade apresentada por Loach, “Eu, Daniel Blake” será uma experiência, de fato, inesquecível. Pode me cobrar depois!

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Falsos Milionários

"Falsos Milionários" é excelente, mas não deve agradar a todos pela forma cadenciada como sua narrativa conduz uma história densa e cheia de nuances (com um conceito bem independente, aliás). Eu diria que o filme dirigido pela quase novata Miranda July segue muito a linha de "Florida Project", "Castelo de Vidro" e "Capitão Fantástico", para discutir as relações familiares e a maneira como o amor (ou a falta dele) pode impactar profundamente a vida de uma pessoa. Veja, o filme é muito feliz em não cair na tentação de cortar caminhos para expressar toda a complexidade e a dinâmica dessa relação pouco usual, porém quando as peças se encaixam, encontramos um verdadeiro ensaio sobre a solidão, sobre a busca por uma identidade e sobre os traumas mais íntimos. Então se prepare, você vai precisar de um tempo para digerir todas essas camadas.

Old Dolio (Evan Rachel Wood) é uma jovem de 26 anos que convive com sua família completamente desestruturada que frequentemente faz pequenos golpes para sobreviver. Desprovidos de qualquer nível de bom-senso (para dizer o mínimo), seus pais, Robert (Richard Jenkins) e Theresa (Debra Winger), acabam se envolvendo com a porto-riquenha Melanie (Gina Rodriguez) enquanto aplicavam mais um de seus golpes. A partir dessa nova relação, a vida de Dolio vira de cabeça para baixo e alguns questionamentos começam a tomar conta do seu dia a dia. Confira o trailer:

Apenas para alinhar as expectativas: o filme não é sobre os golpes e muito menos sobre os golpistas como em "Sharper"; e também não é uma comédia como muitos sites vem classificando "Falsos Milionários". O filme é um drama, com algumas passagens engraçadas, várias passagens bem constrangedoras, mas mesmo assim com uma temática bastante profunda e reflexiva. Embora esse seja apenas o terceiro longa-metragem de July, talvez o mais comercial de todos eles, a diretora foi muito feliz em construir sua história (ela também é a roteirista) sem a pretensão de impactar visualmente os embates sentimentais entre os personagens - tirando uma ou outra cena, nossa percepção de solidão vai além dos diálogos; ela está no silêncio, no olhar carregado de dor de Wood.

A fotografia do Sebastian Wintero (muito reconhecido pelo seu trabalho no cenário musical, em trabalhos com o U2, por exemplo) tem o cuidado de nos distanciar da movimentação dessa família disfuncional criando uma atmosfera extremamente esquisita - os planos abertos chegam a ser cômicos, já que as situações são impensáveis. Tudo parece acontecer em um universo à parte, distante de qualquer realismo lógico - as cenas da família tentando não chamar a atenção do dono do lugar onde eles dormem, seriam muito divertidas se não fossem trágicas. Nos planos mais fechados, aí Wintero brinca com nossas sensações mesmo, principalmente ao potencializar os olhares e os tempos certos, a falta de ética dos pais de Dolio e a ausência de amor entre todos eles.

Cheia de simbolismos, "Kajillionaire" (no seu curioso título original) é muito, mas muito maior do que aparenta ser. Existe uma sensibilidade incrível da diretora ao nos convidar para acompanhar o processo de despertar da protagonista que, mesmo sem entender as razões, passa a enxergar além de sua miserável realidade - o trabalho de Wood é tão intenso que surpreende o fato dela não ter sido lembrada no Oscar 2021. Pois bem, essa é uma obra genuína, original, daquelas de difícil digestão, pois embora nada nos seja apresentado de forma tão convencional, a trama sabe exatamente onde colocar o dedo na ferida para gerar conexão.

Pode ter certeza que essa será uma das mais belas surpresas que você vai experienciar! É só dar o play!

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"Falsos Milionários" é excelente, mas não deve agradar a todos pela forma cadenciada como sua narrativa conduz uma história densa e cheia de nuances (com um conceito bem independente, aliás). Eu diria que o filme dirigido pela quase novata Miranda July segue muito a linha de "Florida Project", "Castelo de Vidro" e "Capitão Fantástico", para discutir as relações familiares e a maneira como o amor (ou a falta dele) pode impactar profundamente a vida de uma pessoa. Veja, o filme é muito feliz em não cair na tentação de cortar caminhos para expressar toda a complexidade e a dinâmica dessa relação pouco usual, porém quando as peças se encaixam, encontramos um verdadeiro ensaio sobre a solidão, sobre a busca por uma identidade e sobre os traumas mais íntimos. Então se prepare, você vai precisar de um tempo para digerir todas essas camadas.

Old Dolio (Evan Rachel Wood) é uma jovem de 26 anos que convive com sua família completamente desestruturada que frequentemente faz pequenos golpes para sobreviver. Desprovidos de qualquer nível de bom-senso (para dizer o mínimo), seus pais, Robert (Richard Jenkins) e Theresa (Debra Winger), acabam se envolvendo com a porto-riquenha Melanie (Gina Rodriguez) enquanto aplicavam mais um de seus golpes. A partir dessa nova relação, a vida de Dolio vira de cabeça para baixo e alguns questionamentos começam a tomar conta do seu dia a dia. Confira o trailer:

Apenas para alinhar as expectativas: o filme não é sobre os golpes e muito menos sobre os golpistas como em "Sharper"; e também não é uma comédia como muitos sites vem classificando "Falsos Milionários". O filme é um drama, com algumas passagens engraçadas, várias passagens bem constrangedoras, mas mesmo assim com uma temática bastante profunda e reflexiva. Embora esse seja apenas o terceiro longa-metragem de July, talvez o mais comercial de todos eles, a diretora foi muito feliz em construir sua história (ela também é a roteirista) sem a pretensão de impactar visualmente os embates sentimentais entre os personagens - tirando uma ou outra cena, nossa percepção de solidão vai além dos diálogos; ela está no silêncio, no olhar carregado de dor de Wood.

A fotografia do Sebastian Wintero (muito reconhecido pelo seu trabalho no cenário musical, em trabalhos com o U2, por exemplo) tem o cuidado de nos distanciar da movimentação dessa família disfuncional criando uma atmosfera extremamente esquisita - os planos abertos chegam a ser cômicos, já que as situações são impensáveis. Tudo parece acontecer em um universo à parte, distante de qualquer realismo lógico - as cenas da família tentando não chamar a atenção do dono do lugar onde eles dormem, seriam muito divertidas se não fossem trágicas. Nos planos mais fechados, aí Wintero brinca com nossas sensações mesmo, principalmente ao potencializar os olhares e os tempos certos, a falta de ética dos pais de Dolio e a ausência de amor entre todos eles.

Cheia de simbolismos, "Kajillionaire" (no seu curioso título original) é muito, mas muito maior do que aparenta ser. Existe uma sensibilidade incrível da diretora ao nos convidar para acompanhar o processo de despertar da protagonista que, mesmo sem entender as razões, passa a enxergar além de sua miserável realidade - o trabalho de Wood é tão intenso que surpreende o fato dela não ter sido lembrada no Oscar 2021. Pois bem, essa é uma obra genuína, original, daquelas de difícil digestão, pois embora nada nos seja apresentado de forma tão convencional, a trama sabe exatamente onde colocar o dedo na ferida para gerar conexão.

Pode ter certeza que essa será uma das mais belas surpresas que você vai experienciar! É só dar o play!

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Fonte da Vida

"Fonte da Vida" foi o terceiro filme do genial diretor do Darren Aronofsky (na minha opinião um dos melhores, senão o melhor, diretor da sua geração). O filme é basicamente um lindo poema sobre o amor entre duas pessoas que precisam lidar com a morte através de algumas gerações como parte do entendimento sobre a evolução e sobre a vida, que demorou cerca de 6 anos para ficar pronto - o que soa até justificável dada a complexidade do roteiro, ou seja, não é e nem será uma jornada das mais fáceis, mas tenha certeza que talvez seja uma das mais sensíveis que você vai experienciar em muito tempo! Agora, se você não gostou de "Mãe!"(do mesmo diretor) talvez seja melhor você parar por aqui, porque "The Fountain" (no original) segue a mesma estrutura narrativa cheia de simbologias e semiótica.

Na Espanha do século 16, o navegador Tomas (Hugh Jackman) parte para o Novo Mundo em busca da lendária árvore da vida. Enquanto isso, nos tempos atuais a mulher do pesquisador Tommy Creo está morrendo de câncer, mas ele busca desesperadamente a cura que pode salvá-la. Já uma terceira história une as duas primeiras: no século 26, o astronauta Tom finalmente consegue a resposta para as questões fundamentais da existência. Confira o trailer (em inglês):

Depois do sucesso de seu filme independente "Réquiem para um Sonho", Aronofsky chegou no circuito comercial com 75 milhões de dólares para fazer o que seria, até ali, o filme de sua vida, porém durante a produção, Brad Pitt abandonou o projeto por diferenças criativas com o diretor (e resolveu naufragar em "Tróia"), Cate Blanchett, que seria sua co-protagonista, também saiu e o orçamento foi reduzido para cerca 35 milhões de dólares (mais que a metade depois de tudo já planejado). 

Com tantos problemas, a dúvida sempre pairou sobre o roteiro e sobre o conceito estético que o diretor gostaria de imprimir e isso, definitivamente, impactou sua performance nas bilheterias. No entanto, posso garantir que a história escrita pelo Ari Handel (fiel parceiro de Aronofsky até hoje) nos provoca uma enorme reflexão - daquelas onde as imagens servem como uma espécie de gatilho para emergir idéias (e discussões) que permanecem na nossa memória por muito tempos. Veja, e é preciso repetir, a narrativa é complexa, foge do usual, mas por incrível que pareça não é difícil de entender onde ela quer nos levar, basta sair da zona de conforto e divagar. 

Tecnicamente "Fonte da Vida" é perfeito - a fotografia do Matthew Libatique (de "Cisne Negro") é belíssima e extremante alinhada com o trabalho do departamento de arte e de efeitos especiais. Outro ponto que enche os olhos (e os ouvidos) de beleza é como o desenho de som trabalha com a perfeição de sua proposta e conecta uma trilha sonora (digna de Oscar) para nos transportar através dos tempos, das encarnações, das dores e do amor.

Olha, se você leu essa análise até aqui, te digo que vale muito o seu play - mas assista "Fonte da Vida" com um olhar sem preconceito, aceite a proposta de Aronofsky e procure perceber nos detalhes porquê esse filme deve ser considerado um "cinema de primeira" onde seu entendimento estará nas crenças e nas experiências da cada um.

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"Fonte da Vida" foi o terceiro filme do genial diretor do Darren Aronofsky (na minha opinião um dos melhores, senão o melhor, diretor da sua geração). O filme é basicamente um lindo poema sobre o amor entre duas pessoas que precisam lidar com a morte através de algumas gerações como parte do entendimento sobre a evolução e sobre a vida, que demorou cerca de 6 anos para ficar pronto - o que soa até justificável dada a complexidade do roteiro, ou seja, não é e nem será uma jornada das mais fáceis, mas tenha certeza que talvez seja uma das mais sensíveis que você vai experienciar em muito tempo! Agora, se você não gostou de "Mãe!"(do mesmo diretor) talvez seja melhor você parar por aqui, porque "The Fountain" (no original) segue a mesma estrutura narrativa cheia de simbologias e semiótica.

Na Espanha do século 16, o navegador Tomas (Hugh Jackman) parte para o Novo Mundo em busca da lendária árvore da vida. Enquanto isso, nos tempos atuais a mulher do pesquisador Tommy Creo está morrendo de câncer, mas ele busca desesperadamente a cura que pode salvá-la. Já uma terceira história une as duas primeiras: no século 26, o astronauta Tom finalmente consegue a resposta para as questões fundamentais da existência. Confira o trailer (em inglês):

Depois do sucesso de seu filme independente "Réquiem para um Sonho", Aronofsky chegou no circuito comercial com 75 milhões de dólares para fazer o que seria, até ali, o filme de sua vida, porém durante a produção, Brad Pitt abandonou o projeto por diferenças criativas com o diretor (e resolveu naufragar em "Tróia"), Cate Blanchett, que seria sua co-protagonista, também saiu e o orçamento foi reduzido para cerca 35 milhões de dólares (mais que a metade depois de tudo já planejado). 

Com tantos problemas, a dúvida sempre pairou sobre o roteiro e sobre o conceito estético que o diretor gostaria de imprimir e isso, definitivamente, impactou sua performance nas bilheterias. No entanto, posso garantir que a história escrita pelo Ari Handel (fiel parceiro de Aronofsky até hoje) nos provoca uma enorme reflexão - daquelas onde as imagens servem como uma espécie de gatilho para emergir idéias (e discussões) que permanecem na nossa memória por muito tempos. Veja, e é preciso repetir, a narrativa é complexa, foge do usual, mas por incrível que pareça não é difícil de entender onde ela quer nos levar, basta sair da zona de conforto e divagar. 

Tecnicamente "Fonte da Vida" é perfeito - a fotografia do Matthew Libatique (de "Cisne Negro") é belíssima e extremante alinhada com o trabalho do departamento de arte e de efeitos especiais. Outro ponto que enche os olhos (e os ouvidos) de beleza é como o desenho de som trabalha com a perfeição de sua proposta e conecta uma trilha sonora (digna de Oscar) para nos transportar através dos tempos, das encarnações, das dores e do amor.

Olha, se você leu essa análise até aqui, te digo que vale muito o seu play - mas assista "Fonte da Vida" com um olhar sem preconceito, aceite a proposta de Aronofsky e procure perceber nos detalhes porquê esse filme deve ser considerado um "cinema de primeira" onde seu entendimento estará nas crenças e nas experiências da cada um.

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Girl

"Girl", que por aqui ganhou o sugestivo título de "O Florescer de Uma Garota", é um filme que precisa ser levado muito a sério e que certamente vai te exigir alguma reflexão, além de muita (mas, muita) empatia - e olha, não será uma jornada fácil! É inegável que essa obra dirigida pelo Lukas Dhont (o mesmo de "Close") se destaca não apenas pela delicadeza com que trata o tema da transição de gênero, como também pela intensidade de sua narrativa extremamente realista, profunda e visceral! A obra é uma verdadeira joia escondida no catálogo do streaming, capaz de capturar a complexidade de uma jovem bailarina em sua busca por identidade e aceitação - é de cortar a alma! Premiado com a "Camera d'Or" de Melhor Diretor, com o prêmio "FIPRESCI", com o "Victor Polster e com "Queer Palm", todos no Festival de Cannes de 2018, esse filme de fato se sobressai perante outras produções menos sensíveis sobre a experiência trans, por justamente se apoiar em uma abordagem única e corajosa de um assunto tão importante!

A trama segue Lara (Polster) uma garota de 16 anos que se dedica ao balé enquanto enfrenta a difícil jornada de sua transição de gênero. Ao lado de seu pai, Mathias (Arieh Worthalter), ela navega pelas complexidades emocionais e físicas do processo, enquanto se esforça para se relacionar normalmente com suas amigas adolescentes e com sua paixão pela dança. Essa história é um retrato íntimo e angustiante de Lara, que luta não só contra a disforia de gênero, mas também contra o preconceito e o auto-julgamento. Confira o trailer (com legendas em inglês):

De uma forma muito inteligente, Lukas Dhont combina a intensidade física da dedicação de Lara pelo balé com a sua dolorosa experiência em se aceitar - essa dinâmica narrativa cria uma sensação de angústia absurda que realmente chama nossa atenção. A câmera do fotógrafo Frank van den Eeden (também de "Close"), com seus closes inquietantes e longas tomadas, enfatiza ainda mais esse conceito ao focar na fisicalidade extrema da dança de um lado e nos desafios pessoais de Lara do outro, tornando palpável o esforço titânico da personagem em um jogo de simbologias dos mais interessantes. O balé, aqui, além de retratado como uma paixão da protagonista, também funciona como um campo de batalha onde cada movimento e cada ensaio se tornam um reflexo de sua luta diária por identidade. A precisão dessa conexão entre a semiose e a semiótica é poderoso e serve de contexto para explorar a necessidade de Lara em se adaptar a um mundo em movimento que constantemente testa e desafia sua alma de várias formas.

A performance de Victor Polster é impecável - chega a ser surpreendente como ele não foi indicado ao Oscar de 2019, especialmente quando lembramos que o vencedor daquele ano foi Rami Malek. Com pouca experiência até aquele momento, Polster entrega uma performance surpreendentemente madura e autêntica, trabalhando a vulnerabilidade e a determinação de Lara de maneira que transcende a tela e realmente nos toca fundo. Sua interpretação, combinada com a abordagem sensível do roteiro, evita estereótipos, mergulhando na psicologia do personagem como raramente vemos - repare nos olhares, nos momentos de silêncio, na respiração pausada. Embora seja uma performance que exige empatia e oferece uma janela indigesta para a realidade de uma jovem em transição, é incrível como seu trabalho reforça a sensação de humanidade de Lara sem reduzi-la a um símbolo ou um arquétipo.

A escolha de uma narrativa que não se esquiva de momentos dolorosos e desconfortáveis é um dos pontos altos de "Girl". As sequências em que Lara enfrenta seus próprios limites em um vestiário feminino ou na casa de uma de suas amigas do balé são particularmente impactantes. E esses são só dois rápidos exemplos da atmosfera emocional que o filme representa - um misto de angústia e esperança que nos acompanha durante toda jornada. Então, para aqueles que apreciam histórias duras, difíceis e que desafiam (e provocam) reflexões, esta é realmente uma obra que merece ser vista e discutida com um olhar mais humano. Impressionante!

Dê o play e embarque nessa experiência sem receios!

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"Girl", que por aqui ganhou o sugestivo título de "O Florescer de Uma Garota", é um filme que precisa ser levado muito a sério e que certamente vai te exigir alguma reflexão, além de muita (mas, muita) empatia - e olha, não será uma jornada fácil! É inegável que essa obra dirigida pelo Lukas Dhont (o mesmo de "Close") se destaca não apenas pela delicadeza com que trata o tema da transição de gênero, como também pela intensidade de sua narrativa extremamente realista, profunda e visceral! A obra é uma verdadeira joia escondida no catálogo do streaming, capaz de capturar a complexidade de uma jovem bailarina em sua busca por identidade e aceitação - é de cortar a alma! Premiado com a "Camera d'Or" de Melhor Diretor, com o prêmio "FIPRESCI", com o "Victor Polster e com "Queer Palm", todos no Festival de Cannes de 2018, esse filme de fato se sobressai perante outras produções menos sensíveis sobre a experiência trans, por justamente se apoiar em uma abordagem única e corajosa de um assunto tão importante!

A trama segue Lara (Polster) uma garota de 16 anos que se dedica ao balé enquanto enfrenta a difícil jornada de sua transição de gênero. Ao lado de seu pai, Mathias (Arieh Worthalter), ela navega pelas complexidades emocionais e físicas do processo, enquanto se esforça para se relacionar normalmente com suas amigas adolescentes e com sua paixão pela dança. Essa história é um retrato íntimo e angustiante de Lara, que luta não só contra a disforia de gênero, mas também contra o preconceito e o auto-julgamento. Confira o trailer (com legendas em inglês):

De uma forma muito inteligente, Lukas Dhont combina a intensidade física da dedicação de Lara pelo balé com a sua dolorosa experiência em se aceitar - essa dinâmica narrativa cria uma sensação de angústia absurda que realmente chama nossa atenção. A câmera do fotógrafo Frank van den Eeden (também de "Close"), com seus closes inquietantes e longas tomadas, enfatiza ainda mais esse conceito ao focar na fisicalidade extrema da dança de um lado e nos desafios pessoais de Lara do outro, tornando palpável o esforço titânico da personagem em um jogo de simbologias dos mais interessantes. O balé, aqui, além de retratado como uma paixão da protagonista, também funciona como um campo de batalha onde cada movimento e cada ensaio se tornam um reflexo de sua luta diária por identidade. A precisão dessa conexão entre a semiose e a semiótica é poderoso e serve de contexto para explorar a necessidade de Lara em se adaptar a um mundo em movimento que constantemente testa e desafia sua alma de várias formas.

A performance de Victor Polster é impecável - chega a ser surpreendente como ele não foi indicado ao Oscar de 2019, especialmente quando lembramos que o vencedor daquele ano foi Rami Malek. Com pouca experiência até aquele momento, Polster entrega uma performance surpreendentemente madura e autêntica, trabalhando a vulnerabilidade e a determinação de Lara de maneira que transcende a tela e realmente nos toca fundo. Sua interpretação, combinada com a abordagem sensível do roteiro, evita estereótipos, mergulhando na psicologia do personagem como raramente vemos - repare nos olhares, nos momentos de silêncio, na respiração pausada. Embora seja uma performance que exige empatia e oferece uma janela indigesta para a realidade de uma jovem em transição, é incrível como seu trabalho reforça a sensação de humanidade de Lara sem reduzi-la a um símbolo ou um arquétipo.

A escolha de uma narrativa que não se esquiva de momentos dolorosos e desconfortáveis é um dos pontos altos de "Girl". As sequências em que Lara enfrenta seus próprios limites em um vestiário feminino ou na casa de uma de suas amigas do balé são particularmente impactantes. E esses são só dois rápidos exemplos da atmosfera emocional que o filme representa - um misto de angústia e esperança que nos acompanha durante toda jornada. Então, para aqueles que apreciam histórias duras, difíceis e que desafiam (e provocam) reflexões, esta é realmente uma obra que merece ser vista e discutida com um olhar mais humano. Impressionante!

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Happy End

"Happy End" foi o filme francês que tentou a indicação ao Oscar 2018 e não conseguiu - na verdade não ficou nem entre os pré selecionados, mas tem uma grife de respeito por trás dele: o diretor austríaco Michael Haneke - vencedor do Oscar com "Amour" em 2013. Foi essa grife que me fez assistir o filme e valeu a pena, mas com algumas ressalvas!

O filme se passa em Calais uma cidade do norte da França. Georges Laurent (Jean-Louis Trintignant) é o patriarca de uma família típica da classe média. Ele está preso em uma cadeira de rodas e sua filha Anne (Isabelle Huppert) ainda mora com ele, porém Thomas (Mathieu Kassovitz), seu filho, acaba de retornar para a casa, junto com a esposa e a filha Eve (Fantine Harduin), cuja mãe faleceu recentemente. É nesse universo que "Happy End" transita - o filme fala sobre a intensa incomunicabilidade entre os membros dessa família, que faz com que todos levem uma vida segundo seus interesses pessoais e esqueçam que existe algo muito mais importante que o próprio umbigo: a empatia! Confira o trailer:

Como Cineasta, Michael Haneke, é um monstro! Ele dá mais uma aula de posicionamento de câmera (como em "Amour") e direção de atores. Haneke tem seu estilo muito bem definido e ele imprime isso em cada cena com muita personalidade e sempre no tom certo. Ele consegue tirar do ator aquilo que ele quer com muita precisão e isso é raro. O filme vale muito por isso - mas será preciso um olhar mais crítico, detalhista e mais paciente com o que comentarei a seguir!

"Happy End" é um filme que não vai agradar a todos. A história me pareceu um pouco fraca, as motivações não se sustentam ao longo do tempo de tela e isso deixa o filme razoavelmente arrastado. Não que seja um filme ruim, porque de fato ele não é, mas você fica sempre esperando algo mais e isso nunca chega - por isso é necessário alinhas as expectativas e embarcar na proposta de Haneke!

Esse filme foi até indicado pra Palme d'Or em Cannes 2017, o que deixa bem claro que ele vai agradar mais aquela audiência que gosta de uma cinema com um conceito narrativo e visual independente, autoral e, claro, para quem está disposto a ir além do que é dito nos diálogos.

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"Happy End" foi o filme francês que tentou a indicação ao Oscar 2018 e não conseguiu - na verdade não ficou nem entre os pré selecionados, mas tem uma grife de respeito por trás dele: o diretor austríaco Michael Haneke - vencedor do Oscar com "Amour" em 2013. Foi essa grife que me fez assistir o filme e valeu a pena, mas com algumas ressalvas!

O filme se passa em Calais uma cidade do norte da França. Georges Laurent (Jean-Louis Trintignant) é o patriarca de uma família típica da classe média. Ele está preso em uma cadeira de rodas e sua filha Anne (Isabelle Huppert) ainda mora com ele, porém Thomas (Mathieu Kassovitz), seu filho, acaba de retornar para a casa, junto com a esposa e a filha Eve (Fantine Harduin), cuja mãe faleceu recentemente. É nesse universo que "Happy End" transita - o filme fala sobre a intensa incomunicabilidade entre os membros dessa família, que faz com que todos levem uma vida segundo seus interesses pessoais e esqueçam que existe algo muito mais importante que o próprio umbigo: a empatia! Confira o trailer:

Como Cineasta, Michael Haneke, é um monstro! Ele dá mais uma aula de posicionamento de câmera (como em "Amour") e direção de atores. Haneke tem seu estilo muito bem definido e ele imprime isso em cada cena com muita personalidade e sempre no tom certo. Ele consegue tirar do ator aquilo que ele quer com muita precisão e isso é raro. O filme vale muito por isso - mas será preciso um olhar mais crítico, detalhista e mais paciente com o que comentarei a seguir!

"Happy End" é um filme que não vai agradar a todos. A história me pareceu um pouco fraca, as motivações não se sustentam ao longo do tempo de tela e isso deixa o filme razoavelmente arrastado. Não que seja um filme ruim, porque de fato ele não é, mas você fica sempre esperando algo mais e isso nunca chega - por isso é necessário alinhas as expectativas e embarcar na proposta de Haneke!

Esse filme foi até indicado pra Palme d'Or em Cannes 2017, o que deixa bem claro que ele vai agradar mais aquela audiência que gosta de uma cinema com um conceito narrativo e visual independente, autoral e, claro, para quem está disposto a ir além do que é dito nos diálogos.

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Holy Spider

Antes de mais nada é preciso alinhar as expectativas, já que "Holy Spider" pode ser entendido de duas formas: uma pela perspectiva mais sócio-cultural e religiosa do cinema independente iraniano e outra pelo olhar mais investigativo do entretenimento nórdico. Pois bem, se analisarmos o filme mais superficialmente, eu diria que essa produção dinamarquesa dirigida pelo iraniano Ali Abbasi (de "Border"), é apenas um mediado (para bom) thriller policial. Então não caia nessa armadilha, pois essa atmosfera "serial killer" é apenas o pano de fundo para discutir camadas muito mais delicadas sobre a relação visceral entre o ser humano extremista  e a violência misógina do Irã. Um dos lançamentos mais comentados de 2022, dividindo opiniões e gerando debates acalorados,  "Holy Spider" chega chancelado por mais de 20 prêmios em festivais ao redor do planeta incluindo o de Melhor Atriz no Festival de Cannes para Zar Amir Ebrahimi.

A trama acompanha a saga da destemida jornalista Arezoo Rahimi (Amir-Ebrahimi), que se infiltra no submundo da cidade sagrada de Mashhad, no Irã, em busca de um serial killer que aterroriza a comunidade: o "Aranha Assassina". Motivado por crenças religiosas distorcidas e sexistas, ele se autoproclama o purificador da cidade, exterminando prostitutas que considera "impuras". Confira o trailer (com legendas em inglês):

Impactante no seu conteúdo e provocar na forma como esse conteúdo é apresentado, Abbasi merece todos os elogios por nos entregar um retrato cru e sem concessões sobre a realidade iraniana, onde a misoginia está enraizada na cultura e na religião. Embora em um primeiro olhar "Holy Spider" pareça focar na investigação de Rahimi, o roteiro do próprio diretor com o estreante Afshin Kamran Bahrami, sai do óbvio ao colocar a jornalista em uma verdadeira rota de colisão com as autoridades corruptas e os homens misóginos que defendem os atos do assassino. Se a cada passo, Rahimi enfrenta os perigos e os obstáculos de uma mulher, solteira, jornalista e forasteira, tentando entender a razão da polícia local não estar dando atenção aos crimes, seu impulso, sem dúvida, está na razão pela qual essa busca por justiça acontece: é preciso dar voz às mulheres silenciadas pela violência.

O diretor constrói uma atmosfera claustrofóbica e sufocante, utilizando planos fechados e uma paleta de cores sombrias que refletem a opressão e a violência presentes na história. Esse estilo de fotografia do dinamarquês Nadim Carlsen nos remete aos excelentes policiais nórdicos - aqui sem o azul gélido, mas com o verde e o marrom das paisagens de Mashhad totalmente alinhados ao conceito mais documental de Abbasi. Ele usa muito da câmera solta para trazer veracidade para a narrativa e valorizar a história que é baseada em fatos reais. As performances dos atores são igualmente competentes, com destaque para Zar Amir-Ebrahimi, que entrega uma jornada comovente como Rahimi.

"Holy Spider" é realmente um filme mais difícil, que vai exigir um olhar mais holístico sobre a trama e por se tratar de uma forte crítica social, profunda e contundente, que expõe a hipocrisia e a brutalidade de um sistema patriarcal que oprime e silencia as mulheres iranianas. É um filme que choca e que revolta, mas que também nos convida para uma reflexão importante sobre a força e a resiliência das mulheres em sua luta por justiça e liberdade. Então se você busca uma experiência cinematográfica perturbadora e ao mesmo tempo instigante, que te fará questionar as estruturas de poder e as raízes da violência contra as mulheres, "Holy Spider" é um filme imperdível - especialmente por um terceiro ato digno de muitos prêmios.

Prepare-se para ser confrontado com realidades duras e incômodas, mas também com a força e a bravura de uma mulher que luta por um mundo mais justo. Pode dar o play!

Assista Agora

Antes de mais nada é preciso alinhar as expectativas, já que "Holy Spider" pode ser entendido de duas formas: uma pela perspectiva mais sócio-cultural e religiosa do cinema independente iraniano e outra pelo olhar mais investigativo do entretenimento nórdico. Pois bem, se analisarmos o filme mais superficialmente, eu diria que essa produção dinamarquesa dirigida pelo iraniano Ali Abbasi (de "Border"), é apenas um mediado (para bom) thriller policial. Então não caia nessa armadilha, pois essa atmosfera "serial killer" é apenas o pano de fundo para discutir camadas muito mais delicadas sobre a relação visceral entre o ser humano extremista  e a violência misógina do Irã. Um dos lançamentos mais comentados de 2022, dividindo opiniões e gerando debates acalorados,  "Holy Spider" chega chancelado por mais de 20 prêmios em festivais ao redor do planeta incluindo o de Melhor Atriz no Festival de Cannes para Zar Amir Ebrahimi.

A trama acompanha a saga da destemida jornalista Arezoo Rahimi (Amir-Ebrahimi), que se infiltra no submundo da cidade sagrada de Mashhad, no Irã, em busca de um serial killer que aterroriza a comunidade: o "Aranha Assassina". Motivado por crenças religiosas distorcidas e sexistas, ele se autoproclama o purificador da cidade, exterminando prostitutas que considera "impuras". Confira o trailer (com legendas em inglês):

Impactante no seu conteúdo e provocar na forma como esse conteúdo é apresentado, Abbasi merece todos os elogios por nos entregar um retrato cru e sem concessões sobre a realidade iraniana, onde a misoginia está enraizada na cultura e na religião. Embora em um primeiro olhar "Holy Spider" pareça focar na investigação de Rahimi, o roteiro do próprio diretor com o estreante Afshin Kamran Bahrami, sai do óbvio ao colocar a jornalista em uma verdadeira rota de colisão com as autoridades corruptas e os homens misóginos que defendem os atos do assassino. Se a cada passo, Rahimi enfrenta os perigos e os obstáculos de uma mulher, solteira, jornalista e forasteira, tentando entender a razão da polícia local não estar dando atenção aos crimes, seu impulso, sem dúvida, está na razão pela qual essa busca por justiça acontece: é preciso dar voz às mulheres silenciadas pela violência.

O diretor constrói uma atmosfera claustrofóbica e sufocante, utilizando planos fechados e uma paleta de cores sombrias que refletem a opressão e a violência presentes na história. Esse estilo de fotografia do dinamarquês Nadim Carlsen nos remete aos excelentes policiais nórdicos - aqui sem o azul gélido, mas com o verde e o marrom das paisagens de Mashhad totalmente alinhados ao conceito mais documental de Abbasi. Ele usa muito da câmera solta para trazer veracidade para a narrativa e valorizar a história que é baseada em fatos reais. As performances dos atores são igualmente competentes, com destaque para Zar Amir-Ebrahimi, que entrega uma jornada comovente como Rahimi.

"Holy Spider" é realmente um filme mais difícil, que vai exigir um olhar mais holístico sobre a trama e por se tratar de uma forte crítica social, profunda e contundente, que expõe a hipocrisia e a brutalidade de um sistema patriarcal que oprime e silencia as mulheres iranianas. É um filme que choca e que revolta, mas que também nos convida para uma reflexão importante sobre a força e a resiliência das mulheres em sua luta por justiça e liberdade. Então se você busca uma experiência cinematográfica perturbadora e ao mesmo tempo instigante, que te fará questionar as estruturas de poder e as raízes da violência contra as mulheres, "Holy Spider" é um filme imperdível - especialmente por um terceiro ato digno de muitos prêmios.

Prepare-se para ser confrontado com realidades duras e incômodas, mas também com a força e a bravura de uma mulher que luta por um mundo mais justo. Pode dar o play!

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Império da Luz

Existe uma beleza em "Império da Luz" que dificilmente percebemos se não nos permitimos mergulhar na proposta dramática do diretor - e digo isso, pois esse tipo de filme parece se apropriar dos sentimentos mais íntimos de seu realizador, de sua identidade como artista, de seu modo de interpretar algumas questões e até do seu olhar mais poético, para, aí sim, encontrar uma audiência capaz de enxergar aquela história como algo único, sensível e tocante. A magia do cinema, desde seu enquadramento ao trabalho dedicado dos atores, é capaz de alcançar essa complexidade sem tanto esforço, basta um quadro; no entanto, ao sentirmos a verdade, quase sempre, saímos transformados e com o coração, digamos, mais aquecido - então saiba: se aqui não encontraremos uma unanimidade, pode ter certeza, existirá uma conexão capaz de explicar muitas coisas escondidas dentro de nós.

Essa é uma história de amor e amizade ambientada em um antigo cinema de rua, na costa sul da Inglaterra, durante a década de 1980. Em um período de recessão, onde o desemprego e o racismo assombravam a sociedade, conhecemos Hilary (Olivia Colman), uma adorada gerente que sofre com sua sua instabilidade de humor e depressão. Embora ela tenha uma ótima relação com seus companheiros de trabalho, seu estado de solidão e tristeza, mesmo em tratamento, parece cada vez mais profundo. Quando o novo vendedor de ingressos, Stephen (Micheal Ward), um simpático jovem negro, percebe sua conexão com Hilary, um ar de esperança toma conta do ambiente até que as coisas saem do controle. Confira o trailer:

Em um primeiro olhar, você pode imaginar que "Império da Luz" se trata de um filme nostálgico, talvez até autoral, sobre o cinema. Não se engane, o filme está longe de representar o que foi "Cinema Paradiso" e mais recentemente "Os Fabelmans". Aqui o foco está na importância de uma conexão humana verdadeira, tendo a magia do cinema apenas como subtexto para envolver, ou até "empacotar", os inúmeros temas espinhosos que o roteiro faz questão de levantar. Sem dúvida que a "forma" como o diretor Sam Mendes (de "1917") constrói essa narrativa, ao lado de seu parceiro na fotografia, Roger Deakins (de "Blade Runner 2049" e também "1917"), impressiona tanto pela beleza quanto pelo simbolismo gráfico. Deakins empresta para aquela ambientação litorânea, um olhar que estimula a audiência a enxergar esse conto moral de uma maneira menos grosseira - em algumas passagens, até mais gentil do que o próprio texto mereceria.

Com (a sempre impressionante) Olivia Colman e seu parceiro de cena, Micheal Ward, temos um embate sentimental, ideológico e marcante, onde as dores desses dois personagens muitas vezes se sobrepõem até ao verdadeiro objetivo do próprio texto. O que eu quero dizer é que a história pode até patinar em sua pretensão de cobrir tantos assuntos importantes em tão pouco tempo, mas quando o elenco coloca toda sua verdade em cena, percebemos o quanto o racismo e as consequências de distúrbios mentais podem impactar nas relações humanas, cada qual em sua forma de enxergar o mundo. E é justamente nesse momento que o ponto de convergência entre realidade e fantasia encontra seu valor: o cinema é tratado como ferramenta de escapismo, com planos que são verdadeiras pinturas e que, de fato, fazem todo sentido ao drama que Mendes vai pontuando "visualmente" com muita sensibilidade.

"Empire Of Light" (no original) tem mais acertos do que erros, mas deve agradar quem está a procura de um drama menos convencional. Se em alguns momentos da história você tem a exata sensação de estar de frente com uma trama simplista e pouco inspirada, em outros a impressão é que tudo é tão profundo e cuidadoso que até uma pausa para a reflexão se faz necessária - e aqui cito uma passagem que vai fazer muita diferença na sua experiência (e que apenas o mais atentos podem ter percebido): reparem quando Hilary, já no final do filme, assiste "Muito Além do Jardim", clássico de Hal Ashby. Ele serve como uma espécie de síntese para sua história, por ser uma mulher que também precisa olhar além de sua enfermidade para poder libertar a si mesma de uma casca inerte. Veja, é nesse tipo de detalhe que entendemos a complexidade desse grande filme!

Vale muito o seu play!

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Existe uma beleza em "Império da Luz" que dificilmente percebemos se não nos permitimos mergulhar na proposta dramática do diretor - e digo isso, pois esse tipo de filme parece se apropriar dos sentimentos mais íntimos de seu realizador, de sua identidade como artista, de seu modo de interpretar algumas questões e até do seu olhar mais poético, para, aí sim, encontrar uma audiência capaz de enxergar aquela história como algo único, sensível e tocante. A magia do cinema, desde seu enquadramento ao trabalho dedicado dos atores, é capaz de alcançar essa complexidade sem tanto esforço, basta um quadro; no entanto, ao sentirmos a verdade, quase sempre, saímos transformados e com o coração, digamos, mais aquecido - então saiba: se aqui não encontraremos uma unanimidade, pode ter certeza, existirá uma conexão capaz de explicar muitas coisas escondidas dentro de nós.

Essa é uma história de amor e amizade ambientada em um antigo cinema de rua, na costa sul da Inglaterra, durante a década de 1980. Em um período de recessão, onde o desemprego e o racismo assombravam a sociedade, conhecemos Hilary (Olivia Colman), uma adorada gerente que sofre com sua sua instabilidade de humor e depressão. Embora ela tenha uma ótima relação com seus companheiros de trabalho, seu estado de solidão e tristeza, mesmo em tratamento, parece cada vez mais profundo. Quando o novo vendedor de ingressos, Stephen (Micheal Ward), um simpático jovem negro, percebe sua conexão com Hilary, um ar de esperança toma conta do ambiente até que as coisas saem do controle. Confira o trailer:

Em um primeiro olhar, você pode imaginar que "Império da Luz" se trata de um filme nostálgico, talvez até autoral, sobre o cinema. Não se engane, o filme está longe de representar o que foi "Cinema Paradiso" e mais recentemente "Os Fabelmans". Aqui o foco está na importância de uma conexão humana verdadeira, tendo a magia do cinema apenas como subtexto para envolver, ou até "empacotar", os inúmeros temas espinhosos que o roteiro faz questão de levantar. Sem dúvida que a "forma" como o diretor Sam Mendes (de "1917") constrói essa narrativa, ao lado de seu parceiro na fotografia, Roger Deakins (de "Blade Runner 2049" e também "1917"), impressiona tanto pela beleza quanto pelo simbolismo gráfico. Deakins empresta para aquela ambientação litorânea, um olhar que estimula a audiência a enxergar esse conto moral de uma maneira menos grosseira - em algumas passagens, até mais gentil do que o próprio texto mereceria.

Com (a sempre impressionante) Olivia Colman e seu parceiro de cena, Micheal Ward, temos um embate sentimental, ideológico e marcante, onde as dores desses dois personagens muitas vezes se sobrepõem até ao verdadeiro objetivo do próprio texto. O que eu quero dizer é que a história pode até patinar em sua pretensão de cobrir tantos assuntos importantes em tão pouco tempo, mas quando o elenco coloca toda sua verdade em cena, percebemos o quanto o racismo e as consequências de distúrbios mentais podem impactar nas relações humanas, cada qual em sua forma de enxergar o mundo. E é justamente nesse momento que o ponto de convergência entre realidade e fantasia encontra seu valor: o cinema é tratado como ferramenta de escapismo, com planos que são verdadeiras pinturas e que, de fato, fazem todo sentido ao drama que Mendes vai pontuando "visualmente" com muita sensibilidade.

"Empire Of Light" (no original) tem mais acertos do que erros, mas deve agradar quem está a procura de um drama menos convencional. Se em alguns momentos da história você tem a exata sensação de estar de frente com uma trama simplista e pouco inspirada, em outros a impressão é que tudo é tão profundo e cuidadoso que até uma pausa para a reflexão se faz necessária - e aqui cito uma passagem que vai fazer muita diferença na sua experiência (e que apenas o mais atentos podem ter percebido): reparem quando Hilary, já no final do filme, assiste "Muito Além do Jardim", clássico de Hal Ashby. Ele serve como uma espécie de síntese para sua história, por ser uma mulher que também precisa olhar além de sua enfermidade para poder libertar a si mesma de uma casca inerte. Veja, é nesse tipo de detalhe que entendemos a complexidade desse grande filme!

Vale muito o seu play!

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Incêndios

“Incêndios” (ou “Incendies” no original) é uma obra-prima! Essa produção canadense dirigida pelo então desconhecido Denis Villeneuve (“Duna”e “A Chegada”) apontou como uma das favoritas ao Oscar de 2011, mas acabou deixando escapar o prêmio de “Melhor Filme Internacional” para o dinamarquês “Em um Mundo Melhor” de Susanne Bier ("Bird Box"). O fato é que “Incêndios” é daqueles filmes que nos tocam a alma com um drama pesado, realista, cruel e até desconfortável, mas ao mesmo tempo marcante - uma experiência única, eu diria.

Após a morte da mãe, Nawal Marwan (Lubna Azabal), os gêmeos Simon (Maxim Gaudette) e Jeanne (Mélissa Désormeaux-Poulin) descobrem que têm um irmão e que seu pai, que julgavam morto, ainda está vivo. Em um jornada que se confunde entre uma difícil investigação no Líbano pós-guerra e os reflexos de tantos conflitos internos, eles tem que enfrentar as descobertas de uma história familiar que vai muito além de suas origens libanesas. Confira o trailer (em inglês):

Talvez o grande mérito de “Incêndios” tenha sido o de construir uma narrativa extremamente densa onde a linha de condução são as ações e não a cronologia temporal, ou seja, sem muito aviso, a história vai do presente para o passado com o intuito de conectar os fatos com as motivações dos personagens - isso acaba criando uma dinâmica muito interessante onde, no final, ficamos com a exata sensação de "tudo faz sentido agora"! 

Baseado na peça homônima de Wajdi Mouawad, “Incêndios” retrata a guerra civil no Líbano dos anos 70 pelos olhos de Nawal Marwan enquanto vivenciamos os reflexos do horror pelos olhos de Jeanne, sua filha. Embora funcione como pano de fundo, as cenas de intolerância religiosa são pesadíssimas e ajudam a construir as inúmeras camadas de Nawal - e aqui cabe um comentário: o trabalho de introspecção de Lubna Azabal é simplesmente fantástico. A forma como ela vai se transformando com o passar do tempo, impressiona.

“Incêndios” é um filme de 2010, de uma época pré-streaming, que pode ter passado batido por muita gente. Se esse é o seu caso, não perca tempo - é uma aula de roteiro, de direção, de interpretação e além de tudo isso, tem alma - mesmo que machucada pelas verdade inconvenientes que a história vai nos jogando na cara até encontrar um final de nos tirar o chão!

Vale muito a pena!

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“Incêndios” (ou “Incendies” no original) é uma obra-prima! Essa produção canadense dirigida pelo então desconhecido Denis Villeneuve (“Duna”e “A Chegada”) apontou como uma das favoritas ao Oscar de 2011, mas acabou deixando escapar o prêmio de “Melhor Filme Internacional” para o dinamarquês “Em um Mundo Melhor” de Susanne Bier ("Bird Box"). O fato é que “Incêndios” é daqueles filmes que nos tocam a alma com um drama pesado, realista, cruel e até desconfortável, mas ao mesmo tempo marcante - uma experiência única, eu diria.

Após a morte da mãe, Nawal Marwan (Lubna Azabal), os gêmeos Simon (Maxim Gaudette) e Jeanne (Mélissa Désormeaux-Poulin) descobrem que têm um irmão e que seu pai, que julgavam morto, ainda está vivo. Em um jornada que se confunde entre uma difícil investigação no Líbano pós-guerra e os reflexos de tantos conflitos internos, eles tem que enfrentar as descobertas de uma história familiar que vai muito além de suas origens libanesas. Confira o trailer (em inglês):

Talvez o grande mérito de “Incêndios” tenha sido o de construir uma narrativa extremamente densa onde a linha de condução são as ações e não a cronologia temporal, ou seja, sem muito aviso, a história vai do presente para o passado com o intuito de conectar os fatos com as motivações dos personagens - isso acaba criando uma dinâmica muito interessante onde, no final, ficamos com a exata sensação de "tudo faz sentido agora"! 

Baseado na peça homônima de Wajdi Mouawad, “Incêndios” retrata a guerra civil no Líbano dos anos 70 pelos olhos de Nawal Marwan enquanto vivenciamos os reflexos do horror pelos olhos de Jeanne, sua filha. Embora funcione como pano de fundo, as cenas de intolerância religiosa são pesadíssimas e ajudam a construir as inúmeras camadas de Nawal - e aqui cabe um comentário: o trabalho de introspecção de Lubna Azabal é simplesmente fantástico. A forma como ela vai se transformando com o passar do tempo, impressiona.

“Incêndios” é um filme de 2010, de uma época pré-streaming, que pode ter passado batido por muita gente. Se esse é o seu caso, não perca tempo - é uma aula de roteiro, de direção, de interpretação e além de tudo isso, tem alma - mesmo que machucada pelas verdade inconvenientes que a história vai nos jogando na cara até encontrar um final de nos tirar o chão!

Vale muito a pena!

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Interrompemos a Programação

"Prime Time" (que no Brasil ganhou o sugestivo título de "Interrompemos a Programação") chegou na Netflix com a chancela de ter sido indicado ao Grand Jury Prize de Sundance em 2021, porém, essa produção polonesa, certamente veio para entrar naquela prateleira de "ame ou odeie"!

A premissa é simples, mas excelente: Na véspera do Ano Novo de 1999, um homem armado invade um estúdio de uma TV de Varsóvia, fazendo um segurança e uma apresentadora como reféns, tendo apenas uma única exigência: entrar ao vivo em rede nacional para transmitir uma mensagem. Confira o trailer (dublado):

O Filme é dirigido por Jakub Piatek e conta com Bartosz Bielenia - ator que ganhou muita notoriedade por sua participação no ótimo "Corpus Christi" (de 2019), representante da Polônia na categoria de Melhor Filme Internacional do Oscar 2020. Embora estreante na função, Piatek teve muita personalidade ao escolher o caminho mais difícil para contar uma história aparentemente simples, mas cheia de camadas. Veja, a tensão de "Interrompemos a Programação" não se baseia na ação imersiva como no excelente "Utoya 22 de Julho" e sim na expectativa do que pode acontecer a qualquer momento e por motivos que não sabemos. Ao focar na cadência narrativa, o diretor deixa claro preferir o tom mais autoral, independente, e assume a responsabilidade por inúmeras criticas - muitas de quem via sua obra como uma nova visão de "Jogo do Dinheiro" de 2016, longa com George Clooney e Julia Roberts sobre um rapaz que invade um estúdio de TV armado e faz o apresentador refém.

Três cenas definem a força da narrativa apoiada nos detalhes e na sensibilidade do elenco. A primeira, sem dúvida, é o embate entre Sebastian e seu pai - se até ali o garoto parecia sem propósito ou força para assumir suas decisões, claramente após essa discussão, tudo ganha um novo rumo. Detalhe para o ótimo trabalho, tanto de  Bielenia quanto Juliusz Chrzastowski. Já na outra cena, vemos Mira (Magdalena Poplawska), visivelmente irritada ao ser contrariada pelos seus superiores, ligando para um contato na emissora concorrente, oferecendo uma transmissão exclusiva do seu sequestrador. Para finalizar, reparem na atitude da produtora executiva e diretora do programa de Mira, Laura (Malgorzata Hajewska), em uma das últimas cenas do filme.

Saiba que "Interrompemos a Programação" não é sobre os motivos que levaram Sebastian até ali - isso pouco importa na verdade. O filme é sobre a solidão do ser humano, sobre a vaidade, sobre a incompreensão e sobre o espetáculo, ainda que grotesco, que a mídia tenta impor com a desculpa de fazer jornalismo. Ah, e a critica politica é fácil de ser percebida em vários momentos - dentro e fora do estúdio onde 90% da narrativa acontece!

Eu entendo que pode ficar uma sensação, de certa forma até frustrante, de que o potencial de "Interrompemos a Programação" foi desperdiçado. Para alguns essa percepção será óbvia e o roteiro, em muitos momentos, colabora para esse mal-humor, mas convido nosso leitor a olhar além e buscar entender como o desespero pode nos levar a atitudes impensáveis - seja por medo ou, simplesmente, por vaidade!

Vale o play, mas com todos esses "poréns" bastante particulares que o filme não se preocupa em esconder. Filme para quem gosta do que não é óbvio!

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"Prime Time" (que no Brasil ganhou o sugestivo título de "Interrompemos a Programação") chegou na Netflix com a chancela de ter sido indicado ao Grand Jury Prize de Sundance em 2021, porém, essa produção polonesa, certamente veio para entrar naquela prateleira de "ame ou odeie"!

A premissa é simples, mas excelente: Na véspera do Ano Novo de 1999, um homem armado invade um estúdio de uma TV de Varsóvia, fazendo um segurança e uma apresentadora como reféns, tendo apenas uma única exigência: entrar ao vivo em rede nacional para transmitir uma mensagem. Confira o trailer (dublado):

O Filme é dirigido por Jakub Piatek e conta com Bartosz Bielenia - ator que ganhou muita notoriedade por sua participação no ótimo "Corpus Christi" (de 2019), representante da Polônia na categoria de Melhor Filme Internacional do Oscar 2020. Embora estreante na função, Piatek teve muita personalidade ao escolher o caminho mais difícil para contar uma história aparentemente simples, mas cheia de camadas. Veja, a tensão de "Interrompemos a Programação" não se baseia na ação imersiva como no excelente "Utoya 22 de Julho" e sim na expectativa do que pode acontecer a qualquer momento e por motivos que não sabemos. Ao focar na cadência narrativa, o diretor deixa claro preferir o tom mais autoral, independente, e assume a responsabilidade por inúmeras criticas - muitas de quem via sua obra como uma nova visão de "Jogo do Dinheiro" de 2016, longa com George Clooney e Julia Roberts sobre um rapaz que invade um estúdio de TV armado e faz o apresentador refém.

Três cenas definem a força da narrativa apoiada nos detalhes e na sensibilidade do elenco. A primeira, sem dúvida, é o embate entre Sebastian e seu pai - se até ali o garoto parecia sem propósito ou força para assumir suas decisões, claramente após essa discussão, tudo ganha um novo rumo. Detalhe para o ótimo trabalho, tanto de  Bielenia quanto Juliusz Chrzastowski. Já na outra cena, vemos Mira (Magdalena Poplawska), visivelmente irritada ao ser contrariada pelos seus superiores, ligando para um contato na emissora concorrente, oferecendo uma transmissão exclusiva do seu sequestrador. Para finalizar, reparem na atitude da produtora executiva e diretora do programa de Mira, Laura (Malgorzata Hajewska), em uma das últimas cenas do filme.

Saiba que "Interrompemos a Programação" não é sobre os motivos que levaram Sebastian até ali - isso pouco importa na verdade. O filme é sobre a solidão do ser humano, sobre a vaidade, sobre a incompreensão e sobre o espetáculo, ainda que grotesco, que a mídia tenta impor com a desculpa de fazer jornalismo. Ah, e a critica politica é fácil de ser percebida em vários momentos - dentro e fora do estúdio onde 90% da narrativa acontece!

Eu entendo que pode ficar uma sensação, de certa forma até frustrante, de que o potencial de "Interrompemos a Programação" foi desperdiçado. Para alguns essa percepção será óbvia e o roteiro, em muitos momentos, colabora para esse mal-humor, mas convido nosso leitor a olhar além e buscar entender como o desespero pode nos levar a atitudes impensáveis - seja por medo ou, simplesmente, por vaidade!

Vale o play, mas com todos esses "poréns" bastante particulares que o filme não se preocupa em esconder. Filme para quem gosta do que não é óbvio!

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Julieta

"Julieta" é um filme de Pedro Almodóvar e isso, por si só, já nos prepara pelo que vem pela frente. Porém, Almodóvar vem surpreendendo - se não pela forma, pelo conteúdo. É impressionante como sua identidade como diretor está em cada frame, mas cada vez mais com um certo tom inventivo, agora carregando no drama e na densidade, saindo completamente da sua zona de conforto como roteirista - e vem funcionando.

A premissa é incrivelmente simples, já que o filme acompanha Julieta (Adriana Ugarte e depois Emma Suárez) que, ao longo de três décadas, tenta descobrir por que Antía (Priscilla Delgado e depois Blanca Parés), sua única filha, se afastou dela inesperadamente. Quando Julieta estava prestes a se mudar de Madrid para Portugal, um encontro inesperado a fez mudar de ideia e reviver sua relação como mãe. Ainda na Espanha, ela então começa a escrever uma carta para Antía, contando sua história e como se deu o relacionamento com os homens de sua vida. Confira o trailer:

Baseado em três contos do livro "Fugitiva", da vencedora do Prêmio Nobel Alice Munro, Almodóvar entrega seu talento na construção de uma personagem complexa, cheia de camadas e brilhantemente interpretado pela Emma Suárez - trabalho que lhe garantiu o prêmio Goya (o Oscar Espanhol em 2017). O interessante da performance de Suárez é que sua essência vai muito de encontro ao trabalho que Antônio Banderas teve em "Dor e Glória", onde ambosdesconstroem o personagem para encontrar no passado um sentido para lidar com o presente. Esse mergulho nostálgico, mas doloroso, está em cada detalhe - inclusive na escolha narrativa e na transição lírica que o diretor faz, aproximando o amargo da vida e suas profundas marcas de expressão já nascendo em um rosto jovem e se apoderando da sua versão mais madura.

O roteiro é, de fato, muito inteligente ao juntar as pontas soltas de uma história de vida com uma elegância impressionante. A quebra da linha temporal cria uma dinâmica interessante, conceitualmente pontuada por uma trilha sonora sombria (até over) - quase que antecipando os acontecimentos, mas adicionando sensações e sentimentos que vão da angústia até a culpa, do mistério ao óbvio, mesmo antes de entendermos exatamente o que está acontecendo e para onde a história vai nos guiar - é incrível como Almodóvar tem a capacidade de entregar as situações sem aquela pressa usual e ao mesmo tempo nos provocar curiosidade sem que percamos a paciência.

"Julieta" é na sua essência um filme de relações familiares. Um recorte de sentimentos (bons e ruins) que precisam ser revisitados para que a vida siga seu caminho natural. É um processo de amadurecimento do diretor que troca a ousadia de antes por uma serenidade profunda - sem perder o elemento provocativo das composições visuais e de suas mensagens mais poéticas e abstratas. É um "Almodóvar" - do tipo que o filme poderia ser uma pintura, mas que nos toca profundamente e que encontra na genialidade do diretor uma razão coerente para sua filmografia cada vez mais interiorizada, seja na figura de Julieta, da sua filha ou até do seu pai que repete justamente o mesmo ciclo que ela viveu.

Vale a pena para quem acompanha a carreira do diretor e para quem gosta da profundidade das relações e de como elas nos impactam.

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"Julieta" é um filme de Pedro Almodóvar e isso, por si só, já nos prepara pelo que vem pela frente. Porém, Almodóvar vem surpreendendo - se não pela forma, pelo conteúdo. É impressionante como sua identidade como diretor está em cada frame, mas cada vez mais com um certo tom inventivo, agora carregando no drama e na densidade, saindo completamente da sua zona de conforto como roteirista - e vem funcionando.

A premissa é incrivelmente simples, já que o filme acompanha Julieta (Adriana Ugarte e depois Emma Suárez) que, ao longo de três décadas, tenta descobrir por que Antía (Priscilla Delgado e depois Blanca Parés), sua única filha, se afastou dela inesperadamente. Quando Julieta estava prestes a se mudar de Madrid para Portugal, um encontro inesperado a fez mudar de ideia e reviver sua relação como mãe. Ainda na Espanha, ela então começa a escrever uma carta para Antía, contando sua história e como se deu o relacionamento com os homens de sua vida. Confira o trailer:

Baseado em três contos do livro "Fugitiva", da vencedora do Prêmio Nobel Alice Munro, Almodóvar entrega seu talento na construção de uma personagem complexa, cheia de camadas e brilhantemente interpretado pela Emma Suárez - trabalho que lhe garantiu o prêmio Goya (o Oscar Espanhol em 2017). O interessante da performance de Suárez é que sua essência vai muito de encontro ao trabalho que Antônio Banderas teve em "Dor e Glória", onde ambosdesconstroem o personagem para encontrar no passado um sentido para lidar com o presente. Esse mergulho nostálgico, mas doloroso, está em cada detalhe - inclusive na escolha narrativa e na transição lírica que o diretor faz, aproximando o amargo da vida e suas profundas marcas de expressão já nascendo em um rosto jovem e se apoderando da sua versão mais madura.

O roteiro é, de fato, muito inteligente ao juntar as pontas soltas de uma história de vida com uma elegância impressionante. A quebra da linha temporal cria uma dinâmica interessante, conceitualmente pontuada por uma trilha sonora sombria (até over) - quase que antecipando os acontecimentos, mas adicionando sensações e sentimentos que vão da angústia até a culpa, do mistério ao óbvio, mesmo antes de entendermos exatamente o que está acontecendo e para onde a história vai nos guiar - é incrível como Almodóvar tem a capacidade de entregar as situações sem aquela pressa usual e ao mesmo tempo nos provocar curiosidade sem que percamos a paciência.

"Julieta" é na sua essência um filme de relações familiares. Um recorte de sentimentos (bons e ruins) que precisam ser revisitados para que a vida siga seu caminho natural. É um processo de amadurecimento do diretor que troca a ousadia de antes por uma serenidade profunda - sem perder o elemento provocativo das composições visuais e de suas mensagens mais poéticas e abstratas. É um "Almodóvar" - do tipo que o filme poderia ser uma pintura, mas que nos toca profundamente e que encontra na genialidade do diretor uma razão coerente para sua filmografia cada vez mais interiorizada, seja na figura de Julieta, da sua filha ou até do seu pai que repete justamente o mesmo ciclo que ela viveu.

Vale a pena para quem acompanha a carreira do diretor e para quem gosta da profundidade das relações e de como elas nos impactam.

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Lazzaro Felice

"Lazzaro Felice" é um filme bastante peculiar, principalmente se você embarcar nessa jornada sem a menor expectativa do que vai encontrar. Pode parecer contraditório ler um review sobre o filme ao mesmo tempo que sugiro não se aprofundar na história para escolher o título, mas é isso mesmo que eu proponho nesse texto. Saiba que esse filme italiano de 2018 venceu na categoria "Melhor Roteiro" no Festival de Cannes, "Melhor Filme" no Festival de Chicago e em Rotterdam - onde recebeu a seguinte resenha: "Acreditamos que o "Lazzaro" inspirará um futuro público a ser mais humano e refletir sobre suas experiências e interações diárias".

Pelo trailer já dá para se ter uma ideia de que "Lazzaro Felice" trás um conceito narrativo muito baseado na poesia, na alegoria, o que, certamente, agradará mais o público sensível e disposto a reinterpretar aquilo que assiste na tela, porém é preciso que se diga que o filme da (excelente) diretora italiana Alice Rohrwacher trabalha tão bem as sensações que chega a ser impressionante. "Lazzaro Felice" conta a história de um jovem camponês chamado Lazzaro (Adriano Tardiolo), que por ser tão inocente (e bondoso) acaba sendo explorado por todos da comunidade onde vive, no interior da Itália. Pouco mais de 50 pessoas, entre idosos, crianças e adultos, exercem alguma função para manter o local vivo, embora em condições precárias, essas pessoas sobrevivem como escravos sob as ordens da marquesa Alfonsina De Luna (Nicoletta Braschi) - que acredita que todo e qualquer ser humano deve explorar e ser explorado por alguém, em uma pirâmide social abusiva, hierárquica e viciada em padrões estabelecidos pelo conhecimento e a cultura. Acontece que essa dinâmica acaba sendo desfeita quando a polícia chega na comunidade para investigar o falso sequestro do filho da marquesa e é aí que a história se transforma completamente, transitando entre a fantasia e a realidade de uma forma muito sensível e profunda. Confira o trailer:

"Lazzaro Felice" não vai agradar a todos, isso é um fato, mas se você gostou de "Atlantique" (também na Netflix) é bem provável que se identifique com esse belíssimo filme, pois ele mistura com a mesma eficiência, o drama e o sobrenatural graças a um roteiro muito bem escrito, uma direção extremamente competente e uma fotográfica digna de muitos prêmios! Vale muito a pena - filme independente com carreira consistente em festivais!

Embora o conceito de exploração do mais fraco (defendido pela marquesa) seja o fio condutor de "Lazzaro Felice", é muito curioso a forma como a Rohrwacher usa a figura do protagonista para representar um limite que precisa ser respeitado e que vai nos provocar a reflexão. Estar na base da pirâmide não nos deixa saída, afinal não há em quem se apoiar (ou explorar), porém essa realidade não influencia ou define o caráter de uma pessoa - e o filme usa de vários exemplos, muitos deles apenas em diálogos pontuais ou em ações que parecem despretensiosas, para justificar essa tese. Se uma personagem pode enganar uma pessoa que acabou de ajuda-la só para faturar 30 euros, isso não exime da mesma personagem a escolha de abrir mão de algo quando alguém pede sua ajuda - mesmo que esse "alguém" já tenha mal tratado ela no passado! Essa dualidade do roteiro é explorada a todo momento e ganha ainda mais força quando entendemos a alegoria bíblica que a história se propõe a discutir -  existe um Lázaro descrito na Bíblia e como o personagem do filme, ele é alguém que foi ressuscitado por Jesus e que destoa da fragilidade moral do mundo em que vive. Reparem na cena da igreja e vejam como a diretora, em nenhum momento levanta uma bandeira, seja ela politica ou religiosa, sem mostrar o outro lado ou criticar a distorção pela qual o ser humano se apoia!

Filmado 100% em 16 mm, o que dá um aspecto granulado a imagem e sugere uma certa abstração da realidade, e finalizado com uma margem irregular como se estivéssemos assistindo um filme projetado em um pergaminho, "Lazzaro Felice" é um excelente exemplo de como uma identidade narrativa baseada em um conceito fortemente estabelecido com propósito, funciona a favor da história. Nada que acontece na tela é por acaso - da maneira como o protagonista se movimenta, se comunica ou simplesmente observa uma ação, até os planos abertos enquadrando uma geografia rural que vai se desfazer em um cenário urbano caótico e opressor, um pouco mais a frente. É um grande trabalho da fotógrafa Hélène Louvart (de "A vida invisível" do brasileiro Karim Aïnouz). O elenco também está irretocável: Adriano Tardiolo dá uma aula de neutralidade na interpretação, daquelas que o ator fala com os olhos, com a alma, com o sentimento! Tommaso Ragno como o Tancredi adulto também dá um show, mas quem rouba a cena mesmo é a ótima Alba Rohrwacher como Antonia - que trabalho maravilhoso!

"Lazzaro Felice" é um filme autoral de quem conhece a gramática cinematográfica e sabe exatamente onde quer chegar com aquela história. Um show de roteiro que usa da alegoria para tocar em temas delicados e atuais como as consequências do êxodo rural e do desemprego, a violência contra a mulher, a desigualdade social, o capitalismo predatório, etc. Saiba que não será um jornada fácil, a diretora acerta em não nos entregar as informações de mão beijada, nos sugerindo muito mais do que impondo (com excessão da cena posterior a da igreja, onde a música segue os personagens, que destoa das escolhas acertadas até ali). "Lazzaro Felice" pode causar um certo estranhamento inicial, mas que aos poucos vai se encontrando e, claro, nos deixando com mais dúvidas do que certezas e nos tirando de uma zona de conforto como poucas vezes sentimos - a lembrança que me vem a cabeça, respeitando suas peculiaridades de gênero, é a sensação de assistir "Abre los Ojos" do Alejandro Amenábar pela primeira vez!

Não vacile, dê o play!

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"Lazzaro Felice" é um filme bastante peculiar, principalmente se você embarcar nessa jornada sem a menor expectativa do que vai encontrar. Pode parecer contraditório ler um review sobre o filme ao mesmo tempo que sugiro não se aprofundar na história para escolher o título, mas é isso mesmo que eu proponho nesse texto. Saiba que esse filme italiano de 2018 venceu na categoria "Melhor Roteiro" no Festival de Cannes, "Melhor Filme" no Festival de Chicago e em Rotterdam - onde recebeu a seguinte resenha: "Acreditamos que o "Lazzaro" inspirará um futuro público a ser mais humano e refletir sobre suas experiências e interações diárias".

Pelo trailer já dá para se ter uma ideia de que "Lazzaro Felice" trás um conceito narrativo muito baseado na poesia, na alegoria, o que, certamente, agradará mais o público sensível e disposto a reinterpretar aquilo que assiste na tela, porém é preciso que se diga que o filme da (excelente) diretora italiana Alice Rohrwacher trabalha tão bem as sensações que chega a ser impressionante. "Lazzaro Felice" conta a história de um jovem camponês chamado Lazzaro (Adriano Tardiolo), que por ser tão inocente (e bondoso) acaba sendo explorado por todos da comunidade onde vive, no interior da Itália. Pouco mais de 50 pessoas, entre idosos, crianças e adultos, exercem alguma função para manter o local vivo, embora em condições precárias, essas pessoas sobrevivem como escravos sob as ordens da marquesa Alfonsina De Luna (Nicoletta Braschi) - que acredita que todo e qualquer ser humano deve explorar e ser explorado por alguém, em uma pirâmide social abusiva, hierárquica e viciada em padrões estabelecidos pelo conhecimento e a cultura. Acontece que essa dinâmica acaba sendo desfeita quando a polícia chega na comunidade para investigar o falso sequestro do filho da marquesa e é aí que a história se transforma completamente, transitando entre a fantasia e a realidade de uma forma muito sensível e profunda. Confira o trailer:

"Lazzaro Felice" não vai agradar a todos, isso é um fato, mas se você gostou de "Atlantique" (também na Netflix) é bem provável que se identifique com esse belíssimo filme, pois ele mistura com a mesma eficiência, o drama e o sobrenatural graças a um roteiro muito bem escrito, uma direção extremamente competente e uma fotográfica digna de muitos prêmios! Vale muito a pena - filme independente com carreira consistente em festivais!

Embora o conceito de exploração do mais fraco (defendido pela marquesa) seja o fio condutor de "Lazzaro Felice", é muito curioso a forma como a Rohrwacher usa a figura do protagonista para representar um limite que precisa ser respeitado e que vai nos provocar a reflexão. Estar na base da pirâmide não nos deixa saída, afinal não há em quem se apoiar (ou explorar), porém essa realidade não influencia ou define o caráter de uma pessoa - e o filme usa de vários exemplos, muitos deles apenas em diálogos pontuais ou em ações que parecem despretensiosas, para justificar essa tese. Se uma personagem pode enganar uma pessoa que acabou de ajuda-la só para faturar 30 euros, isso não exime da mesma personagem a escolha de abrir mão de algo quando alguém pede sua ajuda - mesmo que esse "alguém" já tenha mal tratado ela no passado! Essa dualidade do roteiro é explorada a todo momento e ganha ainda mais força quando entendemos a alegoria bíblica que a história se propõe a discutir -  existe um Lázaro descrito na Bíblia e como o personagem do filme, ele é alguém que foi ressuscitado por Jesus e que destoa da fragilidade moral do mundo em que vive. Reparem na cena da igreja e vejam como a diretora, em nenhum momento levanta uma bandeira, seja ela politica ou religiosa, sem mostrar o outro lado ou criticar a distorção pela qual o ser humano se apoia!

Filmado 100% em 16 mm, o que dá um aspecto granulado a imagem e sugere uma certa abstração da realidade, e finalizado com uma margem irregular como se estivéssemos assistindo um filme projetado em um pergaminho, "Lazzaro Felice" é um excelente exemplo de como uma identidade narrativa baseada em um conceito fortemente estabelecido com propósito, funciona a favor da história. Nada que acontece na tela é por acaso - da maneira como o protagonista se movimenta, se comunica ou simplesmente observa uma ação, até os planos abertos enquadrando uma geografia rural que vai se desfazer em um cenário urbano caótico e opressor, um pouco mais a frente. É um grande trabalho da fotógrafa Hélène Louvart (de "A vida invisível" do brasileiro Karim Aïnouz). O elenco também está irretocável: Adriano Tardiolo dá uma aula de neutralidade na interpretação, daquelas que o ator fala com os olhos, com a alma, com o sentimento! Tommaso Ragno como o Tancredi adulto também dá um show, mas quem rouba a cena mesmo é a ótima Alba Rohrwacher como Antonia - que trabalho maravilhoso!

"Lazzaro Felice" é um filme autoral de quem conhece a gramática cinematográfica e sabe exatamente onde quer chegar com aquela história. Um show de roteiro que usa da alegoria para tocar em temas delicados e atuais como as consequências do êxodo rural e do desemprego, a violência contra a mulher, a desigualdade social, o capitalismo predatório, etc. Saiba que não será um jornada fácil, a diretora acerta em não nos entregar as informações de mão beijada, nos sugerindo muito mais do que impondo (com excessão da cena posterior a da igreja, onde a música segue os personagens, que destoa das escolhas acertadas até ali). "Lazzaro Felice" pode causar um certo estranhamento inicial, mas que aos poucos vai se encontrando e, claro, nos deixando com mais dúvidas do que certezas e nos tirando de uma zona de conforto como poucas vezes sentimos - a lembrança que me vem a cabeça, respeitando suas peculiaridades de gênero, é a sensação de assistir "Abre los Ojos" do Alejandro Amenábar pela primeira vez!

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