"O Conde" é simplesmente genial, no entanto não será uma jornada muito fácil já que sua narrativa cheia de simbolismo, ironia, sarcasmo e critica exige da audiência um certo conhecimento da história politica sangrenta do ditador Augusto Pinochet, no Chile, para que a experiência seja, de fato, marcante. Com uma habilidade impressionante, o diretor Pablo Larraín (de "Spencer"), resgata a figura de Pinochet emprestando um certo tom de fábula, com vários elementos fantásticos, capaz de transformar o conhecido genocida em um vampiro caricato, resignificando com muita inteligência a sua reconhecida sede por sangue. A capacidade de Larraín em revisitar o recente passado de seu país e recontar algumas passagens politicas tão marcantes quanto tristes, de uma forma quase nonsense, faz dessa produção da Netflix uma das melhores de 2023. Mas atenção: esse filme não deve agradar a todos, portanto sugiro uma leitura atenta antes do play!
O filme se passa em uma realidade alternativa que mostra Augusto Pinochet (Jaime Vadell) como um vampiro envelhecido e isolado em uma mansão abandonada. Após 250 anos se alimentando de sangue para sobreviver, ele está decidido a morrer de uma vez por todas. Frustrado pela forma como o povo chileno o reconhece, e cercado por uma família notavelmente oportunista, o vampiro já não vê nenhuma razão para continuar sua trajetória de conquistas pela vida eterna. Porém, quando tudo parece perdido, ele acaba descobrindo uma inspiração que lhe faz querer abandonar esses planos. Confira o trailer (com legendas em inglês):
Com um roteiro repleto de cinismo (daqueles que você ri de nervoso, mas aplaude mentalmente), Guillermo Calder (de "Neruda") ao lado do próprio Larraín, transitam entre o absurdo e a ignorância (obviamente sempre pontuada pela crítica irônica e respaldada pelos fatos) para contar a história do ditador Augusto Pinochet pelos seus próprios olhos - embora o filme seja narrado por uma personagem misteriosa que assim que é apresentada no terceiro ato, nos deixa de queixo caído. Para quem não sabe, Pinochet liderou um golpe de Estado em 1973, derrubando o governo democraticamente eleito de Salvador Allende. e assumiu o poder como líder da junta militar e posteriormente se autoproclamou presidente do Chile. Seu governo, que durou de 1973 a 1990, foi marcado por repressão política, violações dos direitos humanos e políticas econômicas que bebiam na fonte da corrupção - o curioso, no entanto, é como o filme insere informações relevantes sobre os bastidores dessas histórias e como o personagem interpreta seu legado em meio a uma crise existencial (ele sofrendo por ser reconhecido como "ladrão", é impagável).
Toda essa qualidade do texto é lindamente emoldurada por uma fotografia digna de Oscar. O fotografo americano Edward Lachman (indicado ao Oscar por "Carol" e "Longe do Paraíso") se apropria do preto e branco para criar um tom sombrio e misterioso - é como se assistíssemos "Nosferatu". Todo o desenho de produção, habilmente, explora esse aspecto de velho e carcomido para falar do passado, mas sem deixar de criar paralelos com o presente - as metáforas visuais são tão imponentes quanto as textuais e juntas, olha, é uma aula de cinema. Como diretor, Larraín é muito, mas muito, sagaz ao convidar a audiência a interpretar os eventos do filme e assim encontrar sentido com o que vimos ou vivemos na história recente do nosso país - fico imaginando como é rica essa experiência para um chileno, se para nós já é sensacional!
Outro ponto que merece destaque é a relação familiar de Augusto Pinochet, especialmente com sua mulher, Lucía Hiriart (Gloria Münchmeyer). Veja, embora essa relação tenha sido usada para criar uma imagem de estabilidade e moralidade, ela também foi marcada por acusações de corrupção e enriquecimento pessoal, que contribuíram para a controvérsia em torno de seu regime autoritário no Chile - a cena da freira Carmencita (Paula Luchsinger) entrevistando os cinco filhos do ditador e perguntando sobre algumas situações, digamos duvidosas, como aquela do caso Riggs, por exemplo, é muito engraçada. Quando embarcarmos nessa genialidade mais debochada de Larraín, nossa percepção muda de patamar!
"O Conde" talvez seja o "Roma" de Larraín - autoral, corajoso, bem executado tecnicamente, artisticamente impecável, e longe de ser um filme fácil e muito menos superficial. Toda essa linguagem mais satírica, misturada com uma bem equilibrada farsa política, não vai agradar aquela audiência que acha se tratar de um filme de terror sobre vampiros. Esquece! "O Conde" é muito mais do que isso e vale muito o seu play, principalmente se você tiver o cuidado de ler ou souber o que representou o governo Pinochet e como suas atitudes e discurso, além de hipócritas, foram fatais para aquele país.
Imperdível!
"O Conde" é simplesmente genial, no entanto não será uma jornada muito fácil já que sua narrativa cheia de simbolismo, ironia, sarcasmo e critica exige da audiência um certo conhecimento da história politica sangrenta do ditador Augusto Pinochet, no Chile, para que a experiência seja, de fato, marcante. Com uma habilidade impressionante, o diretor Pablo Larraín (de "Spencer"), resgata a figura de Pinochet emprestando um certo tom de fábula, com vários elementos fantásticos, capaz de transformar o conhecido genocida em um vampiro caricato, resignificando com muita inteligência a sua reconhecida sede por sangue. A capacidade de Larraín em revisitar o recente passado de seu país e recontar algumas passagens politicas tão marcantes quanto tristes, de uma forma quase nonsense, faz dessa produção da Netflix uma das melhores de 2023. Mas atenção: esse filme não deve agradar a todos, portanto sugiro uma leitura atenta antes do play!
O filme se passa em uma realidade alternativa que mostra Augusto Pinochet (Jaime Vadell) como um vampiro envelhecido e isolado em uma mansão abandonada. Após 250 anos se alimentando de sangue para sobreviver, ele está decidido a morrer de uma vez por todas. Frustrado pela forma como o povo chileno o reconhece, e cercado por uma família notavelmente oportunista, o vampiro já não vê nenhuma razão para continuar sua trajetória de conquistas pela vida eterna. Porém, quando tudo parece perdido, ele acaba descobrindo uma inspiração que lhe faz querer abandonar esses planos. Confira o trailer (com legendas em inglês):
Com um roteiro repleto de cinismo (daqueles que você ri de nervoso, mas aplaude mentalmente), Guillermo Calder (de "Neruda") ao lado do próprio Larraín, transitam entre o absurdo e a ignorância (obviamente sempre pontuada pela crítica irônica e respaldada pelos fatos) para contar a história do ditador Augusto Pinochet pelos seus próprios olhos - embora o filme seja narrado por uma personagem misteriosa que assim que é apresentada no terceiro ato, nos deixa de queixo caído. Para quem não sabe, Pinochet liderou um golpe de Estado em 1973, derrubando o governo democraticamente eleito de Salvador Allende. e assumiu o poder como líder da junta militar e posteriormente se autoproclamou presidente do Chile. Seu governo, que durou de 1973 a 1990, foi marcado por repressão política, violações dos direitos humanos e políticas econômicas que bebiam na fonte da corrupção - o curioso, no entanto, é como o filme insere informações relevantes sobre os bastidores dessas histórias e como o personagem interpreta seu legado em meio a uma crise existencial (ele sofrendo por ser reconhecido como "ladrão", é impagável).
Toda essa qualidade do texto é lindamente emoldurada por uma fotografia digna de Oscar. O fotografo americano Edward Lachman (indicado ao Oscar por "Carol" e "Longe do Paraíso") se apropria do preto e branco para criar um tom sombrio e misterioso - é como se assistíssemos "Nosferatu". Todo o desenho de produção, habilmente, explora esse aspecto de velho e carcomido para falar do passado, mas sem deixar de criar paralelos com o presente - as metáforas visuais são tão imponentes quanto as textuais e juntas, olha, é uma aula de cinema. Como diretor, Larraín é muito, mas muito, sagaz ao convidar a audiência a interpretar os eventos do filme e assim encontrar sentido com o que vimos ou vivemos na história recente do nosso país - fico imaginando como é rica essa experiência para um chileno, se para nós já é sensacional!
Outro ponto que merece destaque é a relação familiar de Augusto Pinochet, especialmente com sua mulher, Lucía Hiriart (Gloria Münchmeyer). Veja, embora essa relação tenha sido usada para criar uma imagem de estabilidade e moralidade, ela também foi marcada por acusações de corrupção e enriquecimento pessoal, que contribuíram para a controvérsia em torno de seu regime autoritário no Chile - a cena da freira Carmencita (Paula Luchsinger) entrevistando os cinco filhos do ditador e perguntando sobre algumas situações, digamos duvidosas, como aquela do caso Riggs, por exemplo, é muito engraçada. Quando embarcarmos nessa genialidade mais debochada de Larraín, nossa percepção muda de patamar!
"O Conde" talvez seja o "Roma" de Larraín - autoral, corajoso, bem executado tecnicamente, artisticamente impecável, e longe de ser um filme fácil e muito menos superficial. Toda essa linguagem mais satírica, misturada com uma bem equilibrada farsa política, não vai agradar aquela audiência que acha se tratar de um filme de terror sobre vampiros. Esquece! "O Conde" é muito mais do que isso e vale muito o seu play, principalmente se você tiver o cuidado de ler ou souber o que representou o governo Pinochet e como suas atitudes e discurso, além de hipócritas, foram fatais para aquele país.
Imperdível!
"O diabo de cada dia" foi uma agradável surpresa e embora muita gente possa discordar, é um grande filme! Existe uma linha tênue entre violência e religiosidade, que veio se intensificando através dos anos e o filme soube trabalhar esses elementos dentro de um universo bem particular e, de fato, fez todo o sentido na jornada de cada um dos personagens.
Baseado no livro homônimo de Donald Ray Pollock, The Devil All the Time (mas que aqui no Brasil recebeu o título de "O mal nosso de cada dia"), o filme acompanha diversos personagens num canto esquecido de Ohio, nos EUA, entre a Segunda Guerra Mundial e a Guerra do Vietnã, que, de alguma forma, foram impactados pelos efeitos da violência e/ou pela fé, como justificativa de suas escolhas ou do seu destino. Sim, eu sei que parece confuso ou filosófico demais, mas veja o trailer e tudo passará a fazer um pouco mais sentido:
Talvez o único comentário que se faça necessário é que o filme não é um suspense, não tem nenhum elemento sobrenatural e muito menos é superficial. O terror e a violência existem, mas é o ser humano e a forma como ele interpreta alguns dogmas, que fazem de "O diabo de cada dia" realmente assustador - eu diria que é o terror do cotidiano, da ignorância, do extremismo, mas tudo isso contado de um forma bastante inteligente e dinâmica - sem falar no ótimo trabalho de direção, desenho de produção e edição! Típico filme que se fosse uma série da HBO levaria todos os prêmios possíveis nas premiações - e isso é um baita elogio!
Um dos pontos altos "O diabo de cada dia" é o seu roteiro! Por se tratar de uma adaptação, muito se especula sobre a qualidade ou sobre a fidelidade em relação ao livro. Pois bem, aqui já saímos tendo o escritor da obra ao lado dos roteiristas, Antonio e Paulo Campos, e isso fica muito claro pelas escolhas narrativas que encontramos no filme - o próprio Donald Ray Pollock é o narrador, o que dá o tom certo para a história.
Por se tratar de quatro histórias que vão se encontrando até fechar um grande ciclo, algumas resoluções acabam levando para um epílogo um pouco óbvio, mas isso não atrapalha em nada nossa experiência, já que é impossível saber qual será, exatamente, o fim de cada um dos personagens - e posso garantir que somos surpreendidos no encerramento de quase todas essas sub-tramas que servem como peças de um enorme quebra-cabeça. Veja, no primeiro ato conhecemos Willard Russell (Bill Skarsgard), um atormentado veterano de guerra, que sobreviveu à segunda guerra. Ele não consegue salvar sua jovem esposa, Charlotte (Haley Bennett), de um câncer, mesmo com toda sua fé e devoção. Já Carl (Jason Clarke) e Sandy Henderson (Riley Keough), se conhecem na mesma época que Russel e sua esposa, porém acabam se transformando em um casal de assassinos em série graças ao fetiche de Carl em fotografar Sandy com outros homens. No segundo ato, seguimos Arvin Russell (Tom Holland), órfão de Willard e Charlotte, que cresceu para ser um homem bom, mas que começa a demonstrar comportamentos violentos quando passa a desconfiar que o novo líder religioso da cidade, Preston Teagardin (Robert Pattinson) está abusando de sua irmã adotiva Lenora (Eliza Scanlen), filha da primeira vítima de Carl e Sandy.
Entendeu a dinâmica? E esse foi só um exemplo de como as histórias vão se cruzando. Existem outras sub-tramas que mereciam, inclusive, mais tempo de desenvolvimento - por isso aquele comentário sobre quanto seria bacana se "O diabo de cada dia" fosse uma minissérie! Com relação a produção, eu só posso elogiar: a reconstrução de época, desde as escolhas das locações até todo o trabalho de arte, está impecável - digno de prêmios. A fotografia do inglês Lol Crawley (The OA) é muito bonita e junto com a direção de Campos, fazem fluir a história sem muita inventividade, mas com ótimas escolhas de enquadramentos, extremamente alinhados com um elenco do mais alto nível - destaques para Bill Skarsgard, Tom Holland e Robert Pattinson!
"O diabo de cada dia" é tecnicamente competente para retratar um drama perturbador, com cenas violentas e histórias de embrulhar o estômago. O realismo que vemos na narrativa é completamente necessário e atual - principalmente se interpretarmos algumas passagens de uma maneira mais alegórica. Ele nos provoca uma dura reflexão: por que dois conceitos tão antagônicos como "religião" e "violência" andam tão próximos, sempre? Nós até sabemos a resposta, claro, mas as escolhas do filme vão nos conduzindo para a certeza de que o ser humano tem uma capacidade impressionante de deturpar conceitos em função das suas próprias escolhas, do seu ego ou até das expectativas de uma interpretação que apenas ele acredita que esteja sempre correta, custe o que custar!
"O diabo de cada dia" foi uma agradável surpresa e embora muita gente possa discordar, é um grande filme! Existe uma linha tênue entre violência e religiosidade, que veio se intensificando através dos anos e o filme soube trabalhar esses elementos dentro de um universo bem particular e, de fato, fez todo o sentido na jornada de cada um dos personagens.
Baseado no livro homônimo de Donald Ray Pollock, The Devil All the Time (mas que aqui no Brasil recebeu o título de "O mal nosso de cada dia"), o filme acompanha diversos personagens num canto esquecido de Ohio, nos EUA, entre a Segunda Guerra Mundial e a Guerra do Vietnã, que, de alguma forma, foram impactados pelos efeitos da violência e/ou pela fé, como justificativa de suas escolhas ou do seu destino. Sim, eu sei que parece confuso ou filosófico demais, mas veja o trailer e tudo passará a fazer um pouco mais sentido:
Talvez o único comentário que se faça necessário é que o filme não é um suspense, não tem nenhum elemento sobrenatural e muito menos é superficial. O terror e a violência existem, mas é o ser humano e a forma como ele interpreta alguns dogmas, que fazem de "O diabo de cada dia" realmente assustador - eu diria que é o terror do cotidiano, da ignorância, do extremismo, mas tudo isso contado de um forma bastante inteligente e dinâmica - sem falar no ótimo trabalho de direção, desenho de produção e edição! Típico filme que se fosse uma série da HBO levaria todos os prêmios possíveis nas premiações - e isso é um baita elogio!
Um dos pontos altos "O diabo de cada dia" é o seu roteiro! Por se tratar de uma adaptação, muito se especula sobre a qualidade ou sobre a fidelidade em relação ao livro. Pois bem, aqui já saímos tendo o escritor da obra ao lado dos roteiristas, Antonio e Paulo Campos, e isso fica muito claro pelas escolhas narrativas que encontramos no filme - o próprio Donald Ray Pollock é o narrador, o que dá o tom certo para a história.
Por se tratar de quatro histórias que vão se encontrando até fechar um grande ciclo, algumas resoluções acabam levando para um epílogo um pouco óbvio, mas isso não atrapalha em nada nossa experiência, já que é impossível saber qual será, exatamente, o fim de cada um dos personagens - e posso garantir que somos surpreendidos no encerramento de quase todas essas sub-tramas que servem como peças de um enorme quebra-cabeça. Veja, no primeiro ato conhecemos Willard Russell (Bill Skarsgard), um atormentado veterano de guerra, que sobreviveu à segunda guerra. Ele não consegue salvar sua jovem esposa, Charlotte (Haley Bennett), de um câncer, mesmo com toda sua fé e devoção. Já Carl (Jason Clarke) e Sandy Henderson (Riley Keough), se conhecem na mesma época que Russel e sua esposa, porém acabam se transformando em um casal de assassinos em série graças ao fetiche de Carl em fotografar Sandy com outros homens. No segundo ato, seguimos Arvin Russell (Tom Holland), órfão de Willard e Charlotte, que cresceu para ser um homem bom, mas que começa a demonstrar comportamentos violentos quando passa a desconfiar que o novo líder religioso da cidade, Preston Teagardin (Robert Pattinson) está abusando de sua irmã adotiva Lenora (Eliza Scanlen), filha da primeira vítima de Carl e Sandy.
Entendeu a dinâmica? E esse foi só um exemplo de como as histórias vão se cruzando. Existem outras sub-tramas que mereciam, inclusive, mais tempo de desenvolvimento - por isso aquele comentário sobre quanto seria bacana se "O diabo de cada dia" fosse uma minissérie! Com relação a produção, eu só posso elogiar: a reconstrução de época, desde as escolhas das locações até todo o trabalho de arte, está impecável - digno de prêmios. A fotografia do inglês Lol Crawley (The OA) é muito bonita e junto com a direção de Campos, fazem fluir a história sem muita inventividade, mas com ótimas escolhas de enquadramentos, extremamente alinhados com um elenco do mais alto nível - destaques para Bill Skarsgard, Tom Holland e Robert Pattinson!
"O diabo de cada dia" é tecnicamente competente para retratar um drama perturbador, com cenas violentas e histórias de embrulhar o estômago. O realismo que vemos na narrativa é completamente necessário e atual - principalmente se interpretarmos algumas passagens de uma maneira mais alegórica. Ele nos provoca uma dura reflexão: por que dois conceitos tão antagônicos como "religião" e "violência" andam tão próximos, sempre? Nós até sabemos a resposta, claro, mas as escolhas do filme vão nos conduzindo para a certeza de que o ser humano tem uma capacidade impressionante de deturpar conceitos em função das suas próprias escolhas, do seu ego ou até das expectativas de uma interpretação que apenas ele acredita que esteja sempre correta, custe o que custar!
O cinema de horror ou de sobrevivência em contextos extremos raramente oferece uma experiência tão visceral e imersiva quanto "O Filho de Saul". Dirigido pelo László Nemes (de "Entardecer"), essa produção húngara foi aclamada com o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes em 2015 e vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2016 - sem falar no BAFTA e no Goya de 2017, e no Critics Choice, no Cézar Awards e no Globo de Ouro também em 2016. Na verdade, esse filme é um testemunho impactante da brutalidade do Holocausto, contudo ao invés de se concentrar na vastidão do terror nazista, o roteiro opta por fazer um retrato íntimo, quase claustrofóbico, acompanhando cada passo de seu protagonista em uma narrativa que é tanto um ato de resistência quanto um grito silencioso de desespero. "O Filho de Saul" não só desafia as convenções do cinema atual sobre o Holocausto, como também redefine o próprio gênero com uma abordagem técnica inovadora e uma profundidade emocional sem paralelo - eu diria até comparável em seu impacto a "A Lista de Schindler" de Steven Spielberg, a "A Vida é Bela" de Roberto Benigni ou até o "Zona de Interesse" de Jonathan Glazer, mas com um realismo e uma intensidade que são inigualáveis.
A história segue Saul Ausländer (Géza Röhrig), um judeu-húngaro prisioneiro em um campo de concentração que trabalha como membro do Sonderkommando - esse era o tipo de prisioneiro que era forçado a ajudar na execução e cremação dos judeus. Em meio a uma dessas "missões", Saul encontra o corpo de uma criança que ele acredita poder ser seu filho. Em um gesto de profunda humanidade (e resistência), ele decide arriscar sua vida para dar aquela criança um enterro adequado, enfrentando obstáculos quase insuperáveis para encontrar um rabino que possa conduzir uma proibida cerimônia religiosa. Confira o trailer:
Partindo de premissa dessa missão desesperada e solitária de Saul que define o arco dramático do filme e traz à tona questões éticas e morais que transcendem o contexto histórico, o que encontramos na tela é um verdadeiro soco no estômago onde tudo, absolutamente tudo, é construído para nos tirar da zona de conforto. Certamente o diferencial técnico mais notável em "O Filho de Saul" seja o uso de uma cinematografia singular. Rodado em 35mm e com uma razão de aspecto de 1.37:1, o diretor de fotografia Mátyás Erdély (de "O Refúgio") captura a experiência do protagonista em closes extremos e com planos longos, o que mantêm o foco restrito no personagem central, enquanto o horror do campo de concentração permanece desfocado e praticamente indefinível no fundo. Essa escolha conceitual não apenas reforça a percepção de confinamento e opressão, mas também faz com que a audiência viva a jornada de Saul de forma quase que em primeira pessoa. Veja, a câmera se torna uma extensão da própria visão do protagonista, nos conduzindo pelos corredores e câmaras de gás de Auschwitz com uma proximidade sufocante e imersiva, que traduz a desumanização e o caos de forma brutalmente eficaz.
É inegável que a atuação contida de Géza Röhrig é fundamental para o sucesso deste experimento narrativo. Seu desempenho contrasta com a agonia e a urgência de sua missão. Röhrig infunde Saul com uma dignidade teimosa e uma dor interna que raramente se expressa através de palavras, mas que transborda a cada gesto e olhar - é um lindo trabalho de ator. O elenco de apoio, incluindo Levente Molnár como Abraham e Urs Rechn como Biedermann também merecem elogios ao complementar essa intensidade, oferecendo performances que, mesmo em papéis menores, contribuem demais para a atmosfera sufocante e tensa. Outros aspectos que merecem sua atenção é a trilha sonora (ou em muitos momentos, a falta dela) e o design de som - essa combinação amplifica nossa experiência de uma forma tão visceral que beira o insuportável. Saiba que em "O Filho de Saul", o silêncio é frequentemente interrompido apenas pelo som ambiente do campo - como em "Zona de Interesse", só ouvimos os gritos, ordens em alemão, tiros, sofrimento e dor. E tem mais: aqui ainda percebemos essa composição se entrelaçando com a respiração e com os passos de Saul, criando uma abordagem sonora minimalista que reforça a autenticidade da experiência e que evita qualquer sensação de sentimentalismo barato, permitindo que a brutalidade daquele cenário fale por si só.
Concluindo, "O Filho de Saul" é uma obra que transcende a mera representação do Holocausto para se tornar um estudo profundo sobre a resistência da humanidade em face da absoluta falta de amor e respeito. Esse é um filme difícil, cheio de identidade, que desafia a audiência a confrontar a brutalidade do passado pela perspectiva perturbadora da realidade, sem oferecer o consolo de uma narrativa mais tradicional. Nemes cria uma experiência cinematográfica que é ao mesmo tempo devastadora e necessária - um testamento à força de vontade e à luta incessante pela dignidade. Um filme que vai além do óbvio e que oferece uma visão angustiante, mas essencial, de uma história que não podemos esquecer.
Imperdível!
O cinema de horror ou de sobrevivência em contextos extremos raramente oferece uma experiência tão visceral e imersiva quanto "O Filho de Saul". Dirigido pelo László Nemes (de "Entardecer"), essa produção húngara foi aclamada com o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes em 2015 e vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2016 - sem falar no BAFTA e no Goya de 2017, e no Critics Choice, no Cézar Awards e no Globo de Ouro também em 2016. Na verdade, esse filme é um testemunho impactante da brutalidade do Holocausto, contudo ao invés de se concentrar na vastidão do terror nazista, o roteiro opta por fazer um retrato íntimo, quase claustrofóbico, acompanhando cada passo de seu protagonista em uma narrativa que é tanto um ato de resistência quanto um grito silencioso de desespero. "O Filho de Saul" não só desafia as convenções do cinema atual sobre o Holocausto, como também redefine o próprio gênero com uma abordagem técnica inovadora e uma profundidade emocional sem paralelo - eu diria até comparável em seu impacto a "A Lista de Schindler" de Steven Spielberg, a "A Vida é Bela" de Roberto Benigni ou até o "Zona de Interesse" de Jonathan Glazer, mas com um realismo e uma intensidade que são inigualáveis.
A história segue Saul Ausländer (Géza Röhrig), um judeu-húngaro prisioneiro em um campo de concentração que trabalha como membro do Sonderkommando - esse era o tipo de prisioneiro que era forçado a ajudar na execução e cremação dos judeus. Em meio a uma dessas "missões", Saul encontra o corpo de uma criança que ele acredita poder ser seu filho. Em um gesto de profunda humanidade (e resistência), ele decide arriscar sua vida para dar aquela criança um enterro adequado, enfrentando obstáculos quase insuperáveis para encontrar um rabino que possa conduzir uma proibida cerimônia religiosa. Confira o trailer:
Partindo de premissa dessa missão desesperada e solitária de Saul que define o arco dramático do filme e traz à tona questões éticas e morais que transcendem o contexto histórico, o que encontramos na tela é um verdadeiro soco no estômago onde tudo, absolutamente tudo, é construído para nos tirar da zona de conforto. Certamente o diferencial técnico mais notável em "O Filho de Saul" seja o uso de uma cinematografia singular. Rodado em 35mm e com uma razão de aspecto de 1.37:1, o diretor de fotografia Mátyás Erdély (de "O Refúgio") captura a experiência do protagonista em closes extremos e com planos longos, o que mantêm o foco restrito no personagem central, enquanto o horror do campo de concentração permanece desfocado e praticamente indefinível no fundo. Essa escolha conceitual não apenas reforça a percepção de confinamento e opressão, mas também faz com que a audiência viva a jornada de Saul de forma quase que em primeira pessoa. Veja, a câmera se torna uma extensão da própria visão do protagonista, nos conduzindo pelos corredores e câmaras de gás de Auschwitz com uma proximidade sufocante e imersiva, que traduz a desumanização e o caos de forma brutalmente eficaz.
É inegável que a atuação contida de Géza Röhrig é fundamental para o sucesso deste experimento narrativo. Seu desempenho contrasta com a agonia e a urgência de sua missão. Röhrig infunde Saul com uma dignidade teimosa e uma dor interna que raramente se expressa através de palavras, mas que transborda a cada gesto e olhar - é um lindo trabalho de ator. O elenco de apoio, incluindo Levente Molnár como Abraham e Urs Rechn como Biedermann também merecem elogios ao complementar essa intensidade, oferecendo performances que, mesmo em papéis menores, contribuem demais para a atmosfera sufocante e tensa. Outros aspectos que merecem sua atenção é a trilha sonora (ou em muitos momentos, a falta dela) e o design de som - essa combinação amplifica nossa experiência de uma forma tão visceral que beira o insuportável. Saiba que em "O Filho de Saul", o silêncio é frequentemente interrompido apenas pelo som ambiente do campo - como em "Zona de Interesse", só ouvimos os gritos, ordens em alemão, tiros, sofrimento e dor. E tem mais: aqui ainda percebemos essa composição se entrelaçando com a respiração e com os passos de Saul, criando uma abordagem sonora minimalista que reforça a autenticidade da experiência e que evita qualquer sensação de sentimentalismo barato, permitindo que a brutalidade daquele cenário fale por si só.
Concluindo, "O Filho de Saul" é uma obra que transcende a mera representação do Holocausto para se tornar um estudo profundo sobre a resistência da humanidade em face da absoluta falta de amor e respeito. Esse é um filme difícil, cheio de identidade, que desafia a audiência a confrontar a brutalidade do passado pela perspectiva perturbadora da realidade, sem oferecer o consolo de uma narrativa mais tradicional. Nemes cria uma experiência cinematográfica que é ao mesmo tempo devastadora e necessária - um testamento à força de vontade e à luta incessante pela dignidade. Um filme que vai além do óbvio e que oferece uma visão angustiante, mas essencial, de uma história que não podemos esquecer.
Imperdível!
Eu sou suspeito para falar sobre o diretor iraniano AsgharFarhadi, mas como eu já havia comentado no review de "O apartamento", ele é daqueles poucos diretores que temos a certeza que sempre entregará um grande filme! Ele tem uma sensibilidade para falar sobre as relações humanas impressionante, especialmente entre casais, e ao mesmo tempo construir uma atmosfera de mistério que não necessariamente existe, mas que ao criarmos a expectativa sobre o "algo mais", ele simplesmente junta as peças e nos entrega o óbvio propositalmente - provando que a vida é cheia de segredos, mas que as respostas são as mais simples possíveis, basta ter coragem para encará-las.
"O Passado" mostra a ruína de uma relação entre um marido iraniano e sua esposa francesa, vivendo na Europa. Após quatro anos de separação, Ahmad (Ali Mosaffa) retorna a Paris, vindo de Teerã, a pedido da ex-mulher, Marie (Bérénice Bejo), para finalizar o processo do divórcio. Durante sua rápida estadia, Ahmad nota a conflituosa relação entre Marie e sua filha Lucie (Pauline Burlet). Os esforços de Ahmad para melhorar esse relacionamento acabam revelando muitos segredos e a cada embate os fantasmas do passado retornam ainda com mais força. Confira o trailer:
Tecnicamente perfeito - da Fotografia à Direção de Arte, o filme inteiro se apoia em um roteiro excelente. É incrível como os diálogos, mesmo longos, são bem construídos. Reparem como eles criam uma atmosfera de constrangimento e desencontros, tão palpável e natural se olharmos pelo ponto de vista das relações - seja elas quais forem! Farhadi mostra perfeitamente como é complicado lidar com relações disfuncionais: o futuro marido que sente inseguro com a presença do ex, a esposa que não consegue lidar com as escolhas de todos os homens que passaram pela sua vida, a filha adolescente que não consegue se comunicar com a mãe e olhem que interessante: como as crianças enxergam todos esses conflitos e sofrem por estar em um ambiente tão caótico emocionalmente. Sério, é um aula de atuação de todo elenco - especialmente de Bérénice Bejo que, inclusive, ganhou na categoria "Melhor Atriz" no Festival de Cannes em 2013.
Se para alguns o filme pode parecer cansativo, afinal muitas cenas parecem durar tempo demais, pode ter a mais absoluta certeza: ela é necessária para a total compreensão da história. Dentro do conceito narrativo de Asghar Farhadi (que mais uma vez também assina o roteiro) nenhum personagem ou situação é desperdiçada, todos e tudo cumprem suas funções com o único objetivo: nos provocar emocionalmente e criar sensações bem desconfortáveis - o próprio cenário, a casa da Marie, em reforma, sempre bagunçada e cheia de problemas, onde 70% do filme acontece, é quase uma metáfora de sua vida e nos dá uma agonia absurda.
De fato a cinematografia de Farhadi não agrada a todos e é compreensível, mas para aqueles dispostos a mergulhar nas camadas mais profundas dos personagens - que parecem simples, mas carregam uma complexidade inerente ao ser humano, olha, "Le passé" (no original) é outro filme imperdível desse talentoso e premiado cineasta!
Vale muito seu play!
Eu sou suspeito para falar sobre o diretor iraniano AsgharFarhadi, mas como eu já havia comentado no review de "O apartamento", ele é daqueles poucos diretores que temos a certeza que sempre entregará um grande filme! Ele tem uma sensibilidade para falar sobre as relações humanas impressionante, especialmente entre casais, e ao mesmo tempo construir uma atmosfera de mistério que não necessariamente existe, mas que ao criarmos a expectativa sobre o "algo mais", ele simplesmente junta as peças e nos entrega o óbvio propositalmente - provando que a vida é cheia de segredos, mas que as respostas são as mais simples possíveis, basta ter coragem para encará-las.
"O Passado" mostra a ruína de uma relação entre um marido iraniano e sua esposa francesa, vivendo na Europa. Após quatro anos de separação, Ahmad (Ali Mosaffa) retorna a Paris, vindo de Teerã, a pedido da ex-mulher, Marie (Bérénice Bejo), para finalizar o processo do divórcio. Durante sua rápida estadia, Ahmad nota a conflituosa relação entre Marie e sua filha Lucie (Pauline Burlet). Os esforços de Ahmad para melhorar esse relacionamento acabam revelando muitos segredos e a cada embate os fantasmas do passado retornam ainda com mais força. Confira o trailer:
Tecnicamente perfeito - da Fotografia à Direção de Arte, o filme inteiro se apoia em um roteiro excelente. É incrível como os diálogos, mesmo longos, são bem construídos. Reparem como eles criam uma atmosfera de constrangimento e desencontros, tão palpável e natural se olharmos pelo ponto de vista das relações - seja elas quais forem! Farhadi mostra perfeitamente como é complicado lidar com relações disfuncionais: o futuro marido que sente inseguro com a presença do ex, a esposa que não consegue lidar com as escolhas de todos os homens que passaram pela sua vida, a filha adolescente que não consegue se comunicar com a mãe e olhem que interessante: como as crianças enxergam todos esses conflitos e sofrem por estar em um ambiente tão caótico emocionalmente. Sério, é um aula de atuação de todo elenco - especialmente de Bérénice Bejo que, inclusive, ganhou na categoria "Melhor Atriz" no Festival de Cannes em 2013.
Se para alguns o filme pode parecer cansativo, afinal muitas cenas parecem durar tempo demais, pode ter a mais absoluta certeza: ela é necessária para a total compreensão da história. Dentro do conceito narrativo de Asghar Farhadi (que mais uma vez também assina o roteiro) nenhum personagem ou situação é desperdiçada, todos e tudo cumprem suas funções com o único objetivo: nos provocar emocionalmente e criar sensações bem desconfortáveis - o próprio cenário, a casa da Marie, em reforma, sempre bagunçada e cheia de problemas, onde 70% do filme acontece, é quase uma metáfora de sua vida e nos dá uma agonia absurda.
De fato a cinematografia de Farhadi não agrada a todos e é compreensível, mas para aqueles dispostos a mergulhar nas camadas mais profundas dos personagens - que parecem simples, mas carregam uma complexidade inerente ao ser humano, olha, "Le passé" (no original) é outro filme imperdível desse talentoso e premiado cineasta!
Vale muito seu play!
"O som do silêncio" é um filme difícil, daqueles que doem na alma! Ele, basicamente, fala sobre a necessidade de aceitar as mudanças que a vida nos apresenta e da importância de entender que olhar para frente é a melhor escolha, mesmo sabendo que o que ficou para trás foi importante (mas passou)!
A história acompanha Ruben Stone (Riz Ahmed) um o baterista de uma banda de heavy metal que está em turnê pelos Estados Unidos. Ele namora com a vocalista, Lou (Olivia Cooke) há quatro anos, mesmo período em que ele está longe das drogas e ela, longe da automutilação. Eles parecem viver em um relacionamento verdadeiro, felizes dentro daquele universo que escolheram - tudo, de fato, está dando certo na vida do casal até que Ruben passa a sofrer com uma perda brusca de audição. Incapaz de ouvir como antes, de se expor ao barulho de sua profissão e sem dinheiro para um procedimento médico que talvez pudesse recuperá-lo, ele é obrigado a buscar ajuda em um centro de apoio para surdos, sozinho! Confira o trailer:
"O som do silêncio" é um filme cadenciado, o que pode gerar alguma resistência, principalmente durante o segundo ato. Ao mesmo tempo ele muito bem dirigido pelo estreante Darius Marder e com a ajuda de um desenho de som simplesmente magnifico, "O som do silêncio" é um mergulho nos medos mais profundos de um ser humano através da ausência do som! Com uma interpretação digna de prêmios de Riz Ahmed ("The Night Of"), "Sound of Metal" (título original) é uma agradável surpresa no catálogo da Prime Vídeo e chega com chancela do talentoso Derek Cianfrance ("Namorados para Sempre") que divide o roteiro com Abraham Marder (irmão do diretor).
Como já conhecemos o trabalho de Cianfrance, esse filme não foge a regra: é uma história composta por várias camadas, que usa do silêncio (literalmente) para nos criar sensações que vão da angústia ao sofrimento sem pedir muita licença e tudo pelos olhos de um grande ator e de uma atriz, Olivia Cooke, que mesmo sem muito tempo de tela, é capaz de nos tocar a cada cena! Temos um lindo e profundo filme para quem gosta de uma narrativa mais intimista e reflexiva! Vale muito seu play!
"O som do silêncio" é um filme difícil, daqueles que doem na alma! Ele, basicamente, fala sobre a necessidade de aceitar as mudanças que a vida nos apresenta e da importância de entender que olhar para frente é a melhor escolha, mesmo sabendo que o que ficou para trás foi importante (mas passou)!
A história acompanha Ruben Stone (Riz Ahmed) um o baterista de uma banda de heavy metal que está em turnê pelos Estados Unidos. Ele namora com a vocalista, Lou (Olivia Cooke) há quatro anos, mesmo período em que ele está longe das drogas e ela, longe da automutilação. Eles parecem viver em um relacionamento verdadeiro, felizes dentro daquele universo que escolheram - tudo, de fato, está dando certo na vida do casal até que Ruben passa a sofrer com uma perda brusca de audição. Incapaz de ouvir como antes, de se expor ao barulho de sua profissão e sem dinheiro para um procedimento médico que talvez pudesse recuperá-lo, ele é obrigado a buscar ajuda em um centro de apoio para surdos, sozinho! Confira o trailer:
"O som do silêncio" é um filme cadenciado, o que pode gerar alguma resistência, principalmente durante o segundo ato. Ao mesmo tempo ele muito bem dirigido pelo estreante Darius Marder e com a ajuda de um desenho de som simplesmente magnifico, "O som do silêncio" é um mergulho nos medos mais profundos de um ser humano através da ausência do som! Com uma interpretação digna de prêmios de Riz Ahmed ("The Night Of"), "Sound of Metal" (título original) é uma agradável surpresa no catálogo da Prime Vídeo e chega com chancela do talentoso Derek Cianfrance ("Namorados para Sempre") que divide o roteiro com Abraham Marder (irmão do diretor).
Como já conhecemos o trabalho de Cianfrance, esse filme não foge a regra: é uma história composta por várias camadas, que usa do silêncio (literalmente) para nos criar sensações que vão da angústia ao sofrimento sem pedir muita licença e tudo pelos olhos de um grande ator e de uma atriz, Olivia Cooke, que mesmo sem muito tempo de tela, é capaz de nos tocar a cada cena! Temos um lindo e profundo filme para quem gosta de uma narrativa mais intimista e reflexiva! Vale muito seu play!
Finalista no Festival de Locarno em 2013, "O Último Amor de Mr. Morgan" é daqueles filmes que enchem nosso coração de felicidade - mesmo sendo completamente previsível e tendo uma história que parece que já vimos em algum lugar, sabe? No filme, Mr. Morgan (Michael Caine) acabou de perder a esposa (Jane Alexander) para o câncer. Embora americano, Mr. Morgan decide continuar em Paris onde mora, mesmo sem falar francês e vivendo praticamente sozinho, ele é tomado pela tristeza e pelas lembranças do grande amor da sua vida. Certo dia, ele conhece Pauline (Clémence Poésy), uma professora de dança que desperta uma nova motivação em sua rotina: a vontade de viver para poder estar ao lado dessa adorável jovem. Durante a história, ainda conhecemos a relação conturbada dele com os filhos Karen (Gillian Anderson) e Miles (Justin Kirk) e como isso impactou na sua forma de enxergar os laços familiares. Confira o trailer:
Um ano após o grande sucesso de Michael Haneke, "Amour" (Amor), "Last Love" (título original) fala sobre temas muito parecidos: os ciclos da vida, as relações familiares e, claro, sobre como a falta de comunicação pode nos afastar de um amor verdadeiro e nos encher de ressentimentos e arrependimentos. Embora não seja uma narrativa tão marcante, "O Último Amor de Mr. Morgan" é uma delicia de assistir e equilibra perfeitamente momentos leves e emotivos, com o drama e a profundidade de algumas marcas que a vida nos deixa.
Filme para curtir, em um lindo cenário, com uma trilha sonora maravilhosa que nos faz refletir em vários momentos e valorizar algumas coisas que teimamos em esquecer graças ao dia a dia corrido que vivemos!
A premiada diretora alemã, Sandra Nettelbeck (de "Bella Martha") é muito competente em criar uma atmosfera bastante nostálgica ao apresentar os conflitos de cada personagem. Com muita habilidade, ela trabalha enquadramentos que misturam realidade com imaginação que, muito mais que uma habilidade técnica, é capaz que nos proporcionar sensações bastante especiais. Reparem como Mr. Morgan se relaciona com a esposa morta com uma delicadeza impressionante!
Como roteirista, Nettelbeck, é muito inteligente em dividir muito bem a história - uma adaptação da obra de Françoise Dorner. No primeiro ato, o foco está na relação de Mr. Morgan e Pauline - uma jovem de certa forma misteriosa que apareceu na vida do protagonista em um momento de fragilidade e tristeza, com sua doçura e projetando nele uma figura paterna - aqui existe um jogo interessante proposto pelo texto: como sabemos pouco de Pauline e entendemos o momento de Morgan, é inevitável não se questionar se esse encantamento entre os dois pode ir além de uma inocente amizade, mas, sinceramente, os diálogos são tão bem escritos que até isso pouco importa diante do que ambos estão vivendo.
Pois bem, no segundo ato acompanhamos a entrada dos filhos de Mr. Morgan na história. Se no início acompanhamos o luto do protagonista e a esperança do recomeço ao conhecer Pauline, agora somos provocados a nos questionar perante o relacionamento familiar e a verdade que Morgan pode esconder através da sua personalidade - e aproveito para citar o excelente trabalho do ator Michael Caine. É no desenrolar desse ato que o roteiro de Nettelbeck acerta e erra ao mesmo tempo: se ela vai nos contando sobre a vida dos personagens nos momentos certos, ela vacila ao deixar claro por quem Pauline vai, de fato, se apaixonar - e fique tranquilo, isso não está nem perto de ser um spoiler de tão óbvio que é desde o primeiro momento!
Para finalizar, temos um terceiro ato onde sua relação com Pauline se mistura com os conflitos familiares em busca de uma solução - eu diria até, em busca de uma redenção e o texto não decepciona. Os diálogos são cirúrgicos ao não cair no piegas e Nettelbeck entrega, nos detalhes, um filme com alma! Daqueles que sentimos na pele ao assistir e que nos trazem coisas boas, mesmo quando algo ruim pode acontecer na tela. Emoção no ponto certo e aqui vai meu segundo destaque do elenco: Clémency Poésy é doce, talentosa e linda!
Ao som de uma trilha sonora de Hans Zimmer que conta com Norah Jones e uma belíssima versão de "Not to Late", “O Último Amor de Mr. Morgan” é um ótimo filme para assistir, sentir e se divertir! Vale muito a pena com aquele aperto no coração da saudade!
Finalista no Festival de Locarno em 2013, "O Último Amor de Mr. Morgan" é daqueles filmes que enchem nosso coração de felicidade - mesmo sendo completamente previsível e tendo uma história que parece que já vimos em algum lugar, sabe? No filme, Mr. Morgan (Michael Caine) acabou de perder a esposa (Jane Alexander) para o câncer. Embora americano, Mr. Morgan decide continuar em Paris onde mora, mesmo sem falar francês e vivendo praticamente sozinho, ele é tomado pela tristeza e pelas lembranças do grande amor da sua vida. Certo dia, ele conhece Pauline (Clémence Poésy), uma professora de dança que desperta uma nova motivação em sua rotina: a vontade de viver para poder estar ao lado dessa adorável jovem. Durante a história, ainda conhecemos a relação conturbada dele com os filhos Karen (Gillian Anderson) e Miles (Justin Kirk) e como isso impactou na sua forma de enxergar os laços familiares. Confira o trailer:
Um ano após o grande sucesso de Michael Haneke, "Amour" (Amor), "Last Love" (título original) fala sobre temas muito parecidos: os ciclos da vida, as relações familiares e, claro, sobre como a falta de comunicação pode nos afastar de um amor verdadeiro e nos encher de ressentimentos e arrependimentos. Embora não seja uma narrativa tão marcante, "O Último Amor de Mr. Morgan" é uma delicia de assistir e equilibra perfeitamente momentos leves e emotivos, com o drama e a profundidade de algumas marcas que a vida nos deixa.
Filme para curtir, em um lindo cenário, com uma trilha sonora maravilhosa que nos faz refletir em vários momentos e valorizar algumas coisas que teimamos em esquecer graças ao dia a dia corrido que vivemos!
A premiada diretora alemã, Sandra Nettelbeck (de "Bella Martha") é muito competente em criar uma atmosfera bastante nostálgica ao apresentar os conflitos de cada personagem. Com muita habilidade, ela trabalha enquadramentos que misturam realidade com imaginação que, muito mais que uma habilidade técnica, é capaz que nos proporcionar sensações bastante especiais. Reparem como Mr. Morgan se relaciona com a esposa morta com uma delicadeza impressionante!
Como roteirista, Nettelbeck, é muito inteligente em dividir muito bem a história - uma adaptação da obra de Françoise Dorner. No primeiro ato, o foco está na relação de Mr. Morgan e Pauline - uma jovem de certa forma misteriosa que apareceu na vida do protagonista em um momento de fragilidade e tristeza, com sua doçura e projetando nele uma figura paterna - aqui existe um jogo interessante proposto pelo texto: como sabemos pouco de Pauline e entendemos o momento de Morgan, é inevitável não se questionar se esse encantamento entre os dois pode ir além de uma inocente amizade, mas, sinceramente, os diálogos são tão bem escritos que até isso pouco importa diante do que ambos estão vivendo.
Pois bem, no segundo ato acompanhamos a entrada dos filhos de Mr. Morgan na história. Se no início acompanhamos o luto do protagonista e a esperança do recomeço ao conhecer Pauline, agora somos provocados a nos questionar perante o relacionamento familiar e a verdade que Morgan pode esconder através da sua personalidade - e aproveito para citar o excelente trabalho do ator Michael Caine. É no desenrolar desse ato que o roteiro de Nettelbeck acerta e erra ao mesmo tempo: se ela vai nos contando sobre a vida dos personagens nos momentos certos, ela vacila ao deixar claro por quem Pauline vai, de fato, se apaixonar - e fique tranquilo, isso não está nem perto de ser um spoiler de tão óbvio que é desde o primeiro momento!
Para finalizar, temos um terceiro ato onde sua relação com Pauline se mistura com os conflitos familiares em busca de uma solução - eu diria até, em busca de uma redenção e o texto não decepciona. Os diálogos são cirúrgicos ao não cair no piegas e Nettelbeck entrega, nos detalhes, um filme com alma! Daqueles que sentimos na pele ao assistir e que nos trazem coisas boas, mesmo quando algo ruim pode acontecer na tela. Emoção no ponto certo e aqui vai meu segundo destaque do elenco: Clémency Poésy é doce, talentosa e linda!
Ao som de uma trilha sonora de Hans Zimmer que conta com Norah Jones e uma belíssima versão de "Not to Late", “O Último Amor de Mr. Morgan” é um ótimo filme para assistir, sentir e se divertir! Vale muito a pena com aquele aperto no coração da saudade!
Em um primeiro olhar você até pode imaginar que a série "The Bear" (no original) é mais uma comédia que tem a gastronomia como pano de fundo como em "Chef" (por exemplo), porém bastam alguns minutos para entender que se trata mesmo é de um drama dos mais profundos, com personagens únicos, bem desenvolvidos, cheio de camadas - daqueles que costumamos a ver (e amar) nas séries de Vince Gilligan (de "Breaking Bad").
Aqui conhecemos o chef Carmy (Jeremy Allen White) que, após a morte do irmão mais velho, herda a lanchonete “The Original Beef de Chicago”. Carmy tem muito a oferecer, sua experiência em restaurantes renomados de NY contribui para seu novo objetivo: fazer o empreendimento do irmão prosperar. No entanto, tudo está do avesso, o lugar é caçado pela vigilância sanitária, as dívidas são enormes e a equipe é caótica, mal treinada e não leva a sério nada do que o próprio Carmy diz ou faz. Confira o trailer (em inglês):
O caos em uma cozinha obviamente rende ótimas histórias, mas em "O Urso" essa característica é só parte da dicotomia que são seus personagens: todos eles são solitários em suas dores mais profundas. É a partir desse choque de realidades que o diretor Christopher Storer (de "Ramy") constrói uma narrativa extremamente dinâmica que se aproveita de um universo muito envolvente para discutir temas diversos que vão do luto ao empreendedorismo em apenas um corte. Aliás, a montagem da série é um espetáculo a parte, com cortes rápidos e muitas vezes sem conexão entre eles, misturados com ótimos planos-sequência e inserts da cidade de Chicago ou de frames com pratos da alta gastronomia, Stores alinha seu conceito de extremos "do luxo ao lixo", tanto na "forma" quanto no "conteúdo".
É preciso dizer, no entanto, que a paixão pela série não é imediata - como em "Breaking Bad", é preciso entender a proposta conceitual do diretor e mergulhar naquela atmosfera aproveitando as atitudes e características muito peculiares dos próprios personagens para se conectar com a história. Veja, além do talento de Carmy naquele pequeno recorte de cenário (a cozinha da lanchonete onde 90% da série acontece) existem pelo menos mais quatro personagens riquíssimos a ser explorados - sem dúvida que nessa primeira temporada, o escolhido para dividir os holofotes com Jeremy Allen White foi o explosivo Richie ( com um Ebon Moss-Bachrach que dá um show), mas o roteiro é tão rico que é impossível não perceber o potencial da jovem e talentosa Sydney (Ayo Edebiri), ou do esforçado e resiliente Marcus (Lionel Boyce) e até da insegura e mal-humorada Tina (Liza Colón-Zayas).
O fato é que "O Urso" chega como uma das mais agradáveis surpresas de 2022 e postulante aos inúmeros troféus nas próximas temporadas de premiações, graças a sua impressionante força narrativa e uma enorme qualidade técnica e artística que se encaixaram de uma maneira raríssima. Imperdível!
Em um primeiro olhar você até pode imaginar que a série "The Bear" (no original) é mais uma comédia que tem a gastronomia como pano de fundo como em "Chef" (por exemplo), porém bastam alguns minutos para entender que se trata mesmo é de um drama dos mais profundos, com personagens únicos, bem desenvolvidos, cheio de camadas - daqueles que costumamos a ver (e amar) nas séries de Vince Gilligan (de "Breaking Bad").
Aqui conhecemos o chef Carmy (Jeremy Allen White) que, após a morte do irmão mais velho, herda a lanchonete “The Original Beef de Chicago”. Carmy tem muito a oferecer, sua experiência em restaurantes renomados de NY contribui para seu novo objetivo: fazer o empreendimento do irmão prosperar. No entanto, tudo está do avesso, o lugar é caçado pela vigilância sanitária, as dívidas são enormes e a equipe é caótica, mal treinada e não leva a sério nada do que o próprio Carmy diz ou faz. Confira o trailer (em inglês):
O caos em uma cozinha obviamente rende ótimas histórias, mas em "O Urso" essa característica é só parte da dicotomia que são seus personagens: todos eles são solitários em suas dores mais profundas. É a partir desse choque de realidades que o diretor Christopher Storer (de "Ramy") constrói uma narrativa extremamente dinâmica que se aproveita de um universo muito envolvente para discutir temas diversos que vão do luto ao empreendedorismo em apenas um corte. Aliás, a montagem da série é um espetáculo a parte, com cortes rápidos e muitas vezes sem conexão entre eles, misturados com ótimos planos-sequência e inserts da cidade de Chicago ou de frames com pratos da alta gastronomia, Stores alinha seu conceito de extremos "do luxo ao lixo", tanto na "forma" quanto no "conteúdo".
É preciso dizer, no entanto, que a paixão pela série não é imediata - como em "Breaking Bad", é preciso entender a proposta conceitual do diretor e mergulhar naquela atmosfera aproveitando as atitudes e características muito peculiares dos próprios personagens para se conectar com a história. Veja, além do talento de Carmy naquele pequeno recorte de cenário (a cozinha da lanchonete onde 90% da série acontece) existem pelo menos mais quatro personagens riquíssimos a ser explorados - sem dúvida que nessa primeira temporada, o escolhido para dividir os holofotes com Jeremy Allen White foi o explosivo Richie ( com um Ebon Moss-Bachrach que dá um show), mas o roteiro é tão rico que é impossível não perceber o potencial da jovem e talentosa Sydney (Ayo Edebiri), ou do esforçado e resiliente Marcus (Lionel Boyce) e até da insegura e mal-humorada Tina (Liza Colón-Zayas).
O fato é que "O Urso" chega como uma das mais agradáveis surpresas de 2022 e postulante aos inúmeros troféus nas próximas temporadas de premiações, graças a sua impressionante força narrativa e uma enorme qualidade técnica e artística que se encaixaram de uma maneira raríssima. Imperdível!
O espanhol "O Vazio do Domingo" é um filme daqueles "não assista com sono", mas não por ele ser ruim ou monótono demais, mas sim por ele ser muito cadenciado, com planos longos, um silêncio ensurdecedor e diálogos que não necessariamente expõem os sentimentos dos personagens (e muito menos suas intenções). Eu diria que esse é realmente um filme difícil, com uma pegada autoral bastante presente - o que certamente vai afastar muita gente do play, mas também é preciso dizer que para aqueles dispostos a embarcar na sensibilidade de um drama de relações denso e cheio de simbolismo como esse, ter a referência de "Sob a Pele do Lobo" pode ser um bom começo para não se decepcionar depois, porque o filme é realmente uma pancada!
Aqui conhecemos Anabel (Susi Sanchez), uma mulher de idade e bem sucedida que é surpreendida por Chiara (Bárbara Lennie), sua filha abandonada desde criança, que ressurge e a convida para passar dez dias em uma convivência bastante particular, sob causas e termos desconhecidos. Algumas experiências da relação entre as duas são colocadas à prova, juntamente com as surpresas impostas pela distância entre um passado marcante e um presente de ajuste de contas ainda duvidoso. Confira o trailer (em espanhol):
Vencedor de diversos prêmios, incluindo reconhecimento em festivais de prestígio, como o Festival de Cinema de San Sebastián e o de Tribeca, além do prêmio Goya de "Melhor Atriz" para Sanchez, "La Enfermedad del domingo" (no original) se destaca por uma narrativa extremamente contemplativa, envolvente visualmente e que provoca sensações marcantes em quem assiste com performances excepcionais da dupla de atrizes. Dirigido e escrito pelo Ramón Salazar (de "Vis a Vis") o filme explora com maestria (e certa poesia) a complexidade das relações humanas, com uma profundidade emocional impressionante e muito dura.
Um elemento que chama a nossa atenção é a fotografia do Ricardo de Gracia (de "Fariña") - ele é constrói uma atmosfera de melancolia intensa, como se fosse um retrato visualmente deslumbrante do campo, mas que captura na palheta mais gélida, toda a solidão de Chiara e o vazio Anabel. Veja, as composições são cuidadosamente planejadas, muitas vezes com a ação acontecendo em segundo plano, por isso você terá a sensação de distanciamento dos fatos e ao mesmo tempo a angustia de quem assiste uma cena sem a menor possibilidade de fazer algo para ajudar. Gracia te coloca lá dentro, mas deixa claro que nada mudaria aquilo que estamos testemunhando.
Em um filme onde o diretor não poupa alegorias para abordar, com muita originalidade, os conflitos geracionais que não necessariamente dizem respeito apenas a mãe e filha, "O Vazio do Domingo" vai muito além, com discussões potentes sobre abandono, solidão, maternidade, arrependimentos, finitude e redenção. No entanto, vale ressaltar que Salazar também descarta com elegância o final mais fácil e previsível, colocando uma pulga atrás da nossa orelha sobre os verdadeiros motivos que fizeram Anabel deixar Chiara ainda criança - as teorias sobre o passado sombrio da mãe parecem pertinentes, apenas não espere as respostas que "talvez" nem a própria filha teve, ou será que ela teve?
Vale o seu play, mas por conta e risco!
O espanhol "O Vazio do Domingo" é um filme daqueles "não assista com sono", mas não por ele ser ruim ou monótono demais, mas sim por ele ser muito cadenciado, com planos longos, um silêncio ensurdecedor e diálogos que não necessariamente expõem os sentimentos dos personagens (e muito menos suas intenções). Eu diria que esse é realmente um filme difícil, com uma pegada autoral bastante presente - o que certamente vai afastar muita gente do play, mas também é preciso dizer que para aqueles dispostos a embarcar na sensibilidade de um drama de relações denso e cheio de simbolismo como esse, ter a referência de "Sob a Pele do Lobo" pode ser um bom começo para não se decepcionar depois, porque o filme é realmente uma pancada!
Aqui conhecemos Anabel (Susi Sanchez), uma mulher de idade e bem sucedida que é surpreendida por Chiara (Bárbara Lennie), sua filha abandonada desde criança, que ressurge e a convida para passar dez dias em uma convivência bastante particular, sob causas e termos desconhecidos. Algumas experiências da relação entre as duas são colocadas à prova, juntamente com as surpresas impostas pela distância entre um passado marcante e um presente de ajuste de contas ainda duvidoso. Confira o trailer (em espanhol):
Vencedor de diversos prêmios, incluindo reconhecimento em festivais de prestígio, como o Festival de Cinema de San Sebastián e o de Tribeca, além do prêmio Goya de "Melhor Atriz" para Sanchez, "La Enfermedad del domingo" (no original) se destaca por uma narrativa extremamente contemplativa, envolvente visualmente e que provoca sensações marcantes em quem assiste com performances excepcionais da dupla de atrizes. Dirigido e escrito pelo Ramón Salazar (de "Vis a Vis") o filme explora com maestria (e certa poesia) a complexidade das relações humanas, com uma profundidade emocional impressionante e muito dura.
Um elemento que chama a nossa atenção é a fotografia do Ricardo de Gracia (de "Fariña") - ele é constrói uma atmosfera de melancolia intensa, como se fosse um retrato visualmente deslumbrante do campo, mas que captura na palheta mais gélida, toda a solidão de Chiara e o vazio Anabel. Veja, as composições são cuidadosamente planejadas, muitas vezes com a ação acontecendo em segundo plano, por isso você terá a sensação de distanciamento dos fatos e ao mesmo tempo a angustia de quem assiste uma cena sem a menor possibilidade de fazer algo para ajudar. Gracia te coloca lá dentro, mas deixa claro que nada mudaria aquilo que estamos testemunhando.
Em um filme onde o diretor não poupa alegorias para abordar, com muita originalidade, os conflitos geracionais que não necessariamente dizem respeito apenas a mãe e filha, "O Vazio do Domingo" vai muito além, com discussões potentes sobre abandono, solidão, maternidade, arrependimentos, finitude e redenção. No entanto, vale ressaltar que Salazar também descarta com elegância o final mais fácil e previsível, colocando uma pulga atrás da nossa orelha sobre os verdadeiros motivos que fizeram Anabel deixar Chiara ainda criança - as teorias sobre o passado sombrio da mãe parecem pertinentes, apenas não espere as respostas que "talvez" nem a própria filha teve, ou será que ela teve?
Vale o seu play, mas por conta e risco!
"O Verão de Sangaile" é quase um filme conceitual. Seu caráter independente, extremamente autoral e preocupado com o impacto estético transforma sua narrativa, quase sem diálogos, em um filme que parece não decolar (desculpe o trocadilho). Apenas parece, pois essa premiada produção lituana é cercada de sensibilidade e traz discussões pertinentes ao universo das protagonistas - de uma forma bem particular, claro, mas não menos inteligente ou profunda que outros filmes com a mesma temática - como "Duck Butter", por exemplo.
A jovem Sangaile (Julija Steponaitytė), de 17 anos, é fascinada por aviões de acrobacia. Ela conhece Auste (Aistė Diržiūtė), uma garota de sua idade, durante um show de aeronáutica no verão. Sangaile permite que a nova amiga descubra seus mais íntimos segredos e no meio do caminho cresce um amor adolescente - é aí que Auste acaba se tornando a única pessoa que realmente incentiva Sangaile a enfrentar seus medos e dramas pessoais. Confira o trailer em inglês:
Embora tenha uma identidade pouco comercial, "O Verão de Sangaile" impressiona pela fotografia e genialidade de Dominique Colin (O Fabuloso Destino de Amélie Poulain) que aproveita dos belíssimos cenários e de uma direção de arte afinadíssima para potencializar o trabalho da diretora Alante Kavaite como realizadora - ela imprime uma dinâmica bastante sutil, apostando no excelente trabalho de Julija Steponaitytė e de Aistė Diržiūtė, com muita coragem já que assume o risco de trocar o que é falado pelo o que é sentido! Certamente essa escolha pode afastar quem busca uma narrativa mais convencional, mas o fato é que Kavaite aproveita de cenas plasticamente bem executadas para provocar sentimentos e sensações ora acolhedoras, ora desconfortáveis - e aqui cabe uma observação: mesmo partindo de um mesmo plot de "La vie d'Adèle" (Azul é a cor mais quente), em nenhum momento nos sentimos incomodados ou chocados; todas as cenas são de muito bom gosto.
É interessante perceber que Sangailé, mesmo sofrendo por uma certa inadequação com o mundo em que vive, graças ao distanciamento quase mórbido que tem com sua família (especialmente com sua mãe) e sua solitária fascinação pelas apresentações de voos acrobáticos, é na vertigem que todos os pontos se unem - aquela expressa pela realidade cotidiana da adolescente e na metáfora que acompanha algumas passagens marcantes, como a necessidade de se auto-mutilar para se sentir viva. Reparem, são camadas sensíveis, mas muito bem desenvolvidas com uma relação artística interessante para aqueles dispostos a mergulhar na psiquê da protagonista.
"O Verão de Sangaile" fala sobre o vazio existencial, depressão, suicídio, amor, descobertas e sonhos, mas definitivamente de uma forma que apenas um público bem particular, alternativo e orientado para descobertas narrativas menos convencionais, vai gostar - é isso que o filme entrega e essa é a razão do seu sucesso nos vários festivais que participou pelo mundo. Vale dizer que Alante Kavaite venceu como melhor diretora em Sundance em 2015 e o filme foi indicado ao prêmio máximo do Festival.
Vale a pena, com certa identificação pela proposta artística!
"O Verão de Sangaile" é quase um filme conceitual. Seu caráter independente, extremamente autoral e preocupado com o impacto estético transforma sua narrativa, quase sem diálogos, em um filme que parece não decolar (desculpe o trocadilho). Apenas parece, pois essa premiada produção lituana é cercada de sensibilidade e traz discussões pertinentes ao universo das protagonistas - de uma forma bem particular, claro, mas não menos inteligente ou profunda que outros filmes com a mesma temática - como "Duck Butter", por exemplo.
A jovem Sangaile (Julija Steponaitytė), de 17 anos, é fascinada por aviões de acrobacia. Ela conhece Auste (Aistė Diržiūtė), uma garota de sua idade, durante um show de aeronáutica no verão. Sangaile permite que a nova amiga descubra seus mais íntimos segredos e no meio do caminho cresce um amor adolescente - é aí que Auste acaba se tornando a única pessoa que realmente incentiva Sangaile a enfrentar seus medos e dramas pessoais. Confira o trailer em inglês:
Embora tenha uma identidade pouco comercial, "O Verão de Sangaile" impressiona pela fotografia e genialidade de Dominique Colin (O Fabuloso Destino de Amélie Poulain) que aproveita dos belíssimos cenários e de uma direção de arte afinadíssima para potencializar o trabalho da diretora Alante Kavaite como realizadora - ela imprime uma dinâmica bastante sutil, apostando no excelente trabalho de Julija Steponaitytė e de Aistė Diržiūtė, com muita coragem já que assume o risco de trocar o que é falado pelo o que é sentido! Certamente essa escolha pode afastar quem busca uma narrativa mais convencional, mas o fato é que Kavaite aproveita de cenas plasticamente bem executadas para provocar sentimentos e sensações ora acolhedoras, ora desconfortáveis - e aqui cabe uma observação: mesmo partindo de um mesmo plot de "La vie d'Adèle" (Azul é a cor mais quente), em nenhum momento nos sentimos incomodados ou chocados; todas as cenas são de muito bom gosto.
É interessante perceber que Sangailé, mesmo sofrendo por uma certa inadequação com o mundo em que vive, graças ao distanciamento quase mórbido que tem com sua família (especialmente com sua mãe) e sua solitária fascinação pelas apresentações de voos acrobáticos, é na vertigem que todos os pontos se unem - aquela expressa pela realidade cotidiana da adolescente e na metáfora que acompanha algumas passagens marcantes, como a necessidade de se auto-mutilar para se sentir viva. Reparem, são camadas sensíveis, mas muito bem desenvolvidas com uma relação artística interessante para aqueles dispostos a mergulhar na psiquê da protagonista.
"O Verão de Sangaile" fala sobre o vazio existencial, depressão, suicídio, amor, descobertas e sonhos, mas definitivamente de uma forma que apenas um público bem particular, alternativo e orientado para descobertas narrativas menos convencionais, vai gostar - é isso que o filme entrega e essa é a razão do seu sucesso nos vários festivais que participou pelo mundo. Vale dizer que Alante Kavaite venceu como melhor diretora em Sundance em 2015 e o filme foi indicado ao prêmio máximo do Festival.
Vale a pena, com certa identificação pela proposta artística!
"Os Banshees de Inisherin" não será uma unanimidade e parte dessa certeza se dá pelo fato de seu texto ser extremamente teatral, razão pela qual, mesmo embrulhado em um pacote completamente realista, seu conteúdo prioriza muito mais o simbolismo (e o absurdo das situações) para retratar a complexidade das relações humanas. Indicado em 9 categorias no Oscar 2023, inclusive ao prêmio de "Melhor Filme", essa produção dirigida pelo talentoso Martin McDonagh (de "Três Anúncios para um Crime") sabe exatamente como manipular nossas emoções ao expor (sem o menor medo de parecer piegas) as nuances de um término de relação que parecia ser eterna - mas calma, não se trata de uma "dramalhão", longe disso, o filme é muito mais uma espécie de conto, que sabe equilibrar perfeitamente o sorriso com as lágrimas, sem ao menos se preocupar em entregar todas as respostas.
Toda a história se passa na ilha fictícia de Inisherin, por volta de 1923, durante a Guerra Civil Irlandesa. Pádraic (Colin Farrell) é um homem muito gentil que tem sua vida abalada depois de experimentar a crueldade abrupta e casual de Colm (Breendan Gleeson), amigo de longa data, que se distancia aparentemente sem motivo algum. Pádraic, confuso e devastado, tenta reatar essa amizade com o apoio de sua irmã Siobhan (Kerry Condon) e do jovem Dominic (Barry Keoghan), filho de um policial local. Porém, quando Colm lança um ultimato chocante para o ex-amigo e passa a agir pautado no extremo, toda aquela pequena comunidade começa a sentir os impactos do desequilíbrio emocional de seus habitantes. Confira o trailer:
Assistir "Os Banshees de Inisherin" vai exigir uma certa inspiração, pois a narrativa é bastante cadenciada e a conexão com os personagens não é imediata - mesmo com as performances irretocáveis de Farrell e Gleeson essa introdução é lenta e um pouco cansativa. Aliás, nem posso pontuar isso como um problema, mas sim entender como uma escolha consciente de McDonagh - já que ele faz sempre muita questão de impor sua identidade (bastante autoral) como cineasta. O roteiro praticamente impõe esse mood de solidão e silêncio que só é interrompido pelos tiros e bombas explodindo do outro lado do rio, no continente. Mesmo que os longos planos abertos e bem construídos pelo diretor de fotografia, o badalado Ben Davis (de "Doutor Estranho" e a "Vingadores: Era de Ultron"), visualmente, nos conecte com aquela realidade bem particular, é a partir do segundo ato que começamos a entender a importância que o conflito entre os protagonistas tem para a dinâmica daquela sociedade e como os reflexos dessa crise vão se ampliando pouco a pouco e destruindo a "pseudo-paz" de viver ali, "longe da guerra".
Veja, não por acaso, a beleza de "Os Banshees de Inisherin" está nos pequenos detalhes - existe um padrão semiótico capaz de nos provocar inúmeras interpretações e com isso nos afastar de uma história que a princípio parece nem ter força para suportar os 120 minutos de filme (esse é mais um fator que afastará parte da audiência, mas que com certeza coloca esse roteiro como um dos melhores do ano). Enxergar a dinâmica local de Inisherin é essencial para entender o organismo vivo que a ilha é - existe um tom de fábula, de final feliz, mas que vai se afastando quando a realidade passa a se sobrepor ao absurdo - o curioso é que essa transformação é contada pelos olhos de seu personagem mais fantasioso, como uma personificação do "destino" - a Sra. McCormack (Sheila Flitton).
Se para alguns "Os Banshees de Inisherin" vai parecer um filme bastante reflexivo, para outros será considerado "chato demais" - por isso fiz questão de pontuar a importância de se permitir mergulhar no simbolismo de McDonagh para enfim poder curtir a experiência, mesmo que tenha soado até repetitivo. Existe uma excentricidade nas entrelinhas, um humor negro tipicamente britânico e diálogos bastante caricatos, por outro lado, a jornada é poderosa, os temas discutidos são densos, complexos, mesmo que explorados em situações divertidas.
Por tudo isso e além de ser um dos filmes mais premiados da temporada, com mais de 130 prêmios nos festivais de todo planeta, "Os Banshees de Inisherin" vai, no mínimo, te tirar da zona de conforto! Vale seu play!
"Os Banshees de Inisherin" não será uma unanimidade e parte dessa certeza se dá pelo fato de seu texto ser extremamente teatral, razão pela qual, mesmo embrulhado em um pacote completamente realista, seu conteúdo prioriza muito mais o simbolismo (e o absurdo das situações) para retratar a complexidade das relações humanas. Indicado em 9 categorias no Oscar 2023, inclusive ao prêmio de "Melhor Filme", essa produção dirigida pelo talentoso Martin McDonagh (de "Três Anúncios para um Crime") sabe exatamente como manipular nossas emoções ao expor (sem o menor medo de parecer piegas) as nuances de um término de relação que parecia ser eterna - mas calma, não se trata de uma "dramalhão", longe disso, o filme é muito mais uma espécie de conto, que sabe equilibrar perfeitamente o sorriso com as lágrimas, sem ao menos se preocupar em entregar todas as respostas.
Toda a história se passa na ilha fictícia de Inisherin, por volta de 1923, durante a Guerra Civil Irlandesa. Pádraic (Colin Farrell) é um homem muito gentil que tem sua vida abalada depois de experimentar a crueldade abrupta e casual de Colm (Breendan Gleeson), amigo de longa data, que se distancia aparentemente sem motivo algum. Pádraic, confuso e devastado, tenta reatar essa amizade com o apoio de sua irmã Siobhan (Kerry Condon) e do jovem Dominic (Barry Keoghan), filho de um policial local. Porém, quando Colm lança um ultimato chocante para o ex-amigo e passa a agir pautado no extremo, toda aquela pequena comunidade começa a sentir os impactos do desequilíbrio emocional de seus habitantes. Confira o trailer:
Assistir "Os Banshees de Inisherin" vai exigir uma certa inspiração, pois a narrativa é bastante cadenciada e a conexão com os personagens não é imediata - mesmo com as performances irretocáveis de Farrell e Gleeson essa introdução é lenta e um pouco cansativa. Aliás, nem posso pontuar isso como um problema, mas sim entender como uma escolha consciente de McDonagh - já que ele faz sempre muita questão de impor sua identidade (bastante autoral) como cineasta. O roteiro praticamente impõe esse mood de solidão e silêncio que só é interrompido pelos tiros e bombas explodindo do outro lado do rio, no continente. Mesmo que os longos planos abertos e bem construídos pelo diretor de fotografia, o badalado Ben Davis (de "Doutor Estranho" e a "Vingadores: Era de Ultron"), visualmente, nos conecte com aquela realidade bem particular, é a partir do segundo ato que começamos a entender a importância que o conflito entre os protagonistas tem para a dinâmica daquela sociedade e como os reflexos dessa crise vão se ampliando pouco a pouco e destruindo a "pseudo-paz" de viver ali, "longe da guerra".
Veja, não por acaso, a beleza de "Os Banshees de Inisherin" está nos pequenos detalhes - existe um padrão semiótico capaz de nos provocar inúmeras interpretações e com isso nos afastar de uma história que a princípio parece nem ter força para suportar os 120 minutos de filme (esse é mais um fator que afastará parte da audiência, mas que com certeza coloca esse roteiro como um dos melhores do ano). Enxergar a dinâmica local de Inisherin é essencial para entender o organismo vivo que a ilha é - existe um tom de fábula, de final feliz, mas que vai se afastando quando a realidade passa a se sobrepor ao absurdo - o curioso é que essa transformação é contada pelos olhos de seu personagem mais fantasioso, como uma personificação do "destino" - a Sra. McCormack (Sheila Flitton).
Se para alguns "Os Banshees de Inisherin" vai parecer um filme bastante reflexivo, para outros será considerado "chato demais" - por isso fiz questão de pontuar a importância de se permitir mergulhar no simbolismo de McDonagh para enfim poder curtir a experiência, mesmo que tenha soado até repetitivo. Existe uma excentricidade nas entrelinhas, um humor negro tipicamente britânico e diálogos bastante caricatos, por outro lado, a jornada é poderosa, os temas discutidos são densos, complexos, mesmo que explorados em situações divertidas.
Por tudo isso e além de ser um dos filmes mais premiados da temporada, com mais de 130 prêmios nos festivais de todo planeta, "Os Banshees de Inisherin" vai, no mínimo, te tirar da zona de conforto! Vale seu play!
Para o amante da sétima arte, é impossível não ser impactado por um filme que antes do seu início tem a ilustre presença do diretor Steven Spielberg olhando no fundo dos seus olhos e agradecendo por você estar ali para acompanhar duas horas e meia de suas memórias. Como o próprio Spielberg diz, não se trata de uma metáfora, mas sim de uma jornada de descobertas e, essencialmente, uma declaração de amor - mesmo que assumidamente dividida entre suas duas paixões!
O filme é um retrato profundamente pessoal da vida de um dos maiores cineastas de todos os tempos, o diretor Steven Spielberg. "Os Fabelmans", escrito e dirigido pelo próprio Spielberg, narra a história de um jovem, Sammy (Gabriel LaBelle/Mateo Zoryan), que descobre um segredo familiar devastador e que aprende o poder dos filmes para ajudar a enxergar a verdade sobre os outros e sobre si mesmo. Confira o trailer:
Daqui a alguns anos, talvez, "Os Fabelmans" tenha a mesma representatividade para algumas gerações que "Cinema Paradiso", do grande Giuseppe Tornatore, representou para outras. Escrevo isso sem o menor receio de estar exagerando, pois a forma como o roteirista Tony Kushner estrutura as memórias de Spielberg para dar sentido a uma vida aparentemente feliz e tranquila, mas que vai se quebrando sem que o protagonista possa controlar, é sensacional. São tantas nuances e simbologias que citá-las provavelmente influenciaria demais na sua experiência, então eu apenas aconselho: preste atenção em cada detalhe, nos diálogos, nas construções de cada quadro, de cada plano, de como o jovem Sam se relaciona com o mundo e em como as referências de sua vida foram fielmente reproduzidas em seus filmes.
Veja, a linha entre o que é de fato real e o que é pura interpretação é propositalmente confusa, porque Spielberg faz questão de deixar claro que: “é assim que eu me vejo” - você pode até achar que a iluminação recortada pelas árvores em um bosque soa artificial, mas era dessa forma quase poética que Sam se relacionava com seus sentimentos e sentidos. Repare! Também não serão poucas as vezes que você terá a sensação de "eu já vi isso antes" - a genialidade de Kushner e o perfeccionismo de Spielberg entregam dentro de um outro contexto, exatamente as mesmas cenas que um dia vieram a fazer sucesso em sua carreira como diretor. Rapidamente conseguimos identificar as inspirações de enquadramentos de "E.T."., "Tubarão", Contatos Imediatos do Terceiro Grau", "Lista de Schindler", "Cor Púrpura", "Indiana Jones", "Império do Sol", "O Resgate do Soldado Ryan" e até de "Encurralado" - encontrar esses easter eggsé tão divertido quanto nostálgico!
"Os Fabelmans" ainda encontra tempo para discutir sobre as relações familiares. Brilhantemente conduzido por Michelle Williams (como a mãe, Mitzi Fabelman), Paul Dano (como o pai, Burt Fabelman), Seth Rogen(como o melhor amigo da família, Bennie Loewy), além de uma participação tão especial quanto de gala de Judd Hirsch (o tio Boris - para mim o personagem fundamental para o que Spielberg se tornou), os assuntos são espinhosos, marcantes e delicados, mas o que não falta, claro, é sensibilidade para o diretor pontuar algumas passagens que mudaram a sua vida.
Para finalizar, é preciso dizer que a audiência familiarizada com a carreira do Diretor e com as particularidades da profissão de cineasta, deve até se divertir mais que, digamos, o público em geral - não foram poucas as vezes que me vi rindo sozinho de uma piada que ninguém entendeu. Saber a diferença entre uma câmera Bolex 8mm e uma Arriflex 16mm, de fato, não é usual, porém existe um cuidado em explorar as fragilidades do protagonista e até em como ele foi percebendo sua capacidade de manipular imagens para alcançar diferentes emoções, que transformam a história de "Os Fabelmans" em algo realmente universal e apaixonante!
Simplesmente imperdível!
Antes do play, não deixe de assistir o documentário da HBO Max "Spielberg".
Para o amante da sétima arte, é impossível não ser impactado por um filme que antes do seu início tem a ilustre presença do diretor Steven Spielberg olhando no fundo dos seus olhos e agradecendo por você estar ali para acompanhar duas horas e meia de suas memórias. Como o próprio Spielberg diz, não se trata de uma metáfora, mas sim de uma jornada de descobertas e, essencialmente, uma declaração de amor - mesmo que assumidamente dividida entre suas duas paixões!
O filme é um retrato profundamente pessoal da vida de um dos maiores cineastas de todos os tempos, o diretor Steven Spielberg. "Os Fabelmans", escrito e dirigido pelo próprio Spielberg, narra a história de um jovem, Sammy (Gabriel LaBelle/Mateo Zoryan), que descobre um segredo familiar devastador e que aprende o poder dos filmes para ajudar a enxergar a verdade sobre os outros e sobre si mesmo. Confira o trailer:
Daqui a alguns anos, talvez, "Os Fabelmans" tenha a mesma representatividade para algumas gerações que "Cinema Paradiso", do grande Giuseppe Tornatore, representou para outras. Escrevo isso sem o menor receio de estar exagerando, pois a forma como o roteirista Tony Kushner estrutura as memórias de Spielberg para dar sentido a uma vida aparentemente feliz e tranquila, mas que vai se quebrando sem que o protagonista possa controlar, é sensacional. São tantas nuances e simbologias que citá-las provavelmente influenciaria demais na sua experiência, então eu apenas aconselho: preste atenção em cada detalhe, nos diálogos, nas construções de cada quadro, de cada plano, de como o jovem Sam se relaciona com o mundo e em como as referências de sua vida foram fielmente reproduzidas em seus filmes.
Veja, a linha entre o que é de fato real e o que é pura interpretação é propositalmente confusa, porque Spielberg faz questão de deixar claro que: “é assim que eu me vejo” - você pode até achar que a iluminação recortada pelas árvores em um bosque soa artificial, mas era dessa forma quase poética que Sam se relacionava com seus sentimentos e sentidos. Repare! Também não serão poucas as vezes que você terá a sensação de "eu já vi isso antes" - a genialidade de Kushner e o perfeccionismo de Spielberg entregam dentro de um outro contexto, exatamente as mesmas cenas que um dia vieram a fazer sucesso em sua carreira como diretor. Rapidamente conseguimos identificar as inspirações de enquadramentos de "E.T."., "Tubarão", Contatos Imediatos do Terceiro Grau", "Lista de Schindler", "Cor Púrpura", "Indiana Jones", "Império do Sol", "O Resgate do Soldado Ryan" e até de "Encurralado" - encontrar esses easter eggsé tão divertido quanto nostálgico!
"Os Fabelmans" ainda encontra tempo para discutir sobre as relações familiares. Brilhantemente conduzido por Michelle Williams (como a mãe, Mitzi Fabelman), Paul Dano (como o pai, Burt Fabelman), Seth Rogen(como o melhor amigo da família, Bennie Loewy), além de uma participação tão especial quanto de gala de Judd Hirsch (o tio Boris - para mim o personagem fundamental para o que Spielberg se tornou), os assuntos são espinhosos, marcantes e delicados, mas o que não falta, claro, é sensibilidade para o diretor pontuar algumas passagens que mudaram a sua vida.
Para finalizar, é preciso dizer que a audiência familiarizada com a carreira do Diretor e com as particularidades da profissão de cineasta, deve até se divertir mais que, digamos, o público em geral - não foram poucas as vezes que me vi rindo sozinho de uma piada que ninguém entendeu. Saber a diferença entre uma câmera Bolex 8mm e uma Arriflex 16mm, de fato, não é usual, porém existe um cuidado em explorar as fragilidades do protagonista e até em como ele foi percebendo sua capacidade de manipular imagens para alcançar diferentes emoções, que transformam a história de "Os Fabelmans" em algo realmente universal e apaixonante!
Simplesmente imperdível!
Antes do play, não deixe de assistir o documentário da HBO Max "Spielberg".
"Pachinko" não é uma série fácil e muito menos daquelas que entregam respostas rápidas - e isso vai exigir uma certa paciência, mas que será recompensada com uma belíssima poesia visual e narrativa que se pauta no melodrama de uma história de vida através das gerações. Lançada em 2022 para o Apple TV+, essa série criada pela Soo Hugh ("The Killing"), é uma verdadeira jornada épica que narra a saga de uma família coreana ao longo de quatro gerações, explorando temas como identidade, resiliência e até como o impacto da colonização reflete na sociedade até hoje. Baseada no aclamado romance homônimo de Min Jin Lee, "Pachinko" é uma obra emocionalmente rica, que abrange décadas de histórias, oferecendo uma visão íntima da diáspora coreana no Japão. Com uma narrativa realmente cativante, em muitos momentos até flertando com novelesco, "Pachinko" inegavelmente se destaca como uma das séries mais ambiciosas e envolventes de 2022. Para os fãs de dramas históricos e narrativas intergeracionais que transitam entre um "The Crown" e um"This Is Us" , mas com um toque de "Minari", "Pachinko" oferece uma experiência igualmente emocionante e por si só, bastante profunda.
A trama de "Pachinko" começa no início do século 20, durante o período da ocupação japonesa na Coreia, e se estende até o final do século, traçando a jornada de Sunja, uma jovem coreana cuja vida é irrevogavelmente alterada por um romance proibido e uma série de escolhas difíceis. A história se desdobra em múltiplas linhas do tempo, acompanhando a vida de Sunja desde sua juventude até a velhice, bem como as experiências de seus descendentes, que lutam para encontrar seu lugar em um mundo que muitas vezes os rejeita. Confira o trailer (em inglês):
Soo Hugh adapta o romance de Min Jin Lee com uma sensibilidade que respeita tanto a riqueza histórica quanto a profundidade emocional do material original. A série é estruturada de forma não linear, saltando entre diferentes períodos e perspectivas, o que permite uma exploração mais rica e complexa dos temas propostos pelo roteiro, mas que também exige uma atenção maior da audiência. Essa estrutura narrativa reflete a natureza multifacetada da gênese coreana, onde o passado e o presente se entrelaçam constantemente para discutir as marcas profundas de sua colonização. A direção de "Pachinko", conduzida por nomes como Kogonada (de "After Yang") e Justin Chon (de "Blue Bayou"), ambos premiados em Cannes com o "Un Certain Regard Award", é notável por sua beleza visual e sua atenção meticulosa aos detalhes históricos e culturais. Kogonada, conhecido por seu estilo visual elegante e contemplativo em filmes como "Columbus", traz uma sensibilidade estética que eleva cada cena, transformando a série em uma obra de arte visual. Justin Chon, por sua vez, traz uma crueza emocional e uma autenticidade aos personagens, especialmente nas cenas que lidam com o racismo, a pobreza e a luta por dignidade em um ambiente hostil.
A Fotografia de Florian Hoffmeister (de "Tár") e de Ante Cheng (de "Blue Bayou"), de fato é um espetáculo à parte! Deslumbrante, capturando a rica diversidade de paisagens e ambientes que vão desde as aldeias costeiras da Coreia até as ruas densamente povoadas e industriais de Osaka. O uso de iluminação natural e enquadramentos cuidadosamente compostos contribui para a atmosfera imersiva da série, transportando a audiência para cada momento e lugar com uma autenticidade impressionante. Alinhado com um Desenho de Produção digno de muito prêmios, as mudanças da fotografia refletem o mood de cada época com perfeição - com tons mais suaves e nostálgicos para os flashbacks e uma abordagem mais sombria e gritante para o presente. Já o elenco de "Pachinko", o que dizer? É um dos maiores trunfos da série sem a menor dúvida. Minha Kim, como a jovem Sunja, entrega uma performance de partir o coração, capturando a inocência e a determinação de uma mulher jovem que se recusa a ser definida por suas circunstâncias. Youn Yuh-jung, vencedora do Oscar por "Minari", é igualmente impressionante como a versão mais velha da personagem - ela traz uma profundidade emocional impressionante, que reflete as muitas décadas de dor, perda e resistência de Sunja. Lee Min-ho, como Hansu, é simultaneamente charmoso e moralmente ambíguo - um personagem que personifica muitas das contradições e desafios enfrentados pelos coreanos que tentavam se integrar em uma sociedade que os marginalizava. Jin Ha, interpretando Solomon, neto de Sunja, é uma adição poderosa ao elenco, representando a geração mais jovem que luta para reconciliar seu patrimônio cultural com seu desejo de sucesso e pertencimento em um mundo globalizado.
"Pachinko" discute a importância de uma identidade cultural sólida. A série não apenas narra os desafios enfrentados pelos coreanos que migraram para o Japão, mas também examina como essas experiências moldaram as gerações futuras. É realmente uma exploração sensível de como a história, a cultura e as escolhas pessoais se entrelaçam para definir a individualidade perante sua comunidade. É importante pontuar que o roteiro ainda destaca as desigualdades e as injustiças sistêmicas que os personagens enfrentam, oferecendo uma crítica incisiva da xenofobia e do colonialismo. Veja, a decisão de intercalar múltiplas gerações permite uma discussão mais rica e matizada sobre como o legado, seja de um trauma ou de sua resistência, é transmitido e transformado ao longo do tempo. Aclamada por sua narrativa ambiciosa e produção de altíssima qualidade, "Pachinko" é um testemunho da resiliência humana e da complexidade da experiência migratória - uma visão ampla que é tanto educativa quanto emocionalmente ressonante.
Imperdível!
"Pachinko" não é uma série fácil e muito menos daquelas que entregam respostas rápidas - e isso vai exigir uma certa paciência, mas que será recompensada com uma belíssima poesia visual e narrativa que se pauta no melodrama de uma história de vida através das gerações. Lançada em 2022 para o Apple TV+, essa série criada pela Soo Hugh ("The Killing"), é uma verdadeira jornada épica que narra a saga de uma família coreana ao longo de quatro gerações, explorando temas como identidade, resiliência e até como o impacto da colonização reflete na sociedade até hoje. Baseada no aclamado romance homônimo de Min Jin Lee, "Pachinko" é uma obra emocionalmente rica, que abrange décadas de histórias, oferecendo uma visão íntima da diáspora coreana no Japão. Com uma narrativa realmente cativante, em muitos momentos até flertando com novelesco, "Pachinko" inegavelmente se destaca como uma das séries mais ambiciosas e envolventes de 2022. Para os fãs de dramas históricos e narrativas intergeracionais que transitam entre um "The Crown" e um"This Is Us" , mas com um toque de "Minari", "Pachinko" oferece uma experiência igualmente emocionante e por si só, bastante profunda.
A trama de "Pachinko" começa no início do século 20, durante o período da ocupação japonesa na Coreia, e se estende até o final do século, traçando a jornada de Sunja, uma jovem coreana cuja vida é irrevogavelmente alterada por um romance proibido e uma série de escolhas difíceis. A história se desdobra em múltiplas linhas do tempo, acompanhando a vida de Sunja desde sua juventude até a velhice, bem como as experiências de seus descendentes, que lutam para encontrar seu lugar em um mundo que muitas vezes os rejeita. Confira o trailer (em inglês):
Soo Hugh adapta o romance de Min Jin Lee com uma sensibilidade que respeita tanto a riqueza histórica quanto a profundidade emocional do material original. A série é estruturada de forma não linear, saltando entre diferentes períodos e perspectivas, o que permite uma exploração mais rica e complexa dos temas propostos pelo roteiro, mas que também exige uma atenção maior da audiência. Essa estrutura narrativa reflete a natureza multifacetada da gênese coreana, onde o passado e o presente se entrelaçam constantemente para discutir as marcas profundas de sua colonização. A direção de "Pachinko", conduzida por nomes como Kogonada (de "After Yang") e Justin Chon (de "Blue Bayou"), ambos premiados em Cannes com o "Un Certain Regard Award", é notável por sua beleza visual e sua atenção meticulosa aos detalhes históricos e culturais. Kogonada, conhecido por seu estilo visual elegante e contemplativo em filmes como "Columbus", traz uma sensibilidade estética que eleva cada cena, transformando a série em uma obra de arte visual. Justin Chon, por sua vez, traz uma crueza emocional e uma autenticidade aos personagens, especialmente nas cenas que lidam com o racismo, a pobreza e a luta por dignidade em um ambiente hostil.
A Fotografia de Florian Hoffmeister (de "Tár") e de Ante Cheng (de "Blue Bayou"), de fato é um espetáculo à parte! Deslumbrante, capturando a rica diversidade de paisagens e ambientes que vão desde as aldeias costeiras da Coreia até as ruas densamente povoadas e industriais de Osaka. O uso de iluminação natural e enquadramentos cuidadosamente compostos contribui para a atmosfera imersiva da série, transportando a audiência para cada momento e lugar com uma autenticidade impressionante. Alinhado com um Desenho de Produção digno de muito prêmios, as mudanças da fotografia refletem o mood de cada época com perfeição - com tons mais suaves e nostálgicos para os flashbacks e uma abordagem mais sombria e gritante para o presente. Já o elenco de "Pachinko", o que dizer? É um dos maiores trunfos da série sem a menor dúvida. Minha Kim, como a jovem Sunja, entrega uma performance de partir o coração, capturando a inocência e a determinação de uma mulher jovem que se recusa a ser definida por suas circunstâncias. Youn Yuh-jung, vencedora do Oscar por "Minari", é igualmente impressionante como a versão mais velha da personagem - ela traz uma profundidade emocional impressionante, que reflete as muitas décadas de dor, perda e resistência de Sunja. Lee Min-ho, como Hansu, é simultaneamente charmoso e moralmente ambíguo - um personagem que personifica muitas das contradições e desafios enfrentados pelos coreanos que tentavam se integrar em uma sociedade que os marginalizava. Jin Ha, interpretando Solomon, neto de Sunja, é uma adição poderosa ao elenco, representando a geração mais jovem que luta para reconciliar seu patrimônio cultural com seu desejo de sucesso e pertencimento em um mundo globalizado.
"Pachinko" discute a importância de uma identidade cultural sólida. A série não apenas narra os desafios enfrentados pelos coreanos que migraram para o Japão, mas também examina como essas experiências moldaram as gerações futuras. É realmente uma exploração sensível de como a história, a cultura e as escolhas pessoais se entrelaçam para definir a individualidade perante sua comunidade. É importante pontuar que o roteiro ainda destaca as desigualdades e as injustiças sistêmicas que os personagens enfrentam, oferecendo uma crítica incisiva da xenofobia e do colonialismo. Veja, a decisão de intercalar múltiplas gerações permite uma discussão mais rica e matizada sobre como o legado, seja de um trauma ou de sua resistência, é transmitido e transformado ao longo do tempo. Aclamada por sua narrativa ambiciosa e produção de altíssima qualidade, "Pachinko" é um testemunho da resiliência humana e da complexidade da experiência migratória - uma visão ampla que é tanto educativa quanto emocionalmente ressonante.
Imperdível!
"Passagem", de fato, não é um filme fácil! Sua narrativa, além de profunda e cheia de nuances emocionais, é cadenciada, reflexiva, provocativa até - algo como encontramos em "Nomadland", por exemplo. Dirigido pela talentosa Lila Neugebauer (de "Maid"), "Causeway" (no original) é um verdadeiro estudo sobre a solidão no sentido mais amplo da palavra - o roteiro se apoia na introspecção da dupla de protagonistas para discutir temas universais como os impactos dos traumas na vida das pessoas, como a resiliência pode ser a chave para uma segunda chance e, finalmente, como a amizade verdadeira pode mudar nossa perspectiva de mundo e nos dar um certo ar de esperança. Se a sinopse vai te apresentar a jornada de Lynsey como motivo para você dar o play, saiba que essa obra vai além, tecendo uma narrativa rica em detalhes que revelam a fragilidade e a força do ser humano sob vários pontos de vista.
A trama basicamente acompanha a história de Lynsey (Jennifer Lawrence) uma jovem militar que retorna para Nova Orleans e luta para se readaptar à vida civil após uma lesão traumática que sofreu no Afeganistão. Em meio à sua solidão e desespero, ela encontra em James (Brian Tyree Henry), um mecânico local, um inesperado refúgio e a chance de recomeçar. Confira o trailer (em inglês):
"Passagem" chama atenção pela profundidade de seu roteiro. Ao não se contentar em ser apenas mais uma história sobre os traumas de uma guerra, o filme acaba explorando de uma maneira muito sensível, as cicatrizes invisíveis que essa experiência deixa em seus soldados e como é árduo o processo de reconstrução da vida após um evento traumático. Sem passagens impactantes visualmente ou flashbacks que poderiam facilitar o caminho e dar uma ideia palpável do que é o horror de uma guerra, Neugebauer assume uma proposta narrativa menos expositiva nos convidando a refletir sobre a importância da conexão humana, do amor e da amizade como ferramenta de cura e redenção pela perspectiva da própria protagonista. Obviamente que essa escolha cobra o seu preço, sacrificando a dinâmica do primeiro ato e deixando para depois (e para quem tem um pouco mais de paciência) todas as conexões que vão se construindo entre Lynsey e James.
A direção de Neugebauer, nesse sentido, é impecável, pois ela arquiteta com muita inteligência todo um ambiente intimista e sensorial que nos joga na história sem pedir muita licença, ou seja, nada fica muito simples conforme vamos conhecendo os fantasmas do passado de cada um deles. Aliás, aqui a fotografia assinada por Diego García (de "Tokyo Vice"), ganha outro status como elemento narrativo - é impressionante como ele captura uma certa beleza da solidão e da melancolia colocando uma Nova Orleans cheia de contrastes como cenário sem perder o foco mais existencial dos personagens. A trilha sonora, composta por Alex Somers, é outro elemento fundamental para a construção dessa atmosfera, potencializando as emoções e intensificando o impacto das cenas quase sempre pontuando o silêncio e dando insumos para o incrível trabalho do elenco principal. Lawrence entrega uma performance visceral, transmitindo com maestria a dor e a angústia de Lynsey, enquanto Brian Tyree Henry exala carisma e magnetismo, mesmo quando destroçado emocionalmente. A química entre os dois atores é incrível e talvez o grande trunfo para a indicação de Tyree Henry ao Oscar de 2023.
Muito premiado em festivais por todo o globo, "Passagem" vai sim te tocar profundamente - mas te adianto que será preciso embarcar na proposta da diretora e no olhar menos usual de sua narrativa lenta para se conectar com a história. Saiba que mais do que um mero entretenimento, essa produção da A24 se apresenta como uma experiência de certa forma transformadora e que ficará marcada na sua memória, se não por uma trama impactante, pela atmosfera realista que Neugebauer foi capaz de imprimir ao preferir uma abordagem mais intimista, contemplativa e sensível de uma dor que teima em ser avassaladora: a dor da solidão, mesmo que acompanhada.
Vale seu play!
"Passagem", de fato, não é um filme fácil! Sua narrativa, além de profunda e cheia de nuances emocionais, é cadenciada, reflexiva, provocativa até - algo como encontramos em "Nomadland", por exemplo. Dirigido pela talentosa Lila Neugebauer (de "Maid"), "Causeway" (no original) é um verdadeiro estudo sobre a solidão no sentido mais amplo da palavra - o roteiro se apoia na introspecção da dupla de protagonistas para discutir temas universais como os impactos dos traumas na vida das pessoas, como a resiliência pode ser a chave para uma segunda chance e, finalmente, como a amizade verdadeira pode mudar nossa perspectiva de mundo e nos dar um certo ar de esperança. Se a sinopse vai te apresentar a jornada de Lynsey como motivo para você dar o play, saiba que essa obra vai além, tecendo uma narrativa rica em detalhes que revelam a fragilidade e a força do ser humano sob vários pontos de vista.
A trama basicamente acompanha a história de Lynsey (Jennifer Lawrence) uma jovem militar que retorna para Nova Orleans e luta para se readaptar à vida civil após uma lesão traumática que sofreu no Afeganistão. Em meio à sua solidão e desespero, ela encontra em James (Brian Tyree Henry), um mecânico local, um inesperado refúgio e a chance de recomeçar. Confira o trailer (em inglês):
"Passagem" chama atenção pela profundidade de seu roteiro. Ao não se contentar em ser apenas mais uma história sobre os traumas de uma guerra, o filme acaba explorando de uma maneira muito sensível, as cicatrizes invisíveis que essa experiência deixa em seus soldados e como é árduo o processo de reconstrução da vida após um evento traumático. Sem passagens impactantes visualmente ou flashbacks que poderiam facilitar o caminho e dar uma ideia palpável do que é o horror de uma guerra, Neugebauer assume uma proposta narrativa menos expositiva nos convidando a refletir sobre a importância da conexão humana, do amor e da amizade como ferramenta de cura e redenção pela perspectiva da própria protagonista. Obviamente que essa escolha cobra o seu preço, sacrificando a dinâmica do primeiro ato e deixando para depois (e para quem tem um pouco mais de paciência) todas as conexões que vão se construindo entre Lynsey e James.
A direção de Neugebauer, nesse sentido, é impecável, pois ela arquiteta com muita inteligência todo um ambiente intimista e sensorial que nos joga na história sem pedir muita licença, ou seja, nada fica muito simples conforme vamos conhecendo os fantasmas do passado de cada um deles. Aliás, aqui a fotografia assinada por Diego García (de "Tokyo Vice"), ganha outro status como elemento narrativo - é impressionante como ele captura uma certa beleza da solidão e da melancolia colocando uma Nova Orleans cheia de contrastes como cenário sem perder o foco mais existencial dos personagens. A trilha sonora, composta por Alex Somers, é outro elemento fundamental para a construção dessa atmosfera, potencializando as emoções e intensificando o impacto das cenas quase sempre pontuando o silêncio e dando insumos para o incrível trabalho do elenco principal. Lawrence entrega uma performance visceral, transmitindo com maestria a dor e a angústia de Lynsey, enquanto Brian Tyree Henry exala carisma e magnetismo, mesmo quando destroçado emocionalmente. A química entre os dois atores é incrível e talvez o grande trunfo para a indicação de Tyree Henry ao Oscar de 2023.
Muito premiado em festivais por todo o globo, "Passagem" vai sim te tocar profundamente - mas te adianto que será preciso embarcar na proposta da diretora e no olhar menos usual de sua narrativa lenta para se conectar com a história. Saiba que mais do que um mero entretenimento, essa produção da A24 se apresenta como uma experiência de certa forma transformadora e que ficará marcada na sua memória, se não por uma trama impactante, pela atmosfera realista que Neugebauer foi capaz de imprimir ao preferir uma abordagem mais intimista, contemplativa e sensível de uma dor que teima em ser avassaladora: a dor da solidão, mesmo que acompanhada.
Vale seu play!
"Pecados Íntimos" parece um filme simples ao se propor fazer um recorte bastante peculiar do cotidiano de dois personagens normais, que vivem a monotonia de uma vida normal, em um bairro de classe média no subúrbio de Massachusetts. Sim, esse é mais um daqueles filmes em que sua história não é construída tendo como base um formato clássico de um roteiro com todos os elementos da jornada do herói, onde o protagonista tem um objetivo, passa por dificuldades, mas encontra seu propósito ao vencer seus desafios; muito pelo contrário, "Pecados Íntimos" é um ensaio da vida real, quase uma crônica ao estilo "Beleza Americana", que mesmo sendo uma ficção, poderia ser um documentário, e não fosse a criatividade do diretor Todd Field, talvez nem daríamos tanta importância para aquele universo, digamos, tão pacato.
Na história acompanhamos em primeiro plano a vida de dois personagens em casamentos distintos, mas igualmente sem brilho e sem paixão. Um pouco mais distante, um criminoso sexual acaba de ser solto, criando um certo clima de tensão no mesmo bairro. Temos também um ex-policial com um passado violento e que vive para esconder o seu fracasso. Mas o que esses quatro personagens tão distintos tem em comum? Simples, eles lutam para lidar com suas escolhas no passado, resistir as tentações do presente e assim tentar encontrar um caminho de felicidade para o futuro, mesmo que isso pareça impossível.. Confira o trailer (em inglês):
Baseado no livro "Little Children" (algo como "Criancinhas" - que também é o título original do filme) de Tom Perrotta, "Pecados Íntimos" é um primor de roteiro - tanto que foi indicado ao Oscar de 2007 na categoria "Roteiro Adaptado". O que vemos na tela é o resultado de uma construção narrativa extremamente intrigante que brinca a cada nova cena com a dubiedade das situações. Veja, se Sarah (Kate Winslet) é uma dona de casa que sofre com a mediocridade de sua vida e ainda por cima tem que lidar com um marido omisso, viciado em pornografia pela Internet, por que não buscar em Brad (Patrick Wilson) uma relação de cumplicidade que possa reacender seus desejos mais íntimos? - afinal, ele também vive uma situação similar no casamento, é ofuscado pelo sucesso da sua linda mulher que está sempre ocupada e que vive cobrando dele uma urgência na ascensão profissional.
Por outro lado, temos Ronnie (Jackie Earle Haley), um homem atormentado por seus distúrbios sexuais, mas que é amado por sua mãe e odiado por todas as pessoas do bairro, inclusive por Larry (Noah Emmerich), o ex-policial, estereótipo do pai de família ideal, representante dos bons costumes que, vejam só, não é amado por ninguém. O encontro dessa dualidade, muito bem costurada por uma narração que soa como um leitor daqueles livros oitentistas de romance barato, dá um charme todo especial ao filme que usa de alegorias cotidianas para provocar nosso julgamento.Se a adaptação do título nacional para "Pecados Íntimos" faz referência as atividades "secretas" dos personagens, no original "Little Children" vai além ao brincar, mais uma vez, com a interpretação dúbia do texto ao relacionar as ações dos protagonistas com as crianças, que acabam funcionando como um elemento desencadeador de conflitos, fortalecendo a alusão sobre a intensidade dos desejos e a inconsequência dos atos que já não são mais tão inocentes como no passado.
"Pecados Íntimos" vai sempre além do que assistimos na tela - ele é mais profundo, basta "cavucar". É um filme disposto a mostrar o outro lado das histórias dos personagens, deixando o poder do julgamento para quem assiste sem a menor intenção de esconder alguma peça do tabuleiro para nos confundir. É uma história que foge dos padrões mais convencionais (o que pode afastar algumas pessoas) e ao mesmo tempo inteligente em nos tirar da zona de conforto para que façamos o exercício de perceber que, muitas vezes, tomamos decisões por impulso e isso pode até gerar algum prazer momentâneo, mas que logo pode se transformar em arrependimento, dor e culpa ou em uma enorme dor de cabeça!
Vale muito a pena!
"Pecados Íntimos" parece um filme simples ao se propor fazer um recorte bastante peculiar do cotidiano de dois personagens normais, que vivem a monotonia de uma vida normal, em um bairro de classe média no subúrbio de Massachusetts. Sim, esse é mais um daqueles filmes em que sua história não é construída tendo como base um formato clássico de um roteiro com todos os elementos da jornada do herói, onde o protagonista tem um objetivo, passa por dificuldades, mas encontra seu propósito ao vencer seus desafios; muito pelo contrário, "Pecados Íntimos" é um ensaio da vida real, quase uma crônica ao estilo "Beleza Americana", que mesmo sendo uma ficção, poderia ser um documentário, e não fosse a criatividade do diretor Todd Field, talvez nem daríamos tanta importância para aquele universo, digamos, tão pacato.
Na história acompanhamos em primeiro plano a vida de dois personagens em casamentos distintos, mas igualmente sem brilho e sem paixão. Um pouco mais distante, um criminoso sexual acaba de ser solto, criando um certo clima de tensão no mesmo bairro. Temos também um ex-policial com um passado violento e que vive para esconder o seu fracasso. Mas o que esses quatro personagens tão distintos tem em comum? Simples, eles lutam para lidar com suas escolhas no passado, resistir as tentações do presente e assim tentar encontrar um caminho de felicidade para o futuro, mesmo que isso pareça impossível.. Confira o trailer (em inglês):
Baseado no livro "Little Children" (algo como "Criancinhas" - que também é o título original do filme) de Tom Perrotta, "Pecados Íntimos" é um primor de roteiro - tanto que foi indicado ao Oscar de 2007 na categoria "Roteiro Adaptado". O que vemos na tela é o resultado de uma construção narrativa extremamente intrigante que brinca a cada nova cena com a dubiedade das situações. Veja, se Sarah (Kate Winslet) é uma dona de casa que sofre com a mediocridade de sua vida e ainda por cima tem que lidar com um marido omisso, viciado em pornografia pela Internet, por que não buscar em Brad (Patrick Wilson) uma relação de cumplicidade que possa reacender seus desejos mais íntimos? - afinal, ele também vive uma situação similar no casamento, é ofuscado pelo sucesso da sua linda mulher que está sempre ocupada e que vive cobrando dele uma urgência na ascensão profissional.
Por outro lado, temos Ronnie (Jackie Earle Haley), um homem atormentado por seus distúrbios sexuais, mas que é amado por sua mãe e odiado por todas as pessoas do bairro, inclusive por Larry (Noah Emmerich), o ex-policial, estereótipo do pai de família ideal, representante dos bons costumes que, vejam só, não é amado por ninguém. O encontro dessa dualidade, muito bem costurada por uma narração que soa como um leitor daqueles livros oitentistas de romance barato, dá um charme todo especial ao filme que usa de alegorias cotidianas para provocar nosso julgamento.Se a adaptação do título nacional para "Pecados Íntimos" faz referência as atividades "secretas" dos personagens, no original "Little Children" vai além ao brincar, mais uma vez, com a interpretação dúbia do texto ao relacionar as ações dos protagonistas com as crianças, que acabam funcionando como um elemento desencadeador de conflitos, fortalecendo a alusão sobre a intensidade dos desejos e a inconsequência dos atos que já não são mais tão inocentes como no passado.
"Pecados Íntimos" vai sempre além do que assistimos na tela - ele é mais profundo, basta "cavucar". É um filme disposto a mostrar o outro lado das histórias dos personagens, deixando o poder do julgamento para quem assiste sem a menor intenção de esconder alguma peça do tabuleiro para nos confundir. É uma história que foge dos padrões mais convencionais (o que pode afastar algumas pessoas) e ao mesmo tempo inteligente em nos tirar da zona de conforto para que façamos o exercício de perceber que, muitas vezes, tomamos decisões por impulso e isso pode até gerar algum prazer momentâneo, mas que logo pode se transformar em arrependimento, dor e culpa ou em uma enorme dor de cabeça!
Vale muito a pena!
"Pequena Mamãe" é um filme incrível, de uma sensibilidade única, delicado, profundo, envolvente e muito sincero - mas vai agradar apenas um público bem específico! Se partirmos do principio que os filmes da premiada diretora e roteirista francesa, Céline Sciamma (do excelente "Retrato de uma Jovem em Chamas") giram sempre em torno de protagonistas cheias de camadas, que dialogam com o olhar, com o sentimento e com alma, fica claro que esse filme vai nos tocar.
O filme conta a história de Nelly (Joséphine Sanz), uma menina de 8 anos que acabou de perder a avó. Enquanto ajuda seus pais a esvaziar a casa em que sua mãe cresceu, Nelly conhece outra menina da sua idade, Marion (Gabrielle Sanz) e, com a conexão imediata entre as duas, começa uma bela amizade. Entre brincadeiras e confidências, elas descobrem um segredo fascinante que vai ajuda-las no entendimento do que acontecerá em suas vidas dali para frente. Confira o trailer:
Não existe outra maneira de começar essa análise sem citar a aula de roteiro que é o prólogo de "Pequena Mamãe". Assim que termina de jogar palavras cruzadas com uma senhora, Nelly passeia de quarto em quarto, despedindo-se de mais duas ou três idosas com o seu simpático "au revoir",até chegar em um quarto recém esvaziado. Ela então pergunta para uma mulher que está de costas: “Posso ficar com a bengala dela?” “Sim”, responde em tom melancólico essa mulher. Foram três linhas de diálogos que ratificam o poder que Sciamma tem de criar uma atmosfera completamente sensorial sem ao menos precisar se apoiar em uma trilha sentimentalista ou em estratégias didáticas como um personagem emocionado olhando uma foto de toda família reunida em um momento de alegria e saudade! Não, "Pequena Mamãe" não é esse filme, então tenha em mente que você não terá todas as respostas e muito menos explicações para cada atitude das protagonistas, mas não se preocupe: tudo fará sentido, desde que você se permita olhar para dentro e refletir sobre suas vivências e memórias.
Em pouco mais de 70 minutos, com apenas dois personagens em cena (e mais três adultos transitando por aquele universo dramático), poucos cenários e diálogo curtos, Sciamma cria uma espécie de fábula para discutir temas como o luto, arrependimentos, ciclos familiares e, principalmente, o entendimento de algumas escolhas - e aqui falo tanto das escolhas de vida quanto daquelas que fazemos internamente, sozinhos. O filme tem um ar bastante comovente, mas não derruba uma lágrima sequer e se você já tiver um(a) filho(a), a conexão será imediata - reparem na cena, também no prólogo, onde mãe e filha fazem uma pequena troca de carinhos dentro do carro. Embora apenas o rosto da mãe esteja no enquadramento, as ações justificam a intimidade, o cuidado e também a tristeza daquele momento. Lindo de ver!
"Pequena Mamãe" é uma história de auto-conhecimento e contato com os sentimentos mais profundos a partir do olhar inocente de uma criança - e o caminho encontrado para isso é o caráter mágico do encontro entre Nelly e Marion. Embora use de uma simbologia completamente fantasiosa, a conexão é tão generosa quanto verossímil para as duas. Além do primor da direção e roteiro, o elenco está incrível (com maior destaque para a cumplicidade natural entre Joséphine e Gabrielle), a fotografia da talentosa Claire Mathon (de "Spencer", "Atlantique" e também de "Retrato de uma Jovem em Chamas") é outro espetáculo e a montagem de Julien Lacheray (de "A Jornada"), a cereja do bolo!
Antes de finalizar, por favor, reparem na cena em que Nelly e Marion encenam uma história como se fosse uma peça de teatro e veja como roteiro trabalha tão bem as metáforas para explicar a relação entre as escolhas, despedidas e o amor entre mãe e filha.
Bom, acho que depois de tudo não preciso nem dizer que vale muito a pena, né?
"Pequena Mamãe" é um filme incrível, de uma sensibilidade única, delicado, profundo, envolvente e muito sincero - mas vai agradar apenas um público bem específico! Se partirmos do principio que os filmes da premiada diretora e roteirista francesa, Céline Sciamma (do excelente "Retrato de uma Jovem em Chamas") giram sempre em torno de protagonistas cheias de camadas, que dialogam com o olhar, com o sentimento e com alma, fica claro que esse filme vai nos tocar.
O filme conta a história de Nelly (Joséphine Sanz), uma menina de 8 anos que acabou de perder a avó. Enquanto ajuda seus pais a esvaziar a casa em que sua mãe cresceu, Nelly conhece outra menina da sua idade, Marion (Gabrielle Sanz) e, com a conexão imediata entre as duas, começa uma bela amizade. Entre brincadeiras e confidências, elas descobrem um segredo fascinante que vai ajuda-las no entendimento do que acontecerá em suas vidas dali para frente. Confira o trailer:
Não existe outra maneira de começar essa análise sem citar a aula de roteiro que é o prólogo de "Pequena Mamãe". Assim que termina de jogar palavras cruzadas com uma senhora, Nelly passeia de quarto em quarto, despedindo-se de mais duas ou três idosas com o seu simpático "au revoir",até chegar em um quarto recém esvaziado. Ela então pergunta para uma mulher que está de costas: “Posso ficar com a bengala dela?” “Sim”, responde em tom melancólico essa mulher. Foram três linhas de diálogos que ratificam o poder que Sciamma tem de criar uma atmosfera completamente sensorial sem ao menos precisar se apoiar em uma trilha sentimentalista ou em estratégias didáticas como um personagem emocionado olhando uma foto de toda família reunida em um momento de alegria e saudade! Não, "Pequena Mamãe" não é esse filme, então tenha em mente que você não terá todas as respostas e muito menos explicações para cada atitude das protagonistas, mas não se preocupe: tudo fará sentido, desde que você se permita olhar para dentro e refletir sobre suas vivências e memórias.
Em pouco mais de 70 minutos, com apenas dois personagens em cena (e mais três adultos transitando por aquele universo dramático), poucos cenários e diálogo curtos, Sciamma cria uma espécie de fábula para discutir temas como o luto, arrependimentos, ciclos familiares e, principalmente, o entendimento de algumas escolhas - e aqui falo tanto das escolhas de vida quanto daquelas que fazemos internamente, sozinhos. O filme tem um ar bastante comovente, mas não derruba uma lágrima sequer e se você já tiver um(a) filho(a), a conexão será imediata - reparem na cena, também no prólogo, onde mãe e filha fazem uma pequena troca de carinhos dentro do carro. Embora apenas o rosto da mãe esteja no enquadramento, as ações justificam a intimidade, o cuidado e também a tristeza daquele momento. Lindo de ver!
"Pequena Mamãe" é uma história de auto-conhecimento e contato com os sentimentos mais profundos a partir do olhar inocente de uma criança - e o caminho encontrado para isso é o caráter mágico do encontro entre Nelly e Marion. Embora use de uma simbologia completamente fantasiosa, a conexão é tão generosa quanto verossímil para as duas. Além do primor da direção e roteiro, o elenco está incrível (com maior destaque para a cumplicidade natural entre Joséphine e Gabrielle), a fotografia da talentosa Claire Mathon (de "Spencer", "Atlantique" e também de "Retrato de uma Jovem em Chamas") é outro espetáculo e a montagem de Julien Lacheray (de "A Jornada"), a cereja do bolo!
Antes de finalizar, por favor, reparem na cena em que Nelly e Marion encenam uma história como se fosse uma peça de teatro e veja como roteiro trabalha tão bem as metáforas para explicar a relação entre as escolhas, despedidas e o amor entre mãe e filha.
Bom, acho que depois de tudo não preciso nem dizer que vale muito a pena, né?
"Perdi Meu Corpo" (I Lost My Body) é, sem dúvida, a maior surpresa entre os cinco indicados à Melhor Animação do Oscar 2020. A animação francesa, distribuída pela Netflix, desbancou concorrentes de peso como "Frozen 2" e o "Rei Leão", mas chega com um enorme status de azarão na premiação - não pela falta de qualidade técnica ou narrativa, mas pelos próprios caminhos conceituais que o projeto escolheu - e põe conceitual nisso! Repare na premissa: o filme acompanha a jornada de uma "mão" em busca do corpo do qual ela fazia parte! Por mais bizarro que possa parecer, "Perdi Meu Corpo" aproveita essa jornada um tanto quanto peculiar para falar de escolhas, de destino e de auto-conhecimento, já que a história se passa em duas linhas temporais distintas: o presente, onde a protagonista é a "mão"; e o passado, onde o protagonista é Naoufel, um jovem, órfão, que se apaixona por Gabriella, uma garota que ele conheceu através do interfone de um prédio em Paris. É fácil deduzir que a "mão" é de Naoufel e que são as "memórias" que amarram a história, mas não sabemos se ele morreu, como ele perdeu a mão, o que aconteceu com seu pais, por que ele se tornou um garoto introspectivo, etc. "Perdi Meu Corpo" não é uma animação infantil (nem para a família como costumamos encontrar por aí), tem um tom independente bastante presente, quase experimental, e sua história é muito mais contemplativa do que dinâmica - e isso pode causar um certo estranhamento e quebrar um pouco a expectativa de quem assiste. Não é um filme que vai agradar a todos - ele é um drama com elementos bastante enraizados do cinema francês, só que em animação! Eu gostei, mas só assista se você se identificar com os elementos que comentei, se não você vai se decepcionar!
O visual da animação é incrível - parece um jogo de vídeo game, daqueles cults e muito bem desenvolvidos. A técnica da animação trás, ao mesmo tempo, o colorido e o monocromático, assim como o roteiro nos provoca a construir a história seguindo justamente esses signos! Os traços da animação 2D parecem sair das páginas de uma revista em quadrinhos, mesmo sendo um processo digital. A fotografia trabalha a iluminação e os enquadramentos lindamente, encaixando completamente com a sua estética - reparem nas cenas onde as memórias são mais antigas, preto e branco; como a sensação do preenchimento com a cor, dá lugar ao grafitado, quase que perfeitamente borrado, respeitando os limites do traço! Puxa, é lindo! A composição dos personagens tem uma forma mais caricaturada ao mesmo tempo em que nos perdemos no realismo de alguns movimentos - a "mão" é tão viva quanto qualquer outro personagem "desenhado" que está em cena!
É o primeiro longa-metragem do diretor Jérémy Clapin, um cara muito premiado com curtas de animação e é aí que eu acho que o filme dá uma vacilada - tenho a impressão que "Perdi Meu Corpo" poderia ser muito mais dinâmico, sem perder sua profundidade, se fosse um curta-metragem! O roteiro de Guillaume Laurant, um dos roteiristas do incrível "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain" é bom, trabalha bem os detalhes emocionais dos personagens (inclusive da "mão"), mas parece que não move muito a história para frente. São, basicamente, duas histórias distintas que funcionam muito bem sozinhas, que se unem no final, mas que não entrega algo que justifique a expectativa que o próprio filme vai criando - não sei, me parece que faltou um desfecho que impactasse mais! Pessoalmente, a escolha do final me incomodou um pouco, mas entendo a razão, principalmente por se tratar de uma animação. Não quero me alongar muito para não sugerir algum "spoiler", mas reparem como a dramaticidade poderia ter sido maior tanto para "mão" quanto para Naoufel se a escolha fosse "a" outra - e se encaixaria perfeitamente com as memórias e toda aquela sensação de culpa que o protagonista sempre carregou.
"Perdi Meu Corpo" merece estar na disputa da categoria, mas seu aspecto técnico deve ter pesado bastante. Essa animação é diferente, tem uma identidade forte e uma arco principal bem particular - como foi o "Menino e o Mundo" em 2016, inclusive! Justamente por isso acredito que seu maior prêmio foi a indicação! O filme é bom e tem uma mistura de emoções bem equilibrada: do romance adolescente de Naoufel com Gabrielle, da angustia e tensão da jornada surreal e cheia de aventuras da "mão" até o drama mais sentimental e reflexivo da vida do protagonista! Pode ter certeza que vale o pouco mais de uma hora de filme!
"Perdi Meu Corpo" (I Lost My Body) é, sem dúvida, a maior surpresa entre os cinco indicados à Melhor Animação do Oscar 2020. A animação francesa, distribuída pela Netflix, desbancou concorrentes de peso como "Frozen 2" e o "Rei Leão", mas chega com um enorme status de azarão na premiação - não pela falta de qualidade técnica ou narrativa, mas pelos próprios caminhos conceituais que o projeto escolheu - e põe conceitual nisso! Repare na premissa: o filme acompanha a jornada de uma "mão" em busca do corpo do qual ela fazia parte! Por mais bizarro que possa parecer, "Perdi Meu Corpo" aproveita essa jornada um tanto quanto peculiar para falar de escolhas, de destino e de auto-conhecimento, já que a história se passa em duas linhas temporais distintas: o presente, onde a protagonista é a "mão"; e o passado, onde o protagonista é Naoufel, um jovem, órfão, que se apaixona por Gabriella, uma garota que ele conheceu através do interfone de um prédio em Paris. É fácil deduzir que a "mão" é de Naoufel e que são as "memórias" que amarram a história, mas não sabemos se ele morreu, como ele perdeu a mão, o que aconteceu com seu pais, por que ele se tornou um garoto introspectivo, etc. "Perdi Meu Corpo" não é uma animação infantil (nem para a família como costumamos encontrar por aí), tem um tom independente bastante presente, quase experimental, e sua história é muito mais contemplativa do que dinâmica - e isso pode causar um certo estranhamento e quebrar um pouco a expectativa de quem assiste. Não é um filme que vai agradar a todos - ele é um drama com elementos bastante enraizados do cinema francês, só que em animação! Eu gostei, mas só assista se você se identificar com os elementos que comentei, se não você vai se decepcionar!
O visual da animação é incrível - parece um jogo de vídeo game, daqueles cults e muito bem desenvolvidos. A técnica da animação trás, ao mesmo tempo, o colorido e o monocromático, assim como o roteiro nos provoca a construir a história seguindo justamente esses signos! Os traços da animação 2D parecem sair das páginas de uma revista em quadrinhos, mesmo sendo um processo digital. A fotografia trabalha a iluminação e os enquadramentos lindamente, encaixando completamente com a sua estética - reparem nas cenas onde as memórias são mais antigas, preto e branco; como a sensação do preenchimento com a cor, dá lugar ao grafitado, quase que perfeitamente borrado, respeitando os limites do traço! Puxa, é lindo! A composição dos personagens tem uma forma mais caricaturada ao mesmo tempo em que nos perdemos no realismo de alguns movimentos - a "mão" é tão viva quanto qualquer outro personagem "desenhado" que está em cena!
É o primeiro longa-metragem do diretor Jérémy Clapin, um cara muito premiado com curtas de animação e é aí que eu acho que o filme dá uma vacilada - tenho a impressão que "Perdi Meu Corpo" poderia ser muito mais dinâmico, sem perder sua profundidade, se fosse um curta-metragem! O roteiro de Guillaume Laurant, um dos roteiristas do incrível "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain" é bom, trabalha bem os detalhes emocionais dos personagens (inclusive da "mão"), mas parece que não move muito a história para frente. São, basicamente, duas histórias distintas que funcionam muito bem sozinhas, que se unem no final, mas que não entrega algo que justifique a expectativa que o próprio filme vai criando - não sei, me parece que faltou um desfecho que impactasse mais! Pessoalmente, a escolha do final me incomodou um pouco, mas entendo a razão, principalmente por se tratar de uma animação. Não quero me alongar muito para não sugerir algum "spoiler", mas reparem como a dramaticidade poderia ter sido maior tanto para "mão" quanto para Naoufel se a escolha fosse "a" outra - e se encaixaria perfeitamente com as memórias e toda aquela sensação de culpa que o protagonista sempre carregou.
"Perdi Meu Corpo" merece estar na disputa da categoria, mas seu aspecto técnico deve ter pesado bastante. Essa animação é diferente, tem uma identidade forte e uma arco principal bem particular - como foi o "Menino e o Mundo" em 2016, inclusive! Justamente por isso acredito que seu maior prêmio foi a indicação! O filme é bom e tem uma mistura de emoções bem equilibrada: do romance adolescente de Naoufel com Gabrielle, da angustia e tensão da jornada surreal e cheia de aventuras da "mão" até o drama mais sentimental e reflexivo da vida do protagonista! Pode ter certeza que vale o pouco mais de uma hora de filme!
"Raymond e Ray" é ótimo, porém (e esse tipo de filme sempre tem um "porém") só um nicho muito específico vai se conectar com o drama que o diretor colombiano Rodrigo García (de "Santa Evita") apresenta. Digo isso pois a dinâmica narrativa é bastante cadenciado, focada em dois personagens-chave, que se alternam entre a dor da perda do pai e a raiva de carregar os fantasmas do passado durante toda a vida! Sim, o filme fala sobre o "luto", mas com camadas muito mais profundas que um simples ritual de despedida ou de entendimento do "fim" - e acredite: isso vai te tocar!
Dois meio-irmãos, Raymond (Ewan McGregor) e Ray (Ethan Hawke) se reencontram no funeral de seu pai, ambos lutando com o legado de seu relacionamento difícil com um pai exigente e pouco amoroso. De alguma forma, o funeral se torna uma chance para eles se reinventarem e entenderem que onde existe raiva, dor e loucura, também pode haver amor e uma pitada de senso de humor. Confira o trailer (em inglês):
"Raymond e Ray" pode ser considerado um equilibrado e bem desenvolvido "drama de relação" (nesse caso familiar e não de um casal), no entanto o roteiro escrito pelo próprio Garcia (que é filho do grande Gabriel Garcia Marquez) tem um pé no melodrama que deve afastar os mais céticos - não que isso seja ruim, mas é impossível não levar em consideração os reflexos na performance do elenco: as caras e bocas de McGregor e o esforço descomunal de Hawke para encontrar o tom do seu sofrimento, são dois bons exemplos.
Ao se apoiar na premissa da "busca por um inevitável acerto de contas", o roteiro acaba caindo na natural armadilha de fazer com que tudo termine bem, porém é de se elogiar que o caminho escolhido para isso traga uma realidade pontualmente dolorosa para a história e mesmo que soe distante, nos conecte aos personagens. Rodrigo García dá espaço para que os personagens imponham suas inseguranças e mesmo com diálogos superficiais, é possível entender o quanto enterrar aquele pai é difícil - ao nos mostrar as falhas de caráter desse ser humano egoísta e amado ao mesmo tempo, entendemos nas atitudes de seus filhos, os reflexos de quem só experienciou um lado dessa moeda. Se você se permitir, não será uma vez que você se colocará no lugar de Raymond ou de Ray!
Muito bem fotografado pelo Igor Jadue-Lillo (de "Minhas Mães e Meu Pai"), "Raymond e Ray" é belíssimo visualmente e muito consistente como trama de transformação. Até em suas derrapadas (e elas existem), é possível perceber que a química entre os protagonistas funciona para mover o filme na direção correta. Ele é lento? Sim. Chato? Para alguns será. No entanto existe uma certa franqueza nessa jornada que gera identificação e por isso empatia - elementos narrativos essenciais para um drama como esse! Funcionou!
"Raymond e Ray" é ótimo, porém (e esse tipo de filme sempre tem um "porém") só um nicho muito específico vai se conectar com o drama que o diretor colombiano Rodrigo García (de "Santa Evita") apresenta. Digo isso pois a dinâmica narrativa é bastante cadenciado, focada em dois personagens-chave, que se alternam entre a dor da perda do pai e a raiva de carregar os fantasmas do passado durante toda a vida! Sim, o filme fala sobre o "luto", mas com camadas muito mais profundas que um simples ritual de despedida ou de entendimento do "fim" - e acredite: isso vai te tocar!
Dois meio-irmãos, Raymond (Ewan McGregor) e Ray (Ethan Hawke) se reencontram no funeral de seu pai, ambos lutando com o legado de seu relacionamento difícil com um pai exigente e pouco amoroso. De alguma forma, o funeral se torna uma chance para eles se reinventarem e entenderem que onde existe raiva, dor e loucura, também pode haver amor e uma pitada de senso de humor. Confira o trailer (em inglês):
"Raymond e Ray" pode ser considerado um equilibrado e bem desenvolvido "drama de relação" (nesse caso familiar e não de um casal), no entanto o roteiro escrito pelo próprio Garcia (que é filho do grande Gabriel Garcia Marquez) tem um pé no melodrama que deve afastar os mais céticos - não que isso seja ruim, mas é impossível não levar em consideração os reflexos na performance do elenco: as caras e bocas de McGregor e o esforço descomunal de Hawke para encontrar o tom do seu sofrimento, são dois bons exemplos.
Ao se apoiar na premissa da "busca por um inevitável acerto de contas", o roteiro acaba caindo na natural armadilha de fazer com que tudo termine bem, porém é de se elogiar que o caminho escolhido para isso traga uma realidade pontualmente dolorosa para a história e mesmo que soe distante, nos conecte aos personagens. Rodrigo García dá espaço para que os personagens imponham suas inseguranças e mesmo com diálogos superficiais, é possível entender o quanto enterrar aquele pai é difícil - ao nos mostrar as falhas de caráter desse ser humano egoísta e amado ao mesmo tempo, entendemos nas atitudes de seus filhos, os reflexos de quem só experienciou um lado dessa moeda. Se você se permitir, não será uma vez que você se colocará no lugar de Raymond ou de Ray!
Muito bem fotografado pelo Igor Jadue-Lillo (de "Minhas Mães e Meu Pai"), "Raymond e Ray" é belíssimo visualmente e muito consistente como trama de transformação. Até em suas derrapadas (e elas existem), é possível perceber que a química entre os protagonistas funciona para mover o filme na direção correta. Ele é lento? Sim. Chato? Para alguns será. No entanto existe uma certa franqueza nessa jornada que gera identificação e por isso empatia - elementos narrativos essenciais para um drama como esse! Funcionou!
Poucas vezes você vai assistir um filme com tanta personalidade como "Réquiem para um Sonho", do incrível Darren Aronofsky (o diretor de "Mãe!"). Lançado em 2000, este filme muito impactante é capaz de nos levar para uma verdadeira montanha-russa emocional, basicamente explorando a relação de 4 personagens com as drogas e os reflexos devastadores do vício, pela perspectiva da ambição desenfreada e da busca incessante pela felicidade.
"Réquiem para um Sonho" segue quatro personagens: Harry (Jared Leto), Marion (Jennifer Connelly), Tyrone (Marlon Wayans) e Sara (Ellen Burstyn), cujas vidas são marcadas por aspirações e sonhos aparentemente inatingíveis. O filme habilmente entrelaça suas histórias enquanto eles se perdem em um labirinto de vícios, seja por drogas, amor ou fama. A narrativa cruamente realista evita o romantismo e mergulha nas profundezas sombrias das consequências dessas escolhas, resultando em um retrato visceral da fragilidade humana. Confira o trailer (em inglês):
Sem a menor dúvida que um dos pontos mais altos do filme está na direção - Aronofsky demonstra sua maestria ao utilizar uma variedade de técnicas visuais e estímulos sonoros que intensificam a nossa experiência de uma forma absurda, ao mesmo tempo em que cria uma atmosfera perturbadora para a narrativa. A montagem do Jay Rabinowitz (de "Oslo") é frenética, os cortes são rápidos e o alinhamento com a trilha sonora de Clint Mansell trabalham com tanta sinergia que acabam criando um ritmo muito particular, alucinante, eu diria; potencializando ainda mais a crescente ansiedade dos personagens. Reparem como a escolha dos enquadramentos e do uso de câmeras subjetivas são cirúrgicos, contribuindo para uma imersão profunda pela intimidade dos protagonistas, nos tornando uma espécie de cúmplice de suas tragédias.
O elenco é um show a parte, entregando performances que ecoam a angústia da narrativa de maneira poderosa. Jared Leto, Jennifer Connelly, Marlon Wayans e especialmente Ellen Burstyn (indicada ao Oscar pelo papel) transmitem a dor, a esperança e a desolação de seus personagens de maneira crua e autêntica. É o compromisso dessas atuações que nos permite a conexão emocional em uma espiral descendente, entendendo suas lutas e percebendo como elas são devastadoras.
"Réquiem para um Sonho", de fato, não é um filme fácil de assistir. Sua exploração sem concessões da realidade brutal do vício (e de seus reflexos) pode ser perturbador para muita gente - então cuidado. No entanto, é justamente por esse impacto emocional que o filme se torna tão memorável. Ao melhor estilo Aronofsky, o filme não apenas levanta questões sobre as escolhas individuais, mas também sobre a natureza da esperança e da busca pela felicidade em um mundo muitas vezes indiferente e implacável. Sua abordagem corajosa ao tratar de temas complexos e desconfortáveis torna a jornada um ponto de referência na exploração cinematográfica das sombras da psique humana.
Em um filme que transcende as barreiras do entretenimento tradicional, que exige reflexão e empatia, não existe a menor chance de não recomendar o play já com o status de "obra-prima"!
Poucas vezes você vai assistir um filme com tanta personalidade como "Réquiem para um Sonho", do incrível Darren Aronofsky (o diretor de "Mãe!"). Lançado em 2000, este filme muito impactante é capaz de nos levar para uma verdadeira montanha-russa emocional, basicamente explorando a relação de 4 personagens com as drogas e os reflexos devastadores do vício, pela perspectiva da ambição desenfreada e da busca incessante pela felicidade.
"Réquiem para um Sonho" segue quatro personagens: Harry (Jared Leto), Marion (Jennifer Connelly), Tyrone (Marlon Wayans) e Sara (Ellen Burstyn), cujas vidas são marcadas por aspirações e sonhos aparentemente inatingíveis. O filme habilmente entrelaça suas histórias enquanto eles se perdem em um labirinto de vícios, seja por drogas, amor ou fama. A narrativa cruamente realista evita o romantismo e mergulha nas profundezas sombrias das consequências dessas escolhas, resultando em um retrato visceral da fragilidade humana. Confira o trailer (em inglês):
Sem a menor dúvida que um dos pontos mais altos do filme está na direção - Aronofsky demonstra sua maestria ao utilizar uma variedade de técnicas visuais e estímulos sonoros que intensificam a nossa experiência de uma forma absurda, ao mesmo tempo em que cria uma atmosfera perturbadora para a narrativa. A montagem do Jay Rabinowitz (de "Oslo") é frenética, os cortes são rápidos e o alinhamento com a trilha sonora de Clint Mansell trabalham com tanta sinergia que acabam criando um ritmo muito particular, alucinante, eu diria; potencializando ainda mais a crescente ansiedade dos personagens. Reparem como a escolha dos enquadramentos e do uso de câmeras subjetivas são cirúrgicos, contribuindo para uma imersão profunda pela intimidade dos protagonistas, nos tornando uma espécie de cúmplice de suas tragédias.
O elenco é um show a parte, entregando performances que ecoam a angústia da narrativa de maneira poderosa. Jared Leto, Jennifer Connelly, Marlon Wayans e especialmente Ellen Burstyn (indicada ao Oscar pelo papel) transmitem a dor, a esperança e a desolação de seus personagens de maneira crua e autêntica. É o compromisso dessas atuações que nos permite a conexão emocional em uma espiral descendente, entendendo suas lutas e percebendo como elas são devastadoras.
"Réquiem para um Sonho", de fato, não é um filme fácil de assistir. Sua exploração sem concessões da realidade brutal do vício (e de seus reflexos) pode ser perturbador para muita gente - então cuidado. No entanto, é justamente por esse impacto emocional que o filme se torna tão memorável. Ao melhor estilo Aronofsky, o filme não apenas levanta questões sobre as escolhas individuais, mas também sobre a natureza da esperança e da busca pela felicidade em um mundo muitas vezes indiferente e implacável. Sua abordagem corajosa ao tratar de temas complexos e desconfortáveis torna a jornada um ponto de referência na exploração cinematográfica das sombras da psique humana.
Em um filme que transcende as barreiras do entretenimento tradicional, que exige reflexão e empatia, não existe a menor chance de não recomendar o play já com o status de "obra-prima"!
"Roma" é sensacional!!!! Talvez o melhor trabalho da carreira do Alfonso Cuarón!!! Dito isso, você precisa saber que se trata de um filme longo, P&B (preto e branco), bem lento e que fala de relações humanas!!! Mas você precisa saber também que esse filme já ganhou 83 prêmios em Festivais pelo mundo - e isso não é nada fácil - inclusive o Leão de Ouro em Veneza!!!
Certamente a pergunta que fica é: como um filme p&b, lento, longo e sem uma história tão marcante ganha tantos prêmios? Simples - "Roma" é uma aula de Cinema. Todos, eu disse todos, os planos são muito bem pensados, coreografadas e cirurgicamente bem realizados com enquadramentos que parecem muito mais uma pintura. Movimentos de câmera inovadores (como ele mesmo fez em Gravidade)? Que nada, cinema raiz (rs) - um ou outro travelling nas externas (muito bem feitos, com uma composição de centenas de figurantes e uma direção de arte que poucas vezes vi de tão orgânica), além de muitas, muitas, panorâmicas!!! Panorâmicas bem feitas, que criam a sensação de amplitude, de um vazio dos personagens dentro daquela casa repleta de histórias que ninguém teria coragem de contar porque são simples histórias do dia a dia, de todos nós, de uma ou outra família, mas que o Cuarón transformou em uma obra prima."Roma" é o retrato de um ano tumultuado na vida de uma família de classe média da Cidade do México no início dos anos 70, como vemos no trailer a seguir:
Os sentimentos estavam lá, no silêncio, no diálogo baixinho, quase inseguro; ou no desenho de som perturbador que transformava o vazio daquele ambiente (como a cena do carro raspando na garagem ou nas crianças brigando na sala). Meu amigo, isso é cinema com alma, maravilhosamente bem captado em aspecto "2.35" (mais largado), com grande angulares, e muito mais espaço para compor aqueles planos... lindo de ver!!! É um filme simples, com uma das cenas mais impactantes que eu já assisti (do parto da protagonista), onde o Cuarón não faz nenhum movimento com a câmera, não inventa, só deixa esse maravilhoso instrumento contar aquela dolorida história - sem cortes!!!! Ou a cena na loja de móveis, com um show de atuação da Yaritza Aparicio e do Jorge Antonio Guerrero - sem nenhuma palavra, só no olhar!!!
Cuarón é um cineasta incrível, versátil, mas é humano, gente como a gente - tive a honra de assistir a palestra que ele fez em 2017 durante o Festival de Cannes e posso afirmar com todas as letras: um ser humano talentoso que aceita suas fraquezas, mas que trabalha muito para transforma-las em sua maior virtude!!! Ele escreveu, dirigiu e fotografou (sim, Alfonso Cuarón dá uma aula de fotografia no primeiro longa que ele fotografa e se ele não for, no mínimo, indicado ao Oscar, será uma das maiores injustiças dos últimos tempos). "Roma" não vai agradar a todos, não está bombando nas redes sociais como "Bohemian Rhapsody" ou "Infiltrado na Klan" (que são ótimos diga-se de passagem), mas posso te garantir que esse filme vai te fazer pensar e trazer sentimentos e sensações como nenhum outro, em muito tempo. Eu diria que é outro patamar de cinematografia!!!
Obrigado Netflix pelo presente de Natal. Obrigado Alfonso Cuarón por nos permitir conhecer sua história. É só dar o play e separar a estatueta!!!!
Up-date: "Roma" ganhou em três categorias no Oscar 2019: Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Fotografia e Melhor Diretor!
"Roma" é sensacional!!!! Talvez o melhor trabalho da carreira do Alfonso Cuarón!!! Dito isso, você precisa saber que se trata de um filme longo, P&B (preto e branco), bem lento e que fala de relações humanas!!! Mas você precisa saber também que esse filme já ganhou 83 prêmios em Festivais pelo mundo - e isso não é nada fácil - inclusive o Leão de Ouro em Veneza!!!
Certamente a pergunta que fica é: como um filme p&b, lento, longo e sem uma história tão marcante ganha tantos prêmios? Simples - "Roma" é uma aula de Cinema. Todos, eu disse todos, os planos são muito bem pensados, coreografadas e cirurgicamente bem realizados com enquadramentos que parecem muito mais uma pintura. Movimentos de câmera inovadores (como ele mesmo fez em Gravidade)? Que nada, cinema raiz (rs) - um ou outro travelling nas externas (muito bem feitos, com uma composição de centenas de figurantes e uma direção de arte que poucas vezes vi de tão orgânica), além de muitas, muitas, panorâmicas!!! Panorâmicas bem feitas, que criam a sensação de amplitude, de um vazio dos personagens dentro daquela casa repleta de histórias que ninguém teria coragem de contar porque são simples histórias do dia a dia, de todos nós, de uma ou outra família, mas que o Cuarón transformou em uma obra prima."Roma" é o retrato de um ano tumultuado na vida de uma família de classe média da Cidade do México no início dos anos 70, como vemos no trailer a seguir:
Os sentimentos estavam lá, no silêncio, no diálogo baixinho, quase inseguro; ou no desenho de som perturbador que transformava o vazio daquele ambiente (como a cena do carro raspando na garagem ou nas crianças brigando na sala). Meu amigo, isso é cinema com alma, maravilhosamente bem captado em aspecto "2.35" (mais largado), com grande angulares, e muito mais espaço para compor aqueles planos... lindo de ver!!! É um filme simples, com uma das cenas mais impactantes que eu já assisti (do parto da protagonista), onde o Cuarón não faz nenhum movimento com a câmera, não inventa, só deixa esse maravilhoso instrumento contar aquela dolorida história - sem cortes!!!! Ou a cena na loja de móveis, com um show de atuação da Yaritza Aparicio e do Jorge Antonio Guerrero - sem nenhuma palavra, só no olhar!!!
Cuarón é um cineasta incrível, versátil, mas é humano, gente como a gente - tive a honra de assistir a palestra que ele fez em 2017 durante o Festival de Cannes e posso afirmar com todas as letras: um ser humano talentoso que aceita suas fraquezas, mas que trabalha muito para transforma-las em sua maior virtude!!! Ele escreveu, dirigiu e fotografou (sim, Alfonso Cuarón dá uma aula de fotografia no primeiro longa que ele fotografa e se ele não for, no mínimo, indicado ao Oscar, será uma das maiores injustiças dos últimos tempos). "Roma" não vai agradar a todos, não está bombando nas redes sociais como "Bohemian Rhapsody" ou "Infiltrado na Klan" (que são ótimos diga-se de passagem), mas posso te garantir que esse filme vai te fazer pensar e trazer sentimentos e sensações como nenhum outro, em muito tempo. Eu diria que é outro patamar de cinematografia!!!
Obrigado Netflix pelo presente de Natal. Obrigado Alfonso Cuarón por nos permitir conhecer sua história. É só dar o play e separar a estatueta!!!!
Up-date: "Roma" ganhou em três categorias no Oscar 2019: Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Fotografia e Melhor Diretor!
"Sabor da Vida" é mais um motivo para agradecer essa "era de streaming" por nos dar a oportunidade de conhecer um tipo de filme que jamais entraria no circuito de cinema comercial aqui no Brasil. Essa produção japonesa, brilhantemente dirigida pela premiada Naomi Kawase (responsável pelo filme oficial dos jogos olímpicos de Tokyo e, acreditem, 9 vezes indicada para premiações no Festival de Cannes - levando para casa quatro desses prêmios), é delicada, profunda e sensível. Uma verdadeira poesia visual para discutir, entre outras coisas, a importância de uma segunda chance sob um olhar sem preconceito e humano.
Sentaro (Masatoshi Nagase) é um chef de um pequeno negócio especializado em dorayakis - um tradicional doce oriental a base de pasta de feijão vermelho. Quando uma senhora de 76 anos, Tokue (Kirin Kiki), se oferece para ajudar na cozinha, ele relutantemente aceita. Mas graças a uma receita secreta de Tokue, o pequeno negócio logo floresce, porém o preconceito impede que essa parceria de sucesso prospere, por outro lado, os laços criados entre eles acabam ajudando na busca pela cura de velhas feridas. Confira o trailer:
"Sabor da Vida" é um filme bastante cadenciado, com uma estrutura dramática densa e complexa. Sua proposta mais autoral entrega uma história bem construída, claro, mas pouco expositiva, ou seja, muito do que sentimos ao assistir o filme é o que vai nos ajudar a entender a intenção de Kawase em discutir um sério problema da sociedade japonesa sem precisar criar grandes embates através do diálogo. A diretora é extremamente competente ao usar o silêncio dos atores da mesma forma em que se aproveita de desenho de som para construir sensações a partir de planos que são verdadeiras pinturas (e que ainda expressam o valor da cultura japonesa).
Grande vencedor do Festival Internacional de Cinema de São Paulo em 2015, o filme cria uma conexão de empatia e respeito ao próximo como poucas vezes vimos no cinema, e muito mérito disso se dá pela performance e química entre Masatoshi Nagase e Kirin Kiki. O personagem de Nagase é cheio de marcas no seu intimo. Já para Kirin as marcas estão no seu corpo, mas para ambos é a dor o combustível que os faz buscar uma nova oportunidade de ser feliz - e já te adianto que você vai se impressionar com a verdade com que essa dupla conduz seus personagens durante toda história.
Com uma leve atmosfera de solidão que nos remete as consequências que a vida insiste em nos mostrar, "Sabor da Vida" vai fundo na reflexão, além de ser uma aula de direção de atores e de construção de uma trama lírica e ao mesmo tempo muito realista. Para os amantes de filmes independentes, de dramas bem estruturados e de uma beleza visual única, esse "play" é quase uma obrigação!
"Sabor da Vida" é mais um motivo para agradecer essa "era de streaming" por nos dar a oportunidade de conhecer um tipo de filme que jamais entraria no circuito de cinema comercial aqui no Brasil. Essa produção japonesa, brilhantemente dirigida pela premiada Naomi Kawase (responsável pelo filme oficial dos jogos olímpicos de Tokyo e, acreditem, 9 vezes indicada para premiações no Festival de Cannes - levando para casa quatro desses prêmios), é delicada, profunda e sensível. Uma verdadeira poesia visual para discutir, entre outras coisas, a importância de uma segunda chance sob um olhar sem preconceito e humano.
Sentaro (Masatoshi Nagase) é um chef de um pequeno negócio especializado em dorayakis - um tradicional doce oriental a base de pasta de feijão vermelho. Quando uma senhora de 76 anos, Tokue (Kirin Kiki), se oferece para ajudar na cozinha, ele relutantemente aceita. Mas graças a uma receita secreta de Tokue, o pequeno negócio logo floresce, porém o preconceito impede que essa parceria de sucesso prospere, por outro lado, os laços criados entre eles acabam ajudando na busca pela cura de velhas feridas. Confira o trailer:
"Sabor da Vida" é um filme bastante cadenciado, com uma estrutura dramática densa e complexa. Sua proposta mais autoral entrega uma história bem construída, claro, mas pouco expositiva, ou seja, muito do que sentimos ao assistir o filme é o que vai nos ajudar a entender a intenção de Kawase em discutir um sério problema da sociedade japonesa sem precisar criar grandes embates através do diálogo. A diretora é extremamente competente ao usar o silêncio dos atores da mesma forma em que se aproveita de desenho de som para construir sensações a partir de planos que são verdadeiras pinturas (e que ainda expressam o valor da cultura japonesa).
Grande vencedor do Festival Internacional de Cinema de São Paulo em 2015, o filme cria uma conexão de empatia e respeito ao próximo como poucas vezes vimos no cinema, e muito mérito disso se dá pela performance e química entre Masatoshi Nagase e Kirin Kiki. O personagem de Nagase é cheio de marcas no seu intimo. Já para Kirin as marcas estão no seu corpo, mas para ambos é a dor o combustível que os faz buscar uma nova oportunidade de ser feliz - e já te adianto que você vai se impressionar com a verdade com que essa dupla conduz seus personagens durante toda história.
Com uma leve atmosfera de solidão que nos remete as consequências que a vida insiste em nos mostrar, "Sabor da Vida" vai fundo na reflexão, além de ser uma aula de direção de atores e de construção de uma trama lírica e ao mesmo tempo muito realista. Para os amantes de filmes independentes, de dramas bem estruturados e de uma beleza visual única, esse "play" é quase uma obrigação!