Será preciso uma certa sensibilidade para entender a proposta narrativa de "A Assistente", filme de estreia da diretora Kitty Green - que antes havia dirigido apenas documentários e isso acaba ficando claro na maneira como ela internaliza as dores da protagonista, a excelente Julia Garner de "Ozark". Não se trata de um filme tradicional, seu conceito é completamente autoral, cadenciado, trazendo um retrato realista de um ambiente pesado, onde o mal-estar está no rosto de cada funcionário e que se apoia no silêncio para causar uma repulsa pelo simples fato de nos provocar a imaginar o que estaria acontecendo do outro lado da parede!
O filme acompanha um dia na rotina de Jane (Julia Garner), uma assistente de um alto executivo de cinema que trabalha em uma famosa produtora em Manhattan. Jane é a primeira a chegar e a última a sair, responde pelas burocracias do escritório, precisa ouvir desaforos e ainda fazer vista grossa para os abusos dos superiores (e dos puxa-sacos), enfim, aquele pacote completo de uma estagiária que sonha em ter uma oportunidade de ascensão profissional. Porém tudo o que rodeia esse emprego a incomoda e a postura de seu chefe passa a ser retratada como um fantasma onipresente que Jane tem que enfrentar a cada chamada ameaçadora de telefone, a cada e-mail passivo-agressivo que ela recebe ou até a cada compromisso que ela precisa marcar para que essa "entidade" cumpra sua agenda sem maiores problemas. Confira o trailer (em inglês):
Um dos elementos que mais me chamaram a atenção no roteiro de "A Assistente" foi a forma como tudo fica sugestionado e como os pequenos gestos ganham tanto peso no sentimento de Jane - esse trabalho de Garner mereceria uma indicação ao Oscar, tranquilamente! Diferente de "O Escândalo" ou de "A voz mais forte", não se trata de um filme onde os assédios (morais e sexuais) são visíveis, mas sim de ações estruturais que vão se acumulando e ganhando uma forma aterrorizante e transformando o dia da protagonista em um verdadeiro pesadelo moral - o fato de não se ver, não quer dizer que não exista, certo? O desenho de som ajuda a pontuar esse terror do desconhecido, bem como nos guia através do que ouvimos de passagem - isso é tão bem explorado, que a própria Jane quase não fala durante os 90 minutos de filme e sentimos exatamente o seu sofrimento!
Embora muito cuidadosa, a história ganhou sua contextualização dentro do movimento #MeToo e de todos os casos de abuso sexual envolvendo “ex-chefões” de Hollywood, como Harvey Weinstein por exemplo. Onde o ambiente desconfortável se torna praticamente um personagem, inserido em uma gelada Nova Yorke, "A Assistente" cumpre o seu papel de criar a tensão, a angústia e a reflexão, mas talvez cometa o pecado de acreditar que somente o sentimento da protagonista basta para conquistar sua platéia - vai funcionar para alguns, mas muitos outros vão se decepcionar pela falta de conflito externo!
Filme difícil, assunto importante e conceito narrativo corajoso - nós gostamos e indicamos de olhos fechados!
Será preciso uma certa sensibilidade para entender a proposta narrativa de "A Assistente", filme de estreia da diretora Kitty Green - que antes havia dirigido apenas documentários e isso acaba ficando claro na maneira como ela internaliza as dores da protagonista, a excelente Julia Garner de "Ozark". Não se trata de um filme tradicional, seu conceito é completamente autoral, cadenciado, trazendo um retrato realista de um ambiente pesado, onde o mal-estar está no rosto de cada funcionário e que se apoia no silêncio para causar uma repulsa pelo simples fato de nos provocar a imaginar o que estaria acontecendo do outro lado da parede!
O filme acompanha um dia na rotina de Jane (Julia Garner), uma assistente de um alto executivo de cinema que trabalha em uma famosa produtora em Manhattan. Jane é a primeira a chegar e a última a sair, responde pelas burocracias do escritório, precisa ouvir desaforos e ainda fazer vista grossa para os abusos dos superiores (e dos puxa-sacos), enfim, aquele pacote completo de uma estagiária que sonha em ter uma oportunidade de ascensão profissional. Porém tudo o que rodeia esse emprego a incomoda e a postura de seu chefe passa a ser retratada como um fantasma onipresente que Jane tem que enfrentar a cada chamada ameaçadora de telefone, a cada e-mail passivo-agressivo que ela recebe ou até a cada compromisso que ela precisa marcar para que essa "entidade" cumpra sua agenda sem maiores problemas. Confira o trailer (em inglês):
Um dos elementos que mais me chamaram a atenção no roteiro de "A Assistente" foi a forma como tudo fica sugestionado e como os pequenos gestos ganham tanto peso no sentimento de Jane - esse trabalho de Garner mereceria uma indicação ao Oscar, tranquilamente! Diferente de "O Escândalo" ou de "A voz mais forte", não se trata de um filme onde os assédios (morais e sexuais) são visíveis, mas sim de ações estruturais que vão se acumulando e ganhando uma forma aterrorizante e transformando o dia da protagonista em um verdadeiro pesadelo moral - o fato de não se ver, não quer dizer que não exista, certo? O desenho de som ajuda a pontuar esse terror do desconhecido, bem como nos guia através do que ouvimos de passagem - isso é tão bem explorado, que a própria Jane quase não fala durante os 90 minutos de filme e sentimos exatamente o seu sofrimento!
Embora muito cuidadosa, a história ganhou sua contextualização dentro do movimento #MeToo e de todos os casos de abuso sexual envolvendo “ex-chefões” de Hollywood, como Harvey Weinstein por exemplo. Onde o ambiente desconfortável se torna praticamente um personagem, inserido em uma gelada Nova Yorke, "A Assistente" cumpre o seu papel de criar a tensão, a angústia e a reflexão, mas talvez cometa o pecado de acreditar que somente o sentimento da protagonista basta para conquistar sua platéia - vai funcionar para alguns, mas muitos outros vão se decepcionar pela falta de conflito externo!
Filme difícil, assunto importante e conceito narrativo corajoso - nós gostamos e indicamos de olhos fechados!
"A História da Pixar" é um ótimo documentário de 2007, dirigido pela mesma diretora que lançou recentemente, "A História do Imagineering", também pela Disney+. O fato é que Leslie Iwerks construiu um material histórico importantíssimo para os dias de hoje, captando depoimentos raros de gênios como Steve Jobs, George Lucas, Michael Eisner, Roy Disney; sem falar no próprio Bob Iger, John Lasseter e Ed Catmull.
"A História da Pixar" (ou The Pixar Story) é um olhar curioso sobre os primeiros anos do Estúdio. Desde a época em que era apenas um braço experimental da "Industrial Light & Magic" de George Lucas, passando pelo sucesso de "Toy Story" até a construção de seu enorme campus em East Bay e na relação de sucesso que culminou na aquisição pela Disney. Não é exagero dizer que sua notável sequência sucessos é só a ponta do iceberg de uma jornada muito pessoal de Lasseter, Catmull e Jobs e o documentário detalha muito bem como essas peças se encaixaram. O interessante, e hoje fica mais fácil perceber isso, é que a história da Pixar se confunde com o próprio caminho que a animação veio a percorrer através dos anos e mesmo se tratando de um documentário datado, é impossível não valorizar a aula de inovação, gestão e cultura que ele nos oferece a partir das histórias de cada um dos protagonistas e da paixão por algo que parecia tão distante.
Para quem é empreendedor ou amante do cinema de animação, esse documentário é simplesmente imperdível. São tantos elementos que nos inspiram que fica até difícil pontuar. Pode ter certeza que você vai querer se aprofundar, já que o documentário não tem essa preocupação, então eu aproveito para sugerir o livro "Criatividade S.A." do Ed Catmull - lá você vai encontrar muitas das passagens do documentário um pouco mais desenvolvidas.Olha, se assistir esse documentário e depois ler o livro, acredite, você terá um verdadeiro estudo de caso nas mãos, digno dos melhores cursos de pós-gradução do planeta. Vale muito a pena!
"A História da Pixar" é um ótimo documentário de 2007, dirigido pela mesma diretora que lançou recentemente, "A História do Imagineering", também pela Disney+. O fato é que Leslie Iwerks construiu um material histórico importantíssimo para os dias de hoje, captando depoimentos raros de gênios como Steve Jobs, George Lucas, Michael Eisner, Roy Disney; sem falar no próprio Bob Iger, John Lasseter e Ed Catmull.
"A História da Pixar" (ou The Pixar Story) é um olhar curioso sobre os primeiros anos do Estúdio. Desde a época em que era apenas um braço experimental da "Industrial Light & Magic" de George Lucas, passando pelo sucesso de "Toy Story" até a construção de seu enorme campus em East Bay e na relação de sucesso que culminou na aquisição pela Disney. Não é exagero dizer que sua notável sequência sucessos é só a ponta do iceberg de uma jornada muito pessoal de Lasseter, Catmull e Jobs e o documentário detalha muito bem como essas peças se encaixaram. O interessante, e hoje fica mais fácil perceber isso, é que a história da Pixar se confunde com o próprio caminho que a animação veio a percorrer através dos anos e mesmo se tratando de um documentário datado, é impossível não valorizar a aula de inovação, gestão e cultura que ele nos oferece a partir das histórias de cada um dos protagonistas e da paixão por algo que parecia tão distante.
Para quem é empreendedor ou amante do cinema de animação, esse documentário é simplesmente imperdível. São tantos elementos que nos inspiram que fica até difícil pontuar. Pode ter certeza que você vai querer se aprofundar, já que o documentário não tem essa preocupação, então eu aproveito para sugerir o livro "Criatividade S.A." do Ed Catmull - lá você vai encontrar muitas das passagens do documentário um pouco mais desenvolvidas.Olha, se assistir esse documentário e depois ler o livro, acredite, você terá um verdadeiro estudo de caso nas mãos, digno dos melhores cursos de pós-gradução do planeta. Vale muito a pena!
"A História do Imagineering" é uma série documental de seis episódios de 60 minutos, em média, do Disney+, que mais parece um curso de MBA em empreendedorismo e inovação - e isso é incrível! Sem exageros, a forma como o documentário dirigido pela Leslie Iwerks, indicada ao Oscar de 2007 pelo curta documental "Recycled Life" e também responsável pelo excelente "A História da Pixar", é simplesmente sensacional - são tantos elementos inseridos organicamente no processo de construção de um império do entretenimento pelos olhos da força mais criativa da empresa, que fica até difícil citá-los sem correr o risco de esquecer algo importante!
Mesmo que você seja uma das milhões de pessoas que tiveram a oportunidade de visitar algum dos parques temáticos da Disney em todo o mundo, você pode não ter a noção e até não conhecer sobre um dos conceitos culturais mais importantes que a empresa até estabeleceu como profissão: a do Imagineer. A palavra foi criada para designar os criadores de tudo que está nos seus parques temáticos, da idealização à construção de várias das atrações. O documentário tem, entre outras coisas, o objetivo de mostrar um lado secreto que a Disney habitualmente não revelaria e a relação mágica entre a criação e o público que já começa com seu criador Walt, o primeiro dos Imagineers. Confira o trailer:
Da criação da Disneylândia original em Anaheim, na Califórnia, passando pela da Euro Disney em Paris, até chegar nos parques mais recentes, como o de Xangai, a série percorre os altos e baixos destas tarefas gigantescas e dá voz aos seus protagonistas em uma verdadeira radiografia que expõe os bastidores da empresa, tanto criativo como corporativo - e é aqui que o documentário ganha em conteúdo, pois Iwerks mostra um material riquíssimo de arquivo, com conversas de Walt e seu irmão Roy, depoimentos dos primeiros Imagineers, CEOs e executivos da empresa como Michael Eisner, Frank Wells e Bob Iger, além de figuras quase míticas como Steve Jobs, George Lucas e James Cameron.
"A História do Imagineering" é muito mais que uma série que fala sobre um legado, ela é a mais espetacular análise sobre o real significado de empreendedorismo na prática, uma aula de cultura, gestão, propósito, criatividade, inovação, growth, customer experience, internacionalização, propriedade intelectual, etc. Sério, é simplesmente imperdível e me desculpem a redundância, mas talvez seja o melhor conteúdo sobre o assunto disponível atualmente nos serviços de streaming.
Como de costume nesse tipo de review focado em empreendedorismo, seguem algumas indicações bibliográficas que vão te ajudar a se aprofundar no conteúdo que a série cobre. O primeiro chama "Se você pode sonhar, pode fazer"- esse é um livro de consulta, bem fácil, com vários conceitos dos Imagineers que ajudam a impulsionar a criatividade. A segunda indicação já é um pouco mais complexa, "Disney War" mostra os bastidores da Era Eisner na Disney e como ele foi capaz de recuperar uma empresa quase falida e transformar em uma potencia global do entretenimento. Existem mais dois livros que também podem interessar: "A Magia do Império Disney"de Ginha Nader é basicamente o conteúdo que você vai assistir no documentário e "Criando Magia" do Lee Cockerell que enumera dez estratégias de liderança disseminadas no Disney Institute.
Agora vamos ao que interessa! Só dar o play e ser feliz!
"A História do Imagineering" é uma série documental de seis episódios de 60 minutos, em média, do Disney+, que mais parece um curso de MBA em empreendedorismo e inovação - e isso é incrível! Sem exageros, a forma como o documentário dirigido pela Leslie Iwerks, indicada ao Oscar de 2007 pelo curta documental "Recycled Life" e também responsável pelo excelente "A História da Pixar", é simplesmente sensacional - são tantos elementos inseridos organicamente no processo de construção de um império do entretenimento pelos olhos da força mais criativa da empresa, que fica até difícil citá-los sem correr o risco de esquecer algo importante!
Mesmo que você seja uma das milhões de pessoas que tiveram a oportunidade de visitar algum dos parques temáticos da Disney em todo o mundo, você pode não ter a noção e até não conhecer sobre um dos conceitos culturais mais importantes que a empresa até estabeleceu como profissão: a do Imagineer. A palavra foi criada para designar os criadores de tudo que está nos seus parques temáticos, da idealização à construção de várias das atrações. O documentário tem, entre outras coisas, o objetivo de mostrar um lado secreto que a Disney habitualmente não revelaria e a relação mágica entre a criação e o público que já começa com seu criador Walt, o primeiro dos Imagineers. Confira o trailer:
Da criação da Disneylândia original em Anaheim, na Califórnia, passando pela da Euro Disney em Paris, até chegar nos parques mais recentes, como o de Xangai, a série percorre os altos e baixos destas tarefas gigantescas e dá voz aos seus protagonistas em uma verdadeira radiografia que expõe os bastidores da empresa, tanto criativo como corporativo - e é aqui que o documentário ganha em conteúdo, pois Iwerks mostra um material riquíssimo de arquivo, com conversas de Walt e seu irmão Roy, depoimentos dos primeiros Imagineers, CEOs e executivos da empresa como Michael Eisner, Frank Wells e Bob Iger, além de figuras quase míticas como Steve Jobs, George Lucas e James Cameron.
"A História do Imagineering" é muito mais que uma série que fala sobre um legado, ela é a mais espetacular análise sobre o real significado de empreendedorismo na prática, uma aula de cultura, gestão, propósito, criatividade, inovação, growth, customer experience, internacionalização, propriedade intelectual, etc. Sério, é simplesmente imperdível e me desculpem a redundância, mas talvez seja o melhor conteúdo sobre o assunto disponível atualmente nos serviços de streaming.
Como de costume nesse tipo de review focado em empreendedorismo, seguem algumas indicações bibliográficas que vão te ajudar a se aprofundar no conteúdo que a série cobre. O primeiro chama "Se você pode sonhar, pode fazer"- esse é um livro de consulta, bem fácil, com vários conceitos dos Imagineers que ajudam a impulsionar a criatividade. A segunda indicação já é um pouco mais complexa, "Disney War" mostra os bastidores da Era Eisner na Disney e como ele foi capaz de recuperar uma empresa quase falida e transformar em uma potencia global do entretenimento. Existem mais dois livros que também podem interessar: "A Magia do Império Disney"de Ginha Nader é basicamente o conteúdo que você vai assistir no documentário e "Criando Magia" do Lee Cockerell que enumera dez estratégias de liderança disseminadas no Disney Institute.
Agora vamos ao que interessa! Só dar o play e ser feliz!
Não é uma tarefa fácil analisar um documentário como esse - ele é forte, impactante, denso, provocador até! Dividido em duas partes, “Kevin Spacey – A História Não Contada”, posso adiantar, é ótimo, mas é impossível dizer que haja imparcialidade na sua narrativa. Embora o trabalho de pesquisa da Katherine Haywood (uma das produtoras de "Quem É Ghislaine Maxwell?") seja dos mais competentes, sua proposta narrativa como diretora, basicamente, se apoia em apenas um lado da história, colocando ainda mais lenha na fogueira. Ao trazer para os holofotes os depoimentos de 10 supostas vitimas do ator, sendo 9 novos casos, Haywood praticamente elimina qualquer chance de termos algum tipo de simpatia por Kevin Spacey que, diga-se de passagem, acabou de ser inocentado de todas as acusações de assédio e abuso sexual que tinham contra ele. Ao criar uma linha do tempo das mais interessantes, a diretora constrói um retrato do ator desde sua humilde infância em New Jersey até o auge de sua carreira em Hollywood, relativizando algumas passagens traumáticas para escancarar sua postura como abusador, onde o poder e a influência, reflexo do seu enorme sucesso, de fato, moldaram algumas de suas piores atitudes ao longo dos anos.
Sem nenhum corte, "A História Não Contada” impressiona demais pela honestidade de seus 10 depoentes. Ao acompanhar a trajetória de Spacey desde seus primeiros passos no teatro amador até se tornar um dos atores mais requisitados de Hollywood, temos um perfil dos mais curiosos sobre uma pessoa que parece ter perdido a noção do que é certo e errado em muitas oportunidades. Veja, são entrevistas com amigos, familiares, colegas de profissão e até mesmo com algumas das vítimas desses abusos, o que nos dá a exata noção do quão complexo e multifacetado é o ator, revelando tanto seu talento inegável quanto seus fantasmas mais íntimos. Confira o trailer:
Mais do que um mero relato de fatos, com inúmeras cenas de arquivo e gravações do próprio Kevin Spacey, essa produção da Discovery é um verdadeiro estudo psicológico sobre as motivações e os conflitos internos de um indivíduo talentoso, mas profundamente atormentado. Em dois episódios, a minissérie nos convida a questionar as nuances do comportamento humano, explorando temas como a insegurança, os traumas, a ambição, o poder, o vício e, principalmente, a sensação de invencibilidade. Ao revelar os bastidores da indústria do entretenimento e as consequências devastadoras do poder acima de tudo, "Kevin Spacey - A História Não Contada" se torna uma obra necessária e urgente - um lembrete de que nem tudo que reluz é ouro, e que por trás da máscara do sucesso podem se esconder histórias sombrias e dolorosas.
Mas nem tudo são elogios, se o documentário é eficaz ao mostrar como a fama pode ser uma ferramenta de manipulação, especialmente em um ambiente onde as estrelas têm um controle desproporcional sobre seus colegas de trabalho, ela falha ao não se aprofundar no contexto onde os supostos abusos foram realizados. Da forma como a história é contada, Kevin Spacey é claramente uma pessoa doente, então por qual razão ele não foi condenado em algum de seus supostos crimes? A resposta é simples: na vida real existiu uma dúvida, no documentário não existe!
"Kevin Spacey: A História Não Contada" é um documentário imperdível para quem busca ir além da superfície e tenta entender as complexas engrenagens da psique humana. Embora as resposta não estejam ali, a narrativa te convida ao julgamento - não existe uma saída que não seja condenar seu protagonista. Haywood entrega uma obra perigosa por sua parcialidade, mas ao olharmos por uma perspectiva um pouco mais ampla, seu propósito acaba sendo cumprido, provocando reflexões, despertando a consciência perante o poder e nos convidando a repensar nossos valores e crenças sobre fama e a justiça. Entender a complexidade das acusações contra o ator e o impacto de seu comportamento na vida de muitos homens, acredite, é só o começo dessa jornada bastante indigesta.
Vale seu play!
Não é uma tarefa fácil analisar um documentário como esse - ele é forte, impactante, denso, provocador até! Dividido em duas partes, “Kevin Spacey – A História Não Contada”, posso adiantar, é ótimo, mas é impossível dizer que haja imparcialidade na sua narrativa. Embora o trabalho de pesquisa da Katherine Haywood (uma das produtoras de "Quem É Ghislaine Maxwell?") seja dos mais competentes, sua proposta narrativa como diretora, basicamente, se apoia em apenas um lado da história, colocando ainda mais lenha na fogueira. Ao trazer para os holofotes os depoimentos de 10 supostas vitimas do ator, sendo 9 novos casos, Haywood praticamente elimina qualquer chance de termos algum tipo de simpatia por Kevin Spacey que, diga-se de passagem, acabou de ser inocentado de todas as acusações de assédio e abuso sexual que tinham contra ele. Ao criar uma linha do tempo das mais interessantes, a diretora constrói um retrato do ator desde sua humilde infância em New Jersey até o auge de sua carreira em Hollywood, relativizando algumas passagens traumáticas para escancarar sua postura como abusador, onde o poder e a influência, reflexo do seu enorme sucesso, de fato, moldaram algumas de suas piores atitudes ao longo dos anos.
Sem nenhum corte, "A História Não Contada” impressiona demais pela honestidade de seus 10 depoentes. Ao acompanhar a trajetória de Spacey desde seus primeiros passos no teatro amador até se tornar um dos atores mais requisitados de Hollywood, temos um perfil dos mais curiosos sobre uma pessoa que parece ter perdido a noção do que é certo e errado em muitas oportunidades. Veja, são entrevistas com amigos, familiares, colegas de profissão e até mesmo com algumas das vítimas desses abusos, o que nos dá a exata noção do quão complexo e multifacetado é o ator, revelando tanto seu talento inegável quanto seus fantasmas mais íntimos. Confira o trailer:
Mais do que um mero relato de fatos, com inúmeras cenas de arquivo e gravações do próprio Kevin Spacey, essa produção da Discovery é um verdadeiro estudo psicológico sobre as motivações e os conflitos internos de um indivíduo talentoso, mas profundamente atormentado. Em dois episódios, a minissérie nos convida a questionar as nuances do comportamento humano, explorando temas como a insegurança, os traumas, a ambição, o poder, o vício e, principalmente, a sensação de invencibilidade. Ao revelar os bastidores da indústria do entretenimento e as consequências devastadoras do poder acima de tudo, "Kevin Spacey - A História Não Contada" se torna uma obra necessária e urgente - um lembrete de que nem tudo que reluz é ouro, e que por trás da máscara do sucesso podem se esconder histórias sombrias e dolorosas.
Mas nem tudo são elogios, se o documentário é eficaz ao mostrar como a fama pode ser uma ferramenta de manipulação, especialmente em um ambiente onde as estrelas têm um controle desproporcional sobre seus colegas de trabalho, ela falha ao não se aprofundar no contexto onde os supostos abusos foram realizados. Da forma como a história é contada, Kevin Spacey é claramente uma pessoa doente, então por qual razão ele não foi condenado em algum de seus supostos crimes? A resposta é simples: na vida real existiu uma dúvida, no documentário não existe!
"Kevin Spacey: A História Não Contada" é um documentário imperdível para quem busca ir além da superfície e tenta entender as complexas engrenagens da psique humana. Embora as resposta não estejam ali, a narrativa te convida ao julgamento - não existe uma saída que não seja condenar seu protagonista. Haywood entrega uma obra perigosa por sua parcialidade, mas ao olharmos por uma perspectiva um pouco mais ampla, seu propósito acaba sendo cumprido, provocando reflexões, despertando a consciência perante o poder e nos convidando a repensar nossos valores e crenças sobre fama e a justiça. Entender a complexidade das acusações contra o ator e o impacto de seu comportamento na vida de muitos homens, acredite, é só o começo dessa jornada bastante indigesta.
Vale seu play!
Quanto menos você souber sobre "Aftersun", melhor será a sua experiência! No entanto, e isso é preciso que se diga, não será uma jornada das mais tranquilas e nem todos vão se conectar com a proposta intimista, reflexiva e cheia de sensibilidade que a diretora estreante Charlotte Wells propõe. Talvez o primeiro ponto a se levantar seja justamente a forma como Wells retrata sensações e sentimentos bastante particulares quando evocamos algo tão preciso em nossa vida: as memórias de um ente querido ou de um tempo que, infelizmente, não voltará. Aqui, a diretora, com habilidade, pesa na mão ao discutir as relações familiares pela perspectiva de uma garota de 11 anos em uma viagem de férias com seu pai - como em "Um Lugar Qualquer" existe um desconforto entre a nostalgia e a melancolia que, de fato, nos corrói por dentro. Mas atenção, embora "Aftersun" brinque com uma sensação de que algo impactante pode acontecer a qualquer momento, eu alinho sua expectativa: o filme não é sobre um fato e sim sobre o contexto que aqueles personagens viveram (já que o filme é basicamente uma página de um livro de memórias).
Sophie (Celia Rowlson-Hall na versão adulta) reflete sobre a alegria e a melancolia das férias que ela (Frankie Corio, na versão pré-adolescente) passou com seu pai Calum (Paul Mescal) na Turquia, 20 anos antes. Em um jogo de memórias reais ou simplesmente imaginárias, Sophie tenta preencher as lacunas entre o pai amoroso e cuidadoso que conheceu, com o homem cheio de marcas e dores que ela acreditava nem existir. Confira o trailer:
"Aftersun" é o tipo do filme que não deve ser definido assim que os créditos sobem - ele exige um certo tempo para digestão, para alguma reflexão e, quem sabe até, para um olhar mais íntimo sobre nossa própria relação com a "saudade". Com uma linguagem quase experimental, uma identidade marcante e um conceito independente bem latente, o filme é tocante na sua essência e emocionante na sua simplicidade - o que traz certo frescor narrativo e até alguma provocação já que o roteiro tem uma trama direta e clara ao apresentar apenas uma passagem da vida de dois personagens. O segredo, no entanto, está na maneira como a protagonista revisita essa viagem a partir das suas lembranças e de gravações em VHS feitas na época - é como se ela montasse um quebra-cabeça, agora mais madura, com peças que jamais teve contato.
A performance de Paul Mescal (indicado ao Oscar 2023 por esse personagem) é um dos pontos fortes do filme - o ator captura com maestria a complexidade de Calum, um homem que luta contra seus próprios demônios enquanto tenta ser um bom pai para Sophie. Reparem como Mescal mantém, ou pelo menos tenta manter, a filha propositalmente (e com certa dor de quem quer apenas proteger seu grande amor) afastada de certos aspectos de sua vida - as perguntas da filha sobre o relacionamento dele com a mãe, com outras namoradas, com o dinheiro; enfim, tudo toca na alma de quem assiste e te falo: nem é preciso diálogos rebuscados ou cenas de embate, é tudo no olhar, no silêncio, na sensibilidade de Wells em insinuar e não escancarar o óbvio. Frankie Corio, como não poderia deixar de ser, também brilha, transmitindo a inocência e a confusão da juventude com muita propriedade - olho nessa atriz!
"Aftersun" tem na fotografia de Gregory Oke (de "Raf") uma contribuição importante para a construção dessa atmosfera melancólica do filme, com cores desbotadas e imagens granuladas que evocam a nostalgia das férias em família. A montagem impressionista de Blair McClendon (a mesma de "A Assistente") também merece elogios: tudo acontece no seu tempo, independente de onde esteja na cronologia dos fatos - é muito bom! Mesmo que definido pela própria Charlotte Wells como uma história autobiográfica, "Aftersun" sabe exatamente como escapar do egocentrismo com poesia e simbolismo, e assim entregar uma jornada autêntica, generosa e profundamente verdadeira sobre o que há de mais particular, e por isso inquestionável, na experiência humana quando o amor está acima de tudo.
Dói, mas vale seu play!
Quanto menos você souber sobre "Aftersun", melhor será a sua experiência! No entanto, e isso é preciso que se diga, não será uma jornada das mais tranquilas e nem todos vão se conectar com a proposta intimista, reflexiva e cheia de sensibilidade que a diretora estreante Charlotte Wells propõe. Talvez o primeiro ponto a se levantar seja justamente a forma como Wells retrata sensações e sentimentos bastante particulares quando evocamos algo tão preciso em nossa vida: as memórias de um ente querido ou de um tempo que, infelizmente, não voltará. Aqui, a diretora, com habilidade, pesa na mão ao discutir as relações familiares pela perspectiva de uma garota de 11 anos em uma viagem de férias com seu pai - como em "Um Lugar Qualquer" existe um desconforto entre a nostalgia e a melancolia que, de fato, nos corrói por dentro. Mas atenção, embora "Aftersun" brinque com uma sensação de que algo impactante pode acontecer a qualquer momento, eu alinho sua expectativa: o filme não é sobre um fato e sim sobre o contexto que aqueles personagens viveram (já que o filme é basicamente uma página de um livro de memórias).
Sophie (Celia Rowlson-Hall na versão adulta) reflete sobre a alegria e a melancolia das férias que ela (Frankie Corio, na versão pré-adolescente) passou com seu pai Calum (Paul Mescal) na Turquia, 20 anos antes. Em um jogo de memórias reais ou simplesmente imaginárias, Sophie tenta preencher as lacunas entre o pai amoroso e cuidadoso que conheceu, com o homem cheio de marcas e dores que ela acreditava nem existir. Confira o trailer:
"Aftersun" é o tipo do filme que não deve ser definido assim que os créditos sobem - ele exige um certo tempo para digestão, para alguma reflexão e, quem sabe até, para um olhar mais íntimo sobre nossa própria relação com a "saudade". Com uma linguagem quase experimental, uma identidade marcante e um conceito independente bem latente, o filme é tocante na sua essência e emocionante na sua simplicidade - o que traz certo frescor narrativo e até alguma provocação já que o roteiro tem uma trama direta e clara ao apresentar apenas uma passagem da vida de dois personagens. O segredo, no entanto, está na maneira como a protagonista revisita essa viagem a partir das suas lembranças e de gravações em VHS feitas na época - é como se ela montasse um quebra-cabeça, agora mais madura, com peças que jamais teve contato.
A performance de Paul Mescal (indicado ao Oscar 2023 por esse personagem) é um dos pontos fortes do filme - o ator captura com maestria a complexidade de Calum, um homem que luta contra seus próprios demônios enquanto tenta ser um bom pai para Sophie. Reparem como Mescal mantém, ou pelo menos tenta manter, a filha propositalmente (e com certa dor de quem quer apenas proteger seu grande amor) afastada de certos aspectos de sua vida - as perguntas da filha sobre o relacionamento dele com a mãe, com outras namoradas, com o dinheiro; enfim, tudo toca na alma de quem assiste e te falo: nem é preciso diálogos rebuscados ou cenas de embate, é tudo no olhar, no silêncio, na sensibilidade de Wells em insinuar e não escancarar o óbvio. Frankie Corio, como não poderia deixar de ser, também brilha, transmitindo a inocência e a confusão da juventude com muita propriedade - olho nessa atriz!
"Aftersun" tem na fotografia de Gregory Oke (de "Raf") uma contribuição importante para a construção dessa atmosfera melancólica do filme, com cores desbotadas e imagens granuladas que evocam a nostalgia das férias em família. A montagem impressionista de Blair McClendon (a mesma de "A Assistente") também merece elogios: tudo acontece no seu tempo, independente de onde esteja na cronologia dos fatos - é muito bom! Mesmo que definido pela própria Charlotte Wells como uma história autobiográfica, "Aftersun" sabe exatamente como escapar do egocentrismo com poesia e simbolismo, e assim entregar uma jornada autêntica, generosa e profundamente verdadeira sobre o que há de mais particular, e por isso inquestionável, na experiência humana quando o amor está acima de tudo.
Dói, mas vale seu play!
“Being the Ricardos” é muito bacana - e certamente vai se conectar melhor com aqueles, digamos, um pouco mais velhos e que se lembram (mesmo que vagamente) o que representou o show “I Love Lucy” na história da TV. Obviamente que o filme chega chancelado pelo selo de qualidade do diretor e roteirista Aaron Sorkin que, mesmo tendo como sua característica narrativa a verborragia desde os tempos onde a escrita era seu único expediente, entrega um pouco mais de duas horas de um ótimo entretenimento, equilibrando uma dinâmica visual simples com uma história que, aí sim, vai além das piadas que deram fama para a sua protagonista.
Lucille Ball (Nicole Kidman, mais uma vez brilhante) e Desi Arnaz (Javier Bardem) se casaram em 1940 e viram sua fama decolar após estrearem uma das mais memoráveis sitcoms americanas, “I Love Lucy”. Entretanto, quando tudo parecia estar indo bem, os dois se veem envolvidos em uma trama de acusações chocantes que ameaçam sua vida pessoal e profissional. Ao longo da semana mais tensa de gravações do show, o relacionamento complexo dos dois é posto à prova, enquanto algumas verdades vêm à tona. Confira o trailer:
Essa biografia produzida pela Amazon para o seu Prime Vídeo apresenta uma personagem que se encaixa perfeitamente na maior habilidade de Sorkin como roteirista: construir diálogos. Desde o primeiro momento, se estabelece um conceito narrativo documental onde a radiografia que vai sendo construída para Lucille Ball se apoia, justamente, em como ela se comunica - o que eu quero dizer é que os diálogos de “Being the Ricardos” são intensos, mas afiadíssimos. O problema é que a capacidade de Sorkin como diretor não é a mesma que escrevendo - não que seja ruim, até existe algum vislumbre criativo no filme (mas é pouco), principalmente quando Lucy visualiza as cenas que serão filmadas de acordo com sua imaginação e que nos remete ao material original do show (mesmo não sendo). O ponto fraco da sua direção está na forma como ele cuida do elenco coadjuvante, pois ele não respeita a individualidade dos personagens - reparem como todos se expressam com vocabulários, ritmos e tiques exatamente da mesma forma. É como se cada diálogo tivesse que ser carregado com um tom de ironia e uma pitada sarcasmo!
Esse ponto fraco não atrapalha nossa jornada como audiência porque Nicole Kidman está simplesmente fantástica no papel de protagonista. Quatro vezes indicadas ao Oscar e com uma vitória em "As Horas", Kidman está impecável nos gestos, na fala e no visual - me surpreendeu que “Being the Ricardos” não tenha sido nem pré-selecionado para concorrer na categoria "Cabelo e Maquiagem" do Oscar 2022. Javier Bardem, mesmo sendo espanhol, interpreta um cubano - sinceramente não acho isso um grande problema, embora o esteriótipo de Latin Loveresteja muito presente na sua performance. Quando Bardem tira essa máscara (que pediram para ele colocar), ele brilha - e não falo isso com demérito, já que seu personagem pede essa dualidade, mas é nítido como nas cenas mais profundas, ele vai muito além.
“Being the Ricardos” se baseia na genialidade de uma artista que fazia dos seus instintos sua diferença - e é na constatação dessa densidade como ser humano que o filme cresce. Saiba que Lucy, diferente de Judy (por exemplo), foi uma artista que precisou se provar de tantas formas ao longo de tantos anos que soa improvável que, a cada episódio, seu show alcançasse 60 milhões de americanos todas as segundas - hoje um show de muito sucesso talvez alcance 1/4 disso. O filme mostra algumas passagens onde discutiam sobre seu talento, sobre sua capacidade dramática, sobre sua aparência e até sobre sua relação com o comunismo; mas “Being the Ricardos” é bom mesmo quando mostra a força e a capacidade de uma mulher que, desacreditada, fez de tudo para vencer na vida!
Vale muito a pena!
“Being the Ricardos” é muito bacana - e certamente vai se conectar melhor com aqueles, digamos, um pouco mais velhos e que se lembram (mesmo que vagamente) o que representou o show “I Love Lucy” na história da TV. Obviamente que o filme chega chancelado pelo selo de qualidade do diretor e roteirista Aaron Sorkin que, mesmo tendo como sua característica narrativa a verborragia desde os tempos onde a escrita era seu único expediente, entrega um pouco mais de duas horas de um ótimo entretenimento, equilibrando uma dinâmica visual simples com uma história que, aí sim, vai além das piadas que deram fama para a sua protagonista.
Lucille Ball (Nicole Kidman, mais uma vez brilhante) e Desi Arnaz (Javier Bardem) se casaram em 1940 e viram sua fama decolar após estrearem uma das mais memoráveis sitcoms americanas, “I Love Lucy”. Entretanto, quando tudo parecia estar indo bem, os dois se veem envolvidos em uma trama de acusações chocantes que ameaçam sua vida pessoal e profissional. Ao longo da semana mais tensa de gravações do show, o relacionamento complexo dos dois é posto à prova, enquanto algumas verdades vêm à tona. Confira o trailer:
Essa biografia produzida pela Amazon para o seu Prime Vídeo apresenta uma personagem que se encaixa perfeitamente na maior habilidade de Sorkin como roteirista: construir diálogos. Desde o primeiro momento, se estabelece um conceito narrativo documental onde a radiografia que vai sendo construída para Lucille Ball se apoia, justamente, em como ela se comunica - o que eu quero dizer é que os diálogos de “Being the Ricardos” são intensos, mas afiadíssimos. O problema é que a capacidade de Sorkin como diretor não é a mesma que escrevendo - não que seja ruim, até existe algum vislumbre criativo no filme (mas é pouco), principalmente quando Lucy visualiza as cenas que serão filmadas de acordo com sua imaginação e que nos remete ao material original do show (mesmo não sendo). O ponto fraco da sua direção está na forma como ele cuida do elenco coadjuvante, pois ele não respeita a individualidade dos personagens - reparem como todos se expressam com vocabulários, ritmos e tiques exatamente da mesma forma. É como se cada diálogo tivesse que ser carregado com um tom de ironia e uma pitada sarcasmo!
Esse ponto fraco não atrapalha nossa jornada como audiência porque Nicole Kidman está simplesmente fantástica no papel de protagonista. Quatro vezes indicadas ao Oscar e com uma vitória em "As Horas", Kidman está impecável nos gestos, na fala e no visual - me surpreendeu que “Being the Ricardos” não tenha sido nem pré-selecionado para concorrer na categoria "Cabelo e Maquiagem" do Oscar 2022. Javier Bardem, mesmo sendo espanhol, interpreta um cubano - sinceramente não acho isso um grande problema, embora o esteriótipo de Latin Loveresteja muito presente na sua performance. Quando Bardem tira essa máscara (que pediram para ele colocar), ele brilha - e não falo isso com demérito, já que seu personagem pede essa dualidade, mas é nítido como nas cenas mais profundas, ele vai muito além.
“Being the Ricardos” se baseia na genialidade de uma artista que fazia dos seus instintos sua diferença - e é na constatação dessa densidade como ser humano que o filme cresce. Saiba que Lucy, diferente de Judy (por exemplo), foi uma artista que precisou se provar de tantas formas ao longo de tantos anos que soa improvável que, a cada episódio, seu show alcançasse 60 milhões de americanos todas as segundas - hoje um show de muito sucesso talvez alcance 1/4 disso. O filme mostra algumas passagens onde discutiam sobre seu talento, sobre sua capacidade dramática, sobre sua aparência e até sobre sua relação com o comunismo; mas “Being the Ricardos” é bom mesmo quando mostra a força e a capacidade de uma mulher que, desacreditada, fez de tudo para vencer na vida!
Vale muito a pena!
Mariano Cohn e Gastón Duprat é dupla responsável por "O Cidadão Ilustre" e por "Minha Obra-Prima" - não por acaso você vai encontrar o mesmo humor ácido, inteligente, irônico e as vezes até estereotipado em "Concorrência Oficial". Dito isso, eu sugiro que você conheça o trabalho da dupla de diretores antes do play, pois dos três filmes, certamente esse é o mais autoral na sua essência - mas nem por isso menos divertido.
Aqui, conhecemos Humberto Suárez (José Luis Gómez) um bilionário de 80 anos que, com medo de perder sua significância, decide fazer um filme para deixar sua marca. Ele contrata os melhores para a missão: Lola Cuevas (Penélope Cruz) é uma cineasta famosa, premiada, mas excêntrica em seu método de trabalho. Para protagonistas, dois atores incrivelmente talentosos, mas com egos enormes, Félix Rivero (Antonio Banderas) e Iván Torres (Oscar Martínez). Um é famoso em Hollywood e o outro, um ator radical com fortes bases teatrais. Durante o processo de ensaio, eles não só terão que se aturar enquanto contracenam, mas também terão que decidir qual legado querem deixar depois do último "corta". Confira o trailer:
"Concorrência Oficial" é muito divertido, mas claramente vai dialogar com aquela audiência que já esteve envolvida com os bastidores da Arte, seja no cinema ou no teatro - existe uma forte crítica sobre um olhar elitizado a respeito da própria cultura, como se a teoria suplantasse a prática ou o aprofundamento técnico à inspiração e o talento. Essa dissociação não é saudável, provoca a polarização radical de ideias sobre um mesmo assunto e o roteiro (que conta com a mão certeira do irmão de Gastón, Andrés Duprat) aproveita demais os gatilhos dessa discussão (sem fim). Isso cria uma dinâmica narrativa muito agradável, leve e engraçada, onde os atores (na maioria das cenas apenas três) dão um verdadeiro show.
Para aqueles que buscam o bom entretenimento de uma comédia divertida, essa co-produção Argentiona/Espanha pode parecer nichada demais, incompreensiva até, já que muito que está na tela tem uma gramática particular do teatro, dos métodos de interpretação e de criação, onde mesmo com a intenção de fazer graça, pode parecer o contrário. Veja, "Concorrência Oficial" não tem o humor escrachado de "O Peso do Talento", muito menos o drama profundo de "Dor e Glória", mas tem um equilíbrio, cheio de camadas e ótimas sacadas dos dois. Alias, são tantas referências ao Almodóvar que Penélope Cruz praticamente se declara para o diretor espanhol (e amigo) - a cena em que sua personagem discute com a diretora de arte sobre o cenário que será a casa de um dos protagonistas parece ter sido tirada, justamente, de algum causo contado por Cruz.
Dois pontos que precisam ser comentados: "Concorrência Oficial" parece ser uma resposta mais íntima ao polêmico "The Square" do sueco Ruben Östlund - embora, para mim, ambos convergem nas suas intenções de formas diferentes, um mais leve e irônico, enquanto o outro de uma forma mais incômoda e provocativa. O segundo detalhe que merece sua atenção é o excelente trabalho de design de som do Aitor Berenguer (profissional indicado ao Emmy em 2016 por "The Night Manager") - é incrível como a construção usando esse elemento cria uma sensação de instabilidade nas relações entre os personagens (a cena do beijo, com os microfones ligados e o som saindo apenas nos fones de ouvido, é genial!).
"Competencia Oficial" (no original) se apropria do talento dos envolvidos, com uma projeção artística e técnica elogiável, um texto inteligente e performances dignas de prêmios. Não por acaso o filme esteve em festivais renomados como San Sebastián e Veneza, o que justifica seu caráter autoral, mas sem perder a elegância tão particular da cinematografia de Mariano Cohn e Gastón Duprat.
Vale muito a pena!
Mariano Cohn e Gastón Duprat é dupla responsável por "O Cidadão Ilustre" e por "Minha Obra-Prima" - não por acaso você vai encontrar o mesmo humor ácido, inteligente, irônico e as vezes até estereotipado em "Concorrência Oficial". Dito isso, eu sugiro que você conheça o trabalho da dupla de diretores antes do play, pois dos três filmes, certamente esse é o mais autoral na sua essência - mas nem por isso menos divertido.
Aqui, conhecemos Humberto Suárez (José Luis Gómez) um bilionário de 80 anos que, com medo de perder sua significância, decide fazer um filme para deixar sua marca. Ele contrata os melhores para a missão: Lola Cuevas (Penélope Cruz) é uma cineasta famosa, premiada, mas excêntrica em seu método de trabalho. Para protagonistas, dois atores incrivelmente talentosos, mas com egos enormes, Félix Rivero (Antonio Banderas) e Iván Torres (Oscar Martínez). Um é famoso em Hollywood e o outro, um ator radical com fortes bases teatrais. Durante o processo de ensaio, eles não só terão que se aturar enquanto contracenam, mas também terão que decidir qual legado querem deixar depois do último "corta". Confira o trailer:
"Concorrência Oficial" é muito divertido, mas claramente vai dialogar com aquela audiência que já esteve envolvida com os bastidores da Arte, seja no cinema ou no teatro - existe uma forte crítica sobre um olhar elitizado a respeito da própria cultura, como se a teoria suplantasse a prática ou o aprofundamento técnico à inspiração e o talento. Essa dissociação não é saudável, provoca a polarização radical de ideias sobre um mesmo assunto e o roteiro (que conta com a mão certeira do irmão de Gastón, Andrés Duprat) aproveita demais os gatilhos dessa discussão (sem fim). Isso cria uma dinâmica narrativa muito agradável, leve e engraçada, onde os atores (na maioria das cenas apenas três) dão um verdadeiro show.
Para aqueles que buscam o bom entretenimento de uma comédia divertida, essa co-produção Argentiona/Espanha pode parecer nichada demais, incompreensiva até, já que muito que está na tela tem uma gramática particular do teatro, dos métodos de interpretação e de criação, onde mesmo com a intenção de fazer graça, pode parecer o contrário. Veja, "Concorrência Oficial" não tem o humor escrachado de "O Peso do Talento", muito menos o drama profundo de "Dor e Glória", mas tem um equilíbrio, cheio de camadas e ótimas sacadas dos dois. Alias, são tantas referências ao Almodóvar que Penélope Cruz praticamente se declara para o diretor espanhol (e amigo) - a cena em que sua personagem discute com a diretora de arte sobre o cenário que será a casa de um dos protagonistas parece ter sido tirada, justamente, de algum causo contado por Cruz.
Dois pontos que precisam ser comentados: "Concorrência Oficial" parece ser uma resposta mais íntima ao polêmico "The Square" do sueco Ruben Östlund - embora, para mim, ambos convergem nas suas intenções de formas diferentes, um mais leve e irônico, enquanto o outro de uma forma mais incômoda e provocativa. O segundo detalhe que merece sua atenção é o excelente trabalho de design de som do Aitor Berenguer (profissional indicado ao Emmy em 2016 por "The Night Manager") - é incrível como a construção usando esse elemento cria uma sensação de instabilidade nas relações entre os personagens (a cena do beijo, com os microfones ligados e o som saindo apenas nos fones de ouvido, é genial!).
"Competencia Oficial" (no original) se apropria do talento dos envolvidos, com uma projeção artística e técnica elogiável, um texto inteligente e performances dignas de prêmios. Não por acaso o filme esteve em festivais renomados como San Sebastián e Veneza, o que justifica seu caráter autoral, mas sem perder a elegância tão particular da cinematografia de Mariano Cohn e Gastón Duprat.
Vale muito a pena!
É realmente complicado encontrar um filme capaz de quebrar as barreiras do tempo e da cultura e assim se transformar em uma experiência única e permanente que sabe exatamente o seu poder como obra cinematográfica - especialmente pelo seu caráter extremamente sensorial. "Encontros e Desencontros," dirigido por uma Sofia Coppola no melhor da sua forma, é exatamente isso, mesmo que algumas pessoas possam achar um certo exagero de nossa parte. Naturalmente o filme exige uma certa dose de sensibilidade para entender como sua narrativa é uma viagem pelo autoconhecimento - partindo da melancolia , da solidão, até o encontro da paixão e da saudade antes mesmo dela acontecer. Essa característica tão especial de "Lost in Translation" (no seu título original) proporcionou ao filme uma centena de prêmios em festivais importantes ao redor do planeta, incluindo o Oscar de Melhor Roteiro Original - sem falar na indicação como "Melhor Filme do Ano". Agora é preciso dizer: para se conectar com a história de Bob e Charlotte, você precisa gostar de filmes mais intimistas, que exploram a complexidade das relações humanas - mas saiba também que isso, Sofia Coppola faz como poucos!
No coração de "Encontros e Desencontros" está a história de Bob Harris (Bill Murray) e Charlotte (Scarlett Johansson). Bob, um ator em decadência, é enviado para Tóquio para filmar um comercial, enquanto Charlotte, uma jovem esposa em busca de significado, acompanha seu marido fotógrafo na mesma cidade. O filme se desenrola a partir do encontro inesperado dessas duas pessoas, em meio às luzes neon de Tóquio, pela perspectiva da solidão e da busca pela felicidade, mesmo que passageira. Confira o trailer (em inglês):
Ao analisar "Encontros e Desencontros" é mesmo impossível ignorar o brilhante trabalho de Sofia Coppola como diretora e, principalmente, como roteirista. Ela foi capaz de nos colocar como audiência em uma profunda atmosfera melancólica e contemplativa graças ao signo universal que inevitavelmente cria barreiras de comunicação: o idioma. E é aí que a escolha de Tóquio como pano de fundo não apenas contribui para a estética visual única do filme, mas também serve como metáfora para a desconexão emocional dos personagens já que ambos se sentem sozinhos até quando podem se comunicar em inglês - essa dualidade narrativa entre o que é falado e o que é sentido nos acompanha durante todo filme e, acreditem, mexe demais com nossas sensações e sentimentos.
A fotografia do Lance Acord (de "Onde Vivem os Monstros") é uma verdadeira obra-prima, já que ele é capaz de capturar a beleza caótica da cidade de Tóquio ao mesmo tempo em que transforma os olhares e as expressões sutis dos protagonistas perante o silêncio em uma verdadeira janela para alma. E aqui entra outro ponto crucial para o sucesso da proposta de Coppola: a performance magistral de Bill Murray e Scarlett Johansson. A química entre os dois atores cria uma dinâmica tão envolvente e autêntica que fica impossível não torcer por eles. Reparem como a montagem cuidadosa de Sarah Flack potencializa a direção e a relação dos atores em seus dramas, permitindo que os vários momentos de introspecção falem mais alto do que as próprias palavras - essa abordagem cria uma ressonância emocional impressionante.
"Encontros e Desencontros" dividiu opiniões na época de seu lançamento e vai continuar dividindo por algum tempo, no entanto é preciso admitir que mais do que apenas um filme sobre relações improváveis, sua proposta se aproxima de uma interessante experiência cinematográfica transformadora que vai tocar fundo em qualquer pessoa que busca a autenticidade e a conexão com uma história, de fato, muito marcante por sua sensibilidade e delicadeza. Sofia Coppola, para mim, entregou um filme que transcende com muita inteligência as fronteiras culturais daquele cenário, explorando a essência da solidão e da redescoberta pessoal, mesmo que acompanhado daquele "dolorido" aperto no peito.
Dê o play e prepare-se para uma jornada emocional e estética que permanecerá contigo muito depois dos créditos finais. Eu garanto.
É realmente complicado encontrar um filme capaz de quebrar as barreiras do tempo e da cultura e assim se transformar em uma experiência única e permanente que sabe exatamente o seu poder como obra cinematográfica - especialmente pelo seu caráter extremamente sensorial. "Encontros e Desencontros," dirigido por uma Sofia Coppola no melhor da sua forma, é exatamente isso, mesmo que algumas pessoas possam achar um certo exagero de nossa parte. Naturalmente o filme exige uma certa dose de sensibilidade para entender como sua narrativa é uma viagem pelo autoconhecimento - partindo da melancolia , da solidão, até o encontro da paixão e da saudade antes mesmo dela acontecer. Essa característica tão especial de "Lost in Translation" (no seu título original) proporcionou ao filme uma centena de prêmios em festivais importantes ao redor do planeta, incluindo o Oscar de Melhor Roteiro Original - sem falar na indicação como "Melhor Filme do Ano". Agora é preciso dizer: para se conectar com a história de Bob e Charlotte, você precisa gostar de filmes mais intimistas, que exploram a complexidade das relações humanas - mas saiba também que isso, Sofia Coppola faz como poucos!
No coração de "Encontros e Desencontros" está a história de Bob Harris (Bill Murray) e Charlotte (Scarlett Johansson). Bob, um ator em decadência, é enviado para Tóquio para filmar um comercial, enquanto Charlotte, uma jovem esposa em busca de significado, acompanha seu marido fotógrafo na mesma cidade. O filme se desenrola a partir do encontro inesperado dessas duas pessoas, em meio às luzes neon de Tóquio, pela perspectiva da solidão e da busca pela felicidade, mesmo que passageira. Confira o trailer (em inglês):
Ao analisar "Encontros e Desencontros" é mesmo impossível ignorar o brilhante trabalho de Sofia Coppola como diretora e, principalmente, como roteirista. Ela foi capaz de nos colocar como audiência em uma profunda atmosfera melancólica e contemplativa graças ao signo universal que inevitavelmente cria barreiras de comunicação: o idioma. E é aí que a escolha de Tóquio como pano de fundo não apenas contribui para a estética visual única do filme, mas também serve como metáfora para a desconexão emocional dos personagens já que ambos se sentem sozinhos até quando podem se comunicar em inglês - essa dualidade narrativa entre o que é falado e o que é sentido nos acompanha durante todo filme e, acreditem, mexe demais com nossas sensações e sentimentos.
A fotografia do Lance Acord (de "Onde Vivem os Monstros") é uma verdadeira obra-prima, já que ele é capaz de capturar a beleza caótica da cidade de Tóquio ao mesmo tempo em que transforma os olhares e as expressões sutis dos protagonistas perante o silêncio em uma verdadeira janela para alma. E aqui entra outro ponto crucial para o sucesso da proposta de Coppola: a performance magistral de Bill Murray e Scarlett Johansson. A química entre os dois atores cria uma dinâmica tão envolvente e autêntica que fica impossível não torcer por eles. Reparem como a montagem cuidadosa de Sarah Flack potencializa a direção e a relação dos atores em seus dramas, permitindo que os vários momentos de introspecção falem mais alto do que as próprias palavras - essa abordagem cria uma ressonância emocional impressionante.
"Encontros e Desencontros" dividiu opiniões na época de seu lançamento e vai continuar dividindo por algum tempo, no entanto é preciso admitir que mais do que apenas um filme sobre relações improváveis, sua proposta se aproxima de uma interessante experiência cinematográfica transformadora que vai tocar fundo em qualquer pessoa que busca a autenticidade e a conexão com uma história, de fato, muito marcante por sua sensibilidade e delicadeza. Sofia Coppola, para mim, entregou um filme que transcende com muita inteligência as fronteiras culturais daquele cenário, explorando a essência da solidão e da redescoberta pessoal, mesmo que acompanhado daquele "dolorido" aperto no peito.
Dê o play e prepare-se para uma jornada emocional e estética que permanecerá contigo muito depois dos créditos finais. Eu garanto.
Antes de mais nada é preciso deixar claro que "Era uma vez em… Hollywood" é um filme "escrito e dirigido" pelo Quentin Tarantino e isso trás, por si só, um selo de criatividade que quase sempre desconstrói algumas regras narrativas que estamos acostumados a encontrar em outros filmes. Definir a sinopse de "Era uma vez em… Hollywood" já me parece um grande desafio, então, seguindo as regras do Tarantino, vou desconstruir a maneira como normalmente analiso os filmes por aqui. Talvez o filme não tenha como foco principal contar a história real de Sharon Tate (Margot Robbie), mas é de vital importância conhece-la: Tate era uma jovem atriz americana em inicio de carreira. Ela foi casada com o diretor Roman Polanski e em "Era uma vez" ela está descobrindo o valor (e o sabor) da fama após o lançamento de seu primeiro filme de destaque. Acontece que na vida real, Tate foi brutalmente assassinada pelas mãos da Família Manson, uma seita de hippies que moravam em um rancho que por muito tempo serviu de cenário para filmes de Faroeste - não preciso dizer que esses maníacos eram seguidores de Charles Manson (Damon Herriman), certo? Ah, e que ele está no filme!
Acontece que Tate é apenas um dos pilares dessa história e está longe de ser uma das protagonistas! Com isso, posso afirmar que a construção da jornada dos outros dois personagens (ou dos outros pilares do filme), é o elemento narrativo mais interessante de "Era uma vez em… Hollywood", pois é na convergência dessa construção que o filme passa a fazer sentido, mesmo com arcos tão distantes do que será entregue no final. Parece complicado, mas na prática vai fazer todo sentido: Rick Dalton (Leonardo de DiCaprio) é um ator que só interpreta vilões e que se vê estagnado na carreira, o que acaba gerando uma enorme insegurança para ele. Já Cliff Booth (Brad Pitt) é seu dublê e fiel escudeiro, embora tenha uma enorme dificuldade para encontrar trabalho por ter um temperamento, digamos, sincero demais e por carregar o peso de uma história onde teria assassinado sua esposa durante um passeio de barco, é um cara seguro e muito bem resolvido! Os dois, ao lado de Tate, estão inseridos em um contexto onde Hollywood tem o poder absoluto de transformar a vida das pessoas, porém ela cobra seu preço e em diferentes níveis - essa é a crítica que Tarantino faz no filme ao mesmo tempo em que se declara como cineasta pela história da televisão e como suas produções tiveram total importância na ascensão de grandes atores e do cinema como um todo.
Se você espera um festival de pancadaria, tiroteios e muito sangue cenográfico como em outros filmes do diretor, é bem possível que você vá se decepcionar. Como sugeri nos parágrafos anteriores, "Era uma vez em… Hollywood" é um filme focado no personagem, nas suas experiências de vida e, principalmente, na sua forma de encarar as situações "cotidianas" que o roteiro propõe - não que os outros filmes do diretor não tivessem isso, mas posso garantir que aqui eles são mais cirúrgicos, quase um estudo de personalidade, o que deflagra elementos de suspense na mesma proporção que encontramos o drama, a ação e a comédia - reparem em toda sequência onde Rick Dalton encontra Trudi Fraser (Julia Butters) antes de filmar uma cena do piloto da série: existe um diálogo sensacional e depois de contracenar com ela na ficção, o diretor nos entrega todos os elementos acima sem ao menos estereotipar qualquer um dos gêneros - isso é muito Tarantino, porém com a mão menos pesada! A cena onde Cliff Booth resolve conferir se seu antigo amigo, dono do rancho onde a família Manson se instalou, está realmente dormindo; é outro grande exemplo do equilíbrio narrativo que o diretor propõem!
Uma coisa que me chamou muito a atenção são os movimentos de câmera extremamente criativos. A câmera passeia entre um plano e outro de uma forma tão orgânica que muitas vezes achei que existia um corte, quando na verdade era um plano sequência. A fotografia do Robert Richardson (o monstro por trás de JFK, Aviador e Hugo) é algo fora do comum - é ele que dá vida as loucuras criativas do Tarantino desde Kill Bill. Ele merece essa mais essa indicação ao Oscar 2020. Uma curiosidade é que tudo foi realmente filmado em locação, ou seja, as cenas em Los Angeles foram feitas nas ruas e estradas da cidade! Tudo foi adereçado e produzido para nos colocar no final dos anos 60! Tudo está lá, sem fundo verde! Outro elemento que vale a referência é o desenho de som: reparem como o som da televisão (e muitas vezes o próprio texto que sai dela) se encaixa perfeitamente nas cenas que acontecem fora dela. Reparem como a rádio dos carros também ajudam a dar o mood daquela Hollywood como se fosse uma espécie de conto de fadas sendo contada. Aliás, meu amigo, que trilha sonora é essa!!!! Importante você reparar (com muita atenção) como nada que o Tarantino pede para colocar no cenário é gratuito - tudo ajuda a compor o personagem ou a ação que ali vai acontecer. Ele nunca rouba no jogo - reparem em tudo: da comida do cachorro que está no armário da cozinha de Cliff Booth aos objetos na garagem de Rick Dalton.
É claro que, como todo filme do Tarantino, uns vão odiar enquanto outros vão idolatrar, porém eu preciso dizer que "Era uma vez em… Hollywood" é uma aula de narrativa, tanto de roteiro quanto de direção. Talvez o filme onde absolutamente todos os atores estão exatamente no tom certo com seus personagens: do diretor da série ao gerente do cinema. Dos hippies da família Manson ao próprio Bruce Lee. Sem falar, claro, no excelente trabalho do Leonardo de DiCaprio - o melhor trabalho da carreira dele até aqui; junto com a Margot Robbie e com Brad Pitt - não se surpreenda se os três forem indicados no próximo ano!
Grande filme e do fundo do coração, espero que essa análise ajude na sua experiência ao assistir "Era uma vez em… Hollywood", porque é até compreensível não conhecer algumas histórias que o filme referencia, mas como obra cinematográfica, olha, tudo é quase perfeito! Vale seu play!
Ah, antes de terminar: existe uma cena pós-créditos onde Ricky Dalton faz um comercial para a marca de cigarros Red Apple. Saiba que essa é a marca fumada pelos personagens de Pulp Fiction, Kill Bill e Os Oito Odiados - ela não existe, mas a brincadeira do Tarantino vale pelo alívio cômico!
Up-date: "Era uma vez em… Hollywood" ganhou em duas categorias no Oscar 2020: Melhor Design de Produção e Melhor Ator Coadjuvante!
Antes de mais nada é preciso deixar claro que "Era uma vez em… Hollywood" é um filme "escrito e dirigido" pelo Quentin Tarantino e isso trás, por si só, um selo de criatividade que quase sempre desconstrói algumas regras narrativas que estamos acostumados a encontrar em outros filmes. Definir a sinopse de "Era uma vez em… Hollywood" já me parece um grande desafio, então, seguindo as regras do Tarantino, vou desconstruir a maneira como normalmente analiso os filmes por aqui. Talvez o filme não tenha como foco principal contar a história real de Sharon Tate (Margot Robbie), mas é de vital importância conhece-la: Tate era uma jovem atriz americana em inicio de carreira. Ela foi casada com o diretor Roman Polanski e em "Era uma vez" ela está descobrindo o valor (e o sabor) da fama após o lançamento de seu primeiro filme de destaque. Acontece que na vida real, Tate foi brutalmente assassinada pelas mãos da Família Manson, uma seita de hippies que moravam em um rancho que por muito tempo serviu de cenário para filmes de Faroeste - não preciso dizer que esses maníacos eram seguidores de Charles Manson (Damon Herriman), certo? Ah, e que ele está no filme!
Acontece que Tate é apenas um dos pilares dessa história e está longe de ser uma das protagonistas! Com isso, posso afirmar que a construção da jornada dos outros dois personagens (ou dos outros pilares do filme), é o elemento narrativo mais interessante de "Era uma vez em… Hollywood", pois é na convergência dessa construção que o filme passa a fazer sentido, mesmo com arcos tão distantes do que será entregue no final. Parece complicado, mas na prática vai fazer todo sentido: Rick Dalton (Leonardo de DiCaprio) é um ator que só interpreta vilões e que se vê estagnado na carreira, o que acaba gerando uma enorme insegurança para ele. Já Cliff Booth (Brad Pitt) é seu dublê e fiel escudeiro, embora tenha uma enorme dificuldade para encontrar trabalho por ter um temperamento, digamos, sincero demais e por carregar o peso de uma história onde teria assassinado sua esposa durante um passeio de barco, é um cara seguro e muito bem resolvido! Os dois, ao lado de Tate, estão inseridos em um contexto onde Hollywood tem o poder absoluto de transformar a vida das pessoas, porém ela cobra seu preço e em diferentes níveis - essa é a crítica que Tarantino faz no filme ao mesmo tempo em que se declara como cineasta pela história da televisão e como suas produções tiveram total importância na ascensão de grandes atores e do cinema como um todo.
Se você espera um festival de pancadaria, tiroteios e muito sangue cenográfico como em outros filmes do diretor, é bem possível que você vá se decepcionar. Como sugeri nos parágrafos anteriores, "Era uma vez em… Hollywood" é um filme focado no personagem, nas suas experiências de vida e, principalmente, na sua forma de encarar as situações "cotidianas" que o roteiro propõe - não que os outros filmes do diretor não tivessem isso, mas posso garantir que aqui eles são mais cirúrgicos, quase um estudo de personalidade, o que deflagra elementos de suspense na mesma proporção que encontramos o drama, a ação e a comédia - reparem em toda sequência onde Rick Dalton encontra Trudi Fraser (Julia Butters) antes de filmar uma cena do piloto da série: existe um diálogo sensacional e depois de contracenar com ela na ficção, o diretor nos entrega todos os elementos acima sem ao menos estereotipar qualquer um dos gêneros - isso é muito Tarantino, porém com a mão menos pesada! A cena onde Cliff Booth resolve conferir se seu antigo amigo, dono do rancho onde a família Manson se instalou, está realmente dormindo; é outro grande exemplo do equilíbrio narrativo que o diretor propõem!
Uma coisa que me chamou muito a atenção são os movimentos de câmera extremamente criativos. A câmera passeia entre um plano e outro de uma forma tão orgânica que muitas vezes achei que existia um corte, quando na verdade era um plano sequência. A fotografia do Robert Richardson (o monstro por trás de JFK, Aviador e Hugo) é algo fora do comum - é ele que dá vida as loucuras criativas do Tarantino desde Kill Bill. Ele merece essa mais essa indicação ao Oscar 2020. Uma curiosidade é que tudo foi realmente filmado em locação, ou seja, as cenas em Los Angeles foram feitas nas ruas e estradas da cidade! Tudo foi adereçado e produzido para nos colocar no final dos anos 60! Tudo está lá, sem fundo verde! Outro elemento que vale a referência é o desenho de som: reparem como o som da televisão (e muitas vezes o próprio texto que sai dela) se encaixa perfeitamente nas cenas que acontecem fora dela. Reparem como a rádio dos carros também ajudam a dar o mood daquela Hollywood como se fosse uma espécie de conto de fadas sendo contada. Aliás, meu amigo, que trilha sonora é essa!!!! Importante você reparar (com muita atenção) como nada que o Tarantino pede para colocar no cenário é gratuito - tudo ajuda a compor o personagem ou a ação que ali vai acontecer. Ele nunca rouba no jogo - reparem em tudo: da comida do cachorro que está no armário da cozinha de Cliff Booth aos objetos na garagem de Rick Dalton.
É claro que, como todo filme do Tarantino, uns vão odiar enquanto outros vão idolatrar, porém eu preciso dizer que "Era uma vez em… Hollywood" é uma aula de narrativa, tanto de roteiro quanto de direção. Talvez o filme onde absolutamente todos os atores estão exatamente no tom certo com seus personagens: do diretor da série ao gerente do cinema. Dos hippies da família Manson ao próprio Bruce Lee. Sem falar, claro, no excelente trabalho do Leonardo de DiCaprio - o melhor trabalho da carreira dele até aqui; junto com a Margot Robbie e com Brad Pitt - não se surpreenda se os três forem indicados no próximo ano!
Grande filme e do fundo do coração, espero que essa análise ajude na sua experiência ao assistir "Era uma vez em… Hollywood", porque é até compreensível não conhecer algumas histórias que o filme referencia, mas como obra cinematográfica, olha, tudo é quase perfeito! Vale seu play!
Ah, antes de terminar: existe uma cena pós-créditos onde Ricky Dalton faz um comercial para a marca de cigarros Red Apple. Saiba que essa é a marca fumada pelos personagens de Pulp Fiction, Kill Bill e Os Oito Odiados - ela não existe, mas a brincadeira do Tarantino vale pelo alívio cômico!
Up-date: "Era uma vez em… Hollywood" ganhou em duas categorias no Oscar 2020: Melhor Design de Produção e Melhor Ator Coadjuvante!
A minissérie "Hollywood", nova produção da Netflix com o carimbo do badalado showrunner Ryan Murphy ("Feud", "Glee" e "Nip Tuck"), tem muitos acertos e algumas transgressões, mas depois de assistir os sete episódios fiquei com a sensação de que o projeto poderia ter ido muito além do que foi em um ponto muito particular: o roteiro! Para tudo fazer um pouco mais de sentido, te convido a assistir o trailer:
Ao assistir o trailer temos a impressão que estamos diante da melhor minissérie que um amante da sétima arte poderia sonhar: uma excelente produção, ótimos atores, uma história real muito cativante e, claro, tudo isso embrulhado perfeitamente com o glamour e o charme do universo do cinema americano! Pois bem, acontece que "Hollywood" não sustenta essa expectativa ao escolher soluções narrativas mais fáceis e, por incrível que pareça, acaba se perdendo na falta de identidade.
No final da década de 1940, diversos jovens desembarcavam em Los Angeles com a esperança de se tornarem famosos e reconhecidos no cinema. Entretanto, para chamar atenção na multidão, os aspirantes ao estrelato precisavam sobreviver em uma cidade muitas vezes cruel e ainda dar a sorte de conhecer as pessoas certas. É nesse contexto que o ex-soldado Jack Castello (David Corenswet) passa a se prostituir enquanto espera por uma oportunidade de se tornar ator. No meio dessa jornada, ele conhece Archie Coleman (Jeremy Pope), um roteirista negro e gay, o jovem diretor Raymond Ainsley (Darren Chris) e a milionária Avis Amberg (Patti LuPone), casada com o dono de um dos maiores Estúdios de Cinema dos EUA, o ACE Studios!
Questões como assédio, abuso de poder e preconceito são elementos exaustivamente discutidos da minissérie, porém com um enfoque diferente do que estamos acostumados: os homens são as vítimas, retratando assim, em uma mesma tacada, tanto o movimento gay, como as perseguições raciais nos bastidores da Era de Ouro do Cinema Americano! Quase como um manifesto, o que vemos nos episódios não é exatamente o que se dá a entender que veremos pelo trailer! A minissérie não economiza em nenhum tipo de cena: nas relações pessoais, amorosas ou na prostituição, até no diálogo mais ácido sobre alguns assuntos bem pesados! De fato não é uma minissérie que vai agradar a todos justamente por isso, mas há de se destacar a coragem em mostrar a realidade, por mais que possa nos incomodar (e não estou falando de um assunto em particular e sim do todo)! Vale o play, mas com essas ressalvas e algumas outras que discuto à seguir!
Quando o roteiro assume sua clara preocupação em priorizar a forma e não o conteúdo, "Hollywood" perde sua alma! Escrevo isso com dor no coração, pois era uma oportunidade de ouro. Reparem na trama: precisando de dinheiro para cuidar da esposa grávida e sem conseguir uma oportunidade como figurante em um filme, Jack Castello é aliciado pelo dono de um posto de gasolina que, além de encher o tanque dos carros, serve de fachada para serviços sexuais. Embora Jack recuse se prostituir com outros homens (como era de costume aliás), ele cede à necessidade de sobrevivência e se dispõe a sair com mulheres ricas - é aí que conhece Avis Amberg e sua vida começa a mudar.Em paralelo somos apresentados a história de mais alguns personagens intrigantes, mas que vão parecer pouco explorados: Archie Coleman, também trabalha no posto - ele gerou interesse do Estúdio ao ter seu roteiro (que enviou pelo correio) lido por um dos produtores. Sabendo desse interesse, ele precisa esconder do dono do Estúdio que é negro e gay enquanto não assina o contrato de produção. Já Camille Washington (Laura Harrier), é uma excelente atriz que sempre acaba em papéis secundários justamente por também ser negra e por fim, Henry Wilson (Jim Parsons), um importante agente de talentos bastante conhecido por transformar bons atores em estrelas de cinema, em troca de favores sexuais.
Com um tom muito parecido com os dois primeiros atos de "Era uma vez em… Hollywood", mas sem o brilhantismo de Quentin Tarantino para conduzir a história, "Hollywood" mistura fatos e personagens reais com muita fantasia - se em alguns momentos temos a impressão de acompanhar uma aula de história do cinema, em outros presenciamos uma trama completamente superficial que parecia ser uma coisa e na realidade é algo completamente diferente - bem menos interessante! Com personagens tão complexos, a história sofre com a falta de rumo (e talvez até de tempo - se fosse uma série, poderia ser diferente!). Mas é preciso dizer também, que não se trata de uma minissérie ruim - existem algumas forçadas de barra com o claro objetivo de chocar quem assiste e que depois não se sustentam com o passar dos episódios, culminando em um último ato que mais parece um final de novela, que incomoda! É um pouco frustrante, mas não dá par dizer que é um jornada chata!
Ryan Murphy entregou uma minissérie muito bem produzida: a "arte" está impecável em todos os seus departamentos, mas uma das suas maiores qualidades, simplesmente, vai se desfazendo lentamente com um problema sério de progressão narrativa: os cinco primeiros episódios tem um ritmo e os dois últimos, outro - é tão perceptível que a falta unidade chega a confundir! "Hollywood" é um bom entretenimento se você estiver disposto a entrar no jogo que o roteiro propõe - tem uma história interessante, bons temas para se discutir e refletir, mas uma dramaturgia pouco inspirada! Vai do gosto!
A minissérie "Hollywood", nova produção da Netflix com o carimbo do badalado showrunner Ryan Murphy ("Feud", "Glee" e "Nip Tuck"), tem muitos acertos e algumas transgressões, mas depois de assistir os sete episódios fiquei com a sensação de que o projeto poderia ter ido muito além do que foi em um ponto muito particular: o roteiro! Para tudo fazer um pouco mais de sentido, te convido a assistir o trailer:
Ao assistir o trailer temos a impressão que estamos diante da melhor minissérie que um amante da sétima arte poderia sonhar: uma excelente produção, ótimos atores, uma história real muito cativante e, claro, tudo isso embrulhado perfeitamente com o glamour e o charme do universo do cinema americano! Pois bem, acontece que "Hollywood" não sustenta essa expectativa ao escolher soluções narrativas mais fáceis e, por incrível que pareça, acaba se perdendo na falta de identidade.
No final da década de 1940, diversos jovens desembarcavam em Los Angeles com a esperança de se tornarem famosos e reconhecidos no cinema. Entretanto, para chamar atenção na multidão, os aspirantes ao estrelato precisavam sobreviver em uma cidade muitas vezes cruel e ainda dar a sorte de conhecer as pessoas certas. É nesse contexto que o ex-soldado Jack Castello (David Corenswet) passa a se prostituir enquanto espera por uma oportunidade de se tornar ator. No meio dessa jornada, ele conhece Archie Coleman (Jeremy Pope), um roteirista negro e gay, o jovem diretor Raymond Ainsley (Darren Chris) e a milionária Avis Amberg (Patti LuPone), casada com o dono de um dos maiores Estúdios de Cinema dos EUA, o ACE Studios!
Questões como assédio, abuso de poder e preconceito são elementos exaustivamente discutidos da minissérie, porém com um enfoque diferente do que estamos acostumados: os homens são as vítimas, retratando assim, em uma mesma tacada, tanto o movimento gay, como as perseguições raciais nos bastidores da Era de Ouro do Cinema Americano! Quase como um manifesto, o que vemos nos episódios não é exatamente o que se dá a entender que veremos pelo trailer! A minissérie não economiza em nenhum tipo de cena: nas relações pessoais, amorosas ou na prostituição, até no diálogo mais ácido sobre alguns assuntos bem pesados! De fato não é uma minissérie que vai agradar a todos justamente por isso, mas há de se destacar a coragem em mostrar a realidade, por mais que possa nos incomodar (e não estou falando de um assunto em particular e sim do todo)! Vale o play, mas com essas ressalvas e algumas outras que discuto à seguir!
Quando o roteiro assume sua clara preocupação em priorizar a forma e não o conteúdo, "Hollywood" perde sua alma! Escrevo isso com dor no coração, pois era uma oportunidade de ouro. Reparem na trama: precisando de dinheiro para cuidar da esposa grávida e sem conseguir uma oportunidade como figurante em um filme, Jack Castello é aliciado pelo dono de um posto de gasolina que, além de encher o tanque dos carros, serve de fachada para serviços sexuais. Embora Jack recuse se prostituir com outros homens (como era de costume aliás), ele cede à necessidade de sobrevivência e se dispõe a sair com mulheres ricas - é aí que conhece Avis Amberg e sua vida começa a mudar.Em paralelo somos apresentados a história de mais alguns personagens intrigantes, mas que vão parecer pouco explorados: Archie Coleman, também trabalha no posto - ele gerou interesse do Estúdio ao ter seu roteiro (que enviou pelo correio) lido por um dos produtores. Sabendo desse interesse, ele precisa esconder do dono do Estúdio que é negro e gay enquanto não assina o contrato de produção. Já Camille Washington (Laura Harrier), é uma excelente atriz que sempre acaba em papéis secundários justamente por também ser negra e por fim, Henry Wilson (Jim Parsons), um importante agente de talentos bastante conhecido por transformar bons atores em estrelas de cinema, em troca de favores sexuais.
Com um tom muito parecido com os dois primeiros atos de "Era uma vez em… Hollywood", mas sem o brilhantismo de Quentin Tarantino para conduzir a história, "Hollywood" mistura fatos e personagens reais com muita fantasia - se em alguns momentos temos a impressão de acompanhar uma aula de história do cinema, em outros presenciamos uma trama completamente superficial que parecia ser uma coisa e na realidade é algo completamente diferente - bem menos interessante! Com personagens tão complexos, a história sofre com a falta de rumo (e talvez até de tempo - se fosse uma série, poderia ser diferente!). Mas é preciso dizer também, que não se trata de uma minissérie ruim - existem algumas forçadas de barra com o claro objetivo de chocar quem assiste e que depois não se sustentam com o passar dos episódios, culminando em um último ato que mais parece um final de novela, que incomoda! É um pouco frustrante, mas não dá par dizer que é um jornada chata!
Ryan Murphy entregou uma minissérie muito bem produzida: a "arte" está impecável em todos os seus departamentos, mas uma das suas maiores qualidades, simplesmente, vai se desfazendo lentamente com um problema sério de progressão narrativa: os cinco primeiros episódios tem um ritmo e os dois últimos, outro - é tão perceptível que a falta unidade chega a confundir! "Hollywood" é um bom entretenimento se você estiver disposto a entrar no jogo que o roteiro propõe - tem uma história interessante, bons temas para se discutir e refletir, mas uma dramaturgia pouco inspirada! Vai do gosto!
Existe uma beleza em "Império da Luz" que dificilmente percebemos se não nos permitimos mergulhar na proposta dramática do diretor - e digo isso, pois esse tipo de filme parece se apropriar dos sentimentos mais íntimos de seu realizador, de sua identidade como artista, de seu modo de interpretar algumas questões e até do seu olhar mais poético, para, aí sim, encontrar uma audiência capaz de enxergar aquela história como algo único, sensível e tocante. A magia do cinema, desde seu enquadramento ao trabalho dedicado dos atores, é capaz de alcançar essa complexidade sem tanto esforço, basta um quadro; no entanto, ao sentirmos a verdade, quase sempre, saímos transformados e com o coração, digamos, mais aquecido - então saiba: se aqui não encontraremos uma unanimidade, pode ter certeza, existirá uma conexão capaz de explicar muitas coisas escondidas dentro de nós.
Essa é uma história de amor e amizade ambientada em um antigo cinema de rua, na costa sul da Inglaterra, durante a década de 1980. Em um período de recessão, onde o desemprego e o racismo assombravam a sociedade, conhecemos Hilary (Olivia Colman), uma adorada gerente que sofre com sua sua instabilidade de humor e depressão. Embora ela tenha uma ótima relação com seus companheiros de trabalho, seu estado de solidão e tristeza, mesmo em tratamento, parece cada vez mais profundo. Quando o novo vendedor de ingressos, Stephen (Micheal Ward), um simpático jovem negro, percebe sua conexão com Hilary, um ar de esperança toma conta do ambiente até que as coisas saem do controle. Confira o trailer:
Em um primeiro olhar, você pode imaginar que "Império da Luz" se trata de um filme nostálgico, talvez até autoral, sobre o cinema. Não se engane, o filme está longe de representar o que foi "Cinema Paradiso" e mais recentemente "Os Fabelmans". Aqui o foco está na importância de uma conexão humana verdadeira, tendo a magia do cinema apenas como subtexto para envolver, ou até "empacotar", os inúmeros temas espinhosos que o roteiro faz questão de levantar. Sem dúvida que a "forma" como o diretor Sam Mendes (de "1917") constrói essa narrativa, ao lado de seu parceiro na fotografia, Roger Deakins (de "Blade Runner 2049" e também "1917"), impressiona tanto pela beleza quanto pelo simbolismo gráfico. Deakins empresta para aquela ambientação litorânea, um olhar que estimula a audiência a enxergar esse conto moral de uma maneira menos grosseira - em algumas passagens, até mais gentil do que o próprio texto mereceria.
Com (a sempre impressionante) Olivia Colman e seu parceiro de cena, Micheal Ward, temos um embate sentimental, ideológico e marcante, onde as dores desses dois personagens muitas vezes se sobrepõem até ao verdadeiro objetivo do próprio texto. O que eu quero dizer é que a história pode até patinar em sua pretensão de cobrir tantos assuntos importantes em tão pouco tempo, mas quando o elenco coloca toda sua verdade em cena, percebemos o quanto o racismo e as consequências de distúrbios mentais podem impactar nas relações humanas, cada qual em sua forma de enxergar o mundo. E é justamente nesse momento que o ponto de convergência entre realidade e fantasia encontra seu valor: o cinema é tratado como ferramenta de escapismo, com planos que são verdadeiras pinturas e que, de fato, fazem todo sentido ao drama que Mendes vai pontuando "visualmente" com muita sensibilidade.
"Empire Of Light" (no original) tem mais acertos do que erros, mas deve agradar quem está a procura de um drama menos convencional. Se em alguns momentos da história você tem a exata sensação de estar de frente com uma trama simplista e pouco inspirada, em outros a impressão é que tudo é tão profundo e cuidadoso que até uma pausa para a reflexão se faz necessária - e aqui cito uma passagem que vai fazer muita diferença na sua experiência (e que apenas o mais atentos podem ter percebido): reparem quando Hilary, já no final do filme, assiste "Muito Além do Jardim", clássico de Hal Ashby. Ele serve como uma espécie de síntese para sua história, por ser uma mulher que também precisa olhar além de sua enfermidade para poder libertar a si mesma de uma casca inerte. Veja, é nesse tipo de detalhe que entendemos a complexidade desse grande filme!
Vale muito o seu play!
Existe uma beleza em "Império da Luz" que dificilmente percebemos se não nos permitimos mergulhar na proposta dramática do diretor - e digo isso, pois esse tipo de filme parece se apropriar dos sentimentos mais íntimos de seu realizador, de sua identidade como artista, de seu modo de interpretar algumas questões e até do seu olhar mais poético, para, aí sim, encontrar uma audiência capaz de enxergar aquela história como algo único, sensível e tocante. A magia do cinema, desde seu enquadramento ao trabalho dedicado dos atores, é capaz de alcançar essa complexidade sem tanto esforço, basta um quadro; no entanto, ao sentirmos a verdade, quase sempre, saímos transformados e com o coração, digamos, mais aquecido - então saiba: se aqui não encontraremos uma unanimidade, pode ter certeza, existirá uma conexão capaz de explicar muitas coisas escondidas dentro de nós.
Essa é uma história de amor e amizade ambientada em um antigo cinema de rua, na costa sul da Inglaterra, durante a década de 1980. Em um período de recessão, onde o desemprego e o racismo assombravam a sociedade, conhecemos Hilary (Olivia Colman), uma adorada gerente que sofre com sua sua instabilidade de humor e depressão. Embora ela tenha uma ótima relação com seus companheiros de trabalho, seu estado de solidão e tristeza, mesmo em tratamento, parece cada vez mais profundo. Quando o novo vendedor de ingressos, Stephen (Micheal Ward), um simpático jovem negro, percebe sua conexão com Hilary, um ar de esperança toma conta do ambiente até que as coisas saem do controle. Confira o trailer:
Em um primeiro olhar, você pode imaginar que "Império da Luz" se trata de um filme nostálgico, talvez até autoral, sobre o cinema. Não se engane, o filme está longe de representar o que foi "Cinema Paradiso" e mais recentemente "Os Fabelmans". Aqui o foco está na importância de uma conexão humana verdadeira, tendo a magia do cinema apenas como subtexto para envolver, ou até "empacotar", os inúmeros temas espinhosos que o roteiro faz questão de levantar. Sem dúvida que a "forma" como o diretor Sam Mendes (de "1917") constrói essa narrativa, ao lado de seu parceiro na fotografia, Roger Deakins (de "Blade Runner 2049" e também "1917"), impressiona tanto pela beleza quanto pelo simbolismo gráfico. Deakins empresta para aquela ambientação litorânea, um olhar que estimula a audiência a enxergar esse conto moral de uma maneira menos grosseira - em algumas passagens, até mais gentil do que o próprio texto mereceria.
Com (a sempre impressionante) Olivia Colman e seu parceiro de cena, Micheal Ward, temos um embate sentimental, ideológico e marcante, onde as dores desses dois personagens muitas vezes se sobrepõem até ao verdadeiro objetivo do próprio texto. O que eu quero dizer é que a história pode até patinar em sua pretensão de cobrir tantos assuntos importantes em tão pouco tempo, mas quando o elenco coloca toda sua verdade em cena, percebemos o quanto o racismo e as consequências de distúrbios mentais podem impactar nas relações humanas, cada qual em sua forma de enxergar o mundo. E é justamente nesse momento que o ponto de convergência entre realidade e fantasia encontra seu valor: o cinema é tratado como ferramenta de escapismo, com planos que são verdadeiras pinturas e que, de fato, fazem todo sentido ao drama que Mendes vai pontuando "visualmente" com muita sensibilidade.
"Empire Of Light" (no original) tem mais acertos do que erros, mas deve agradar quem está a procura de um drama menos convencional. Se em alguns momentos da história você tem a exata sensação de estar de frente com uma trama simplista e pouco inspirada, em outros a impressão é que tudo é tão profundo e cuidadoso que até uma pausa para a reflexão se faz necessária - e aqui cito uma passagem que vai fazer muita diferença na sua experiência (e que apenas o mais atentos podem ter percebido): reparem quando Hilary, já no final do filme, assiste "Muito Além do Jardim", clássico de Hal Ashby. Ele serve como uma espécie de síntese para sua história, por ser uma mulher que também precisa olhar além de sua enfermidade para poder libertar a si mesma de uma casca inerte. Veja, é nesse tipo de detalhe que entendemos a complexidade desse grande filme!
Vale muito o seu play!
Se tem uma coisa que o Disney+ vem nos proporcionando, é o acesso a documentários raros e que, embora muitos deles naturalmente datados, tem um conteúdo simplesmente espetacular. O "Império dos Sonhos: A História da Trilogia Star Wars" entra nessa prateleira e te adianto: é mais um daqueles "estudos de caso" que mais parecem um curso de MBA em empreendedorismo - mais ou menos como "A História do Imagineering". Emboraproduzido em 2004 para compor os “extras” do lançamento de uma edição especial da Trilogia Star Wars ainda em DVD, o documentário é mais uma imersão na visão e no comportamento de George Lucas do que uma história construída para os fãs da franquia.
Em pouco menos de 150 minutos, os diretores Edith Becker e Kevin Burns, ambos de "Playboy: Inside the Playboy Mansion", nos conduzem pelos bastidores da criação da Trilogia Original de Star Wars, focando no processo de desenvolvimento, produção e lançamento de "Guerra nas Estrelas", o filme original de 1977, e depois, com um pouco menos de profundidade, mas não menos interessante, nas histórias de O Império Contra-Ataca e O Retorno de Jedi. Confira o trailer:
A partir do acesso aos arquivos da Lucasfilm e do próprio Lucas, Becker e Burns desenvolvem uma narrativa dinâmica e inteligente, mas sem inventar muita moda, ou seja, a partir de uma montagem cronológica simples, os diretores contam a história pelos olhos do seu criador e de vários personagens que transitaram pelas produções dos três filmes. O interessante - e aqui cabe um elogio: é que o documentário parte da visão inovadora, mas também estratégica de Lucas para pontuar a mudança dos paradigmas de Hollywood no início da década de 70, passando pelo seu trabalho na Universidade com o curta-metragem THX-1138 (que depois se transformou em um longa), depois pela pré-produção, produção e pós-produção de Guerra nas Estrelas, seguido pelo receio do seu lançamento até a transformação em uma espécie de fenômeno mundial instantâneo - o roteiro, aliás, é muito feliz ao fazer paralelos com a realidade social e cultural da época e assim tentar explicar toda essa jornada.
O roteirista Ed Singer também foi muito inteligente ao estabelecer sua linha narrativa em cima de uma novidade que foi o "Guerra nas Estrelas" e tudo que envolveu sua produção, para depois simplesmente pontuar o documentário com curiosidades dos outros dois filmes, como a criação do Mestre Yoda, as estratégias para evitar que vazasse a informação sobre a revelação de quem era o pai de Luke, os Ewoks, etc. Singer aproveita e traz para a história nomes como Ralph McQuarrie - artista que trabalhou na Boeing e foi capaz de criar o conceito visual para Gorge Lucas tentar convencer os Estúdios que valia a pena apoiar seu projeto eAlan Ladd Jr., então presidente da Fox, que convenceu a diretoria do Estúdio em financiar o primeiro filme (pouco mais de 8 milhões de dólares) e quem segurou as pontas quando o orçamento e os prazos estouraram nas mãos daquele jovem diretor.
O fato é que o "Império dos Sonhos: A História da Trilogia Star Wars" é um rico e delicioso documentário sobre uma franquia que ultrapassou os limites do cinema e se transformou em um dos mais festejados produtos da cultura pop através dos tempos. Da genialidade de George Lucas, conseguimos entender seu propósito como cineasta, mas também sua visão de negócios e de mercado como poucos tiveram até hoje.
Vale muito a pena!
Se tem uma coisa que o Disney+ vem nos proporcionando, é o acesso a documentários raros e que, embora muitos deles naturalmente datados, tem um conteúdo simplesmente espetacular. O "Império dos Sonhos: A História da Trilogia Star Wars" entra nessa prateleira e te adianto: é mais um daqueles "estudos de caso" que mais parecem um curso de MBA em empreendedorismo - mais ou menos como "A História do Imagineering". Emboraproduzido em 2004 para compor os “extras” do lançamento de uma edição especial da Trilogia Star Wars ainda em DVD, o documentário é mais uma imersão na visão e no comportamento de George Lucas do que uma história construída para os fãs da franquia.
Em pouco menos de 150 minutos, os diretores Edith Becker e Kevin Burns, ambos de "Playboy: Inside the Playboy Mansion", nos conduzem pelos bastidores da criação da Trilogia Original de Star Wars, focando no processo de desenvolvimento, produção e lançamento de "Guerra nas Estrelas", o filme original de 1977, e depois, com um pouco menos de profundidade, mas não menos interessante, nas histórias de O Império Contra-Ataca e O Retorno de Jedi. Confira o trailer:
A partir do acesso aos arquivos da Lucasfilm e do próprio Lucas, Becker e Burns desenvolvem uma narrativa dinâmica e inteligente, mas sem inventar muita moda, ou seja, a partir de uma montagem cronológica simples, os diretores contam a história pelos olhos do seu criador e de vários personagens que transitaram pelas produções dos três filmes. O interessante - e aqui cabe um elogio: é que o documentário parte da visão inovadora, mas também estratégica de Lucas para pontuar a mudança dos paradigmas de Hollywood no início da década de 70, passando pelo seu trabalho na Universidade com o curta-metragem THX-1138 (que depois se transformou em um longa), depois pela pré-produção, produção e pós-produção de Guerra nas Estrelas, seguido pelo receio do seu lançamento até a transformação em uma espécie de fenômeno mundial instantâneo - o roteiro, aliás, é muito feliz ao fazer paralelos com a realidade social e cultural da época e assim tentar explicar toda essa jornada.
O roteirista Ed Singer também foi muito inteligente ao estabelecer sua linha narrativa em cima de uma novidade que foi o "Guerra nas Estrelas" e tudo que envolveu sua produção, para depois simplesmente pontuar o documentário com curiosidades dos outros dois filmes, como a criação do Mestre Yoda, as estratégias para evitar que vazasse a informação sobre a revelação de quem era o pai de Luke, os Ewoks, etc. Singer aproveita e traz para a história nomes como Ralph McQuarrie - artista que trabalhou na Boeing e foi capaz de criar o conceito visual para Gorge Lucas tentar convencer os Estúdios que valia a pena apoiar seu projeto eAlan Ladd Jr., então presidente da Fox, que convenceu a diretoria do Estúdio em financiar o primeiro filme (pouco mais de 8 milhões de dólares) e quem segurou as pontas quando o orçamento e os prazos estouraram nas mãos daquele jovem diretor.
O fato é que o "Império dos Sonhos: A História da Trilogia Star Wars" é um rico e delicioso documentário sobre uma franquia que ultrapassou os limites do cinema e se transformou em um dos mais festejados produtos da cultura pop através dos tempos. Da genialidade de George Lucas, conseguimos entender seu propósito como cineasta, mas também sua visão de negócios e de mercado como poucos tiveram até hoje.
Vale muito a pena!
Apenas um público muito especifico vai se conectar com a minissérie "Irma Vep" - não porquê ela seja ruim, muito pelo contrário, ela é muito boa (com alguns críticos dizendo que ela é uma das melhores do ano, inclusive), mas também é inegável que seu conceito estético e narrativo tende a dificultar o entendimento e impacta diretamente nessa experiência metaliguística que discute os bastidores do cinema e como essa atmosfera interfere nas relações humanas. Eu diria que "Irma Vep" é uma mistura de "Um Lugar Qualquer" da Sofia Coppola com a versão da HBO de "Cenas de um Casamento"de Ingmar Bergman.
Em 8 episódiosacompanhamos Mira (Alicia Vikander), uma atriz norte-americana desiludida com os caminhos que sua vida amorosa e carreira tomaram. Quando surge uma oportunidade de ser a protagonista em uma minissérie para uma plataforma de streaming, ela viaja até a França para participar do remake do clássico "Les Vampires". Conforme vai se aprofundando no trabalho, Mira começa a notar comportamentos estranhos que não tinha antes e teme estar se tornando mais próxima de sua personagem do que gostaria. Confira o trailer:
Essa minissérie da A24 talvez seja a mais autoral e que mais tenha carregado naquele toque conceitual do cinema independente europeu que a HBO já produziu. Se inicialmente a trama parece separar perfeitamente o "real" da "fantasia", com o passar dos episódios essa distinção vai desaparecendo, criando uma linha narrativa cheia de camadas e que explora as diversas nuances de personagens que precisam lidar com seus fantasmas a cada novo desafio - profissional e pessoal.
Sim, "Irma Vep" é uma análise crítica sobre a indústria cinematográfica (e de seus atores, atrás e na frente das câmeras), porém são nas "entrelinhas" mais íntimas e fantasiosas que a história se aproveita da subjetividade para ganhar um certo charme. O diretor francês Oliver Assayas (de "Wasp - Rede de Espiões") repete a fórmula de seu premiado "Acima das Nuvens" para fazer um recorte quase auto-biográfico de quando dirigiu o homônimo clássico cult de 1996. Assayas usa dos personagens René (Vincent Macaigne) e Mira (Alicia Vikander) como porta-vozes de suas ideias e de sua visão de mundo - ambos cutucam o movimento "blockbuster" com a mesma elegância que criticam o mindset muitas vezes egocêntrico do cinema de arte europeu.
Mesmo com uma edição completamente fragmentada, o simbolismo e a busca por referências nunca se desalinham - quando falamos da "forma", visualmente, é muito claro quando ficção invade a realidade e quando o passado impacta o presente, porém é no "conteúdo", com diálogos muito bem desenvolvidos, que até os personagens mais estereotipados (como ao excêntrico ator alemão Gottfried de Lars Eidinger) ganham humanidade. Talvez essa quebra de expectativas perante uma história propositalmente "sem pé nem cabeça" e que pouco respeita a linha temporal, afaste a "audiência HBO", mas é impossível não elogiar a criatividade de Assayas e como ele criou uma dinâmica que sabe exatamente "onde" e "quem" provocar.
Olha, vale muito a pena, mas é preciso estar disposto a mergulhar em uma proposta pouco usual e que vai exigir uma reflexão que vai muito além do que assistimos na tela.
Apenas um público muito especifico vai se conectar com a minissérie "Irma Vep" - não porquê ela seja ruim, muito pelo contrário, ela é muito boa (com alguns críticos dizendo que ela é uma das melhores do ano, inclusive), mas também é inegável que seu conceito estético e narrativo tende a dificultar o entendimento e impacta diretamente nessa experiência metaliguística que discute os bastidores do cinema e como essa atmosfera interfere nas relações humanas. Eu diria que "Irma Vep" é uma mistura de "Um Lugar Qualquer" da Sofia Coppola com a versão da HBO de "Cenas de um Casamento"de Ingmar Bergman.
Em 8 episódiosacompanhamos Mira (Alicia Vikander), uma atriz norte-americana desiludida com os caminhos que sua vida amorosa e carreira tomaram. Quando surge uma oportunidade de ser a protagonista em uma minissérie para uma plataforma de streaming, ela viaja até a França para participar do remake do clássico "Les Vampires". Conforme vai se aprofundando no trabalho, Mira começa a notar comportamentos estranhos que não tinha antes e teme estar se tornando mais próxima de sua personagem do que gostaria. Confira o trailer:
Essa minissérie da A24 talvez seja a mais autoral e que mais tenha carregado naquele toque conceitual do cinema independente europeu que a HBO já produziu. Se inicialmente a trama parece separar perfeitamente o "real" da "fantasia", com o passar dos episódios essa distinção vai desaparecendo, criando uma linha narrativa cheia de camadas e que explora as diversas nuances de personagens que precisam lidar com seus fantasmas a cada novo desafio - profissional e pessoal.
Sim, "Irma Vep" é uma análise crítica sobre a indústria cinematográfica (e de seus atores, atrás e na frente das câmeras), porém são nas "entrelinhas" mais íntimas e fantasiosas que a história se aproveita da subjetividade para ganhar um certo charme. O diretor francês Oliver Assayas (de "Wasp - Rede de Espiões") repete a fórmula de seu premiado "Acima das Nuvens" para fazer um recorte quase auto-biográfico de quando dirigiu o homônimo clássico cult de 1996. Assayas usa dos personagens René (Vincent Macaigne) e Mira (Alicia Vikander) como porta-vozes de suas ideias e de sua visão de mundo - ambos cutucam o movimento "blockbuster" com a mesma elegância que criticam o mindset muitas vezes egocêntrico do cinema de arte europeu.
Mesmo com uma edição completamente fragmentada, o simbolismo e a busca por referências nunca se desalinham - quando falamos da "forma", visualmente, é muito claro quando ficção invade a realidade e quando o passado impacta o presente, porém é no "conteúdo", com diálogos muito bem desenvolvidos, que até os personagens mais estereotipados (como ao excêntrico ator alemão Gottfried de Lars Eidinger) ganham humanidade. Talvez essa quebra de expectativas perante uma história propositalmente "sem pé nem cabeça" e que pouco respeita a linha temporal, afaste a "audiência HBO", mas é impossível não elogiar a criatividade de Assayas e como ele criou uma dinâmica que sabe exatamente "onde" e "quem" provocar.
Olha, vale muito a pena, mas é preciso estar disposto a mergulhar em uma proposta pouco usual e que vai exigir uma reflexão que vai muito além do que assistimos na tela.
"Maestro", produção original da Netflix, é o "Mank" de 2020 ou o "Roma" de 2018, ou seja, se você tem nessas duas referências ótimas experiências como audiência, o seu play é obrigatório, caso contrário, é muito provável que você não se conecte com o filme dirigido pelo Bradley Cooper, que se apropria de uma forma mais cadenciada para explorar as nuances de uma complexa relação entre o protagonista com sua esposa - e não, "Maestro" não tem absolutamente nada a ver com a levada mais popde "Nasce uma Estrela". Aqui, Cooper é muito mais autoral na sua proposta narrativa e eu até completaria: mais maduro como diretor em todos os sentidos. Dito isso é preciso alinhar outra expectativa: não se trata de uma cinebiografia clássica onde o foco é a carreira de um gênio como Leonard Bernstein; o recorte profissional existe, mas é apenas o pano de fundo para discutir sua bissexualidade e como isso impactou em sua família.
Para quem não sabe, Bernstein (Bradley Cooper) é um compositor, músico e pianista responsável por trilhas sonoras de musicais aclamados da Broadway, como "West Side Story", "Peter Pan" e "Candice". Como maestro (daí o nome do filme), foi o principal condutor da Orquestra Filarmônica de Nova York durante 18 anos e se consagrou como um dos músicos mais importantes dos Estados Unidos em sua época. Mas é na relação com a atriz de TV e teatro Felicia Montealegre (Carey Mulligan,), seu grande amor, que suas escolhas passam a ser discutidas em um tumultuado contexto que durou mais de 25 anos. Confira o trailer:
Em um projeto que, curiosamente, primeiro seria dirigida porSteven Spielberg e, depois, porMartin Scorsese, é de se elogiar a performance criativa de Bradley Cooper como diretor. Seu trabalho é impecável - é impressionante como ele consegue capturar a essência de Bernstein, tanto como artista quanto como homem, além de estabelecer uma conexão imediata com Felicia, equilibrando a jornada de ascensão do músico com o drama de relações entre um casal que notavelmente se ama, mas vive pautado pela insegurança. Reparem como Cooper pontua as escolhas do protagonista com signos que remetem para uma busca incansável pelo prazer - Bernstein está sempre com um cigarro ou com um drink na mão (e não raramente, com os dois). Essa construção de camadas reflete na incrível performance do diretor também como ator - digno de prêmios!
Mulligan que inclusive tem o mérito do first billing, ou seja, seu nome aparece antes que o do próprio Cooper na lista do elenco, é a figura marcante do filme. Mesmo mas cenas musicais emocionantes ou nos concertos grandiosos onde Bernstein parece estar iluminado, a presença de Felicia é quase onipresente, dada a força dramática que a atriz conseguiu entregar para sua personagem. Cooper é cirúrgico em reproduzir os maneirismos de Bernstein (aliás que maquiagem mais genial é essa?), mas como Mulligan, não tem como comparar - a cena onde Felicia, já doente, recebe uma visita fora de hora ou quando ela cobra do marido mais discrição para que sua bissexualidade não impacte na vida da filha, olha, é de se aplaudir de pé.
"Maestro" tem uma atmosfera vibrante e emocionante que captura a magia da música, ao mesmo tempo em que explora com muita sensibilidade e respeito as camadas mais íntimas de cada um dos personagens. Essa proposta de Cooper só funciona graças a forma como ele brinca com nossos sentidos através da imagem e do som. Na fotografia do Matthew Libatique (o mesmo de "Cisne Negro") o preto e branco de alto contraste pontua o começo da vida profissional de Bernstein e seu inicio de relacionamento com Felicia; já o granulado das cores vivas fazem o mesmo pelo libertário anos 70, quando os problemas, ainda discretos, começam a aparecer e a incomodar. Na trilha sonora, o que encontramos é um Leonard Bernstein multifacetado, mas igualmente brilhante em sua capacidade de fazer arte com alma. O fato é que "Maestro" é um filme com personalidade, feito para ganhar muitos prêmios, impecável na sua produção e profundo na sua proposta, mas que vai exigir uma certa predileção por filmes mais independentes e isso nem todos vão comprar.
Para nós, imperdível!
"Maestro", produção original da Netflix, é o "Mank" de 2020 ou o "Roma" de 2018, ou seja, se você tem nessas duas referências ótimas experiências como audiência, o seu play é obrigatório, caso contrário, é muito provável que você não se conecte com o filme dirigido pelo Bradley Cooper, que se apropria de uma forma mais cadenciada para explorar as nuances de uma complexa relação entre o protagonista com sua esposa - e não, "Maestro" não tem absolutamente nada a ver com a levada mais popde "Nasce uma Estrela". Aqui, Cooper é muito mais autoral na sua proposta narrativa e eu até completaria: mais maduro como diretor em todos os sentidos. Dito isso é preciso alinhar outra expectativa: não se trata de uma cinebiografia clássica onde o foco é a carreira de um gênio como Leonard Bernstein; o recorte profissional existe, mas é apenas o pano de fundo para discutir sua bissexualidade e como isso impactou em sua família.
Para quem não sabe, Bernstein (Bradley Cooper) é um compositor, músico e pianista responsável por trilhas sonoras de musicais aclamados da Broadway, como "West Side Story", "Peter Pan" e "Candice". Como maestro (daí o nome do filme), foi o principal condutor da Orquestra Filarmônica de Nova York durante 18 anos e se consagrou como um dos músicos mais importantes dos Estados Unidos em sua época. Mas é na relação com a atriz de TV e teatro Felicia Montealegre (Carey Mulligan,), seu grande amor, que suas escolhas passam a ser discutidas em um tumultuado contexto que durou mais de 25 anos. Confira o trailer:
Em um projeto que, curiosamente, primeiro seria dirigida porSteven Spielberg e, depois, porMartin Scorsese, é de se elogiar a performance criativa de Bradley Cooper como diretor. Seu trabalho é impecável - é impressionante como ele consegue capturar a essência de Bernstein, tanto como artista quanto como homem, além de estabelecer uma conexão imediata com Felicia, equilibrando a jornada de ascensão do músico com o drama de relações entre um casal que notavelmente se ama, mas vive pautado pela insegurança. Reparem como Cooper pontua as escolhas do protagonista com signos que remetem para uma busca incansável pelo prazer - Bernstein está sempre com um cigarro ou com um drink na mão (e não raramente, com os dois). Essa construção de camadas reflete na incrível performance do diretor também como ator - digno de prêmios!
Mulligan que inclusive tem o mérito do first billing, ou seja, seu nome aparece antes que o do próprio Cooper na lista do elenco, é a figura marcante do filme. Mesmo mas cenas musicais emocionantes ou nos concertos grandiosos onde Bernstein parece estar iluminado, a presença de Felicia é quase onipresente, dada a força dramática que a atriz conseguiu entregar para sua personagem. Cooper é cirúrgico em reproduzir os maneirismos de Bernstein (aliás que maquiagem mais genial é essa?), mas como Mulligan, não tem como comparar - a cena onde Felicia, já doente, recebe uma visita fora de hora ou quando ela cobra do marido mais discrição para que sua bissexualidade não impacte na vida da filha, olha, é de se aplaudir de pé.
"Maestro" tem uma atmosfera vibrante e emocionante que captura a magia da música, ao mesmo tempo em que explora com muita sensibilidade e respeito as camadas mais íntimas de cada um dos personagens. Essa proposta de Cooper só funciona graças a forma como ele brinca com nossos sentidos através da imagem e do som. Na fotografia do Matthew Libatique (o mesmo de "Cisne Negro") o preto e branco de alto contraste pontua o começo da vida profissional de Bernstein e seu inicio de relacionamento com Felicia; já o granulado das cores vivas fazem o mesmo pelo libertário anos 70, quando os problemas, ainda discretos, começam a aparecer e a incomodar. Na trilha sonora, o que encontramos é um Leonard Bernstein multifacetado, mas igualmente brilhante em sua capacidade de fazer arte com alma. O fato é que "Maestro" é um filme com personalidade, feito para ganhar muitos prêmios, impecável na sua produção e profundo na sua proposta, mas que vai exigir uma certa predileção por filmes mais independentes e isso nem todos vão comprar.
Para nós, imperdível!
"Mank" parece ser "O Irlandês"dessa temporada! Embora não exista nenhum ponto em comum entre as narrativas, assuntos ou escolhas conceituais, "Mank" chegou ao serviço de streaming com o mesmo status do filme de Scorsese: favorito ao Oscar, mas que também não será uma unanimidade - eu diria até, que ficará longe disso!
O filme mostra a chamada Era de Ouro de Hollywood sob a visão sagaz, ácida e extremamente crítica do roteirista alcoólatraHerman J. Mankiewicz (Gary Oldman) durante seu processo de criação do roteiro e seu maior sucesso, "Cidadão Kane" - reconhecido como um dos melhores filmes da História do Cinema. "Mank" é menos sobre a famosa discussão dos créditos sobre o roteiro que rendeu o único Oscar ao filme de Orson Welles e mais sobre uma abordagem desglamourizada dos bastidores de Hollywood, onde o poder da mídia, no caso o Cinema, era usada para informação e desinformação com objetivos claramente políticos. Confira o trailer:
"Mank" é um filme muito difícil de assistir, pois é preciso ter algum conhecimento sobre o assunto que ele aborda, além de exigir muita atenção, pois o roteiro explora o time sarcástico nas falas do protagonista em detrimento a cadência narrativa e visual da história. O que eu quero dizer é que se você não souber nada sobre a "Era de Ouro de Hollywood", o momento politico dos EUA e do mundo nos anos 30 e o que "Cidadão Kane" de fato é (ou representa); você vai dormir nos primeiros 30 minutos do filme - e o detalhe dele ser "preto e branco" é o que menos vai te incomodar!
Agora, se você estiver familiarizado com a história do cinema e como ela impacta na cultura americana ou fizer parte daquela audiência exigente, que repara em cada elemento técnico e artístico, aí você vai se divertir e presenciar uma aula de direção do David Fincher - sua capacidade de encontrar a melhor forma de contar a história usando conceitos visuais e narrativos aplicados por Welles em "Cidadão Kane" coloca "Mank" em outro patamar! Outro ponto que vale o play, é, sem dúvida, o trabalho de Gary Oldman - olha, ele já pode comemorar mais uma indicação ao Oscar! A cena em que ele, embriagado, faz um paralelo entre "sua" história e Don Quixote é simplesmente fabulosa, reparem!
Pois bem, sabendo das condições e peculiaridades que citei acima, dê o play por conta e risco, com a certeza que você vai gostar muito ou odiar o filme!
"Mank" parece ser "O Irlandês"dessa temporada! Embora não exista nenhum ponto em comum entre as narrativas, assuntos ou escolhas conceituais, "Mank" chegou ao serviço de streaming com o mesmo status do filme de Scorsese: favorito ao Oscar, mas que também não será uma unanimidade - eu diria até, que ficará longe disso!
O filme mostra a chamada Era de Ouro de Hollywood sob a visão sagaz, ácida e extremamente crítica do roteirista alcoólatraHerman J. Mankiewicz (Gary Oldman) durante seu processo de criação do roteiro e seu maior sucesso, "Cidadão Kane" - reconhecido como um dos melhores filmes da História do Cinema. "Mank" é menos sobre a famosa discussão dos créditos sobre o roteiro que rendeu o único Oscar ao filme de Orson Welles e mais sobre uma abordagem desglamourizada dos bastidores de Hollywood, onde o poder da mídia, no caso o Cinema, era usada para informação e desinformação com objetivos claramente políticos. Confira o trailer:
"Mank" é um filme muito difícil de assistir, pois é preciso ter algum conhecimento sobre o assunto que ele aborda, além de exigir muita atenção, pois o roteiro explora o time sarcástico nas falas do protagonista em detrimento a cadência narrativa e visual da história. O que eu quero dizer é que se você não souber nada sobre a "Era de Ouro de Hollywood", o momento politico dos EUA e do mundo nos anos 30 e o que "Cidadão Kane" de fato é (ou representa); você vai dormir nos primeiros 30 minutos do filme - e o detalhe dele ser "preto e branco" é o que menos vai te incomodar!
Agora, se você estiver familiarizado com a história do cinema e como ela impacta na cultura americana ou fizer parte daquela audiência exigente, que repara em cada elemento técnico e artístico, aí você vai se divertir e presenciar uma aula de direção do David Fincher - sua capacidade de encontrar a melhor forma de contar a história usando conceitos visuais e narrativos aplicados por Welles em "Cidadão Kane" coloca "Mank" em outro patamar! Outro ponto que vale o play, é, sem dúvida, o trabalho de Gary Oldman - olha, ele já pode comemorar mais uma indicação ao Oscar! A cena em que ele, embriagado, faz um paralelo entre "sua" história e Don Quixote é simplesmente fabulosa, reparem!
Pois bem, sabendo das condições e peculiaridades que citei acima, dê o play por conta e risco, com a certeza que você vai gostar muito ou odiar o filme!
No universo dos documentários que revelam os bastidores da indústria do entretenimento como "Showbiz Kids" e até o polêmico "Deixando Neverland", "O Escândalo de Randall Emmett" surge como uma peça intrigante que expõe os segredos por trás de um dos mais notórios e recentes escândalos de Hollywood - se nem tanto aqui no Brasil, sem sombra de dúvidas nos EUA, por ter seus dois protagonistas entre as estrelas do famoso reality da Bravo,"Vanderpump Rules". Produzido pela ABC News Studios e pelo LA Times para o Hulu, o filme captura a essência do escândalo a partir de uma construção bastante consistente do perfil de Emmett, um famoso produtor de filmes B, e da forma como ele se relacionava com as pessoas que o rodeavam.
Baseado no artigo intitulado "The Man Who Played Hollywood: Inside Randall Emmett’s Crumbling Empire" do L.A. Times, o documentário faz um recorte muito interessante da investigação sobre muitas das acusações chocantes contra Randall Emmett, que incluem alegações de discriminação racial, abusos psicológicos e comportamentos questionáveis no set (um deles, inclusive, contra o ator Bruce Willis já doente). Também são apresentadas entrevistas com Lala Kent, celebridade "Vanderpump" e ex-noiva do produtor. Ela fala sobre seu tumultuado relacionamento e como soube das acusações e supostas traições de Emmett ainda com uma filha recém-nascida. Confira o trailer (em inglês):
Apenas para contextualizar, "Vanderpump Rules" é um famoso spin-off de "The Real Housewives of Beverly Hills", onde uma de suas protagonistas, Lisa Vanderpump, mentora talentos que buscam conquistar e construir suas carreiras no mundo da gastronomia. Bem ao estilo "real-life", o reality-show revela os bastidores do restaurante SUR, em West Hollywood: o dia-a-dia e os dramas dos jovens e belos funcionários de Lisa - entre eles, a bela Lala Kent. No entanto, "O Escândalo de Randall Emmett" vai um pouco além, já que o roteiro pontua a jornada de sucesso de Emmett, um dos produtores de "O Irlandês" da Netflix, em meio a muitas denúncias de abuso moral, até sua derrocada quando seu ego ajudou a destruir uma carreira sólida ao aceitar participar do mesmo reality que sua noiva.
A narrativa do documentário é, de fato, muito bem orquestrada até para quem não está familiarizado com essa doentia indústria das celebridades nos EUA. O que para aquela audiência pode parecer uma extensão curiosa do reality-show, para nós é mais um ótimo raio-x dos bastidores do cinema de Hollywood. A partir dos relatos da Amy Kaufman e da Meg James, autoras do artigo do Times, vamos conhecendo os detalhes da história de Emmett de forma meticulosa - são entrevistas com pessoas-chave do escândalo, entre elas Lisa e Easton Burningham, mãe e irmão de Lala, além de pelo menos três assistentes do produtor que até hoje sofrem de ansiedade crônica graças a forma como eram tratados. Imagens de arquivo e algumas reconstituições, dão o exato tom do terror que era estar próximo de Emmet - reparem como a trama tem um ar de suspense e como a estrutura cronológica contribui muito para mergulharmos nessa obscura atmosfera.
Ao adentrar nos aspectos emocionais da história, o documentário não se limita em relatar os acontecimentos, mas também explora as consequências pessoais e profissionais dos fatos - a empatia gerada por essas histórias, sem dúvida, humaniza a narrativa e a torna parte vital da nossa experiência como audiência. Talvez seja isso, inclusive, que faz com que "O Escândalo de Randall Emmett" transcenda seu propósito de documentar um evento isolado, abrindo espaço para uma discussão mais ampla sobre ética na indústria do entretenimento. Não tenha dúvidas que mais uma vez, você vai questionar o sistema desse mercado tão pautado no ego e no poder, que possibilitam escândalos como esse, e a refletir sobre as implicações sociais e culturais do caso.
Vale muito o seu play!
No universo dos documentários que revelam os bastidores da indústria do entretenimento como "Showbiz Kids" e até o polêmico "Deixando Neverland", "O Escândalo de Randall Emmett" surge como uma peça intrigante que expõe os segredos por trás de um dos mais notórios e recentes escândalos de Hollywood - se nem tanto aqui no Brasil, sem sombra de dúvidas nos EUA, por ter seus dois protagonistas entre as estrelas do famoso reality da Bravo,"Vanderpump Rules". Produzido pela ABC News Studios e pelo LA Times para o Hulu, o filme captura a essência do escândalo a partir de uma construção bastante consistente do perfil de Emmett, um famoso produtor de filmes B, e da forma como ele se relacionava com as pessoas que o rodeavam.
Baseado no artigo intitulado "The Man Who Played Hollywood: Inside Randall Emmett’s Crumbling Empire" do L.A. Times, o documentário faz um recorte muito interessante da investigação sobre muitas das acusações chocantes contra Randall Emmett, que incluem alegações de discriminação racial, abusos psicológicos e comportamentos questionáveis no set (um deles, inclusive, contra o ator Bruce Willis já doente). Também são apresentadas entrevistas com Lala Kent, celebridade "Vanderpump" e ex-noiva do produtor. Ela fala sobre seu tumultuado relacionamento e como soube das acusações e supostas traições de Emmett ainda com uma filha recém-nascida. Confira o trailer (em inglês):
Apenas para contextualizar, "Vanderpump Rules" é um famoso spin-off de "The Real Housewives of Beverly Hills", onde uma de suas protagonistas, Lisa Vanderpump, mentora talentos que buscam conquistar e construir suas carreiras no mundo da gastronomia. Bem ao estilo "real-life", o reality-show revela os bastidores do restaurante SUR, em West Hollywood: o dia-a-dia e os dramas dos jovens e belos funcionários de Lisa - entre eles, a bela Lala Kent. No entanto, "O Escândalo de Randall Emmett" vai um pouco além, já que o roteiro pontua a jornada de sucesso de Emmett, um dos produtores de "O Irlandês" da Netflix, em meio a muitas denúncias de abuso moral, até sua derrocada quando seu ego ajudou a destruir uma carreira sólida ao aceitar participar do mesmo reality que sua noiva.
A narrativa do documentário é, de fato, muito bem orquestrada até para quem não está familiarizado com essa doentia indústria das celebridades nos EUA. O que para aquela audiência pode parecer uma extensão curiosa do reality-show, para nós é mais um ótimo raio-x dos bastidores do cinema de Hollywood. A partir dos relatos da Amy Kaufman e da Meg James, autoras do artigo do Times, vamos conhecendo os detalhes da história de Emmett de forma meticulosa - são entrevistas com pessoas-chave do escândalo, entre elas Lisa e Easton Burningham, mãe e irmão de Lala, além de pelo menos três assistentes do produtor que até hoje sofrem de ansiedade crônica graças a forma como eram tratados. Imagens de arquivo e algumas reconstituições, dão o exato tom do terror que era estar próximo de Emmet - reparem como a trama tem um ar de suspense e como a estrutura cronológica contribui muito para mergulharmos nessa obscura atmosfera.
Ao adentrar nos aspectos emocionais da história, o documentário não se limita em relatar os acontecimentos, mas também explora as consequências pessoais e profissionais dos fatos - a empatia gerada por essas histórias, sem dúvida, humaniza a narrativa e a torna parte vital da nossa experiência como audiência. Talvez seja isso, inclusive, que faz com que "O Escândalo de Randall Emmett" transcenda seu propósito de documentar um evento isolado, abrindo espaço para uma discussão mais ampla sobre ética na indústria do entretenimento. Não tenha dúvidas que mais uma vez, você vai questionar o sistema desse mercado tão pautado no ego e no poder, que possibilitam escândalos como esse, e a refletir sobre as implicações sociais e culturais do caso.
Vale muito o seu play!
Para o amante da sétima arte, é impossível não ser impactado por um filme que antes do seu início tem a ilustre presença do diretor Steven Spielberg olhando no fundo dos seus olhos e agradecendo por você estar ali para acompanhar duas horas e meia de suas memórias. Como o próprio Spielberg diz, não se trata de uma metáfora, mas sim de uma jornada de descobertas e, essencialmente, uma declaração de amor - mesmo que assumidamente dividida entre suas duas paixões!
O filme é um retrato profundamente pessoal da vida de um dos maiores cineastas de todos os tempos, o diretor Steven Spielberg. "Os Fabelmans", escrito e dirigido pelo próprio Spielberg, narra a história de um jovem, Sammy (Gabriel LaBelle/Mateo Zoryan), que descobre um segredo familiar devastador e que aprende o poder dos filmes para ajudar a enxergar a verdade sobre os outros e sobre si mesmo. Confira o trailer:
Daqui a alguns anos, talvez, "Os Fabelmans" tenha a mesma representatividade para algumas gerações que "Cinema Paradiso", do grande Giuseppe Tornatore, representou para outras. Escrevo isso sem o menor receio de estar exagerando, pois a forma como o roteirista Tony Kushner estrutura as memórias de Spielberg para dar sentido a uma vida aparentemente feliz e tranquila, mas que vai se quebrando sem que o protagonista possa controlar, é sensacional. São tantas nuances e simbologias que citá-las provavelmente influenciaria demais na sua experiência, então eu apenas aconselho: preste atenção em cada detalhe, nos diálogos, nas construções de cada quadro, de cada plano, de como o jovem Sam se relaciona com o mundo e em como as referências de sua vida foram fielmente reproduzidas em seus filmes.
Veja, a linha entre o que é de fato real e o que é pura interpretação é propositalmente confusa, porque Spielberg faz questão de deixar claro que: “é assim que eu me vejo” - você pode até achar que a iluminação recortada pelas árvores em um bosque soa artificial, mas era dessa forma quase poética que Sam se relacionava com seus sentimentos e sentidos. Repare! Também não serão poucas as vezes que você terá a sensação de "eu já vi isso antes" - a genialidade de Kushner e o perfeccionismo de Spielberg entregam dentro de um outro contexto, exatamente as mesmas cenas que um dia vieram a fazer sucesso em sua carreira como diretor. Rapidamente conseguimos identificar as inspirações de enquadramentos de "E.T."., "Tubarão", Contatos Imediatos do Terceiro Grau", "Lista de Schindler", "Cor Púrpura", "Indiana Jones", "Império do Sol", "O Resgate do Soldado Ryan" e até de "Encurralado" - encontrar esses easter eggsé tão divertido quanto nostálgico!
"Os Fabelmans" ainda encontra tempo para discutir sobre as relações familiares. Brilhantemente conduzido por Michelle Williams (como a mãe, Mitzi Fabelman), Paul Dano (como o pai, Burt Fabelman), Seth Rogen(como o melhor amigo da família, Bennie Loewy), além de uma participação tão especial quanto de gala de Judd Hirsch (o tio Boris - para mim o personagem fundamental para o que Spielberg se tornou), os assuntos são espinhosos, marcantes e delicados, mas o que não falta, claro, é sensibilidade para o diretor pontuar algumas passagens que mudaram a sua vida.
Para finalizar, é preciso dizer que a audiência familiarizada com a carreira do Diretor e com as particularidades da profissão de cineasta, deve até se divertir mais que, digamos, o público em geral - não foram poucas as vezes que me vi rindo sozinho de uma piada que ninguém entendeu. Saber a diferença entre uma câmera Bolex 8mm e uma Arriflex 16mm, de fato, não é usual, porém existe um cuidado em explorar as fragilidades do protagonista e até em como ele foi percebendo sua capacidade de manipular imagens para alcançar diferentes emoções, que transformam a história de "Os Fabelmans" em algo realmente universal e apaixonante!
Simplesmente imperdível!
Antes do play, não deixe de assistir o documentário da HBO Max "Spielberg".
Para o amante da sétima arte, é impossível não ser impactado por um filme que antes do seu início tem a ilustre presença do diretor Steven Spielberg olhando no fundo dos seus olhos e agradecendo por você estar ali para acompanhar duas horas e meia de suas memórias. Como o próprio Spielberg diz, não se trata de uma metáfora, mas sim de uma jornada de descobertas e, essencialmente, uma declaração de amor - mesmo que assumidamente dividida entre suas duas paixões!
O filme é um retrato profundamente pessoal da vida de um dos maiores cineastas de todos os tempos, o diretor Steven Spielberg. "Os Fabelmans", escrito e dirigido pelo próprio Spielberg, narra a história de um jovem, Sammy (Gabriel LaBelle/Mateo Zoryan), que descobre um segredo familiar devastador e que aprende o poder dos filmes para ajudar a enxergar a verdade sobre os outros e sobre si mesmo. Confira o trailer:
Daqui a alguns anos, talvez, "Os Fabelmans" tenha a mesma representatividade para algumas gerações que "Cinema Paradiso", do grande Giuseppe Tornatore, representou para outras. Escrevo isso sem o menor receio de estar exagerando, pois a forma como o roteirista Tony Kushner estrutura as memórias de Spielberg para dar sentido a uma vida aparentemente feliz e tranquila, mas que vai se quebrando sem que o protagonista possa controlar, é sensacional. São tantas nuances e simbologias que citá-las provavelmente influenciaria demais na sua experiência, então eu apenas aconselho: preste atenção em cada detalhe, nos diálogos, nas construções de cada quadro, de cada plano, de como o jovem Sam se relaciona com o mundo e em como as referências de sua vida foram fielmente reproduzidas em seus filmes.
Veja, a linha entre o que é de fato real e o que é pura interpretação é propositalmente confusa, porque Spielberg faz questão de deixar claro que: “é assim que eu me vejo” - você pode até achar que a iluminação recortada pelas árvores em um bosque soa artificial, mas era dessa forma quase poética que Sam se relacionava com seus sentimentos e sentidos. Repare! Também não serão poucas as vezes que você terá a sensação de "eu já vi isso antes" - a genialidade de Kushner e o perfeccionismo de Spielberg entregam dentro de um outro contexto, exatamente as mesmas cenas que um dia vieram a fazer sucesso em sua carreira como diretor. Rapidamente conseguimos identificar as inspirações de enquadramentos de "E.T."., "Tubarão", Contatos Imediatos do Terceiro Grau", "Lista de Schindler", "Cor Púrpura", "Indiana Jones", "Império do Sol", "O Resgate do Soldado Ryan" e até de "Encurralado" - encontrar esses easter eggsé tão divertido quanto nostálgico!
"Os Fabelmans" ainda encontra tempo para discutir sobre as relações familiares. Brilhantemente conduzido por Michelle Williams (como a mãe, Mitzi Fabelman), Paul Dano (como o pai, Burt Fabelman), Seth Rogen(como o melhor amigo da família, Bennie Loewy), além de uma participação tão especial quanto de gala de Judd Hirsch (o tio Boris - para mim o personagem fundamental para o que Spielberg se tornou), os assuntos são espinhosos, marcantes e delicados, mas o que não falta, claro, é sensibilidade para o diretor pontuar algumas passagens que mudaram a sua vida.
Para finalizar, é preciso dizer que a audiência familiarizada com a carreira do Diretor e com as particularidades da profissão de cineasta, deve até se divertir mais que, digamos, o público em geral - não foram poucas as vezes que me vi rindo sozinho de uma piada que ninguém entendeu. Saber a diferença entre uma câmera Bolex 8mm e uma Arriflex 16mm, de fato, não é usual, porém existe um cuidado em explorar as fragilidades do protagonista e até em como ele foi percebendo sua capacidade de manipular imagens para alcançar diferentes emoções, que transformam a história de "Os Fabelmans" em algo realmente universal e apaixonante!
Simplesmente imperdível!
Antes do play, não deixe de assistir o documentário da HBO Max "Spielberg".
"Seberg", que no Brasil ganhou o subtítulo de "Contra Todos", passou quase despercebido pelos cinemas em 2020 e, sinceramente, merecia mais atenção. Primeiro pela força de uma história real, de fato, surpreendente e segundo pelo excelente trabalho de Kristen Stewart como protagonista.
Para quem não conhece, Seberg foi uma verdadeira estrela de um movimento cinematográfico francês chamado Nouvelle Vague,trabalhando com nomes consagrados como Jean-Luc Godard e François Truffaut. Embora tenha evitado Hollywood ao máximo, Seberg acabou escalada para viverJoana D’Arc de Otto Preminger, porém um acidente durante as filmagens quase matou a atriz queimada. Embora o filme pontue esse fato, é o inicio do romance com Hakim Jamal (Anthony Mackie), integrante dos Panteras Negras, e sua relação com o movimento dos direitos civis, que transformaram uma investigação feita pelo FBI no maior pesadelo da sua vida. Confira o trailer:
O fato do roteiro focar em um breve recorte da vida de Jean Seberg ajuda no desenvolvimento do drama pela qual a atriz passou, mas nos distancia do entendimento sobre o tamanho e a importância que ela tinha como figura pública. Dito isso, demoramos um pouco mais para mergulhar nas aflições da personagem - fato que não aconteceu em "Judy", por exemplo. Porém, assim que nos familiarizamos com o contexto politico e social da época e nos reconhecemos na forma como a atriz reage aos absurdos raciais, claro, tudo passa a fluir melhor. Kristen Stewart tem muito mérito nisso, já que seu trabalho explora todas as camadas de uma estrela, cheia de problemas pessoais, mas incrivelmente a frente do seu tempo. Vince Vaughn como o veterano radical e sem escrúpulos que trabalha no FBI, Carl Kowalski, também merece elogios. Reparem!
O interessante de "Seberg contra Todos", além de apresentar uma personagem forte e uma história que merecia ser contada, é a forma cruel como os fatos vão sendo construídos e como, pouco a pouco, isso vai interferindo na vida (e na sanidade) da protagonista. Saiba que o filme tem um caminho, uma direção clara, que impede maiores distrações, com isso tudo fica engessado e não dá tempo de provocar muitas reflexões como em "Infiltrado na Klan" ou em "Os Sete de Chicago"- para citar produções com eventos de uma mesma época e que trazem muitas referências. Independente disso, a recomendação é das mais tranquilas: trata-se de um ótimo filme, que acabou sendo deixado de lado injustamente e que merece muito o seu play!
Antes de terminar, mais uma observação: Rachel Morrison, jovem indicada ao Oscar na categoria "Melhor Fotografia" por "Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississipi" de 2017, e que também trabalhou em "Pantera Negra" (2018), mais uma vez dá um show - o trabalho dela em "Seberg" é digno de prêmios!
"Seberg", que no Brasil ganhou o subtítulo de "Contra Todos", passou quase despercebido pelos cinemas em 2020 e, sinceramente, merecia mais atenção. Primeiro pela força de uma história real, de fato, surpreendente e segundo pelo excelente trabalho de Kristen Stewart como protagonista.
Para quem não conhece, Seberg foi uma verdadeira estrela de um movimento cinematográfico francês chamado Nouvelle Vague,trabalhando com nomes consagrados como Jean-Luc Godard e François Truffaut. Embora tenha evitado Hollywood ao máximo, Seberg acabou escalada para viverJoana D’Arc de Otto Preminger, porém um acidente durante as filmagens quase matou a atriz queimada. Embora o filme pontue esse fato, é o inicio do romance com Hakim Jamal (Anthony Mackie), integrante dos Panteras Negras, e sua relação com o movimento dos direitos civis, que transformaram uma investigação feita pelo FBI no maior pesadelo da sua vida. Confira o trailer:
O fato do roteiro focar em um breve recorte da vida de Jean Seberg ajuda no desenvolvimento do drama pela qual a atriz passou, mas nos distancia do entendimento sobre o tamanho e a importância que ela tinha como figura pública. Dito isso, demoramos um pouco mais para mergulhar nas aflições da personagem - fato que não aconteceu em "Judy", por exemplo. Porém, assim que nos familiarizamos com o contexto politico e social da época e nos reconhecemos na forma como a atriz reage aos absurdos raciais, claro, tudo passa a fluir melhor. Kristen Stewart tem muito mérito nisso, já que seu trabalho explora todas as camadas de uma estrela, cheia de problemas pessoais, mas incrivelmente a frente do seu tempo. Vince Vaughn como o veterano radical e sem escrúpulos que trabalha no FBI, Carl Kowalski, também merece elogios. Reparem!
O interessante de "Seberg contra Todos", além de apresentar uma personagem forte e uma história que merecia ser contada, é a forma cruel como os fatos vão sendo construídos e como, pouco a pouco, isso vai interferindo na vida (e na sanidade) da protagonista. Saiba que o filme tem um caminho, uma direção clara, que impede maiores distrações, com isso tudo fica engessado e não dá tempo de provocar muitas reflexões como em "Infiltrado na Klan" ou em "Os Sete de Chicago"- para citar produções com eventos de uma mesma época e que trazem muitas referências. Independente disso, a recomendação é das mais tranquilas: trata-se de um ótimo filme, que acabou sendo deixado de lado injustamente e que merece muito o seu play!
Antes de terminar, mais uma observação: Rachel Morrison, jovem indicada ao Oscar na categoria "Melhor Fotografia" por "Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississipi" de 2017, e que também trabalhou em "Pantera Negra" (2018), mais uma vez dá um show - o trabalho dela em "Seberg" é digno de prêmios!
"Showbiz Kids", documentário original da HBO, é simplesmente sensacional - um recorte de como é ser uma criança nos Estúdios de Hollywood! A forma como o diretor Alex Winter (também ex-ator quando criança) foi construindo a narrativa com entrevistas, imagens de arquivo e cenas dos filmes que cada uma daquelas ex-estrelas mirins participaram, criou uma dinâmica muito interessante que nos prende aos assuntos abordados e quando nos damos conta, o filme já acabou, nos deixando um certo aperto no coração e uma reflexão bastante importante, principalmente para aqueles que tem filhos!
O documentário expõe os altos e baixos de ser uma estrela mirim em Hollywood, mostrando como uma carreira na indústria do entretenimento com tão pouca idade pode cobrar um preço caro e afetar profundamente o psicológico e o futuro dessas crianças. São entrevistas com atores conhecidos por seus trabalhos na infância, como Henry Thomas, Evan Rachel Wood, Wil Wheaton, Cameron Boyce e Milla Jovovich. Além disso, o filme trás uma referência quase antropológica ao mostrar Baby Peggy, a primeira grande estrela mirim americana, além de acompanhar a jornada de dois jovens (e suas mães, claro) que estão buscando um lugar de destaque no "showbiz". Confira o trailer:
O mais bacana de "Showbiz Kids" é que o diretor foi capaz de encontrar vários perfis de atores que foram referências quando crianças, desde aquele que gostou da experiência até aquele se sentiu forçado pelos pais para estar ali. O interessante, inclusive, é que entre as duas pontas existem vários temas bastante espinhosos que fizeram parte da vida de todos, como: abuso sexual, pedofilia, drogas, ganância ou até os reflexos da pressão e insegurança daquela linha tênue entre sucesso e fracasso, natural da profissão, mas que para uma criança é de uma crueldade inimaginável (irresponsável, eu diria) - reparem nas mães das duas crianças que ainda não alcançaram a fama e entendam a postura opressora que é imposta à elas mesmo com uma certa fantasia de liberdade de escolha! Complicado!
"Showbiz Kids" é, sem dúvida, um dos melhores documentários de 2020 e certamente estará presente na temporada de premiações. Dito isso, não perca tempo, dê o play e saiba que são esses exemplos que nos fazem refletir sobre a educação que daremos aos nossos filhos!
"Showbiz Kids", documentário original da HBO, é simplesmente sensacional - um recorte de como é ser uma criança nos Estúdios de Hollywood! A forma como o diretor Alex Winter (também ex-ator quando criança) foi construindo a narrativa com entrevistas, imagens de arquivo e cenas dos filmes que cada uma daquelas ex-estrelas mirins participaram, criou uma dinâmica muito interessante que nos prende aos assuntos abordados e quando nos damos conta, o filme já acabou, nos deixando um certo aperto no coração e uma reflexão bastante importante, principalmente para aqueles que tem filhos!
O documentário expõe os altos e baixos de ser uma estrela mirim em Hollywood, mostrando como uma carreira na indústria do entretenimento com tão pouca idade pode cobrar um preço caro e afetar profundamente o psicológico e o futuro dessas crianças. São entrevistas com atores conhecidos por seus trabalhos na infância, como Henry Thomas, Evan Rachel Wood, Wil Wheaton, Cameron Boyce e Milla Jovovich. Além disso, o filme trás uma referência quase antropológica ao mostrar Baby Peggy, a primeira grande estrela mirim americana, além de acompanhar a jornada de dois jovens (e suas mães, claro) que estão buscando um lugar de destaque no "showbiz". Confira o trailer:
O mais bacana de "Showbiz Kids" é que o diretor foi capaz de encontrar vários perfis de atores que foram referências quando crianças, desde aquele que gostou da experiência até aquele se sentiu forçado pelos pais para estar ali. O interessante, inclusive, é que entre as duas pontas existem vários temas bastante espinhosos que fizeram parte da vida de todos, como: abuso sexual, pedofilia, drogas, ganância ou até os reflexos da pressão e insegurança daquela linha tênue entre sucesso e fracasso, natural da profissão, mas que para uma criança é de uma crueldade inimaginável (irresponsável, eu diria) - reparem nas mães das duas crianças que ainda não alcançaram a fama e entendam a postura opressora que é imposta à elas mesmo com uma certa fantasia de liberdade de escolha! Complicado!
"Showbiz Kids" é, sem dúvida, um dos melhores documentários de 2020 e certamente estará presente na temporada de premiações. Dito isso, não perca tempo, dê o play e saiba que são esses exemplos que nos fazem refletir sobre a educação que daremos aos nossos filhos!
"Sly", documentário da Netflix sobre Sylvester Stallone, é muito mais que uma retrospectiva sobre a vida do ator, diretor, roteirista e produtor; é uma reflexão profunda sobre os impactos do "abandono". Embora o diretor Thom Zimny (do premiado "Springsteen on Broadway") tente construir uma linha temporal organizada e equilibrada que cubra os altos e baixos de sua carreira, especialmente com franquias como "Rocky" e "Rambo", é na humanização do protagonista que o roteiro ganha alma - alguns depoimentos sinceros de "Sly" são de cortar o coração, mas a forma como ele próprio transforma seus fantasmas mais íntimos em resiliência, dedicação, auto-conhecimento, reflexões existenciais; e como tudo isso funciona como gatilho criativo para as histórias de seus filmes e personagens, sem dúvida, é o que vai te fazer olhar por uma outra perspectivas para alguns trabalhos do ator.
A prolífica carreira de quase cinquenta anos de Sylvester Stallone, que já entreteve milhões, é vista em retrospectiva num olhar íntimo do ator, fazendo um paralelo com sua inspiradora história de vida entre sua infância humilde até seu status de estrela de cinema internacional. Confira o trailer (em inglês):
O documentário embora siga uma estrutura narrativa convencional, sem intervenções gráficas ou encenações, se destaca pela sensibilidade pela qual diversos temas são retratados. Com uma montagem primorosa do próprio Zimny, entrevistas exclusivas com o Stallone de hoje são recortadas com uma seleção cuidadosa de depoimentos do ator no passado e de algumas pessoas próximas a ele - o que proporciona uma profundidade emocional impressionante. Aqui cito três figuras que realmente dão a exata dimensão da jornada pessoal e profissional de Sly - seu irmão Frank Stallone Jr, o amigo de longa data, Arnold Schwarzenegger e um estudioso Quentin Tarantino.
Em um primeiro olhar, a maneira como Stallone compartilha suas experiências e reflexões, muitas vezes pessoais e tocantes, revela um lado mais vulnerável do ator, o que é raramente visto na mídia convencional. O drama de sua relação conflituosa com seu pai Frank Stallone Sr. e a passagem sobre a morte de seu filho, Sage, são especialmente dolorosos. E aqui a direção de Thom Zimny se torna ainda mais notável - sua capacidade de mergulhar na jornada de Stallone com um estilo cinematográfico mais sensível ao mesmo tempo que muito respeitoso, é essencial para que certos tabus venham à tona sem uma desnecessária carga dramática sensacionalista. A fotografia deslumbrante e cuidadosamente elaborada pelo Justin Kane (de "Let There Be Drums!") acrescenta camadas à narrativa, criando uma experiência visualmente envolvente e extremamente alinhada com o tom que Zimny escolheu parta retratar um ser humano único, e uma celebridade ainda mais especial.
"Sly", de fato, nos permite conhecer o homem por trás de Rocky Balboa ou de John Rambo - sua disponibilidade, mesmo que deixe um certo ar de melancolia, é reveladora e apaixonante. Sua sinceridade e autenticidade contribuem para uma conexão imediata entre a audiência e a história. Claro que o documentário foge das polêmicas, preferindo uma espécie de celebração da resiliência, da determinação e da paixão de Sylvester Stallone pelo cinema. No entanto, fica o convite para ir além de uma análise superficial sobre um cara que se confunde com seus personagens propositalmente, um cara lutador que sempre consegue aguentar um pouco mais, que prefere falar dos filmes que foram sucesso na sua carreira e não gastar sua energia com seus fracassos, um cara que é unanimidade, mas que sofreu duros golpes até alcançar esse status.
Vale muito o seu play!
"Sly", documentário da Netflix sobre Sylvester Stallone, é muito mais que uma retrospectiva sobre a vida do ator, diretor, roteirista e produtor; é uma reflexão profunda sobre os impactos do "abandono". Embora o diretor Thom Zimny (do premiado "Springsteen on Broadway") tente construir uma linha temporal organizada e equilibrada que cubra os altos e baixos de sua carreira, especialmente com franquias como "Rocky" e "Rambo", é na humanização do protagonista que o roteiro ganha alma - alguns depoimentos sinceros de "Sly" são de cortar o coração, mas a forma como ele próprio transforma seus fantasmas mais íntimos em resiliência, dedicação, auto-conhecimento, reflexões existenciais; e como tudo isso funciona como gatilho criativo para as histórias de seus filmes e personagens, sem dúvida, é o que vai te fazer olhar por uma outra perspectivas para alguns trabalhos do ator.
A prolífica carreira de quase cinquenta anos de Sylvester Stallone, que já entreteve milhões, é vista em retrospectiva num olhar íntimo do ator, fazendo um paralelo com sua inspiradora história de vida entre sua infância humilde até seu status de estrela de cinema internacional. Confira o trailer (em inglês):
O documentário embora siga uma estrutura narrativa convencional, sem intervenções gráficas ou encenações, se destaca pela sensibilidade pela qual diversos temas são retratados. Com uma montagem primorosa do próprio Zimny, entrevistas exclusivas com o Stallone de hoje são recortadas com uma seleção cuidadosa de depoimentos do ator no passado e de algumas pessoas próximas a ele - o que proporciona uma profundidade emocional impressionante. Aqui cito três figuras que realmente dão a exata dimensão da jornada pessoal e profissional de Sly - seu irmão Frank Stallone Jr, o amigo de longa data, Arnold Schwarzenegger e um estudioso Quentin Tarantino.
Em um primeiro olhar, a maneira como Stallone compartilha suas experiências e reflexões, muitas vezes pessoais e tocantes, revela um lado mais vulnerável do ator, o que é raramente visto na mídia convencional. O drama de sua relação conflituosa com seu pai Frank Stallone Sr. e a passagem sobre a morte de seu filho, Sage, são especialmente dolorosos. E aqui a direção de Thom Zimny se torna ainda mais notável - sua capacidade de mergulhar na jornada de Stallone com um estilo cinematográfico mais sensível ao mesmo tempo que muito respeitoso, é essencial para que certos tabus venham à tona sem uma desnecessária carga dramática sensacionalista. A fotografia deslumbrante e cuidadosamente elaborada pelo Justin Kane (de "Let There Be Drums!") acrescenta camadas à narrativa, criando uma experiência visualmente envolvente e extremamente alinhada com o tom que Zimny escolheu parta retratar um ser humano único, e uma celebridade ainda mais especial.
"Sly", de fato, nos permite conhecer o homem por trás de Rocky Balboa ou de John Rambo - sua disponibilidade, mesmo que deixe um certo ar de melancolia, é reveladora e apaixonante. Sua sinceridade e autenticidade contribuem para uma conexão imediata entre a audiência e a história. Claro que o documentário foge das polêmicas, preferindo uma espécie de celebração da resiliência, da determinação e da paixão de Sylvester Stallone pelo cinema. No entanto, fica o convite para ir além de uma análise superficial sobre um cara que se confunde com seus personagens propositalmente, um cara lutador que sempre consegue aguentar um pouco mais, que prefere falar dos filmes que foram sucesso na sua carreira e não gastar sua energia com seus fracassos, um cara que é unanimidade, mas que sofreu duros golpes até alcançar esse status.
Vale muito o seu play!