"O Verão de Sangaile" é quase um filme conceitual. Seu caráter independente, extremamente autoral e preocupado com o impacto estético transforma sua narrativa, quase sem diálogos, em um filme que parece não decolar (desculpe o trocadilho). Apenas parece, pois essa premiada produção lituana é cercada de sensibilidade e traz discussões pertinentes ao universo das protagonistas - de uma forma bem particular, claro, mas não menos inteligente ou profunda que outros filmes com a mesma temática - como "Duck Butter", por exemplo.
A jovem Sangaile (Julija Steponaitytė), de 17 anos, é fascinada por aviões de acrobacia. Ela conhece Auste (Aistė Diržiūtė), uma garota de sua idade, durante um show de aeronáutica no verão. Sangaile permite que a nova amiga descubra seus mais íntimos segredos e no meio do caminho cresce um amor adolescente - é aí que Auste acaba se tornando a única pessoa que realmente incentiva Sangaile a enfrentar seus medos e dramas pessoais. Confira o trailer em inglês:
Embora tenha uma identidade pouco comercial, "O Verão de Sangaile" impressiona pela fotografia e genialidade de Dominique Colin (O Fabuloso Destino de Amélie Poulain) que aproveita dos belíssimos cenários e de uma direção de arte afinadíssima para potencializar o trabalho da diretora Alante Kavaite como realizadora - ela imprime uma dinâmica bastante sutil, apostando no excelente trabalho de Julija Steponaitytė e de Aistė Diržiūtė, com muita coragem já que assume o risco de trocar o que é falado pelo o que é sentido! Certamente essa escolha pode afastar quem busca uma narrativa mais convencional, mas o fato é que Kavaite aproveita de cenas plasticamente bem executadas para provocar sentimentos e sensações ora acolhedoras, ora desconfortáveis - e aqui cabe uma observação: mesmo partindo de um mesmo plot de "La vie d'Adèle" (Azul é a cor mais quente), em nenhum momento nos sentimos incomodados ou chocados; todas as cenas são de muito bom gosto.
É interessante perceber que Sangailé, mesmo sofrendo por uma certa inadequação com o mundo em que vive, graças ao distanciamento quase mórbido que tem com sua família (especialmente com sua mãe) e sua solitária fascinação pelas apresentações de voos acrobáticos, é na vertigem que todos os pontos se unem - aquela expressa pela realidade cotidiana da adolescente e na metáfora que acompanha algumas passagens marcantes, como a necessidade de se auto-mutilar para se sentir viva. Reparem, são camadas sensíveis, mas muito bem desenvolvidas com uma relação artística interessante para aqueles dispostos a mergulhar na psiquê da protagonista.
"O Verão de Sangaile" fala sobre o vazio existencial, depressão, suicídio, amor, descobertas e sonhos, mas definitivamente de uma forma que apenas um público bem particular, alternativo e orientado para descobertas narrativas menos convencionais, vai gostar - é isso que o filme entrega e essa é a razão do seu sucesso nos vários festivais que participou pelo mundo. Vale dizer que Alante Kavaite venceu como melhor diretora em Sundance em 2015 e o filme foi indicado ao prêmio máximo do Festival.
Vale a pena, com certa identificação pela proposta artística!
"O Verão de Sangaile" é quase um filme conceitual. Seu caráter independente, extremamente autoral e preocupado com o impacto estético transforma sua narrativa, quase sem diálogos, em um filme que parece não decolar (desculpe o trocadilho). Apenas parece, pois essa premiada produção lituana é cercada de sensibilidade e traz discussões pertinentes ao universo das protagonistas - de uma forma bem particular, claro, mas não menos inteligente ou profunda que outros filmes com a mesma temática - como "Duck Butter", por exemplo.
A jovem Sangaile (Julija Steponaitytė), de 17 anos, é fascinada por aviões de acrobacia. Ela conhece Auste (Aistė Diržiūtė), uma garota de sua idade, durante um show de aeronáutica no verão. Sangaile permite que a nova amiga descubra seus mais íntimos segredos e no meio do caminho cresce um amor adolescente - é aí que Auste acaba se tornando a única pessoa que realmente incentiva Sangaile a enfrentar seus medos e dramas pessoais. Confira o trailer em inglês:
Embora tenha uma identidade pouco comercial, "O Verão de Sangaile" impressiona pela fotografia e genialidade de Dominique Colin (O Fabuloso Destino de Amélie Poulain) que aproveita dos belíssimos cenários e de uma direção de arte afinadíssima para potencializar o trabalho da diretora Alante Kavaite como realizadora - ela imprime uma dinâmica bastante sutil, apostando no excelente trabalho de Julija Steponaitytė e de Aistė Diržiūtė, com muita coragem já que assume o risco de trocar o que é falado pelo o que é sentido! Certamente essa escolha pode afastar quem busca uma narrativa mais convencional, mas o fato é que Kavaite aproveita de cenas plasticamente bem executadas para provocar sentimentos e sensações ora acolhedoras, ora desconfortáveis - e aqui cabe uma observação: mesmo partindo de um mesmo plot de "La vie d'Adèle" (Azul é a cor mais quente), em nenhum momento nos sentimos incomodados ou chocados; todas as cenas são de muito bom gosto.
É interessante perceber que Sangailé, mesmo sofrendo por uma certa inadequação com o mundo em que vive, graças ao distanciamento quase mórbido que tem com sua família (especialmente com sua mãe) e sua solitária fascinação pelas apresentações de voos acrobáticos, é na vertigem que todos os pontos se unem - aquela expressa pela realidade cotidiana da adolescente e na metáfora que acompanha algumas passagens marcantes, como a necessidade de se auto-mutilar para se sentir viva. Reparem, são camadas sensíveis, mas muito bem desenvolvidas com uma relação artística interessante para aqueles dispostos a mergulhar na psiquê da protagonista.
"O Verão de Sangaile" fala sobre o vazio existencial, depressão, suicídio, amor, descobertas e sonhos, mas definitivamente de uma forma que apenas um público bem particular, alternativo e orientado para descobertas narrativas menos convencionais, vai gostar - é isso que o filme entrega e essa é a razão do seu sucesso nos vários festivais que participou pelo mundo. Vale dizer que Alante Kavaite venceu como melhor diretora em Sundance em 2015 e o filme foi indicado ao prêmio máximo do Festival.
Vale a pena, com certa identificação pela proposta artística!
Ninguém sabe captar a solidão, o vazio existencial ou a dor da alma como Sofia Coppola, mesmo que tudo isso seja fruto das neuras de um personagem. "On The Rocks", recém lançado filme da Diretora para o AppleTV+, trás o melhor de "Encontros e Desencontros" (ou "Lost in Translation") e "Somewhere" em um terreno onde Coppola domina: a sensibilidade de retratar as relações! Mais uma vez encontramos um texto completamente alinhado com o forma como o filme se apresenta na tela, com uma fotografia linda, uma trilha sonora belíssima e, claro, com o cenário (no caso Nova York) moldando a história, quase como um personagem - ela já fez a mesma coisa com Tóquio e Los Angeles!
Em "On The Rocks", Laura (Rashida Jones) é uma mulher ocupada, que cuida das duas filhas enquanto o marido trabalha. No momento em que ela enfrenta um terrível bloqueio criativo e tenta se readaptar a uma rotina para escrever um livro, seu marido, Dean (Marlon Wayans), vive um período mágico na sua vida profissional, colhendo os frutos de sua dedicação na empresa que criou do zero. Graças a isso, Dean precisa viajar muito e alguns mal-entendidos acabam colocando uma pulga atrás da orelha de Laura - ela acredita que ele pode estar tendo um caso extraconjugal com sua bela assistente Fiona (Jessica Henwick). Com o objetivo de descobrir a verdade, ela se une com seu pai, Felix (Bill Murray), um típico bon vivantnova iorquino apaixonado pela filha. Eles passam a seguir Dean, se colocando em situações extremamente constrangedoras, mas que acaba permitindo que ambos tenham mais tempo juntos para discutir alguns assuntos que, de alguma forma, prejudicaram a relação ente eles. Confira o trailer:
Talvez "On The Rocks" seja o filme mais leve que Sofia Coppola já dirigiu, sugerindo, inclusive, uma "quase" postura de auto-análise - veja, Laura é casada há quase tanto tempo quanto Coppola; elas têm o mesmo número de filhos, ela vem de uma família rica e com um pai famoso e carismático. Porém mais interessante que essas "coincidências", são as "neuras" que as escolhas de vida pode provocar em nós e, certamente, Coppola precisou lidar com muitas delas em vários momentos e talvez por isso ela seja capaz de entregar um filme tão humano, com alma! Antes do play, saiba que se trata de mais um filme de uma diretora que tem uma identidade e defende seu conceito narrativo e estético com unhas e dentes, ou seja, se você não se relacionou com suas obras anteriores, fuja; porém se o contrário for verdadeiro, prepare-se para 1:40 de um filme delicioso de assistir!
Ninguém sabe captar a solidão, o vazio existencial ou a dor da alma como Sofia Coppola, mesmo que tudo isso seja fruto das neuras de um personagem. "On The Rocks", recém lançado filme da Diretora para o AppleTV+, trás o melhor de "Encontros e Desencontros" (ou "Lost in Translation") e "Somewhere" em um terreno onde Coppola domina: a sensibilidade de retratar as relações! Mais uma vez encontramos um texto completamente alinhado com o forma como o filme se apresenta na tela, com uma fotografia linda, uma trilha sonora belíssima e, claro, com o cenário (no caso Nova York) moldando a história, quase como um personagem - ela já fez a mesma coisa com Tóquio e Los Angeles!
Em "On The Rocks", Laura (Rashida Jones) é uma mulher ocupada, que cuida das duas filhas enquanto o marido trabalha. No momento em que ela enfrenta um terrível bloqueio criativo e tenta se readaptar a uma rotina para escrever um livro, seu marido, Dean (Marlon Wayans), vive um período mágico na sua vida profissional, colhendo os frutos de sua dedicação na empresa que criou do zero. Graças a isso, Dean precisa viajar muito e alguns mal-entendidos acabam colocando uma pulga atrás da orelha de Laura - ela acredita que ele pode estar tendo um caso extraconjugal com sua bela assistente Fiona (Jessica Henwick). Com o objetivo de descobrir a verdade, ela se une com seu pai, Felix (Bill Murray), um típico bon vivantnova iorquino apaixonado pela filha. Eles passam a seguir Dean, se colocando em situações extremamente constrangedoras, mas que acaba permitindo que ambos tenham mais tempo juntos para discutir alguns assuntos que, de alguma forma, prejudicaram a relação ente eles. Confira o trailer:
Talvez "On The Rocks" seja o filme mais leve que Sofia Coppola já dirigiu, sugerindo, inclusive, uma "quase" postura de auto-análise - veja, Laura é casada há quase tanto tempo quanto Coppola; elas têm o mesmo número de filhos, ela vem de uma família rica e com um pai famoso e carismático. Porém mais interessante que essas "coincidências", são as "neuras" que as escolhas de vida pode provocar em nós e, certamente, Coppola precisou lidar com muitas delas em vários momentos e talvez por isso ela seja capaz de entregar um filme tão humano, com alma! Antes do play, saiba que se trata de mais um filme de uma diretora que tem uma identidade e defende seu conceito narrativo e estético com unhas e dentes, ou seja, se você não se relacionou com suas obras anteriores, fuja; porém se o contrário for verdadeiro, prepare-se para 1:40 de um filme delicioso de assistir!
"Os olhos de Tammy Faye" merecia mais - merecia uma minissérie! Não que o filme seja ruim, muito pelo contrário, achei muito bom (não genial), mas a história, essa sim, é impressionante! Obviamente que o limite de 120 minutos prejudica a experiência, os saltos temporais são inevitáveis quando você quer cobrir um recorte muito maior do que um roteiro de longa-metragem permite e é aí que o filme perde força. Passagens muito interessantes e curiosas da jornada de Tammy Faye e de seu marido, Jim Bakker, precisaram ficar de fora da montagem final e a sensação de urgência para que os pontos-chaves sejam expostos e a história faça sentido, atrapalha muito - uma pena!
O filme é baseado na história da maior apresentadora gospel da TV norte-americana de todos os tempos, a lendária Tammy Faye Bakker (Jessica Chastain). "Os olhos de Tammy Faye" acompanha a ascensão e queda da televangelista e de seu marido, Jim Bakker (Andrew Garfield) nas décadas de 1970 e 1980. Os dois vieram de origens humildes e conseguiram criar a maior rede de radiodifusão religiosa do mundo, alcançando respeito e reverência por sua mensagem de amor, aceitação e prosperidade. Tammy Faye era reconhecida por sua beleza extravagante, seus olhos e maquiagem bem marcados, sua forma singular de cantar e seu jeito empático com as pessoas. No entanto, os escândalos e seus rivais procuraram alguma forma de derrubar seu império... e conseguiram! Confira o trailer:
Em um primeiro momento, "Os olhos de Tammy Faye" me lembrou "Joy", quando na verdade o filme dirigido pelo Michael Showalter (de "The Dropout") é muito mais parecido (dadas suas devidas diferenças históricas) com o excelente documentário da Prime Vídeo "As Faces da Marca". Quando o roteiro escrito pelo trio improvável, mas de certa forma até coerente para o projeto, formado pelos multi-premiados Fenton Bailey e Randy Barbato da franquia "Drag RuPaul's" (e que já haviam escrito um documentário sobre a personagem) e Abe Sylvia de "The Affair", prioriza a estrutura "origem-ascensão-declínio-ressurgimento" temos a exata impressão que a preocupação do filme está muito mais em atenuar a parte problemática da protagonista e evidenciar as suas virtudes do que expor uma realidade (seja ela qual for) que condene suas falhas de caráter.
Obviamente que nos conectamos com Tammy Fay imediatamente, e eu diria que até certo ponto, com Jim Bakker também - e por isso a comparação com DeAnne Brady e Mark Stidham da LuLaRoe. Jessica Chastain e Andrew Garfield têm muitos méritos nisso e mesmo com toda inconsistência do roteiro, conseguem construir uma ligação emocional interessante para a narrativa, que nos ajuda a projetar certa verossimilhança - apesar dos personagens, principalmente Fay, serem extremamente caricatos. O fato é que assim que os crédito sobem temos duas certezas: Chastain mereceu o Oscar de melhor atriz pelo papel e Garfield provavelmente também seria indicado, não fosse sua incrível performance em "Tick, Tick... Boom!".
Embora me incomode que a transição daquele pequeno sucesso em uma TV local que se transforma em um verdadeiro império aconteça repentinamente (e sem parecer custar qualquer esforço), fica muito difícil não considerar que o problema está mais no formato do que no roteiro. Saiba que depois do play, você estará de frente com uma história poderosa e com uma personagem única, que está apoiada em uma narrativa apenas superficial, mas que nos momentos em que se permite ir além, é possível entender o tamanho do potencial do filme. Por isso "Os olhos de Tammy Faye" pode soar mais como um entretenimento do que como um convite para a reflexão ou até para julgamentos que gerem alguma discussão sobre moralidade, hipocrisia, identidade e até sobre o papel da religião como negócio, mas tudo está ali, mesmo que escondido.
Vale o seu play? Claro, mas vai ficar um gostinho de "quero mais"!
"Os olhos de Tammy Faye" merecia mais - merecia uma minissérie! Não que o filme seja ruim, muito pelo contrário, achei muito bom (não genial), mas a história, essa sim, é impressionante! Obviamente que o limite de 120 minutos prejudica a experiência, os saltos temporais são inevitáveis quando você quer cobrir um recorte muito maior do que um roteiro de longa-metragem permite e é aí que o filme perde força. Passagens muito interessantes e curiosas da jornada de Tammy Faye e de seu marido, Jim Bakker, precisaram ficar de fora da montagem final e a sensação de urgência para que os pontos-chaves sejam expostos e a história faça sentido, atrapalha muito - uma pena!
O filme é baseado na história da maior apresentadora gospel da TV norte-americana de todos os tempos, a lendária Tammy Faye Bakker (Jessica Chastain). "Os olhos de Tammy Faye" acompanha a ascensão e queda da televangelista e de seu marido, Jim Bakker (Andrew Garfield) nas décadas de 1970 e 1980. Os dois vieram de origens humildes e conseguiram criar a maior rede de radiodifusão religiosa do mundo, alcançando respeito e reverência por sua mensagem de amor, aceitação e prosperidade. Tammy Faye era reconhecida por sua beleza extravagante, seus olhos e maquiagem bem marcados, sua forma singular de cantar e seu jeito empático com as pessoas. No entanto, os escândalos e seus rivais procuraram alguma forma de derrubar seu império... e conseguiram! Confira o trailer:
Em um primeiro momento, "Os olhos de Tammy Faye" me lembrou "Joy", quando na verdade o filme dirigido pelo Michael Showalter (de "The Dropout") é muito mais parecido (dadas suas devidas diferenças históricas) com o excelente documentário da Prime Vídeo "As Faces da Marca". Quando o roteiro escrito pelo trio improvável, mas de certa forma até coerente para o projeto, formado pelos multi-premiados Fenton Bailey e Randy Barbato da franquia "Drag RuPaul's" (e que já haviam escrito um documentário sobre a personagem) e Abe Sylvia de "The Affair", prioriza a estrutura "origem-ascensão-declínio-ressurgimento" temos a exata impressão que a preocupação do filme está muito mais em atenuar a parte problemática da protagonista e evidenciar as suas virtudes do que expor uma realidade (seja ela qual for) que condene suas falhas de caráter.
Obviamente que nos conectamos com Tammy Fay imediatamente, e eu diria que até certo ponto, com Jim Bakker também - e por isso a comparação com DeAnne Brady e Mark Stidham da LuLaRoe. Jessica Chastain e Andrew Garfield têm muitos méritos nisso e mesmo com toda inconsistência do roteiro, conseguem construir uma ligação emocional interessante para a narrativa, que nos ajuda a projetar certa verossimilhança - apesar dos personagens, principalmente Fay, serem extremamente caricatos. O fato é que assim que os crédito sobem temos duas certezas: Chastain mereceu o Oscar de melhor atriz pelo papel e Garfield provavelmente também seria indicado, não fosse sua incrível performance em "Tick, Tick... Boom!".
Embora me incomode que a transição daquele pequeno sucesso em uma TV local que se transforma em um verdadeiro império aconteça repentinamente (e sem parecer custar qualquer esforço), fica muito difícil não considerar que o problema está mais no formato do que no roteiro. Saiba que depois do play, você estará de frente com uma história poderosa e com uma personagem única, que está apoiada em uma narrativa apenas superficial, mas que nos momentos em que se permite ir além, é possível entender o tamanho do potencial do filme. Por isso "Os olhos de Tammy Faye" pode soar mais como um entretenimento do que como um convite para a reflexão ou até para julgamentos que gerem alguma discussão sobre moralidade, hipocrisia, identidade e até sobre o papel da religião como negócio, mas tudo está ali, mesmo que escondido.
Vale o seu play? Claro, mas vai ficar um gostinho de "quero mais"!
"Pam & Tommy" é um retrato do que viria a ser o mundo das subcelebridades alguns anos depois, embora a sua própria história já seja o suficiente para entender o tamanho da hipocrisia que a sociedade custa em esconder ao mesmo tempo em que a exposição é seu maior ativo - e aqui é impossível não julgar alguns dos personagens da minissérie pelo simples fato de que sabemos exatamente o que aconteceu depois. Claro que é preciso colocar na balança o contexto da época, alguma ingenuidade (será?) e o impacto que aquele sex-tape teve devido o inicio da internet, mas também não se pode esquecer que do outro lado da tela estavam personagens controversos, com seus defeitos e qualidades - e é isso que a trama tenta nos mostrar: a história que não conhecemos!
Baseada em uma história real, "Pam & Tommy" segue o turbulento relacionamento de Pamela Anderson (Lily James), atriz conhecida por seu trabalho na série Baywatch e já um sex-symbol, com Tommy Lee (Sebastian Stan), baterista da decadente banda Mötley Crüe. Em 1996, o casal estampou tablóides do mundo inteiro com um vídeo de sua lua de mel que acabou roubada e distribuída para o público pelo ex-ator pornô Michael Morrison (Nick Offerman) e seu amigo Rand Gauthier (Seth Rogen). Confira o trailer:
Inicialmente "Pam & Tommy" usa de um tom mais descontraído, para não dizer pastelão, para estabelecer a personalidade de todos os personagens masculinos da história - essa escolha conceitual impacta diretamente na performance dos atores e mesmo com o over-acting muito presente, tanto Seth Rogen quanto Sebastian Stan vão bem. Quando as dores e fantasmas de Pamela Anderson começam a ganhar mais destaque após o terceiro episódio, o tom muda um pouquinho e Lily James brilha demais - o problema é que de um lado temos o espalhafatoso e do outro um mergulho profundo na alma feminina. Em muitos momentos o choque dessas duas linhas não se conversam e parece que a minissérie perde sua identidade ou, pior, busca o caminho mais fácil para tentar alcançar seus objetivos.
Veja, "Pam & Tommy"é, narrativamente, muito eficiente e tem uma produção com estilo, cuidadosa e muito bem concebida. O ótimo elenco e boas direções justificam os elogios que recebeu, minha critica é que falta unidade conceitual - um problema quando se tem vários diretores em um mesmo projeto. Os episódios funcionam perfeitamente quando pensado individualmente, mas como conjunto da obra, oscila. Essa dinâmica acaba tornando a narrativa maniqueísta demais com Tommy representando o inferno e Pam o angelical, quando na verdade eles são muito mais do que isso. Essa unidimensionalidade não deixa irmos além na experiência - a audiência que Pamela Anderson precisou passar em seu processo contra a Penthouse é um bom exemplo: poxa, ela sofre, escuta o que pior uma mulher pode escutar e logo depois diz para a senhora que vai limpar a sala de reunião "Desculpe pela bagunça que fizemos”"; não dá!
Após 8 episódios, o sentimento é que "Pam & Tommy" é um ótimo entretenimento, muito bacana de assistir, mas poderia ter sido um pouco mais corajosa e menos preocupada em estereotipar seus personagens - é nesse momento que conceitos narrativos interferem na nossa experiência. Vai funcionar mais para alguns do que para outros e acho que, sinceramente, vale muito o seu play; só não dá para carimbar a obra como algo excepcional.
Boa para maratonar, para reviver uma época especial para muitos e para curtir uma trilha sonora sensacional!
"Pam & Tommy" é um retrato do que viria a ser o mundo das subcelebridades alguns anos depois, embora a sua própria história já seja o suficiente para entender o tamanho da hipocrisia que a sociedade custa em esconder ao mesmo tempo em que a exposição é seu maior ativo - e aqui é impossível não julgar alguns dos personagens da minissérie pelo simples fato de que sabemos exatamente o que aconteceu depois. Claro que é preciso colocar na balança o contexto da época, alguma ingenuidade (será?) e o impacto que aquele sex-tape teve devido o inicio da internet, mas também não se pode esquecer que do outro lado da tela estavam personagens controversos, com seus defeitos e qualidades - e é isso que a trama tenta nos mostrar: a história que não conhecemos!
Baseada em uma história real, "Pam & Tommy" segue o turbulento relacionamento de Pamela Anderson (Lily James), atriz conhecida por seu trabalho na série Baywatch e já um sex-symbol, com Tommy Lee (Sebastian Stan), baterista da decadente banda Mötley Crüe. Em 1996, o casal estampou tablóides do mundo inteiro com um vídeo de sua lua de mel que acabou roubada e distribuída para o público pelo ex-ator pornô Michael Morrison (Nick Offerman) e seu amigo Rand Gauthier (Seth Rogen). Confira o trailer:
Inicialmente "Pam & Tommy" usa de um tom mais descontraído, para não dizer pastelão, para estabelecer a personalidade de todos os personagens masculinos da história - essa escolha conceitual impacta diretamente na performance dos atores e mesmo com o over-acting muito presente, tanto Seth Rogen quanto Sebastian Stan vão bem. Quando as dores e fantasmas de Pamela Anderson começam a ganhar mais destaque após o terceiro episódio, o tom muda um pouquinho e Lily James brilha demais - o problema é que de um lado temos o espalhafatoso e do outro um mergulho profundo na alma feminina. Em muitos momentos o choque dessas duas linhas não se conversam e parece que a minissérie perde sua identidade ou, pior, busca o caminho mais fácil para tentar alcançar seus objetivos.
Veja, "Pam & Tommy"é, narrativamente, muito eficiente e tem uma produção com estilo, cuidadosa e muito bem concebida. O ótimo elenco e boas direções justificam os elogios que recebeu, minha critica é que falta unidade conceitual - um problema quando se tem vários diretores em um mesmo projeto. Os episódios funcionam perfeitamente quando pensado individualmente, mas como conjunto da obra, oscila. Essa dinâmica acaba tornando a narrativa maniqueísta demais com Tommy representando o inferno e Pam o angelical, quando na verdade eles são muito mais do que isso. Essa unidimensionalidade não deixa irmos além na experiência - a audiência que Pamela Anderson precisou passar em seu processo contra a Penthouse é um bom exemplo: poxa, ela sofre, escuta o que pior uma mulher pode escutar e logo depois diz para a senhora que vai limpar a sala de reunião "Desculpe pela bagunça que fizemos”"; não dá!
Após 8 episódios, o sentimento é que "Pam & Tommy" é um ótimo entretenimento, muito bacana de assistir, mas poderia ter sido um pouco mais corajosa e menos preocupada em estereotipar seus personagens - é nesse momento que conceitos narrativos interferem na nossa experiência. Vai funcionar mais para alguns do que para outros e acho que, sinceramente, vale muito o seu play; só não dá para carimbar a obra como algo excepcional.
Boa para maratonar, para reviver uma época especial para muitos e para curtir uma trilha sonora sensacional!
É inegável a fragilidade do documentário da Netflix, "Pamela Anderson - Uma História de Amor". Por outro lado, com um pouco menos de olhar crítico, é perceptível seu magnetismo, onde, ao final de quase 120 minutos de filme, vemos o reflexo de uma mulher em busca de redenção sem ao menos se dar conta que seus maiores fantasmas apontam justamente para suas próprias escolhas - escolhas essas que a protagonista faz questão de dizer não se arrepender de ter feito, diga-se de passagem. A história é bem interessante (dolorida para ela) e a personagem é de fato marcante (se você tem mais que 40 anos vai saber do que estou falando), mas nem a soma desses dois elementos essenciais para uma boa narrativa, chega a nos provocar mais do que 20 minutos de empatia - embora o esforço para isso seja tremendo!
"Pamela, A Love Story" (no original) não é um documentário ruim, longe disso, mas talvez a forma como alguns assuntos foram abordados possa dar essa impressão errada. A história de vida que retrata a ascensão à fama e uma quebra de privacidade marcante, de uma vida pessoal turbulenta, bem como seu casamento com Tommy Lee, sua sex tape vazada, os fracassos como atriz e ainda sua ambígua relação com a mídia, fazem do documentário uma curiosa jornada pela intimidade da mulher, Pamela Anderson. Confira o trailer (em inglês):
Se pegarmos o documentário da HBO, "Tina", e compararmos com "Pamela Anderson - Uma História de Amor", encontramos inúmeras semelhanças narrativas - na forma e no conteúdo. O diferencial, e aí já é preciso uma certa reflexão, diz respeito ao que cada uma das personagens representou para sua arte. Obviamente que a comparação é mais teórica do que prática (eu diria até injusta), mas o enredo, repare, aponta para as mesmas lacunas emocionais: uma infância dura, sem muita referência afetiva, relacionamentos tóxicos por todos os lados, fracassos, sucessos, muito sensacionalismo e, claro, uma busca pelo auto-perdão. Indo um pouco mais longe, ambos documentários têm um importante e cruel fio condutor: o amor (ou a falta que ele faz).
O diretor Ryan White (do excelente "Boa Noite Oppy") usa e abusa dos depoimentos de Pamela para construir a imagem de uma mulher frágil, em certos momentos até infantil, o que de alguma forma (para quem conhece um pouco mais da vida da atriz) soa hipocrisia. Ela mesmo tenta se desvencilhar da imagem de vítima, mas com as narrações em off de passagens escritas por ela em seu diário, fica mais difícil. No entanto, uma característica nos chama atenção: a capacidade que Pamela Anderson tem de rir de si mesma é impressionante - e sempre foi assim. É perceptível seu constrangimento ao enfrentar as piadas mais infames e machistas dos Late Show's dos anos 80/90, mas ela se sai bem - já atualmente, quando em uma situação realmente mais desconfortável, ela simplesmente sai de cena.
Para quem assistiu a ótima minissérie do Star+ (no caso, do Hulu), "Pam & Tommy", e gostou; "Pamela Anderson - Uma História de Amor" é quase um complemento obrigatório que possibilita um mergulho mais profundo e real na intimidade de Anderson. A construção apoteótica do mito vs. a mulher que só queria uma família ao lado do amor de sua vida, está ali; o que nos resta é entender se seu ponto de vista, de fato, condiz com uma realidade que ela mesmo semeou, plantou e colheu - difícil dizer, mas o exercício, ao assistir o filme, é dos melhores. Ah, e não deixe de ver os créditos, ele conecta muitos pontos - vai por mim!
Vale seu play!
É inegável a fragilidade do documentário da Netflix, "Pamela Anderson - Uma História de Amor". Por outro lado, com um pouco menos de olhar crítico, é perceptível seu magnetismo, onde, ao final de quase 120 minutos de filme, vemos o reflexo de uma mulher em busca de redenção sem ao menos se dar conta que seus maiores fantasmas apontam justamente para suas próprias escolhas - escolhas essas que a protagonista faz questão de dizer não se arrepender de ter feito, diga-se de passagem. A história é bem interessante (dolorida para ela) e a personagem é de fato marcante (se você tem mais que 40 anos vai saber do que estou falando), mas nem a soma desses dois elementos essenciais para uma boa narrativa, chega a nos provocar mais do que 20 minutos de empatia - embora o esforço para isso seja tremendo!
"Pamela, A Love Story" (no original) não é um documentário ruim, longe disso, mas talvez a forma como alguns assuntos foram abordados possa dar essa impressão errada. A história de vida que retrata a ascensão à fama e uma quebra de privacidade marcante, de uma vida pessoal turbulenta, bem como seu casamento com Tommy Lee, sua sex tape vazada, os fracassos como atriz e ainda sua ambígua relação com a mídia, fazem do documentário uma curiosa jornada pela intimidade da mulher, Pamela Anderson. Confira o trailer (em inglês):
Se pegarmos o documentário da HBO, "Tina", e compararmos com "Pamela Anderson - Uma História de Amor", encontramos inúmeras semelhanças narrativas - na forma e no conteúdo. O diferencial, e aí já é preciso uma certa reflexão, diz respeito ao que cada uma das personagens representou para sua arte. Obviamente que a comparação é mais teórica do que prática (eu diria até injusta), mas o enredo, repare, aponta para as mesmas lacunas emocionais: uma infância dura, sem muita referência afetiva, relacionamentos tóxicos por todos os lados, fracassos, sucessos, muito sensacionalismo e, claro, uma busca pelo auto-perdão. Indo um pouco mais longe, ambos documentários têm um importante e cruel fio condutor: o amor (ou a falta que ele faz).
O diretor Ryan White (do excelente "Boa Noite Oppy") usa e abusa dos depoimentos de Pamela para construir a imagem de uma mulher frágil, em certos momentos até infantil, o que de alguma forma (para quem conhece um pouco mais da vida da atriz) soa hipocrisia. Ela mesmo tenta se desvencilhar da imagem de vítima, mas com as narrações em off de passagens escritas por ela em seu diário, fica mais difícil. No entanto, uma característica nos chama atenção: a capacidade que Pamela Anderson tem de rir de si mesma é impressionante - e sempre foi assim. É perceptível seu constrangimento ao enfrentar as piadas mais infames e machistas dos Late Show's dos anos 80/90, mas ela se sai bem - já atualmente, quando em uma situação realmente mais desconfortável, ela simplesmente sai de cena.
Para quem assistiu a ótima minissérie do Star+ (no caso, do Hulu), "Pam & Tommy", e gostou; "Pamela Anderson - Uma História de Amor" é quase um complemento obrigatório que possibilita um mergulho mais profundo e real na intimidade de Anderson. A construção apoteótica do mito vs. a mulher que só queria uma família ao lado do amor de sua vida, está ali; o que nos resta é entender se seu ponto de vista, de fato, condiz com uma realidade que ela mesmo semeou, plantou e colheu - difícil dizer, mas o exercício, ao assistir o filme, é dos melhores. Ah, e não deixe de ver os créditos, ele conecta muitos pontos - vai por mim!
Vale seu play!
"Paterson" é um reflexo poético da monotonia do cotidiano pelos olhos do veterano diretor, e especialista em captar as diversas camadas de um personagem, Jim Jarmusch - e nem por isso deixa de ser um ótimo e sensível filme, que fique claro!
Na história acompanhamos o dia a dia de Paterson (Adam Driver), um motorista de ônibus cujo seu nome, ele compartilha com uma cidadezinha de Nova Jersey. Ali, ele vive com sua namorada, a inquieta, Laura (Golshifteh Farahani). Durante 7 dias, assistimos a rotina de Paterson e sua enorme paixão pela poesia. Confira o trailer:
Sem dúvida que o maior mérito de "Paterson" está na ideia de que a beleza da vida está no detalhe! Sim, eu sei que pode parecer poético demais e que a cadência repetitiva do cotidiano de um único personagem pode dar sono - e de fato esse elemento vai polarizar muitas opiniões sobre o filme, mas te garanto: não tem nada de chato se colocar na posição de só observar! Temos a impressão que "Paterson" não nos leva a lugar algum e talvez essa percepção seja até adequada perante o conceito narrativo que Jarmusch quis imprimir no filme, porém é preciso dizer que existem nuances tão interessantes que impactam diretamente na nossa experiência - veja, existe uma pré-disposição a esperarmos que algo diferente aconteça na nossa vida e muitas vezes esse "algo" nunca acontece - a vida é assim e o filme também! Essa certa tensão da "espera" nos acompanha durante todo filme, nos causando uma certa ansiedade, mas quando entendemos a razão de tudo aquilo, simplesmente relaxamos e nos permitimos acompanhar a busca pelo entendimento de que a felicidade está na tranquilidade de saber quais os próximos passos temos que dar!
Prepare-se para um filme que te vai te provocar uma auto-reflexão, que teve uma carreira respeitada em festivais importantes por todo planeta e que retrata a monotonia da vida comum como poucas vezes assistimos! Vale muito o seu play, mas só se você estiver disposto a embarcar na proposta pouco usual do diretor!
“Todo dia é um novo dia”, já dizia o poema de Carlos Williams Carlos, um dos ídolos de Paterson - e é assim que o personagem vive: ele acorda nos braços da namorada, vai para o trabalho, conversa com seu supervisor pessimista, dirige seu ônibus, escuta uma ou outra conversa dos passageiros, almoça, escreve um pouco de poesia, chega em casa, janta e termina a noite com uma cerveja, num bar, depois de caminhar com o cachorro da namorada! Pronto, entra com um fade to black que determina o final do dia e tudo se repete com uma ou outra diferença que serve para nos encher de expectativas, até que...
Um dos elementos que merece elogios é a montagem inteligente que o brasileiro Affonso Gonçalves criou - o pace é tão constante que até as elipses que determinam algumas repetições diárias de eventos e que, eventualmente, pulam uma determinada ordem, nos divertem sem sabermos exatamente a razão! Reparem na cena que explica como a caixa de correio sempre fica torta ou em como Gonçalves procura sempre posicionar algum take do cachorro, como mero espectador (mal-humorado), reagindo a uma situação! Esse humor sutil, quase irônico, faz toda a diferença em vários momentos do filme - o que acaba deixando a experiência bastante agradável, quase como uma suspensão daquela realidade tão monótona!
Jarmusch sabe como ninguém sobre a importância de ter um bom ator que possa dar vida a um roteiro tão particular que ele mesmo escreve. Adam Driver se apoia em um tom bastante dócil e muito (mas, muito) contido, enquanto sua namorada Laura exala energia, em busca de algo que a tire da monotonia - ela faz questão de sempre mudar algo em sua casa, aprender alguma coisa diferente ou até de criar novas receitas para sair da mesmice. É tão bacana perceber como toda essa diferença entre eles os completam tão bem, que sempre estamos esperando um ou o outro vacilar só para provar que toda aquela cumplicidade nunca existiu de verdade!
"Paterson" não é um filme fácil, mas é um filme delicado e que exalta as pequenas coisas. Saber olhar e enxergar a beleza do cotidiano é para poucos e é exatamente isso que o diretor Jim Jarmusch quer: nos provocar a entender que a felicidade está nas pequenas coisas, mesmo que seja na risada incontrolável ao ver uma pessoa reclamando de um término de relação ou na alegria da companheira em poder te convidar para assistir um filme no cinema no sábado a noite!
Simples e lindo!
"Paterson" é um reflexo poético da monotonia do cotidiano pelos olhos do veterano diretor, e especialista em captar as diversas camadas de um personagem, Jim Jarmusch - e nem por isso deixa de ser um ótimo e sensível filme, que fique claro!
Na história acompanhamos o dia a dia de Paterson (Adam Driver), um motorista de ônibus cujo seu nome, ele compartilha com uma cidadezinha de Nova Jersey. Ali, ele vive com sua namorada, a inquieta, Laura (Golshifteh Farahani). Durante 7 dias, assistimos a rotina de Paterson e sua enorme paixão pela poesia. Confira o trailer:
Sem dúvida que o maior mérito de "Paterson" está na ideia de que a beleza da vida está no detalhe! Sim, eu sei que pode parecer poético demais e que a cadência repetitiva do cotidiano de um único personagem pode dar sono - e de fato esse elemento vai polarizar muitas opiniões sobre o filme, mas te garanto: não tem nada de chato se colocar na posição de só observar! Temos a impressão que "Paterson" não nos leva a lugar algum e talvez essa percepção seja até adequada perante o conceito narrativo que Jarmusch quis imprimir no filme, porém é preciso dizer que existem nuances tão interessantes que impactam diretamente na nossa experiência - veja, existe uma pré-disposição a esperarmos que algo diferente aconteça na nossa vida e muitas vezes esse "algo" nunca acontece - a vida é assim e o filme também! Essa certa tensão da "espera" nos acompanha durante todo filme, nos causando uma certa ansiedade, mas quando entendemos a razão de tudo aquilo, simplesmente relaxamos e nos permitimos acompanhar a busca pelo entendimento de que a felicidade está na tranquilidade de saber quais os próximos passos temos que dar!
Prepare-se para um filme que te vai te provocar uma auto-reflexão, que teve uma carreira respeitada em festivais importantes por todo planeta e que retrata a monotonia da vida comum como poucas vezes assistimos! Vale muito o seu play, mas só se você estiver disposto a embarcar na proposta pouco usual do diretor!
“Todo dia é um novo dia”, já dizia o poema de Carlos Williams Carlos, um dos ídolos de Paterson - e é assim que o personagem vive: ele acorda nos braços da namorada, vai para o trabalho, conversa com seu supervisor pessimista, dirige seu ônibus, escuta uma ou outra conversa dos passageiros, almoça, escreve um pouco de poesia, chega em casa, janta e termina a noite com uma cerveja, num bar, depois de caminhar com o cachorro da namorada! Pronto, entra com um fade to black que determina o final do dia e tudo se repete com uma ou outra diferença que serve para nos encher de expectativas, até que...
Um dos elementos que merece elogios é a montagem inteligente que o brasileiro Affonso Gonçalves criou - o pace é tão constante que até as elipses que determinam algumas repetições diárias de eventos e que, eventualmente, pulam uma determinada ordem, nos divertem sem sabermos exatamente a razão! Reparem na cena que explica como a caixa de correio sempre fica torta ou em como Gonçalves procura sempre posicionar algum take do cachorro, como mero espectador (mal-humorado), reagindo a uma situação! Esse humor sutil, quase irônico, faz toda a diferença em vários momentos do filme - o que acaba deixando a experiência bastante agradável, quase como uma suspensão daquela realidade tão monótona!
Jarmusch sabe como ninguém sobre a importância de ter um bom ator que possa dar vida a um roteiro tão particular que ele mesmo escreve. Adam Driver se apoia em um tom bastante dócil e muito (mas, muito) contido, enquanto sua namorada Laura exala energia, em busca de algo que a tire da monotonia - ela faz questão de sempre mudar algo em sua casa, aprender alguma coisa diferente ou até de criar novas receitas para sair da mesmice. É tão bacana perceber como toda essa diferença entre eles os completam tão bem, que sempre estamos esperando um ou o outro vacilar só para provar que toda aquela cumplicidade nunca existiu de verdade!
"Paterson" não é um filme fácil, mas é um filme delicado e que exalta as pequenas coisas. Saber olhar e enxergar a beleza do cotidiano é para poucos e é exatamente isso que o diretor Jim Jarmusch quer: nos provocar a entender que a felicidade está nas pequenas coisas, mesmo que seja na risada incontrolável ao ver uma pessoa reclamando de um término de relação ou na alegria da companheira em poder te convidar para assistir um filme no cinema no sábado a noite!
Simples e lindo!
"Pecados Íntimos" parece um filme simples ao se propor fazer um recorte bastante peculiar do cotidiano de dois personagens normais, que vivem a monotonia de uma vida normal, em um bairro de classe média no subúrbio de Massachusetts. Sim, esse é mais um daqueles filmes em que sua história não é construída tendo como base um formato clássico de um roteiro com todos os elementos da jornada do herói, onde o protagonista tem um objetivo, passa por dificuldades, mas encontra seu propósito ao vencer seus desafios; muito pelo contrário, "Pecados Íntimos" é um ensaio da vida real, quase uma crônica ao estilo "Beleza Americana", que mesmo sendo uma ficção, poderia ser um documentário, e não fosse a criatividade do diretor Todd Field, talvez nem daríamos tanta importância para aquele universo, digamos, tão pacato.
Na história acompanhamos em primeiro plano a vida de dois personagens em casamentos distintos, mas igualmente sem brilho e sem paixão. Um pouco mais distante, um criminoso sexual acaba de ser solto, criando um certo clima de tensão no mesmo bairro. Temos também um ex-policial com um passado violento e que vive para esconder o seu fracasso. Mas o que esses quatro personagens tão distintos tem em comum? Simples, eles lutam para lidar com suas escolhas no passado, resistir as tentações do presente e assim tentar encontrar um caminho de felicidade para o futuro, mesmo que isso pareça impossível.. Confira o trailer (em inglês):
Baseado no livro "Little Children" (algo como "Criancinhas" - que também é o título original do filme) de Tom Perrotta, "Pecados Íntimos" é um primor de roteiro - tanto que foi indicado ao Oscar de 2007 na categoria "Roteiro Adaptado". O que vemos na tela é o resultado de uma construção narrativa extremamente intrigante que brinca a cada nova cena com a dubiedade das situações. Veja, se Sarah (Kate Winslet) é uma dona de casa que sofre com a mediocridade de sua vida e ainda por cima tem que lidar com um marido omisso, viciado em pornografia pela Internet, por que não buscar em Brad (Patrick Wilson) uma relação de cumplicidade que possa reacender seus desejos mais íntimos? - afinal, ele também vive uma situação similar no casamento, é ofuscado pelo sucesso da sua linda mulher que está sempre ocupada e que vive cobrando dele uma urgência na ascensão profissional.
Por outro lado, temos Ronnie (Jackie Earle Haley), um homem atormentado por seus distúrbios sexuais, mas que é amado por sua mãe e odiado por todas as pessoas do bairro, inclusive por Larry (Noah Emmerich), o ex-policial, estereótipo do pai de família ideal, representante dos bons costumes que, vejam só, não é amado por ninguém. O encontro dessa dualidade, muito bem costurada por uma narração que soa como um leitor daqueles livros oitentistas de romance barato, dá um charme todo especial ao filme que usa de alegorias cotidianas para provocar nosso julgamento.Se a adaptação do título nacional para "Pecados Íntimos" faz referência as atividades "secretas" dos personagens, no original "Little Children" vai além ao brincar, mais uma vez, com a interpretação dúbia do texto ao relacionar as ações dos protagonistas com as crianças, que acabam funcionando como um elemento desencadeador de conflitos, fortalecendo a alusão sobre a intensidade dos desejos e a inconsequência dos atos que já não são mais tão inocentes como no passado.
"Pecados Íntimos" vai sempre além do que assistimos na tela - ele é mais profundo, basta "cavucar". É um filme disposto a mostrar o outro lado das histórias dos personagens, deixando o poder do julgamento para quem assiste sem a menor intenção de esconder alguma peça do tabuleiro para nos confundir. É uma história que foge dos padrões mais convencionais (o que pode afastar algumas pessoas) e ao mesmo tempo inteligente em nos tirar da zona de conforto para que façamos o exercício de perceber que, muitas vezes, tomamos decisões por impulso e isso pode até gerar algum prazer momentâneo, mas que logo pode se transformar em arrependimento, dor e culpa ou em uma enorme dor de cabeça!
Vale muito a pena!
"Pecados Íntimos" parece um filme simples ao se propor fazer um recorte bastante peculiar do cotidiano de dois personagens normais, que vivem a monotonia de uma vida normal, em um bairro de classe média no subúrbio de Massachusetts. Sim, esse é mais um daqueles filmes em que sua história não é construída tendo como base um formato clássico de um roteiro com todos os elementos da jornada do herói, onde o protagonista tem um objetivo, passa por dificuldades, mas encontra seu propósito ao vencer seus desafios; muito pelo contrário, "Pecados Íntimos" é um ensaio da vida real, quase uma crônica ao estilo "Beleza Americana", que mesmo sendo uma ficção, poderia ser um documentário, e não fosse a criatividade do diretor Todd Field, talvez nem daríamos tanta importância para aquele universo, digamos, tão pacato.
Na história acompanhamos em primeiro plano a vida de dois personagens em casamentos distintos, mas igualmente sem brilho e sem paixão. Um pouco mais distante, um criminoso sexual acaba de ser solto, criando um certo clima de tensão no mesmo bairro. Temos também um ex-policial com um passado violento e que vive para esconder o seu fracasso. Mas o que esses quatro personagens tão distintos tem em comum? Simples, eles lutam para lidar com suas escolhas no passado, resistir as tentações do presente e assim tentar encontrar um caminho de felicidade para o futuro, mesmo que isso pareça impossível.. Confira o trailer (em inglês):
Baseado no livro "Little Children" (algo como "Criancinhas" - que também é o título original do filme) de Tom Perrotta, "Pecados Íntimos" é um primor de roteiro - tanto que foi indicado ao Oscar de 2007 na categoria "Roteiro Adaptado". O que vemos na tela é o resultado de uma construção narrativa extremamente intrigante que brinca a cada nova cena com a dubiedade das situações. Veja, se Sarah (Kate Winslet) é uma dona de casa que sofre com a mediocridade de sua vida e ainda por cima tem que lidar com um marido omisso, viciado em pornografia pela Internet, por que não buscar em Brad (Patrick Wilson) uma relação de cumplicidade que possa reacender seus desejos mais íntimos? - afinal, ele também vive uma situação similar no casamento, é ofuscado pelo sucesso da sua linda mulher que está sempre ocupada e que vive cobrando dele uma urgência na ascensão profissional.
Por outro lado, temos Ronnie (Jackie Earle Haley), um homem atormentado por seus distúrbios sexuais, mas que é amado por sua mãe e odiado por todas as pessoas do bairro, inclusive por Larry (Noah Emmerich), o ex-policial, estereótipo do pai de família ideal, representante dos bons costumes que, vejam só, não é amado por ninguém. O encontro dessa dualidade, muito bem costurada por uma narração que soa como um leitor daqueles livros oitentistas de romance barato, dá um charme todo especial ao filme que usa de alegorias cotidianas para provocar nosso julgamento.Se a adaptação do título nacional para "Pecados Íntimos" faz referência as atividades "secretas" dos personagens, no original "Little Children" vai além ao brincar, mais uma vez, com a interpretação dúbia do texto ao relacionar as ações dos protagonistas com as crianças, que acabam funcionando como um elemento desencadeador de conflitos, fortalecendo a alusão sobre a intensidade dos desejos e a inconsequência dos atos que já não são mais tão inocentes como no passado.
"Pecados Íntimos" vai sempre além do que assistimos na tela - ele é mais profundo, basta "cavucar". É um filme disposto a mostrar o outro lado das histórias dos personagens, deixando o poder do julgamento para quem assiste sem a menor intenção de esconder alguma peça do tabuleiro para nos confundir. É uma história que foge dos padrões mais convencionais (o que pode afastar algumas pessoas) e ao mesmo tempo inteligente em nos tirar da zona de conforto para que façamos o exercício de perceber que, muitas vezes, tomamos decisões por impulso e isso pode até gerar algum prazer momentâneo, mas que logo pode se transformar em arrependimento, dor e culpa ou em uma enorme dor de cabeça!
Vale muito a pena!
Antes de mais nada é preciso avisar que "Pelas ruas de Paris" é um filme conceitual, autoral e voltado para um nicho muito específico de assinante - o filme é quase um Manifesto na verdade, na sua forma e no seu conteúdo! Desde o primeiro minuto é nítida a influência de cineastas como Terrence Malick por exemplo, então se você achou "Árvore da Vida" uma viagem ou "To the Wonder" sem pé nem cabeça, nem perca seu tempo lendo esse review, porque fatalmente você vai odiar o filme.
Basicamente, "Pelas ruas de Paris" conta a história de um casal: do primeiro beijo até o término da relação - nada original, eu sei, mas é aí que a experimentação entra em jogo pelas mãos da diretora Elisabeth Vogler que, de uma forma bastante onírica, vai contando todo o processo de desgaste daquele relacionamento pelo ponto de vista de uma jovem parisiense que, a cada momento, se coloca em uma postura de reflexão abusando das várias camadas que determina o individualismo e a complexidade humana. Mais um vez, se você não está disposto a entrar em uma experiência visual não dê o play, mas se um filme bastante conceitual te provoca à imergir em um universo tão particular, siga em frente!
"Pelas ruas de Paris" acompanha a relação de Anna e Greg, desde seu início circunstancial (e até juvenil) em um festival de música eletrônica até o ponto atual de amadurecimento que acaba desencadeando uma crise de relacionamento quando ele decide morar Espanha. Para Anna é preciso decidir se embarca no sonho do namorado ou se continua em Paris buscando seus próprios objetivos de vida - que, por sinal, ela nem sabe muito bem quais são. O ponto alto dessa premissa é o fato do casal parecer único no início e aos poucos ir se afastando pelas escolhas individuais - essa dicotomia é tão interessante quanto (vejam só) normal!
Os momentos de reflexão e indagação criam uma sensação bastante comum entre os jovens ao mesmo tempo em que provoca uma espécie de epifania na personagem - eu sei que pode parecer complexo em palavras, mas, na minha opinião, Elisabeth Vogler soube decodificar muito bem esse processo na forma de imagens. Ela aproveita a naturalidade do texto para misturar planos longos de diálogos com cortes completamente aleatórios tendo ao fundo belíssimas narrações em off. É claro que isso trás uma certa poesia para o filme, o que nos dois primeiros atos funcionam perfeitamente - minha única critica é com a falta de fôlego do terceiro ato. Tudo foi tão bem construído no visual e na narrativa, durante 50 minutos, que senti um pouco de descaso na conclusão de toda aquela jornada. A não linearidade se encaixa perfeitamente ao conceito do filme, trás na montagem pontos bastante relevantes e a fotografia funciona perfeitamente como um bela moldura para o trabalho de Noémie Schmidt. Admito que em um determinado momento achei que a diretora perdeu um pouco a mão na sua proposta conceitual, deixou tanto o movimento de câmera, quanto a interpretação, nervosas demais - perdeu a sutileza poética, mas por outro lado, é possível entender essas escolhas, pois a sensação de tensão e aprisionamento da personagem também foi aumentando.
"Pelas ruas de Paris" é interessante, difícil e muito particular. Como eu disse acima: ou você embarca na "viagem" que o filme propõe - e só faça isso se você realmente gostar desse tipo de experiência - ou procure o filme ao lado, pois "Pelas ruas de Paris" será genial para algumas (poucas) pessoas e uma grande porcaria para a grande maioria de assinantes - e nenhum dos dois grupos estarão tão errados assim!!!
Antes de mais nada é preciso avisar que "Pelas ruas de Paris" é um filme conceitual, autoral e voltado para um nicho muito específico de assinante - o filme é quase um Manifesto na verdade, na sua forma e no seu conteúdo! Desde o primeiro minuto é nítida a influência de cineastas como Terrence Malick por exemplo, então se você achou "Árvore da Vida" uma viagem ou "To the Wonder" sem pé nem cabeça, nem perca seu tempo lendo esse review, porque fatalmente você vai odiar o filme.
Basicamente, "Pelas ruas de Paris" conta a história de um casal: do primeiro beijo até o término da relação - nada original, eu sei, mas é aí que a experimentação entra em jogo pelas mãos da diretora Elisabeth Vogler que, de uma forma bastante onírica, vai contando todo o processo de desgaste daquele relacionamento pelo ponto de vista de uma jovem parisiense que, a cada momento, se coloca em uma postura de reflexão abusando das várias camadas que determina o individualismo e a complexidade humana. Mais um vez, se você não está disposto a entrar em uma experiência visual não dê o play, mas se um filme bastante conceitual te provoca à imergir em um universo tão particular, siga em frente!
"Pelas ruas de Paris" acompanha a relação de Anna e Greg, desde seu início circunstancial (e até juvenil) em um festival de música eletrônica até o ponto atual de amadurecimento que acaba desencadeando uma crise de relacionamento quando ele decide morar Espanha. Para Anna é preciso decidir se embarca no sonho do namorado ou se continua em Paris buscando seus próprios objetivos de vida - que, por sinal, ela nem sabe muito bem quais são. O ponto alto dessa premissa é o fato do casal parecer único no início e aos poucos ir se afastando pelas escolhas individuais - essa dicotomia é tão interessante quanto (vejam só) normal!
Os momentos de reflexão e indagação criam uma sensação bastante comum entre os jovens ao mesmo tempo em que provoca uma espécie de epifania na personagem - eu sei que pode parecer complexo em palavras, mas, na minha opinião, Elisabeth Vogler soube decodificar muito bem esse processo na forma de imagens. Ela aproveita a naturalidade do texto para misturar planos longos de diálogos com cortes completamente aleatórios tendo ao fundo belíssimas narrações em off. É claro que isso trás uma certa poesia para o filme, o que nos dois primeiros atos funcionam perfeitamente - minha única critica é com a falta de fôlego do terceiro ato. Tudo foi tão bem construído no visual e na narrativa, durante 50 minutos, que senti um pouco de descaso na conclusão de toda aquela jornada. A não linearidade se encaixa perfeitamente ao conceito do filme, trás na montagem pontos bastante relevantes e a fotografia funciona perfeitamente como um bela moldura para o trabalho de Noémie Schmidt. Admito que em um determinado momento achei que a diretora perdeu um pouco a mão na sua proposta conceitual, deixou tanto o movimento de câmera, quanto a interpretação, nervosas demais - perdeu a sutileza poética, mas por outro lado, é possível entender essas escolhas, pois a sensação de tensão e aprisionamento da personagem também foi aumentando.
"Pelas ruas de Paris" é interessante, difícil e muito particular. Como eu disse acima: ou você embarca na "viagem" que o filme propõe - e só faça isso se você realmente gostar desse tipo de experiência - ou procure o filme ao lado, pois "Pelas ruas de Paris" será genial para algumas (poucas) pessoas e uma grande porcaria para a grande maioria de assinantes - e nenhum dos dois grupos estarão tão errados assim!!!
“Pieces of a Woman” é um filme sensacional, mas já aviso: não será uma jornada nada fácil. É um verdadeiro soco no estômago e, como pai, talvez tenha sido os primeiros 30 minutos mais doloridos que já experienciei em um filme na minha vida! Sério, é muito difícil desvincular a percepção de uma realidade avassaladora de uma comprovada história de "ficção" como essa!
O filme acompanha Martha (Vanessa Kirby) e Sean (Shia LaBeouf), um jovem casal que se prepara para a chegada da primeira filha. Decididos a fazer o parto em casa, o procedimento não acontece exatamente como previam e os dois precisam lidar com o impacto de uma tragédia. Sofrendo pressões familiares, midiáticas e de advogados, o casal precisa (re)descobrir uma forma de continuar a vida e de preservar o relacionamento em meio uma crise que toca a alma. Confira o trailer:
Impossível começar uma análise sem citar a aula de cinema que são os primeiros trinta minutos desse filme. Além criar uma atmosfera narrativa angustiante (quase como um filme de terror) e de ser um plano sequência (sem cortes) com mais de vinte minutos, criativo e tecnicamente perfeito, “Pieces of a Woman” nos deixa completamente destruídos ao acompanhar o trabalho de parto feito em casa pela parteira Eva (Molly Parker). A construção do relacionamento, as inseguranças do jovem casal, as dúvidas sobre o procedimento, a atenção e a humanidade da parteira; tudo isso é pontuado sem atropelos, no seu tempo, com uma câmera viva captando cada sensação, cada sentimento - é incrível (e penoso)!
A partir da tragédia do casal, o premiadíssimo diretor húngaro Kornél Mundruczó não deixa o nível dramático cair. Ele escolhe lindos planos para contar a destruição que uma tragédia como essa representa na vida de um ser humano, em uma relação e em todos que os cercam. A relação de Martha com sua mãe, com suas cicatrizes abertas, é um espetáculo de ambas as atrizes - Ellen Burstyn maltrata com sua técnica e capacidade dramática! Na verdade, acho que todo elenco está impecável e vou me surpreender se não forem indicados nessa temporada de premiações: Vanessa Kirby, inclusive, deve despontar até como favorita!
Puxa, o que dizer além de elogiar “Pieces of a Woman”? Talvez reafirmar a dor que ele vai provocar? Não sei, agora como audiência posso garantir que é uma experiência única e que nos provoca a entender as dores que a vida pode nos proporcionar sem esquecer de agradecer por tudo que ela já nos presenteou. Vale muito o seu play, mas será preciso força!
Observações:
1. O roteiro de Kata Wéber foi escrito a partir de uma experiência pessoal com seu parceiro, o próprio diretor, e, talvez por isso, sua protagonista transborda tanta honestidade, mesmo sendo um drama que estrapola a dor tão íntima e legítima de uma mãe!
2. O filme ganhou dois prêmios no Festival de Veneza em 2020: Melhor Filme e Melhor Atriz!
“Pieces of a Woman” é um filme sensacional, mas já aviso: não será uma jornada nada fácil. É um verdadeiro soco no estômago e, como pai, talvez tenha sido os primeiros 30 minutos mais doloridos que já experienciei em um filme na minha vida! Sério, é muito difícil desvincular a percepção de uma realidade avassaladora de uma comprovada história de "ficção" como essa!
O filme acompanha Martha (Vanessa Kirby) e Sean (Shia LaBeouf), um jovem casal que se prepara para a chegada da primeira filha. Decididos a fazer o parto em casa, o procedimento não acontece exatamente como previam e os dois precisam lidar com o impacto de uma tragédia. Sofrendo pressões familiares, midiáticas e de advogados, o casal precisa (re)descobrir uma forma de continuar a vida e de preservar o relacionamento em meio uma crise que toca a alma. Confira o trailer:
Impossível começar uma análise sem citar a aula de cinema que são os primeiros trinta minutos desse filme. Além criar uma atmosfera narrativa angustiante (quase como um filme de terror) e de ser um plano sequência (sem cortes) com mais de vinte minutos, criativo e tecnicamente perfeito, “Pieces of a Woman” nos deixa completamente destruídos ao acompanhar o trabalho de parto feito em casa pela parteira Eva (Molly Parker). A construção do relacionamento, as inseguranças do jovem casal, as dúvidas sobre o procedimento, a atenção e a humanidade da parteira; tudo isso é pontuado sem atropelos, no seu tempo, com uma câmera viva captando cada sensação, cada sentimento - é incrível (e penoso)!
A partir da tragédia do casal, o premiadíssimo diretor húngaro Kornél Mundruczó não deixa o nível dramático cair. Ele escolhe lindos planos para contar a destruição que uma tragédia como essa representa na vida de um ser humano, em uma relação e em todos que os cercam. A relação de Martha com sua mãe, com suas cicatrizes abertas, é um espetáculo de ambas as atrizes - Ellen Burstyn maltrata com sua técnica e capacidade dramática! Na verdade, acho que todo elenco está impecável e vou me surpreender se não forem indicados nessa temporada de premiações: Vanessa Kirby, inclusive, deve despontar até como favorita!
Puxa, o que dizer além de elogiar “Pieces of a Woman”? Talvez reafirmar a dor que ele vai provocar? Não sei, agora como audiência posso garantir que é uma experiência única e que nos provoca a entender as dores que a vida pode nos proporcionar sem esquecer de agradecer por tudo que ela já nos presenteou. Vale muito o seu play, mas será preciso força!
Observações:
1. O roteiro de Kata Wéber foi escrito a partir de uma experiência pessoal com seu parceiro, o próprio diretor, e, talvez por isso, sua protagonista transborda tanta honestidade, mesmo sendo um drama que estrapola a dor tão íntima e legítima de uma mãe!
2. O filme ganhou dois prêmios no Festival de Veneza em 2020: Melhor Filme e Melhor Atriz!
"Vanilla Sky" está, sem dúvida, entre meus filmes preferidos! Muito bem conduzido pelo Cameron Crowe, "Vanilla Sky", produção de 2001, foi o primeiro filme que lembro ter me desafiado intelectualmente. Pois bem, após assistir a versão original "Preso na Escuridão" (ou "Abre Los Ojos" no original), tenho que admitir: ela é ainda melhor! O filme é infinitamente mais humano que seu remake americano, seu roteiro é ainda mais sensível e aquele conceito visual mais independente do genial diretor chileno, Alejandro Amenábar (de "Os Outros"), é muito mais bonito. Olha, esse filme é uma obra-prima por si só - ele apresenta uma narrativa complexa, com performances verdadeiramente cativantes, além de uma exploração profunda do valor da identidade de uma forma muito sensorial, eu diria, inclusive, única! Que experiência que o streaming nos proporciona! Assista!
A história acompanha a vida de César (Eduardo Noriega), um jovem carismático que tem tudo: beleza, riqueza e sucesso. No entanto, sua vida muda drasticamente após um acidente de carro, que o deixa desfigurado e com cicatrizes graves. À medida que ele tenta lidar com sua nova aparência e reconstruir sua vida, César mergulha em um mundo de sonhos e pesadelos interconectados, onde a linha entre a realidade e a fantasia se torna cada vez mais obscura.
É impressionante como "Preso na Escuridão" nos entrega uma atmosfera intensamente envolvente, provocadora e, claro, perturbadora. Amenábar, ao lado de seu fotógrafo Hans Burmann (de "Amnésia"), trabalha o conceito estético do filme de uma forma meticulosa, aproveitando de uma trilha sonora arrebatadora para transmitir a sensação de paranoia que permeia a mente do protagonista. Reparem nas sequências de sonhos e alucinações - elas são especialmente marcantes, com imagens surreais que desafiam nossas expectativas e nos levam a questionar o que é real e o que é fruto da imaginação.
O desempenho de Eduardo Noriega é brilhante e complexo - ele é capaz de capturar perfeitamente a transformação de um homem confiante e sedutor em um ser atormentado e desesperado - e aqui sem os trejeitos de uma figura já consagrada como Tom Cruise. A química entre Noriega e Penélope Cruz, que interpreta a enigmática Sofia, traz uma camada adicional de profundidade emocional à trama que chega a ser desconfortável. Veja, não será uma única que vez que você vai ser colocar no lugar de César e também de Sofia. O roteiro do próprio Amenábar trabalha essas sensações com reviravoltas surpreendentes - mas surpreendentes mesmo!
"Preso na Escuridão" é inteligente, criativo e potente, capaz de explorar questões filosóficas profundas, como a natureza da identidade, a influência da percepção na construção da realidade e os limites da nossa compreensão sobre mundo, sobre o amor e sobre nossa capacidade de se redimir, com a mesma competência com que nos provoca simples reflexões. De uma forma intrigante, o filme nos desafiado a cada cena, exigindo o máximo da nossa atenção e concentração - como um convite intelectualmente estimulante.
Pode acreditar "Preso na Escuridão" certamente merece um lugar na sua lista de filmes imperdíveis.
PS: O filme recebeu 10 indicações ao prêmio Goya de 1999, além de vencer
"Vanilla Sky" está, sem dúvida, entre meus filmes preferidos! Muito bem conduzido pelo Cameron Crowe, "Vanilla Sky", produção de 2001, foi o primeiro filme que lembro ter me desafiado intelectualmente. Pois bem, após assistir a versão original "Preso na Escuridão" (ou "Abre Los Ojos" no original), tenho que admitir: ela é ainda melhor! O filme é infinitamente mais humano que seu remake americano, seu roteiro é ainda mais sensível e aquele conceito visual mais independente do genial diretor chileno, Alejandro Amenábar (de "Os Outros"), é muito mais bonito. Olha, esse filme é uma obra-prima por si só - ele apresenta uma narrativa complexa, com performances verdadeiramente cativantes, além de uma exploração profunda do valor da identidade de uma forma muito sensorial, eu diria, inclusive, única! Que experiência que o streaming nos proporciona! Assista!
A história acompanha a vida de César (Eduardo Noriega), um jovem carismático que tem tudo: beleza, riqueza e sucesso. No entanto, sua vida muda drasticamente após um acidente de carro, que o deixa desfigurado e com cicatrizes graves. À medida que ele tenta lidar com sua nova aparência e reconstruir sua vida, César mergulha em um mundo de sonhos e pesadelos interconectados, onde a linha entre a realidade e a fantasia se torna cada vez mais obscura.
É impressionante como "Preso na Escuridão" nos entrega uma atmosfera intensamente envolvente, provocadora e, claro, perturbadora. Amenábar, ao lado de seu fotógrafo Hans Burmann (de "Amnésia"), trabalha o conceito estético do filme de uma forma meticulosa, aproveitando de uma trilha sonora arrebatadora para transmitir a sensação de paranoia que permeia a mente do protagonista. Reparem nas sequências de sonhos e alucinações - elas são especialmente marcantes, com imagens surreais que desafiam nossas expectativas e nos levam a questionar o que é real e o que é fruto da imaginação.
O desempenho de Eduardo Noriega é brilhante e complexo - ele é capaz de capturar perfeitamente a transformação de um homem confiante e sedutor em um ser atormentado e desesperado - e aqui sem os trejeitos de uma figura já consagrada como Tom Cruise. A química entre Noriega e Penélope Cruz, que interpreta a enigmática Sofia, traz uma camada adicional de profundidade emocional à trama que chega a ser desconfortável. Veja, não será uma única que vez que você vai ser colocar no lugar de César e também de Sofia. O roteiro do próprio Amenábar trabalha essas sensações com reviravoltas surpreendentes - mas surpreendentes mesmo!
"Preso na Escuridão" é inteligente, criativo e potente, capaz de explorar questões filosóficas profundas, como a natureza da identidade, a influência da percepção na construção da realidade e os limites da nossa compreensão sobre mundo, sobre o amor e sobre nossa capacidade de se redimir, com a mesma competência com que nos provoca simples reflexões. De uma forma intrigante, o filme nos desafiado a cada cena, exigindo o máximo da nossa atenção e concentração - como um convite intelectualmente estimulante.
Pode acreditar "Preso na Escuridão" certamente merece um lugar na sua lista de filmes imperdíveis.
PS: O filme recebeu 10 indicações ao prêmio Goya de 1999, além de vencer
"Questão de Tempo" é delicioso de assistir, daqueles filmes que você não tira o sorriso no rosto - leve, engraçado, emocionante e muito bacana! Mas te adianto: essa paixão toda não é imediata. O prólogo apresenta uma premissa quase infantil e sua aplicação na narrativa pode soar adolescente demais, mas eu te garanto: dê uma chance que você não vai se arrepender. Pode me cobrar depois.
Veja, o filme conta a história de Tim (Domhnall Gleeson), um jovem inglês que, depois de uma conversa com o pai (Bill Nighy), descobre que os homens de sua família têm a capacidade de viajar no tempo, porém apenas para o passado. Com esse conhecimento, ele começa a resolver todas as suas inseguranças e fragilidades de uma forma muito natural. Quando Tim vai morar em Londres com Harry (Tom Hollander), um mal humorado produtor de teatro e amigo de seu pai, para cursar a faculdade de Direito, ele conhece Mary (Rachel McAdams), por quem se apaixona à primeira vista. A partir daí ele passa a criar (e a reviver quando necessário) as melhores experiências para que os dois fiquem juntos para sempre. Confira o trailer:
Richard Curtis que tem no seu currículo de diretor poucos e competentes trabalhos como "Simplesmente Amor", carrega a experiência de dominar um tipo de narrativa que está no seu DNA de roteirista - já é seu estilo, inclusive. É dele os roteiros de "O Diário de Bridget Jones", "Quatro Casamentos e um Funeral", "Um Lugar Chamado Notting Hill" e "Yesterday"- apenas para citar alguns dos seus sucessos. Em "Questão de Tempo", Curtis é muito inteligente ao usar o conceito da viagem no tempo apenas para estabelecer a possibilidade de uma segunda chance, mesmo que algumas vezes essa chance não mude em nada o destino do protagonista. O bacana é que roteiro aproveita dessa ferramenta dramática para traduzir de forma leve e inteligente as aflições que todos nós vivemos em algum momento. Ao estabelecer as “regras” para essas viagens, entendemos pelos olhos de Tim que tudo tem um limite e a cada escolha do personagem, te garanto, nosso coração se enche de coisa boa - mesmo nos momentos mais sensíveis!
A música, como em todo trabalho de Curtis, é um espetáculo a parte. A trilha sonora funcionam praticamente como um personagem, ou pelo como parte deles. Temos algumas pérolas como “How Long Will I Love You” e “Mid Air” - tudo se encaixa tão bem que curtimos cada cena de uma forma bem particular. No elenco temos um Domhnall Gleeson excelente e Rachel McAdams que é, definitivamente, uma graça - do mesmo nível de Ellen Page em "Juno". Agora, quem rouba a cena é o pai de Tim, Bill Nighy - ele tem a delicadeza do texto e a sensibilidade do olhar mais fraternal que um filho pode receber. Emocionante!
"Questão de Tempo" (ou "About Time" no original) é o melhor que podemos assistir para aquecer nosso coração e a nossa alma se esse for o clima para um excelente momento de entretenimento. O filme é capaz de emocionar e divertir na mesma medida, com personagens extremamente cativantes e um roteiro que mesmo apoiado em idéias pouco originais, vai nos passar ótimas lições de vida através do seu simbolismo e inteligência.
Vale muito o seu play!
"Questão de Tempo" é delicioso de assistir, daqueles filmes que você não tira o sorriso no rosto - leve, engraçado, emocionante e muito bacana! Mas te adianto: essa paixão toda não é imediata. O prólogo apresenta uma premissa quase infantil e sua aplicação na narrativa pode soar adolescente demais, mas eu te garanto: dê uma chance que você não vai se arrepender. Pode me cobrar depois.
Veja, o filme conta a história de Tim (Domhnall Gleeson), um jovem inglês que, depois de uma conversa com o pai (Bill Nighy), descobre que os homens de sua família têm a capacidade de viajar no tempo, porém apenas para o passado. Com esse conhecimento, ele começa a resolver todas as suas inseguranças e fragilidades de uma forma muito natural. Quando Tim vai morar em Londres com Harry (Tom Hollander), um mal humorado produtor de teatro e amigo de seu pai, para cursar a faculdade de Direito, ele conhece Mary (Rachel McAdams), por quem se apaixona à primeira vista. A partir daí ele passa a criar (e a reviver quando necessário) as melhores experiências para que os dois fiquem juntos para sempre. Confira o trailer:
Richard Curtis que tem no seu currículo de diretor poucos e competentes trabalhos como "Simplesmente Amor", carrega a experiência de dominar um tipo de narrativa que está no seu DNA de roteirista - já é seu estilo, inclusive. É dele os roteiros de "O Diário de Bridget Jones", "Quatro Casamentos e um Funeral", "Um Lugar Chamado Notting Hill" e "Yesterday"- apenas para citar alguns dos seus sucessos. Em "Questão de Tempo", Curtis é muito inteligente ao usar o conceito da viagem no tempo apenas para estabelecer a possibilidade de uma segunda chance, mesmo que algumas vezes essa chance não mude em nada o destino do protagonista. O bacana é que roteiro aproveita dessa ferramenta dramática para traduzir de forma leve e inteligente as aflições que todos nós vivemos em algum momento. Ao estabelecer as “regras” para essas viagens, entendemos pelos olhos de Tim que tudo tem um limite e a cada escolha do personagem, te garanto, nosso coração se enche de coisa boa - mesmo nos momentos mais sensíveis!
A música, como em todo trabalho de Curtis, é um espetáculo a parte. A trilha sonora funcionam praticamente como um personagem, ou pelo como parte deles. Temos algumas pérolas como “How Long Will I Love You” e “Mid Air” - tudo se encaixa tão bem que curtimos cada cena de uma forma bem particular. No elenco temos um Domhnall Gleeson excelente e Rachel McAdams que é, definitivamente, uma graça - do mesmo nível de Ellen Page em "Juno". Agora, quem rouba a cena é o pai de Tim, Bill Nighy - ele tem a delicadeza do texto e a sensibilidade do olhar mais fraternal que um filho pode receber. Emocionante!
"Questão de Tempo" (ou "About Time" no original) é o melhor que podemos assistir para aquecer nosso coração e a nossa alma se esse for o clima para um excelente momento de entretenimento. O filme é capaz de emocionar e divertir na mesma medida, com personagens extremamente cativantes e um roteiro que mesmo apoiado em idéias pouco originais, vai nos passar ótimas lições de vida através do seu simbolismo e inteligência.
Vale muito o seu play!
Com todos os clichês românticos possíveis e uma narrativa que muitas vezes beira o dramalhão meloso, posso te garantir: você vai se surpreender e se apaixonar por "Recomeço"! Lançada em 2022 pela Netflix, a minissérie é um drama dos mais encantadores e emocionantes - criada por Tembi Locke e inspirada em suas próprias memórias, retratadas no livro "From Scratch: A Memoir of Love, Sicily, and Finding Home". Olha, não se engane, a minissérie não é uma jornada tão tranquila assim, embora o primeiro episódio deixe a falsa impressão que "tivesse algumas piadinhas", facilmente poderia ser uma comédia romântica, "Recomeço" sabe da sua força dramática ao explorar as nuances entre o poder do amor, a dor da perda e o processo de reconstrução após uma tragédia - sempre pela perspectiva, muitas vezes crítica, da família.
Basicamente a trama gira em torno de Amy Wheeler (Zoe Saldaña), uma americana que se muda para a Itália para estudar arte e que, durante sua estadia em Florença, se apaixona por Lino (Eugenio Mastrandrea), um adorável chef siciliano. À medida que o romance engata, a história passa explorar as dinâmicas culturais entre as famílias de Amy e Lino, e os desafios que o casal enfrenta em sua relação intercultural. No entanto, o drama aumenta quando Lino é diagnosticado com uma doença terminal, forçando o casal a enfrentar a dor e as dificuldades de uma perda iminente. Confira o trailer, mas separe o lencinho:
"Recomeço" é profundamente pessoal e intimista, e por mais que possa parecer "mais do mesmo" ao fazer um recorte mais romântico, e depois dramático, das experiências reais de Locke e de sua luta quando descobre a doença de seu marido, existe uma certa sensação de magia na sua narrativa. A forma como ela retrata a reconstrução de sua vida confere à narrativa uma autenticidade emocional que é palpável e incrivelmente empática - é impossível não se conectar com a protagonista. "Recomeço" é um drama que toca em temas universais, claro, mas faz de uma maneira honesta, pontuando as expectativas de Amy Wheeler em contrapartida à dura realidade de Lino.
Zoe Saldaña oferece uma performance poderosa e sensível. Ela captura a jornada emocional de uma mulher apaixonada e cheia de vida que é forçada a enfrentar uma perda devastadora. Saldaña equilibra momentos de alegria e esperança com cenas de profundo desespero, tornando a trajetória de Amy incrivelmente humana. Sua química com Eugenio Mastrandrea é autêntica e comovente - é impressionante como os dois juntos formam o coração emocional da minissérie. E aqui cabe um comentário importante: o roteiro exalta a gastronomia italiana como um alívio entre as cenas mais dramáticas e ainda que flerte com alguns estereótipos, consegue evidenciar questões culturais clássicas que separam um modo de vida europeu do americano.
A direção de Nzingha Stewart (de "Daisy Jones & The Six") e de Dennie Gordon (de "Bloodline") é visualmente impressionante - especialmente nas cenas que se passam na Itália. As paisagens da Toscana e da Sicília são capturadas de maneira belíssima, servindo como pano de fundo para a jornada do casal. A fotografia aproveita ao máximo os contrastes entre o calor da cultura italiana e o peso do drama familiar em Los Angeles, criando um gatilho que reflete as tensões emocionais e culturais presentes na história. Outro elemento que merece destaque é a trilha sonora: com músicas que vão de baladas emocionantes a sons italianos mais tradicionais, eu diria que esse é o ponto que dá o tom da minissérie - a música não apenas reforça a emoção das cenas, mas também ajuda a criar uma atmosfera que destaca o encontro de culturas tão diferentes.
Com atuações comoventes e uma narrativa rica em sentimentos e sensações, "From Scratch" (no original) é uma das boas surpresas escondidas no streaming. Uma história de amor que não esquece dos reflexos sobre a família. Uma história de resiliência que não esquece de como essa jornada pode ser dolorosa. Uma história de vida que não esquece de como a conexão entre diferentes pessoas e culturas exige tanto de nós. Tudo contado com uma autenticidade que traz as experiências pessoais da autora ao mesmo tempo que oferece uma visão honesta e sincera sobre como as memórias podem servir como um ponto de inflexão da vida e com aqueles que amamos.
Imperdível!
Com todos os clichês românticos possíveis e uma narrativa que muitas vezes beira o dramalhão meloso, posso te garantir: você vai se surpreender e se apaixonar por "Recomeço"! Lançada em 2022 pela Netflix, a minissérie é um drama dos mais encantadores e emocionantes - criada por Tembi Locke e inspirada em suas próprias memórias, retratadas no livro "From Scratch: A Memoir of Love, Sicily, and Finding Home". Olha, não se engane, a minissérie não é uma jornada tão tranquila assim, embora o primeiro episódio deixe a falsa impressão que "tivesse algumas piadinhas", facilmente poderia ser uma comédia romântica, "Recomeço" sabe da sua força dramática ao explorar as nuances entre o poder do amor, a dor da perda e o processo de reconstrução após uma tragédia - sempre pela perspectiva, muitas vezes crítica, da família.
Basicamente a trama gira em torno de Amy Wheeler (Zoe Saldaña), uma americana que se muda para a Itália para estudar arte e que, durante sua estadia em Florença, se apaixona por Lino (Eugenio Mastrandrea), um adorável chef siciliano. À medida que o romance engata, a história passa explorar as dinâmicas culturais entre as famílias de Amy e Lino, e os desafios que o casal enfrenta em sua relação intercultural. No entanto, o drama aumenta quando Lino é diagnosticado com uma doença terminal, forçando o casal a enfrentar a dor e as dificuldades de uma perda iminente. Confira o trailer, mas separe o lencinho:
"Recomeço" é profundamente pessoal e intimista, e por mais que possa parecer "mais do mesmo" ao fazer um recorte mais romântico, e depois dramático, das experiências reais de Locke e de sua luta quando descobre a doença de seu marido, existe uma certa sensação de magia na sua narrativa. A forma como ela retrata a reconstrução de sua vida confere à narrativa uma autenticidade emocional que é palpável e incrivelmente empática - é impossível não se conectar com a protagonista. "Recomeço" é um drama que toca em temas universais, claro, mas faz de uma maneira honesta, pontuando as expectativas de Amy Wheeler em contrapartida à dura realidade de Lino.
Zoe Saldaña oferece uma performance poderosa e sensível. Ela captura a jornada emocional de uma mulher apaixonada e cheia de vida que é forçada a enfrentar uma perda devastadora. Saldaña equilibra momentos de alegria e esperança com cenas de profundo desespero, tornando a trajetória de Amy incrivelmente humana. Sua química com Eugenio Mastrandrea é autêntica e comovente - é impressionante como os dois juntos formam o coração emocional da minissérie. E aqui cabe um comentário importante: o roteiro exalta a gastronomia italiana como um alívio entre as cenas mais dramáticas e ainda que flerte com alguns estereótipos, consegue evidenciar questões culturais clássicas que separam um modo de vida europeu do americano.
A direção de Nzingha Stewart (de "Daisy Jones & The Six") e de Dennie Gordon (de "Bloodline") é visualmente impressionante - especialmente nas cenas que se passam na Itália. As paisagens da Toscana e da Sicília são capturadas de maneira belíssima, servindo como pano de fundo para a jornada do casal. A fotografia aproveita ao máximo os contrastes entre o calor da cultura italiana e o peso do drama familiar em Los Angeles, criando um gatilho que reflete as tensões emocionais e culturais presentes na história. Outro elemento que merece destaque é a trilha sonora: com músicas que vão de baladas emocionantes a sons italianos mais tradicionais, eu diria que esse é o ponto que dá o tom da minissérie - a música não apenas reforça a emoção das cenas, mas também ajuda a criar uma atmosfera que destaca o encontro de culturas tão diferentes.
Com atuações comoventes e uma narrativa rica em sentimentos e sensações, "From Scratch" (no original) é uma das boas surpresas escondidas no streaming. Uma história de amor que não esquece dos reflexos sobre a família. Uma história de resiliência que não esquece de como essa jornada pode ser dolorosa. Uma história de vida que não esquece de como a conexão entre diferentes pessoas e culturas exige tanto de nós. Tudo contado com uma autenticidade que traz as experiências pessoais da autora ao mesmo tempo que oferece uma visão honesta e sincera sobre como as memórias podem servir como um ponto de inflexão da vida e com aqueles que amamos.
Imperdível!
"Respire Fundo" é um retrato silencioso sobre a depressão - ou seja, essa será uma jornada dolorosa, então se você for sensível ao assunto, definitivamente esse filme não é para você.
Bem na linha de "Tully", o filme de estreia da promissora diretora e roteirista Amy Koppelman, aborda um lado pouco discutido da maternidade e como o pós-parto pode potencializar alguns gatilhos bastante sensíveis para algumas mulheres. Ao romantizar a maternidade, deixa-se de lado uma nova realidade, difícil e solitária, mesmo que você tenha uma rede de apoio como a que personagem Julie (Amanda Seyfried) possui, com um marido presente como Ethan (Finn Witrock) e uma mãe dedicada como Bobbi (Amy Irving).
Julie Davis é uma famosa autora best-seller de livros infantis. Ela é carinhosa, gentil e amorosa com seu marido e com seu filho recém-nascido. Embora seus livros tratem de desvendar os medos da infância, ela não consegue lidar com um segredo que tem assombrado sua própria vida. Mas quando seu segundo filho nasce, alguns eventos trazem esse mistério à tona e com isso, Julie, inicia uma batalha esmagadora e poderosa pela sobrevivência. Confira o trailer (em inglês):
Baseado no próprio livro de Koppelman, "A Mouthful of Air" (no original) merece muito cuidado em sua avaliação. Os elementos técnicos e artísticos são irretocáveis. Tanto a diretora quanto Seyfried são impecáveis ao explorar os dramas mais íntimos da personagem com muita sensibilidade e honestidade. Koppelman, aliás, evita a tentação de impactar visualmente, o que imprime uma certa sensação de angustia e ansiedade muito coerente com o que esta sendo discutido na tela. Os enquadramentos bem construídos pelo fotógrafo Frank G. DeMarco (de "Até o Fim") dão a exata noção da profundidade do problema sem ao menos mostrar suas consequências mais cruéis.
O roteiro transforma a experiência de assistir “Respire Fundo” em algo muito difícil ao mesmo tempo em que também traz um certo (e bem vindo) didatismo para o assunto. Ver alguém se desintegrando, apesar de ter um futuro lindo pela frente, e estar vivendo um dos momentos mais sublimes da vida de uma mulher, é de cortar o coração. Por outro lado, a dinâmica narrativa é muito inteligente ao buscar no passado algumas situações marcantes que, de alguma maneira, podem justificar o que está acontecendo no presente - e eu disse "podem", não que justifiquem. A reflexão sobre essas passagens bastante sutis dos flashbacks ajudam a construir um certo entendimento sobre a linha de conduta de Julie, mas em hipótese alguma devem servir como respostas - como a diretora sabe disso, ela se relaciona cinematograficamente com os fatos de uma maneira quase lúdica, colocando o filme em outro patamar: menos expositivo do que muitos poderiam esperar.
"Respire Fundo" é corajoso ao trazer um tom poético para uma realidade tão dura e de difícil aceitação. As escolhas conceituais da diretora dão a exata proporção de como a depressão é sorrateira sem precisar se apoiar em clichês. Eu diria que o filme é até mais importante do que inesquecível, mas seria injusto pela qualidade dramática que a história tem e pelas inúmeras sensações que a narrativa nos provoca!
Vale muito o seu play, mas esteja preparado!
"Respire Fundo" é um retrato silencioso sobre a depressão - ou seja, essa será uma jornada dolorosa, então se você for sensível ao assunto, definitivamente esse filme não é para você.
Bem na linha de "Tully", o filme de estreia da promissora diretora e roteirista Amy Koppelman, aborda um lado pouco discutido da maternidade e como o pós-parto pode potencializar alguns gatilhos bastante sensíveis para algumas mulheres. Ao romantizar a maternidade, deixa-se de lado uma nova realidade, difícil e solitária, mesmo que você tenha uma rede de apoio como a que personagem Julie (Amanda Seyfried) possui, com um marido presente como Ethan (Finn Witrock) e uma mãe dedicada como Bobbi (Amy Irving).
Julie Davis é uma famosa autora best-seller de livros infantis. Ela é carinhosa, gentil e amorosa com seu marido e com seu filho recém-nascido. Embora seus livros tratem de desvendar os medos da infância, ela não consegue lidar com um segredo que tem assombrado sua própria vida. Mas quando seu segundo filho nasce, alguns eventos trazem esse mistério à tona e com isso, Julie, inicia uma batalha esmagadora e poderosa pela sobrevivência. Confira o trailer (em inglês):
Baseado no próprio livro de Koppelman, "A Mouthful of Air" (no original) merece muito cuidado em sua avaliação. Os elementos técnicos e artísticos são irretocáveis. Tanto a diretora quanto Seyfried são impecáveis ao explorar os dramas mais íntimos da personagem com muita sensibilidade e honestidade. Koppelman, aliás, evita a tentação de impactar visualmente, o que imprime uma certa sensação de angustia e ansiedade muito coerente com o que esta sendo discutido na tela. Os enquadramentos bem construídos pelo fotógrafo Frank G. DeMarco (de "Até o Fim") dão a exata noção da profundidade do problema sem ao menos mostrar suas consequências mais cruéis.
O roteiro transforma a experiência de assistir “Respire Fundo” em algo muito difícil ao mesmo tempo em que também traz um certo (e bem vindo) didatismo para o assunto. Ver alguém se desintegrando, apesar de ter um futuro lindo pela frente, e estar vivendo um dos momentos mais sublimes da vida de uma mulher, é de cortar o coração. Por outro lado, a dinâmica narrativa é muito inteligente ao buscar no passado algumas situações marcantes que, de alguma maneira, podem justificar o que está acontecendo no presente - e eu disse "podem", não que justifiquem. A reflexão sobre essas passagens bastante sutis dos flashbacks ajudam a construir um certo entendimento sobre a linha de conduta de Julie, mas em hipótese alguma devem servir como respostas - como a diretora sabe disso, ela se relaciona cinematograficamente com os fatos de uma maneira quase lúdica, colocando o filme em outro patamar: menos expositivo do que muitos poderiam esperar.
"Respire Fundo" é corajoso ao trazer um tom poético para uma realidade tão dura e de difícil aceitação. As escolhas conceituais da diretora dão a exata proporção de como a depressão é sorrateira sem precisar se apoiar em clichês. Eu diria que o filme é até mais importante do que inesquecível, mas seria injusto pela qualidade dramática que a história tem e pelas inúmeras sensações que a narrativa nos provoca!
Vale muito o seu play, mas esteja preparado!
"Retrato de uma Jovem em Chamas" é um grande filme! Certamente um dos melhores de 2019, mas que não vai agradar a todos já que tem uma narrativa bastante cadenciada, extremamente poética, focada nos pequenos detalhes, no silêncio, no olhar, na sensibilidade e no texto bem elaborado que é capaz de unir todos esses elementos e entregar uma história com alma, feminina!
A história se passa na França do século 18, Marianne (Noémie Merlant) é contratada para pintar o retrato da jovem Héloïse (Adèle Haenel); já que sua mãe pretende enviar a obra para um pretendente que está na Itália e assim convencê-lo a casar-se com ela. Como a noiva reluta em posar para qualquer artista que possa retrata-la, Marianne precisa se disfarçar de dama de companhia durante dia, para poder pintar o retrato de Héloïse durante as noites, usando apenas sua memória. Acontece que a aproximação entre as duas vai se tornando cada vez mais íntima e uma relação muito além da amizade parece nascer da sensibilidade de uma artista e do desejo de uma mulher em busca de descobertas. Confira o trailer:
Alguns pontos merecem destaque nesse belíssimo filme: ele é tecnicamente perfeito e todos os elementos artísticos conversam entre si com uma singularidade tamanha que em muitos momentos somos impactados por planos visualmente tão perfeitos que parecem pinturas e em outros, por diálogos tão profundos, que acabam soando muito mais como uma poesia do que como uma narrativa em 3 atos. Reparem, por exemplo, como Merlant e Haenel possuem uma conexão tão natural que tudo parece extremamente bem ensaiado, quase como um espetáculo de teatro - e, claro, isso não é por acaso, a diretora Céline Sciamma não só tem essa consciência, como usa da própria gramática teatral para criar uma relação quase platônica ou até espiritual entre as duas personagens.
A fotografia de Claire Mathon (do também incrível "Atlantique") é outro bom exemplo dessa unidade: ela capta todas essas nuances da relação, sempre com a lente certa, com o enquadramento perfeito e com as cores que constroem uma espécie de dicotomia imaginária, que na verdade não passa de uma confusão, ou melhor, de uma busca pelo único sentimento que parece estar escondido (ou adormecido) entre elas: o amor verdadeiro! "Retrato de uma Jovem em Chamas" é um filme que fala essencialmente do amor, mas apenas pelos olhos femininos, com uma narrativa mais sensível e que nos envolve rapidamente. Não é um filme fácil, mas assim que embarcamos na história e entendemos sua razão de existir, o único caminho passa ser o de apreciar, sem pressa, uma verdadeira poesia visual!
Vale muito a pena - mas precisa gostar do estilo!
"Retrato de uma Jovem em Chamas" é um grande filme! Certamente um dos melhores de 2019, mas que não vai agradar a todos já que tem uma narrativa bastante cadenciada, extremamente poética, focada nos pequenos detalhes, no silêncio, no olhar, na sensibilidade e no texto bem elaborado que é capaz de unir todos esses elementos e entregar uma história com alma, feminina!
A história se passa na França do século 18, Marianne (Noémie Merlant) é contratada para pintar o retrato da jovem Héloïse (Adèle Haenel); já que sua mãe pretende enviar a obra para um pretendente que está na Itália e assim convencê-lo a casar-se com ela. Como a noiva reluta em posar para qualquer artista que possa retrata-la, Marianne precisa se disfarçar de dama de companhia durante dia, para poder pintar o retrato de Héloïse durante as noites, usando apenas sua memória. Acontece que a aproximação entre as duas vai se tornando cada vez mais íntima e uma relação muito além da amizade parece nascer da sensibilidade de uma artista e do desejo de uma mulher em busca de descobertas. Confira o trailer:
Alguns pontos merecem destaque nesse belíssimo filme: ele é tecnicamente perfeito e todos os elementos artísticos conversam entre si com uma singularidade tamanha que em muitos momentos somos impactados por planos visualmente tão perfeitos que parecem pinturas e em outros, por diálogos tão profundos, que acabam soando muito mais como uma poesia do que como uma narrativa em 3 atos. Reparem, por exemplo, como Merlant e Haenel possuem uma conexão tão natural que tudo parece extremamente bem ensaiado, quase como um espetáculo de teatro - e, claro, isso não é por acaso, a diretora Céline Sciamma não só tem essa consciência, como usa da própria gramática teatral para criar uma relação quase platônica ou até espiritual entre as duas personagens.
A fotografia de Claire Mathon (do também incrível "Atlantique") é outro bom exemplo dessa unidade: ela capta todas essas nuances da relação, sempre com a lente certa, com o enquadramento perfeito e com as cores que constroem uma espécie de dicotomia imaginária, que na verdade não passa de uma confusão, ou melhor, de uma busca pelo único sentimento que parece estar escondido (ou adormecido) entre elas: o amor verdadeiro! "Retrato de uma Jovem em Chamas" é um filme que fala essencialmente do amor, mas apenas pelos olhos femininos, com uma narrativa mais sensível e que nos envolve rapidamente. Não é um filme fácil, mas assim que embarcamos na história e entendemos sua razão de existir, o único caminho passa ser o de apreciar, sem pressa, uma verdadeira poesia visual!
Vale muito a pena - mas precisa gostar do estilo!
Só assista "Rio, eu te amo" se você já conhecer a dinâmica narrativa da série de filmes que fazem parte do projeto "Cities of Love" dos ótimos "Paris Je T’Aime" e "New York, I Love You". Primeiro por ter uma identidade muito particular e segundo por se tratar de um projeto extremamente autoral e, em muitos momentos, bastante experimental. Pessoalmente, acho a série de filmes incrível, porém reconheço que existe uma oscilação entre uma história e outra que acaba englobando vários estilos e gêneros e isso afasta boa parte da audiência que está acostumada com uma narrativa mais conservadora e linear - e aqui não se trata de uma crítica, já que "gosto é gosto", mas é preciso alinhar as expectativas para você não se decepcionar com a proposta do filme.
Como os seus antecessores, "Rio, Eu Te Amo" reúne dez curtas de diretores brasileiros e internacionais que contam histórias que se passam em diferentes pontos do Rio de Janeiro, revelando as características da cidade e tendo um elemento em comum: o amor (ou a falta dele). Confira o trailer:
Produzida pelo francês Emmanuel Benbihy, "Rio, eu te amo" tem mais acertos do que falhas e um dos elementos que mais me atrai na proposta experimental do filme é a forma como a montagem vai encaixando as histórias que, diga-se de passagem, não tem a menor necessidade de conversarem entre si. Veja, como toda metrópole o Rio de Janeiro também tem as suas histórias e seus personagens muito particulares, além de um visual incrível (lindamente trabalhada na fotografia), com isso a passagem de bastão entre um curta-metragem e outro é muito fluida quando a interação entre os protagonistas acontecem. Claro que existem alguns desalinhamentos, mas a conexão cria, de fato, uma sensação de unidade, mesmo com conduções tão fragmentadas.
Reparem que nada indica quando uma história termina e outra começa, por isso conhecer o conceito ajuda a se relacionar melhor com o filme, mas é notório que algumas das propostas funcionam melhor do que outras quando observadas de perto. De cara vale destacar "O Milagre" de Nadine Labaki ("E Agora, Aonde Vamos"). Durante uma filmagem no Rio, um casal de atores famosos conhecem um menino que acredita receber telefonemas de Jesus. No início, eles o encaram com desconfiança, mas logo percebem que esse "Jesus" não é quem o menino está pensando e resolvem "ajudar" o simpático carioquinha - o jovem Cauã Antunes é uma pérola. Outro segmento que me chamou atenção foi "Texas" de Guillermo Arriaga (roteirista de "Babel"). Após um acidente de carro, Texas, um ex-lutador de boxe, perde um braço e sua esposa não consegue mais andar. Para conseguir pagar uma cirurgia que pode curar a esposa, ele acaba se envolvendo em uma rede lutas clandestinas que coloca o seu relacionamento em jogo. E para finalizar, "Pas de Deux" de Carlos Saldanha. Aqui temos uma curiosidade: esse foi o primeiro filme em live-action dirigido pelo animador brasileiro. Ele se passa no interior do belíssimo Teatro Municipal e retrata a relação de um casal de bailarinos que entra em crise por causa da carreira, que pode separá-los, momentos antes de iniciarem uma importante apresentação.
Claro que "Rio, eu te amo" é um recorte do Brasil, que está naquela mesma prateleira que vimos em New York e Paris - ou seja, o filme que se apropria da paisagem e das particularidades locais com aquela pitada de conto literal para "inglês ver". O filme tem o pretexto de misturar talento (e são muitos: Andrucha Waddington, José Padilha, Fernando Meirelles, Paolo Sorrentino, etc) com liberdade criativa, para fazer publicidade com um toque de homenagem, crítica social e até um certo ufanismo. Eu te digo que é uma experiência interessante, divertida, mas que não será uma unanimidade na sua totalidade. Como mérito, talvez essa versão brasileira do projeto "Cities of Love" seja a mais sincera e honesta até aqui.
Vale o play!
Só assista "Rio, eu te amo" se você já conhecer a dinâmica narrativa da série de filmes que fazem parte do projeto "Cities of Love" dos ótimos "Paris Je T’Aime" e "New York, I Love You". Primeiro por ter uma identidade muito particular e segundo por se tratar de um projeto extremamente autoral e, em muitos momentos, bastante experimental. Pessoalmente, acho a série de filmes incrível, porém reconheço que existe uma oscilação entre uma história e outra que acaba englobando vários estilos e gêneros e isso afasta boa parte da audiência que está acostumada com uma narrativa mais conservadora e linear - e aqui não se trata de uma crítica, já que "gosto é gosto", mas é preciso alinhar as expectativas para você não se decepcionar com a proposta do filme.
Como os seus antecessores, "Rio, Eu Te Amo" reúne dez curtas de diretores brasileiros e internacionais que contam histórias que se passam em diferentes pontos do Rio de Janeiro, revelando as características da cidade e tendo um elemento em comum: o amor (ou a falta dele). Confira o trailer:
Produzida pelo francês Emmanuel Benbihy, "Rio, eu te amo" tem mais acertos do que falhas e um dos elementos que mais me atrai na proposta experimental do filme é a forma como a montagem vai encaixando as histórias que, diga-se de passagem, não tem a menor necessidade de conversarem entre si. Veja, como toda metrópole o Rio de Janeiro também tem as suas histórias e seus personagens muito particulares, além de um visual incrível (lindamente trabalhada na fotografia), com isso a passagem de bastão entre um curta-metragem e outro é muito fluida quando a interação entre os protagonistas acontecem. Claro que existem alguns desalinhamentos, mas a conexão cria, de fato, uma sensação de unidade, mesmo com conduções tão fragmentadas.
Reparem que nada indica quando uma história termina e outra começa, por isso conhecer o conceito ajuda a se relacionar melhor com o filme, mas é notório que algumas das propostas funcionam melhor do que outras quando observadas de perto. De cara vale destacar "O Milagre" de Nadine Labaki ("E Agora, Aonde Vamos"). Durante uma filmagem no Rio, um casal de atores famosos conhecem um menino que acredita receber telefonemas de Jesus. No início, eles o encaram com desconfiança, mas logo percebem que esse "Jesus" não é quem o menino está pensando e resolvem "ajudar" o simpático carioquinha - o jovem Cauã Antunes é uma pérola. Outro segmento que me chamou atenção foi "Texas" de Guillermo Arriaga (roteirista de "Babel"). Após um acidente de carro, Texas, um ex-lutador de boxe, perde um braço e sua esposa não consegue mais andar. Para conseguir pagar uma cirurgia que pode curar a esposa, ele acaba se envolvendo em uma rede lutas clandestinas que coloca o seu relacionamento em jogo. E para finalizar, "Pas de Deux" de Carlos Saldanha. Aqui temos uma curiosidade: esse foi o primeiro filme em live-action dirigido pelo animador brasileiro. Ele se passa no interior do belíssimo Teatro Municipal e retrata a relação de um casal de bailarinos que entra em crise por causa da carreira, que pode separá-los, momentos antes de iniciarem uma importante apresentação.
Claro que "Rio, eu te amo" é um recorte do Brasil, que está naquela mesma prateleira que vimos em New York e Paris - ou seja, o filme que se apropria da paisagem e das particularidades locais com aquela pitada de conto literal para "inglês ver". O filme tem o pretexto de misturar talento (e são muitos: Andrucha Waddington, José Padilha, Fernando Meirelles, Paolo Sorrentino, etc) com liberdade criativa, para fazer publicidade com um toque de homenagem, crítica social e até um certo ufanismo. Eu te digo que é uma experiência interessante, divertida, mas que não será uma unanimidade na sua totalidade. Como mérito, talvez essa versão brasileira do projeto "Cities of Love" seja a mais sincera e honesta até aqui.
Vale o play!
"Rivais" poderia ter cinco minutos a menos, mas ainda assim é muito bom - agora é preciso que se diga: o filme é uma versão de "Closer", mais adolescente e no universo do tênis profissional. É isso, "Challengers" (no original) é um drama que se destaca pelo paralelo que constrói entre uma relação de casal e o intrigante mundo do tênis, obviamente, indo além do esporte para explorar questões como a ambição e os reflexos de um complexo triângulo emocional entre seus personagens principais. Lançado em 2024, o filme dirigido por Luca Guadagnino combina sua estética visual única com um enredo que mescla romance, tensão e angústia.
A história segue Tashi Duncan (Zendaya), uma ex-jogadora de tênis prodígio que, após uma grave lesão que a impede de continuar jogando, se torna treinadora de seu marido, Art (Mike Faist), um atleta em crise de confiança. O relacionamento deles começa a desmoronar quando Art é forçado a competir contra Patrick (Josh O'Connor), seu ex-melhor amigo e também ex-namorado de Tashi. À medida que o torneio avança, as tensões entre o trio aumentam, misturando ressentimentos passados, ciúmes e rivalidades pessoais onde a necessidade de vitória vai muito além do esporte. Confira o trailer:
Um fato: o filme não é sobre tênis, mas sobre as relações interpessoais e os conflitos que surgem no meio de uma pressão imensa. Guadagnino usa do esporte apenas como um pano de fundo para explorar cuidadosamente os altos e baixos dos relacionamentos, principalmente na dinâmica, através dos anos, entre Tashi, Art e Patrick. O tênis, nesse caso, é mais uma metáfora para a competitividade que permeia todas as esferas da vida - seja no campo profissional, amoroso ou pessoal. A direção de Guadagnino, para muitos, vai soar elegante e visualmente cativante. Ele utiliza a câmera para capturar não apenas a intensidade física das partidas de tênis (aqui pouco inspirado), mas também a intimidade emocional dos personagens (já aqui o que ele sabe fazer de melhor). As cenas dos jogos de tênis são coreografadas de maneira até vibrante, transmitindo a energia e a tensão da competição, mas são nos momentos mais silenciosos e introspectivos que Guadagnino realmente brilha - a forma como ele dirige seu elenco é genial. Repare na maneira como ele constrói o suspense emocional entre os personagens - é muito Mike Nichols (diretor de "Closer").
Zendaya mais uma vez se destaca, retratando uma personagem forte, ambiciosa e, ao mesmo tempo, emocionalmente vulnerável e de caráter duvidoso. Sua atuação é complexa, já que Tashi é uma mulher que manipula os dois homens ao longo de sua vida para alcançar seus próprios objetivos, mas também é alguém que carrega o peso de suas próprias inseguranças e arrependimentos. A relação de Tashi com Art e Patrick é marcada por uma mistura de paixão, traição e desejo, e Zendaya consegue equilibrar perfeitamente esses elementos de forma convincente, tornando sua personagem fascinante de acompanhar - uma mistura de Alice (Natalie Portman) com Anna (Julia Roberts) para ficar só em "Closer".
Embora o roteiro possa parecer um tanto previsível em alguns momentos, especialmente nas reviravoltas emocionais que envolvem o triângulo amoroso, os diálogos são muito bem escritos e as motivações dos personagens soam compreensíveis - a sacada do simbolismo da raquete no final do terceiro ato é uma golaço de Justin Kuritzkes (em seu primeiro texto para o cinema). O enredo segue uma trajetória que pode ser antecipada pela audiência, especialmente para aqueles familiarizados com dramas de relações que envolvem rivalidades amorosas, ainda assim, "Rivais" consegue se sustentar por mais de 120 minutos - em grande parte devido às atuações poderosas e à habilidade de Guadagnino de criar uma atmosfera emocional das mais intensas.
Vale muito o seu play!
"Rivais" poderia ter cinco minutos a menos, mas ainda assim é muito bom - agora é preciso que se diga: o filme é uma versão de "Closer", mais adolescente e no universo do tênis profissional. É isso, "Challengers" (no original) é um drama que se destaca pelo paralelo que constrói entre uma relação de casal e o intrigante mundo do tênis, obviamente, indo além do esporte para explorar questões como a ambição e os reflexos de um complexo triângulo emocional entre seus personagens principais. Lançado em 2024, o filme dirigido por Luca Guadagnino combina sua estética visual única com um enredo que mescla romance, tensão e angústia.
A história segue Tashi Duncan (Zendaya), uma ex-jogadora de tênis prodígio que, após uma grave lesão que a impede de continuar jogando, se torna treinadora de seu marido, Art (Mike Faist), um atleta em crise de confiança. O relacionamento deles começa a desmoronar quando Art é forçado a competir contra Patrick (Josh O'Connor), seu ex-melhor amigo e também ex-namorado de Tashi. À medida que o torneio avança, as tensões entre o trio aumentam, misturando ressentimentos passados, ciúmes e rivalidades pessoais onde a necessidade de vitória vai muito além do esporte. Confira o trailer:
Um fato: o filme não é sobre tênis, mas sobre as relações interpessoais e os conflitos que surgem no meio de uma pressão imensa. Guadagnino usa do esporte apenas como um pano de fundo para explorar cuidadosamente os altos e baixos dos relacionamentos, principalmente na dinâmica, através dos anos, entre Tashi, Art e Patrick. O tênis, nesse caso, é mais uma metáfora para a competitividade que permeia todas as esferas da vida - seja no campo profissional, amoroso ou pessoal. A direção de Guadagnino, para muitos, vai soar elegante e visualmente cativante. Ele utiliza a câmera para capturar não apenas a intensidade física das partidas de tênis (aqui pouco inspirado), mas também a intimidade emocional dos personagens (já aqui o que ele sabe fazer de melhor). As cenas dos jogos de tênis são coreografadas de maneira até vibrante, transmitindo a energia e a tensão da competição, mas são nos momentos mais silenciosos e introspectivos que Guadagnino realmente brilha - a forma como ele dirige seu elenco é genial. Repare na maneira como ele constrói o suspense emocional entre os personagens - é muito Mike Nichols (diretor de "Closer").
Zendaya mais uma vez se destaca, retratando uma personagem forte, ambiciosa e, ao mesmo tempo, emocionalmente vulnerável e de caráter duvidoso. Sua atuação é complexa, já que Tashi é uma mulher que manipula os dois homens ao longo de sua vida para alcançar seus próprios objetivos, mas também é alguém que carrega o peso de suas próprias inseguranças e arrependimentos. A relação de Tashi com Art e Patrick é marcada por uma mistura de paixão, traição e desejo, e Zendaya consegue equilibrar perfeitamente esses elementos de forma convincente, tornando sua personagem fascinante de acompanhar - uma mistura de Alice (Natalie Portman) com Anna (Julia Roberts) para ficar só em "Closer".
Embora o roteiro possa parecer um tanto previsível em alguns momentos, especialmente nas reviravoltas emocionais que envolvem o triângulo amoroso, os diálogos são muito bem escritos e as motivações dos personagens soam compreensíveis - a sacada do simbolismo da raquete no final do terceiro ato é uma golaço de Justin Kuritzkes (em seu primeiro texto para o cinema). O enredo segue uma trajetória que pode ser antecipada pela audiência, especialmente para aqueles familiarizados com dramas de relações que envolvem rivalidades amorosas, ainda assim, "Rivais" consegue se sustentar por mais de 120 minutos - em grande parte devido às atuações poderosas e à habilidade de Guadagnino de criar uma atmosfera emocional das mais intensas.
Vale muito o seu play!
Costumo dizer que antes de qualquer julgamento, precisamos escutar os dois lados da história. É mais ou menos o que o diretor Todd Haynes (indicado ao Oscar por "Longe do Paraíso" em 2003) faz em "Segredos de um Escândalo" ao revisitar a história real de Mary Kay Letourneau, uma professora de 34 anos que se envolveu com um aluno de 13, engravidou durante o relacionamento, foi presa e depois se casou com o jovem. Com uma narrativa repleta de simbolismos e algumas adaptações, Haynes mergulha no íntimo dos personagens (aqui fictícios) para discutir as consequências devastadoras de algumas escolhas complexas do passado e como o julgamento social, de fato, impacta para sempre nas relações mais íntimas de todos os envolvidos. O diretor constrói uma jornada cheia de nuances que explora os dilemas da paixão, mas que não entrega todas as respostas, ou seja, se você está esperando algo usual em dramas desse estilo, provavelmente você não vai se conectar com o filme - aqui nos afastamos do sensacionalismo barato para percorrer a via da autoconsciência e da reflexão.
Vinte anos anos após um escândalo que abalou a comunidade local, Gracie (Julianne Moore) e Joe (Charles Melton), um casal com 23 anos de diferença, tentam ter uma vida normal, até que a atriz Elizabeth (Natalie Portman) se aproxima de Grace com o objetivo de se preparar para o seu próximo filme em que ela interpretará a própria Gracie. O problema é que essa jornada de pesquisa e estudos não só traz de volta vários fantasmas do passado como mexe com toda dinâmica de uma comunidade que nunca esteve disposta a esquecer o ocorrido. Confira o trailer:
Embora "Segredos de um Escândalo" tenha uma premissa que sugira um drama cheio de embates e julgamentos, eu diria que a originalidade do roteiro indicado ao Oscar, da novata Samy Burch, está justamente na quebra dessas expectativas. Cadenciada, mas sempre no tom certo, a narrativa funciona muito mais como uma espécie de mosaico de tonalidades emocionais do que como uma investigação profunda sobre mocinhos e bandidos de um caso realmente marcante. Com uma proposta muito mais honesta, o roteiro nos leva para um olhar além do escândalo em si, entregando um drama mais humano e levantando questionamentos sobre a moralidade, sobre o amor real, sobre o desejo, mas principalmente sobre as consequências de escolhas impensáveis. Veja, a narrativa não oferece respostas fáceis, mas tenha certeza que você vai se sentir provocado a refletir sobre as diversas faces da natureza humana.
A direção de Haynes é tecnicamente perfeita. Embora ele não arrisque na sua "forma", ele se aproveita do "conteúdo" para justamente desconstruir uma história complexa e ofertar para a audiência uma perspectiva menos superficial - Elizabeth é a personificação dessa estratégia que, simbolizada pela arte de atuar, lida com o desconforto daquela atmosfera de hipocrisia para entender as motivações todos os lados. Obviamente que a performance de Portman e de Moore dão tom desse jogo de verdades e aparências - as duas estão excepcionais, embora nenhuma tenha sido lembrada pela Academia e indicada ao Oscar. Uma pena, porque Portman entrega um trabalho realmente visceral, capturando toda a vulnerabilidade e a complexidade de Elizabeth enquanto ela navega pelos segredos mais obscuros de Gracie sem ao menos entender se está indo pelo caminho certo Enquanto Moore brilha com sua intensidade, transmitindo a dor, o arrependimento, a insegurança e a resiliência de uma mulher que enfrentou (e enfrenta) o julgamento da sociedade.
"Segredos de um Escândalo" dividiu opiniões pelos caminhos escolhidos por Haynes - natural quando se troca o certo pelo diferente. Na minha humilde opinião estamos diante de um filme imperdível, especialmente se você aprecia dramas psicológicos mais intensos e reflexivos. Não será uma jornada tranquila, especialmente por sabermos como Hollywood e a indústria jornalística se apropriam de histórias repletas de sofrimento para entregar entretenimento barato sem ao menos olhar para seus protagonistas com alguma empatia. Aqui, mais do que empatia, existe respeito.
Vale seu play!
Costumo dizer que antes de qualquer julgamento, precisamos escutar os dois lados da história. É mais ou menos o que o diretor Todd Haynes (indicado ao Oscar por "Longe do Paraíso" em 2003) faz em "Segredos de um Escândalo" ao revisitar a história real de Mary Kay Letourneau, uma professora de 34 anos que se envolveu com um aluno de 13, engravidou durante o relacionamento, foi presa e depois se casou com o jovem. Com uma narrativa repleta de simbolismos e algumas adaptações, Haynes mergulha no íntimo dos personagens (aqui fictícios) para discutir as consequências devastadoras de algumas escolhas complexas do passado e como o julgamento social, de fato, impacta para sempre nas relações mais íntimas de todos os envolvidos. O diretor constrói uma jornada cheia de nuances que explora os dilemas da paixão, mas que não entrega todas as respostas, ou seja, se você está esperando algo usual em dramas desse estilo, provavelmente você não vai se conectar com o filme - aqui nos afastamos do sensacionalismo barato para percorrer a via da autoconsciência e da reflexão.
Vinte anos anos após um escândalo que abalou a comunidade local, Gracie (Julianne Moore) e Joe (Charles Melton), um casal com 23 anos de diferença, tentam ter uma vida normal, até que a atriz Elizabeth (Natalie Portman) se aproxima de Grace com o objetivo de se preparar para o seu próximo filme em que ela interpretará a própria Gracie. O problema é que essa jornada de pesquisa e estudos não só traz de volta vários fantasmas do passado como mexe com toda dinâmica de uma comunidade que nunca esteve disposta a esquecer o ocorrido. Confira o trailer:
Embora "Segredos de um Escândalo" tenha uma premissa que sugira um drama cheio de embates e julgamentos, eu diria que a originalidade do roteiro indicado ao Oscar, da novata Samy Burch, está justamente na quebra dessas expectativas. Cadenciada, mas sempre no tom certo, a narrativa funciona muito mais como uma espécie de mosaico de tonalidades emocionais do que como uma investigação profunda sobre mocinhos e bandidos de um caso realmente marcante. Com uma proposta muito mais honesta, o roteiro nos leva para um olhar além do escândalo em si, entregando um drama mais humano e levantando questionamentos sobre a moralidade, sobre o amor real, sobre o desejo, mas principalmente sobre as consequências de escolhas impensáveis. Veja, a narrativa não oferece respostas fáceis, mas tenha certeza que você vai se sentir provocado a refletir sobre as diversas faces da natureza humana.
A direção de Haynes é tecnicamente perfeita. Embora ele não arrisque na sua "forma", ele se aproveita do "conteúdo" para justamente desconstruir uma história complexa e ofertar para a audiência uma perspectiva menos superficial - Elizabeth é a personificação dessa estratégia que, simbolizada pela arte de atuar, lida com o desconforto daquela atmosfera de hipocrisia para entender as motivações todos os lados. Obviamente que a performance de Portman e de Moore dão tom desse jogo de verdades e aparências - as duas estão excepcionais, embora nenhuma tenha sido lembrada pela Academia e indicada ao Oscar. Uma pena, porque Portman entrega um trabalho realmente visceral, capturando toda a vulnerabilidade e a complexidade de Elizabeth enquanto ela navega pelos segredos mais obscuros de Gracie sem ao menos entender se está indo pelo caminho certo Enquanto Moore brilha com sua intensidade, transmitindo a dor, o arrependimento, a insegurança e a resiliência de uma mulher que enfrentou (e enfrenta) o julgamento da sociedade.
"Segredos de um Escândalo" dividiu opiniões pelos caminhos escolhidos por Haynes - natural quando se troca o certo pelo diferente. Na minha humilde opinião estamos diante de um filme imperdível, especialmente se você aprecia dramas psicológicos mais intensos e reflexivos. Não será uma jornada tranquila, especialmente por sabermos como Hollywood e a indústria jornalística se apropriam de histórias repletas de sofrimento para entregar entretenimento barato sem ao menos olhar para seus protagonistas com alguma empatia. Aqui, mais do que empatia, existe respeito.
Vale seu play!
Um grande filme, visceral eu diria, mas já adianto: não será uma jornada fácil, pois a história é tão potente que vai mexer com suas mais particulares emoções e deixar uma marca incrivelmente profunda! "Segunda Chance" da talentosa (e premiada) diretora dinamarquesa Susanne Bier (de "The Night Manager") é simplesmente imperdível. Uma obra-prima do cinema nórdico (com toda aquela qualidade técnica e artística) que nos leva por uma montanha-russa de sentimentos, explorando temas dolorosos como depressão, maternidade, redenção, amor e, principalmente, escolhas que moldam nossas vidas para sempre. Não é à toa que o filme conquistou diversos prêmios ao redor do planeta e é frequentemente comparado com produções igualmente impactantes, como "Incêndios" ou até com “Pieces of a Woman”, então prepare-se para uma experiência, de fato, marcante!
O filme conta a história de Andreas (Nikolaj Coster-Waldau, o inesquecível Jaime Lannister de GoT), um dedicado policial que, junto com seu parceiro Simon (Ulrich Thomsen), se vêem envolvidos em um drama de partir o coração quando encontram um bebê de poucos meses em condições deploráveis dentro de um armário durante uma intervenção de briga doméstica entre um casal de viciados. Esse evento chocante desencadeia uma série de atitudes impensáveis que levam seus personagens a confrontar os próprios demônios e enfrentar consequências realmente marcantes em suas vidas. Confira o trailer:
Esse é um filme que tem alma, que conta com uma direção precisa de Bier, especialmente de seu elenco, e que alcança um outro patamar através da fotografia sensível de Michael Snyman (parceiro da diretora em "The Night Manager"). Snyman cria uma atmosfera intensa com seus close-ups que ecoam o turbilhão emocional dos personagens. Sabendo disso, Bier se aproveita desses enquadramentos de forma habilidosa, potencializando os momentos de alta tensão para capturar as expressões dos atores carregadas de emoção com um silêncio ensurdecedor - mesmo que em muitos momentos a trilha sonora, composta por Johan Söderqvist (de "Anatomia de um Escândalo"), complemente perfeitamente o mood do filme, ampliando o impacto das cenas de uma maneira bastante poética, mas não menos dolorosa.
O elenco realmente entrega performances brilhantes. Waldau mergulha profundamente nessa dor silenciosa de Andreas, mostrando toda transformação de um policial até certo modo bruto em um homem que enfrenta dilemas morais angustiantes - o elemento que desencadeia essa humanidade, a empatia, vai te fazer criar inúmeros julgamentos durante o filme e é isso que nos envolve tanto com suas escolhas. A química entre os atores é palpável, tornando cada interação entre eles ainda mais real - e aqui é impossível não citar o trabalho cheio de nuances de Maria Bonnevie como Anna, a esposa de Andreas.
"Segunda Chance" tem um senso de urgência e desconforto que permeia toda a narrativa - a sensação de angústia é mesmo muito presente. O roteiro de Bier ao lado de Anders Thomas Jensen (vencedor do Oscar pelo curta-metragem "Election Night", depois de improváveis três indicações seguidas ao mesmo prêmio) nos provoca, a todo momento, refletir sobre as consequências de nossas escolhas, mesmo as mais difíceis, e como elas podem moldar nosso destino de maneiras tão inesperadas - isso toca nosso coração de verdade. Então, sem muita enrolação, não deixa de assistir esse filme, você não vai se arrepender!
Um grande filme, visceral eu diria, mas já adianto: não será uma jornada fácil, pois a história é tão potente que vai mexer com suas mais particulares emoções e deixar uma marca incrivelmente profunda! "Segunda Chance" da talentosa (e premiada) diretora dinamarquesa Susanne Bier (de "The Night Manager") é simplesmente imperdível. Uma obra-prima do cinema nórdico (com toda aquela qualidade técnica e artística) que nos leva por uma montanha-russa de sentimentos, explorando temas dolorosos como depressão, maternidade, redenção, amor e, principalmente, escolhas que moldam nossas vidas para sempre. Não é à toa que o filme conquistou diversos prêmios ao redor do planeta e é frequentemente comparado com produções igualmente impactantes, como "Incêndios" ou até com “Pieces of a Woman”, então prepare-se para uma experiência, de fato, marcante!
O filme conta a história de Andreas (Nikolaj Coster-Waldau, o inesquecível Jaime Lannister de GoT), um dedicado policial que, junto com seu parceiro Simon (Ulrich Thomsen), se vêem envolvidos em um drama de partir o coração quando encontram um bebê de poucos meses em condições deploráveis dentro de um armário durante uma intervenção de briga doméstica entre um casal de viciados. Esse evento chocante desencadeia uma série de atitudes impensáveis que levam seus personagens a confrontar os próprios demônios e enfrentar consequências realmente marcantes em suas vidas. Confira o trailer:
Esse é um filme que tem alma, que conta com uma direção precisa de Bier, especialmente de seu elenco, e que alcança um outro patamar através da fotografia sensível de Michael Snyman (parceiro da diretora em "The Night Manager"). Snyman cria uma atmosfera intensa com seus close-ups que ecoam o turbilhão emocional dos personagens. Sabendo disso, Bier se aproveita desses enquadramentos de forma habilidosa, potencializando os momentos de alta tensão para capturar as expressões dos atores carregadas de emoção com um silêncio ensurdecedor - mesmo que em muitos momentos a trilha sonora, composta por Johan Söderqvist (de "Anatomia de um Escândalo"), complemente perfeitamente o mood do filme, ampliando o impacto das cenas de uma maneira bastante poética, mas não menos dolorosa.
O elenco realmente entrega performances brilhantes. Waldau mergulha profundamente nessa dor silenciosa de Andreas, mostrando toda transformação de um policial até certo modo bruto em um homem que enfrenta dilemas morais angustiantes - o elemento que desencadeia essa humanidade, a empatia, vai te fazer criar inúmeros julgamentos durante o filme e é isso que nos envolve tanto com suas escolhas. A química entre os atores é palpável, tornando cada interação entre eles ainda mais real - e aqui é impossível não citar o trabalho cheio de nuances de Maria Bonnevie como Anna, a esposa de Andreas.
"Segunda Chance" tem um senso de urgência e desconforto que permeia toda a narrativa - a sensação de angústia é mesmo muito presente. O roteiro de Bier ao lado de Anders Thomas Jensen (vencedor do Oscar pelo curta-metragem "Election Night", depois de improváveis três indicações seguidas ao mesmo prêmio) nos provoca, a todo momento, refletir sobre as consequências de nossas escolhas, mesmo as mais difíceis, e como elas podem moldar nosso destino de maneiras tão inesperadas - isso toca nosso coração de verdade. Então, sem muita enrolação, não deixa de assistir esse filme, você não vai se arrepender!
"Loveless" (titulo original) foi o representante da Russia indicadopara o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2018. Olha, é um filmão!!!
Zhenya (Maryana Spivak) e Boris (Aleksey Rozin) estão no meio de um processo de divórcio litigioso, cheio de ressentimento, frustração e acusações. Ambos estão tentando iniciar novos ciclos, cada um com um novo parceiro. Ele estão impacientes para começar essa nova vida e virar a página desse tortuoso casamento - mesmo que isso implique na ameaça de abandonar o filho de 12 anos, Alyosha (Matvey Novikov). Depois de testemunhar uma das várias discussões dos pais, Alyosha simplesmente desaparece e a vida de Zhenya e Boris entram em parafuso! Confira o trailer:
Muito bem dirigido pelo Andrei Zvyagintsev, o mesmo de "Leviathan", que também disputou o Oscar em 2015. O cara é uma espécie de Asghar Farhadi da Rússia. Normalmente ele destrincha a relação humana até as últimas consequências sem o menor pudor de mostrar as imperfeições mais comuns do ser humano, porém ele emoldura esses dramas com uma fotografia sensacional - eu diria, inclusive, que a foto de "Loveless" é uma das mais bonitas do ano. Trabalho do seu parceiro Mikhail Krichman.
Além dessa atmosférica única (e fria), os movimentos de câmera são precisos, até quando ela não se movimenta, por mais paradoxal que possa parecer. Zvyagintsev e Krichman já tinham feito exatamente isso em "Leviathan" e repetiu muito bem agora. O diretor cria sensações durante o filme inteiro e você embarca na maneira como ele narra os fatos de uma forma muito particular, pois você nunca sabe quem está certo, quem está errado, quem é o mocinho, quem é o bandido! É muito desafiador conhecer os personagens dos filmes dele, pois essas imperfeições estão sempre lá, mas ele entrega numa medida certa!!! Em "Sem amor", por exemplo, você não sabe se o drama está na mãe, no pai, na criança, na relação entre eles (ou parte deles), no momento de vida de cada um, etc. É muito bacana!
Para quem gosta de filmes estrangeiros, independentes, com potencial de Oscar, essa é uma grande oportunidade de conhecer o cinema Russo. Vale muito a pena!
"Loveless" (titulo original) foi o representante da Russia indicadopara o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2018. Olha, é um filmão!!!
Zhenya (Maryana Spivak) e Boris (Aleksey Rozin) estão no meio de um processo de divórcio litigioso, cheio de ressentimento, frustração e acusações. Ambos estão tentando iniciar novos ciclos, cada um com um novo parceiro. Ele estão impacientes para começar essa nova vida e virar a página desse tortuoso casamento - mesmo que isso implique na ameaça de abandonar o filho de 12 anos, Alyosha (Matvey Novikov). Depois de testemunhar uma das várias discussões dos pais, Alyosha simplesmente desaparece e a vida de Zhenya e Boris entram em parafuso! Confira o trailer:
Muito bem dirigido pelo Andrei Zvyagintsev, o mesmo de "Leviathan", que também disputou o Oscar em 2015. O cara é uma espécie de Asghar Farhadi da Rússia. Normalmente ele destrincha a relação humana até as últimas consequências sem o menor pudor de mostrar as imperfeições mais comuns do ser humano, porém ele emoldura esses dramas com uma fotografia sensacional - eu diria, inclusive, que a foto de "Loveless" é uma das mais bonitas do ano. Trabalho do seu parceiro Mikhail Krichman.
Além dessa atmosférica única (e fria), os movimentos de câmera são precisos, até quando ela não se movimenta, por mais paradoxal que possa parecer. Zvyagintsev e Krichman já tinham feito exatamente isso em "Leviathan" e repetiu muito bem agora. O diretor cria sensações durante o filme inteiro e você embarca na maneira como ele narra os fatos de uma forma muito particular, pois você nunca sabe quem está certo, quem está errado, quem é o mocinho, quem é o bandido! É muito desafiador conhecer os personagens dos filmes dele, pois essas imperfeições estão sempre lá, mas ele entrega numa medida certa!!! Em "Sem amor", por exemplo, você não sabe se o drama está na mãe, no pai, na criança, na relação entre eles (ou parte deles), no momento de vida de cada um, etc. É muito bacana!
Para quem gosta de filmes estrangeiros, independentes, com potencial de Oscar, essa é uma grande oportunidade de conhecer o cinema Russo. Vale muito a pena!
"Sentimental" vai te surpreender pela qualidade do texto, pela capacidade do elenco e, principalmente, pela forma inteligente como as relações entre casais são discutidas com um leve toque de ironia, mas nem por isso menos verdadeira. Esse filme do excelente diretor catalão Cesc Gay (o mesmo dos também excelentes "O que os homens falam" e "Truman") é mais um presente do cinema espanhol que transita perfeitamente entre a comédia e o drama para expor, sem receio algum de parecer invasivo, a complexidade das relações humanas - com suas similaridades e particularidades.
Há 15 anos juntos, o casamento de Julio (Javier Cámara) e Ana (Griselda Siciliani) já não é mais o mesmo. Apesar de se gostarem, eles estão constantemente em embates, sempre dispostos em implicar um com o outro - sem falar, é claro, que em termos de relações sexuais, há muito já não existe. As coisas se complicam ainda mais quando os vizinhos de cima, Laura (Belén Cuesta) e Salva (Alberto San Juan), são convidados por Ana para um vinho em seu apartamento. O choque de realidades entre um casal aparentemente feliz e de bem com a vida e outro em plena crise, é imediato, e quando um assunto delicado vem à tona... Confira o trailer:
Com apenas 82 minutos e um time perfeito, "Sentimental" é muito competente em apresentar um cenário inusitado de forma espirituosa e inteligente - bem ao estilo de "Perfeitos Desconhecidos", eu diria. Inegavelmente referenciado pelos áureos tempos de Woody Allen, Cesc Gay equilibra o sarcasmo com uma franqueza quase ofensiva para tocar em pontos extremamente realistas e por si só bastante delicados. Ao usar discussões ou abordagens não convencionais sobre sexo, o diretor se aprofunda mesmo é no tédio que afeta as relações ao longo do tempo - com isso ele acaba criando um embate natural e introspectivo do que representa, de fato, estar com alguém (sem saber exatamente se é isso que ambos querem).
Por se tratar de dois casais de classe-média, algumas propostas estabelecidas pelo roteiro nos impactam de imediato - as convenções sociais que muitas vezes nos orientam, independente dos nossos planejamentos como indivíduos, são brilhantemente retratadas por um Javier Cámara no melhor da sua forma e por uma Griselda Siciliani que entrega uma personagem muito mais profunda e cheia de camadas do que possa parecer - ambos foram indicados para o Goya Awards em 2021. Mas quem ganhou mesmo foi o "bombeiro" Salva, Alberto San Juan - ele está simplesmente impecável (é impressionante como seus pensamentos, quase todos eróticos, são facilmente decodificados pelo seu olhar e pelo seu sorriso).
Como uma imperdível peça de teatro e com um elenco dos mais afiados, "Sentimental" vai te fazer sorrir, refletir e até te emocionar, dentro de uma simplicidade narrativa, sem se apegar em estereótipos ou atalhos cômicos, para contar uma história inusitada, mas tão palpável e realista que, mesmo com cenas mais longas e basicamente apoiadas nos diálogos, se justificam pelo simples fato de estar mostrando a vida exatamente como ela é!
Vale muito o seu play!
"Sentimental" vai te surpreender pela qualidade do texto, pela capacidade do elenco e, principalmente, pela forma inteligente como as relações entre casais são discutidas com um leve toque de ironia, mas nem por isso menos verdadeira. Esse filme do excelente diretor catalão Cesc Gay (o mesmo dos também excelentes "O que os homens falam" e "Truman") é mais um presente do cinema espanhol que transita perfeitamente entre a comédia e o drama para expor, sem receio algum de parecer invasivo, a complexidade das relações humanas - com suas similaridades e particularidades.
Há 15 anos juntos, o casamento de Julio (Javier Cámara) e Ana (Griselda Siciliani) já não é mais o mesmo. Apesar de se gostarem, eles estão constantemente em embates, sempre dispostos em implicar um com o outro - sem falar, é claro, que em termos de relações sexuais, há muito já não existe. As coisas se complicam ainda mais quando os vizinhos de cima, Laura (Belén Cuesta) e Salva (Alberto San Juan), são convidados por Ana para um vinho em seu apartamento. O choque de realidades entre um casal aparentemente feliz e de bem com a vida e outro em plena crise, é imediato, e quando um assunto delicado vem à tona... Confira o trailer:
Com apenas 82 minutos e um time perfeito, "Sentimental" é muito competente em apresentar um cenário inusitado de forma espirituosa e inteligente - bem ao estilo de "Perfeitos Desconhecidos", eu diria. Inegavelmente referenciado pelos áureos tempos de Woody Allen, Cesc Gay equilibra o sarcasmo com uma franqueza quase ofensiva para tocar em pontos extremamente realistas e por si só bastante delicados. Ao usar discussões ou abordagens não convencionais sobre sexo, o diretor se aprofunda mesmo é no tédio que afeta as relações ao longo do tempo - com isso ele acaba criando um embate natural e introspectivo do que representa, de fato, estar com alguém (sem saber exatamente se é isso que ambos querem).
Por se tratar de dois casais de classe-média, algumas propostas estabelecidas pelo roteiro nos impactam de imediato - as convenções sociais que muitas vezes nos orientam, independente dos nossos planejamentos como indivíduos, são brilhantemente retratadas por um Javier Cámara no melhor da sua forma e por uma Griselda Siciliani que entrega uma personagem muito mais profunda e cheia de camadas do que possa parecer - ambos foram indicados para o Goya Awards em 2021. Mas quem ganhou mesmo foi o "bombeiro" Salva, Alberto San Juan - ele está simplesmente impecável (é impressionante como seus pensamentos, quase todos eróticos, são facilmente decodificados pelo seu olhar e pelo seu sorriso).
Como uma imperdível peça de teatro e com um elenco dos mais afiados, "Sentimental" vai te fazer sorrir, refletir e até te emocionar, dentro de uma simplicidade narrativa, sem se apegar em estereótipos ou atalhos cômicos, para contar uma história inusitada, mas tão palpável e realista que, mesmo com cenas mais longas e basicamente apoiadas nos diálogos, se justificam pelo simples fato de estar mostrando a vida exatamente como ela é!
Vale muito o seu play!