Se "Bela Vingança" tem um grande mérito, eu diria que é o de ser um filme corajoso e que mesmo com uma certa previsibilidade (proposital), não tem receio algum de correr riscos, entregando um resultado estético e narrativo que merece ser elogiado de pé! O filme de estreia como diretora da atriz (já indicada ao Emmy duas vezes, por "The Crown" e por "Killing Eve") Emerald Fennell, transborda honestidade e responsabilidade ao tocar em uma ferida delicada e que vai gerar muito desconforto: a teoria do estupro discutida não só pelo lado de quem sofre, mas também pelo lado de quem se omite. Veja, existe sim um componente claramente didático no roteiro (que levou o Oscar de "original" em 2020), mas nem por isso o entretenimento é colocado de lado e mesmo com algumas cenas bem chocantes visualmente, fica fácil entender mesmo quando o lado mais intimo do ser humano é retratado - é aí que sentimos na pele.
Cassie (Carey Mulligan) é uma mulher com profundos traumas do passado que frequenta bares todas as noites e que finge estar bêbada para quando homens mal-intencionados se aproximarem com a desculpa de que vão ajudá-la, entrar em ação e se vingar dos predadores que tiveram o azar de conhecê-la. Acontece que nem todos os homens, aparentemente, estão na mesma prateleira, é aí que Cassie começa a refletir se sua postura é a mais correta e se suas escolhas de vida estão, de fato, a fazendo feliz. Confira o trailer:
"Bela Vingança" tem um cuidado que pode passar batido pelos mais desatentos, mas que vale pontuar para que você preste bem atenção e aproveite melhor a experiência: o filme pode até parecer meio sem identidade, com uma narrativa um pouco desconexa e sem manter um padrão visual alinhado com a proposta inicial, mas tudo isso tem sua razão de ser. Se no primeiro momento a estética lembra um slasher dos anos 80 (como "X - A Marca da Morte"), rapidamente ele pode soar como um drama adolescente (ao melhor estilo "Nudes" ou "13 Reasons Why") e por fim ainda emular uma certa atmosfera moderninha de comédia romântica (meio "Modern Love") - e tudo isso não acontece por acaso, é como se existisse uma representação gráfica da confusão mental pela qual a protagonista tem que conviver e que vai se misturando durante a trama. A relação com seus pais é um ótimo exemplo desse conceito. Aliás essa escolha de Fennell faz todo sentido quando olhamos em retrospectiva depois que descobrimos todas as nuances da história e por quais caminhos ela se desenvolve até o final - é genial essa sensibilidade do roteiro e da direção.
Mulligan está simplesmente sensacional como Cassandra - reparem como ela trabalha seu range de interpretação sem antecipar suas motivações, ou seja, você nunca sabe o que esperar da atriz em cena. Seu estilo fisico sugere certa meiguice; seu humor, alguma ironia; e suas ações alguma angustia. É impressionante, inclusive, como a escalação do elenco foi feliz em construir uma persona de "quem vê cara, não vê coração" também do lado masculino, trazendo ídolos de outras produções que marcaram época como “caras legais” - a ideia de quebra de expectativas é fundamental para entendermos a raiz do problema que o filme discute com sabedoria.
"Bela Vingança" pode até soar como um belo tapa na cara para a masculinidade tóxica, mas isso seria uma análise superficial e lacradora demais para nosso conceito editorial, já que, como obra cinematográfica, o filme vai muito além ao respeitar o que mais interessa em toda essa discussão: entender o sentimento de quem carrega essa marca seja pelo ato que não necessariamente tenha sofrido, mas que de alguma forma impactou em sua vida e que foi potencializado pelo "caminhão de omissões" típicas de uma sociedade hipócrita - a cena com a reitora da faculdade é impagável justamente por isso). Os últimos vinte minutos do filme, aliás, são essenciais para fechar o arco com sagacidade e ousadia, o que transforma a jornada de um gosto amargo em um fio de esperança!
Vale muito o seu play!
Se "Bela Vingança" tem um grande mérito, eu diria que é o de ser um filme corajoso e que mesmo com uma certa previsibilidade (proposital), não tem receio algum de correr riscos, entregando um resultado estético e narrativo que merece ser elogiado de pé! O filme de estreia como diretora da atriz (já indicada ao Emmy duas vezes, por "The Crown" e por "Killing Eve") Emerald Fennell, transborda honestidade e responsabilidade ao tocar em uma ferida delicada e que vai gerar muito desconforto: a teoria do estupro discutida não só pelo lado de quem sofre, mas também pelo lado de quem se omite. Veja, existe sim um componente claramente didático no roteiro (que levou o Oscar de "original" em 2020), mas nem por isso o entretenimento é colocado de lado e mesmo com algumas cenas bem chocantes visualmente, fica fácil entender mesmo quando o lado mais intimo do ser humano é retratado - é aí que sentimos na pele.
Cassie (Carey Mulligan) é uma mulher com profundos traumas do passado que frequenta bares todas as noites e que finge estar bêbada para quando homens mal-intencionados se aproximarem com a desculpa de que vão ajudá-la, entrar em ação e se vingar dos predadores que tiveram o azar de conhecê-la. Acontece que nem todos os homens, aparentemente, estão na mesma prateleira, é aí que Cassie começa a refletir se sua postura é a mais correta e se suas escolhas de vida estão, de fato, a fazendo feliz. Confira o trailer:
"Bela Vingança" tem um cuidado que pode passar batido pelos mais desatentos, mas que vale pontuar para que você preste bem atenção e aproveite melhor a experiência: o filme pode até parecer meio sem identidade, com uma narrativa um pouco desconexa e sem manter um padrão visual alinhado com a proposta inicial, mas tudo isso tem sua razão de ser. Se no primeiro momento a estética lembra um slasher dos anos 80 (como "X - A Marca da Morte"), rapidamente ele pode soar como um drama adolescente (ao melhor estilo "Nudes" ou "13 Reasons Why") e por fim ainda emular uma certa atmosfera moderninha de comédia romântica (meio "Modern Love") - e tudo isso não acontece por acaso, é como se existisse uma representação gráfica da confusão mental pela qual a protagonista tem que conviver e que vai se misturando durante a trama. A relação com seus pais é um ótimo exemplo desse conceito. Aliás essa escolha de Fennell faz todo sentido quando olhamos em retrospectiva depois que descobrimos todas as nuances da história e por quais caminhos ela se desenvolve até o final - é genial essa sensibilidade do roteiro e da direção.
Mulligan está simplesmente sensacional como Cassandra - reparem como ela trabalha seu range de interpretação sem antecipar suas motivações, ou seja, você nunca sabe o que esperar da atriz em cena. Seu estilo fisico sugere certa meiguice; seu humor, alguma ironia; e suas ações alguma angustia. É impressionante, inclusive, como a escalação do elenco foi feliz em construir uma persona de "quem vê cara, não vê coração" também do lado masculino, trazendo ídolos de outras produções que marcaram época como “caras legais” - a ideia de quebra de expectativas é fundamental para entendermos a raiz do problema que o filme discute com sabedoria.
"Bela Vingança" pode até soar como um belo tapa na cara para a masculinidade tóxica, mas isso seria uma análise superficial e lacradora demais para nosso conceito editorial, já que, como obra cinematográfica, o filme vai muito além ao respeitar o que mais interessa em toda essa discussão: entender o sentimento de quem carrega essa marca seja pelo ato que não necessariamente tenha sofrido, mas que de alguma forma impactou em sua vida e que foi potencializado pelo "caminhão de omissões" típicas de uma sociedade hipócrita - a cena com a reitora da faculdade é impagável justamente por isso). Os últimos vinte minutos do filme, aliás, são essenciais para fechar o arco com sagacidade e ousadia, o que transforma a jornada de um gosto amargo em um fio de esperança!
Vale muito o seu play!
Antes de mais nada é preciso dizer que "Califado" é surpreendente e muito em breve deve cair no gosto de muitos assinantes da Netflix. Essa série sueca de 8 episódios é muito original, se não pelo tema, pela forma como retrata o terrorismo ao nos colocar dentro do extremismo devastador do Estado Islâmico!
"Califado" acompanha três personagens-chaves, não por acaso, mulheres: Pervin (Gizem Erdogan) é uma sueca que mora na Síria e que vive o terror de viver com o marido Husam (Amed Bozan), jihadista do Estado Islâmico. Já Fatima (Aliette Opheim) é uma policial sueca que faz parte de um departamento que monitora atividades do Oriente Médio, muitas delas terroristas. E por fim, Sulle (Nora Rios), uma adolescente de 15 anos, adepta da religião muçulmana, que acredita que o governo sueco é contra sua crença e que a luta extremista do E.I. é 100% legítima! Embora as três histórias pareçam completamente distintas, elas começam a se interligar (e esse é um dos pontos altos da série) quando surge a suspeita que um possível ataque terrorista está sendo orquestrado a partir da Síria e que o alvo é a Suécia. Confira o trailer (dublado):
O maior mérito da série é o nível de tensão que ela vai criando - quase como uma bola de neve, eu diria. O roteiro é muito feliz ao construir uma complexa rede entre os personagens e fatos isolados que parecem sem conexão, nos provocando a não acreditar em tudo que assistimos - mais ou menos como "Homeland" fez em suas primeiras temporadas, porém com o agravante de nos mostrar um universo pouco confortável, cheio de dogmas e costumes difíceis de digerir (um sentimento muito próximo da experiência de assistir "Nada Ortodoxa")! Olha, "Califado" é uma série excelente, mas é pesada, tem cenas fortes e mexe com um assunto que mesmo parecendo muito distante, nos soa muito familiar!
O fanatismo e a irracionalidade são elementos narrativos certeiros para séries desse gênero e "Califado" bebe muito na mesma fonte de referências que vai de "24 horas" à, já citada,"Homeland". Justamente por isso, essa produção sueca se apoia em um nível de qualidade de produção excelente e na tradição nórdica de séries de investigação para entregar um drama focado nos personagens e não no terrorismo em si! A própria trama da personagem que investiga a denúncia do possível ataque e que supostamente seria a protagonista (Fatima), não tem a força dramática que as histórias de Sulle (e de sua família) e, principalmente, de Pervin - que, na minha opinião, rouba essa primeira temporada pra ela! Pervin vive em um ambiente claustrofóbico, onde o nível de tensão e o medo da morte é absurdo. O reflexo da sua jornada nos atinge a cada episódio e, por incrível que pareça, nos distancia de quem deveria ser a heroína - criando até uma certa antipatia por ela. Já Sulle funciona como ponto de reflexão, empatia e identificação para quem se coloca no lugar de seus pais - aqui a discussão ganha profundidade e, te garanto, é difícil encontrar as respostas!
O diretor Goran Kapetanovic é muito criativo na sua forma de contar a história - com uma câmera mais solta, nervosa até, temos a real impressão de sempre estarmos seguindo algum personagem e é incrível como o sentimento de insegurança e angústia toma conta de nós quando os perdemos de vista, mesmo com a câmera ainda se movimentando, meio perdida, até que nos encontramos com eles novamente - e quando isso acontece não gostamos muito do que vemos! Outro ponto que vale reparar é como Kapetanovic escolhe o que vai mostrar e mesmo quando ele só sugere, já sentimos exatamente a tensão que a cena pede - e isso acontece muito, reparem! A fotografia do diretor Jonas Alarik segue muito a escola nórdica de enquadramento, porém sem aquele look gélido, azulado, frio, e sim trazendo o marrom, o calor, cheio de contrastes de Raqqa, na Síria, intercalando planos extremamente fechados com panorâmicas belíssimas. As cenas em Estocolmo seguem a mesma lógica, sempre com a preocupação de mostrar o que é real, sem maquiagem - e isso ajuda a contar a história de uma forma muito interessante. Me lembrou um filme alemão sensacional e que eu indico de olhos fechados, chamado "Em Pedaços".
"Califado" é uma ótima surpresa e um entretenimento de altíssima qualidade para quem gosta de séries de investigação, terrorismo e dramas pessoais. O roteiro nos prende do começo ao fim e, mesmo tendo um ou outro deslize, justifica a quantidade de elogios que a série vem recebendo da crítica. Agora é esperar o anuncio da segunda temporada!
Vale seu play sem o menor medo de errar!
Antes de mais nada é preciso dizer que "Califado" é surpreendente e muito em breve deve cair no gosto de muitos assinantes da Netflix. Essa série sueca de 8 episódios é muito original, se não pelo tema, pela forma como retrata o terrorismo ao nos colocar dentro do extremismo devastador do Estado Islâmico!
"Califado" acompanha três personagens-chaves, não por acaso, mulheres: Pervin (Gizem Erdogan) é uma sueca que mora na Síria e que vive o terror de viver com o marido Husam (Amed Bozan), jihadista do Estado Islâmico. Já Fatima (Aliette Opheim) é uma policial sueca que faz parte de um departamento que monitora atividades do Oriente Médio, muitas delas terroristas. E por fim, Sulle (Nora Rios), uma adolescente de 15 anos, adepta da religião muçulmana, que acredita que o governo sueco é contra sua crença e que a luta extremista do E.I. é 100% legítima! Embora as três histórias pareçam completamente distintas, elas começam a se interligar (e esse é um dos pontos altos da série) quando surge a suspeita que um possível ataque terrorista está sendo orquestrado a partir da Síria e que o alvo é a Suécia. Confira o trailer (dublado):
O maior mérito da série é o nível de tensão que ela vai criando - quase como uma bola de neve, eu diria. O roteiro é muito feliz ao construir uma complexa rede entre os personagens e fatos isolados que parecem sem conexão, nos provocando a não acreditar em tudo que assistimos - mais ou menos como "Homeland" fez em suas primeiras temporadas, porém com o agravante de nos mostrar um universo pouco confortável, cheio de dogmas e costumes difíceis de digerir (um sentimento muito próximo da experiência de assistir "Nada Ortodoxa")! Olha, "Califado" é uma série excelente, mas é pesada, tem cenas fortes e mexe com um assunto que mesmo parecendo muito distante, nos soa muito familiar!
O fanatismo e a irracionalidade são elementos narrativos certeiros para séries desse gênero e "Califado" bebe muito na mesma fonte de referências que vai de "24 horas" à, já citada,"Homeland". Justamente por isso, essa produção sueca se apoia em um nível de qualidade de produção excelente e na tradição nórdica de séries de investigação para entregar um drama focado nos personagens e não no terrorismo em si! A própria trama da personagem que investiga a denúncia do possível ataque e que supostamente seria a protagonista (Fatima), não tem a força dramática que as histórias de Sulle (e de sua família) e, principalmente, de Pervin - que, na minha opinião, rouba essa primeira temporada pra ela! Pervin vive em um ambiente claustrofóbico, onde o nível de tensão e o medo da morte é absurdo. O reflexo da sua jornada nos atinge a cada episódio e, por incrível que pareça, nos distancia de quem deveria ser a heroína - criando até uma certa antipatia por ela. Já Sulle funciona como ponto de reflexão, empatia e identificação para quem se coloca no lugar de seus pais - aqui a discussão ganha profundidade e, te garanto, é difícil encontrar as respostas!
O diretor Goran Kapetanovic é muito criativo na sua forma de contar a história - com uma câmera mais solta, nervosa até, temos a real impressão de sempre estarmos seguindo algum personagem e é incrível como o sentimento de insegurança e angústia toma conta de nós quando os perdemos de vista, mesmo com a câmera ainda se movimentando, meio perdida, até que nos encontramos com eles novamente - e quando isso acontece não gostamos muito do que vemos! Outro ponto que vale reparar é como Kapetanovic escolhe o que vai mostrar e mesmo quando ele só sugere, já sentimos exatamente a tensão que a cena pede - e isso acontece muito, reparem! A fotografia do diretor Jonas Alarik segue muito a escola nórdica de enquadramento, porém sem aquele look gélido, azulado, frio, e sim trazendo o marrom, o calor, cheio de contrastes de Raqqa, na Síria, intercalando planos extremamente fechados com panorâmicas belíssimas. As cenas em Estocolmo seguem a mesma lógica, sempre com a preocupação de mostrar o que é real, sem maquiagem - e isso ajuda a contar a história de uma forma muito interessante. Me lembrou um filme alemão sensacional e que eu indico de olhos fechados, chamado "Em Pedaços".
"Califado" é uma ótima surpresa e um entretenimento de altíssima qualidade para quem gosta de séries de investigação, terrorismo e dramas pessoais. O roteiro nos prende do começo ao fim e, mesmo tendo um ou outro deslize, justifica a quantidade de elogios que a série vem recebendo da crítica. Agora é esperar o anuncio da segunda temporada!
Vale seu play sem o menor medo de errar!
"Clemência: A História de Cyntoia Brown" é mais uma empreitada da Netflix que segue a linha "Making a Murderer", mas que, embora seja um ótimo documentário, não surpreende com alguma reviravolta que nos faça perder o sentido, como ficou tão característico nesse tipo de produção que nos apresenta detalhes sobre personagens envolvidos em crimes reais. É claro que o fato de ser um filme e não uma série, ter pouco mais de 90 minutos, interfere demais na narrativa - não há tempo para um aprofundamento maior, mas cá entre nós: Cyntoia Brownnão me pareceu ter a "força" de um Steven Avery ou de um Robert Durst de "The Jinx" e isso fica muito claro durante os "saltos temporais" entre a sua prisão e as razões que levaram até sua tentativa de obter clemência do governador do Tennessee.
Veja bem: certa noite, Cyntoia, uma garota negra de 16 anos, conheceu um homem branco chamado Johnny Allen, no estacionamento de uma lanchonete, próximo a casa do seu então namorado: o traficante e cafetão, Kut-Throat. Depois de um bate-papo rápido, Allen perguntou se Cyntoia estava pronta para "ação". Ao responder afirmativamente, eles acertaram os valores e foram para a casa dele. Acontece que, em algum momento após a relação sexual, Cyntoia Brown pegou a arma que estava em sua bolsa e disparou contra Johnny Allen pelas costas. Ele morreu na hora e Cyntoia ainda levou 172 dólares da sua carteira, duas armas e a caminhonete do rapaz. Ao ser detida, Cyntoia confessou o crime, mas declarou ter agido em legítima defesa - o que, claro, não colou para ninguém! Confira o trailer (em inglês):
Quando vemos uma adolescente sendo julgada como adulta e depois condenada à prisão perpétua por homicídio (e mais 3 crimes), imediatamente criamos uma certa empatia pela personagem, como ser humano, porém nos afastamos desse sentimento quando refletimos sobre a versão que Cyntoia tanto defende e que não parece nada plausível dada as provas periciais - o fato dela nunca ter demonstrado arrependimento algum, certamente, também colabora para esse distanciamento. O interessante é que o roteiro do diretor Daniel H. Birman não se propõe a defender a versão de Cyntoia e sim apresentar a tese de que circunstâncias sociais e fisiológicas a levaram cometer o crime! É um documentário curioso nesse sentido, diferente do que estamos acostumados, e por isso me agradou tanto, mesmo sendo óbvio e pouco surpreendente, vale a pena conhecer essa história e os desdobramentos que Birman nos conta.
Em 2011, o diretor Daniel H. Birman já havia produzido um documentário sobre o caso, chamado: "Me Facing Life: Cyntoia's Story", até que 9 anos depois, ele retorna ao tema para nos apresentar alguns fatos inéditos, com várias imagens exclusivas e algumas informações que na época do julgamento pareciam improváveis, mas que agora tem uma força reveladora e passível de mudar o rumo do caso. Fica claro que o diretor defende a tese pessoal de que Cyntoia deveria ser libertada imediatamente e que sua condenação não existiria se o julgamento tivesse ocorrido nos tempos atuais. O roteiro não se preocupa em mostrar o outro lado da história, ele é um exercício escancarado de argumentação - inclusive se apoiando em uma campanha liderada por vários famosos, de 2017, a favor de Cyntoia.
Apesar de "Clemência: A História de Cyntoia Brown" ter se concentrando na dinâmica legal do caso e não nas investigações do assassinato, usando e abusando de cenas de audiências e de conversas entre advogados e especialistas, Burman nos convida para uma reflexão muito mais do ponto de vista moral do que pela discussão dos fatos em si. Quando ele explora que a garota possui alguma deficiência intelectual ou um transtorno de bipolaridade, que seu histórico familiar foi marcada pelo alcoolismo e pela violência, ele deixa de lado a razão pela qual Cyntoia Brown atirou em Johnny Allen, para defender que essa ação foi um reflexo natural da sua experiência como ser humano até ali - o advogado de Cyntoia chega a comentar: "Matar alguém é errado, e ninguém contesta isso. No entanto, o que leva uma menina de 16 anos a cometer um assassinato como esse?"
Sim, nos vemos refletindo sobre os pontos levantados em defesa de Cyntoia, mas em nenhum momento somos levados ao outro lado da história e isso incomoda um pouco. Em compensação somos convidados a ver a história de uma outra forma, que para alguns fará mais sentido do que para outros, mas o fato é que a construção narrativa do documentário trabalha como um quebra-cabeça de fácil resolução, basta nos fazer acreditar naquela tese! Para quem gosta do gênero, será mais um bom filme que merece ser assistido; só não espere o improvável porque o objetivo não é esse e desde o começo sabemos qual é!
"Clemência: A História de Cyntoia Brown" é mais uma empreitada da Netflix que segue a linha "Making a Murderer", mas que, embora seja um ótimo documentário, não surpreende com alguma reviravolta que nos faça perder o sentido, como ficou tão característico nesse tipo de produção que nos apresenta detalhes sobre personagens envolvidos em crimes reais. É claro que o fato de ser um filme e não uma série, ter pouco mais de 90 minutos, interfere demais na narrativa - não há tempo para um aprofundamento maior, mas cá entre nós: Cyntoia Brownnão me pareceu ter a "força" de um Steven Avery ou de um Robert Durst de "The Jinx" e isso fica muito claro durante os "saltos temporais" entre a sua prisão e as razões que levaram até sua tentativa de obter clemência do governador do Tennessee.
Veja bem: certa noite, Cyntoia, uma garota negra de 16 anos, conheceu um homem branco chamado Johnny Allen, no estacionamento de uma lanchonete, próximo a casa do seu então namorado: o traficante e cafetão, Kut-Throat. Depois de um bate-papo rápido, Allen perguntou se Cyntoia estava pronta para "ação". Ao responder afirmativamente, eles acertaram os valores e foram para a casa dele. Acontece que, em algum momento após a relação sexual, Cyntoia Brown pegou a arma que estava em sua bolsa e disparou contra Johnny Allen pelas costas. Ele morreu na hora e Cyntoia ainda levou 172 dólares da sua carteira, duas armas e a caminhonete do rapaz. Ao ser detida, Cyntoia confessou o crime, mas declarou ter agido em legítima defesa - o que, claro, não colou para ninguém! Confira o trailer (em inglês):
Quando vemos uma adolescente sendo julgada como adulta e depois condenada à prisão perpétua por homicídio (e mais 3 crimes), imediatamente criamos uma certa empatia pela personagem, como ser humano, porém nos afastamos desse sentimento quando refletimos sobre a versão que Cyntoia tanto defende e que não parece nada plausível dada as provas periciais - o fato dela nunca ter demonstrado arrependimento algum, certamente, também colabora para esse distanciamento. O interessante é que o roteiro do diretor Daniel H. Birman não se propõe a defender a versão de Cyntoia e sim apresentar a tese de que circunstâncias sociais e fisiológicas a levaram cometer o crime! É um documentário curioso nesse sentido, diferente do que estamos acostumados, e por isso me agradou tanto, mesmo sendo óbvio e pouco surpreendente, vale a pena conhecer essa história e os desdobramentos que Birman nos conta.
Em 2011, o diretor Daniel H. Birman já havia produzido um documentário sobre o caso, chamado: "Me Facing Life: Cyntoia's Story", até que 9 anos depois, ele retorna ao tema para nos apresentar alguns fatos inéditos, com várias imagens exclusivas e algumas informações que na época do julgamento pareciam improváveis, mas que agora tem uma força reveladora e passível de mudar o rumo do caso. Fica claro que o diretor defende a tese pessoal de que Cyntoia deveria ser libertada imediatamente e que sua condenação não existiria se o julgamento tivesse ocorrido nos tempos atuais. O roteiro não se preocupa em mostrar o outro lado da história, ele é um exercício escancarado de argumentação - inclusive se apoiando em uma campanha liderada por vários famosos, de 2017, a favor de Cyntoia.
Apesar de "Clemência: A História de Cyntoia Brown" ter se concentrando na dinâmica legal do caso e não nas investigações do assassinato, usando e abusando de cenas de audiências e de conversas entre advogados e especialistas, Burman nos convida para uma reflexão muito mais do ponto de vista moral do que pela discussão dos fatos em si. Quando ele explora que a garota possui alguma deficiência intelectual ou um transtorno de bipolaridade, que seu histórico familiar foi marcada pelo alcoolismo e pela violência, ele deixa de lado a razão pela qual Cyntoia Brown atirou em Johnny Allen, para defender que essa ação foi um reflexo natural da sua experiência como ser humano até ali - o advogado de Cyntoia chega a comentar: "Matar alguém é errado, e ninguém contesta isso. No entanto, o que leva uma menina de 16 anos a cometer um assassinato como esse?"
Sim, nos vemos refletindo sobre os pontos levantados em defesa de Cyntoia, mas em nenhum momento somos levados ao outro lado da história e isso incomoda um pouco. Em compensação somos convidados a ver a história de uma outra forma, que para alguns fará mais sentido do que para outros, mas o fato é que a construção narrativa do documentário trabalha como um quebra-cabeça de fácil resolução, basta nos fazer acreditar naquela tese! Para quem gosta do gênero, será mais um bom filme que merece ser assistido; só não espere o improvável porque o objetivo não é esse e desde o começo sabemos qual é!
Se "O Paraíso e a Serpente" (coprodução da BBC One com a Netflix) poderia, tranquilamente, ser uma temporada de "American Crime Story", a minissérie de dez episódios, "Dahmer: Um Canibal Americano", sem a menor dúvida, se encaixa dentro do mesmo conceito como obra antológica sobre crimes marcantes, além de se apropriar de uma narrativa muito similar ao que o próprio Ryan Murphy já desenvolveu no passado - citar "O Assassinato de Gianni Versace", inclusive, parece até natural como referência.
Aqui acompanhamos a trajetória do infame serial killer Jeffrey Dahmer (Evan Peters) através do tempo. Ao explorar a juventude do assassino até sua vida adulta, temos um retrato complexo da mente por trás do monstro que tirou a vida de 17 homens e meninos entre os anos de 1978 e 1991, em Milwaukee, nos EUA. Além de cobrir muitos dos seus brutais assassinatos, a minissérie também analisa os problemas que permitiram que Dahmer continuasse agindo com total impunidade ao longo de mais de uma década. Confira o trailer:
Embora o time de diretores encabeçado pela excelente Jennifer Lynch (de "Sob Controle") domine completamente a gramática cinematográfica do suspense, é inegável que o ponto alto da minissérie está na maneira como o elenco se relaciona com seus personagens ao ponto de termos a exata noção do terror que representou aquele universo onde Jeffrey Dahmer estava inserido. Ter a vencedora do Emmy, Niecy Nash, como a vizinha Glenda Cleveland, além de Evan Peters no melhor e mais profundo papel de sua carreira (até melhor que o do detetive Colin Zabel de "Mare of Easttown"), é de fato um privilégio - ambos estão tão bem que chega a ser impossível imaginar uma nova temporada de premiações sem a presença de ambos.
Obviamente que o foco da minissérie é expor os crimes brutais que Dahmer cometeu, porém o pano de fundo é tão potente (embora em alguns momentos o roteiro se esforce para ser didático e repetitivo demais - ao melhor estilo Ryan Murphy) que tudo se encaixa perfeitamente dentro de um fluxo narrativo que praticamente nos impede de desligar a tv antes de assistir o próximo episódio. Ao pontuar uma sociedade que convivia com o desprezo pelos grupos minoritários, com um forte racismo estrutural e com importantes falhas institucionais, "Dahmer: Um Canibal Americano" é praticamente uma obra-denúncia que sinceramente deve ter deixado muita gente constrangida.
Embora os detalhes dos crimes de Dahmer sejam até mais sugestivos do que explícitos visualmente, é preciso que se diga que algumas cenas são bem impactantes graficamente. O primeiro episódio não nos poupa, por exemplo, de fotos onde vemos corpos completamente desmembrados ou mutilados, bem como introduz algumas particularidades sobre o modo (brutal e doentio) com que o assassino se relacionava com suas vítimas. Reparem até como isso dialoga com a fotografia do Jason McCormick e do veterano John T. Connor - ela vai se tornando mais escura com o passar do tempo, indicando o caminho sombrio que o protagonista escolheu. Os planos mais longos também merecem sua atenção - eles são tão bem planejados que os movimentos soam quase como documentais, dando uma sensação de realidade impressionante.
"Dahmer: Um Canibal Americano" é um soco no estômago que vai ganhando maior intensidade conforme os episódios vão se desenrolando. Talvez pelo caminho escolhido para contar uma história real tão complexa e aterrorizante, dentro de um recorte de tempo tão extenso, prejudique um pouco a experiência - você vai notar isso a partir do episódio 6 quando o foco da história muda um pouco. Porém, é inegável a capacidade de Ryan Murphy em entregar entretenimento onde normalmente se encontraria repulsa e esse é o que faz dessa minissérie despontar como uma ótima surpresa no catálogo da Netflix mesmo com aquela sensação de "já vi algo parecido em algum lugar" e sem o selo respeitável de "American Crime Story" da FX.
Vale seu play!
Se "O Paraíso e a Serpente" (coprodução da BBC One com a Netflix) poderia, tranquilamente, ser uma temporada de "American Crime Story", a minissérie de dez episódios, "Dahmer: Um Canibal Americano", sem a menor dúvida, se encaixa dentro do mesmo conceito como obra antológica sobre crimes marcantes, além de se apropriar de uma narrativa muito similar ao que o próprio Ryan Murphy já desenvolveu no passado - citar "O Assassinato de Gianni Versace", inclusive, parece até natural como referência.
Aqui acompanhamos a trajetória do infame serial killer Jeffrey Dahmer (Evan Peters) através do tempo. Ao explorar a juventude do assassino até sua vida adulta, temos um retrato complexo da mente por trás do monstro que tirou a vida de 17 homens e meninos entre os anos de 1978 e 1991, em Milwaukee, nos EUA. Além de cobrir muitos dos seus brutais assassinatos, a minissérie também analisa os problemas que permitiram que Dahmer continuasse agindo com total impunidade ao longo de mais de uma década. Confira o trailer:
Embora o time de diretores encabeçado pela excelente Jennifer Lynch (de "Sob Controle") domine completamente a gramática cinematográfica do suspense, é inegável que o ponto alto da minissérie está na maneira como o elenco se relaciona com seus personagens ao ponto de termos a exata noção do terror que representou aquele universo onde Jeffrey Dahmer estava inserido. Ter a vencedora do Emmy, Niecy Nash, como a vizinha Glenda Cleveland, além de Evan Peters no melhor e mais profundo papel de sua carreira (até melhor que o do detetive Colin Zabel de "Mare of Easttown"), é de fato um privilégio - ambos estão tão bem que chega a ser impossível imaginar uma nova temporada de premiações sem a presença de ambos.
Obviamente que o foco da minissérie é expor os crimes brutais que Dahmer cometeu, porém o pano de fundo é tão potente (embora em alguns momentos o roteiro se esforce para ser didático e repetitivo demais - ao melhor estilo Ryan Murphy) que tudo se encaixa perfeitamente dentro de um fluxo narrativo que praticamente nos impede de desligar a tv antes de assistir o próximo episódio. Ao pontuar uma sociedade que convivia com o desprezo pelos grupos minoritários, com um forte racismo estrutural e com importantes falhas institucionais, "Dahmer: Um Canibal Americano" é praticamente uma obra-denúncia que sinceramente deve ter deixado muita gente constrangida.
Embora os detalhes dos crimes de Dahmer sejam até mais sugestivos do que explícitos visualmente, é preciso que se diga que algumas cenas são bem impactantes graficamente. O primeiro episódio não nos poupa, por exemplo, de fotos onde vemos corpos completamente desmembrados ou mutilados, bem como introduz algumas particularidades sobre o modo (brutal e doentio) com que o assassino se relacionava com suas vítimas. Reparem até como isso dialoga com a fotografia do Jason McCormick e do veterano John T. Connor - ela vai se tornando mais escura com o passar do tempo, indicando o caminho sombrio que o protagonista escolheu. Os planos mais longos também merecem sua atenção - eles são tão bem planejados que os movimentos soam quase como documentais, dando uma sensação de realidade impressionante.
"Dahmer: Um Canibal Americano" é um soco no estômago que vai ganhando maior intensidade conforme os episódios vão se desenrolando. Talvez pelo caminho escolhido para contar uma história real tão complexa e aterrorizante, dentro de um recorte de tempo tão extenso, prejudique um pouco a experiência - você vai notar isso a partir do episódio 6 quando o foco da história muda um pouco. Porém, é inegável a capacidade de Ryan Murphy em entregar entretenimento onde normalmente se encontraria repulsa e esse é o que faz dessa minissérie despontar como uma ótima surpresa no catálogo da Netflix mesmo com aquela sensação de "já vi algo parecido em algum lugar" e sem o selo respeitável de "American Crime Story" da FX.
Vale seu play!
Debaixo da Ponte - A Verdadeira História do Assassinato de Reena Virk" é de fato envolvente, especialmente por transitar em universos tão distintos, mas que ao se complementarem, fazem com que a jornada ganhe um outro sentido. Se inicialmente temos a impressão de ser tratar de um drama criminal ao melhor estilo "Mare of Easttown"ou "Sharp Objects", rapidamente temos contato com outras camadas que trazem muito de "13 Reasons Why", ou mais ainda, de "Depois de Lúcia". Criada por Quinn Shephard e baseada no livro investigativo de Rebecca Godfrey, essa é uma minissérie que sabe mergulhar na brutalidade de um crime real que chocou o Canadá na década de 1990: o assassinato de Reena Virk, uma adolescente de 14 anos,, descendente indiana e com fortes influências religiosas, que foi brutalmente atacada por suas colegas. Com muita sensibilidade, a produção retrata não apenas o crime em si, mas também as dinâmicas sociais e culturais que culminaram na tragédia, oferecendo um olhar incisivo sobre questões sérias de bullying, racismo, exclusão social e violência juvenil. Assim como as referências citadas, a minissérie merece sua atenção justamente por explorar a fragilidade das estruturas sociais, bem como os impactos devastadores de uma tragédia que poderia ter sido evitada.
"Under de Bridge" (no original) se desenrola em um ritmo tenso e emocionalmente impactante, alternando entre os eventos que levaram ao assassinato de Reena (Vritika Gupta) e os desdobramentos posteriores, incluindo o impacto na comunidade, as investigações e os processos judiciais. A história não poupa a audiência de detalhes desconfortáveis, mas evita o sensacionalismo barato, optando por uma abordagem que busca compreender as motivações e circunstâncias por trás do crime. O roteiro é estruturado de maneira a apresentar as perspectivas de múltiplos personagens - desde os amigos e familiares de Reena até os jovens envolvidos no crime e as autoridades locais -, permitindo assim uma visão ampla e complexa do caso que mudou a história da ilha deVictoria, em British Columbia. Confira o trailer:
Quinn Shephard (de "Influencer de Mentira") adota uma estratégia no desenvolvimento da minissérie que equilibra a sensibilidade com a tensão. A sensibilidade certamente vem da obra de Manjit Virk, "Reena: A Father's Story", que complementa perfeitamente o estilo narrativo mais provocador de Rebecca Godfrey. Veja, o time de direção liderado pela própria Shephard, sabe disso e acaba construindo uma dinâmica onde os momentos de violência e confronto são filmados de forma crua, mas nunca explorados de maneira gráfica ou desnecessária, em contrapartida, os momentos mais introspectivos são carregados de emoção, com um uso habilidoso de silêncios e close-ups que capturam o peso daquela realidade dolosa para a família. A escolha de ambientar a série em cenários suburbanos aparentemente tranquilos cria um contraste poderoso com a violência latente da história, ressaltando como problemas sociais profundos podem estar ocultos sob uma superfície aparentemente comum.
A fotografia do Minka Farthing-Kohl (que não por acaso esteve na série "Você") utiliza tons mais sombrios e uma iluminação naturalista que reforça a autenticidade da narrativa - bem estilo HBO, sabe? Repare como as cenas ambientadas ao redor do rio e da ponte, o local onde Reena foi assassinada, são particularmente impactantes - é um visual dicotômico, que transmite tanto a beleza quanto a frieza do cenário, servindo como uma metáfora para a dualidade que a minissérie arquiteta com sabedoria entre um crime e seus responsáveis. Aqui eu preciso citar as performances do elenco - Vritika Gupta entrega uma performance comovente e autêntica, capturando a vulnerabilidade e o desejo de aceitação de Reena Virk. O elenco de apoio, especialmente Chloe Guidry, Aiyana Goodfellow e Javon 'Wanna' Walton, conseguem transmitir a mistura explosiva de imaturidade, crueldade e arrependimento que permeiam as ações daqueles adolescentes. Já Lily Gladstone (a policial Cam Bentland) e Riley Keough (a autora Rebecca Godfrey) são a base que sustentam essa trama capaz de explorar com profundidade todo aquele universo de inconsistências.
"Debaixo da Ponte" é fiel ao livro de Godfrey, mas é perspicaz ao adaptar os eventos com uma narrativa que busca tanto contar a história quanto provocar ótimas reflexões. Ao abordar questões sensíveis, especialmente sobre os perigos das dinâmicas de grupo entre adolescentes, a minissérie não se esquiva das nuances e contradições tão características da idade. O roteiro também explora a falha das instituições, desde escolas e orfanatos até a tão famigerada justiça, em proteger jovens vulneráveis como Reena, levantando assim questões relevantes sobre responsabilidade coletiva que, olha, dilaceram nosso coração. Saiba que "Debaixo da Ponte" é difícil de assistir devido à intensidade emocional e à natureza sombria de sua narrativa, no entanto posso garantir que para aqueles interessados em histórias reais que misturam investigação, drama e crítica social, o entretenimento está garantido!"
Vale o seu play!
PS: A autora Rebecca Godfrey faleceu de câncer de pulmão em outubro de 2022, apenas algumas semanas depois de assinar o contrato com o Hulu para uma adaptação de sua obra. Triste!
Debaixo da Ponte - A Verdadeira História do Assassinato de Reena Virk" é de fato envolvente, especialmente por transitar em universos tão distintos, mas que ao se complementarem, fazem com que a jornada ganhe um outro sentido. Se inicialmente temos a impressão de ser tratar de um drama criminal ao melhor estilo "Mare of Easttown"ou "Sharp Objects", rapidamente temos contato com outras camadas que trazem muito de "13 Reasons Why", ou mais ainda, de "Depois de Lúcia". Criada por Quinn Shephard e baseada no livro investigativo de Rebecca Godfrey, essa é uma minissérie que sabe mergulhar na brutalidade de um crime real que chocou o Canadá na década de 1990: o assassinato de Reena Virk, uma adolescente de 14 anos,, descendente indiana e com fortes influências religiosas, que foi brutalmente atacada por suas colegas. Com muita sensibilidade, a produção retrata não apenas o crime em si, mas também as dinâmicas sociais e culturais que culminaram na tragédia, oferecendo um olhar incisivo sobre questões sérias de bullying, racismo, exclusão social e violência juvenil. Assim como as referências citadas, a minissérie merece sua atenção justamente por explorar a fragilidade das estruturas sociais, bem como os impactos devastadores de uma tragédia que poderia ter sido evitada.
"Under de Bridge" (no original) se desenrola em um ritmo tenso e emocionalmente impactante, alternando entre os eventos que levaram ao assassinato de Reena (Vritika Gupta) e os desdobramentos posteriores, incluindo o impacto na comunidade, as investigações e os processos judiciais. A história não poupa a audiência de detalhes desconfortáveis, mas evita o sensacionalismo barato, optando por uma abordagem que busca compreender as motivações e circunstâncias por trás do crime. O roteiro é estruturado de maneira a apresentar as perspectivas de múltiplos personagens - desde os amigos e familiares de Reena até os jovens envolvidos no crime e as autoridades locais -, permitindo assim uma visão ampla e complexa do caso que mudou a história da ilha deVictoria, em British Columbia. Confira o trailer:
Quinn Shephard (de "Influencer de Mentira") adota uma estratégia no desenvolvimento da minissérie que equilibra a sensibilidade com a tensão. A sensibilidade certamente vem da obra de Manjit Virk, "Reena: A Father's Story", que complementa perfeitamente o estilo narrativo mais provocador de Rebecca Godfrey. Veja, o time de direção liderado pela própria Shephard, sabe disso e acaba construindo uma dinâmica onde os momentos de violência e confronto são filmados de forma crua, mas nunca explorados de maneira gráfica ou desnecessária, em contrapartida, os momentos mais introspectivos são carregados de emoção, com um uso habilidoso de silêncios e close-ups que capturam o peso daquela realidade dolosa para a família. A escolha de ambientar a série em cenários suburbanos aparentemente tranquilos cria um contraste poderoso com a violência latente da história, ressaltando como problemas sociais profundos podem estar ocultos sob uma superfície aparentemente comum.
A fotografia do Minka Farthing-Kohl (que não por acaso esteve na série "Você") utiliza tons mais sombrios e uma iluminação naturalista que reforça a autenticidade da narrativa - bem estilo HBO, sabe? Repare como as cenas ambientadas ao redor do rio e da ponte, o local onde Reena foi assassinada, são particularmente impactantes - é um visual dicotômico, que transmite tanto a beleza quanto a frieza do cenário, servindo como uma metáfora para a dualidade que a minissérie arquiteta com sabedoria entre um crime e seus responsáveis. Aqui eu preciso citar as performances do elenco - Vritika Gupta entrega uma performance comovente e autêntica, capturando a vulnerabilidade e o desejo de aceitação de Reena Virk. O elenco de apoio, especialmente Chloe Guidry, Aiyana Goodfellow e Javon 'Wanna' Walton, conseguem transmitir a mistura explosiva de imaturidade, crueldade e arrependimento que permeiam as ações daqueles adolescentes. Já Lily Gladstone (a policial Cam Bentland) e Riley Keough (a autora Rebecca Godfrey) são a base que sustentam essa trama capaz de explorar com profundidade todo aquele universo de inconsistências.
"Debaixo da Ponte" é fiel ao livro de Godfrey, mas é perspicaz ao adaptar os eventos com uma narrativa que busca tanto contar a história quanto provocar ótimas reflexões. Ao abordar questões sensíveis, especialmente sobre os perigos das dinâmicas de grupo entre adolescentes, a minissérie não se esquiva das nuances e contradições tão características da idade. O roteiro também explora a falha das instituições, desde escolas e orfanatos até a tão famigerada justiça, em proteger jovens vulneráveis como Reena, levantando assim questões relevantes sobre responsabilidade coletiva que, olha, dilaceram nosso coração. Saiba que "Debaixo da Ponte" é difícil de assistir devido à intensidade emocional e à natureza sombria de sua narrativa, no entanto posso garantir que para aqueles interessados em histórias reais que misturam investigação, drama e crítica social, o entretenimento está garantido!"
Vale o seu play!
PS: A autora Rebecca Godfrey faleceu de câncer de pulmão em outubro de 2022, apenas algumas semanas depois de assinar o contrato com o Hulu para uma adaptação de sua obra. Triste!
Poucos filmes me incomodaram tanto pela realidade brutal quanto "Depois de Lucia". Essa produção mexicana que recebeu o prêmio “Un Certain Regard”, no Festival de Cannes de 2012, discute o bullying de uma forma tão visceral que é quase insuportável assistir as quase duas horas de filme - ele é tão provocador e profundo na sua proposta que gostaríamos que a história durasse pelo menos mais trinta minutos para que todos os "pontos nos is" fossem colocados. De fato a sensação não é agradável, ou seja, não estamos falando de entretenimento, por outro lado, a mensagem que mais vinha na minha cabeça de pai (de menina) era: precisamos olhar pelos nossos filhos, sempre!
Quando a esposa de Roberto (Gonzalo Vega Jr.) morre em um acidente de carro, a relação dele com sua filha Alejandra (Tessa Ia), de 15 anos, fica abalada. Para escapar da tristeza que toma conta da rotina dos dois, pai e filha deixam a cidade de Vallarda e rumam para a Cidade do México em busca de uma nova vida. Alejandra ingressa em um novo colégio, e passa a sentir toda a dificuldade de começar de novo quando, gratuitamente, começa sofrer abusos físicos e emocionais dos colegas. Envergonhada, a menina não conta nada para o pai, e à medida que a violência toma conta da vida dos dois, eles vão se afastando cada vez mais. Confira o trailer:
Se é preciso falar sobre bullying, assistir "Depois de Lucia" é um bom começo - embora a jornada seja das mais penosas e não porquê o filme seja ruim, muito pelo contrário, mas porquê ele é muito bom! As sensações que o diretor Michel Franco consegue nos provocar são doloridas, reflexivas, revoltantes até. Aqui, é impossível não se conectar com Ale e, claro, entender as dores de Roberto - e o filme não se apropria de diálogos expositivos ou de qualquer tipo de verborragia, são as ações, muitas vezes em silêncio, que nos tocam a alma.
Se em "13 Reasons Why" o conceito narrativo se apropriou de uma linguagem mais jovem para equilibrar a seriedade do assunto com uma certa leveza visual para expor a influência dos personagens (e do meio) no destino da protagonista, em "Depois de Lucia" o tom é praticamente o inverso - o drama é pesado e o terror psicológico é quase o ponto de partida do segundo ato. Veja, Franco não economiza nos planos mais longos, cirurgicamente ensaiados e extremamente bem dirigidos em um mise-en-scène tão bem executado que chega a soar que os diálogos são improvisados dado o poder da naturalidade dos jovens atores - de todos. A câmera está sempre no lugar certo para contar a história, muitas vezes estática e abdicando da gramática usual do "plano e contra-plano", tudo isso para nos colocar na raiz do problema, no olho do furacão, com a terrível função de apenas observar, tornando o filme (e a experiência) bastante desconfortável.
Tecnicamente o bullying é um mecanismo grupal através de onde um bode expiatório, objeto de projeções maciças do grupo, é escolhido e sacrificado. É uma forma patológica de manejar as tensões do grupo, descarregando sobre um de seus membros, geralmente o mais frágil e indefeso, a agressividade de todos. Dito isso, não se pode fechar os olhos para o problema, já que muitas das atitudes do grupo se apoiam na desculpa da imaturidade para se safar das responsabilidades. O filme explora perfeitamente essa dinâmica e, mais uma vez, mesmo indigesto, consegue nos fazer refletir e, principalmente, abrir os olhos para um problema que só vem piorando, de geração para geração.
Se você já for pai, assista. Se ainda não for, esteja preparado.
Vale muito o seu play!
Poucos filmes me incomodaram tanto pela realidade brutal quanto "Depois de Lucia". Essa produção mexicana que recebeu o prêmio “Un Certain Regard”, no Festival de Cannes de 2012, discute o bullying de uma forma tão visceral que é quase insuportável assistir as quase duas horas de filme - ele é tão provocador e profundo na sua proposta que gostaríamos que a história durasse pelo menos mais trinta minutos para que todos os "pontos nos is" fossem colocados. De fato a sensação não é agradável, ou seja, não estamos falando de entretenimento, por outro lado, a mensagem que mais vinha na minha cabeça de pai (de menina) era: precisamos olhar pelos nossos filhos, sempre!
Quando a esposa de Roberto (Gonzalo Vega Jr.) morre em um acidente de carro, a relação dele com sua filha Alejandra (Tessa Ia), de 15 anos, fica abalada. Para escapar da tristeza que toma conta da rotina dos dois, pai e filha deixam a cidade de Vallarda e rumam para a Cidade do México em busca de uma nova vida. Alejandra ingressa em um novo colégio, e passa a sentir toda a dificuldade de começar de novo quando, gratuitamente, começa sofrer abusos físicos e emocionais dos colegas. Envergonhada, a menina não conta nada para o pai, e à medida que a violência toma conta da vida dos dois, eles vão se afastando cada vez mais. Confira o trailer:
Se é preciso falar sobre bullying, assistir "Depois de Lucia" é um bom começo - embora a jornada seja das mais penosas e não porquê o filme seja ruim, muito pelo contrário, mas porquê ele é muito bom! As sensações que o diretor Michel Franco consegue nos provocar são doloridas, reflexivas, revoltantes até. Aqui, é impossível não se conectar com Ale e, claro, entender as dores de Roberto - e o filme não se apropria de diálogos expositivos ou de qualquer tipo de verborragia, são as ações, muitas vezes em silêncio, que nos tocam a alma.
Se em "13 Reasons Why" o conceito narrativo se apropriou de uma linguagem mais jovem para equilibrar a seriedade do assunto com uma certa leveza visual para expor a influência dos personagens (e do meio) no destino da protagonista, em "Depois de Lucia" o tom é praticamente o inverso - o drama é pesado e o terror psicológico é quase o ponto de partida do segundo ato. Veja, Franco não economiza nos planos mais longos, cirurgicamente ensaiados e extremamente bem dirigidos em um mise-en-scène tão bem executado que chega a soar que os diálogos são improvisados dado o poder da naturalidade dos jovens atores - de todos. A câmera está sempre no lugar certo para contar a história, muitas vezes estática e abdicando da gramática usual do "plano e contra-plano", tudo isso para nos colocar na raiz do problema, no olho do furacão, com a terrível função de apenas observar, tornando o filme (e a experiência) bastante desconfortável.
Tecnicamente o bullying é um mecanismo grupal através de onde um bode expiatório, objeto de projeções maciças do grupo, é escolhido e sacrificado. É uma forma patológica de manejar as tensões do grupo, descarregando sobre um de seus membros, geralmente o mais frágil e indefeso, a agressividade de todos. Dito isso, não se pode fechar os olhos para o problema, já que muitas das atitudes do grupo se apoiam na desculpa da imaturidade para se safar das responsabilidades. O filme explora perfeitamente essa dinâmica e, mais uma vez, mesmo indigesto, consegue nos fazer refletir e, principalmente, abrir os olhos para um problema que só vem piorando, de geração para geração.
Se você já for pai, assista. Se ainda não for, esteja preparado.
Vale muito o seu play!
Se você gostou de "O Escândalo", "A Assistente" ou "A Voz Mais Forte", saiba que "Ela Disse" pode ser considerada a cereja do bolo de uma discussão tão importante quanto necessária e que, contextualizada dentro do movimento #MeToo e de todos os casos de abuso sexual envolvendo gente muito importante, foi brilhantemente explorada pela diretora Maria Schrader (de "Nada Ortodoxa").
Baseado na investigação vencedora do prêmio Pulitzer pelo The New York Times, "Ela Disse" acompanha Megan Twohey (Carey Mulligan) e Jodi Kantor (Zoe Kazan), duas jornalistas que juntas publicaram uma das histórias mais importantes e relevantes de uma geração: sérias denuncias de abuso sexual (e até estupro) contra o "todo poderoso" do cinema americano, o produtor e CEO da Miramax, Harvey Weinstein. A história que ajudou a lançar o movimento#Metoo, quebrou décadas de silêncio em torno do assunto de agressão sexual em Hollywood e alterou a cultura americana para sempre. Confira o trailer:
Com um time de primeiríssima qualidade, começando pelos produtores (os mesmos de "12 Anos de Escravidão", "Moonlight: Sob a Luz do Luar" e "Minari"), passando pela roteirista Rebecca Lenkiewicz (de "Ida") e culminando nas protagonistas Carey Mulligan e Zoe Kazan, "Ela Disse" pode ser considerado um dos melhores filmes de 2022 sem a menor sombra de dúvida. Mesmo com uma narrativa mais cadenciada, com uma levada mais jornalística do que investigativa e um texto denso (muitas vezes complexo), o filme cria uma atmosfera documental impressionante, expondo em detalhes todo o processo que levou as vitimas de Weinstein enfrentar o medo e denuncia-lo.
Ao lado de Schrader, a diretora de fotografia Natasha Braier (de "Demônio de Neon") nos joga dentro da redação do The New York Times e sem pressa alguma vai nos presenteando com um drama ao melhor estilo "Todos os Homens do Presidente". Mulligan e Kazan estão incríveis - dignas de indicações ao Oscar, eu diria. Mesmo que em alguns momentos o roteiro ceda a tentação do sensacionalismo, o elenco segura com muito realismo toda a jornada entre uma denuncia isolada e a construção de uma matéria bombástica - o interessante é justamente perceber essa montanha russa de emoções nos olhos das protagonistas. A cena em que Jodi Kantor recebe a ligação de Ashley Judd (interpretando ela mesmo), é impagável! Reparem! No papel da editora da dupla, Rebecca Corbett, e do editor executivo do NYT, Dean Baquet, Patricia Clarkson e Andre Braugher, respectivamente, merecem elogios, bem como Mike Houston como Harvey Weinstein que mesmo sem aparecer seu rosto em nenhum momento, consegue passar toda imponência e força de seu personagem.
"Ela Disse" é sim um soco no estômago, mas que sugere muito mais do que mostra e muito por causa disso nos coloca em uma posição de permanente tensão e angustia - o áudio da gravação de uma das vitimas sendo assediada por Harvey, enquanto a câmera enquadra os corredores de um hotel, chega a ser chocante. Os depoimentos também - é um mais visceral que o outro e faz com que tenhamos a exata noção de como essas mulheres foram expostas e desrespeitadas. Na verdade não há muito o que dizer, é preciso mergulhar nessa verdadeira cruzada e se o tema de fato te interessar, não deixe de ler "Ela Disse: Os bastidores da reportagem que impulsionou o #MeToo"- que como o filme, é tão surpreendente quanto doloroso!
Se você gostou de "O Escândalo", "A Assistente" ou "A Voz Mais Forte", saiba que "Ela Disse" pode ser considerada a cereja do bolo de uma discussão tão importante quanto necessária e que, contextualizada dentro do movimento #MeToo e de todos os casos de abuso sexual envolvendo gente muito importante, foi brilhantemente explorada pela diretora Maria Schrader (de "Nada Ortodoxa").
Baseado na investigação vencedora do prêmio Pulitzer pelo The New York Times, "Ela Disse" acompanha Megan Twohey (Carey Mulligan) e Jodi Kantor (Zoe Kazan), duas jornalistas que juntas publicaram uma das histórias mais importantes e relevantes de uma geração: sérias denuncias de abuso sexual (e até estupro) contra o "todo poderoso" do cinema americano, o produtor e CEO da Miramax, Harvey Weinstein. A história que ajudou a lançar o movimento#Metoo, quebrou décadas de silêncio em torno do assunto de agressão sexual em Hollywood e alterou a cultura americana para sempre. Confira o trailer:
Com um time de primeiríssima qualidade, começando pelos produtores (os mesmos de "12 Anos de Escravidão", "Moonlight: Sob a Luz do Luar" e "Minari"), passando pela roteirista Rebecca Lenkiewicz (de "Ida") e culminando nas protagonistas Carey Mulligan e Zoe Kazan, "Ela Disse" pode ser considerado um dos melhores filmes de 2022 sem a menor sombra de dúvida. Mesmo com uma narrativa mais cadenciada, com uma levada mais jornalística do que investigativa e um texto denso (muitas vezes complexo), o filme cria uma atmosfera documental impressionante, expondo em detalhes todo o processo que levou as vitimas de Weinstein enfrentar o medo e denuncia-lo.
Ao lado de Schrader, a diretora de fotografia Natasha Braier (de "Demônio de Neon") nos joga dentro da redação do The New York Times e sem pressa alguma vai nos presenteando com um drama ao melhor estilo "Todos os Homens do Presidente". Mulligan e Kazan estão incríveis - dignas de indicações ao Oscar, eu diria. Mesmo que em alguns momentos o roteiro ceda a tentação do sensacionalismo, o elenco segura com muito realismo toda a jornada entre uma denuncia isolada e a construção de uma matéria bombástica - o interessante é justamente perceber essa montanha russa de emoções nos olhos das protagonistas. A cena em que Jodi Kantor recebe a ligação de Ashley Judd (interpretando ela mesmo), é impagável! Reparem! No papel da editora da dupla, Rebecca Corbett, e do editor executivo do NYT, Dean Baquet, Patricia Clarkson e Andre Braugher, respectivamente, merecem elogios, bem como Mike Houston como Harvey Weinstein que mesmo sem aparecer seu rosto em nenhum momento, consegue passar toda imponência e força de seu personagem.
"Ela Disse" é sim um soco no estômago, mas que sugere muito mais do que mostra e muito por causa disso nos coloca em uma posição de permanente tensão e angustia - o áudio da gravação de uma das vitimas sendo assediada por Harvey, enquanto a câmera enquadra os corredores de um hotel, chega a ser chocante. Os depoimentos também - é um mais visceral que o outro e faz com que tenhamos a exata noção de como essas mulheres foram expostas e desrespeitadas. Na verdade não há muito o que dizer, é preciso mergulhar nessa verdadeira cruzada e se o tema de fato te interessar, não deixe de ler "Ela Disse: Os bastidores da reportagem que impulsionou o #MeToo"- que como o filme, é tão surpreendente quanto doloroso!
Extremamente premiado na temporada 2016/2017, "Elle" ficou marcado por ter colocado a excelente atriz Isabelle Huppert na disputa do Oscar depois de uma performance, de fato, surpreendente. Dirigido pelo experiente diretor holandês Paul Verhoeven (de "Instinto Selvagem"), essa produção francesa é, no mínimo, intrigante - eu diria até que é um filme que desafia as nossas expectativas ao nos convidar para uma jornada profunda pelas entranhas da psique humana como poucos. Considerado por muitos uma obra de arte que merecia uma indicação de "Melhor Filme" em 2017, "Elle" se apropria de um tema denso e uma narrativa complexa para nos provocar inúmeras reflexões e, claro, fortes emoções.
Baseado no romance "Oh...", dePhilippe Djian, conhecemos Michèle (Isabelle Huppert), uma executiva-chefe de uma empresa de videogames que administra sua vida profissional do mesmo jeito que sua vida amorosa e sentimental: com mão de ferro, organizando de maneira precisa e ordenada para que tudo funcione - mas sabemos que a realidade não é bem assim. Sua rotina quase patológica é quebrada quando ela é atacada por um desconhecido, dentro de sua própria casa e ela decide não deixar que essa experiência traumática a abale. É aí que Michèle passa a observar e investigar quem poderia ser seu agressor - o problema é que o próprio agressor misterioso também não desistiu dela. Confira o trailer:
Sem dúvida alguma que "Elle" é o filme da vida de Verhoeven e mereceu todo o sucesso que teve nos festivais - para você ter uma ideia, foram mais de 65 prêmios em quase 100 indicações, incluindo vitórias no Globo de Ouro, no BAFTA e no Goya. Com uma narrativa que desafia convenções ao explorar a natureza dicotômica do trauma e do desejo, o filme nos mantém em estado de tensão e angustia enquanto tentamos decifrar os enigmas que permeiam a história de Michèle. O desempenho de Huppert é simplesmente fenomenal - reparem a maneira como ela dá vida a Michèle, retratando sua força e vulnerabilidade de forma tão convincente e visceral. E aqui cabe um rápido comentário: o elenco de apoio, incluindo nomes como Laurent Lafitte e Anne Consigny, também merece elogios - eles são o gatilho perfeito para Huppert brilhar ao mesmo tempo em que enriquecem a trama.
A direção de Paul Verhoeven é magistral! Ele é capaz de criar essa atmosfera de tensão extremamente provocante, se apoiando em um texto afiado, cheio de camadas, de dois roteiristas sem muita expressão: Philippe Djian (de "Betty Blue") e David Birke (de "Os 13 Pecados"). Equilibrando com maestria o suspense e o viés psicológico da trama, Verhoeven conduz a narrativa sempre no tom exato, sem escorregar como já havia feito antes. Outro mérito do diretor e é preciso admitir, é o fato dele ter trazido para o projeto o fotógrafo Stéphane Fontaine (de "Capitão Fantástico") e a compositora de Anne Dudley (de "Tudo ou Nada") - dois profissionais de primeira linha que foram essenciais para intensificar as nossas emoções exatamente como ele queria.
Veja, embora a recepção de "Elle" tenha dividido opiniões, provocando debates acalorados entre críticos e público, é preciso reconhecer e elogiar a coragem do filme em abordar temas tão delicados sem esquecer do seu valor como entretenimento - mais ou menos como o alemão, "Está tudo certo". É inegável que a obra provoca reações emocionais intensas, e isso deve ser considerado até como um testemunho de seu impacto, no entanto o filme tem uma precisão, um cuidado, um equilíbrio tão cirúrgico entre o humor negro e o sarcasmo inteligente que, olha, merece muito o seu play e voando!
Extremamente premiado na temporada 2016/2017, "Elle" ficou marcado por ter colocado a excelente atriz Isabelle Huppert na disputa do Oscar depois de uma performance, de fato, surpreendente. Dirigido pelo experiente diretor holandês Paul Verhoeven (de "Instinto Selvagem"), essa produção francesa é, no mínimo, intrigante - eu diria até que é um filme que desafia as nossas expectativas ao nos convidar para uma jornada profunda pelas entranhas da psique humana como poucos. Considerado por muitos uma obra de arte que merecia uma indicação de "Melhor Filme" em 2017, "Elle" se apropria de um tema denso e uma narrativa complexa para nos provocar inúmeras reflexões e, claro, fortes emoções.
Baseado no romance "Oh...", dePhilippe Djian, conhecemos Michèle (Isabelle Huppert), uma executiva-chefe de uma empresa de videogames que administra sua vida profissional do mesmo jeito que sua vida amorosa e sentimental: com mão de ferro, organizando de maneira precisa e ordenada para que tudo funcione - mas sabemos que a realidade não é bem assim. Sua rotina quase patológica é quebrada quando ela é atacada por um desconhecido, dentro de sua própria casa e ela decide não deixar que essa experiência traumática a abale. É aí que Michèle passa a observar e investigar quem poderia ser seu agressor - o problema é que o próprio agressor misterioso também não desistiu dela. Confira o trailer:
Sem dúvida alguma que "Elle" é o filme da vida de Verhoeven e mereceu todo o sucesso que teve nos festivais - para você ter uma ideia, foram mais de 65 prêmios em quase 100 indicações, incluindo vitórias no Globo de Ouro, no BAFTA e no Goya. Com uma narrativa que desafia convenções ao explorar a natureza dicotômica do trauma e do desejo, o filme nos mantém em estado de tensão e angustia enquanto tentamos decifrar os enigmas que permeiam a história de Michèle. O desempenho de Huppert é simplesmente fenomenal - reparem a maneira como ela dá vida a Michèle, retratando sua força e vulnerabilidade de forma tão convincente e visceral. E aqui cabe um rápido comentário: o elenco de apoio, incluindo nomes como Laurent Lafitte e Anne Consigny, também merece elogios - eles são o gatilho perfeito para Huppert brilhar ao mesmo tempo em que enriquecem a trama.
A direção de Paul Verhoeven é magistral! Ele é capaz de criar essa atmosfera de tensão extremamente provocante, se apoiando em um texto afiado, cheio de camadas, de dois roteiristas sem muita expressão: Philippe Djian (de "Betty Blue") e David Birke (de "Os 13 Pecados"). Equilibrando com maestria o suspense e o viés psicológico da trama, Verhoeven conduz a narrativa sempre no tom exato, sem escorregar como já havia feito antes. Outro mérito do diretor e é preciso admitir, é o fato dele ter trazido para o projeto o fotógrafo Stéphane Fontaine (de "Capitão Fantástico") e a compositora de Anne Dudley (de "Tudo ou Nada") - dois profissionais de primeira linha que foram essenciais para intensificar as nossas emoções exatamente como ele queria.
Veja, embora a recepção de "Elle" tenha dividido opiniões, provocando debates acalorados entre críticos e público, é preciso reconhecer e elogiar a coragem do filme em abordar temas tão delicados sem esquecer do seu valor como entretenimento - mais ou menos como o alemão, "Está tudo certo". É inegável que a obra provoca reações emocionais intensas, e isso deve ser considerado até como um testemunho de seu impacto, no entanto o filme tem uma precisão, um cuidado, um equilíbrio tão cirúrgico entre o humor negro e o sarcasmo inteligente que, olha, merece muito o seu play e voando!
"Entre Mulheres" é excelente, mas muito difícil! Veja, no cenário cinematográfico contemporâneo, obras que exploram a complexidade das relações humanas e abordam temas sensíveis como o estupro, o assédio e a violência contra a mulher, têm ganhado cada vez mais destaque e o filme dirigido por Sarah Pulley (de "Histórias que Contamos"), é mais um exemplo notável dessa tendência. No entanto, aqui, não encontramos uma narrativa tão fluida, pois, propositalmente, a diretora prefere explorar o texto de uma forma que mistura o simbolismo com a dura realidade e essa escolha certamente vai afastar parte da audiência. Existe uma poesia e uma profundidade nas entrelinhas que impressionam, mas a cadência de como a trama é desenvolvida exige muita boa vontade até alcançar o final.
Baseado no livro homônimo deMiriam Toews, "Entre Mulheres" acompanha um grupo de mulheres que moram em uma comunidade cristã menonita isolada nos EUA. Alvos de crimes sexuais cometidos pelos homens da comunidade, elas criam um plebiscito para decidir se deixam a comunidade, que representa tudo o que elas conhecem até então, ou se ficam e lutam para torná-la um lugar mais seguro para elas e para as próximas gerações – uma opção não muito mais fácil, visto que quase todos os homens adultos do local se dispuseram a pagar a fiança dos criminosos e deram às suas esposas, mães, irmãs e filhas um ultimato: ou elas perdoam os agressores, ou terão de arriscar a danação eterna. Confira o trailer:
Depois de um prólogo praticamente perfeito em sua estrutura dramática, não existiria forma mais irônica de iniciar o filme em si se não com a frase: “Esta história é fruto da fértil imaginação feminina”. É impressionante como Sarah Pulley contextualiza o problema, apresenta as personagens e nos indica exatamente qual o caminho sua narrativa vai seguir, em pouquíssimos planos, quase sem nenhum diálogo, mas com uma narração tão potente quanto profunda e um texto, de fato, digno de Oscar - aliás, "Entre Mulheres" ganhou o prêmio de "Roteiro Adaptado" em 2023 e concorreu como "Melhor Filme do Ano".
A direção de Pulley merece aplausos, especialmente pela maneira como ela constrói a narrativa visualmente - eu diria que o filme é uma poesia visual, como "Retrato de uma Jovem em Chamas". A paleta de cores mais esverdeada, quase sem saturação, reflete exatamente o momento íntimo que as personagens estão passando. Existe uma frieza que conectada à fotografia do diretor Luc Montpellier (de "Tales from the Loop") cria uma atmosfera delicada, porém densa, que serve de moldura para o excepcional elenco brilhar. Além disso, por favor, reparem na trilha sonora original e como ela contribui para uma imersão visceral, nos guiando pelas profundezas das emoções sem precisar se sobressair.
De fato, o elenco de "Entre Mulheres" oferece performances notáveis que elevam a narrativa aos patamares mais altos que uma produção tão intimista pode chegar. Pulley é sagaz em trabalhar o silêncio e em quebrar nossas expectativas com trocas de tom em um piscar de olhos - a verdade é que nunca sabemos o que vamos encontrar: se um conforto, uma palavra de sabedoria, uma passagem religiosa ou simplesmente uma discussão bastante ofensiva. Claire Foy, Rooney Mara, Judith Ivey e Jessie Buckley dão um verdadeiro show!
Para aqueles que se permitirem embarcar na proposta da diretora, eu adianto que "Entre Mulheres" tem uma capacidade única de mexer com nossas emoções de uma forma muito particular - essencialmente na audiência feminina. A narrativa não se contenta em apresentar uma história simples com superficialidade; em vez disso, ela mergulha fundo nas experiências das personagens, explorando temas como o amor, o perdão, o arrependimento e a reconciliação, mesmo que submersa naquela atmosfera de alienação, religião e violência.
Vale seu play, mas não assista com sono!
"Entre Mulheres" é excelente, mas muito difícil! Veja, no cenário cinematográfico contemporâneo, obras que exploram a complexidade das relações humanas e abordam temas sensíveis como o estupro, o assédio e a violência contra a mulher, têm ganhado cada vez mais destaque e o filme dirigido por Sarah Pulley (de "Histórias que Contamos"), é mais um exemplo notável dessa tendência. No entanto, aqui, não encontramos uma narrativa tão fluida, pois, propositalmente, a diretora prefere explorar o texto de uma forma que mistura o simbolismo com a dura realidade e essa escolha certamente vai afastar parte da audiência. Existe uma poesia e uma profundidade nas entrelinhas que impressionam, mas a cadência de como a trama é desenvolvida exige muita boa vontade até alcançar o final.
Baseado no livro homônimo deMiriam Toews, "Entre Mulheres" acompanha um grupo de mulheres que moram em uma comunidade cristã menonita isolada nos EUA. Alvos de crimes sexuais cometidos pelos homens da comunidade, elas criam um plebiscito para decidir se deixam a comunidade, que representa tudo o que elas conhecem até então, ou se ficam e lutam para torná-la um lugar mais seguro para elas e para as próximas gerações – uma opção não muito mais fácil, visto que quase todos os homens adultos do local se dispuseram a pagar a fiança dos criminosos e deram às suas esposas, mães, irmãs e filhas um ultimato: ou elas perdoam os agressores, ou terão de arriscar a danação eterna. Confira o trailer:
Depois de um prólogo praticamente perfeito em sua estrutura dramática, não existiria forma mais irônica de iniciar o filme em si se não com a frase: “Esta história é fruto da fértil imaginação feminina”. É impressionante como Sarah Pulley contextualiza o problema, apresenta as personagens e nos indica exatamente qual o caminho sua narrativa vai seguir, em pouquíssimos planos, quase sem nenhum diálogo, mas com uma narração tão potente quanto profunda e um texto, de fato, digno de Oscar - aliás, "Entre Mulheres" ganhou o prêmio de "Roteiro Adaptado" em 2023 e concorreu como "Melhor Filme do Ano".
A direção de Pulley merece aplausos, especialmente pela maneira como ela constrói a narrativa visualmente - eu diria que o filme é uma poesia visual, como "Retrato de uma Jovem em Chamas". A paleta de cores mais esverdeada, quase sem saturação, reflete exatamente o momento íntimo que as personagens estão passando. Existe uma frieza que conectada à fotografia do diretor Luc Montpellier (de "Tales from the Loop") cria uma atmosfera delicada, porém densa, que serve de moldura para o excepcional elenco brilhar. Além disso, por favor, reparem na trilha sonora original e como ela contribui para uma imersão visceral, nos guiando pelas profundezas das emoções sem precisar se sobressair.
De fato, o elenco de "Entre Mulheres" oferece performances notáveis que elevam a narrativa aos patamares mais altos que uma produção tão intimista pode chegar. Pulley é sagaz em trabalhar o silêncio e em quebrar nossas expectativas com trocas de tom em um piscar de olhos - a verdade é que nunca sabemos o que vamos encontrar: se um conforto, uma palavra de sabedoria, uma passagem religiosa ou simplesmente uma discussão bastante ofensiva. Claire Foy, Rooney Mara, Judith Ivey e Jessie Buckley dão um verdadeiro show!
Para aqueles que se permitirem embarcar na proposta da diretora, eu adianto que "Entre Mulheres" tem uma capacidade única de mexer com nossas emoções de uma forma muito particular - essencialmente na audiência feminina. A narrativa não se contenta em apresentar uma história simples com superficialidade; em vez disso, ela mergulha fundo nas experiências das personagens, explorando temas como o amor, o perdão, o arrependimento e a reconciliação, mesmo que submersa naquela atmosfera de alienação, religião e violência.
Vale seu play, mas não assista com sono!
Uma pancada! "Está tudo certo", filme alemão distribuído pela Netflix, merece sua atenção por tratar de um assunto extremamente delicado sem fazer qualquer pré-julgamento, deixando para quem assiste a total liberdade para refletir e interpretar cada uma das atitudes dos personagens (muito bem construídos, por sinal) em várias situações que nos tiram a direção. "Está tudo certo" fala sobre estupro e suas consequências!
"Alles Ist Gut", título original, conta a história de Janne, uma editora de livros que vive uma conturbada relação com o explosivo Piet. Ao ir a uma festa sem a companhia do namorado, Janne acaba aproveitando para se divertir e beber até altas horas com Martin, cunhado do seu chefe. Ao convidá-lo para dormir em sua casa, Martin acaba fazendo uma interpretação errada das intenções de Janne. Ele continua fazendo suas investidas mesmo com as constantes negativas de Janne, até que acaba forçando uma relação sexual. A partir daí, o que vemos é uma mulher tentando entender o que aconteceu realmente e fazendo de tudo para superar aquele trauma sem grandes dramas (ou marcas). Confira o trailer (em alemão):
O trabalho da atriz que interpreta Janne é sensacional. Aenne Schwarz traz para a personagem uma neutralidade assustadora. A dubiedade perante o acontecido e sua percepção sobre suas relações ganham muita força a partir de seu silêncio, do sorriso forçado, da necessidade de parecer mais forte que sua vulnerabilidade física. A direção da estreante Eva Trobisch é muito provocativa nesse sentido, pois ela faz questão de não entregar o que a audiência gostaria de ver acontecer - ela não cai na tentação de julgar e de promover um confronto, muito pelo contrário, ela só vai nos colocando indagações em cima de indagações que chegam a incomodar pela discussão sobre a (i)moralidade. Com muitos planos fechados, temos a impressão de estar dentro da cabeça da protagonista em vários momentos e de carregar toda a sua dor e insegurança. A câmera solta, os cortes bruscos e o desenho de som muito bem alinhados com a montagem só ajudam a fortalecer essa sensação de descontinuidade e desconforto. É lindo de ver!
Mas é bom deixar bem claro: "Está tudo certo" é um filme autoral, lento e silencioso - é um filme realmente difícil! Não é para qualquer um e muito menos para se entreter numa sexta-feira à noite. "Está tudo certo" é um filme de reflexão e de discussão pós-créditos - difícil de digerir, mas essencial! Vale dizer que o filme foi indicado ao Leopardo de Ouro de Locarno em 2018, e Eva Trobisch ganhou como "O Melhor Primeiro Filme" no festival - um dos mais importantes e prestigiados do mundo.
Com todas essas ressalvas, tem a minha indicação!
Uma pancada! "Está tudo certo", filme alemão distribuído pela Netflix, merece sua atenção por tratar de um assunto extremamente delicado sem fazer qualquer pré-julgamento, deixando para quem assiste a total liberdade para refletir e interpretar cada uma das atitudes dos personagens (muito bem construídos, por sinal) em várias situações que nos tiram a direção. "Está tudo certo" fala sobre estupro e suas consequências!
"Alles Ist Gut", título original, conta a história de Janne, uma editora de livros que vive uma conturbada relação com o explosivo Piet. Ao ir a uma festa sem a companhia do namorado, Janne acaba aproveitando para se divertir e beber até altas horas com Martin, cunhado do seu chefe. Ao convidá-lo para dormir em sua casa, Martin acaba fazendo uma interpretação errada das intenções de Janne. Ele continua fazendo suas investidas mesmo com as constantes negativas de Janne, até que acaba forçando uma relação sexual. A partir daí, o que vemos é uma mulher tentando entender o que aconteceu realmente e fazendo de tudo para superar aquele trauma sem grandes dramas (ou marcas). Confira o trailer (em alemão):
O trabalho da atriz que interpreta Janne é sensacional. Aenne Schwarz traz para a personagem uma neutralidade assustadora. A dubiedade perante o acontecido e sua percepção sobre suas relações ganham muita força a partir de seu silêncio, do sorriso forçado, da necessidade de parecer mais forte que sua vulnerabilidade física. A direção da estreante Eva Trobisch é muito provocativa nesse sentido, pois ela faz questão de não entregar o que a audiência gostaria de ver acontecer - ela não cai na tentação de julgar e de promover um confronto, muito pelo contrário, ela só vai nos colocando indagações em cima de indagações que chegam a incomodar pela discussão sobre a (i)moralidade. Com muitos planos fechados, temos a impressão de estar dentro da cabeça da protagonista em vários momentos e de carregar toda a sua dor e insegurança. A câmera solta, os cortes bruscos e o desenho de som muito bem alinhados com a montagem só ajudam a fortalecer essa sensação de descontinuidade e desconforto. É lindo de ver!
Mas é bom deixar bem claro: "Está tudo certo" é um filme autoral, lento e silencioso - é um filme realmente difícil! Não é para qualquer um e muito menos para se entreter numa sexta-feira à noite. "Está tudo certo" é um filme de reflexão e de discussão pós-créditos - difícil de digerir, mas essencial! Vale dizer que o filme foi indicado ao Leopardo de Ouro de Locarno em 2018, e Eva Trobisch ganhou como "O Melhor Primeiro Filme" no festival - um dos mais importantes e prestigiados do mundo.
Com todas essas ressalvas, tem a minha indicação!
O "Estrangulador de Boston" é um excelente filme para quem está com saudades de uma trama bem construída, inteligente e sensível, onde as motivações perante a investigação são até mais importantes do que o impacto visual ou a brutalidade dos crimes em si. E aqui existe um componente que impacta diretamente na nossa experiência como audiência, mas que de forma alguma nos distancia do estilo "true crime" que a ficção carrega em seu DNA: as protagonistas, jornalistas, tem uma segunda camada que acaba dando um certo charme para a narrativa, já que nos anos 60 as mulheres praticamente não tinham voz nas redações dos jornais e muito menos no universo policial.
O filme acompanha os reflexos sociais provocados por um misterioso assassino que fazia cada vez mais vítimas (todas mulheres) e por Loretta McLaughlin (Keira Knightley), que se tornou uma das primeiras jornalistas a conectar os crimes do estrangulador de Boston ao termo que nem existia ainda: serial killer. Todavia, quando Loretta passa a seguir sua investigação ao lado da colega Jean Cole (Carrie Coon), a dupla se vê prejudicada pelo implacável sexismo da época. Mesmo assim, elas seguem corajosamente, arriscando suas vidas em uma busca para descobrir a verdade antes que a próxima vítima seja encontrada. Confira o trailer:
Entender o que leva uma jornalista a tentar resolver um caso notadamente policial, onde outras mulheres são vitimas de um cruel assassino, é quase uma jornada íntima de auto-sobrevivência fantasiada de motivação profissional - basta lembrar do excelente (e imperdível) documentário da HBO, "Eu Terei Sumido na Escuridão". No caso da escritora Michelle McNamara estávamos de frente com uma narração em off que foi capaz de transmitir as angustias, medos, revoltas e até com uma certa coragem, as fragilidades de uma mulher que buscava, incansavelmente, desvendar uma das maiores sequências de crimes bárbaros da história dos EUA. Com Loretta McLaughlin é a mesma coisa, porém aqui, enxergamos a personagem, seu drama se torna mais palpável e com isso nossa relação com a trama passa a ser outra já que nos identificamos com os anseios da jornalista antes mesmo de nos sentirmos impactados pelos crimes. Veja, em nenhum momento conseguimos dissociar sua busca por igualdade com a preocupação para com as próximas vítimas.
Essa conceito do diretor e roteirista Matt Ruskin (de "Crown Heights") cobra seu preço: em alguns momentos a narrativa fica cadenciada demais, perde um pouco da dinâmica investigativa/policial para focar nos reflexos das escolhas pessoais e profissionais das personagens. Keira Knightley e Carrie Coon sustentam o filme mesmo quando o conflito principal se dissipa e isso nos dá uma certa sensação de desequilíbrio - é como se "Estrangulador de Boston" se distanciasse do estilo "Zodíaco" de David Fincher e se aproximasse de "Ela Disse" de Maria Schrader. Por outro lado o filme ganha em humanidade, em sororidade - é impressionante como Ruskin pontua elementos biográficos como a "coragem" e a "resiliência" dessas mulheres, para retratar como elas precisaram deixar de lado uma parte importante de suas vidas, para que pudessem passar a ser reconhecidas como profissionais de respeito.
Dito isso, é possível afirmar que o maior triunfo de "O Estrangulador de Boston" não é o de contar uma angustiante e misteriosa história sobre cruéis assassinatos em série, muito menos de glamourizar esses crimes ou seus autores, naquela busca incansável por encontrar padrões e com isso construir um perfil psicológico que nos ajude a resolver o caso. Embora exista um pouco disso tudo, o foco aqui é até menos impactante, já que as histórias como a de McLaughlin e de Cole falam por si só e certamente nos ajudam a refletir sobre como o machismo estrutural pode nos atingir em diferentes esferas e como o jornalismo sério pode mudar o jogo com competência e liberdade.
Vale muito seu play!
O "Estrangulador de Boston" é um excelente filme para quem está com saudades de uma trama bem construída, inteligente e sensível, onde as motivações perante a investigação são até mais importantes do que o impacto visual ou a brutalidade dos crimes em si. E aqui existe um componente que impacta diretamente na nossa experiência como audiência, mas que de forma alguma nos distancia do estilo "true crime" que a ficção carrega em seu DNA: as protagonistas, jornalistas, tem uma segunda camada que acaba dando um certo charme para a narrativa, já que nos anos 60 as mulheres praticamente não tinham voz nas redações dos jornais e muito menos no universo policial.
O filme acompanha os reflexos sociais provocados por um misterioso assassino que fazia cada vez mais vítimas (todas mulheres) e por Loretta McLaughlin (Keira Knightley), que se tornou uma das primeiras jornalistas a conectar os crimes do estrangulador de Boston ao termo que nem existia ainda: serial killer. Todavia, quando Loretta passa a seguir sua investigação ao lado da colega Jean Cole (Carrie Coon), a dupla se vê prejudicada pelo implacável sexismo da época. Mesmo assim, elas seguem corajosamente, arriscando suas vidas em uma busca para descobrir a verdade antes que a próxima vítima seja encontrada. Confira o trailer:
Entender o que leva uma jornalista a tentar resolver um caso notadamente policial, onde outras mulheres são vitimas de um cruel assassino, é quase uma jornada íntima de auto-sobrevivência fantasiada de motivação profissional - basta lembrar do excelente (e imperdível) documentário da HBO, "Eu Terei Sumido na Escuridão". No caso da escritora Michelle McNamara estávamos de frente com uma narração em off que foi capaz de transmitir as angustias, medos, revoltas e até com uma certa coragem, as fragilidades de uma mulher que buscava, incansavelmente, desvendar uma das maiores sequências de crimes bárbaros da história dos EUA. Com Loretta McLaughlin é a mesma coisa, porém aqui, enxergamos a personagem, seu drama se torna mais palpável e com isso nossa relação com a trama passa a ser outra já que nos identificamos com os anseios da jornalista antes mesmo de nos sentirmos impactados pelos crimes. Veja, em nenhum momento conseguimos dissociar sua busca por igualdade com a preocupação para com as próximas vítimas.
Essa conceito do diretor e roteirista Matt Ruskin (de "Crown Heights") cobra seu preço: em alguns momentos a narrativa fica cadenciada demais, perde um pouco da dinâmica investigativa/policial para focar nos reflexos das escolhas pessoais e profissionais das personagens. Keira Knightley e Carrie Coon sustentam o filme mesmo quando o conflito principal se dissipa e isso nos dá uma certa sensação de desequilíbrio - é como se "Estrangulador de Boston" se distanciasse do estilo "Zodíaco" de David Fincher e se aproximasse de "Ela Disse" de Maria Schrader. Por outro lado o filme ganha em humanidade, em sororidade - é impressionante como Ruskin pontua elementos biográficos como a "coragem" e a "resiliência" dessas mulheres, para retratar como elas precisaram deixar de lado uma parte importante de suas vidas, para que pudessem passar a ser reconhecidas como profissionais de respeito.
Dito isso, é possível afirmar que o maior triunfo de "O Estrangulador de Boston" não é o de contar uma angustiante e misteriosa história sobre cruéis assassinatos em série, muito menos de glamourizar esses crimes ou seus autores, naquela busca incansável por encontrar padrões e com isso construir um perfil psicológico que nos ajude a resolver o caso. Embora exista um pouco disso tudo, o foco aqui é até menos impactante, já que as histórias como a de McLaughlin e de Cole falam por si só e certamente nos ajudam a refletir sobre como o machismo estrutural pode nos atingir em diferentes esferas e como o jornalismo sério pode mudar o jogo com competência e liberdade.
Vale muito seu play!
Dos documentários "true crime" que já assisti e analisei até hoje, "Eu Terei Sumido na Escuridão" da HBO talvez seja o mais humano de todos. Essa característica não faz dele o melhor ou o pior do gênero, mas certamente nos entrega uma narrativa diferente, nos provocando a embarcar em uma história terrível, mas sob o ponto de vista de uma terceira pessoa, a escritora Michelle McNamara, que é capaz de nos conquistar com suas angustias, medos, revoltas e até com uma certa coragem ao expôr suas fragilidades da mesma forma com que tenta, incansavelmente, desvendar uma das maiores sequências de crimes bárbaros da história dos EUA.
McNamara é a autora do livro homônimo "I'll Be Gone in the Dark" (título original), onde narra sua jornada como escritora durante a investigação de uma série de casos de estupros e assassinatos em Sacramento durante as décadas de 70 e 80 que posteriormente ficou conhecido como "O caso do assassino de Golden State". Confira o trailer:
A série conta em detalhes todo o trabalho de Michelle McNamara como jornalista investigativa até o momento em que passa a se dedicar integralmente ao caso não resolvido do assassino de Golden State, que estuprou 50 mulheres e matou outras 10 pessoas. O interessante dessa jornada é que pouco a pouco a obstinação de McNamara vai se transformando em uma enorme obsessão, fazendo com que o próprio assassino (ou o que ele representa) domine sua mente e interfira visivelmente na sua vida pessoal - e aqui temos o ponto alto da série: essa linha tênue onde McNamara tenta se equilibrar tem reflexos cruciais e eles são muito mais profundos do que qualquer um que vivia com ela poderia imaginar. Olha, em vários momentos é preciso ter estômago, já que muitas sobreviventes contam sobre os ataques que sofreram com uma riqueza de sensações assustadora e em outros, sofremos na pele as mesmas angústias de uma McNamara inconformada (e pressionada) com o fato do assassino ainda estar solto e isso, de certa forma, vai nos impulsionando a torcer por uma resolução, mesmo sabendo que a protagonista não estará lá para ver!
Escrito por Liz Garbus (que também dirige dois episódios), a série se divide entre a investigação de McNamara e sua biografia recente, até que ambos se misturam quando ela começa a escrever o livro sobre o assassino. Se apoiando muito na semiótica, Garbus (que já foi indicada para dois Oscars: um com "The Farm: Angola, USA" e outro com o excepcional "What Happened, Miss Simone?") soube trabalhar como ninguém o fato de que McNamara nunca esteve presente durante a produção da série - ao usar suas palavras escritas no livro, brilhantemente narradas por Karen Kilgariff, a diretora acabou criando um tom poético para a visão de McNamara ao mesmo tempo que a força emocional de suas palavras contrastam com a brutalidade dos ataques.
Garbus alternou inúmeras entrevistas bem interessantes, com imagens de arquivo e até uma ou outra dramatização. Dar voz ao marido de McNamara, aos amigos, fãs do blog que escrevia, policiais que trabalharam na investigação na época dos crimes e, por fim, para os seus próprios parceiros de trabalho, mostram exatamente a quantidade de informações relevantes que essa história demanda. O bacana é que mesmo com tanto material, em nenhum momento nos sentimos perdidos - o ritmo é intenso, mas muito bem construído, com muitos elementos de ficção, inclusive, só que extremamente pertinentes ao conceito narrativo imposto pela diretora!
""Eu Terei Sumido na Escuridão" vai agradar quem gosta de séries policiais de crimes reais da mesma forma de quem gosta de biografias com pessoas interessantes e inteligentes. Essa mistura de gêneros entrega um resultado impecável e que, certamente, virá muito forte na temporada de premiações do ano que vem. Vale muito o seu play, de verdade!
Dos documentários "true crime" que já assisti e analisei até hoje, "Eu Terei Sumido na Escuridão" da HBO talvez seja o mais humano de todos. Essa característica não faz dele o melhor ou o pior do gênero, mas certamente nos entrega uma narrativa diferente, nos provocando a embarcar em uma história terrível, mas sob o ponto de vista de uma terceira pessoa, a escritora Michelle McNamara, que é capaz de nos conquistar com suas angustias, medos, revoltas e até com uma certa coragem ao expôr suas fragilidades da mesma forma com que tenta, incansavelmente, desvendar uma das maiores sequências de crimes bárbaros da história dos EUA.
McNamara é a autora do livro homônimo "I'll Be Gone in the Dark" (título original), onde narra sua jornada como escritora durante a investigação de uma série de casos de estupros e assassinatos em Sacramento durante as décadas de 70 e 80 que posteriormente ficou conhecido como "O caso do assassino de Golden State". Confira o trailer:
A série conta em detalhes todo o trabalho de Michelle McNamara como jornalista investigativa até o momento em que passa a se dedicar integralmente ao caso não resolvido do assassino de Golden State, que estuprou 50 mulheres e matou outras 10 pessoas. O interessante dessa jornada é que pouco a pouco a obstinação de McNamara vai se transformando em uma enorme obsessão, fazendo com que o próprio assassino (ou o que ele representa) domine sua mente e interfira visivelmente na sua vida pessoal - e aqui temos o ponto alto da série: essa linha tênue onde McNamara tenta se equilibrar tem reflexos cruciais e eles são muito mais profundos do que qualquer um que vivia com ela poderia imaginar. Olha, em vários momentos é preciso ter estômago, já que muitas sobreviventes contam sobre os ataques que sofreram com uma riqueza de sensações assustadora e em outros, sofremos na pele as mesmas angústias de uma McNamara inconformada (e pressionada) com o fato do assassino ainda estar solto e isso, de certa forma, vai nos impulsionando a torcer por uma resolução, mesmo sabendo que a protagonista não estará lá para ver!
Escrito por Liz Garbus (que também dirige dois episódios), a série se divide entre a investigação de McNamara e sua biografia recente, até que ambos se misturam quando ela começa a escrever o livro sobre o assassino. Se apoiando muito na semiótica, Garbus (que já foi indicada para dois Oscars: um com "The Farm: Angola, USA" e outro com o excepcional "What Happened, Miss Simone?") soube trabalhar como ninguém o fato de que McNamara nunca esteve presente durante a produção da série - ao usar suas palavras escritas no livro, brilhantemente narradas por Karen Kilgariff, a diretora acabou criando um tom poético para a visão de McNamara ao mesmo tempo que a força emocional de suas palavras contrastam com a brutalidade dos ataques.
Garbus alternou inúmeras entrevistas bem interessantes, com imagens de arquivo e até uma ou outra dramatização. Dar voz ao marido de McNamara, aos amigos, fãs do blog que escrevia, policiais que trabalharam na investigação na época dos crimes e, por fim, para os seus próprios parceiros de trabalho, mostram exatamente a quantidade de informações relevantes que essa história demanda. O bacana é que mesmo com tanto material, em nenhum momento nos sentimos perdidos - o ritmo é intenso, mas muito bem construído, com muitos elementos de ficção, inclusive, só que extremamente pertinentes ao conceito narrativo imposto pela diretora!
""Eu Terei Sumido na Escuridão" vai agradar quem gosta de séries policiais de crimes reais da mesma forma de quem gosta de biografias com pessoas interessantes e inteligentes. Essa mistura de gêneros entrega um resultado impecável e que, certamente, virá muito forte na temporada de premiações do ano que vem. Vale muito o seu play, de verdade!
"Framing Britney Spears", que aqui no Brasil ganhou o subtítulo de "A vida de uma estrela", é mais um documentário produzido pelo The New York Times para a plataforma Hulu. De imediato, temos a sensação de que se trata de mais uma história de construção de um fenômeno pop americano que acaba despencando depois de decisões e atitudes bastante questionáveis. De fato esse arco narrativo está no filme, mas o interessante é a perspectiva que a diretora Samantha Stark nos mostra - o que acaba destruindo aquele pré conceito que tomamos como a mais absoluta verdade sem ao menos nos aprofundar ou procurar entender o outro lado da história.
O documentário acompanha a ascensão de Britney Spears como um fenômeno global até sua queda, considerado até hoje como uma espécie de esporte nacional da mais cruel das formas. A partir de depoimentos de pessoas próximas a ela e de advogados que, de alguma maneira, estavam envolvidos no mistério da tutela legal exercida por seu pai e que gerou um movimento popular importante no país: o Free Britney. Confira o teaser:
A carreira de Britney Spears é um case de sucesso em um período onde as "boys bands" dominavam as paradas e os corações adolescentes. Sua chegada no cenário musical criou um enorme desconforto, pela forma como ela se apresentava, mas por outro lado provocou um sentimento de identificação que subverteu as inúmeras manifestações machistas, hipócritas e conservadoras, tão comum na sociedade americana. O fato é que Britney venceu, marcou uma geração e o documentário é muito feliz em resumir essa jornada de forma direta, sem perder muito tempo. Hoje, quase 13 anos depois de um surto registrado pelas câmeras e virar piada no mundo inteiro, sua vida é controlada pelo seu pai - mesmo ela sendo considerada capaz de tomar suas próprias decisões. É incrível como muitas pessoas ainda consideram a cantora como uma artista de sucesso que simplesmente surtou e nem se preocupam em entender como a vida dela chegou neste ponto. É exatamente esse o objetivo de "Framing Britney Spears": dar voz à Britney, sem necessariamente poder contar com ela no documentário.
Veja, não se trata de um documentário com um conceito narrativo inovador ou visualmente inesquecível, digno de Oscar ou muitos prêmios, "Framing Britney Spears" é quase uma reportagem especial de qualquer programa jornalístico com um arco narrativo, digamos, mais cinematográfico - mas isso não deve incomodar, pois a história é realmente muito boa e a maneira como a diretora nos apresenta essa jornada, cria um vinculo emocional com a protagonista que fica difícil não defende-la. Os que antes a consideravam uma louca, certamente vão enxergar a situação com outros olhos.
O documentário é superficial, está longe de ter a qualidade narrativa e a pesquisa de "Sandy & Junior: A História", por exemplo; mas atinge seu objetivo e nos entretem ao mesmo temo que nos faz refletir sobre como existe um certo prazer sádico em endeusar um artista (ou esportista) durante o seu ápice, para depois sacramentar sua queda, transformando sua vida em um verdadeiro inferno - como em "Tiger" da HBO, para citar outra produção na mesma linha.
A verdade é que esse é outro documentário onde final não é tão feliz, mas que pelo menos ainda nos deixa uma esperança. Vale o play!
"Framing Britney Spears", que aqui no Brasil ganhou o subtítulo de "A vida de uma estrela", é mais um documentário produzido pelo The New York Times para a plataforma Hulu. De imediato, temos a sensação de que se trata de mais uma história de construção de um fenômeno pop americano que acaba despencando depois de decisões e atitudes bastante questionáveis. De fato esse arco narrativo está no filme, mas o interessante é a perspectiva que a diretora Samantha Stark nos mostra - o que acaba destruindo aquele pré conceito que tomamos como a mais absoluta verdade sem ao menos nos aprofundar ou procurar entender o outro lado da história.
O documentário acompanha a ascensão de Britney Spears como um fenômeno global até sua queda, considerado até hoje como uma espécie de esporte nacional da mais cruel das formas. A partir de depoimentos de pessoas próximas a ela e de advogados que, de alguma maneira, estavam envolvidos no mistério da tutela legal exercida por seu pai e que gerou um movimento popular importante no país: o Free Britney. Confira o teaser:
A carreira de Britney Spears é um case de sucesso em um período onde as "boys bands" dominavam as paradas e os corações adolescentes. Sua chegada no cenário musical criou um enorme desconforto, pela forma como ela se apresentava, mas por outro lado provocou um sentimento de identificação que subverteu as inúmeras manifestações machistas, hipócritas e conservadoras, tão comum na sociedade americana. O fato é que Britney venceu, marcou uma geração e o documentário é muito feliz em resumir essa jornada de forma direta, sem perder muito tempo. Hoje, quase 13 anos depois de um surto registrado pelas câmeras e virar piada no mundo inteiro, sua vida é controlada pelo seu pai - mesmo ela sendo considerada capaz de tomar suas próprias decisões. É incrível como muitas pessoas ainda consideram a cantora como uma artista de sucesso que simplesmente surtou e nem se preocupam em entender como a vida dela chegou neste ponto. É exatamente esse o objetivo de "Framing Britney Spears": dar voz à Britney, sem necessariamente poder contar com ela no documentário.
Veja, não se trata de um documentário com um conceito narrativo inovador ou visualmente inesquecível, digno de Oscar ou muitos prêmios, "Framing Britney Spears" é quase uma reportagem especial de qualquer programa jornalístico com um arco narrativo, digamos, mais cinematográfico - mas isso não deve incomodar, pois a história é realmente muito boa e a maneira como a diretora nos apresenta essa jornada, cria um vinculo emocional com a protagonista que fica difícil não defende-la. Os que antes a consideravam uma louca, certamente vão enxergar a situação com outros olhos.
O documentário é superficial, está longe de ter a qualidade narrativa e a pesquisa de "Sandy & Junior: A História", por exemplo; mas atinge seu objetivo e nos entretem ao mesmo temo que nos faz refletir sobre como existe um certo prazer sádico em endeusar um artista (ou esportista) durante o seu ápice, para depois sacramentar sua queda, transformando sua vida em um verdadeiro inferno - como em "Tiger" da HBO, para citar outra produção na mesma linha.
A verdade é que esse é outro documentário onde final não é tão feliz, mas que pelo menos ainda nos deixa uma esperança. Vale o play!
"Fresh" é para você que gosta dos filmes do Jordan Peele, como "Corra!" e "Nós" - e olha, a similaridade não está no conteúdo e sim na forma quase non-sense de contar uma história de suspense com muitos elementos de terror e sangue, muito sangue. Então esteja preparado para uma experiência sensorial que vai do nojo ao humor indelicado, surpreendente, contagiante, mas com um gosto muito particular de gênero.
Em "Fresh" conhecemos a jovem e solteira Noa (Daisy Edgar-Jones), que inesperadamente encontra o sedutor Steve (Sebastian Stan) em um supermercado e, devido à frustração das recentes experiências com aplicativos de namoro, resolve arriscar e dar o seu número para o rapaz. Após um primeiro encontro romântico e envolvente, Noa aceita o convite de Steve para passar um final de semana juntos, porém o que parecia a chance de um grande amor acaba se tornando um pesadelo cheio de gostos e sabores. Confira o trailer:
Embora seja o primeiro trabalho da diretora Mimi Cave é notável seu domínio narrativo de uma gramática cinematográfica que nem sempre se encaixa com a proposta conceitual de um roteiro como esse - aliás, essa poderia ser uma história aterrorizante se fosse levada a sério, mas Cave parece ser uma diretora que não teme correr riscos e referenciada por nomes como o já citado Jordan Peele, Quentin Tarantino e até Bong Joon-Ho, entrega um filme que abusa do over-acting e se aproxima do kitsch para criar uma dinâmica tão absurda quanto divertida.
Unir todos esses pontos me pareceu ser o maior mérito de "Fresh" - é um fato que estamos sempre com os nervos a flor da pele esperando uma catástrofe que está anunciada desde o final de um bem desenvolvido primeiro ato. A montagem do Martin Pensa (de "Clube de Compras Dallas") brinca com nossa percepção ao traçar paralelos entre o arco principal e as subtramas - a verdade é que nunca sabemos o que vamos encontrar já que os cortes secos e dinâmicos criam uma atmosfera de insegurança absurda: seja na hora em que Steve está cozinhando, seja no sincronismo das ações em ambientes distintos.
É claro que "Fresh" não tem a profundidade e muito mesmo a força crítica de "Parasita" (embora tente), mas também é inegável a intenção da diretora, e da roteirista Lauryn Kahn, em dar voz ao feminismo, empoderando as protagonistas e ridicularizando qualquer figura masculina do filme. A própria importância do cenário (e de todo desenho de produção) nesse contexto, ajuda na construção de um clima claustrofóbico, ao mesmo tempo requintado, onde Steve reina e que, mais uma vez, nos remete ao filme de Bong Joon-Ho. Talvez até o final siga o mesmo caminho, mas aí já com um toque de "Silêncio dos Inocentes", mas o fato é que o nível de catarse é incrível e a sensação de originalidade soa maior ainda e, mesmo que essa não a realidade, toda essa mistura funciona muito bem.
Vale o play!
"Fresh" é para você que gosta dos filmes do Jordan Peele, como "Corra!" e "Nós" - e olha, a similaridade não está no conteúdo e sim na forma quase non-sense de contar uma história de suspense com muitos elementos de terror e sangue, muito sangue. Então esteja preparado para uma experiência sensorial que vai do nojo ao humor indelicado, surpreendente, contagiante, mas com um gosto muito particular de gênero.
Em "Fresh" conhecemos a jovem e solteira Noa (Daisy Edgar-Jones), que inesperadamente encontra o sedutor Steve (Sebastian Stan) em um supermercado e, devido à frustração das recentes experiências com aplicativos de namoro, resolve arriscar e dar o seu número para o rapaz. Após um primeiro encontro romântico e envolvente, Noa aceita o convite de Steve para passar um final de semana juntos, porém o que parecia a chance de um grande amor acaba se tornando um pesadelo cheio de gostos e sabores. Confira o trailer:
Embora seja o primeiro trabalho da diretora Mimi Cave é notável seu domínio narrativo de uma gramática cinematográfica que nem sempre se encaixa com a proposta conceitual de um roteiro como esse - aliás, essa poderia ser uma história aterrorizante se fosse levada a sério, mas Cave parece ser uma diretora que não teme correr riscos e referenciada por nomes como o já citado Jordan Peele, Quentin Tarantino e até Bong Joon-Ho, entrega um filme que abusa do over-acting e se aproxima do kitsch para criar uma dinâmica tão absurda quanto divertida.
Unir todos esses pontos me pareceu ser o maior mérito de "Fresh" - é um fato que estamos sempre com os nervos a flor da pele esperando uma catástrofe que está anunciada desde o final de um bem desenvolvido primeiro ato. A montagem do Martin Pensa (de "Clube de Compras Dallas") brinca com nossa percepção ao traçar paralelos entre o arco principal e as subtramas - a verdade é que nunca sabemos o que vamos encontrar já que os cortes secos e dinâmicos criam uma atmosfera de insegurança absurda: seja na hora em que Steve está cozinhando, seja no sincronismo das ações em ambientes distintos.
É claro que "Fresh" não tem a profundidade e muito mesmo a força crítica de "Parasita" (embora tente), mas também é inegável a intenção da diretora, e da roteirista Lauryn Kahn, em dar voz ao feminismo, empoderando as protagonistas e ridicularizando qualquer figura masculina do filme. A própria importância do cenário (e de todo desenho de produção) nesse contexto, ajuda na construção de um clima claustrofóbico, ao mesmo tempo requintado, onde Steve reina e que, mais uma vez, nos remete ao filme de Bong Joon-Ho. Talvez até o final siga o mesmo caminho, mas aí já com um toque de "Silêncio dos Inocentes", mas o fato é que o nível de catarse é incrível e a sensação de originalidade soa maior ainda e, mesmo que essa não a realidade, toda essa mistura funciona muito bem.
Vale o play!
O documentário "Ghislaine Maxwell: Poder e Perversão" é praticamente uma escolha obrigatória para quem assistiu (e gostou) de "Jeffrey Epstein: Poder e Perversão". Embora sem o mesmo brilhantismo narrativo da minissérie de 4 episódios que nos apresentou os detalhes mais secretos do esquema de pirâmide sexual com menores de Epstein, que envolvia poderosos políticos, empresários, acadêmicos e até celebridades; o filme sobre sua parceira Ghislaine serve, basicamente, como um epílogo de uma história que embrulha o estômago por todo contexto que envolveu suas vítimas.
Este documentário parte dos pontos que ficaram abertos depois dos acontecimentos da minissérie. Os detalhes sobre o caso de tráfico sexual pelo prisma do envolvimento de Ghislaine Maxwell, socialite e cúmplice de Jeffrey Epstein, ganha ainda mais força com os depoimentos das próprias vítimas e do recente julgamento pelo qual ela passou. Confira o trailer (em inglês):
Se "Ghislaine Maxwell: Poder e Perversão" fosse o quinto episódio de "Jeffrey Epstein: Poder e Perversão" tudo faria mais sentido - porém há dois anos atrás Ghislaine sequer tinha sido indiciada, o que, claro, impactou na escolha da diretora Lisa Bryant em fechar o primeiro ciclo com o rico material que ela tinha na época. E aqui cabe uma observação relevante: a minissérie foi baseada no ivro de James Patterson “Filthy Rich: The Shocking True Story of Jeffrey Epstein”, o que permitiu a Lisa se aprofundar em diversos detalhes que, infelizmente, não se repetiu no filme de Ghislaine. Em muitos momentos, inclusive, a narrativa se torna até repetitiva e incrivelmente superficial com o claro intuito de tentar relembrar o caso Epstein sem tirar o foco da nova protagonista.
Isso prejudica a experiência? Absolutamente não, porém cria um vinculo tão grande com a obra anterior que seria desrespeitoso da minha parte dizer que a história de "Ghislaine Maxwell: Poder e Perversão" se conta sozinha - não, ela não se conta e isolada perde completamente sua força! Com a ajuda de Maiken Baird (produtora de sucessos como "Ícaro" e "Allen contra Farrow") Lisa revisita alguns elementos que conectados ao caso, nos ajudam a entender um pouco mais da relação entre Ghislaine e Epstein - o ponto alto, no entanto, se dá na construção do perfil de Ghislaine e como sua relação com o pai, o milionário da mídia Robert Maxwell, definiu traços da sua personalidade marcante (e doentia).
"Ghislaine Maxwell: Poder e Perversão" basicamente repete a fragilidade de “Who is Ghislaine Maxwell?”, da HBO, que bebeu da fonte de "Jeffrey Epstein: Poder e Perversão", mas que trouxe poucas novidades para o entendimento do caso como um todo (inclusive de sua investigação e julgamento). Eu diria que esse documentário é até dinâmico, bem produzido, bem dirigido e que funciona muito bem como encerramento de um assunto que passou de novidade (e até surpreendente pelos nomes envolvidos e pelo fim trágico de Epstein) para um tema que dominou os noticiários por muito tempo e que me pareceu ter se desgastado demais.
Repetindo: vale seu play, apenas se você já assistiu "Jeffrey Epstein: Poder e Perversão"!
O documentário "Ghislaine Maxwell: Poder e Perversão" é praticamente uma escolha obrigatória para quem assistiu (e gostou) de "Jeffrey Epstein: Poder e Perversão". Embora sem o mesmo brilhantismo narrativo da minissérie de 4 episódios que nos apresentou os detalhes mais secretos do esquema de pirâmide sexual com menores de Epstein, que envolvia poderosos políticos, empresários, acadêmicos e até celebridades; o filme sobre sua parceira Ghislaine serve, basicamente, como um epílogo de uma história que embrulha o estômago por todo contexto que envolveu suas vítimas.
Este documentário parte dos pontos que ficaram abertos depois dos acontecimentos da minissérie. Os detalhes sobre o caso de tráfico sexual pelo prisma do envolvimento de Ghislaine Maxwell, socialite e cúmplice de Jeffrey Epstein, ganha ainda mais força com os depoimentos das próprias vítimas e do recente julgamento pelo qual ela passou. Confira o trailer (em inglês):
Se "Ghislaine Maxwell: Poder e Perversão" fosse o quinto episódio de "Jeffrey Epstein: Poder e Perversão" tudo faria mais sentido - porém há dois anos atrás Ghislaine sequer tinha sido indiciada, o que, claro, impactou na escolha da diretora Lisa Bryant em fechar o primeiro ciclo com o rico material que ela tinha na época. E aqui cabe uma observação relevante: a minissérie foi baseada no ivro de James Patterson “Filthy Rich: The Shocking True Story of Jeffrey Epstein”, o que permitiu a Lisa se aprofundar em diversos detalhes que, infelizmente, não se repetiu no filme de Ghislaine. Em muitos momentos, inclusive, a narrativa se torna até repetitiva e incrivelmente superficial com o claro intuito de tentar relembrar o caso Epstein sem tirar o foco da nova protagonista.
Isso prejudica a experiência? Absolutamente não, porém cria um vinculo tão grande com a obra anterior que seria desrespeitoso da minha parte dizer que a história de "Ghislaine Maxwell: Poder e Perversão" se conta sozinha - não, ela não se conta e isolada perde completamente sua força! Com a ajuda de Maiken Baird (produtora de sucessos como "Ícaro" e "Allen contra Farrow") Lisa revisita alguns elementos que conectados ao caso, nos ajudam a entender um pouco mais da relação entre Ghislaine e Epstein - o ponto alto, no entanto, se dá na construção do perfil de Ghislaine e como sua relação com o pai, o milionário da mídia Robert Maxwell, definiu traços da sua personalidade marcante (e doentia).
"Ghislaine Maxwell: Poder e Perversão" basicamente repete a fragilidade de “Who is Ghislaine Maxwell?”, da HBO, que bebeu da fonte de "Jeffrey Epstein: Poder e Perversão", mas que trouxe poucas novidades para o entendimento do caso como um todo (inclusive de sua investigação e julgamento). Eu diria que esse documentário é até dinâmico, bem produzido, bem dirigido e que funciona muito bem como encerramento de um assunto que passou de novidade (e até surpreendente pelos nomes envolvidos e pelo fim trágico de Epstein) para um tema que dominou os noticiários por muito tempo e que me pareceu ter se desgastado demais.
Repetindo: vale seu play, apenas se você já assistiu "Jeffrey Epstein: Poder e Perversão"!
A minissérie "Hollywood", nova produção da Netflix com o carimbo do badalado showrunner Ryan Murphy ("Feud", "Glee" e "Nip Tuck"), tem muitos acertos e algumas transgressões, mas depois de assistir os sete episódios fiquei com a sensação de que o projeto poderia ter ido muito além do que foi em um ponto muito particular: o roteiro! Para tudo fazer um pouco mais de sentido, te convido a assistir o trailer:
Ao assistir o trailer temos a impressão que estamos diante da melhor minissérie que um amante da sétima arte poderia sonhar: uma excelente produção, ótimos atores, uma história real muito cativante e, claro, tudo isso embrulhado perfeitamente com o glamour e o charme do universo do cinema americano! Pois bem, acontece que "Hollywood" não sustenta essa expectativa ao escolher soluções narrativas mais fáceis e, por incrível que pareça, acaba se perdendo na falta de identidade.
No final da década de 1940, diversos jovens desembarcavam em Los Angeles com a esperança de se tornarem famosos e reconhecidos no cinema. Entretanto, para chamar atenção na multidão, os aspirantes ao estrelato precisavam sobreviver em uma cidade muitas vezes cruel e ainda dar a sorte de conhecer as pessoas certas. É nesse contexto que o ex-soldado Jack Castello (David Corenswet) passa a se prostituir enquanto espera por uma oportunidade de se tornar ator. No meio dessa jornada, ele conhece Archie Coleman (Jeremy Pope), um roteirista negro e gay, o jovem diretor Raymond Ainsley (Darren Chris) e a milionária Avis Amberg (Patti LuPone), casada com o dono de um dos maiores Estúdios de Cinema dos EUA, o ACE Studios!
Questões como assédio, abuso de poder e preconceito são elementos exaustivamente discutidos da minissérie, porém com um enfoque diferente do que estamos acostumados: os homens são as vítimas, retratando assim, em uma mesma tacada, tanto o movimento gay, como as perseguições raciais nos bastidores da Era de Ouro do Cinema Americano! Quase como um manifesto, o que vemos nos episódios não é exatamente o que se dá a entender que veremos pelo trailer! A minissérie não economiza em nenhum tipo de cena: nas relações pessoais, amorosas ou na prostituição, até no diálogo mais ácido sobre alguns assuntos bem pesados! De fato não é uma minissérie que vai agradar a todos justamente por isso, mas há de se destacar a coragem em mostrar a realidade, por mais que possa nos incomodar (e não estou falando de um assunto em particular e sim do todo)! Vale o play, mas com essas ressalvas e algumas outras que discuto à seguir!
Quando o roteiro assume sua clara preocupação em priorizar a forma e não o conteúdo, "Hollywood" perde sua alma! Escrevo isso com dor no coração, pois era uma oportunidade de ouro. Reparem na trama: precisando de dinheiro para cuidar da esposa grávida e sem conseguir uma oportunidade como figurante em um filme, Jack Castello é aliciado pelo dono de um posto de gasolina que, além de encher o tanque dos carros, serve de fachada para serviços sexuais. Embora Jack recuse se prostituir com outros homens (como era de costume aliás), ele cede à necessidade de sobrevivência e se dispõe a sair com mulheres ricas - é aí que conhece Avis Amberg e sua vida começa a mudar.Em paralelo somos apresentados a história de mais alguns personagens intrigantes, mas que vão parecer pouco explorados: Archie Coleman, também trabalha no posto - ele gerou interesse do Estúdio ao ter seu roteiro (que enviou pelo correio) lido por um dos produtores. Sabendo desse interesse, ele precisa esconder do dono do Estúdio que é negro e gay enquanto não assina o contrato de produção. Já Camille Washington (Laura Harrier), é uma excelente atriz que sempre acaba em papéis secundários justamente por também ser negra e por fim, Henry Wilson (Jim Parsons), um importante agente de talentos bastante conhecido por transformar bons atores em estrelas de cinema, em troca de favores sexuais.
Com um tom muito parecido com os dois primeiros atos de "Era uma vez em… Hollywood", mas sem o brilhantismo de Quentin Tarantino para conduzir a história, "Hollywood" mistura fatos e personagens reais com muita fantasia - se em alguns momentos temos a impressão de acompanhar uma aula de história do cinema, em outros presenciamos uma trama completamente superficial que parecia ser uma coisa e na realidade é algo completamente diferente - bem menos interessante! Com personagens tão complexos, a história sofre com a falta de rumo (e talvez até de tempo - se fosse uma série, poderia ser diferente!). Mas é preciso dizer também, que não se trata de uma minissérie ruim - existem algumas forçadas de barra com o claro objetivo de chocar quem assiste e que depois não se sustentam com o passar dos episódios, culminando em um último ato que mais parece um final de novela, que incomoda! É um pouco frustrante, mas não dá par dizer que é um jornada chata!
Ryan Murphy entregou uma minissérie muito bem produzida: a "arte" está impecável em todos os seus departamentos, mas uma das suas maiores qualidades, simplesmente, vai se desfazendo lentamente com um problema sério de progressão narrativa: os cinco primeiros episódios tem um ritmo e os dois últimos, outro - é tão perceptível que a falta unidade chega a confundir! "Hollywood" é um bom entretenimento se você estiver disposto a entrar no jogo que o roteiro propõe - tem uma história interessante, bons temas para se discutir e refletir, mas uma dramaturgia pouco inspirada! Vai do gosto!
A minissérie "Hollywood", nova produção da Netflix com o carimbo do badalado showrunner Ryan Murphy ("Feud", "Glee" e "Nip Tuck"), tem muitos acertos e algumas transgressões, mas depois de assistir os sete episódios fiquei com a sensação de que o projeto poderia ter ido muito além do que foi em um ponto muito particular: o roteiro! Para tudo fazer um pouco mais de sentido, te convido a assistir o trailer:
Ao assistir o trailer temos a impressão que estamos diante da melhor minissérie que um amante da sétima arte poderia sonhar: uma excelente produção, ótimos atores, uma história real muito cativante e, claro, tudo isso embrulhado perfeitamente com o glamour e o charme do universo do cinema americano! Pois bem, acontece que "Hollywood" não sustenta essa expectativa ao escolher soluções narrativas mais fáceis e, por incrível que pareça, acaba se perdendo na falta de identidade.
No final da década de 1940, diversos jovens desembarcavam em Los Angeles com a esperança de se tornarem famosos e reconhecidos no cinema. Entretanto, para chamar atenção na multidão, os aspirantes ao estrelato precisavam sobreviver em uma cidade muitas vezes cruel e ainda dar a sorte de conhecer as pessoas certas. É nesse contexto que o ex-soldado Jack Castello (David Corenswet) passa a se prostituir enquanto espera por uma oportunidade de se tornar ator. No meio dessa jornada, ele conhece Archie Coleman (Jeremy Pope), um roteirista negro e gay, o jovem diretor Raymond Ainsley (Darren Chris) e a milionária Avis Amberg (Patti LuPone), casada com o dono de um dos maiores Estúdios de Cinema dos EUA, o ACE Studios!
Questões como assédio, abuso de poder e preconceito são elementos exaustivamente discutidos da minissérie, porém com um enfoque diferente do que estamos acostumados: os homens são as vítimas, retratando assim, em uma mesma tacada, tanto o movimento gay, como as perseguições raciais nos bastidores da Era de Ouro do Cinema Americano! Quase como um manifesto, o que vemos nos episódios não é exatamente o que se dá a entender que veremos pelo trailer! A minissérie não economiza em nenhum tipo de cena: nas relações pessoais, amorosas ou na prostituição, até no diálogo mais ácido sobre alguns assuntos bem pesados! De fato não é uma minissérie que vai agradar a todos justamente por isso, mas há de se destacar a coragem em mostrar a realidade, por mais que possa nos incomodar (e não estou falando de um assunto em particular e sim do todo)! Vale o play, mas com essas ressalvas e algumas outras que discuto à seguir!
Quando o roteiro assume sua clara preocupação em priorizar a forma e não o conteúdo, "Hollywood" perde sua alma! Escrevo isso com dor no coração, pois era uma oportunidade de ouro. Reparem na trama: precisando de dinheiro para cuidar da esposa grávida e sem conseguir uma oportunidade como figurante em um filme, Jack Castello é aliciado pelo dono de um posto de gasolina que, além de encher o tanque dos carros, serve de fachada para serviços sexuais. Embora Jack recuse se prostituir com outros homens (como era de costume aliás), ele cede à necessidade de sobrevivência e se dispõe a sair com mulheres ricas - é aí que conhece Avis Amberg e sua vida começa a mudar.Em paralelo somos apresentados a história de mais alguns personagens intrigantes, mas que vão parecer pouco explorados: Archie Coleman, também trabalha no posto - ele gerou interesse do Estúdio ao ter seu roteiro (que enviou pelo correio) lido por um dos produtores. Sabendo desse interesse, ele precisa esconder do dono do Estúdio que é negro e gay enquanto não assina o contrato de produção. Já Camille Washington (Laura Harrier), é uma excelente atriz que sempre acaba em papéis secundários justamente por também ser negra e por fim, Henry Wilson (Jim Parsons), um importante agente de talentos bastante conhecido por transformar bons atores em estrelas de cinema, em troca de favores sexuais.
Com um tom muito parecido com os dois primeiros atos de "Era uma vez em… Hollywood", mas sem o brilhantismo de Quentin Tarantino para conduzir a história, "Hollywood" mistura fatos e personagens reais com muita fantasia - se em alguns momentos temos a impressão de acompanhar uma aula de história do cinema, em outros presenciamos uma trama completamente superficial que parecia ser uma coisa e na realidade é algo completamente diferente - bem menos interessante! Com personagens tão complexos, a história sofre com a falta de rumo (e talvez até de tempo - se fosse uma série, poderia ser diferente!). Mas é preciso dizer também, que não se trata de uma minissérie ruim - existem algumas forçadas de barra com o claro objetivo de chocar quem assiste e que depois não se sustentam com o passar dos episódios, culminando em um último ato que mais parece um final de novela, que incomoda! É um pouco frustrante, mas não dá par dizer que é um jornada chata!
Ryan Murphy entregou uma minissérie muito bem produzida: a "arte" está impecável em todos os seus departamentos, mas uma das suas maiores qualidades, simplesmente, vai se desfazendo lentamente com um problema sério de progressão narrativa: os cinco primeiros episódios tem um ritmo e os dois últimos, outro - é tão perceptível que a falta unidade chega a confundir! "Hollywood" é um bom entretenimento se você estiver disposto a entrar no jogo que o roteiro propõe - tem uma história interessante, bons temas para se discutir e refletir, mas uma dramaturgia pouco inspirada! Vai do gosto!
Antes de mais nada é preciso alinhar as expectativas, já que "Holy Spider" pode ser entendido de duas formas: uma pela perspectiva mais sócio-cultural e religiosa do cinema independente iraniano e outra pelo olhar mais investigativo do entretenimento nórdico. Pois bem, se analisarmos o filme mais superficialmente, eu diria que essa produção dinamarquesa dirigida pelo iraniano Ali Abbasi (de "Border"), é apenas um mediado (para bom) thriller policial. Então não caia nessa armadilha, pois essa atmosfera "serial killer" é apenas o pano de fundo para discutir camadas muito mais delicadas sobre a relação visceral entre o ser humano extremista e a violência misógina do Irã. Um dos lançamentos mais comentados de 2022, dividindo opiniões e gerando debates acalorados, "Holy Spider" chega chancelado por mais de 20 prêmios em festivais ao redor do planeta incluindo o de Melhor Atriz no Festival de Cannes para Zar Amir Ebrahimi.
A trama acompanha a saga da destemida jornalista Arezoo Rahimi (Amir-Ebrahimi), que se infiltra no submundo da cidade sagrada de Mashhad, no Irã, em busca de um serial killer que aterroriza a comunidade: o "Aranha Assassina". Motivado por crenças religiosas distorcidas e sexistas, ele se autoproclama o purificador da cidade, exterminando prostitutas que considera "impuras". Confira o trailer (com legendas em inglês):
Impactante no seu conteúdo e provocar na forma como esse conteúdo é apresentado, Abbasi merece todos os elogios por nos entregar um retrato cru e sem concessões sobre a realidade iraniana, onde a misoginia está enraizada na cultura e na religião. Embora em um primeiro olhar "Holy Spider" pareça focar na investigação de Rahimi, o roteiro do próprio diretor com o estreante Afshin Kamran Bahrami, sai do óbvio ao colocar a jornalista em uma verdadeira rota de colisão com as autoridades corruptas e os homens misóginos que defendem os atos do assassino. Se a cada passo, Rahimi enfrenta os perigos e os obstáculos de uma mulher, solteira, jornalista e forasteira, tentando entender a razão da polícia local não estar dando atenção aos crimes, seu impulso, sem dúvida, está na razão pela qual essa busca por justiça acontece: é preciso dar voz às mulheres silenciadas pela violência.
O diretor constrói uma atmosfera claustrofóbica e sufocante, utilizando planos fechados e uma paleta de cores sombrias que refletem a opressão e a violência presentes na história. Esse estilo de fotografia do dinamarquês Nadim Carlsen nos remete aos excelentes policiais nórdicos - aqui sem o azul gélido, mas com o verde e o marrom das paisagens de Mashhad totalmente alinhados ao conceito mais documental de Abbasi. Ele usa muito da câmera solta para trazer veracidade para a narrativa e valorizar a história que é baseada em fatos reais. As performances dos atores são igualmente competentes, com destaque para Zar Amir-Ebrahimi, que entrega uma jornada comovente como Rahimi.
"Holy Spider" é realmente um filme mais difícil, que vai exigir um olhar mais holístico sobre a trama e por se tratar de uma forte crítica social, profunda e contundente, que expõe a hipocrisia e a brutalidade de um sistema patriarcal que oprime e silencia as mulheres iranianas. É um filme que choca e que revolta, mas que também nos convida para uma reflexão importante sobre a força e a resiliência das mulheres em sua luta por justiça e liberdade. Então se você busca uma experiência cinematográfica perturbadora e ao mesmo tempo instigante, que te fará questionar as estruturas de poder e as raízes da violência contra as mulheres, "Holy Spider" é um filme imperdível - especialmente por um terceiro ato digno de muitos prêmios.
Prepare-se para ser confrontado com realidades duras e incômodas, mas também com a força e a bravura de uma mulher que luta por um mundo mais justo. Pode dar o play!
Antes de mais nada é preciso alinhar as expectativas, já que "Holy Spider" pode ser entendido de duas formas: uma pela perspectiva mais sócio-cultural e religiosa do cinema independente iraniano e outra pelo olhar mais investigativo do entretenimento nórdico. Pois bem, se analisarmos o filme mais superficialmente, eu diria que essa produção dinamarquesa dirigida pelo iraniano Ali Abbasi (de "Border"), é apenas um mediado (para bom) thriller policial. Então não caia nessa armadilha, pois essa atmosfera "serial killer" é apenas o pano de fundo para discutir camadas muito mais delicadas sobre a relação visceral entre o ser humano extremista e a violência misógina do Irã. Um dos lançamentos mais comentados de 2022, dividindo opiniões e gerando debates acalorados, "Holy Spider" chega chancelado por mais de 20 prêmios em festivais ao redor do planeta incluindo o de Melhor Atriz no Festival de Cannes para Zar Amir Ebrahimi.
A trama acompanha a saga da destemida jornalista Arezoo Rahimi (Amir-Ebrahimi), que se infiltra no submundo da cidade sagrada de Mashhad, no Irã, em busca de um serial killer que aterroriza a comunidade: o "Aranha Assassina". Motivado por crenças religiosas distorcidas e sexistas, ele se autoproclama o purificador da cidade, exterminando prostitutas que considera "impuras". Confira o trailer (com legendas em inglês):
Impactante no seu conteúdo e provocar na forma como esse conteúdo é apresentado, Abbasi merece todos os elogios por nos entregar um retrato cru e sem concessões sobre a realidade iraniana, onde a misoginia está enraizada na cultura e na religião. Embora em um primeiro olhar "Holy Spider" pareça focar na investigação de Rahimi, o roteiro do próprio diretor com o estreante Afshin Kamran Bahrami, sai do óbvio ao colocar a jornalista em uma verdadeira rota de colisão com as autoridades corruptas e os homens misóginos que defendem os atos do assassino. Se a cada passo, Rahimi enfrenta os perigos e os obstáculos de uma mulher, solteira, jornalista e forasteira, tentando entender a razão da polícia local não estar dando atenção aos crimes, seu impulso, sem dúvida, está na razão pela qual essa busca por justiça acontece: é preciso dar voz às mulheres silenciadas pela violência.
O diretor constrói uma atmosfera claustrofóbica e sufocante, utilizando planos fechados e uma paleta de cores sombrias que refletem a opressão e a violência presentes na história. Esse estilo de fotografia do dinamarquês Nadim Carlsen nos remete aos excelentes policiais nórdicos - aqui sem o azul gélido, mas com o verde e o marrom das paisagens de Mashhad totalmente alinhados ao conceito mais documental de Abbasi. Ele usa muito da câmera solta para trazer veracidade para a narrativa e valorizar a história que é baseada em fatos reais. As performances dos atores são igualmente competentes, com destaque para Zar Amir-Ebrahimi, que entrega uma jornada comovente como Rahimi.
"Holy Spider" é realmente um filme mais difícil, que vai exigir um olhar mais holístico sobre a trama e por se tratar de uma forte crítica social, profunda e contundente, que expõe a hipocrisia e a brutalidade de um sistema patriarcal que oprime e silencia as mulheres iranianas. É um filme que choca e que revolta, mas que também nos convida para uma reflexão importante sobre a força e a resiliência das mulheres em sua luta por justiça e liberdade. Então se você busca uma experiência cinematográfica perturbadora e ao mesmo tempo instigante, que te fará questionar as estruturas de poder e as raízes da violência contra as mulheres, "Holy Spider" é um filme imperdível - especialmente por um terceiro ato digno de muitos prêmios.
Prepare-se para ser confrontado com realidades duras e incômodas, mas também com a força e a bravura de uma mulher que luta por um mundo mais justo. Pode dar o play!
"I May Destroy You" é aquele típico fenômeno que não conseguimos explicar a razão pela qual ainda não está sendo aplaudida de pé por todo mundo, como rapidamente aconteceu com Chernobyl, por exemplo. A série é desconfortante, pesada, profunda e muito provocadora; mas em nenhum momento precisa agredir para alcançar o seu objetivo - ou melhor, talvez uma ou outra cena, para uma audiência mais conservadora, possa chocar pela naturalidade, mas nunca pela falta de propósito ao trazer inúmeros assuntos tão delicados (e importantes)!
Arabella Essiedu (Michaela Coel) é uma jovem escritora que foi descoberta no Twitter e que acaba de ser contratada por uma editora de vanguarda para escrever seu livro. Após passar uma breve temporada na Itália trabalhando na obra, Anabella retorna para Londres e acaba sofrendo um bloqueio criativo. Pressionada por um cronograma super apertado, ela decide sair para relaxar com os amigos e, uma hora depois, voltar para frente do seu laptop e finalizar o trabalho. Acontece que essa noite marca a vida de Anabella para sempre, já que ela acorda em sua casa e não se lembra exatamente o que aconteceu, apenas alguns flashes deixam a entender que ela foi drogada e abusada sexualmente! Confira o trailer:
De fato, você não vai encontrar uma série leve, mas pode ter a mais absoluta certeza que ela não vai te poupar de várias reflexões e, da maneira mais inteligente que um roteiro pode entregar, te colocar em uma posição de vulnerabilidade intelectual ao expôr o que o ser humano tem de bom e de ruim, sem ao menos ser capaz de definir a linha tênue que justifique essa diferença. A série fala sobre consentimento sexual e racismo, claro, mas ela vai muito além e graças a uma construção de personagem impecável é possível entender que nem tudo é tão racional ou fácil de se explicar. Posso dizer que através das inúmeras camadas que vamos conhecendo, tanto de Anabella quanto dos seus dois melhores amigos, Terry (Weruche Opia) e Kwame (Paapa Essiedu), é possível perceber que antes de tudo somos imperfeitos, mas que nem por isso seremos absolvidos de algumas atitudes ou posturas perante o outro! Olha, vale muito seu play, now!
"I may destroy you" é uma co-produção entre BBC e da HBO criada pela própria Michaela Coel. Coel é uma atriz versátil que fez muito sucesso como comediante, mas que também foi capaz de entregar personagens dramáticos com a mesma competência. Na série, ela traz para discussão várias releituras auto-biográficas o que, naturalmente, causam um incômodo ainda maior. Os episódios de 30 minutos são cirurgicamente precisos, embora a narrativa gire entorno do que realmente aconteceu na noite em que Anabella saiu com os amigos e que, possivelmente, foi abusada, outros elementos ajudam a construir uma história de personagens. Não por acaso existem quebras na linha do tempo, mas todas elas servem para encaixar uma ou outra peça desse enorme quebra-cabeça que forma a personalidade da protagonista. Ao discutir amizade, influência nas redes sociais, relacionamentos, masculinidade, machismo, feminismo, raça, gênero, carreira, arte e muito mais, usando sempre um tom bastante existencialista, "I may destroy you" se coloca em um patamar que poucas vezes encontramos em uma série - talvez seja uma espécie de amadurecimento (se é que é possível) de "Euphoria", também da HBO.
Muito bem dirigida por Sam Miller (Luther), mas com a própria Michaela Coel como co-diretora (em 9 dos 12 episódios da temporada), fica fácil perceber como o conceito visual é de uma elegância estética impressionante, mas que nunca alivia no conteúdo. Eu te convido a reparar no 9º episódio quando a psicóloga de Anabella desenha em um simples pedaço de papel, uma explicação extremamente profunda de como, nos dias de hoje, é difícil abraçar a nossa essência em relação a performance que somos obrigados a ter em um mundo de espetáculos como nas redes sociais. É incrível a delicadeza como essa cena foi dirigida e o impacto que ela nos causa - um excelente exemplo de como direção e roteiro estão 100% alinhados!
Embora a série tenha uma conclusão bastante satisfatória, fica claro que existe assunto para uma segunda temporada, porém nenhuma posição, tanto da HBO quanto da BBC, foi confirmada. Portanto, eu sugiro que você aproveite muito, cada um dos episódios de "I may destroy you", pois a série é de fato imperdível - com uma trilha sonora sensacional e performances incríveis de todo elenco. Eu sou capaz de apostar que ela vem muito forte na temporada de premiações de 2021.
Tudo é bom, mas nada do que vemos ali é fácil! Vale muito a pena! Mesmo!
"I May Destroy You" é aquele típico fenômeno que não conseguimos explicar a razão pela qual ainda não está sendo aplaudida de pé por todo mundo, como rapidamente aconteceu com Chernobyl, por exemplo. A série é desconfortante, pesada, profunda e muito provocadora; mas em nenhum momento precisa agredir para alcançar o seu objetivo - ou melhor, talvez uma ou outra cena, para uma audiência mais conservadora, possa chocar pela naturalidade, mas nunca pela falta de propósito ao trazer inúmeros assuntos tão delicados (e importantes)!
Arabella Essiedu (Michaela Coel) é uma jovem escritora que foi descoberta no Twitter e que acaba de ser contratada por uma editora de vanguarda para escrever seu livro. Após passar uma breve temporada na Itália trabalhando na obra, Anabella retorna para Londres e acaba sofrendo um bloqueio criativo. Pressionada por um cronograma super apertado, ela decide sair para relaxar com os amigos e, uma hora depois, voltar para frente do seu laptop e finalizar o trabalho. Acontece que essa noite marca a vida de Anabella para sempre, já que ela acorda em sua casa e não se lembra exatamente o que aconteceu, apenas alguns flashes deixam a entender que ela foi drogada e abusada sexualmente! Confira o trailer:
De fato, você não vai encontrar uma série leve, mas pode ter a mais absoluta certeza que ela não vai te poupar de várias reflexões e, da maneira mais inteligente que um roteiro pode entregar, te colocar em uma posição de vulnerabilidade intelectual ao expôr o que o ser humano tem de bom e de ruim, sem ao menos ser capaz de definir a linha tênue que justifique essa diferença. A série fala sobre consentimento sexual e racismo, claro, mas ela vai muito além e graças a uma construção de personagem impecável é possível entender que nem tudo é tão racional ou fácil de se explicar. Posso dizer que através das inúmeras camadas que vamos conhecendo, tanto de Anabella quanto dos seus dois melhores amigos, Terry (Weruche Opia) e Kwame (Paapa Essiedu), é possível perceber que antes de tudo somos imperfeitos, mas que nem por isso seremos absolvidos de algumas atitudes ou posturas perante o outro! Olha, vale muito seu play, now!
"I may destroy you" é uma co-produção entre BBC e da HBO criada pela própria Michaela Coel. Coel é uma atriz versátil que fez muito sucesso como comediante, mas que também foi capaz de entregar personagens dramáticos com a mesma competência. Na série, ela traz para discussão várias releituras auto-biográficas o que, naturalmente, causam um incômodo ainda maior. Os episódios de 30 minutos são cirurgicamente precisos, embora a narrativa gire entorno do que realmente aconteceu na noite em que Anabella saiu com os amigos e que, possivelmente, foi abusada, outros elementos ajudam a construir uma história de personagens. Não por acaso existem quebras na linha do tempo, mas todas elas servem para encaixar uma ou outra peça desse enorme quebra-cabeça que forma a personalidade da protagonista. Ao discutir amizade, influência nas redes sociais, relacionamentos, masculinidade, machismo, feminismo, raça, gênero, carreira, arte e muito mais, usando sempre um tom bastante existencialista, "I may destroy you" se coloca em um patamar que poucas vezes encontramos em uma série - talvez seja uma espécie de amadurecimento (se é que é possível) de "Euphoria", também da HBO.
Muito bem dirigida por Sam Miller (Luther), mas com a própria Michaela Coel como co-diretora (em 9 dos 12 episódios da temporada), fica fácil perceber como o conceito visual é de uma elegância estética impressionante, mas que nunca alivia no conteúdo. Eu te convido a reparar no 9º episódio quando a psicóloga de Anabella desenha em um simples pedaço de papel, uma explicação extremamente profunda de como, nos dias de hoje, é difícil abraçar a nossa essência em relação a performance que somos obrigados a ter em um mundo de espetáculos como nas redes sociais. É incrível a delicadeza como essa cena foi dirigida e o impacto que ela nos causa - um excelente exemplo de como direção e roteiro estão 100% alinhados!
Embora a série tenha uma conclusão bastante satisfatória, fica claro que existe assunto para uma segunda temporada, porém nenhuma posição, tanto da HBO quanto da BBC, foi confirmada. Portanto, eu sugiro que você aproveite muito, cada um dos episódios de "I may destroy you", pois a série é de fato imperdível - com uma trilha sonora sensacional e performances incríveis de todo elenco. Eu sou capaz de apostar que ela vem muito forte na temporada de premiações de 2021.
Tudo é bom, mas nada do que vemos ali é fácil! Vale muito a pena! Mesmo!
"Inacreditável" é o tipo de história que só te surpreende com o passar dos episódios, então, se você for assistir, sugiro que você leia todo esse review antes para entender como funciona a estrutura da minissérie.
Com 8 episódios de 45 minutos de média, "Inacreditável" pode não agradar logo de cara, até porque a estratégia de lançamento não foi, na verdade, 100% honesta! A Netflix apresentou o projeto como uma minissérie que acompanharia a história de uma jovem chamada Marie Adler (Kaitlyn Dever) que, ao relatar um suposto estupro, é desacreditada pela polícia de seu estado, gerando uma série de complicações na sua vida por muito tempo. De fato essa trama está em "Inacreditável", mas ela é só o ponto de partida para um arco muito maior: o trabalho de investigação das detetives Karen Duvall (Merritt Wever) e Grace Rasmussen (Toni Collette) para encontrar um estuprador serial! Na realidade, são duas linhas temporais distintas, uma em 2008, mostrando o reflexo das escolhas de Adler após seus depoimentos para a polícia e outra em 2011, acompanhando o complicado trabalho de duas detetives de regiões diferentes, caçando o mesmo criminoso.
É preciso dizer que, à partir do momento que você entende o conceito narrativo da série, tudo se encaixa e a experiência melhora muito, mas isso não é imediato - eu diria que durante o terceiro episódio, a estrutura vai ficando mais clara e a história começa a fazer mais sentido e é aí que vem aquela ótima sensação de que valeu muito a pena ter dado o play!
Baseada na reportagem “An unbelivable story of rape” (Uma inacreditável história de estupro), escrita por T. Christian Miller e Ken Armstrong em 2015 - que inclusive lhes rendeu prêmio Pulitzer - o roteiro de "Inacreditável" acaba sendo muito inteligente em separar as histórias em duas linhas temporais distintas que se unem no final (isso não é spoiler, isso é óbvio). Em 2008, ficamos com o caso "mal contado" de Marie - e realmente é difícil cravar o que realmente aconteceu com ela. Mas isso não importa, porque o foco dessa linha é mostrar os reflexos que o frágil sistema policial (e jurídico) dos EUA, podem causar em pessoas que sofrem estupro. Quando Marie é forçada a contar sua experiência várias vezes, para diferentes detetives, que a cada versão vão ficando mais hostis, céticos e menos inclinados a acreditar nela, ela resolve assumir que inventou a história com medo do que poderia acontecer caso nada fosse comprovado. Ela inventou mesmo ou foi realmente atacada? - o grande valor do roteiro é brincar com nossa imaginação e nos forçar ao julgamento, então se permita. O fato é que depois disso as coisas só pioram para ela, provocando sensações muito parecidas com as que sentimos assistindo "Olhos que condenam"! Paralelamente, já três anos mais tarde (é preciso ficar atento nas legendas), somos apresentados à duas investigadoras que não se conhecem por trabalhar em delegacias diferentes, mas que investigam crimes muito semelhantes de estupro, e que nos fazem lembrar do depoimento de Marie. Essa linha trás elementos de gênero policial muito mais próximos de "Manhunt: Unabomber" por exemplo. É de se elogiar a química entre as duas protagonistas femininas da minissérie: a investigadora Duvall é mais reservada e calculista, enquanto a experiente Rasmussen é uma bomba relógio de emoções.
Admito que, para mim, 6 episódios seriam capazes de contar a mesma história sem tanta enrolação, mas é justificável quando o maior objetivo de uma série policial é criar a tensão até se descobrir quem é o criminoso - e aqui dou mais um ponto para o roteiro: ele não rouba no jogo! A sequência de fatos é coerente, real e angustiante, apresenta possibilidades, mas também as descarta rapidamente sem causar nenhum ruído na história - tudo fica redondo, mesmo quando o plot principal parece escapar. O fato de ser basado em fatos reais ajuda muito nesse desenvolvimento e os roteiristas foram inteligentes em usar essas "derrapadas" à favor da trama.
"Inacreditável" não é uma história fácil e imagino que deve ter um peso ainda maior para as mulheres, pois a violência é velada e as vítimas são pessoas comuns da comunidade - sem nenhum tipo de estereótipo! Dói como ser humano, claro, mas ao olhar para lado e ver sua filha brincando vem um sentimento ainda mais forte. É revoltante como a sociedade (no geral) lida com o assunto e quem sofre acaba sendo a que mais é questionada. É a que tem que provar, é a que precisa ser coerente no discurso mesmo estando destroçada por dentro... olha, é preciso ter estômago! Mais dois destaques antes de finalizar: Kaitlyn Dever, como Marie acertou no tom, na forma, no silêncio - ela sofre com os olhos, é possível sentir sua dor! E os episódios 5 e 7 merecem atenção, eles valem a minissérie - ótimos diálogos e interpretações dignas de prêmio! Não perca tempo... play!!!!
"Inacreditável" é o tipo de história que só te surpreende com o passar dos episódios, então, se você for assistir, sugiro que você leia todo esse review antes para entender como funciona a estrutura da minissérie.
Com 8 episódios de 45 minutos de média, "Inacreditável" pode não agradar logo de cara, até porque a estratégia de lançamento não foi, na verdade, 100% honesta! A Netflix apresentou o projeto como uma minissérie que acompanharia a história de uma jovem chamada Marie Adler (Kaitlyn Dever) que, ao relatar um suposto estupro, é desacreditada pela polícia de seu estado, gerando uma série de complicações na sua vida por muito tempo. De fato essa trama está em "Inacreditável", mas ela é só o ponto de partida para um arco muito maior: o trabalho de investigação das detetives Karen Duvall (Merritt Wever) e Grace Rasmussen (Toni Collette) para encontrar um estuprador serial! Na realidade, são duas linhas temporais distintas, uma em 2008, mostrando o reflexo das escolhas de Adler após seus depoimentos para a polícia e outra em 2011, acompanhando o complicado trabalho de duas detetives de regiões diferentes, caçando o mesmo criminoso.
É preciso dizer que, à partir do momento que você entende o conceito narrativo da série, tudo se encaixa e a experiência melhora muito, mas isso não é imediato - eu diria que durante o terceiro episódio, a estrutura vai ficando mais clara e a história começa a fazer mais sentido e é aí que vem aquela ótima sensação de que valeu muito a pena ter dado o play!
Baseada na reportagem “An unbelivable story of rape” (Uma inacreditável história de estupro), escrita por T. Christian Miller e Ken Armstrong em 2015 - que inclusive lhes rendeu prêmio Pulitzer - o roteiro de "Inacreditável" acaba sendo muito inteligente em separar as histórias em duas linhas temporais distintas que se unem no final (isso não é spoiler, isso é óbvio). Em 2008, ficamos com o caso "mal contado" de Marie - e realmente é difícil cravar o que realmente aconteceu com ela. Mas isso não importa, porque o foco dessa linha é mostrar os reflexos que o frágil sistema policial (e jurídico) dos EUA, podem causar em pessoas que sofrem estupro. Quando Marie é forçada a contar sua experiência várias vezes, para diferentes detetives, que a cada versão vão ficando mais hostis, céticos e menos inclinados a acreditar nela, ela resolve assumir que inventou a história com medo do que poderia acontecer caso nada fosse comprovado. Ela inventou mesmo ou foi realmente atacada? - o grande valor do roteiro é brincar com nossa imaginação e nos forçar ao julgamento, então se permita. O fato é que depois disso as coisas só pioram para ela, provocando sensações muito parecidas com as que sentimos assistindo "Olhos que condenam"! Paralelamente, já três anos mais tarde (é preciso ficar atento nas legendas), somos apresentados à duas investigadoras que não se conhecem por trabalhar em delegacias diferentes, mas que investigam crimes muito semelhantes de estupro, e que nos fazem lembrar do depoimento de Marie. Essa linha trás elementos de gênero policial muito mais próximos de "Manhunt: Unabomber" por exemplo. É de se elogiar a química entre as duas protagonistas femininas da minissérie: a investigadora Duvall é mais reservada e calculista, enquanto a experiente Rasmussen é uma bomba relógio de emoções.
Admito que, para mim, 6 episódios seriam capazes de contar a mesma história sem tanta enrolação, mas é justificável quando o maior objetivo de uma série policial é criar a tensão até se descobrir quem é o criminoso - e aqui dou mais um ponto para o roteiro: ele não rouba no jogo! A sequência de fatos é coerente, real e angustiante, apresenta possibilidades, mas também as descarta rapidamente sem causar nenhum ruído na história - tudo fica redondo, mesmo quando o plot principal parece escapar. O fato de ser basado em fatos reais ajuda muito nesse desenvolvimento e os roteiristas foram inteligentes em usar essas "derrapadas" à favor da trama.
"Inacreditável" não é uma história fácil e imagino que deve ter um peso ainda maior para as mulheres, pois a violência é velada e as vítimas são pessoas comuns da comunidade - sem nenhum tipo de estereótipo! Dói como ser humano, claro, mas ao olhar para lado e ver sua filha brincando vem um sentimento ainda mais forte. É revoltante como a sociedade (no geral) lida com o assunto e quem sofre acaba sendo a que mais é questionada. É a que tem que provar, é a que precisa ser coerente no discurso mesmo estando destroçada por dentro... olha, é preciso ter estômago! Mais dois destaques antes de finalizar: Kaitlyn Dever, como Marie acertou no tom, na forma, no silêncio - ela sofre com os olhos, é possível sentir sua dor! E os episódios 5 e 7 merecem atenção, eles valem a minissérie - ótimos diálogos e interpretações dignas de prêmio! Não perca tempo... play!!!!
"Jeffrey Epstein: Poder e Perversão" é mais uma daquelas histórias, como a que vimos em "Deixando Neverland" (da HBO), que nos embrulha o estômago a cada minuto ou a cada descoberta. Como comentamos em um artigo no nosso blog no começo de 2020, chamado: "Jeffrey Epstein, guardem esse nome", a Netflix seguiu a tendência e resolveu produzir um documentário dividido em quatro episódios sobre os detalhes mais secretos do esquema de pirâmide sexual com menores de Epstein, que envolviam poderosos políticos, empresários, acadêmicos e até celebridades. O livro de James Patterson “Filthy Rich: The Shocking True Story of Jeffrey Epstein” serviu como base para o desenvolvimento da minissérie onde nos deparamos com o lado mais sombrio de um ser humano que acreditava que, com sua fortuna, sairia ileso de qualquer situação que o comprometesse (e ele não era o único!). Confira o trailer:
Se no documentário da HBO o incômodo vinha dos depoimentos impressionantes dos jovens abusados por uma celebridade tão importante como Michael Jackson, já em "Jeffrey Epstein: Poder e Perversão", vemos claramente o mindset de impunidade que o dinheiro, o poder e a influência causam no ser humano e as marcas que deixam nas suas vítimas. O mais interessante desse roteiro da dupla John Connolly e Tom Malloy, é a forma como a história vai se construindo através de uma narrativa não linear - um conceito que vimos recentemente em outra produção da Netflix: "Arremesso Final" e que funcionou muito bem em uma jornada tão carregada de drama como essa. O "vai e volta" dos fatos vai nos situando em uma linha do tempo cheia de recortes e fatos isolados que, juntos, vão nos corroendo com uma força absurda - são tantos detalhes que fica impossível não reconstruir as cenas de abuso e perversão mentalmente - e isso é extremamente cruel. Imaginar crianças de 12, 14 anos, compradas com duzentos dólares, sendo abusadas por Epstein com tanta recorrência, chega parecer mentira. E não era!
Não contente, a sequência de depoimentos chocantes sobre a época em que eram abusadas, contadas pelas próprias vítimas, com um nível de clareza e sinceridade absurdas (muitas vezes admitindo os próprios erros e excessos), o documentários ainda desvenda a forma maquiavélica como tudo era arquitetado, como as garotas eram aliciadas e a razão pela qual Epstein não temia ser pego. Se nos três primeiros episódios temos a impressão que se tratava de um fetiche doentio de Epstein, no último descobrimos que o problema era muito maior, amplo e tão sério que deve ter tirado o sono de muita gente grande! A exposição dessa história impressionante envolve desde presidentes americanos até um membro da realeza britânica - e além de deixar claro (mas sem tantas provas, isso é um fato) que a perversão não era exclusividade de Epstein, muito do poder que ele tinha se baseava em uma moeda de troca muito peculiar!
O documentário é muito cuidadoso ao mostrar (ou pelo menos tentar mostrar) todos os lados da história, mesmo que muitos deles apenas por legendas, mas é preciso elogiar o poder que a edição trouxe para o projeto: com muitas cenas de noticiários e inúmeras entrevistas com personagens envolvidos na investigação, dando voz até para defesa de Epstein, cria-se uma dinâmica tão envolvente que vai nos provocando, nos mal-tratando, mas que nos mantém ligados até o final e com aquele desejo insuportável que justiça seja feita!
"Jeffrey Epstein: Poder e Perversão" é uma minissérie que vale muito a pena, mas que não é tão fácil de digerir ou suportar (principalmente para aqueles que já tem filhos).
"Jeffrey Epstein: Poder e Perversão" é mais uma daquelas histórias, como a que vimos em "Deixando Neverland" (da HBO), que nos embrulha o estômago a cada minuto ou a cada descoberta. Como comentamos em um artigo no nosso blog no começo de 2020, chamado: "Jeffrey Epstein, guardem esse nome", a Netflix seguiu a tendência e resolveu produzir um documentário dividido em quatro episódios sobre os detalhes mais secretos do esquema de pirâmide sexual com menores de Epstein, que envolviam poderosos políticos, empresários, acadêmicos e até celebridades. O livro de James Patterson “Filthy Rich: The Shocking True Story of Jeffrey Epstein” serviu como base para o desenvolvimento da minissérie onde nos deparamos com o lado mais sombrio de um ser humano que acreditava que, com sua fortuna, sairia ileso de qualquer situação que o comprometesse (e ele não era o único!). Confira o trailer:
Se no documentário da HBO o incômodo vinha dos depoimentos impressionantes dos jovens abusados por uma celebridade tão importante como Michael Jackson, já em "Jeffrey Epstein: Poder e Perversão", vemos claramente o mindset de impunidade que o dinheiro, o poder e a influência causam no ser humano e as marcas que deixam nas suas vítimas. O mais interessante desse roteiro da dupla John Connolly e Tom Malloy, é a forma como a história vai se construindo através de uma narrativa não linear - um conceito que vimos recentemente em outra produção da Netflix: "Arremesso Final" e que funcionou muito bem em uma jornada tão carregada de drama como essa. O "vai e volta" dos fatos vai nos situando em uma linha do tempo cheia de recortes e fatos isolados que, juntos, vão nos corroendo com uma força absurda - são tantos detalhes que fica impossível não reconstruir as cenas de abuso e perversão mentalmente - e isso é extremamente cruel. Imaginar crianças de 12, 14 anos, compradas com duzentos dólares, sendo abusadas por Epstein com tanta recorrência, chega parecer mentira. E não era!
Não contente, a sequência de depoimentos chocantes sobre a época em que eram abusadas, contadas pelas próprias vítimas, com um nível de clareza e sinceridade absurdas (muitas vezes admitindo os próprios erros e excessos), o documentários ainda desvenda a forma maquiavélica como tudo era arquitetado, como as garotas eram aliciadas e a razão pela qual Epstein não temia ser pego. Se nos três primeiros episódios temos a impressão que se tratava de um fetiche doentio de Epstein, no último descobrimos que o problema era muito maior, amplo e tão sério que deve ter tirado o sono de muita gente grande! A exposição dessa história impressionante envolve desde presidentes americanos até um membro da realeza britânica - e além de deixar claro (mas sem tantas provas, isso é um fato) que a perversão não era exclusividade de Epstein, muito do poder que ele tinha se baseava em uma moeda de troca muito peculiar!
O documentário é muito cuidadoso ao mostrar (ou pelo menos tentar mostrar) todos os lados da história, mesmo que muitos deles apenas por legendas, mas é preciso elogiar o poder que a edição trouxe para o projeto: com muitas cenas de noticiários e inúmeras entrevistas com personagens envolvidos na investigação, dando voz até para defesa de Epstein, cria-se uma dinâmica tão envolvente que vai nos provocando, nos mal-tratando, mas que nos mantém ligados até o final e com aquele desejo insuportável que justiça seja feita!
"Jeffrey Epstein: Poder e Perversão" é uma minissérie que vale muito a pena, mas que não é tão fácil de digerir ou suportar (principalmente para aqueles que já tem filhos).