Obviamente que imaginar "O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder" sem pensar em "House of the Dragons" (da HBO) seria muita abstração da realidade. Com os respectivos lançamentos sendo tão próximos, as poucas similaridades que conectariam as duas obras acabaram ganhando força e se transformando em motivo de comparação - que na verdade impactam pouco na nossa experiência se consideramos suas características isoladamente.
Ambas são épicos com fortes elementos de fantasia. As duas são prequels de histórias que fizeram muito sucesso. E para finalizar tanto uma quanto a outra chegam recheadas de investimento em sua produção. Dito isso, muito do que vamos discutir daqui para frente vai envolver gosto pessoal, identificação com a história e com os personagens, além daquela forte relação emocional (quem sabe até nostálgica) com a obra original.
Talvez o grande acerto de "O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder" e de "House of the Dragons" é que, nos dois casos, ao mesmo tempo em que se aproximam das soluções que deram certo no passado, as novas narrativas ainda trazem um certo frescor - e quando digo "narrativa" contemplo o próprio conceito estético imposto pelos showrunners. Na série da Amazon, me parece, que o cuidado visual é até mais impactante (reflexo do próprio orçamento) - embora ainda nos planos mais fechados, muitas vezes, quando apoiado em CGIs, a luz com a composição não deixam a cena tão natural (e essa dificuldade vem, inclusive, de "Game of Thrones" - basta lembrar de algumas cenas de Daenerys voando em cima do dragão).
Por outro lado, os planos abertos são lindos - o fato da cor estar mais presente em "Os Anéis de Poder" deixa claro a evolução do trabalho de composição em CGI que a série alcançou. Em uma boa tela, algumas cenas saltam aos olhos pela quantidade de detalhes que ganham uma profundidade invejável - eu diria que cada frame, poderia ser uma pintura. Outro elemento que me chamou a atenção e que ajuda demais a audiência entender a geografia daquele universo, são as inserções gráficas durante o andamento da história. Se em "Game of Thrones" essa missão se limitava ao tabuleiro da abertura dos episódios, aqui a estratégia me pareceu mais orgânica, fluída.
Menos obrigatório que em "House of the Dragons", conhecer a obra original que se passa no futuro distante, talvez seja o grande trunfo de "Os Anéis de Poder" para conquistar uma nova audiência logo de cara - como o foco fica muito menos ligado na ameaça de "um anel", que nem chegou a ser criado ainda, a série sabiamente passa a olhar (e apresentar) as raças da Terra-Média, em sua vastidão de possibilidades, como ponta-pé inicial para uma jornada nova - ou seja, se você não assistiu a trilogia de Peter Jackson ok; já na série da HBO, saber quem são e o que representou os Targaryen no futuro, faz toda a diferença e tem muito mais peso do que saber sobre Sauron. Mesmo que os mais envolvidos com a saga já conheçam Elrond ou Galadriel, suas versões aqui são muito mais cruas - por mais contraditório que isso possa soar. Eu explico: Galadriel, por exemplo, não é aquela Senhora da Floresta, sábia e enigmática; ela é muito mais uma guerreira com personalidade marcante e pronta para se desenvolver. Elrond também está longe de se tornar o sábio Senhor de Valfenda - algo como Jimmy McGill antes de se tornar Saul Goodman ( de "Breaking Bad"), sabe?
Ao dosar bem a distância entre o que já foi feito e o que ainda pode ser criado e desenvolvido, "O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder" parece ter encontrado uma identidade importante para uma nova geração de fãs (sem esquecer daqueles que já consquistou). Ao explorar parte da mitologia visual deixada pela trilogia do cinema com o caráter quase religioso (muitas vezes complexo) que Tolkien sempre imprimiu em seus livros, a série chegou para ficar, em um momento onde os épicos de fantasia estão sob os holofotes das plataformas de streaming, lançadas como verdadeiras estrelas do catálogo, na busca (e manutenção) pelos assinantes.
Se antes uma "franquia de heróis" parecia fundamental, agora a estratégia pode estar ganhando novos (e caros) desafios!