Se "Better Call Saul" nos trouxe um pouco do que representou "Breaking Bad" para uma geração, porém com um toque de criatividade, autenticidade e, principalmente, coerência e respeito por ser um prequel, pelo primeiro episódio de "House of the Dragon" podemos esperar algo similar. Sim, talvez seja cedo para uma comparação com o derivado da série de Vince Gilligan que chegou ao seu final depois de 6 temporadas, mas é inegável que muitos dos elementos narrativos da nova série da HBO nos remetem para um passado recente, com alguns gatilhos que geram conexões imediatas e, claro, criam uma atmosfera de nostalgia viciante - os acordes da música tema de GoT no final do episódio exemplifica exatamente essa minha percepção!
Dirigido por um veterano da franquia, o talentoso Miguel Sapochnik, responsável pela "Batalha dos Bastardos", esse primeiro episódio estabelece rapidamente a força que a família Targaryen sempre teve dentro daquele universo. Apenas a título de informação e até de posicionamento perante a linha do tempo, foi Aegon Targaryen, chamado de "O Conquistador", quem liderou o que ficou conhecido como "A Guerra da Conquista" e que unificou os seis dos setes reinos: a Casa Tyrell, a Casa Baratheon, a Casa Lannister, a Casa Stark, a Casa Greyjoy, a Casa Tully e, finalmente, algum tempo depois, a Casa Martell. Após a unificação desses reinos, Aegon construiu uma espécie de capital, chamada de Porto Real - é lá que com as espadas derretidas dos inimigos, forjou o Trono de Ferro, que seria ocupado por membros dos Targaryen por anos e anos (história de motivou Daenerys em sua jornada).
Pois bem, logo na estreia, "House of the Dragon" recupera muito dessa mitologia e de uma forma muito inteligente, nos colocando dentro da trama por identificação - veja, no momento em que o rei Viserys (Paddy Considine) anuncia quem será seu herdeiro, rapidamente sabemos da existência de Boremund Baratheon e Rickon Stark, antepassados de personagens que foram essenciais para o sucesso de GoT. Outro elemento, obviamente, bem inserido no episódio diz respeito ao potencial de traição e ganância pelo poder que a trama carrega. Existia um conceito em Game of Thrones (que ouvi da boca de um dos produtores de Game of Thrones, Dan Weiss, em uma palestra em 2014) onde "não importa a força de sua casa ou de seu personagem, se em algum momento você estiver em situação de inferioridade, você pode morrer". Pois bem, embora não tão explicito como em GoT, "House of the Dragon" me pareceu recuperar esse princípio (justificado em uma cena específica), mas sem a obrigação de que isso seja a marca da série - o personagem de Matt Smith, o príncipe Daemon, por exemplo, poderia ter morrido logo de cara.
Um ponto interessante do roteiro, quase didático, mas essencial, é que ele nos mostra quem serão jogadores dessa fase: além Viserys; Rhaenyra, Daemon, Otto e Corlys devem dividir o protagonismo nessa primeira temporada - conseguimos entender como cada um deles se posiciona e quais são as armas e artimanhas que eles podem vir a usar durante a guerra civil dos Targaryen. Outro elemento interessante que ajuda a incorporar um desenho de produção, digamos, repaginado, é a fotografia de Fabian Wagner que também atuou em GoT - seus planos mais abertos ajudam a compreender as características daquele cenário, enquanto os fechados expõem as características dos personagens em seus momentos mais íntimos, mesmo que no meio de uma discussão ou de um embate. Outro detalhe que me chamou a atenção foi a iluminação - "House of the Dragon" é infinitamente mais clara que "Game of Thrones". Vamos ver até quando.
Retomando os aspectos da história em si, uma passagem vai chamar a atenção dos saudosistas: em uma conversa, o Rei Viserys I conta para a sua filha Rhaenyra que Aegon teve um sonho que previa o fim do mundo dos homens como era conhecido até ali. Que a partir de um "inverno terrível" vindo do Norte, todos os sete reinos de Westeros precisariam se posicionar para sobreviver, e que apenas um rei (ou uma rainha) Targaryen seria capaz de liberar um embate decisivo, desde que o Trono de Ferro estivesse sendo ocupado por ele(a). Ou seja, fica claro também que o "winter is coming" está definitivamente de volta!
É impossível olhar "House of the Dragon" como uma obra inédita, inovadora ou surpreendente; ao mesmo tempo, por esse primeiro contato, a série parece ter sua independência conceitual, se aproveitando apenas daquilo que deu certo no passado, se tornando inevitavelmente mais madura para tomar melhores decisões criativas no futuro - e tem um potencial enorme para isso!
Antes do seu play, se você conseguiu se segurar até aqui, repare em como alguns veículos importantes do mercado de entretenimento receberam essa estreia:
“Há muito o que elogiar nesta série, que conta uma nova história que ainda toca em temas familiares em um drama de sucessão do trono de Westeros, sem dar uma sensação de repetitividade.” – Variety.
“Quem se decepcionou com o final de "Game of Thrones" ficará satisfeito com o empolgante prequel que começa com mulheres tomando sua própria liderança contra um patriarcado tóxico. E aqueles dragões voando sobre Westeros são espetaculares em todos os sentidos da palavra.” – ABC News.
“O melhor que qualquer nova série pode fazer é criar um mundo no qual os espectadores vão querer passar o tempo e, nesse sentido, "House of the Dragon" é perfeitamente bem-sucedida.” – Financial Times.