"Clemência: A História de Cyntoia Brown" é mais uma empreitada da Netflix que segue a linha "Making a Murderer", mas que, embora seja um ótimo documentário, não surpreende com alguma reviravolta que nos faça perder o sentido, como ficou tão característico nesse tipo de produção que nos apresenta detalhes sobre personagens envolvidos em crimes reais. É claro que o fato de ser um filme e não uma série, ter pouco mais de 90 minutos, interfere demais na narrativa - não há tempo para um aprofundamento maior, mas cá entre nós: Cyntoia Brown não me pareceu ter a "força" de um Steven Avery ou de um Robert Durst de "The Jinx" e isso fica muito claro durante os "saltos temporais" entre a sua prisão e as razões que levaram até sua tentativa de obter clemência do governador do Tennessee.
Veja bem: certa noite, Cyntoia, uma garota negra de 16 anos, conheceu um homem branco chamado Johnny Allen, no estacionamento de uma lanchonete, próximo a casa do seu então namorado: o traficante e cafetão, Kut-Throat. Depois de um bate-papo rápido, Allen perguntou se Cyntoia estava pronta para "ação". Ao responder afirmativamente, eles acertaram os valores e foram para a casa dele. Acontece que, em algum momento após a relação sexual, Cyntoia Brown pegou a arma que estava em sua bolsa e disparou contra Johnny Allen pelas costas. Ele morreu na hora e Cyntoia ainda levou 172 dólares da sua carteira, duas armas e a caminhonete do rapaz. Ao ser detida, Cyntoia confessou o crime, mas declarou ter agido em legítima defesa - o que, claro, não colou para ninguém! Confira o trailer (em inglês):
Quando vemos uma adolescente sendo julgada como adulta e depois condenada à prisão perpétua por homicídio (e mais 3 crimes), imediatamente criamos uma certa empatia pela personagem, como ser humano, porém nos afastamos desse sentimento quando refletimos sobre a versão que Cyntoia tanto defende e que não parece nada plausível dada as provas periciais - o fato dela nunca ter demonstrado arrependimento algum, certamente, também colabora para esse distanciamento. O interessante é que o roteiro do diretor Daniel H. Birman não se propõe a defender a versão de Cyntoia e sim apresentar a tese de que circunstâncias sociais e fisiológicas a levaram cometer o crime! É um documentário curioso nesse sentido, diferente do que estamos acostumados, e por isso me agradou tanto, mesmo sendo óbvio e pouco surpreendente, vale a pena conhecer essa história e os desdobramentos que Birman nos conta.
Em 2011, o diretor Daniel H. Birman já havia produzido um documentário sobre o caso, chamado: "Me Facing Life: Cyntoia's Story", até que 9 anos depois, ele retorna ao tema para nos apresentar alguns fatos inéditos, com várias imagens exclusivas e algumas informações que na época do julgamento pareciam improváveis, mas que agora tem uma força reveladora e passível de mudar o rumo do caso. Fica claro que o diretor defende a tese pessoal de que Cyntoia deveria ser libertada imediatamente e que sua condenação não existiria se o julgamento tivesse ocorrido nos tempos atuais. O roteiro não se preocupa em mostrar o outro lado da história, ele é um exercício escancarado de argumentação - inclusive se apoiando em uma campanha liderada por vários famosos, de 2017, a favor de Cyntoia.
Apesar de "Clemência: A História de Cyntoia Brown" ter se concentrando na dinâmica legal do caso e não nas investigações do assassinato, usando e abusando de cenas de audiências e de conversas entre advogados e especialistas, Burman nos convida para uma reflexão muito mais do ponto de vista moral do que pela discussão dos fatos em si. Quando ele explora que a garota possui alguma deficiência intelectual ou um transtorno de bipolaridade, que seu histórico familiar foi marcada pelo alcoolismo e pela violência, ele deixa de lado a razão pela qual Cyntoia Brown atirou em Johnny Allen, para defender que essa ação foi um reflexo natural da sua experiência como ser humano até ali - o advogado de Cyntoia chega a comentar: "Matar alguém é errado, e ninguém contesta isso. No entanto, o que leva uma menina de 16 anos a cometer um assassinato como esse?"
Sim, nos vemos refletindo sobre os pontos levantados em defesa de Cyntoia, mas em nenhum momento somos levados ao outro lado da história e isso incomoda um pouco. Em compensação somos convidados a ver a história de uma outra forma, que para alguns fará mais sentido do que para outros, mas o fato é que a construção narrativa do documentário trabalha como um quebra-cabeça de fácil resolução, basta nos fazer acreditar naquela tese! Para quem gosta do gênero, será mais um bom filme que merece ser assistido; só não espere o improvável porque o objetivo não é esse e desde o começo sabemos qual é!
"Clemência: A História de Cyntoia Brown" é mais uma empreitada da Netflix que segue a linha "Making a Murderer", mas que, embora seja um ótimo documentário, não surpreende com alguma reviravolta que nos faça perder o sentido, como ficou tão característico nesse tipo de produção que nos apresenta detalhes sobre personagens envolvidos em crimes reais. É claro que o fato de ser um filme e não uma série, ter pouco mais de 90 minutos, interfere demais na narrativa - não há tempo para um aprofundamento maior, mas cá entre nós: Cyntoia Brown não me pareceu ter a "força" de um Steven Avery ou de um Robert Durst de "The Jinx" e isso fica muito claro durante os "saltos temporais" entre a sua prisão e as razões que levaram até sua tentativa de obter clemência do governador do Tennessee.
Veja bem: certa noite, Cyntoia, uma garota negra de 16 anos, conheceu um homem branco chamado Johnny Allen, no estacionamento de uma lanchonete, próximo a casa do seu então namorado: o traficante e cafetão, Kut-Throat. Depois de um bate-papo rápido, Allen perguntou se Cyntoia estava pronta para "ação". Ao responder afirmativamente, eles acertaram os valores e foram para a casa dele. Acontece que, em algum momento após a relação sexual, Cyntoia Brown pegou a arma que estava em sua bolsa e disparou contra Johnny Allen pelas costas. Ele morreu na hora e Cyntoia ainda levou 172 dólares da sua carteira, duas armas e a caminhonete do rapaz. Ao ser detida, Cyntoia confessou o crime, mas declarou ter agido em legítima defesa - o que, claro, não colou para ninguém! Confira o trailer (em inglês):
Quando vemos uma adolescente sendo julgada como adulta e depois condenada à prisão perpétua por homicídio (e mais 3 crimes), imediatamente criamos uma certa empatia pela personagem, como ser humano, porém nos afastamos desse sentimento quando refletimos sobre a versão que Cyntoia tanto defende e que não parece nada plausível dada as provas periciais - o fato dela nunca ter demonstrado arrependimento algum, certamente, também colabora para esse distanciamento. O interessante é que o roteiro do diretor Daniel H. Birman não se propõe a defender a versão de Cyntoia e sim apresentar a tese de que circunstâncias sociais e fisiológicas a levaram cometer o crime! É um documentário curioso nesse sentido, diferente do que estamos acostumados, e por isso me agradou tanto, mesmo sendo óbvio e pouco surpreendente, vale a pena conhecer essa história e os desdobramentos que Birman nos conta.
Em 2011, o diretor Daniel H. Birman já havia produzido um documentário sobre o caso, chamado: "Me Facing Life: Cyntoia's Story", até que 9 anos depois, ele retorna ao tema para nos apresentar alguns fatos inéditos, com várias imagens exclusivas e algumas informações que na época do julgamento pareciam improváveis, mas que agora tem uma força reveladora e passível de mudar o rumo do caso. Fica claro que o diretor defende a tese pessoal de que Cyntoia deveria ser libertada imediatamente e que sua condenação não existiria se o julgamento tivesse ocorrido nos tempos atuais. O roteiro não se preocupa em mostrar o outro lado da história, ele é um exercício escancarado de argumentação - inclusive se apoiando em uma campanha liderada por vários famosos, de 2017, a favor de Cyntoia.
Apesar de "Clemência: A História de Cyntoia Brown" ter se concentrando na dinâmica legal do caso e não nas investigações do assassinato, usando e abusando de cenas de audiências e de conversas entre advogados e especialistas, Burman nos convida para uma reflexão muito mais do ponto de vista moral do que pela discussão dos fatos em si. Quando ele explora que a garota possui alguma deficiência intelectual ou um transtorno de bipolaridade, que seu histórico familiar foi marcada pelo alcoolismo e pela violência, ele deixa de lado a razão pela qual Cyntoia Brown atirou em Johnny Allen, para defender que essa ação foi um reflexo natural da sua experiência como ser humano até ali - o advogado de Cyntoia chega a comentar: "Matar alguém é errado, e ninguém contesta isso. No entanto, o que leva uma menina de 16 anos a cometer um assassinato como esse?"
Sim, nos vemos refletindo sobre os pontos levantados em defesa de Cyntoia, mas em nenhum momento somos levados ao outro lado da história e isso incomoda um pouco. Em compensação somos convidados a ver a história de uma outra forma, que para alguns fará mais sentido do que para outros, mas o fato é que a construção narrativa do documentário trabalha como um quebra-cabeça de fácil resolução, basta nos fazer acreditar naquela tese! Para quem gosta do gênero, será mais um bom filme que merece ser assistido; só não espere o improvável porque o objetivo não é esse e desde o começo sabemos qual é!
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