Olha, é impossível começar a análise de "Isabel" (que no original tem o subtítulo "La Historia Íntima de la Escritora Isabel Allende") sem dizer que essa minissérie chilena de 3 episódios é um verdadeiro soco no estômago e daqueles "sem dó"! Embora a produção esteja longe de ser um primor, a história de Allende é incrível, se confunde com suas obras de um forma completamente visceral e isso nos provoca uma série de sensações que, sinceramente, nos tira do eixo - especialmente no terceiro episódio.
Como é de se pressupor, "Isabel" conta a jornada da chilena Isabel Allende, a autora de língua espanhola mais lida do mundo com mais de 74 milhões de exemplares vendidos. Da infância marcada pelo sumiço do Pai, a importância do avô em sua educação, as citações do tio Salvador Allende (padrinho dela) que tentou mudar o Chile e o mundo com a implantação de um governo de extrema esquerda, a influência e o medo da ditadura na sua vida, a militância pela defesa dos direitos humanos, seus amores e decepções até o sucesso mundial de seus livros e a morte da sua filha Paula. Confira o trailer (em espanhol):
Produzida pela CNTV, emissora de TV chilena, "Isabel" tem um roteiro muito competente por se tratar de uma biografia - embora alguns assuntos importantes sejam apenas pontuados, as escolhas das passagens marcantes da vida da escritora dão uma exata noção do que foi sua jornada. Com um conceito interessante onde a quebra de linearidade temporal vai construindo a narrativa e a personalidade da protagonista, seu único deslize está na necessidade quase didática de querer explicar demais - alguns planos são completamente descartáveis e deixam pouco para nossa imaginação. Talvez o grande culpado seja o próprio diretor Rodrigo Bazes, que construíu sua carreira como diretor de arte, passou a escrever roteiros e agora migra para o comando da produção. Sua inexperiência é visível principalmente quando suas escolhas conceituais partem para o lugar comum, forçando um certo sentimentalismo com o apoio incondicional de uma trilha sonora um pouco exagerada. Porém, nada disso impacta na nossa experiência como audiência, mas é inegável que essa história na mão de um diretor mais talentoso colocaria a minissérie em outro patamar.
A atriz Daniela Ramirez no papel da escritora, entrega ótimos momentos - sua relação com a filha, desde o inicio até sua condição antes da morte é de cortar o coração - pela sinceridade e profundidade da relação que ela mesmo estabeleceu com todas as atrizes que interpretaram Paula. Tenho certeza de que aqueles que conhecem a obra de Allende vão identificar na tela muitas referências de sua obra, mas isso é só um bônus, pois toda jornada é muito bem conduzida e facilmente absorvida - sua relação espiritual que guiou sua obra "A Casa dos Espíritos" é um ótimo exemplo de como o roteiro acerta quando apenas sugere.
"Isabel" pode até começar um pouco morna, mas vai ganhando força e criando um vínculo emocional impressionante. Os vídeos pessoais de Allende ou os arquivos históricos da época são bem aproveitados na narrativa e trazem uma realidade bem interessante para a minissérie - é a cereja do bolo! O fato é que "Isabel - La Historia Íntima de la Escritora Isabel Allende" é imperdível para quem gosta de biografia, de literatura e de uma personagem feminina forte - nos seus erros e acertos!
Vale muito o seu play!
Olha, é impossível começar a análise de "Isabel" (que no original tem o subtítulo "La Historia Íntima de la Escritora Isabel Allende") sem dizer que essa minissérie chilena de 3 episódios é um verdadeiro soco no estômago e daqueles "sem dó"! Embora a produção esteja longe de ser um primor, a história de Allende é incrível, se confunde com suas obras de um forma completamente visceral e isso nos provoca uma série de sensações que, sinceramente, nos tira do eixo - especialmente no terceiro episódio.
Como é de se pressupor, "Isabel" conta a jornada da chilena Isabel Allende, a autora de língua espanhola mais lida do mundo com mais de 74 milhões de exemplares vendidos. Da infância marcada pelo sumiço do Pai, a importância do avô em sua educação, as citações do tio Salvador Allende (padrinho dela) que tentou mudar o Chile e o mundo com a implantação de um governo de extrema esquerda, a influência e o medo da ditadura na sua vida, a militância pela defesa dos direitos humanos, seus amores e decepções até o sucesso mundial de seus livros e a morte da sua filha Paula. Confira o trailer (em espanhol):
Produzida pela CNTV, emissora de TV chilena, "Isabel" tem um roteiro muito competente por se tratar de uma biografia - embora alguns assuntos importantes sejam apenas pontuados, as escolhas das passagens marcantes da vida da escritora dão uma exata noção do que foi sua jornada. Com um conceito interessante onde a quebra de linearidade temporal vai construindo a narrativa e a personalidade da protagonista, seu único deslize está na necessidade quase didática de querer explicar demais - alguns planos são completamente descartáveis e deixam pouco para nossa imaginação. Talvez o grande culpado seja o próprio diretor Rodrigo Bazes, que construíu sua carreira como diretor de arte, passou a escrever roteiros e agora migra para o comando da produção. Sua inexperiência é visível principalmente quando suas escolhas conceituais partem para o lugar comum, forçando um certo sentimentalismo com o apoio incondicional de uma trilha sonora um pouco exagerada. Porém, nada disso impacta na nossa experiência como audiência, mas é inegável que essa história na mão de um diretor mais talentoso colocaria a minissérie em outro patamar.
A atriz Daniela Ramirez no papel da escritora, entrega ótimos momentos - sua relação com a filha, desde o inicio até sua condição antes da morte é de cortar o coração - pela sinceridade e profundidade da relação que ela mesmo estabeleceu com todas as atrizes que interpretaram Paula. Tenho certeza de que aqueles que conhecem a obra de Allende vão identificar na tela muitas referências de sua obra, mas isso é só um bônus, pois toda jornada é muito bem conduzida e facilmente absorvida - sua relação espiritual que guiou sua obra "A Casa dos Espíritos" é um ótimo exemplo de como o roteiro acerta quando apenas sugere.
"Isabel" pode até começar um pouco morna, mas vai ganhando força e criando um vínculo emocional impressionante. Os vídeos pessoais de Allende ou os arquivos históricos da época são bem aproveitados na narrativa e trazem uma realidade bem interessante para a minissérie - é a cereja do bolo! O fato é que "Isabel - La Historia Íntima de la Escritora Isabel Allende" é imperdível para quem gosta de biografia, de literatura e de uma personagem feminina forte - nos seus erros e acertos!
Vale muito o seu play!
No cenário dos crimes que chocaram o Brasil, sem a menor dúvida, o caso da morte da menina Isabella Nardoni se destaca como um dos mais intrigantes e emocionalmente carregados da nossa história. O documentário "Isabella: O Caso Nardoni" oferece uma oportunidade única de explorar não apenas os aspectos investigativos do caso, mas também a profundidade das emoções humanas de quem, de fato, sofreu com o crime - e te falo: você não vai precisar mais do que dez minutos para sentir o coração completamente dilacerado! Embora a produção da Netflix não acrescente absolutamente nenhuma informação nova sobre o caso, inclusive, inexplicavelmente, deixe de lado elementos importantes da perícia, posso afirmar que se trata de um ótimo entretenimento para quem gosta do gênero "true crime".
Passados 15 anos, a Netflix retoma o assunto em "Isabella: O Caso Nardoni" - um filme que explora, em detalhes, os eventos em torno do assassinato de 2008, quando o pai Alexandre e a madrasta Anna Carolina Jatobá, asfixiaram a criança e depois a jogaram do sexto andar. Mostrando como foi o trabalho da polícia, da perícia e dos advogados, em meio ao sofrimento da mãe biológica, do circo midiático em torno do caso e das calorosas cobranças da população que, indignada, desejava uma rápida resolução para esse violento homicídio, os diretores Micael Langer e Cláudio Manoel praticamente reconstroem o dia do crime e exploram, passo a passo, os reflexos dessa tragédia. Confira o trailer:
Sem a menor dúvida, um dos pontos fortes do documentário está na discussão sobre os detalhes técnicos da investigação policial e do processo judicial que se seguiram ao crime. Desde a reconstituição dos fatos até a análise forense, a narrativa é muito feliz em explorar os desafios enfrentados pelas autoridades para reconstruir os eventos da noite fatídica, dando voz a quem realmente esteve lá. Mesmo que o filme soe superficial em alguns momentos, a história é recheada de curiosidades e passagens que ao mesmo tempo que indignam, nos envolvem. Misturando depoimentos atuais e um rico material de pesquisa, essencialmente imagens de arquivo, "Isabella: O Caso Nardoni" praticamente nos impede de tirar os olhos da tela até que os créditos subam.
Agora, é preciso que se diga, o roteiro explora a tragédia da morte de Isabella evocando uma gama complexa de emoções: tristeza, raiva, empatia e indignação; permitindo que a audiência compreenda não apenas a dor da família, mas também os desafios emocionais enfrentados pelas equipes de investigação e de advogados. As entrevistas com a delegada, com uma especialista criminal, com a responsável pela perícia e com o promotor, são tão reveladoras quanto a dos familiares, no entanto os insights emocionais mais poderosos, que enriquecem a narrativa, são mesmo da mãe, Ana, e da avó, Rosa.
"Isabella: O Caso Nardoni" não se limita aos fatos frios do caso, já que o filme, naturalmente, cria uma conexão emocional com a audiência - principalmente pornos transportar de volta no tempo, proporcionando uma visão mais vívida sobre os eventos. Esse olhar em retrospectiva faz toda a diferença na maneira como interpretamos os detalhes do caso e, essencialmente, cada comportamento dos envolvidos. Sim, existe uma leve sensação de que algo diferente poderia ter sido mostrado, mas essa cereja do bolo nunca chega - então não crie tantas expectativas, apenas mergulhe na proposta dos diretores e revisite a história com um pouco mais de maturidade, mesmo que ainda pareça um certo oportunismo.
No cenário dos crimes que chocaram o Brasil, sem a menor dúvida, o caso da morte da menina Isabella Nardoni se destaca como um dos mais intrigantes e emocionalmente carregados da nossa história. O documentário "Isabella: O Caso Nardoni" oferece uma oportunidade única de explorar não apenas os aspectos investigativos do caso, mas também a profundidade das emoções humanas de quem, de fato, sofreu com o crime - e te falo: você não vai precisar mais do que dez minutos para sentir o coração completamente dilacerado! Embora a produção da Netflix não acrescente absolutamente nenhuma informação nova sobre o caso, inclusive, inexplicavelmente, deixe de lado elementos importantes da perícia, posso afirmar que se trata de um ótimo entretenimento para quem gosta do gênero "true crime".
Passados 15 anos, a Netflix retoma o assunto em "Isabella: O Caso Nardoni" - um filme que explora, em detalhes, os eventos em torno do assassinato de 2008, quando o pai Alexandre e a madrasta Anna Carolina Jatobá, asfixiaram a criança e depois a jogaram do sexto andar. Mostrando como foi o trabalho da polícia, da perícia e dos advogados, em meio ao sofrimento da mãe biológica, do circo midiático em torno do caso e das calorosas cobranças da população que, indignada, desejava uma rápida resolução para esse violento homicídio, os diretores Micael Langer e Cláudio Manoel praticamente reconstroem o dia do crime e exploram, passo a passo, os reflexos dessa tragédia. Confira o trailer:
Sem a menor dúvida, um dos pontos fortes do documentário está na discussão sobre os detalhes técnicos da investigação policial e do processo judicial que se seguiram ao crime. Desde a reconstituição dos fatos até a análise forense, a narrativa é muito feliz em explorar os desafios enfrentados pelas autoridades para reconstruir os eventos da noite fatídica, dando voz a quem realmente esteve lá. Mesmo que o filme soe superficial em alguns momentos, a história é recheada de curiosidades e passagens que ao mesmo tempo que indignam, nos envolvem. Misturando depoimentos atuais e um rico material de pesquisa, essencialmente imagens de arquivo, "Isabella: O Caso Nardoni" praticamente nos impede de tirar os olhos da tela até que os créditos subam.
Agora, é preciso que se diga, o roteiro explora a tragédia da morte de Isabella evocando uma gama complexa de emoções: tristeza, raiva, empatia e indignação; permitindo que a audiência compreenda não apenas a dor da família, mas também os desafios emocionais enfrentados pelas equipes de investigação e de advogados. As entrevistas com a delegada, com uma especialista criminal, com a responsável pela perícia e com o promotor, são tão reveladoras quanto a dos familiares, no entanto os insights emocionais mais poderosos, que enriquecem a narrativa, são mesmo da mãe, Ana, e da avó, Rosa.
"Isabella: O Caso Nardoni" não se limita aos fatos frios do caso, já que o filme, naturalmente, cria uma conexão emocional com a audiência - principalmente pornos transportar de volta no tempo, proporcionando uma visão mais vívida sobre os eventos. Esse olhar em retrospectiva faz toda a diferença na maneira como interpretamos os detalhes do caso e, essencialmente, cada comportamento dos envolvidos. Sim, existe uma leve sensação de que algo diferente poderia ter sido mostrado, mas essa cereja do bolo nunca chega - então não crie tantas expectativas, apenas mergulhe na proposta dos diretores e revisite a história com um pouco mais de maturidade, mesmo que ainda pareça um certo oportunismo.
Se você está com saudade dos bons tempos de "Homeland" nem precisa ler esse review inteiro, já pule direto para o play que você não vai se arrepender. Em quatro temporadas, "Jack Ryan" traz o melhor que uma série politica, com investigações internacionais (muito com o foco no terrorismo), com uma dinâmica narrativa envolvente e com uma produção de altíssimo nível, têm para oferecer. Desde seu lançamento em 2018 pela Prime Video, a série conquistou não apenas uma legião de fãs ávidos por tramas de espionagem, mas também a crítica especializada, acumulando elogios e reconhecimentos em diversos prêmios do setor - sendo indicado, inclusive, para três Emmys.
Baseada nos populares romances de Tom Clancy, "Jack Ryan" segue as intrigantes missões do analista da CIA que dá nome a série, interpretado brilhantemente por John Krasinski. A trama se desenrola quando Ryan se vê no centro de operações secretas para desvendar ameaças terroristas que podem abalar o equilíbrio do poder global. Com Wendell Pierce no papel de James Greer, a série oferece uma dinâmica convincente que nos cativa desde o primeiro episódio. Confira o trailer (em inglês):
Tal qual "24 Horas" e alguns anos depois "Homeland", a série retoma aquela receita infalível onde, com muita habilidade, é capaz de unir drama, ação e suspense, se apropriando do pseudo-realismo politico e da profundidade de seus personagens (imperfeitos) para nos entreter durante muitas horas - olha, é quase impossível assistir apenas um episódio por vez. Embora exista uma atmosfera de ficção, toda a construção narrativa respeita com muita verdade aquilo que o roteiro propõe, ou seja, as tramas e subtramas têm o mérito de nos impactar emocionante como se realmente tivessem acontecido. Carlton Cuse (sim, aquele mesmo de "Lost") e Graham Roland, criadores da série, sabem que a essência do material utilizado como base não é algo, digamos, tão inovador, contudo, a dupla consegue dar fôlego e contemporaneidade aos temas discutidos nas temporadas, entregando jornadas bem construídas tanto do ponto de vista técnico quanto no criativo.
Para você ter uma idéia, a primeira temporada de "Jack Ryan" custou cerca US$ 8 milhões por episódio, o que dá um aspecto de superprodução. Com planos de realmente tirar o fôlego e locações como Marrocos, França e Canadá, a série é visualmente impecável - nesse ponto ela nos remete muito a outro sucesso do streaming, "The Night Manager". A fotografia toda conceitualizada pelo Richard Rutkowski (o mesmo de "The Americans: Rede de Espionagem") é deslumbrante - ela captura tanto essa grandiosidade dos cenários internacionais quanto a intensidade dos momentos de mais ação e angústia dos personagens, ajudando demais a garantir uma verossimilhança acima da média. E aqui cabe um outro elogio: reparem como a direção de arte e o desenho de produção garantem essa atmosfera extremamente realista e totalmente alinhada a proposta inicial dos seus criadores.
Embora seus personagens satélites, especialmente os vilões, soem complexos em relação às ambiguidades humanas, o Jack Ryan de Krasinski em si, está mais para um resgate daquele mocinho tradicional - suas batalhas intimas existem, mas, de fato, nem de longe invocam aquele turbilhão de fantasmas do passado dos saudosos Jack Bauer (24 Horas) e Carrie Mathison (Homeland). Talvez esse seja o ponto de equilíbrio que a série tenta encontrar (e consegue) a cada temporada - além das típicas histórias de heróis, os roteiros mergulham em dilemas éticos e com consequências inesperadas com muito mais leveza que as produções clássicas que citamos, diminuindo assim nossa ansiedade como audiência, mas por outro lado nos entregando um entretenimento com a mesma qualidade, as mesmas premissas narrativas, mas ainda mais divertido.
Olha, imperdível!
Se você está com saudade dos bons tempos de "Homeland" nem precisa ler esse review inteiro, já pule direto para o play que você não vai se arrepender. Em quatro temporadas, "Jack Ryan" traz o melhor que uma série politica, com investigações internacionais (muito com o foco no terrorismo), com uma dinâmica narrativa envolvente e com uma produção de altíssimo nível, têm para oferecer. Desde seu lançamento em 2018 pela Prime Video, a série conquistou não apenas uma legião de fãs ávidos por tramas de espionagem, mas também a crítica especializada, acumulando elogios e reconhecimentos em diversos prêmios do setor - sendo indicado, inclusive, para três Emmys.
Baseada nos populares romances de Tom Clancy, "Jack Ryan" segue as intrigantes missões do analista da CIA que dá nome a série, interpretado brilhantemente por John Krasinski. A trama se desenrola quando Ryan se vê no centro de operações secretas para desvendar ameaças terroristas que podem abalar o equilíbrio do poder global. Com Wendell Pierce no papel de James Greer, a série oferece uma dinâmica convincente que nos cativa desde o primeiro episódio. Confira o trailer (em inglês):
Tal qual "24 Horas" e alguns anos depois "Homeland", a série retoma aquela receita infalível onde, com muita habilidade, é capaz de unir drama, ação e suspense, se apropriando do pseudo-realismo politico e da profundidade de seus personagens (imperfeitos) para nos entreter durante muitas horas - olha, é quase impossível assistir apenas um episódio por vez. Embora exista uma atmosfera de ficção, toda a construção narrativa respeita com muita verdade aquilo que o roteiro propõe, ou seja, as tramas e subtramas têm o mérito de nos impactar emocionante como se realmente tivessem acontecido. Carlton Cuse (sim, aquele mesmo de "Lost") e Graham Roland, criadores da série, sabem que a essência do material utilizado como base não é algo, digamos, tão inovador, contudo, a dupla consegue dar fôlego e contemporaneidade aos temas discutidos nas temporadas, entregando jornadas bem construídas tanto do ponto de vista técnico quanto no criativo.
Para você ter uma idéia, a primeira temporada de "Jack Ryan" custou cerca US$ 8 milhões por episódio, o que dá um aspecto de superprodução. Com planos de realmente tirar o fôlego e locações como Marrocos, França e Canadá, a série é visualmente impecável - nesse ponto ela nos remete muito a outro sucesso do streaming, "The Night Manager". A fotografia toda conceitualizada pelo Richard Rutkowski (o mesmo de "The Americans: Rede de Espionagem") é deslumbrante - ela captura tanto essa grandiosidade dos cenários internacionais quanto a intensidade dos momentos de mais ação e angústia dos personagens, ajudando demais a garantir uma verossimilhança acima da média. E aqui cabe um outro elogio: reparem como a direção de arte e o desenho de produção garantem essa atmosfera extremamente realista e totalmente alinhada a proposta inicial dos seus criadores.
Embora seus personagens satélites, especialmente os vilões, soem complexos em relação às ambiguidades humanas, o Jack Ryan de Krasinski em si, está mais para um resgate daquele mocinho tradicional - suas batalhas intimas existem, mas, de fato, nem de longe invocam aquele turbilhão de fantasmas do passado dos saudosos Jack Bauer (24 Horas) e Carrie Mathison (Homeland). Talvez esse seja o ponto de equilíbrio que a série tenta encontrar (e consegue) a cada temporada - além das típicas histórias de heróis, os roteiros mergulham em dilemas éticos e com consequências inesperadas com muito mais leveza que as produções clássicas que citamos, diminuindo assim nossa ansiedade como audiência, mas por outro lado nos entregando um entretenimento com a mesma qualidade, as mesmas premissas narrativas, mas ainda mais divertido.
Olha, imperdível!
Para quem estava com saudades daquele filme de suspense espanhol com fortes elementos dramáticos que colocaram o país entre os queridinhos dos assinantes de streaming, eu adianto: "Jaula" é imperdível! Produzido pelo talentoso Álex de La Iglesia (de "O Bar"), o filme resgata uma história real absurda para servir de base (apenas de base) para um roteiro muito bem amarrado e que entrega uma trama que transita perfeitamente entre a "tensão" e a "dúvida" a cada cena - sim, a trama é mesmo consistente o suficiente para que você não tire os olhos da tela até o seu final!
Paula (Elena Anaya) e seu marido Simón (Pablo Molinero) estão voltando para casa quando, de repente, encontram uma criança de seis anos vagando sozinha pela estrada. Ao se certificar que ninguém foi atrás dela, o casal decide leva-la para casa temporariamente. O que poderia ser uma alegria para eles, logo se transforma em caos, já que menina é incapaz de sair de um quadrado de giz pintado no chão e misteriosas situações passam acontecer com todos a sua volta. Dado o forte vínculo criado entre a Paula e ela, Paula decide investigar o passado enigmático da garota e sua descoberta acaba colocando ambas em muito perigo. Confira o trailer (em espanhol):
Dirigido pelo Ignacio Tatay (em seu primeiro longa-metragem), "Jaula", de fato, entrega um mistério dos mais intrigantes - é muito interessante como o roteiro do próprio Tatay ao lado da premiada escritora Isabel Peña (do ótimo "Stockholm") brinca com vários gatilhos narrativos que vão do sobrenatural ao psicológico em apenas uma linha de diálogo ou uma troca de enquadramento. Essa dinâmica, aliás, em nada facilita para audiência na resolução do mistério e mesmo que esse mistério não se sustente até o final, ele nos surpreende e acaba nos movendo para uma visão completa de tudo que foi se construindo até ali, sem roubar no jogo - existe um uma troca de perspectiva no terceiro ato que é muito bem encaixada e criativa, e que funciona lindamente no filme.
Na busca por um equilíbrio cirúrgico entre o fantasioso de "O Telefone Preto"e o realismo brutal de "3096 Dias", o filme mais acerta do que erra, mesmo que em alguns momentos os diálogos e os dramas paralelos pereçam não te levar para lugar algum. É verdade que a construção de camadas que supostamente dariam uma profundidade maior para Paula e Simón é pouco aproveitada, por outro lado essa "deficiência" acaba favorecendo o entretenimento, deixando a trama menos "cabeça". Mas não se engane, a história tem uma série de detalhes, principalmente na investigação de Paula, que merecem e precisam muito da sua atenção!
"Jaula" vem na linha de "A Casa" ou "Quem com ferro fere", que chega no streaming sem muito barulho, mas que acaba conquistando uma audiência relevante e fiel às novas propostas do cinema espanhol. A experiência de assistir o filme é ótima, a história é inteligente e envolvente, o mistério é bem arquitetado e a resolução bem satisfatória, mas saiba que muito será apenas sugerido, então não espere tantas explicações - juntar as peças para uma conclusão mais, digamos, completa, será sua função e isso, na minha opinião, é o mais divertido quando nos deparamos com um bom filme do gênero como esse.
Vale muito seu play!
Para quem estava com saudades daquele filme de suspense espanhol com fortes elementos dramáticos que colocaram o país entre os queridinhos dos assinantes de streaming, eu adianto: "Jaula" é imperdível! Produzido pelo talentoso Álex de La Iglesia (de "O Bar"), o filme resgata uma história real absurda para servir de base (apenas de base) para um roteiro muito bem amarrado e que entrega uma trama que transita perfeitamente entre a "tensão" e a "dúvida" a cada cena - sim, a trama é mesmo consistente o suficiente para que você não tire os olhos da tela até o seu final!
Paula (Elena Anaya) e seu marido Simón (Pablo Molinero) estão voltando para casa quando, de repente, encontram uma criança de seis anos vagando sozinha pela estrada. Ao se certificar que ninguém foi atrás dela, o casal decide leva-la para casa temporariamente. O que poderia ser uma alegria para eles, logo se transforma em caos, já que menina é incapaz de sair de um quadrado de giz pintado no chão e misteriosas situações passam acontecer com todos a sua volta. Dado o forte vínculo criado entre a Paula e ela, Paula decide investigar o passado enigmático da garota e sua descoberta acaba colocando ambas em muito perigo. Confira o trailer (em espanhol):
Dirigido pelo Ignacio Tatay (em seu primeiro longa-metragem), "Jaula", de fato, entrega um mistério dos mais intrigantes - é muito interessante como o roteiro do próprio Tatay ao lado da premiada escritora Isabel Peña (do ótimo "Stockholm") brinca com vários gatilhos narrativos que vão do sobrenatural ao psicológico em apenas uma linha de diálogo ou uma troca de enquadramento. Essa dinâmica, aliás, em nada facilita para audiência na resolução do mistério e mesmo que esse mistério não se sustente até o final, ele nos surpreende e acaba nos movendo para uma visão completa de tudo que foi se construindo até ali, sem roubar no jogo - existe um uma troca de perspectiva no terceiro ato que é muito bem encaixada e criativa, e que funciona lindamente no filme.
Na busca por um equilíbrio cirúrgico entre o fantasioso de "O Telefone Preto"e o realismo brutal de "3096 Dias", o filme mais acerta do que erra, mesmo que em alguns momentos os diálogos e os dramas paralelos pereçam não te levar para lugar algum. É verdade que a construção de camadas que supostamente dariam uma profundidade maior para Paula e Simón é pouco aproveitada, por outro lado essa "deficiência" acaba favorecendo o entretenimento, deixando a trama menos "cabeça". Mas não se engane, a história tem uma série de detalhes, principalmente na investigação de Paula, que merecem e precisam muito da sua atenção!
"Jaula" vem na linha de "A Casa" ou "Quem com ferro fere", que chega no streaming sem muito barulho, mas que acaba conquistando uma audiência relevante e fiel às novas propostas do cinema espanhol. A experiência de assistir o filme é ótima, a história é inteligente e envolvente, o mistério é bem arquitetado e a resolução bem satisfatória, mas saiba que muito será apenas sugerido, então não espere tantas explicações - juntar as peças para uma conclusão mais, digamos, completa, será sua função e isso, na minha opinião, é o mais divertido quando nos deparamos com um bom filme do gênero como esse.
Vale muito seu play!
"Jeffrey Epstein: Poder e Perversão" é mais uma daquelas histórias, como a que vimos em "Deixando Neverland" (da HBO), que nos embrulha o estômago a cada minuto ou a cada descoberta. Como comentamos em um artigo no nosso blog no começo de 2020, chamado: "Jeffrey Epstein, guardem esse nome", a Netflix seguiu a tendência e resolveu produzir um documentário dividido em quatro episódios sobre os detalhes mais secretos do esquema de pirâmide sexual com menores de Epstein, que envolviam poderosos políticos, empresários, acadêmicos e até celebridades. O livro de James Patterson “Filthy Rich: The Shocking True Story of Jeffrey Epstein” serviu como base para o desenvolvimento da minissérie onde nos deparamos com o lado mais sombrio de um ser humano que acreditava que, com sua fortuna, sairia ileso de qualquer situação que o comprometesse (e ele não era o único!). Confira o trailer:
Se no documentário da HBO o incômodo vinha dos depoimentos impressionantes dos jovens abusados por uma celebridade tão importante como Michael Jackson, já em "Jeffrey Epstein: Poder e Perversão", vemos claramente o mindset de impunidade que o dinheiro, o poder e a influência causam no ser humano e as marcas que deixam nas suas vítimas. O mais interessante desse roteiro da dupla John Connolly e Tom Malloy, é a forma como a história vai se construindo através de uma narrativa não linear - um conceito que vimos recentemente em outra produção da Netflix: "Arremesso Final" e que funcionou muito bem em uma jornada tão carregada de drama como essa. O "vai e volta" dos fatos vai nos situando em uma linha do tempo cheia de recortes e fatos isolados que, juntos, vão nos corroendo com uma força absurda - são tantos detalhes que fica impossível não reconstruir as cenas de abuso e perversão mentalmente - e isso é extremamente cruel. Imaginar crianças de 12, 14 anos, compradas com duzentos dólares, sendo abusadas por Epstein com tanta recorrência, chega parecer mentira. E não era!
Não contente, a sequência de depoimentos chocantes sobre a época em que eram abusadas, contadas pelas próprias vítimas, com um nível de clareza e sinceridade absurdas (muitas vezes admitindo os próprios erros e excessos), o documentários ainda desvenda a forma maquiavélica como tudo era arquitetado, como as garotas eram aliciadas e a razão pela qual Epstein não temia ser pego. Se nos três primeiros episódios temos a impressão que se tratava de um fetiche doentio de Epstein, no último descobrimos que o problema era muito maior, amplo e tão sério que deve ter tirado o sono de muita gente grande! A exposição dessa história impressionante envolve desde presidentes americanos até um membro da realeza britânica - e além de deixar claro (mas sem tantas provas, isso é um fato) que a perversão não era exclusividade de Epstein, muito do poder que ele tinha se baseava em uma moeda de troca muito peculiar!
O documentário é muito cuidadoso ao mostrar (ou pelo menos tentar mostrar) todos os lados da história, mesmo que muitos deles apenas por legendas, mas é preciso elogiar o poder que a edição trouxe para o projeto: com muitas cenas de noticiários e inúmeras entrevistas com personagens envolvidos na investigação, dando voz até para defesa de Epstein, cria-se uma dinâmica tão envolvente que vai nos provocando, nos mal-tratando, mas que nos mantém ligados até o final e com aquele desejo insuportável que justiça seja feita!
"Jeffrey Epstein: Poder e Perversão" é uma minissérie que vale muito a pena, mas que não é tão fácil de digerir ou suportar (principalmente para aqueles que já tem filhos).
"Jeffrey Epstein: Poder e Perversão" é mais uma daquelas histórias, como a que vimos em "Deixando Neverland" (da HBO), que nos embrulha o estômago a cada minuto ou a cada descoberta. Como comentamos em um artigo no nosso blog no começo de 2020, chamado: "Jeffrey Epstein, guardem esse nome", a Netflix seguiu a tendência e resolveu produzir um documentário dividido em quatro episódios sobre os detalhes mais secretos do esquema de pirâmide sexual com menores de Epstein, que envolviam poderosos políticos, empresários, acadêmicos e até celebridades. O livro de James Patterson “Filthy Rich: The Shocking True Story of Jeffrey Epstein” serviu como base para o desenvolvimento da minissérie onde nos deparamos com o lado mais sombrio de um ser humano que acreditava que, com sua fortuna, sairia ileso de qualquer situação que o comprometesse (e ele não era o único!). Confira o trailer:
Se no documentário da HBO o incômodo vinha dos depoimentos impressionantes dos jovens abusados por uma celebridade tão importante como Michael Jackson, já em "Jeffrey Epstein: Poder e Perversão", vemos claramente o mindset de impunidade que o dinheiro, o poder e a influência causam no ser humano e as marcas que deixam nas suas vítimas. O mais interessante desse roteiro da dupla John Connolly e Tom Malloy, é a forma como a história vai se construindo através de uma narrativa não linear - um conceito que vimos recentemente em outra produção da Netflix: "Arremesso Final" e que funcionou muito bem em uma jornada tão carregada de drama como essa. O "vai e volta" dos fatos vai nos situando em uma linha do tempo cheia de recortes e fatos isolados que, juntos, vão nos corroendo com uma força absurda - são tantos detalhes que fica impossível não reconstruir as cenas de abuso e perversão mentalmente - e isso é extremamente cruel. Imaginar crianças de 12, 14 anos, compradas com duzentos dólares, sendo abusadas por Epstein com tanta recorrência, chega parecer mentira. E não era!
Não contente, a sequência de depoimentos chocantes sobre a época em que eram abusadas, contadas pelas próprias vítimas, com um nível de clareza e sinceridade absurdas (muitas vezes admitindo os próprios erros e excessos), o documentários ainda desvenda a forma maquiavélica como tudo era arquitetado, como as garotas eram aliciadas e a razão pela qual Epstein não temia ser pego. Se nos três primeiros episódios temos a impressão que se tratava de um fetiche doentio de Epstein, no último descobrimos que o problema era muito maior, amplo e tão sério que deve ter tirado o sono de muita gente grande! A exposição dessa história impressionante envolve desde presidentes americanos até um membro da realeza britânica - e além de deixar claro (mas sem tantas provas, isso é um fato) que a perversão não era exclusividade de Epstein, muito do poder que ele tinha se baseava em uma moeda de troca muito peculiar!
O documentário é muito cuidadoso ao mostrar (ou pelo menos tentar mostrar) todos os lados da história, mesmo que muitos deles apenas por legendas, mas é preciso elogiar o poder que a edição trouxe para o projeto: com muitas cenas de noticiários e inúmeras entrevistas com personagens envolvidos na investigação, dando voz até para defesa de Epstein, cria-se uma dinâmica tão envolvente que vai nos provocando, nos mal-tratando, mas que nos mantém ligados até o final e com aquele desejo insuportável que justiça seja feita!
"Jeffrey Epstein: Poder e Perversão" é uma minissérie que vale muito a pena, mas que não é tão fácil de digerir ou suportar (principalmente para aqueles que já tem filhos).
Os bastidores do futebol já provou ser capaz de nos entregar histórias (recheadas de curiosidades) incríveis. Embora reproduzir momentos marcantes do esporte seja uma das missões mais complicadas no audiovisual, é de se considerar que tudo que envolve paixão, superação e relevância histórica acaba se tornando um prato cheio para os roteiristas adaptarem na ficção. A nova temporada de "El presidente" é mais um ótimo exemplo disso e mesmo escolhendo um conceito narrativo (na minha opinião) duvidoso, ainda assim é muito eficaz em contar de uma forma leve e divertida, como o futebol se transformou em um negócio multimilionário que vai muito além das quatro linhas.
A partir de um olhar satírico sobre os bastidores da corrupção no futebol, a série narra a história de origem da FIFA. De uma simples organização esportiva que acabou se transformando em uma potência comercial e política, acompanhamos o ex-presidente da FIFA, João Havelange (Albano Jerónimo), o líder brasileiro que de maneira improvável manteve o controle da organização por quase trinta anos, usurpando o poder dos europeus. O "Jogo da Corrupção" explora as histórias de Havelange fazendo grandes apostas mas, principalmente, de como ele transformou o esporte mais popular do mundo em uma máquina de fazer dinheiro. Confira o trailer:
Se você gostou de "El Presidente" você vai gostar de "Jogo da Corrupção", afinal essa "segunda temporada" repete os mesmos erros e acertos dos episódios que abordaram as inúmeras facetas do FIFAGate. Pois bem, talvez o primeiro equivoco conceitual da série seja justamente considerar "El Presidente" uma série - na verdade (e por isso esse review independente) estamos falando de uma antologia, dentro de um mesmo universo, claro, mas que não exigiria a menor necessidade de conexão entre elas. Assumir que elas são uma "antologia" ajudaria muito na percepção de valor de suas histórias, porém ao trazer o protagonista da "primeira temporada" para ser o narrador da "segunda" cria esse elo dramático que, sinceramente, não leva a lugar algum - a não o de dar um conceito "pastelão" para algo que poderia ter sido melhor desenvolvido como drama.
Aqui, Andrés Parra como Sergio Jadue (presidente da federação chilena de futebol) substitui Julio Grondona (da federação argentina) na função de narrador. Muito talentoso e extremamente carismático, Jadue tem a função onipresente de ser o alívio cômico da série - funciona, mas o roteiro se apoia tanto na sua presença que ela perde sua razão de existir já no terceiro episódio (é tão maçante que se não fosse o valor histórico da trama, muito da audiência certamente desistiria da jornada). Ok, eu entendo as escolhas conceituais da direção, mas como em "El Presidente" quem assiste "Jogo da Corrupção" quer saber sobre os bastidores do futebol (como a indecente decisão de Havelange de dar a Copa de 1978 para a Argentina com medo da ditadura do país) e não das histórias de amor entre Castor de Andrade (Eduardo Moscovis) e a fictícia Isabel (Maria Fernanda Cândido).
Mesmo que o trabalho do departamento de maquiagem cause bastante estranhamento, Albano Jerónimo (isso mesmo, um ator português interpretando um brasileiro) traz toda aquela imponência tão característica do "mal-humorado" João Havelange - seu trabalho corporal merece elogios e seu sotaque (que traz uma particularidade européia ancestral do protagonista) funcionam perfeitamente. No final das contas, "Jogo da Corrupção" se não tem um compromisso histórico com 100% da verdade (ainda que que fale muitas e absurdas), é um entretenimento de primeira qualidade para quem gosta de futebol e vive uma vida, como dizia o próprio Havelange, entre duas Copas do Mundo.
Vale seu play!
Os bastidores do futebol já provou ser capaz de nos entregar histórias (recheadas de curiosidades) incríveis. Embora reproduzir momentos marcantes do esporte seja uma das missões mais complicadas no audiovisual, é de se considerar que tudo que envolve paixão, superação e relevância histórica acaba se tornando um prato cheio para os roteiristas adaptarem na ficção. A nova temporada de "El presidente" é mais um ótimo exemplo disso e mesmo escolhendo um conceito narrativo (na minha opinião) duvidoso, ainda assim é muito eficaz em contar de uma forma leve e divertida, como o futebol se transformou em um negócio multimilionário que vai muito além das quatro linhas.
A partir de um olhar satírico sobre os bastidores da corrupção no futebol, a série narra a história de origem da FIFA. De uma simples organização esportiva que acabou se transformando em uma potência comercial e política, acompanhamos o ex-presidente da FIFA, João Havelange (Albano Jerónimo), o líder brasileiro que de maneira improvável manteve o controle da organização por quase trinta anos, usurpando o poder dos europeus. O "Jogo da Corrupção" explora as histórias de Havelange fazendo grandes apostas mas, principalmente, de como ele transformou o esporte mais popular do mundo em uma máquina de fazer dinheiro. Confira o trailer:
Se você gostou de "El Presidente" você vai gostar de "Jogo da Corrupção", afinal essa "segunda temporada" repete os mesmos erros e acertos dos episódios que abordaram as inúmeras facetas do FIFAGate. Pois bem, talvez o primeiro equivoco conceitual da série seja justamente considerar "El Presidente" uma série - na verdade (e por isso esse review independente) estamos falando de uma antologia, dentro de um mesmo universo, claro, mas que não exigiria a menor necessidade de conexão entre elas. Assumir que elas são uma "antologia" ajudaria muito na percepção de valor de suas histórias, porém ao trazer o protagonista da "primeira temporada" para ser o narrador da "segunda" cria esse elo dramático que, sinceramente, não leva a lugar algum - a não o de dar um conceito "pastelão" para algo que poderia ter sido melhor desenvolvido como drama.
Aqui, Andrés Parra como Sergio Jadue (presidente da federação chilena de futebol) substitui Julio Grondona (da federação argentina) na função de narrador. Muito talentoso e extremamente carismático, Jadue tem a função onipresente de ser o alívio cômico da série - funciona, mas o roteiro se apoia tanto na sua presença que ela perde sua razão de existir já no terceiro episódio (é tão maçante que se não fosse o valor histórico da trama, muito da audiência certamente desistiria da jornada). Ok, eu entendo as escolhas conceituais da direção, mas como em "El Presidente" quem assiste "Jogo da Corrupção" quer saber sobre os bastidores do futebol (como a indecente decisão de Havelange de dar a Copa de 1978 para a Argentina com medo da ditadura do país) e não das histórias de amor entre Castor de Andrade (Eduardo Moscovis) e a fictícia Isabel (Maria Fernanda Cândido).
Mesmo que o trabalho do departamento de maquiagem cause bastante estranhamento, Albano Jerónimo (isso mesmo, um ator português interpretando um brasileiro) traz toda aquela imponência tão característica do "mal-humorado" João Havelange - seu trabalho corporal merece elogios e seu sotaque (que traz uma particularidade européia ancestral do protagonista) funcionam perfeitamente. No final das contas, "Jogo da Corrupção" se não tem um compromisso histórico com 100% da verdade (ainda que que fale muitas e absurdas), é um entretenimento de primeira qualidade para quem gosta de futebol e vive uma vida, como dizia o próprio Havelange, entre duas Copas do Mundo.
Vale seu play!
Se você gosta da densidade de um bom drama politico, eu diria que "Jogo do Poder" é imperdível - mas saiba que aqui existe uma certa cadência graças a uma complexidade narrativa bem evidente com inúmeros diálogos expositivos, mas pouco explicativos para quem caiu de para-quedas no play. Dirigido pelo renomado Costa-Gavras (vencedor do Oscar pelo roteiro de "Desaparecido: Um Grande Mistério" e diretor de "O Quarto Poder") o filme é um convite para o intrigante bastidor da crise que assolou a Grécia em 2015 pela perspectiva de quem estava lutando para encontrar uma saída. Embora, como diz o título nacional, o jogo de poder paute a trama, é na conveniência das relações humanas que o estômago realmente embrulha - algo como vimos em "Oslo", por exemplo. Baseado no livro de memórias de Yanis Varoufakis, o filme oferece uma visão íntima de toda a negociação feita na época deixando claro a importância histórica dos eventos que moldaram a Europa contemporânea pós-União.
"Adults in the Room" (no original) traz a história verídica e impactante do ex-Ministro das Finanças da Grécia, Yanis Varoufakis (Christos Loulis) em sua tentativa de negociar um acordo financeiro com os credores internacionais durante a crise econômica grega de 2015. Ao lado do então primeiro-ministro Alexis Tsipras (Alexandros Bourdoumis), Varoufakis teve a árdua tarefa de convencer a Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) sobre a necessidade de revisitar um Memorando de Entendimento que provavelmente destruiria ainda mais a economia de seu país. Confira o trailer:
Antes de mais nada é preciso conhecer o conceito de "austeridade", ou seja, esse conjunto de políticas econômicas que visam reduzir os déficits do governo por meio de cortes de gastos, aumento de impostos ou uma combinação de ambos. Dito isso fica mais fácil entender o que Varoufakis, depois de sete longos anos de crise, queria evitar ao iniciar um verdadeiro embate contra a Comissão Europeia, especialmente com os representantes da Alemanha, que pregava uma imposição de medidas de austeridade rigorosas para o país como condição para novos empréstimos e uma nova ajuda financeira. Ao lidar com a intransigência da Troika e com a pressão da população que sofria com as consequências econômicas e sociais das políticas impostas pelo governo anterior, o Ministro se viu em uma verdadeira encruzilhada politica e moral - e é isso que Costa-Gavras consegue desenvolver com maestria durante todo o filme.
Ao utilizar um estilo narrativo envolvente, mesclando cenas tensas de negociações com imagens de arquivo reais da época, o diretor nos dá a exata noção do turbilhão emocional que os personagens estão vivendo. A atuação magistral de Loulis transmite nuances que vão da confiança ao receio de estar sendo "cabeça dura" demais, enquanto precisa lidar com a constante, vejam só, decepção perante a falta de palavra (e empatia) de outros líderes da UE. Costa-Gavras sabe manter essa tensão, brincando, inclusive, com nossa percepção sobre quem seriam os “heróis” ou os “vilões” nessa negociação. Reparem na cena onde Varoufakis conversa em particular com o Ministro da Alemanha, Wolfgang Schäuble (Ulrich Tukur) - ele respondendo se aceitaria as condições impostas por ele e pela Troika é impagável.
A habilidade de "Jogo do Poder" em destacar a complexidade das negociações políticas é notável. A fotografia de Yorgos Arvanitis intensifica essa atmosfera de suspense, enquanto a montagem habilidosa do próprio Costa-Gavrasmantém um ritmo que prende nossa atenção de uma forma impressionante. Além disso, é preciso elogiar a direção de arte pela autenticidade como retratou os eventos históricos com precisão. O fato é que o filme, mesmo com uma sequência final recheada de simbologia (que nem todos vão gostar), sabe o valor da sua trama e do seu propósito em mostrar que não se pode fazer um omelete sem quebrar alguns ovos - e se tratando de politica, poder e hipocrisia, haja ovos!
Vale seu play!
Se você gosta da densidade de um bom drama politico, eu diria que "Jogo do Poder" é imperdível - mas saiba que aqui existe uma certa cadência graças a uma complexidade narrativa bem evidente com inúmeros diálogos expositivos, mas pouco explicativos para quem caiu de para-quedas no play. Dirigido pelo renomado Costa-Gavras (vencedor do Oscar pelo roteiro de "Desaparecido: Um Grande Mistério" e diretor de "O Quarto Poder") o filme é um convite para o intrigante bastidor da crise que assolou a Grécia em 2015 pela perspectiva de quem estava lutando para encontrar uma saída. Embora, como diz o título nacional, o jogo de poder paute a trama, é na conveniência das relações humanas que o estômago realmente embrulha - algo como vimos em "Oslo", por exemplo. Baseado no livro de memórias de Yanis Varoufakis, o filme oferece uma visão íntima de toda a negociação feita na época deixando claro a importância histórica dos eventos que moldaram a Europa contemporânea pós-União.
"Adults in the Room" (no original) traz a história verídica e impactante do ex-Ministro das Finanças da Grécia, Yanis Varoufakis (Christos Loulis) em sua tentativa de negociar um acordo financeiro com os credores internacionais durante a crise econômica grega de 2015. Ao lado do então primeiro-ministro Alexis Tsipras (Alexandros Bourdoumis), Varoufakis teve a árdua tarefa de convencer a Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) sobre a necessidade de revisitar um Memorando de Entendimento que provavelmente destruiria ainda mais a economia de seu país. Confira o trailer:
Antes de mais nada é preciso conhecer o conceito de "austeridade", ou seja, esse conjunto de políticas econômicas que visam reduzir os déficits do governo por meio de cortes de gastos, aumento de impostos ou uma combinação de ambos. Dito isso fica mais fácil entender o que Varoufakis, depois de sete longos anos de crise, queria evitar ao iniciar um verdadeiro embate contra a Comissão Europeia, especialmente com os representantes da Alemanha, que pregava uma imposição de medidas de austeridade rigorosas para o país como condição para novos empréstimos e uma nova ajuda financeira. Ao lidar com a intransigência da Troika e com a pressão da população que sofria com as consequências econômicas e sociais das políticas impostas pelo governo anterior, o Ministro se viu em uma verdadeira encruzilhada politica e moral - e é isso que Costa-Gavras consegue desenvolver com maestria durante todo o filme.
Ao utilizar um estilo narrativo envolvente, mesclando cenas tensas de negociações com imagens de arquivo reais da época, o diretor nos dá a exata noção do turbilhão emocional que os personagens estão vivendo. A atuação magistral de Loulis transmite nuances que vão da confiança ao receio de estar sendo "cabeça dura" demais, enquanto precisa lidar com a constante, vejam só, decepção perante a falta de palavra (e empatia) de outros líderes da UE. Costa-Gavras sabe manter essa tensão, brincando, inclusive, com nossa percepção sobre quem seriam os “heróis” ou os “vilões” nessa negociação. Reparem na cena onde Varoufakis conversa em particular com o Ministro da Alemanha, Wolfgang Schäuble (Ulrich Tukur) - ele respondendo se aceitaria as condições impostas por ele e pela Troika é impagável.
A habilidade de "Jogo do Poder" em destacar a complexidade das negociações políticas é notável. A fotografia de Yorgos Arvanitis intensifica essa atmosfera de suspense, enquanto a montagem habilidosa do próprio Costa-Gavrasmantém um ritmo que prende nossa atenção de uma forma impressionante. Além disso, é preciso elogiar a direção de arte pela autenticidade como retratou os eventos históricos com precisão. O fato é que o filme, mesmo com uma sequência final recheada de simbologia (que nem todos vão gostar), sabe o valor da sua trama e do seu propósito em mostrar que não se pode fazer um omelete sem quebrar alguns ovos - e se tratando de politica, poder e hipocrisia, haja ovos!
Vale seu play!
Você vai se surpreender com a potência de “Jogo Justo” - principalmente por trazer elementos bastante particulares de obras como “A Assistente” e “Industry”. Embora tenha sido vendido como uma espécie de thriller erótico pela Netflix, o filme vai muito além ao equilibrar aquela atmosfera de excessos dos bancos de investimento de Wall Street (daí a referência de “Industry”) com um drama angustiante pela sua psicologia e pela discussão relevante sobre o machismo e as várias formas de abuso (talvez um pouco mais explícito, mas igualmente competente, como vimos em “A Assistente”). Com um excelente roteiro e uma inspirada direção de Chloe Domon (de “Ballers”), o filme se alimenta de uma tensão crescente, quase insuportável, para expor uma triste realidade que realmente mexe com nossa percepção sobre o ser humano.
Basicamente, o filme acompanha o jovem casal Emily (Phoebe Dynevor) e Luke (Alden Ehrenreich), que trabalha em um banco de investimentos e que acabam embarcando em um romance proibido que vai contra as regras da organização. O segredo parece tornar as coisas ainda mais intensas até que Emily é promovida inesperadamente para uma posição que Luke almejava e aí, já viu. Confira o trailer:
Ë impressionante como acompanhar o colapso de um relacionamento diante da ebulição de egos, poder e pressões sociais e profissionais, mexe com a gente. “Jogo Justo” sabe exatamente como construir uma dinâmica envolvente que, pouca a pouco, é tirada de nós em uma desconstrução narrativa digna de aplausos - tirando algumas leves derrapadas no terceiro ato, eu diria que o roteiro merece mais do que elogios!
Domon é inteligente com explorar a sensibilidade do olhar e do silêncio ao mesmo tempo em que seu texto é mais bruto, direto, provocador. Não por acaso você vai escutar que Emily deve ter tido relações sexuais com o chefe para conseguir a promoção ou até que ela nunca será respeitada porque parece um cupcake indo para o trabalho, no entanto é na forma como Dynevor e Ehrenreich se relacionam com essas situações que somos tocados - é quase como se eles não soubessem decodificar suas falhas, dada a naturalidade desse tipo de posicionamento machista (para quem diz e para quem escuta). E o legal é que o roteiro também expõe a insegurança de Emily ao lidar com essa atmosfera, mesmo quando ela vai contra seus princípios para fazer parte de tudo aquilo e assim se sentir “inserida”.
Um ponto muito interessante e que vale citar é o fato de que “Fair Play” (no original) fez um certo barulho no Festival de Sundance em 2023 - gerando, inclusive, comparações com “Psicopata Americano” destaque no mesmo festival em 2000. Tão diferentes quanto semelhantes, ambos os filmes desafiam nossa compreensão sobre o ser humana ao ser provocado intimamente. O fato é que aqui temos mais uma história densa sobre a colisão caótica entre o poder e o ego, em uma era tão socialmente sensível ao lugar de fala sobre disparidade de gêneros. Com uma direção que sabe da capacidade interpretativa de sua audiência, ela deixa espaço para uma discussão coerente sem precisar levantar bandeiras à toa - é por isso que eu diria que esse filme já pode ser considerado um dos melhores dramas psicológicos recentes. Finalmente temos um excepcional filme de gênero que vale cada centavo dos míseros US$20 milhões pagos em direitos pela Netflix.
Imperdível.
Você vai se surpreender com a potência de “Jogo Justo” - principalmente por trazer elementos bastante particulares de obras como “A Assistente” e “Industry”. Embora tenha sido vendido como uma espécie de thriller erótico pela Netflix, o filme vai muito além ao equilibrar aquela atmosfera de excessos dos bancos de investimento de Wall Street (daí a referência de “Industry”) com um drama angustiante pela sua psicologia e pela discussão relevante sobre o machismo e as várias formas de abuso (talvez um pouco mais explícito, mas igualmente competente, como vimos em “A Assistente”). Com um excelente roteiro e uma inspirada direção de Chloe Domon (de “Ballers”), o filme se alimenta de uma tensão crescente, quase insuportável, para expor uma triste realidade que realmente mexe com nossa percepção sobre o ser humano.
Basicamente, o filme acompanha o jovem casal Emily (Phoebe Dynevor) e Luke (Alden Ehrenreich), que trabalha em um banco de investimentos e que acabam embarcando em um romance proibido que vai contra as regras da organização. O segredo parece tornar as coisas ainda mais intensas até que Emily é promovida inesperadamente para uma posição que Luke almejava e aí, já viu. Confira o trailer:
Ë impressionante como acompanhar o colapso de um relacionamento diante da ebulição de egos, poder e pressões sociais e profissionais, mexe com a gente. “Jogo Justo” sabe exatamente como construir uma dinâmica envolvente que, pouca a pouco, é tirada de nós em uma desconstrução narrativa digna de aplausos - tirando algumas leves derrapadas no terceiro ato, eu diria que o roteiro merece mais do que elogios!
Domon é inteligente com explorar a sensibilidade do olhar e do silêncio ao mesmo tempo em que seu texto é mais bruto, direto, provocador. Não por acaso você vai escutar que Emily deve ter tido relações sexuais com o chefe para conseguir a promoção ou até que ela nunca será respeitada porque parece um cupcake indo para o trabalho, no entanto é na forma como Dynevor e Ehrenreich se relacionam com essas situações que somos tocados - é quase como se eles não soubessem decodificar suas falhas, dada a naturalidade desse tipo de posicionamento machista (para quem diz e para quem escuta). E o legal é que o roteiro também expõe a insegurança de Emily ao lidar com essa atmosfera, mesmo quando ela vai contra seus princípios para fazer parte de tudo aquilo e assim se sentir “inserida”.
Um ponto muito interessante e que vale citar é o fato de que “Fair Play” (no original) fez um certo barulho no Festival de Sundance em 2023 - gerando, inclusive, comparações com “Psicopata Americano” destaque no mesmo festival em 2000. Tão diferentes quanto semelhantes, ambos os filmes desafiam nossa compreensão sobre o ser humana ao ser provocado intimamente. O fato é que aqui temos mais uma história densa sobre a colisão caótica entre o poder e o ego, em uma era tão socialmente sensível ao lugar de fala sobre disparidade de gêneros. Com uma direção que sabe da capacidade interpretativa de sua audiência, ela deixa espaço para uma discussão coerente sem precisar levantar bandeiras à toa - é por isso que eu diria que esse filme já pode ser considerado um dos melhores dramas psicológicos recentes. Finalmente temos um excepcional filme de gênero que vale cada centavo dos míseros US$20 milhões pagos em direitos pela Netflix.
Imperdível.
Sua definição de "pirado" vai mudar depois que você assistir o documentário da Netflix "John McAfee: Gênio, Polêmico e Fugitivo". É sério, McAfee (aquele mesmo do antivírus que todo mundo usava quando os PCs ainda dominavam o mundo) faz CEOs excêntricos como Adam Neumann da WeWork e Travis Kalanick da UBER parecerem ter saído do jardim da infância!
"Running With The Devil: The Wild World Of John McAfee" (no original) conta em pouco menos de duas horas, toda a jornada do milionário e gênio da tecnologia John McAfee durante os anos em que viveu como foragido da justiça, acusado, inclusive, de assassinato. Confira o trailer (em inglês):
Dirigido pelo Charlie Russell (de "Chris Packham: Asperger's and Me") esse documentário traz cenas e entrevistas inéditas (e surpreendentes) sobre alguns dos momentos mais conturbados da vida deMcAfee. Com uma edição primorosa do Joby Gee, Russell se aproveita de um material riquíssimo produzido pela "Vice" pouco mais de dez anos atrás, que resultou em uma estreita relação de amizade entre o próprio McAfee e um videomaker que anos depois voltou a captar em imagens, a loucura e o comportamento cheio de abusos do protagonista até ele ser preso na Espanha em outubro de 2020.
Um dos pioneiros da indústria da segurança digital, o criador do antivírus que até hoje ainda leva seu nome, se tornou milionário quando sua empresa foi vendida para a Intel em um negócio de US$ 7,6 bilhões. A partir daí, McAfee passou a viver no limite, com direito a envolvimento com drogas pesadas, álcool e prostituição - sua última esposa, inclusive, era prostituta. Porém a questão mais presente em "John McAfee: Gênio, Polêmico e Fugitivo" diz respeito a sua fuga de Belize para Guatemala quando foi acusado de assassinar seu vizinho, Gregory Faull, com um tiro na nuca - o crime, inclusive, que nunca foi solucionado. Essa passagem foi só o gatilho para as inúmeras paranóias (ou não) e teorias da conspiração que fizeram McAfee praticamente viver em águas internacionais com medo de ser morto.
Embora o documentário seja muito competente em explorar esse recorte específico, citando rapidamente outras polêmicas em que McAfee esteve envolvido, temos a sensação que o personagem merecia uma obra mais completa - talvez uma minissérie que se aprofundasse em temas como a derrocada de sua fortuna, os embates com a Intel para que a empresa desvinculasse o seu nome do antivírus, a pretensão de se tornar presidente dos EUA e os outros investimentos que ele fez em startups que foram mal sucedidas - o cara foi de antibióticos naturais à criptomoedas, para você ter uma ideia.
"John McAfee: Gênio, Polêmico e Fugitivo" é um documentário dinâmico, bem construído e muito interessante - um mergulho no intimo de um personagem único e que foi capaz de transitar entre a genialidade e o caos com a mesma competência. Vale muito o seu play!
Sua definição de "pirado" vai mudar depois que você assistir o documentário da Netflix "John McAfee: Gênio, Polêmico e Fugitivo". É sério, McAfee (aquele mesmo do antivírus que todo mundo usava quando os PCs ainda dominavam o mundo) faz CEOs excêntricos como Adam Neumann da WeWork e Travis Kalanick da UBER parecerem ter saído do jardim da infância!
"Running With The Devil: The Wild World Of John McAfee" (no original) conta em pouco menos de duas horas, toda a jornada do milionário e gênio da tecnologia John McAfee durante os anos em que viveu como foragido da justiça, acusado, inclusive, de assassinato. Confira o trailer (em inglês):
Dirigido pelo Charlie Russell (de "Chris Packham: Asperger's and Me") esse documentário traz cenas e entrevistas inéditas (e surpreendentes) sobre alguns dos momentos mais conturbados da vida deMcAfee. Com uma edição primorosa do Joby Gee, Russell se aproveita de um material riquíssimo produzido pela "Vice" pouco mais de dez anos atrás, que resultou em uma estreita relação de amizade entre o próprio McAfee e um videomaker que anos depois voltou a captar em imagens, a loucura e o comportamento cheio de abusos do protagonista até ele ser preso na Espanha em outubro de 2020.
Um dos pioneiros da indústria da segurança digital, o criador do antivírus que até hoje ainda leva seu nome, se tornou milionário quando sua empresa foi vendida para a Intel em um negócio de US$ 7,6 bilhões. A partir daí, McAfee passou a viver no limite, com direito a envolvimento com drogas pesadas, álcool e prostituição - sua última esposa, inclusive, era prostituta. Porém a questão mais presente em "John McAfee: Gênio, Polêmico e Fugitivo" diz respeito a sua fuga de Belize para Guatemala quando foi acusado de assassinar seu vizinho, Gregory Faull, com um tiro na nuca - o crime, inclusive, que nunca foi solucionado. Essa passagem foi só o gatilho para as inúmeras paranóias (ou não) e teorias da conspiração que fizeram McAfee praticamente viver em águas internacionais com medo de ser morto.
Embora o documentário seja muito competente em explorar esse recorte específico, citando rapidamente outras polêmicas em que McAfee esteve envolvido, temos a sensação que o personagem merecia uma obra mais completa - talvez uma minissérie que se aprofundasse em temas como a derrocada de sua fortuna, os embates com a Intel para que a empresa desvinculasse o seu nome do antivírus, a pretensão de se tornar presidente dos EUA e os outros investimentos que ele fez em startups que foram mal sucedidas - o cara foi de antibióticos naturais à criptomoedas, para você ter uma ideia.
"John McAfee: Gênio, Polêmico e Fugitivo" é um documentário dinâmico, bem construído e muito interessante - um mergulho no intimo de um personagem único e que foi capaz de transitar entre a genialidade e o caos com a mesma competência. Vale muito o seu play!
Essa era uma história que merecia ser contada e digo mais: você vai se surpreender com sua força! "Joika: Uma Americana no Bolshoi" é, de fato, uma jornada inspiradora de paixão e de superação que nos conquista logo de cara. O desconhecido diretor e roteirista James Napier Robertson (da elogiada "Whina") mostra muito talento e competência ao contar a história real de Joy Womack, uma bailarina americana que desafiou inúmeras barreiras culturais para se tornar a primeira americana a se apresentar no prestigiado Ballet Bolshoi. Narrada com uma sensibilidade impressionante e fotografada com um realismo visceral, "The American" (no original) merece demais a sua a atenção, especialmente se você se identifica com filmes como "Cisne Negro", "Birds of Paradise" e até com o georgiano, "E então nós dançamos"! Vale dizer que essa produção conquistou o prêmio de Melhor Filme no Festival de Cinema de Milão, além do prêmio da audiência no Palm Springs International Film Festival em 2024.
Basicamente, o filme segue Joy (Talia Ryder), uma prodígio do balé que aspira se tornar a Prima Ballerina da Academia Bolshoi de Moscou. Aos quinze anos, ela se muda para a Rússia, apoiada pelos pais, com a esperança de ser aceita na prestigiada academia. No entanto, ela rapidamente se depara com a hostilidade de suas colegas e de uma severa diretora, Tatiyana Volkova (Diane Kruger), que constantemente a chama pejorativamente de “a americana”. Determinada a provar seu valor, independente de seu país de origem, Joy enfrenta desafios físicos e emocionais enquanto luta para conquistar seu lugar de destaque na história do balé mundial. Confira o trailer (em inglês):
Naturalmente já é possível imaginar que "Joika" é um mergulha na realidade implacável dessa arte tão exigente e cheia de tradição. A pressão constante pela excelência, a disciplina draconiana e as privações físicas e emocionais são retratadas com uma honestidade brutal no filme que olha, se tem uma coisa que Robertson não faz, é nos poupar do lado sombrio da busca pela perfeição como manifestação artística Sensível e precisa, a direção nos conduzi por uma história recheada de ritmo e emoção que não cai na tentação de cortar caminhos para encontrar a conexão com a audiência. É claro que o drama está lá desde o primeiro ato, mas a forma como o roteiro vai construindo a jornada nos entrega uma série de sensações muito particulares - veja, se em "Cisne Negro" Aronofsky brinca com nossa percepção da realidade, aqui, é justamente a realidade que nos mantém angustiado até os créditos subirem.
Além da qualidade artística da direção, alguns elementos técnicos merecem destaque - a já citada fotografia é uma delas. Assinada pelo polonês Tomasz Naumiuk (de "Rastros"), a fotografia captura a beleza e a melancolia da vida na Rússia, utilizando tons frios e contrastes marcantes para criar uma atmosfera tão imersiva quanto desconfortável - algo como vimos em "O Gambito da Rainha". Já a trilha sonora composta por Dana Lund (de "The Dark Horse") transita entre melodias depressivas e outras inspiradoras acompanhando perfeitamente a jornada de Joy, intensificando as emoções, elevando a experiência e nos aproximando dos grandes clássicos do balé. Sobre o elenco, Talia Ryder entrega uma performance de tirar o fôlego - a melhor de sua carreira. Sua atuação captura a força, a determinação e a vulnerabilidade da personagem com maestria - seu domínio físico é impressionante, traduzindo em cada movimento sua paixão e a sua dor. Diane Kruger também brilha - imponente e intimidadora, mas com nuances de fragilidade, a atriz entrega uma personagem tão complexa e humana que eu diria ser "uma personificação das contradições do mundo do balé".
Mesmo que tenha surgido timidamente, "Joika: Uma Americana no Bolshoi" é sim um filme imperdível - especialmente para aqueles que buscam dramas inspiradores, histórias reais e atuações memoráveis. É um convite para entendermos as nuances da arte pela perspectiva da paixão avassaladora, da força e da resiliência como fator primordial do espírito humano. Entretenimento, mas inteligente na sua essência, saiba que você vai se emocionar, vai se inspirar e até refletir sobre o valor de acreditar em um sonho, sem aquela conotação piegas, de buscar a excelência e de encontrar na superação, os próprios limites.
Vale muito o seu play!
Essa era uma história que merecia ser contada e digo mais: você vai se surpreender com sua força! "Joika: Uma Americana no Bolshoi" é, de fato, uma jornada inspiradora de paixão e de superação que nos conquista logo de cara. O desconhecido diretor e roteirista James Napier Robertson (da elogiada "Whina") mostra muito talento e competência ao contar a história real de Joy Womack, uma bailarina americana que desafiou inúmeras barreiras culturais para se tornar a primeira americana a se apresentar no prestigiado Ballet Bolshoi. Narrada com uma sensibilidade impressionante e fotografada com um realismo visceral, "The American" (no original) merece demais a sua a atenção, especialmente se você se identifica com filmes como "Cisne Negro", "Birds of Paradise" e até com o georgiano, "E então nós dançamos"! Vale dizer que essa produção conquistou o prêmio de Melhor Filme no Festival de Cinema de Milão, além do prêmio da audiência no Palm Springs International Film Festival em 2024.
Basicamente, o filme segue Joy (Talia Ryder), uma prodígio do balé que aspira se tornar a Prima Ballerina da Academia Bolshoi de Moscou. Aos quinze anos, ela se muda para a Rússia, apoiada pelos pais, com a esperança de ser aceita na prestigiada academia. No entanto, ela rapidamente se depara com a hostilidade de suas colegas e de uma severa diretora, Tatiyana Volkova (Diane Kruger), que constantemente a chama pejorativamente de “a americana”. Determinada a provar seu valor, independente de seu país de origem, Joy enfrenta desafios físicos e emocionais enquanto luta para conquistar seu lugar de destaque na história do balé mundial. Confira o trailer (em inglês):
Naturalmente já é possível imaginar que "Joika" é um mergulha na realidade implacável dessa arte tão exigente e cheia de tradição. A pressão constante pela excelência, a disciplina draconiana e as privações físicas e emocionais são retratadas com uma honestidade brutal no filme que olha, se tem uma coisa que Robertson não faz, é nos poupar do lado sombrio da busca pela perfeição como manifestação artística Sensível e precisa, a direção nos conduzi por uma história recheada de ritmo e emoção que não cai na tentação de cortar caminhos para encontrar a conexão com a audiência. É claro que o drama está lá desde o primeiro ato, mas a forma como o roteiro vai construindo a jornada nos entrega uma série de sensações muito particulares - veja, se em "Cisne Negro" Aronofsky brinca com nossa percepção da realidade, aqui, é justamente a realidade que nos mantém angustiado até os créditos subirem.
Além da qualidade artística da direção, alguns elementos técnicos merecem destaque - a já citada fotografia é uma delas. Assinada pelo polonês Tomasz Naumiuk (de "Rastros"), a fotografia captura a beleza e a melancolia da vida na Rússia, utilizando tons frios e contrastes marcantes para criar uma atmosfera tão imersiva quanto desconfortável - algo como vimos em "O Gambito da Rainha". Já a trilha sonora composta por Dana Lund (de "The Dark Horse") transita entre melodias depressivas e outras inspiradoras acompanhando perfeitamente a jornada de Joy, intensificando as emoções, elevando a experiência e nos aproximando dos grandes clássicos do balé. Sobre o elenco, Talia Ryder entrega uma performance de tirar o fôlego - a melhor de sua carreira. Sua atuação captura a força, a determinação e a vulnerabilidade da personagem com maestria - seu domínio físico é impressionante, traduzindo em cada movimento sua paixão e a sua dor. Diane Kruger também brilha - imponente e intimidadora, mas com nuances de fragilidade, a atriz entrega uma personagem tão complexa e humana que eu diria ser "uma personificação das contradições do mundo do balé".
Mesmo que tenha surgido timidamente, "Joika: Uma Americana no Bolshoi" é sim um filme imperdível - especialmente para aqueles que buscam dramas inspiradores, histórias reais e atuações memoráveis. É um convite para entendermos as nuances da arte pela perspectiva da paixão avassaladora, da força e da resiliência como fator primordial do espírito humano. Entretenimento, mas inteligente na sua essência, saiba que você vai se emocionar, vai se inspirar e até refletir sobre o valor de acreditar em um sonho, sem aquela conotação piegas, de buscar a excelência e de encontrar na superação, os próprios limites.
Vale muito o seu play!
"Jovem e Bela" é um excelente drama francês sobre as dores da adolescência pelo ponto de vista de uma jovem de 17 anos que está descobrindo o sexo. Foi a partir dessa premissa que o diretor François Ozon (dos ótimos "O Amante Duplo"e "Dentro da Casa") construiu uma história de amadurecimento usando as quatro estações do ano de forma quase poética, que conquistou o Festival de San Sebastián e o fez concorrer à Palma de Ouro de Cannes em 2013.
No filme conhecemos a jovem Isabelle (Marine Vacth) que durante uma viagem de verão com a família, vive a sua primeira experiência sexual. Ao voltar para casa, em Paris, ela divide o seu tempo entre a escola e um novo trabalho que coloca a relação com sua mãe divorciada, Sylvie (Géraldine Pailhas), em cheque.
Antes de assistir o trailer, é preciso dizer que quanto menos você souber sobre o filme, mais impactante será sua experiência - mas a escolha é sua!
Se inicialmente "Jovem e Bela" pode parecer uma trama jovem sobre os amores de um verão de descobertas e suas consequências na relação com os pais como "Julho Agosto", basta assistir 20 minutos de filme para se surpreender com o caminho escolhido por Ozon para discutir as dores da adolescência. Claramente referenciado por Stanley Kubrick e a linha narrativa tênue entre o valor da imagem em contra-ponto com a riqueza do íntimo que o diretor gostava de imprimir em seus filmes de relação, Ozon chega a brincar com nossa percepção sobre o poder da escolha - principalmente no que diz respeito a hipocrisia do olhar "adulto" sobre o assunto.
Como de costume, o roteiro do próprio Ozon se apoia no jogo de palavras e de situações bem particulares (nem sempre inéditas) para nos conduzir em uma espécie de mergulho pela psiquê de Isabelle - de onde, aliás, conseguimos poucas respostas, mas muitas reflexões. Ao nos provocar, "Jovem e Bela" ganha nossa atenção por diversos motivos: o apelo sexual está presente, mas o entorno acaba sendo mais envolvente - algo como "De Olhos bem Fechados" ou "Lolita", mas com um leve toque de humor e ironia, graças a ótima participação de Frédéric Pierrot como o padrasto da protagonista. A escolha de Marine Vacth certamente foi a decisão mais acertada de Ozon - sua performance é também impecável: hipnotizante pela sua beleza e provocadora pela sua postura quase neutra em relação aos seus dramas.
Segmentado em quatro capítulos (representadas pelas estações do ano) e pontuado pelas músicas de Françoise Hardy, cantora francesa dos anos 1960/70 que, como Isabelle, transmite uma certa melancolia introspectiva e até enigmática, "Jovem e Bela" se apropria de "L’amour d'un garçon" (de 1963), "À quoi ça sert" (de 1969), "Première rencontre" (de 1973) e "Je suis moi" (de 1974) para entregar uma jornada de infinitas possibilidades que percorrem a adolescência de uma jovem impactada pelas suas escolhas e pelas escolhas das pessoas que a cercam em uma leitura que nos direciona para inegáveis julgamentos morais, brilhantemente ilustrado no roteiro pelo poema "Ninguém é sério aos 17 anos" de Arthur Rimbaud.
Vale muito o seu play!
"Jovem e Bela" é um excelente drama francês sobre as dores da adolescência pelo ponto de vista de uma jovem de 17 anos que está descobrindo o sexo. Foi a partir dessa premissa que o diretor François Ozon (dos ótimos "O Amante Duplo"e "Dentro da Casa") construiu uma história de amadurecimento usando as quatro estações do ano de forma quase poética, que conquistou o Festival de San Sebastián e o fez concorrer à Palma de Ouro de Cannes em 2013.
No filme conhecemos a jovem Isabelle (Marine Vacth) que durante uma viagem de verão com a família, vive a sua primeira experiência sexual. Ao voltar para casa, em Paris, ela divide o seu tempo entre a escola e um novo trabalho que coloca a relação com sua mãe divorciada, Sylvie (Géraldine Pailhas), em cheque.
Antes de assistir o trailer, é preciso dizer que quanto menos você souber sobre o filme, mais impactante será sua experiência - mas a escolha é sua!
Se inicialmente "Jovem e Bela" pode parecer uma trama jovem sobre os amores de um verão de descobertas e suas consequências na relação com os pais como "Julho Agosto", basta assistir 20 minutos de filme para se surpreender com o caminho escolhido por Ozon para discutir as dores da adolescência. Claramente referenciado por Stanley Kubrick e a linha narrativa tênue entre o valor da imagem em contra-ponto com a riqueza do íntimo que o diretor gostava de imprimir em seus filmes de relação, Ozon chega a brincar com nossa percepção sobre o poder da escolha - principalmente no que diz respeito a hipocrisia do olhar "adulto" sobre o assunto.
Como de costume, o roteiro do próprio Ozon se apoia no jogo de palavras e de situações bem particulares (nem sempre inéditas) para nos conduzir em uma espécie de mergulho pela psiquê de Isabelle - de onde, aliás, conseguimos poucas respostas, mas muitas reflexões. Ao nos provocar, "Jovem e Bela" ganha nossa atenção por diversos motivos: o apelo sexual está presente, mas o entorno acaba sendo mais envolvente - algo como "De Olhos bem Fechados" ou "Lolita", mas com um leve toque de humor e ironia, graças a ótima participação de Frédéric Pierrot como o padrasto da protagonista. A escolha de Marine Vacth certamente foi a decisão mais acertada de Ozon - sua performance é também impecável: hipnotizante pela sua beleza e provocadora pela sua postura quase neutra em relação aos seus dramas.
Segmentado em quatro capítulos (representadas pelas estações do ano) e pontuado pelas músicas de Françoise Hardy, cantora francesa dos anos 1960/70 que, como Isabelle, transmite uma certa melancolia introspectiva e até enigmática, "Jovem e Bela" se apropria de "L’amour d'un garçon" (de 1963), "À quoi ça sert" (de 1969), "Première rencontre" (de 1973) e "Je suis moi" (de 1974) para entregar uma jornada de infinitas possibilidades que percorrem a adolescência de uma jovem impactada pelas suas escolhas e pelas escolhas das pessoas que a cercam em uma leitura que nos direciona para inegáveis julgamentos morais, brilhantemente ilustrado no roteiro pelo poema "Ninguém é sério aos 17 anos" de Arthur Rimbaud.
Vale muito o seu play!
Quando "Joy" chegou aos cinemas em 2015, o filme veio carregado de críticas - umas coerentes, mas a maioria exagerada. Um filme que tem em seu arco principal a superação de uma personagem mulher em busca de um sonho empreendedor para mudar de vida definitivamente, como em "A Vida e a História de Madam C.J. Walker", precisa ser entendido e interpretado de acordo com sua proposta narrativa, não a partir da filmografia de seu diretor - no caso, David O. Russell que vinha de três grandes sucessos como "O Vencedor", "O Lado Bom da Vida" e "Trapaça", e ainda carregava a pressão de cinco indicações ao Oscar.
Inspirado em uma história real, o filme mostra a emocionante jornada de Joy (Jennifer Lawrence), uma mulher que é ferozmente determinada a manter sua excêntrica e disfuncional família unida em face da aparentemente e insuperável probabilidade de se dar mal. Motivada pela necessidade, engenhosidade e pelo sonho de uma vida melhor, Joy busca com todas as forças, triunfar como a fundadora e inventora do "esfregão", e assim se tornar a matriarca de um bilionário império que transformou sua vida e a de sua família. Confira o trailer:
Veja, talvez a história de Joy seja de fato mais interessante que o filme, mas em hipótese nenhuma podemos dizer que o filme é ruim - ele não é. Algumas escolhas narrativas de O. Russell, que também escreveu o roteiro, me pareceram equivocadas e destaco duas: a narração em off (e a escolha da personagem que faz isso) é ruim e a fixação em tentar encontrar paralelos com a Soap Opera que fez parte da vida de Joy e razão da inércia da sua mãe, pior ainda. Embora ambos sejam artifícios para cortar o caminho sempre complicado de colocar na tela uma biografia com tão pouco tempo de história, é de se notar a pretensão do diretor de querer ser genial - o que acaba sendo um desperdício de energia, pois a jornada de Joy por si só já entregaria uma conexão imediata com o público deixando espaço para algumas alegorias que ele sempre gostou de pontuar (e bem) em seu filmes.
Ao olharmos pelo prisma empreendedor, meu Deus, "Joy" é um retrato tão palpável, que mesmo no exagero do texto ainda sim nos identificamos com a jornada. Vemos como a vida espanca (sim, esse é o termo exato do que acontece) a protagonista diariamente para então acompanharmos como a determinação, a criatividade, a boa vontade, o trabalho e a esperança podem mudar o rumo das coisas. É impressionante como a protagonista vai ao fundo do poço, e claro que isso é romantizado, mas o que importa (e aqui voltamos na proposta narrativa) é a mensagem quase motivacional de resiliência.
Reparem que logo no inicio o diretor já avisa que o filme é sobre “mulheres fortes”, ou seja, se trata de uma tentativa de estabelecer uma visão de empoderamento feminino - que é válido, mas retórico. Disse tudo isso para afirmar que "Joy" (que aqui no Brasil ganhou o subtítulo de "O Nome do Sucesso") pode soar apressada, mas vai te fisgar de acordo com o olhar pela qual você receber a narrativa. Pessoalmente, achei o filme bom, interessante pelo ponto de vista da jornada do herói, mas especialmente válido por conhecer o desafio empreendedor e a vontade de vencer na vida da protagonista mesmo com tantas dificuldades.
É emocionante e divertido, mesmo que falhe como obra biográfica. Vale o play!
Quando "Joy" chegou aos cinemas em 2015, o filme veio carregado de críticas - umas coerentes, mas a maioria exagerada. Um filme que tem em seu arco principal a superação de uma personagem mulher em busca de um sonho empreendedor para mudar de vida definitivamente, como em "A Vida e a História de Madam C.J. Walker", precisa ser entendido e interpretado de acordo com sua proposta narrativa, não a partir da filmografia de seu diretor - no caso, David O. Russell que vinha de três grandes sucessos como "O Vencedor", "O Lado Bom da Vida" e "Trapaça", e ainda carregava a pressão de cinco indicações ao Oscar.
Inspirado em uma história real, o filme mostra a emocionante jornada de Joy (Jennifer Lawrence), uma mulher que é ferozmente determinada a manter sua excêntrica e disfuncional família unida em face da aparentemente e insuperável probabilidade de se dar mal. Motivada pela necessidade, engenhosidade e pelo sonho de uma vida melhor, Joy busca com todas as forças, triunfar como a fundadora e inventora do "esfregão", e assim se tornar a matriarca de um bilionário império que transformou sua vida e a de sua família. Confira o trailer:
Veja, talvez a história de Joy seja de fato mais interessante que o filme, mas em hipótese nenhuma podemos dizer que o filme é ruim - ele não é. Algumas escolhas narrativas de O. Russell, que também escreveu o roteiro, me pareceram equivocadas e destaco duas: a narração em off (e a escolha da personagem que faz isso) é ruim e a fixação em tentar encontrar paralelos com a Soap Opera que fez parte da vida de Joy e razão da inércia da sua mãe, pior ainda. Embora ambos sejam artifícios para cortar o caminho sempre complicado de colocar na tela uma biografia com tão pouco tempo de história, é de se notar a pretensão do diretor de querer ser genial - o que acaba sendo um desperdício de energia, pois a jornada de Joy por si só já entregaria uma conexão imediata com o público deixando espaço para algumas alegorias que ele sempre gostou de pontuar (e bem) em seu filmes.
Ao olharmos pelo prisma empreendedor, meu Deus, "Joy" é um retrato tão palpável, que mesmo no exagero do texto ainda sim nos identificamos com a jornada. Vemos como a vida espanca (sim, esse é o termo exato do que acontece) a protagonista diariamente para então acompanharmos como a determinação, a criatividade, a boa vontade, o trabalho e a esperança podem mudar o rumo das coisas. É impressionante como a protagonista vai ao fundo do poço, e claro que isso é romantizado, mas o que importa (e aqui voltamos na proposta narrativa) é a mensagem quase motivacional de resiliência.
Reparem que logo no inicio o diretor já avisa que o filme é sobre “mulheres fortes”, ou seja, se trata de uma tentativa de estabelecer uma visão de empoderamento feminino - que é válido, mas retórico. Disse tudo isso para afirmar que "Joy" (que aqui no Brasil ganhou o subtítulo de "O Nome do Sucesso") pode soar apressada, mas vai te fisgar de acordo com o olhar pela qual você receber a narrativa. Pessoalmente, achei o filme bom, interessante pelo ponto de vista da jornada do herói, mas especialmente válido por conhecer o desafio empreendedor e a vontade de vencer na vida da protagonista mesmo com tantas dificuldades.
É emocionante e divertido, mesmo que falhe como obra biográfica. Vale o play!
Algumas histórias mereciam ser contadas - essa, certamente, é uma delas e já te adianto: você vai se emocionar, mas não sem antes transitar por um turbilhão de sensações muito particulares. "Joy", dirigido por Ben Taylor (de "Sex Education"), é um filme realmente envolvente e inspirador que resgata um dos capítulos mais revolucionários (e controversos) da medicina moderna: o nascimento do primeiro "bebê de proveta" do mundo, Louise Joy Brown, em 1978. O filme mergulha na jornada de um grupo de pioneiros que enfrentaram imensa oposição social, religiosa e científica para realizar um avanço que transformaria a medicina reprodutiva. Assim como "Radioactive" ou "A Batalha da Correntes", "Joy" não é uma superprodução, mas uma experiência singular, que mistura a narrativa biográfica, com um toque de ciência e drama, destacando a luta pela inovação em um cenário marcado por ceticismo e resistência.
A trama acompanha a jovem enfermeira Jean Purdy (Thomasin McKenzie), o cientista Robert "Bob" Edwards (James Norton) e o cirurgião obstetra Patrick Steptoe (Bill Nighy), figuras centrais na busca pela fertilização in vitro (chamada de FIV). Em meio a críticas ferozes da mídia, resistência do establishment médico e condenações morais vindas da igreja e do estado, os três unem esforços para transformar o impossível em realidade. O nascimento de Louise Joy Brown, a primeira criança concebida fora do útero, torna-se o ápice dessa jornada, mas não sem antes revelar os desafios, sacrifícios e dilemas enfrentados pelos envolvidos. Confira o trailer e veja o que te espera:
Esse filme é um presente para Ben Taylor! Ele conduz a narrativa com uma abordagem equilibrada, combinando o rigor técnico dos procedimentos científicos com a humanidade dos personagens que ousaram desafiar o status quo. O diretor, sabendo das suas limitações de orçamento, opta por um tom mais intimista, mas que nunca perde de vista a importância histórica dos eventos retratados. Taylor vai pelo caminho de uma direção delicada e focada no fator humano, valorizando o impacto emocional do processo, tanto para os cientistas quanto para as pacientes que, no filme, representam a esperança de milhares (e milhares) de famílias. O roteiro de Jack Thorne (de "Extraordinário") é muito competente - seu recorte é inteligente, alternando entre os avanços científicos e as adversidades pessoais, sem atropelos. Seu texto traz diálogos que enfatizam o conflito entre progresso e a tradição - a ética médica e as implicações morais da FIV são discutidas em cenas que elevam a tensão, mas sem nunca perder a mão. O interessante é a forma como Thorne explora as dúvidas do público e da comunidade médica em uma distante década de 60 e 70; enquanto os protagonistas, obviamente, lutam para provar a validade de sua pesquisa. Veja, há uma crítica sutil ao conservadorismo institucional da época, que muitas vezes sacrificava o avanço da ciência em nome de crenças dogmáticas, mas saiba que esse não é o foco - a jornada que vale é a da inovação pelos olhos de quem quis mudar o mundo.
As performances do elenco são o coração do filme. McKenzie entrega uma atuação sensível e comovente, destacando a força e a dedicação de uma mulher que desempenhou um papel crucial, mas frequentemente ignorado na história da FIV - sua relação com a mãe e com a religião dão o tom daquela sociedade. Já o cientista Robert Edwards de Norton traz a paixão e o idealismo, equilibrando o brilho do visionário com os fardos que precisa carregar ao longo da pesquisa. E o cirurgião Patrick Steptoe do brilhante Bill Nighy traz um pragmatismo que contrasta com os ideais de Edwards, criando uma dinâmica envolvente entre os três protagonistas - ele é o estereótipo (no bom sentido) do médico mal humorado, mas simpático, que gostaríamos de ter ao nosso lado durante a vida.
Mesmo "feito para TV", "Joy" impressiona pela reconstrução de época, com figurinos, cenários e uma paleta de cores suaves que evocam o final dos anos 1960 e a década de 1970, o que nos permite uma imersão imediata naquela atmosfera. Mesmo que o filme busque um tom mais emocional e acessível, às vezes simplificando o debate científico e evitando confrontar as implicações mais complexas que a pesquisa trouxe à época, eu diria que "Joy" é um filme indispensável - uma celebração inspiradora do avanço científico e do espírito humano em busca de esperança e da inovação!
Simplesmente imperdível!
Algumas histórias mereciam ser contadas - essa, certamente, é uma delas e já te adianto: você vai se emocionar, mas não sem antes transitar por um turbilhão de sensações muito particulares. "Joy", dirigido por Ben Taylor (de "Sex Education"), é um filme realmente envolvente e inspirador que resgata um dos capítulos mais revolucionários (e controversos) da medicina moderna: o nascimento do primeiro "bebê de proveta" do mundo, Louise Joy Brown, em 1978. O filme mergulha na jornada de um grupo de pioneiros que enfrentaram imensa oposição social, religiosa e científica para realizar um avanço que transformaria a medicina reprodutiva. Assim como "Radioactive" ou "A Batalha da Correntes", "Joy" não é uma superprodução, mas uma experiência singular, que mistura a narrativa biográfica, com um toque de ciência e drama, destacando a luta pela inovação em um cenário marcado por ceticismo e resistência.
A trama acompanha a jovem enfermeira Jean Purdy (Thomasin McKenzie), o cientista Robert "Bob" Edwards (James Norton) e o cirurgião obstetra Patrick Steptoe (Bill Nighy), figuras centrais na busca pela fertilização in vitro (chamada de FIV). Em meio a críticas ferozes da mídia, resistência do establishment médico e condenações morais vindas da igreja e do estado, os três unem esforços para transformar o impossível em realidade. O nascimento de Louise Joy Brown, a primeira criança concebida fora do útero, torna-se o ápice dessa jornada, mas não sem antes revelar os desafios, sacrifícios e dilemas enfrentados pelos envolvidos. Confira o trailer e veja o que te espera:
Esse filme é um presente para Ben Taylor! Ele conduz a narrativa com uma abordagem equilibrada, combinando o rigor técnico dos procedimentos científicos com a humanidade dos personagens que ousaram desafiar o status quo. O diretor, sabendo das suas limitações de orçamento, opta por um tom mais intimista, mas que nunca perde de vista a importância histórica dos eventos retratados. Taylor vai pelo caminho de uma direção delicada e focada no fator humano, valorizando o impacto emocional do processo, tanto para os cientistas quanto para as pacientes que, no filme, representam a esperança de milhares (e milhares) de famílias. O roteiro de Jack Thorne (de "Extraordinário") é muito competente - seu recorte é inteligente, alternando entre os avanços científicos e as adversidades pessoais, sem atropelos. Seu texto traz diálogos que enfatizam o conflito entre progresso e a tradição - a ética médica e as implicações morais da FIV são discutidas em cenas que elevam a tensão, mas sem nunca perder a mão. O interessante é a forma como Thorne explora as dúvidas do público e da comunidade médica em uma distante década de 60 e 70; enquanto os protagonistas, obviamente, lutam para provar a validade de sua pesquisa. Veja, há uma crítica sutil ao conservadorismo institucional da época, que muitas vezes sacrificava o avanço da ciência em nome de crenças dogmáticas, mas saiba que esse não é o foco - a jornada que vale é a da inovação pelos olhos de quem quis mudar o mundo.
As performances do elenco são o coração do filme. McKenzie entrega uma atuação sensível e comovente, destacando a força e a dedicação de uma mulher que desempenhou um papel crucial, mas frequentemente ignorado na história da FIV - sua relação com a mãe e com a religião dão o tom daquela sociedade. Já o cientista Robert Edwards de Norton traz a paixão e o idealismo, equilibrando o brilho do visionário com os fardos que precisa carregar ao longo da pesquisa. E o cirurgião Patrick Steptoe do brilhante Bill Nighy traz um pragmatismo que contrasta com os ideais de Edwards, criando uma dinâmica envolvente entre os três protagonistas - ele é o estereótipo (no bom sentido) do médico mal humorado, mas simpático, que gostaríamos de ter ao nosso lado durante a vida.
Mesmo "feito para TV", "Joy" impressiona pela reconstrução de época, com figurinos, cenários e uma paleta de cores suaves que evocam o final dos anos 1960 e a década de 1970, o que nos permite uma imersão imediata naquela atmosfera. Mesmo que o filme busque um tom mais emocional e acessível, às vezes simplificando o debate científico e evitando confrontar as implicações mais complexas que a pesquisa trouxe à época, eu diria que "Joy" é um filme indispensável - uma celebração inspiradora do avanço científico e do espírito humano em busca de esperança e da inovação!
Simplesmente imperdível!
Se você gostou da série "Small Axe"e se identificou com a trama de "Os 7 de Chicago" ou de "Seberg", pode dar o play em "Judas e o Messias Negro" sem o menor medo de errar. Primeiro por se tratar do mesmo tema - a luta dos Panteras Negras e sua relação com o movimento dos direitos civis; e segundo por ser um filme simplesmente sensacional, um dos melhores do ano - inclusive indicado ao Oscar em 6 categorias.
Fred Hampton (Daniel Kaluuya) foi um ativista norte-americano taxado como uma grande ameaça pelo governo e pelo FBI. Presidente do Partido dos Panteras Negras em Chicago, dono de uma excelente oratória e de forte presença, o jovem foi considerado um dos responsáveis (ao lado de Bobby Seale e Huey P. Newton) pela luta dos direitos dos negros nos EUA pós-Martin Luther King. É quando William O’Neal (LaKeith Stanfield) acaba sendo obrigado pelo agente Roy Mitchell (Jesse Plemons) a se tornar um informante do FBI e se infiltrar no Partido com a tarefa de vigiar seu carismático líder em troca de liberdade por um crime que havia cometido. Acontece que a ligação entre eles vai se tornando cada vez mais especial, e o que parecia um missão relativamente tranquila, se torna um fantasma cada vez mais presente. Confira o trailer:
Muito bem dirigido por Shaka King, narrar a história real de uma figura tão particular como Fred Hampton, em um momento onde o tema "direitos civis" era facilmente encontrado em tantas produções de qualidade, por si só já trazia um enorme desafio para o Diretor. Não transformar "Judas e o Messias Negro" em uma outra versão de uma história que já havia sido contada, fez com que King mergulhasse nos questionamentos sobre os conflitos mais internos de um homem que não tinha para onde fugir - e é aqui que o elenco começa a se destacar, pois além de um Daniel Kaluuya impecável, LaKeith Stanfield direciona a narrativa para camadas muito mais interessantes que simplesmente o sentimento da raiva que temos ao ver a intensa brutalidade policial que se instaurou em solo norte-americano na década de 60.
A tensão de "Judas e o Messias Negro" é constante e incrivelmente amplificada por uma eletrizante trilha sonora de Mark Isham e Craig Harris. O plano-sequência inicial é um bom exemplo do que o filme vai nos provocar: nele acompanhamos o roubo de um carro logo depois de uma falsa apreensão feita por O’Neal em um bar frequentado exclusivamente por negros. O diretor usa de enquadramentos que ocultam o rosto do personagem para demonstrar como o simbolismo está presente em muitas passagens do roteiro: ali os desejos materiais simplesmente distorcem a essência do personagem e nos prepara para o que virá a seguir, mas sem precisar explicar demais.
Tecnicamente perfeito, o filme equilibra perfeitamente a luta diária dos Panteras Negras com as imperfeições de seus integrantes sem estereotipar nenhum personagem. O que vemos na tela é uma versão humana, quase documental, de todos os envolvidos naquela atmosfera de terror de Chicago. Veja, quando somos incapazes de julgar algumas atitudes depois de entender suas motivações, fica claro que a história tem muito mais a nos contar do que um pré-conceito estabelecido por posicionamento social ou politico. "Judas e o Messias Negro" é isso: uma aula de cinema, mas também de sensibilidade narrativa onde todo o elenco soube aproveitar muito bem esse presente de King.
Vale muito a pena!
Up-date: "Judas e o Messias Negro" ganhou em duas das seis categorias que disputou no Oscar 2021: Melhor Ator e Melhor Canção!
Se você gostou da série "Small Axe"e se identificou com a trama de "Os 7 de Chicago" ou de "Seberg", pode dar o play em "Judas e o Messias Negro" sem o menor medo de errar. Primeiro por se tratar do mesmo tema - a luta dos Panteras Negras e sua relação com o movimento dos direitos civis; e segundo por ser um filme simplesmente sensacional, um dos melhores do ano - inclusive indicado ao Oscar em 6 categorias.
Fred Hampton (Daniel Kaluuya) foi um ativista norte-americano taxado como uma grande ameaça pelo governo e pelo FBI. Presidente do Partido dos Panteras Negras em Chicago, dono de uma excelente oratória e de forte presença, o jovem foi considerado um dos responsáveis (ao lado de Bobby Seale e Huey P. Newton) pela luta dos direitos dos negros nos EUA pós-Martin Luther King. É quando William O’Neal (LaKeith Stanfield) acaba sendo obrigado pelo agente Roy Mitchell (Jesse Plemons) a se tornar um informante do FBI e se infiltrar no Partido com a tarefa de vigiar seu carismático líder em troca de liberdade por um crime que havia cometido. Acontece que a ligação entre eles vai se tornando cada vez mais especial, e o que parecia um missão relativamente tranquila, se torna um fantasma cada vez mais presente. Confira o trailer:
Muito bem dirigido por Shaka King, narrar a história real de uma figura tão particular como Fred Hampton, em um momento onde o tema "direitos civis" era facilmente encontrado em tantas produções de qualidade, por si só já trazia um enorme desafio para o Diretor. Não transformar "Judas e o Messias Negro" em uma outra versão de uma história que já havia sido contada, fez com que King mergulhasse nos questionamentos sobre os conflitos mais internos de um homem que não tinha para onde fugir - e é aqui que o elenco começa a se destacar, pois além de um Daniel Kaluuya impecável, LaKeith Stanfield direciona a narrativa para camadas muito mais interessantes que simplesmente o sentimento da raiva que temos ao ver a intensa brutalidade policial que se instaurou em solo norte-americano na década de 60.
A tensão de "Judas e o Messias Negro" é constante e incrivelmente amplificada por uma eletrizante trilha sonora de Mark Isham e Craig Harris. O plano-sequência inicial é um bom exemplo do que o filme vai nos provocar: nele acompanhamos o roubo de um carro logo depois de uma falsa apreensão feita por O’Neal em um bar frequentado exclusivamente por negros. O diretor usa de enquadramentos que ocultam o rosto do personagem para demonstrar como o simbolismo está presente em muitas passagens do roteiro: ali os desejos materiais simplesmente distorcem a essência do personagem e nos prepara para o que virá a seguir, mas sem precisar explicar demais.
Tecnicamente perfeito, o filme equilibra perfeitamente a luta diária dos Panteras Negras com as imperfeições de seus integrantes sem estereotipar nenhum personagem. O que vemos na tela é uma versão humana, quase documental, de todos os envolvidos naquela atmosfera de terror de Chicago. Veja, quando somos incapazes de julgar algumas atitudes depois de entender suas motivações, fica claro que a história tem muito mais a nos contar do que um pré-conceito estabelecido por posicionamento social ou politico. "Judas e o Messias Negro" é isso: uma aula de cinema, mas também de sensibilidade narrativa onde todo o elenco soube aproveitar muito bem esse presente de King.
Vale muito a pena!
Up-date: "Judas e o Messias Negro" ganhou em duas das seis categorias que disputou no Oscar 2021: Melhor Ator e Melhor Canção!
"Judy" é uma adaptação da peça teatral “End of the Rainbow” de Peter Quilte e mostra o último ano de vida de Judy Garland durante uma turnê de shows em Londres, no inverno de 1968. Com sérios problemas financeiros e sofrendo com os recentes divórcios, Judy se apoiava em remédios e álcool para lidar com a depressão e, principalmente, com a ausência dos filhos.
O filme é muito feliz ao buscar as razões e mostrar os reflexos que uma vida sem amor, sem infância e sob muita pressão pode causar em um ser humano - chega a ser cruel! De fato "Judy" não é uma novidade e muitas outras cinebiografias (como "Elis") e documentários (como "Amy") se apoiam no mesmo tema e entregam o mesmo final, mas é impossível não se emocionar com o excelente trabalho que Renée Zellweger faz no filme - visceral eu diria! Ela está irreconhecível no papel da protagonista, o que resultou nas duas indicações que o filme teve ao Oscar 2020: Melhor Atriz e Melhor Maquiagem e Penteado!
Já na primeira cena do filme temos a real noção da grandiosidade que foi a carreira Judy Garland. O diretor Rupert Goold, de "A História Verdadeira" de 2015, usa de um movimento de câmera bastante inventivo para nos mostrar o contraponto entre a maneira como Judy via sua vida e o que realmente representava sua carreira logo após ganhar o papel de Dorothy em "‘O Mágico de Oz" de 1939. O salto temporal para mais de 30 anos depois mostra o resultado dessa magnitude e é aí que Renée Zellweger chama o filme para ela - esse é o tipo do papel que todo atriz sonha em fazer, pois se trata de uma personagem complexa, afogada pelos fantasmas do passado e sem nenhuma noção da realidade. É um turbilhão de emoções, de fraquezas e de sentimentos que se dissolvem em um único momento: no prazer de ser quem é e de fazer o que quer, aproveitando de um talento muito (mas muito) acima da média - aliás, o roteiro constrói muito bem essa realidade quando o executivo da MGM diz que existiam meninas tão lindas quanto Judy em qualquer lugar dos Estados Unidos, mas com uma voz igual...
A fotografia de Ole Bratt Birkeland (The Crown) é belíssima e aproveita muito bem o trabalho do departamento de arte com cenários luxuosos e um figurino cheio de extravagâncias - mas, detalhe: sem nunca sair fora do tom! O filme trabalha muito bem o colorido do showbiz com a monocromática tristeza de Judy e isso gera uma angústia enorme em quem assiste, pois nunca sabemos quando uma vai se sobrepor a outra - é como se estivéssemos sempre tensos observando uma bomba prestes à explodir. Judy Garland era uma bomba relógio, para o bem e para o mal! É possível observar no roteiro de Tom Edge (também de "The Crown") elementos extremamente teatrais como quando os fãs de Judy ajudam ela a cantar em um dos shows, mas isso não estraga a experiência de quem assiste, pois a Renée Zellweger nos convida a mergulhar naquela história que nem nos incomodamos com a forma, apenas nos emocionamos com o conteúdo!
"Judy" é um filme que já vimos, mas que servirá para sacramentar o renascimento de Zellweger - uma atriz que teve grandes momentos com o "Diário de Bridget Jones", com "Chicago" e o seu ápice com "Cold Mountain" (que, inclusive, lhe rendeu o Oscar de atriz coadjuvante em 2004). Mesmo exagerada e muitas vezes caricata, sua expressão corporal é impressionante - ela se contorce em sua dor íntima ao mesmo tempo em que se impõe na força de quem ainda tem um talento absurdo, mesmo insegura, mesmo infeliz! Renée Zellweger é tão favorita quanto Joaquin Phoenix com "Coringa" e é a principal razão para assistir "Judy"!
Up-date: "Judy" ganhou em uma categoria no Oscar 2020: Melhor Atriz!
"Judy" é uma adaptação da peça teatral “End of the Rainbow” de Peter Quilte e mostra o último ano de vida de Judy Garland durante uma turnê de shows em Londres, no inverno de 1968. Com sérios problemas financeiros e sofrendo com os recentes divórcios, Judy se apoiava em remédios e álcool para lidar com a depressão e, principalmente, com a ausência dos filhos.
O filme é muito feliz ao buscar as razões e mostrar os reflexos que uma vida sem amor, sem infância e sob muita pressão pode causar em um ser humano - chega a ser cruel! De fato "Judy" não é uma novidade e muitas outras cinebiografias (como "Elis") e documentários (como "Amy") se apoiam no mesmo tema e entregam o mesmo final, mas é impossível não se emocionar com o excelente trabalho que Renée Zellweger faz no filme - visceral eu diria! Ela está irreconhecível no papel da protagonista, o que resultou nas duas indicações que o filme teve ao Oscar 2020: Melhor Atriz e Melhor Maquiagem e Penteado!
Já na primeira cena do filme temos a real noção da grandiosidade que foi a carreira Judy Garland. O diretor Rupert Goold, de "A História Verdadeira" de 2015, usa de um movimento de câmera bastante inventivo para nos mostrar o contraponto entre a maneira como Judy via sua vida e o que realmente representava sua carreira logo após ganhar o papel de Dorothy em "‘O Mágico de Oz" de 1939. O salto temporal para mais de 30 anos depois mostra o resultado dessa magnitude e é aí que Renée Zellweger chama o filme para ela - esse é o tipo do papel que todo atriz sonha em fazer, pois se trata de uma personagem complexa, afogada pelos fantasmas do passado e sem nenhuma noção da realidade. É um turbilhão de emoções, de fraquezas e de sentimentos que se dissolvem em um único momento: no prazer de ser quem é e de fazer o que quer, aproveitando de um talento muito (mas muito) acima da média - aliás, o roteiro constrói muito bem essa realidade quando o executivo da MGM diz que existiam meninas tão lindas quanto Judy em qualquer lugar dos Estados Unidos, mas com uma voz igual...
A fotografia de Ole Bratt Birkeland (The Crown) é belíssima e aproveita muito bem o trabalho do departamento de arte com cenários luxuosos e um figurino cheio de extravagâncias - mas, detalhe: sem nunca sair fora do tom! O filme trabalha muito bem o colorido do showbiz com a monocromática tristeza de Judy e isso gera uma angústia enorme em quem assiste, pois nunca sabemos quando uma vai se sobrepor a outra - é como se estivéssemos sempre tensos observando uma bomba prestes à explodir. Judy Garland era uma bomba relógio, para o bem e para o mal! É possível observar no roteiro de Tom Edge (também de "The Crown") elementos extremamente teatrais como quando os fãs de Judy ajudam ela a cantar em um dos shows, mas isso não estraga a experiência de quem assiste, pois a Renée Zellweger nos convida a mergulhar naquela história que nem nos incomodamos com a forma, apenas nos emocionamos com o conteúdo!
"Judy" é um filme que já vimos, mas que servirá para sacramentar o renascimento de Zellweger - uma atriz que teve grandes momentos com o "Diário de Bridget Jones", com "Chicago" e o seu ápice com "Cold Mountain" (que, inclusive, lhe rendeu o Oscar de atriz coadjuvante em 2004). Mesmo exagerada e muitas vezes caricata, sua expressão corporal é impressionante - ela se contorce em sua dor íntima ao mesmo tempo em que se impõe na força de quem ainda tem um talento absurdo, mesmo insegura, mesmo infeliz! Renée Zellweger é tão favorita quanto Joaquin Phoenix com "Coringa" e é a principal razão para assistir "Judy"!
Up-date: "Judy" ganhou em uma categoria no Oscar 2020: Melhor Atriz!
"Julieta" é um filme de Pedro Almodóvar e isso, por si só, já nos prepara pelo que vem pela frente. Porém, Almodóvar vem surpreendendo - se não pela forma, pelo conteúdo. É impressionante como sua identidade como diretor está em cada frame, mas cada vez mais com um certo tom inventivo, agora carregando no drama e na densidade, saindo completamente da sua zona de conforto como roteirista - e vem funcionando.
A premissa é incrivelmente simples, já que o filme acompanha Julieta (Adriana Ugarte e depois Emma Suárez) que, ao longo de três décadas, tenta descobrir por que Antía (Priscilla Delgado e depois Blanca Parés), sua única filha, se afastou dela inesperadamente. Quando Julieta estava prestes a se mudar de Madrid para Portugal, um encontro inesperado a fez mudar de ideia e reviver sua relação como mãe. Ainda na Espanha, ela então começa a escrever uma carta para Antía, contando sua história e como se deu o relacionamento com os homens de sua vida. Confira o trailer:
Baseado em três contos do livro "Fugitiva", da vencedora do Prêmio Nobel Alice Munro, Almodóvar entrega seu talento na construção de uma personagem complexa, cheia de camadas e brilhantemente interpretado pela Emma Suárez - trabalho que lhe garantiu o prêmio Goya (o Oscar Espanhol em 2017). O interessante da performance de Suárez é que sua essência vai muito de encontro ao trabalho que Antônio Banderas teve em "Dor e Glória", onde ambosdesconstroem o personagem para encontrar no passado um sentido para lidar com o presente. Esse mergulho nostálgico, mas doloroso, está em cada detalhe - inclusive na escolha narrativa e na transição lírica que o diretor faz, aproximando o amargo da vida e suas profundas marcas de expressão já nascendo em um rosto jovem e se apoderando da sua versão mais madura.
O roteiro é, de fato, muito inteligente ao juntar as pontas soltas de uma história de vida com uma elegância impressionante. A quebra da linha temporal cria uma dinâmica interessante, conceitualmente pontuada por uma trilha sonora sombria (até over) - quase que antecipando os acontecimentos, mas adicionando sensações e sentimentos que vão da angústia até a culpa, do mistério ao óbvio, mesmo antes de entendermos exatamente o que está acontecendo e para onde a história vai nos guiar - é incrível como Almodóvar tem a capacidade de entregar as situações sem aquela pressa usual e ao mesmo tempo nos provocar curiosidade sem que percamos a paciência.
"Julieta" é na sua essência um filme de relações familiares. Um recorte de sentimentos (bons e ruins) que precisam ser revisitados para que a vida siga seu caminho natural. É um processo de amadurecimento do diretor que troca a ousadia de antes por uma serenidade profunda - sem perder o elemento provocativo das composições visuais e de suas mensagens mais poéticas e abstratas. É um "Almodóvar" - do tipo que o filme poderia ser uma pintura, mas que nos toca profundamente e que encontra na genialidade do diretor uma razão coerente para sua filmografia cada vez mais interiorizada, seja na figura de Julieta, da sua filha ou até do seu pai que repete justamente o mesmo ciclo que ela viveu.
Vale a pena para quem acompanha a carreira do diretor e para quem gosta da profundidade das relações e de como elas nos impactam.
"Julieta" é um filme de Pedro Almodóvar e isso, por si só, já nos prepara pelo que vem pela frente. Porém, Almodóvar vem surpreendendo - se não pela forma, pelo conteúdo. É impressionante como sua identidade como diretor está em cada frame, mas cada vez mais com um certo tom inventivo, agora carregando no drama e na densidade, saindo completamente da sua zona de conforto como roteirista - e vem funcionando.
A premissa é incrivelmente simples, já que o filme acompanha Julieta (Adriana Ugarte e depois Emma Suárez) que, ao longo de três décadas, tenta descobrir por que Antía (Priscilla Delgado e depois Blanca Parés), sua única filha, se afastou dela inesperadamente. Quando Julieta estava prestes a se mudar de Madrid para Portugal, um encontro inesperado a fez mudar de ideia e reviver sua relação como mãe. Ainda na Espanha, ela então começa a escrever uma carta para Antía, contando sua história e como se deu o relacionamento com os homens de sua vida. Confira o trailer:
Baseado em três contos do livro "Fugitiva", da vencedora do Prêmio Nobel Alice Munro, Almodóvar entrega seu talento na construção de uma personagem complexa, cheia de camadas e brilhantemente interpretado pela Emma Suárez - trabalho que lhe garantiu o prêmio Goya (o Oscar Espanhol em 2017). O interessante da performance de Suárez é que sua essência vai muito de encontro ao trabalho que Antônio Banderas teve em "Dor e Glória", onde ambosdesconstroem o personagem para encontrar no passado um sentido para lidar com o presente. Esse mergulho nostálgico, mas doloroso, está em cada detalhe - inclusive na escolha narrativa e na transição lírica que o diretor faz, aproximando o amargo da vida e suas profundas marcas de expressão já nascendo em um rosto jovem e se apoderando da sua versão mais madura.
O roteiro é, de fato, muito inteligente ao juntar as pontas soltas de uma história de vida com uma elegância impressionante. A quebra da linha temporal cria uma dinâmica interessante, conceitualmente pontuada por uma trilha sonora sombria (até over) - quase que antecipando os acontecimentos, mas adicionando sensações e sentimentos que vão da angústia até a culpa, do mistério ao óbvio, mesmo antes de entendermos exatamente o que está acontecendo e para onde a história vai nos guiar - é incrível como Almodóvar tem a capacidade de entregar as situações sem aquela pressa usual e ao mesmo tempo nos provocar curiosidade sem que percamos a paciência.
"Julieta" é na sua essência um filme de relações familiares. Um recorte de sentimentos (bons e ruins) que precisam ser revisitados para que a vida siga seu caminho natural. É um processo de amadurecimento do diretor que troca a ousadia de antes por uma serenidade profunda - sem perder o elemento provocativo das composições visuais e de suas mensagens mais poéticas e abstratas. É um "Almodóvar" - do tipo que o filme poderia ser uma pintura, mas que nos toca profundamente e que encontra na genialidade do diretor uma razão coerente para sua filmografia cada vez mais interiorizada, seja na figura de Julieta, da sua filha ou até do seu pai que repete justamente o mesmo ciclo que ela viveu.
Vale a pena para quem acompanha a carreira do diretor e para quem gosta da profundidade das relações e de como elas nos impactam.
"Jury Duty" é uma daquelas séries que se destaca muito mais pela sua originalidade do que propriamente pelo seu roteiro bem amarradinho, no entanto, posso te garantir que se você gosta do estilo "The Office" de narrativa, certamente você vai se apaixonar por esse projeto experimental criado pelo Lee Eisenberg (de "WeCrashed") e pelo Gene Stupnitsky (de "Hello Ladies"), ambos de "The Office", que surpreendeu os críticos (e o público) ao receber 4 indicações no Emmy de 2023, inclusive o de "Melhor Série de Comédia". Após 6 episódios de cerca de 30 minutos cada, o que eu posso adiantar sem prejudicar sua experiência, é que aqui temos um olhar divertido que vai muito além das curiosidades do sistema judicial americano durante um julgamento - na verdade encontramos mesmo é um ótimo recorte do comportamento humano sob a perspectiva de quem acredita que pode fazer a diferença para a sociedade e, principalmente, para o seu semelhante.
"Na Mira do Júri" (título que recebeu por aqui) acompanha o desenrolar de um julgamento nos Estados Unidos pela perspectiva de Ronald Gladden, um jovem que acredita estar participando de um documentário sobre os bastidores do caso enquanto atua como júri. No entanto, o que ele realmente não sabe é que todo esse julgamento é, na verdade, falso e encenado só por atores. Confira o teaser e sinta o clima:
A grande verdade é que "Jury Duty" não passa de uma grande e hilária pegadinha com o "coitado" do Ronald, no entanto o seu diferencial está na forma como a montagem contextualiza e conta essa história - e é aí que entra o estilo "The Office" que comentei acima. Extremamente fragmentada, toda essa complexa dinâmica narrativa é mostrada seguindo uma estrutura ficcional de tal maneira a nos prender tanto pela trama quanto pelo experimento que o próprio roteiro deixa claro existir a cada inicio de episódio. Se o julgamento soa propositalmente surreal demais, é de se elogiar como o diretor Jake Szymanski (de "Brooklyn Nine-Nine") conduz a série para normalizar isso - reparem como ele usa e abusa dos close-ups das reações de Ronald a cada absurdo que acontece no tribunal ou nas situações envolvendo seus companheiros de júri.
Outro ponto que nos ajuda a acreditar que de fato Ronald não percebe que tudo é falso é a forma inteligente com que Szymanski insere o fator documental na série - ter uma equipe de filmagem próxima aos atores, colhendo os depoimentos dos personagens como se fosse reais, se alinha perfeitamente com a proposta de criar uma sensação de intimidade e veracidade que justifica tantos microfones e câmeras pelo ambiente. Agora, o fator essencial, e que realmente merece o Emmy, sem qualquer receio de cravar a vitória, diz respeito ao trabalho da produtora de elenco Susie Farris (de "Mr. Robot"). O sucesso de "Jury Duty" está na capacidade do elenco em acreditar que mesmo dentro daquela atmosfera surreal, tudo não passa de uma extensão estereotipada do jeito com que cada um se relaciona com aquela história e isso é muito difícil de conseguir - então, palmas para Farris! Como diz a própria atriz Cassandra Blair que interpreta a desconfiada e sem paciência Vanessa Jenkins: "90% somos nós, 10% nossos personagens".
Com inúmeras câmeras escondidas, habilmente reveladas pela produção no último episódio (um gran finale belíssimo) que serve para atestar que o planejamento realmente se sobrepôs às possíveis dúvidas sobre a veracidade do resultado da experiência, eu diria que "Jury Duty", definitivamente, não é sobre o fato de Ronald estar sendo enganado ou eventualmente parecer fazer papel de bobo, é sim sobre a absurdidade dos eventos e como, presenciando tudo aquilo, uma pessoa comum reagiria a eles - e aqui cabe um comentário: a presença do ator James Marsden (de "X-Men"), como ele mesmo, e a relação dele com Ronald são as cerejas do bolo dessa maluquice toda. Olha, um golaço da Amazon!
Vale muito o seu play!
"Jury Duty" é uma daquelas séries que se destaca muito mais pela sua originalidade do que propriamente pelo seu roteiro bem amarradinho, no entanto, posso te garantir que se você gosta do estilo "The Office" de narrativa, certamente você vai se apaixonar por esse projeto experimental criado pelo Lee Eisenberg (de "WeCrashed") e pelo Gene Stupnitsky (de "Hello Ladies"), ambos de "The Office", que surpreendeu os críticos (e o público) ao receber 4 indicações no Emmy de 2023, inclusive o de "Melhor Série de Comédia". Após 6 episódios de cerca de 30 minutos cada, o que eu posso adiantar sem prejudicar sua experiência, é que aqui temos um olhar divertido que vai muito além das curiosidades do sistema judicial americano durante um julgamento - na verdade encontramos mesmo é um ótimo recorte do comportamento humano sob a perspectiva de quem acredita que pode fazer a diferença para a sociedade e, principalmente, para o seu semelhante.
"Na Mira do Júri" (título que recebeu por aqui) acompanha o desenrolar de um julgamento nos Estados Unidos pela perspectiva de Ronald Gladden, um jovem que acredita estar participando de um documentário sobre os bastidores do caso enquanto atua como júri. No entanto, o que ele realmente não sabe é que todo esse julgamento é, na verdade, falso e encenado só por atores. Confira o teaser e sinta o clima:
A grande verdade é que "Jury Duty" não passa de uma grande e hilária pegadinha com o "coitado" do Ronald, no entanto o seu diferencial está na forma como a montagem contextualiza e conta essa história - e é aí que entra o estilo "The Office" que comentei acima. Extremamente fragmentada, toda essa complexa dinâmica narrativa é mostrada seguindo uma estrutura ficcional de tal maneira a nos prender tanto pela trama quanto pelo experimento que o próprio roteiro deixa claro existir a cada inicio de episódio. Se o julgamento soa propositalmente surreal demais, é de se elogiar como o diretor Jake Szymanski (de "Brooklyn Nine-Nine") conduz a série para normalizar isso - reparem como ele usa e abusa dos close-ups das reações de Ronald a cada absurdo que acontece no tribunal ou nas situações envolvendo seus companheiros de júri.
Outro ponto que nos ajuda a acreditar que de fato Ronald não percebe que tudo é falso é a forma inteligente com que Szymanski insere o fator documental na série - ter uma equipe de filmagem próxima aos atores, colhendo os depoimentos dos personagens como se fosse reais, se alinha perfeitamente com a proposta de criar uma sensação de intimidade e veracidade que justifica tantos microfones e câmeras pelo ambiente. Agora, o fator essencial, e que realmente merece o Emmy, sem qualquer receio de cravar a vitória, diz respeito ao trabalho da produtora de elenco Susie Farris (de "Mr. Robot"). O sucesso de "Jury Duty" está na capacidade do elenco em acreditar que mesmo dentro daquela atmosfera surreal, tudo não passa de uma extensão estereotipada do jeito com que cada um se relaciona com aquela história e isso é muito difícil de conseguir - então, palmas para Farris! Como diz a própria atriz Cassandra Blair que interpreta a desconfiada e sem paciência Vanessa Jenkins: "90% somos nós, 10% nossos personagens".
Com inúmeras câmeras escondidas, habilmente reveladas pela produção no último episódio (um gran finale belíssimo) que serve para atestar que o planejamento realmente se sobrepôs às possíveis dúvidas sobre a veracidade do resultado da experiência, eu diria que "Jury Duty", definitivamente, não é sobre o fato de Ronald estar sendo enganado ou eventualmente parecer fazer papel de bobo, é sim sobre a absurdidade dos eventos e como, presenciando tudo aquilo, uma pessoa comum reagiria a eles - e aqui cabe um comentário: a presença do ator James Marsden (de "X-Men"), como ele mesmo, e a relação dele com Ronald são as cerejas do bolo dessa maluquice toda. Olha, um golaço da Amazon!
Vale muito o seu play!
Essa era uma história que merecia ser contada - e o interessante é que o protagonista não é exatamente um personagem que já conhecemos ou admiramos pela sua obra ou conquistas, embora essa percepção esteja completamente errada já que seu nome está diretamente ligado a dois fenômenos do esporte mundial: Venus e Serena Williams.
Motivado por uma visão clara do futuro brilhante de suas talentosas filhas e empregando métodos próprios e nada convencionais de treinamento, Richard (Will Smith) cria um plano detalhado para levar Venus e Serena Williams, das ruas de Compton, na Califórnia, para as quadras de todo o mundo, como lendas vivas do tênis. Profundamente comovente, o filme retrata a importância da família, da perseverança, do trabalho duro e da fé inabalável como instrumentos para alcançar o que para muitos parecia impossível e assim transformar para sempre a história de um esporte considerado até ali, branco e elitista. Confira o trailer:
Obviamente que assistimos esse excelente filme com aquela confortável sensação de que tudo vai dar certo no final, pois já conhecemos (mesmo que muitos superficialmente) a história de sucesso e o que vieram a representar Venus e Serena para o esporte mundial. Portanto, "King Richard" (que no Brasil ganhou o sugestivo e dispensável subtítulo de "Criando Campeãs") se trata de um filme sobre o que representou "a jornada" e não necessariamente "as conquistas"! O interessante, e um dos grandes acertos do roteiro, foi que o filme transformou essa jornada em um recorte bastante claro e importante de onde a trama poderia nos levar (e aqui assunto não é o esporte): o fato de termos duas personagens com um futuro brilhante pela frente, em momento algum impediu que o personagem título brilhasse - o foco é realmente o homem que nunca deixou de acreditar, de lutar, que errava tentando acertar e que, em muitos momentos, convivia com o medo de falhar como pai. Essa construção de camadas do personagem, brilhantemente interpretado por Smith, foi um verdadeiro golaço do roteirista estreante Zach Baylin (que vai assinar "Creed III" e que pode até surpreender como um dos indicados no próximo Oscar por esse trabalho).
Além de Will Smith, todo o elenco está impecável - é praticamente impossível não se apaixonar e depois torcer muito para as meninas tamanho é o carisma que a dinâmica familiar dos Williams traz. Saniyya Sidney como Venus e Demi Singleton como Serena são (e estão) incríveis, além, é claro, de mais um belíssimo trabalho da Aunjanue Ellis como Oracene 'Brandy' Williams. Existe um certo equilíbrio entre a leveza e a profundidade em diálogos que não fogem, em nenhum momento, de discussões duras (e delicadas) sobre racismo e desigualdade social - e esse mérito, sem dúvida, deve ser creditado aos atores.
Veja, o recente "O Quinto Set" também trabalha com muito cuidado e sensibilidade os dramas vividos pelos atletas e suas relações familiares fora das quadras (até com um tom mais independente da narrativa), mas talvez se distancie de "King Richard" por se tratar de uma obra de ficção - mesmo sendo cruelmente realista. Porém, também é preciso que se diga que o conceito visual da produção francesa, especialmente nos embates dentro das quadras, são infinitamente superiores ao que vemos aqui sob o comando do diretor Reinaldo Marcus Green. Essa talvez seja a única lacuna que "King Richard – Criando Campeãs" não conseguiu preencher - funciona bem no drama, mas perde no impacto visual da ação.
Cheio de curiosidades sobre os bastidores do tênis, o filme vai dialogar da mesma forma com aqueles que acompanham (e conhecem) o esporte e com outros que apenas se identificam com histórias de superação. Existe muita emoção na narrativa, algumas frases de efeito e um pouco de romantismo perante a jornada, mas te garanto: tudo isso funciona perfeitamente e só soma para a deliciosa experiência que é acompanhar a história de Richard e de Venus - o que deixa um enorme desafio pela frente: quem será capaz e quando a história de Serena será contada - porque o sarrafo agora está bem alto!
Vale cada segundo!
Up-date: "King Richard" foi indicado em seis categorias no Oscar 2022, ganhando em Melhor Ator.
Essa era uma história que merecia ser contada - e o interessante é que o protagonista não é exatamente um personagem que já conhecemos ou admiramos pela sua obra ou conquistas, embora essa percepção esteja completamente errada já que seu nome está diretamente ligado a dois fenômenos do esporte mundial: Venus e Serena Williams.
Motivado por uma visão clara do futuro brilhante de suas talentosas filhas e empregando métodos próprios e nada convencionais de treinamento, Richard (Will Smith) cria um plano detalhado para levar Venus e Serena Williams, das ruas de Compton, na Califórnia, para as quadras de todo o mundo, como lendas vivas do tênis. Profundamente comovente, o filme retrata a importância da família, da perseverança, do trabalho duro e da fé inabalável como instrumentos para alcançar o que para muitos parecia impossível e assim transformar para sempre a história de um esporte considerado até ali, branco e elitista. Confira o trailer:
Obviamente que assistimos esse excelente filme com aquela confortável sensação de que tudo vai dar certo no final, pois já conhecemos (mesmo que muitos superficialmente) a história de sucesso e o que vieram a representar Venus e Serena para o esporte mundial. Portanto, "King Richard" (que no Brasil ganhou o sugestivo e dispensável subtítulo de "Criando Campeãs") se trata de um filme sobre o que representou "a jornada" e não necessariamente "as conquistas"! O interessante, e um dos grandes acertos do roteiro, foi que o filme transformou essa jornada em um recorte bastante claro e importante de onde a trama poderia nos levar (e aqui assunto não é o esporte): o fato de termos duas personagens com um futuro brilhante pela frente, em momento algum impediu que o personagem título brilhasse - o foco é realmente o homem que nunca deixou de acreditar, de lutar, que errava tentando acertar e que, em muitos momentos, convivia com o medo de falhar como pai. Essa construção de camadas do personagem, brilhantemente interpretado por Smith, foi um verdadeiro golaço do roteirista estreante Zach Baylin (que vai assinar "Creed III" e que pode até surpreender como um dos indicados no próximo Oscar por esse trabalho).
Além de Will Smith, todo o elenco está impecável - é praticamente impossível não se apaixonar e depois torcer muito para as meninas tamanho é o carisma que a dinâmica familiar dos Williams traz. Saniyya Sidney como Venus e Demi Singleton como Serena são (e estão) incríveis, além, é claro, de mais um belíssimo trabalho da Aunjanue Ellis como Oracene 'Brandy' Williams. Existe um certo equilíbrio entre a leveza e a profundidade em diálogos que não fogem, em nenhum momento, de discussões duras (e delicadas) sobre racismo e desigualdade social - e esse mérito, sem dúvida, deve ser creditado aos atores.
Veja, o recente "O Quinto Set" também trabalha com muito cuidado e sensibilidade os dramas vividos pelos atletas e suas relações familiares fora das quadras (até com um tom mais independente da narrativa), mas talvez se distancie de "King Richard" por se tratar de uma obra de ficção - mesmo sendo cruelmente realista. Porém, também é preciso que se diga que o conceito visual da produção francesa, especialmente nos embates dentro das quadras, são infinitamente superiores ao que vemos aqui sob o comando do diretor Reinaldo Marcus Green. Essa talvez seja a única lacuna que "King Richard – Criando Campeãs" não conseguiu preencher - funciona bem no drama, mas perde no impacto visual da ação.
Cheio de curiosidades sobre os bastidores do tênis, o filme vai dialogar da mesma forma com aqueles que acompanham (e conhecem) o esporte e com outros que apenas se identificam com histórias de superação. Existe muita emoção na narrativa, algumas frases de efeito e um pouco de romantismo perante a jornada, mas te garanto: tudo isso funciona perfeitamente e só soma para a deliciosa experiência que é acompanhar a história de Richard e de Venus - o que deixa um enorme desafio pela frente: quem será capaz e quando a história de Serena será contada - porque o sarrafo agora está bem alto!
Vale cada segundo!
Up-date: "King Richard" foi indicado em seis categorias no Oscar 2022, ganhando em Melhor Ator.
"Kursk" é um filme dos mais interessantes, pois ele equilibra muito bem a superficialidade de um filme catástrofe e a profundidade de um drama real. Baseado no livro "A Time to Die", de Robert Moore, essa co-produção Bélgica / Luxemburgo / França se arrisca ao trazer um roteirista americano como Robert Rodat (notavelmente um profissional de grandes estúdios, indicado ao Oscar por "O Resgate do Soldado Ryan") e um diretor como o dinamarquês Thomas Vinterberg de "A Caça" (extremamente autoral e que privilegia muito mais as profundas relações humanas aos dramas superficiais do gênero) - o que eu quero dizer com isso é que "Kursk" tinha tudo para ser uma espécie de "Armageddon" no fundo do mar, mas a qualidade do diretor nos entrega um trabalho mais bem cuidado, intimista em muitos momentos, muito mais próximo de "Chernobyl" da HBO, por exemplo!
Em agosto de 2000, o submarino nuclear da marinha russa "Kursk" é naufragado durante um exercício nas águas do mar de Barents. Uma falha no controle de temperatura dos torpedos e dos mísseis que o submarino transportava, desencadeou uma série de explosões e praticamente dizimou a tripulação. Os 23 marinheiros que sobreviveram começam então uma luta contra o tempo na esperança pelo resgate. Acontece que a Marinha Russa está falida e a única alternativa de chegar ao submarino preso no fundo do mar é incapaz de concluir a missão por problemas técnicos. Um desastre seguido por uma negligência acentuada do governo russo que teme em aceitar a ajuda internacional e ter seus segredos bélicos descobertos. Eu diria que o filme é duro, de difícil digestão e muito angustiante (embora muitos ainda se recordam do final da história). Vale a pena, e mesmo com algumas "bengalas" do roteiro (que explicarei adiante), o filme é um ótimo entretenimento!
Ao entender a dinâmica do filme, fica impossível não pensar em quão rico seria se "Kursk" fosse uma série e houvesse um tempo maior para o desenvolvimento dos personagens, mesmo que em flashbacks. Digo isso porque, mesmo com o esforço do Diretor, dirigindo uma cena belíssima de casamento e mostrando a espirito de irmandade que aqueles soldados tinham um com o outro, não dá tempo para se estabelecer uma profunda relação que nos permita se importar tanto com os personagens. Elementos como um marinheiro recém-casado, uma esposa gravida, um filho pequeno; tudo isso está filme para cortar esse caminho, mas a verdade é que funciona pouco. Nossa agonia é muito mais com o sofrimento do ser humano do que por identificação com os personagens - a cena em que o capitão Mikhail Averin (Matthias Schoenaerts de "Ferrugem e Osso") mergulha em busca das capsulas de oxigênio é um ótimo exemplo: poderia ser qualquer outro personagem que a angústia seria a mesma e, posso garantir, é enorme! Outros elementos de gênero que estragam o roteiro, estereotipando cenas, personagens e servem de bengalas emocionais são as passagens onde os soldados cantam seu hino ou quando resolvem trazer a história do relógio no final - o primeiro não se trata do conteúdo em si, mas da forma. A cena poderia ter ficado muito mais dramática sem esse artificio - para mim já batido desde a época de Top Gun. O mesmo serve para o segundo elemento - esse relógio não representa nada, por mais que o roteiro se esforce para tonar o objeto algo importante ou sentimental para os personagens.
As cenas das esposas e a relação politica das decisões sobre resgate são excelentes. Vinterberg cria uma atmosfera de vazio ao filmar lindos planos no conjunto habitacional da marinha onde todas as famílias dos soldados moram - lembram muito aquela decadência (ou precariedade) de Chernobyl dos anos 80 e fortalece muito a forma como a excelente Léa Seydoux se posiciona - ela é a esposa grávida (Tanya Averina) de Mikhail. É um trabalho de respeito! A fotografia do Anthony Dod Mantle (Quem quer ser um Milionário? e 127 Horas) é sensacional - não me surpreenderia se fosse indicado ao Oscar 2020! Aliás, dois pontos merecem nossa atenção: o desenho de som e a mixagem - muito bem construídos. Reparem como o som se propaga dentro do submarino e como ele quase desaparece nas explosões externas, mas mesmo assim nos causam um certo desespero. Os sustos que tomamos, a forma como os efeitos criam aquele clima de suspense; enfim, é sempre um desafio criar uma atmosfera debaixo da água - também colocaria como potenciais indicados.
Além da cena do mergulho em busca das capsulas de oxigênio que achei genial como foi realizada, existe um outra cena que talvez reflita tudo que comentei do filme no que diz respeito a qualidade técnica e artística - a cena do mini-submarino tentando se acoplar para fazer o resgate: é um câmera fixa, com efeito sonoros delicados, praticamente sem cortes (ou reações de personagens) e mesmo assim a tensão é altíssima - isso é sair do comum! Um outro momento muito delicado e sensível é o olhar do filho de Mikhail para o General burocrata Vladimir Petrenko (Max Von Sydon): simples, profunda e muito bem realizada - um exemplo de como o silêncio pode ser ensurdecedor!
É claro que por se tratar de um história real, nossa relação com o filme fica muito mais sensível, mas cinematograficamente falando, "Kursk" é mais um grande acerto do diretor Thomas Vinterberg - prestem muita atenção nos filmes desse cara porque valem muito a pena. Ele prova que tem a mesma capacidade para filmar cenas de explosão quanto de relações e sua escolha, muito pautada na força executiva do Luc Besson (do recente Anna), mostrou ter sido das mais acertadas.
"Kursk" é um filme dos mais interessantes, pois ele equilibra muito bem a superficialidade de um filme catástrofe e a profundidade de um drama real. Baseado no livro "A Time to Die", de Robert Moore, essa co-produção Bélgica / Luxemburgo / França se arrisca ao trazer um roteirista americano como Robert Rodat (notavelmente um profissional de grandes estúdios, indicado ao Oscar por "O Resgate do Soldado Ryan") e um diretor como o dinamarquês Thomas Vinterberg de "A Caça" (extremamente autoral e que privilegia muito mais as profundas relações humanas aos dramas superficiais do gênero) - o que eu quero dizer com isso é que "Kursk" tinha tudo para ser uma espécie de "Armageddon" no fundo do mar, mas a qualidade do diretor nos entrega um trabalho mais bem cuidado, intimista em muitos momentos, muito mais próximo de "Chernobyl" da HBO, por exemplo!
Em agosto de 2000, o submarino nuclear da marinha russa "Kursk" é naufragado durante um exercício nas águas do mar de Barents. Uma falha no controle de temperatura dos torpedos e dos mísseis que o submarino transportava, desencadeou uma série de explosões e praticamente dizimou a tripulação. Os 23 marinheiros que sobreviveram começam então uma luta contra o tempo na esperança pelo resgate. Acontece que a Marinha Russa está falida e a única alternativa de chegar ao submarino preso no fundo do mar é incapaz de concluir a missão por problemas técnicos. Um desastre seguido por uma negligência acentuada do governo russo que teme em aceitar a ajuda internacional e ter seus segredos bélicos descobertos. Eu diria que o filme é duro, de difícil digestão e muito angustiante (embora muitos ainda se recordam do final da história). Vale a pena, e mesmo com algumas "bengalas" do roteiro (que explicarei adiante), o filme é um ótimo entretenimento!
Ao entender a dinâmica do filme, fica impossível não pensar em quão rico seria se "Kursk" fosse uma série e houvesse um tempo maior para o desenvolvimento dos personagens, mesmo que em flashbacks. Digo isso porque, mesmo com o esforço do Diretor, dirigindo uma cena belíssima de casamento e mostrando a espirito de irmandade que aqueles soldados tinham um com o outro, não dá tempo para se estabelecer uma profunda relação que nos permita se importar tanto com os personagens. Elementos como um marinheiro recém-casado, uma esposa gravida, um filho pequeno; tudo isso está filme para cortar esse caminho, mas a verdade é que funciona pouco. Nossa agonia é muito mais com o sofrimento do ser humano do que por identificação com os personagens - a cena em que o capitão Mikhail Averin (Matthias Schoenaerts de "Ferrugem e Osso") mergulha em busca das capsulas de oxigênio é um ótimo exemplo: poderia ser qualquer outro personagem que a angústia seria a mesma e, posso garantir, é enorme! Outros elementos de gênero que estragam o roteiro, estereotipando cenas, personagens e servem de bengalas emocionais são as passagens onde os soldados cantam seu hino ou quando resolvem trazer a história do relógio no final - o primeiro não se trata do conteúdo em si, mas da forma. A cena poderia ter ficado muito mais dramática sem esse artificio - para mim já batido desde a época de Top Gun. O mesmo serve para o segundo elemento - esse relógio não representa nada, por mais que o roteiro se esforce para tonar o objeto algo importante ou sentimental para os personagens.
As cenas das esposas e a relação politica das decisões sobre resgate são excelentes. Vinterberg cria uma atmosfera de vazio ao filmar lindos planos no conjunto habitacional da marinha onde todas as famílias dos soldados moram - lembram muito aquela decadência (ou precariedade) de Chernobyl dos anos 80 e fortalece muito a forma como a excelente Léa Seydoux se posiciona - ela é a esposa grávida (Tanya Averina) de Mikhail. É um trabalho de respeito! A fotografia do Anthony Dod Mantle (Quem quer ser um Milionário? e 127 Horas) é sensacional - não me surpreenderia se fosse indicado ao Oscar 2020! Aliás, dois pontos merecem nossa atenção: o desenho de som e a mixagem - muito bem construídos. Reparem como o som se propaga dentro do submarino e como ele quase desaparece nas explosões externas, mas mesmo assim nos causam um certo desespero. Os sustos que tomamos, a forma como os efeitos criam aquele clima de suspense; enfim, é sempre um desafio criar uma atmosfera debaixo da água - também colocaria como potenciais indicados.
Além da cena do mergulho em busca das capsulas de oxigênio que achei genial como foi realizada, existe um outra cena que talvez reflita tudo que comentei do filme no que diz respeito a qualidade técnica e artística - a cena do mini-submarino tentando se acoplar para fazer o resgate: é um câmera fixa, com efeito sonoros delicados, praticamente sem cortes (ou reações de personagens) e mesmo assim a tensão é altíssima - isso é sair do comum! Um outro momento muito delicado e sensível é o olhar do filho de Mikhail para o General burocrata Vladimir Petrenko (Max Von Sydon): simples, profunda e muito bem realizada - um exemplo de como o silêncio pode ser ensurdecedor!
É claro que por se tratar de um história real, nossa relação com o filme fica muito mais sensível, mas cinematograficamente falando, "Kursk" é mais um grande acerto do diretor Thomas Vinterberg - prestem muita atenção nos filmes desse cara porque valem muito a pena. Ele prova que tem a mesma capacidade para filmar cenas de explosão quanto de relações e sua escolha, muito pautada na força executiva do Luc Besson (do recente Anna), mostrou ter sido das mais acertadas.
"La Casa de Papel" é uma série espanhola criada por Álex Pina que se tornou um fenômeno global meio que por acaso, conquistando milhões de fãs em todo o mundo e fazendo com que a plataforma que só tinha o direito de distribuição da primeira temporada investisse em mais alguns anos - que cá entre nós, se mostrou uma das decisões mais acertadas de empresa em muitos anos. A produção, que estreou na Netflix em 2017, tem todos os elementos que nos conquista, mas a relação da audiência com seus personagens, de fato, coloca o título em um outro patamar - os personagens são carismáticos e bem desenvolvidos, desde seu líder brilhante, mas também complexo e cheio de segredos, como todos os outros assaltantes também são interessantes, com suas próprias histórias e motivações.
Para quem não sabe, a série acompanha a história de um grupo de assaltantes liderados por um misterioso homem conhecido como "O Professor" (Álvaro Morte), cujo objetivo é realizar o maior assalto da história, roubando 2,4 bilhões de euros da Casa da Moeda Real da Espanha. Veja, embora não seja uma grande novidade (com cenas que já vimos em outros filmes), a forma como a trama é narrada é muito interessante, eu diria que é daquelas séries que surpreendem já no primeiro episódio e nos prendem até o final - e realmente temos um final. Confira o trailer:
"La Casa de Papel" segue uma linha narrativa bem parecida com alguns filmes da Espanha que fizeram muito sucesso na temporada 2017 - um drama (quase non-sense de absurdo) cheio de alívios cômicos inteligentes, muito contraste visual, extremamente bem produzido, com bons atores (atenção para o Pedro Alonso que interpreta o "Berlin") e um roteiro realmente bem construído - mesmo que exija certa suspensão da realidade para embarcar nas soluções "malucas" do Professor!
Um dos elementos que mais chamam a atenção em "La Casa de Papel" é a sua estética. A série é filmada com uma paleta de cores fortes e vibrantes, que criam uma atmosfera envolvente e cheia de energia. A direção também é muito dinâmica, com cenas de ação que são filmadas de forma primorosa - empolgante na sua essência. Outro ponto forte, e que alinha todos eles elementos visuais e narrativos, é sua trilha sonora. A música é usada de forma inteligente para potencializar a atmosfera certa em cada momento - as músicas clássicas, como "Bella Ciao", são criam um senso de nostalgia e emoção, enquanto as músicas eletrônicas são usadas para pontuar a tensão e o suspense.
O que dizer de Úrsula Corberó (Tóquio), Jaime Lorente (Denver), Miguel Herrán (Rio) e Esther Acebo (Estocolmo)? Como pontuei na introdução: a cereja do bolo de uma uma série imperdível que conquista o público de todas as idades com a alma - mesmo que fantasiada por uma dinâmica eletrizante, uma produção impecável e uma estética vibrante de cair o queixo. Se as últimas temporadas perdem o elemento "novidade", saiba que até lá já estamos apaixonados ao ponto de nem ligar para caminho que a trama seguiu, só queremos que aquela aventura nunca acabe mesmo!
Vale muito a pena!
"La Casa de Papel" é uma série espanhola criada por Álex Pina que se tornou um fenômeno global meio que por acaso, conquistando milhões de fãs em todo o mundo e fazendo com que a plataforma que só tinha o direito de distribuição da primeira temporada investisse em mais alguns anos - que cá entre nós, se mostrou uma das decisões mais acertadas de empresa em muitos anos. A produção, que estreou na Netflix em 2017, tem todos os elementos que nos conquista, mas a relação da audiência com seus personagens, de fato, coloca o título em um outro patamar - os personagens são carismáticos e bem desenvolvidos, desde seu líder brilhante, mas também complexo e cheio de segredos, como todos os outros assaltantes também são interessantes, com suas próprias histórias e motivações.
Para quem não sabe, a série acompanha a história de um grupo de assaltantes liderados por um misterioso homem conhecido como "O Professor" (Álvaro Morte), cujo objetivo é realizar o maior assalto da história, roubando 2,4 bilhões de euros da Casa da Moeda Real da Espanha. Veja, embora não seja uma grande novidade (com cenas que já vimos em outros filmes), a forma como a trama é narrada é muito interessante, eu diria que é daquelas séries que surpreendem já no primeiro episódio e nos prendem até o final - e realmente temos um final. Confira o trailer:
"La Casa de Papel" segue uma linha narrativa bem parecida com alguns filmes da Espanha que fizeram muito sucesso na temporada 2017 - um drama (quase non-sense de absurdo) cheio de alívios cômicos inteligentes, muito contraste visual, extremamente bem produzido, com bons atores (atenção para o Pedro Alonso que interpreta o "Berlin") e um roteiro realmente bem construído - mesmo que exija certa suspensão da realidade para embarcar nas soluções "malucas" do Professor!
Um dos elementos que mais chamam a atenção em "La Casa de Papel" é a sua estética. A série é filmada com uma paleta de cores fortes e vibrantes, que criam uma atmosfera envolvente e cheia de energia. A direção também é muito dinâmica, com cenas de ação que são filmadas de forma primorosa - empolgante na sua essência. Outro ponto forte, e que alinha todos eles elementos visuais e narrativos, é sua trilha sonora. A música é usada de forma inteligente para potencializar a atmosfera certa em cada momento - as músicas clássicas, como "Bella Ciao", são criam um senso de nostalgia e emoção, enquanto as músicas eletrônicas são usadas para pontuar a tensão e o suspense.
O que dizer de Úrsula Corberó (Tóquio), Jaime Lorente (Denver), Miguel Herrán (Rio) e Esther Acebo (Estocolmo)? Como pontuei na introdução: a cereja do bolo de uma uma série imperdível que conquista o público de todas as idades com a alma - mesmo que fantasiada por uma dinâmica eletrizante, uma produção impecável e uma estética vibrante de cair o queixo. Se as últimas temporadas perdem o elemento "novidade", saiba que até lá já estamos apaixonados ao ponto de nem ligar para caminho que a trama seguiu, só queremos que aquela aventura nunca acabe mesmo!
Vale muito a pena!