"La vie d'Adèle" (que internacionalmente recebeu o terrível título de "Azul é a cor mais quente") é excelente, embora seja, notavelmente, pesado!
Baseado em uma graphic novel francesa da autora Julie Maroh que a escreveu quando tinha 19 anos e levou cinco anos para terminar, o filme é uma bela história de amor, amadurecimento e se concentra nos primeiros anos da relação entre Adèle (Adèle Exarchopoulos), uma estudante que está descobrindo o sexo, e a pintora Emma (Léa Seydoux), poucos anos mais velha - sim, o filme, como o próprio nome original adianta, é sobre a vida de Adèle e nada mais, mas não se engane: o roteiro é cheio de camadas e tem uma profundidade impressionante! Confira o trailer:
O filme foi o vencedor da "Palme d'Or" em Cannes (2013) na categoria "Melhor Direção" e, pela primeira vez na história do Festival, o prêmio de "Melhor Atriz" foi dividido entre as duas protagonistas. De fato "Azul é a Cor Mais Quente" é muito bem dirigido pelo tunisiano Abdellatif Kechiche - ele usa e abusa dos planos fechados e foi capaz de tirar uma naturalidade impressionante com esse tipo de lente mais introspectiva, mesmo que as vezes possa nos chocar pela proximidade exagerada.
As duas atrizes também estão simplesmente perfeitas, mas o trabalho de Adèle Exarchopoulos me chamou mais atenção - o papel dela é dificílimo e ela, além de corajosa, foi capaz de construir uma personagem com alma, intensa e delicada ao mesmo tempo.
Olha, para quem gosta de filmes de relações, intenso, cheio de camadas, esse filme é simplesmente imperdível, mas saiba que não se trata de uma história fácil, seu conceito narrativo é denso e o roteiro não alivia. Vale muito a pena - esse é um dos melhores filmes de 2013 com a mais absoluta certeza e só não foi mais longe em algumas premiações pela ousadia, para muitos exagerada, de algumas cenas.
PS: O filme levou mais de 80 prêmios enquanto fazia carreira por vários festivais do mundo em que foi selecionado!
"La vie d'Adèle" (que internacionalmente recebeu o terrível título de "Azul é a cor mais quente") é excelente, embora seja, notavelmente, pesado!
Baseado em uma graphic novel francesa da autora Julie Maroh que a escreveu quando tinha 19 anos e levou cinco anos para terminar, o filme é uma bela história de amor, amadurecimento e se concentra nos primeiros anos da relação entre Adèle (Adèle Exarchopoulos), uma estudante que está descobrindo o sexo, e a pintora Emma (Léa Seydoux), poucos anos mais velha - sim, o filme, como o próprio nome original adianta, é sobre a vida de Adèle e nada mais, mas não se engane: o roteiro é cheio de camadas e tem uma profundidade impressionante! Confira o trailer:
O filme foi o vencedor da "Palme d'Or" em Cannes (2013) na categoria "Melhor Direção" e, pela primeira vez na história do Festival, o prêmio de "Melhor Atriz" foi dividido entre as duas protagonistas. De fato "Azul é a Cor Mais Quente" é muito bem dirigido pelo tunisiano Abdellatif Kechiche - ele usa e abusa dos planos fechados e foi capaz de tirar uma naturalidade impressionante com esse tipo de lente mais introspectiva, mesmo que as vezes possa nos chocar pela proximidade exagerada.
As duas atrizes também estão simplesmente perfeitas, mas o trabalho de Adèle Exarchopoulos me chamou mais atenção - o papel dela é dificílimo e ela, além de corajosa, foi capaz de construir uma personagem com alma, intensa e delicada ao mesmo tempo.
Olha, para quem gosta de filmes de relações, intenso, cheio de camadas, esse filme é simplesmente imperdível, mas saiba que não se trata de uma história fácil, seu conceito narrativo é denso e o roteiro não alivia. Vale muito a pena - esse é um dos melhores filmes de 2013 com a mais absoluta certeza e só não foi mais longe em algumas premiações pela ousadia, para muitos exagerada, de algumas cenas.
PS: O filme levou mais de 80 prêmios enquanto fazia carreira por vários festivais do mundo em que foi selecionado!
"Belfast" está para o diretor Kenneth Branagh da mesma forma como "Roma" foi para o Alfonso Cuarón - e não por acaso, o filme também chega como um dos favoritos ao Oscar 2022!
Buddy (Jude Hill) é um menino de nove anos que passa a questionar o caminho para a vida adulta no momento em que seu mundo vira de cabeça para baixo quando sua comunidade, estável e amorosa, passa a sofrer ataques e a fomentar a rivalidade entre famílias católicas e protestantes. A partir daí, tudo o que Buddy achava que entendia sobre a vida muda para sempre, mas sua alegria, seu sorriso, a música e a magia formativa dos filmes que ele sempre amou, passam a servir de combustível para ele enfrentar suas novas dificuldades. Confira o trailer:
"Belfast" retrata eventos verídicos de uma época conhecida na Irlanda como "The Troubles", tendo a população protestante de um lado, maioria e que queria mais proximidade com a Inglaterra, e do outro a população católica que, por sua vez, defendia a independência ou mesmo a integração da Irlanda do Norte com a Irlanda - obviamente que essa irracionalidade fez com que pequenos grupos (de ambos os lados) recorressem à violência e à rebelião a fim de resolverem seus impasses sócio-políticos.
Pois bem, buscando um equilíbrio conceitual e narrativo entre "Roma" e "Jojo Rabbit"(de Taika Waititi), o diretor e roteirista Kenneth Branagh foi extremamente feliz em abordar um conflito muito impactante para aquela sociedade (imagina para uma criança de 9 anos) e ainda sim manter a leveza e a simpatia da história graças a forma como Buddy enxergava aquele momento delicado. É claro que o filme carrega uma atmosfera de dor, de sofrimento, de memórias marcantes, ainda assim ele nos faz sorrir. Filmado em preto e branco e com uma fotografia irretocável do diretor Haris Zambarloukos (de "Locke") o conceito visual traz um carga emocional muito necessária para a trama ao mesmo tempo em que brinca com lúdico ao usar as cores apenas quando Buddy se relaciona com arte - essa perspectiva cria uma sensação nostálgica impressionante.
Se "Licorice Pizza" é o coming-of-age de Paul Thomas Anderson, "Belfast" é a versão do sub-gênero cheia de dor e sorrisos de Branagh - uma verdadeira celebração familiar, mesmo quando nossos olhos mais maduros entendem de outra forma o relacionamento (e as dificuldades) dos pais de Buddy, o casal Ma (Caitirona Balfe) e Pa (Jamie Dornan), ou a vida com marcas profundas de seus avós - com Judi Dench e Ciarán Hinds dando um show e justificando suas indicações como "coadjuvantes". O fato é que "Belfast" se apoia na intransigência ideológica de quem precisa rotular o ser humano para criticar as diferenças em vez de exaltar a pluralidade cultural, para contar uma história de dificuldades e receios, com muita ternura, amor e, principalmente, saudade!
Imperdível!
Up-date: "Belfast" foi indicado em sete categorias no Oscar 2022, inclusive Melhor Filme e ganhou em Melhor Roteiro.
"Belfast" está para o diretor Kenneth Branagh da mesma forma como "Roma" foi para o Alfonso Cuarón - e não por acaso, o filme também chega como um dos favoritos ao Oscar 2022!
Buddy (Jude Hill) é um menino de nove anos que passa a questionar o caminho para a vida adulta no momento em que seu mundo vira de cabeça para baixo quando sua comunidade, estável e amorosa, passa a sofrer ataques e a fomentar a rivalidade entre famílias católicas e protestantes. A partir daí, tudo o que Buddy achava que entendia sobre a vida muda para sempre, mas sua alegria, seu sorriso, a música e a magia formativa dos filmes que ele sempre amou, passam a servir de combustível para ele enfrentar suas novas dificuldades. Confira o trailer:
"Belfast" retrata eventos verídicos de uma época conhecida na Irlanda como "The Troubles", tendo a população protestante de um lado, maioria e que queria mais proximidade com a Inglaterra, e do outro a população católica que, por sua vez, defendia a independência ou mesmo a integração da Irlanda do Norte com a Irlanda - obviamente que essa irracionalidade fez com que pequenos grupos (de ambos os lados) recorressem à violência e à rebelião a fim de resolverem seus impasses sócio-políticos.
Pois bem, buscando um equilíbrio conceitual e narrativo entre "Roma" e "Jojo Rabbit"(de Taika Waititi), o diretor e roteirista Kenneth Branagh foi extremamente feliz em abordar um conflito muito impactante para aquela sociedade (imagina para uma criança de 9 anos) e ainda sim manter a leveza e a simpatia da história graças a forma como Buddy enxergava aquele momento delicado. É claro que o filme carrega uma atmosfera de dor, de sofrimento, de memórias marcantes, ainda assim ele nos faz sorrir. Filmado em preto e branco e com uma fotografia irretocável do diretor Haris Zambarloukos (de "Locke") o conceito visual traz um carga emocional muito necessária para a trama ao mesmo tempo em que brinca com lúdico ao usar as cores apenas quando Buddy se relaciona com arte - essa perspectiva cria uma sensação nostálgica impressionante.
Se "Licorice Pizza" é o coming-of-age de Paul Thomas Anderson, "Belfast" é a versão do sub-gênero cheia de dor e sorrisos de Branagh - uma verdadeira celebração familiar, mesmo quando nossos olhos mais maduros entendem de outra forma o relacionamento (e as dificuldades) dos pais de Buddy, o casal Ma (Caitirona Balfe) e Pa (Jamie Dornan), ou a vida com marcas profundas de seus avós - com Judi Dench e Ciarán Hinds dando um show e justificando suas indicações como "coadjuvantes". O fato é que "Belfast" se apoia na intransigência ideológica de quem precisa rotular o ser humano para criticar as diferenças em vez de exaltar a pluralidade cultural, para contar uma história de dificuldades e receios, com muita ternura, amor e, principalmente, saudade!
Imperdível!
Up-date: "Belfast" foi indicado em sete categorias no Oscar 2022, inclusive Melhor Filme e ganhou em Melhor Roteiro.
Admito que na época que assisti “Blue Valentine” ou "Namorados Para Sempre" (como foi chamado por aqui), achei que fosse mais um filme independente sobre relações, feito por um diretor desconhecido e com atores ainda sem muita projeção - o que não seria demérito nenhum, mas como a experiência me dizia: tinha 50% de chances de funcionar bem. Pois bem, depois dos primeiros 30 minutos de filme, fui obrigado a parar de assistir e ir pesquisar na internet quantos prêmios esse filme havia ganhado, pois tudo era muito bom!!!
A história de Cindy (Michelle Williams) e Dean (Ryan Gosling) que, casados há vários anos e com uma filha pequena, estão passando por um momento de crise, vendo o relacionamento ser contaminado por uma série de incertezas e inseguranças, me fisgou de cara! É lindo de ver a luta intima dos personagens para conseguir seguir em frente e tentar superar todos os seus problemas, buscando no passado tudo aquilo que fez com que eles se apaixonassem um pelo outro, é visceral! Puxa, vale muito a pena!
A direção do "novato" Derek Cianfrance é perfeita, com enquadramentos menos usuais (cheio de closes), com uma câmera mais solta, movimentos leves, uma fotografia linda do ucraniano Andrij Parekh; enfim, tem tudo que eu mais prezo em um filme sensível com esse tema - juro que fiquei de boca aberta na época! O trabalho do casal de protagonistas é perfeita (e foi nessa pesquisa que descobri que ela rendeu uma indicação ao Oscar de melhor atriz para Michelle Willians em 2011). Tudo me impressionou muito: do roteiro à direção! O que eu posso dizer depois dessa experiência é que acho incrível como um filme desses pode passar tão batido pelos cinemas, sem nenhuma grande promoção e depois ser pouco indicado para se assistir no streaming! Lembro, que me senti um desatento!
“Blue Valentine”é duro, difícil, mas ao mesmo tempo gera uma reflexão profunda devido a forma como a história é contada e isso faz dele único! Nossa, vale muito a pena assistir e acompanhem esse diretor: Derek Cianfrance. Ele é muito bom e por esse filme ganhou muitos prêmios como o diretor mais promissor do ano!!!! Olha, se você, como eu, não se deu conta que esse filme poderia ser muito bom, assista imediatamente!
Admito que na época que assisti “Blue Valentine” ou "Namorados Para Sempre" (como foi chamado por aqui), achei que fosse mais um filme independente sobre relações, feito por um diretor desconhecido e com atores ainda sem muita projeção - o que não seria demérito nenhum, mas como a experiência me dizia: tinha 50% de chances de funcionar bem. Pois bem, depois dos primeiros 30 minutos de filme, fui obrigado a parar de assistir e ir pesquisar na internet quantos prêmios esse filme havia ganhado, pois tudo era muito bom!!!
A história de Cindy (Michelle Williams) e Dean (Ryan Gosling) que, casados há vários anos e com uma filha pequena, estão passando por um momento de crise, vendo o relacionamento ser contaminado por uma série de incertezas e inseguranças, me fisgou de cara! É lindo de ver a luta intima dos personagens para conseguir seguir em frente e tentar superar todos os seus problemas, buscando no passado tudo aquilo que fez com que eles se apaixonassem um pelo outro, é visceral! Puxa, vale muito a pena!
A direção do "novato" Derek Cianfrance é perfeita, com enquadramentos menos usuais (cheio de closes), com uma câmera mais solta, movimentos leves, uma fotografia linda do ucraniano Andrij Parekh; enfim, tem tudo que eu mais prezo em um filme sensível com esse tema - juro que fiquei de boca aberta na época! O trabalho do casal de protagonistas é perfeita (e foi nessa pesquisa que descobri que ela rendeu uma indicação ao Oscar de melhor atriz para Michelle Willians em 2011). Tudo me impressionou muito: do roteiro à direção! O que eu posso dizer depois dessa experiência é que acho incrível como um filme desses pode passar tão batido pelos cinemas, sem nenhuma grande promoção e depois ser pouco indicado para se assistir no streaming! Lembro, que me senti um desatento!
“Blue Valentine”é duro, difícil, mas ao mesmo tempo gera uma reflexão profunda devido a forma como a história é contada e isso faz dele único! Nossa, vale muito a pena assistir e acompanhem esse diretor: Derek Cianfrance. Ele é muito bom e por esse filme ganhou muitos prêmios como o diretor mais promissor do ano!!!! Olha, se você, como eu, não se deu conta que esse filme poderia ser muito bom, assista imediatamente!
"Cela 211" é um grande filme, mas não é uma grande produção - o que eu quero dizer é que o roteiro de Jorge Guerricaechevarría (El Bar) e do diretor Daniel Monzón (O Segredo de Kovak) merecia um orçamento de super-produção (tipo "Prison Break") - o que inviabilizaria o projeto; então será preciso fechar os olhos para a falta de cuidado no que acontece em segundo plano, mesmo tendo no foco da narrativa um grande ator como Luis Tosar (de "Quem com ferro fere"). É preciso dizer também que eram outros tempos, quando do lançamento de "Cela 211", uma era pré-streaming, portanto é natural essa dificuldade na produção, mas eu adianto: essas limitações pouco vão interferir na experiência imersiva que é assistir o filme!
Juan Oliver (Alberto Ammann) é um funcionário novato de uma prisão espanhola, que acaba sofrendo um acidente no seu primeiro dia de trabalho. Acontece que logo depois explode um motim justamente na área onde Oliver está sendo cuidado e que acaba sendo tomada pelos presos mais temidos e perigosos, encabeçado por Mala Madre (Luis Tosar). Para salvar suas vidas, os companheiros de Oliver fogem deixando ele desmaiado na cela 211 - a única vazia do pavilhão. Ao acordar, Oliver compreende o perigo da situação e resolve se passar por um presidiário perante os amotinados. A partir desse momento, o protagonista tem que sobreviver a base de mentiras até que tudo muda de uma hora para outra. Confira o trailer original, com legendas em inglês:
Vencedor de 8 prêmios Goya em 2010 (o Oscar Espanhol), entre eles o de Melhor Filme, superando, inclusive, o sensacional "O Segredo dos seus Olhos", "Cela 211" se estabelece como uma crítica pesada às condições precárias a que os presos são submetidos e ao funcionamento do sistema carcerário espanhol. Porém esse é só o pano fundo para discutir algo muito mais profundo: a capacidade que o "meio" tem de corromper até aqueles de caráter (aparentemente) inabalável - e o pior de tudo é que damos razão a essa transformação do personagem porque o sistema é realmente falho e muitas vezes até desleal.
Sem dúvida que o ponto alto do filme é a bem estruturada construção da personalidade complexa do protagonista, que vai de um extremo ao outro durante as quase duas horas de filme, sempre motivado por situações onde as próprias relações com os presos e com os funcionários do presídio, vão sendo propostas - essa transformação me lembrou muito uma imperdível minissérie da HBO chamada "The Night Of". Como Riz Ahmed lá, Ammann se apoia em pequenas expressões, sem apelar para o exagero, trazendo uma realidade brutal para seu personagem que chega a ser impressionante, enquanto Luis Tosar nos entrega um antagonista, líder entre os presidiários, Malamadre, controlado e assustador - ambas performances, inclusive, foram vencedoras no Goya.
"Cela 211" é mais um belo trabalho do cinema espanhol, com uma narrativa ágil e muito bem construída,que chega ao ápice no final do segundo ato com uma reviravolta surpreendente e, na minha opinião, extremamente corajosa. Aliás, o filme do talentoso Daniel Monzón, em nenhum momento cai na covardia de encontrar o caminho mais fácil, mesmo nas passagens mais previsíveis, ele encontra camadas que geram, no mínimo, certa angústia em quem assiste. Com um tom independente, "Cela 211" deve agradar a todos que buscam um bom drama com ótimos elementos de ação.
Vale a pena!
"Cela 211" é um grande filme, mas não é uma grande produção - o que eu quero dizer é que o roteiro de Jorge Guerricaechevarría (El Bar) e do diretor Daniel Monzón (O Segredo de Kovak) merecia um orçamento de super-produção (tipo "Prison Break") - o que inviabilizaria o projeto; então será preciso fechar os olhos para a falta de cuidado no que acontece em segundo plano, mesmo tendo no foco da narrativa um grande ator como Luis Tosar (de "Quem com ferro fere"). É preciso dizer também que eram outros tempos, quando do lançamento de "Cela 211", uma era pré-streaming, portanto é natural essa dificuldade na produção, mas eu adianto: essas limitações pouco vão interferir na experiência imersiva que é assistir o filme!
Juan Oliver (Alberto Ammann) é um funcionário novato de uma prisão espanhola, que acaba sofrendo um acidente no seu primeiro dia de trabalho. Acontece que logo depois explode um motim justamente na área onde Oliver está sendo cuidado e que acaba sendo tomada pelos presos mais temidos e perigosos, encabeçado por Mala Madre (Luis Tosar). Para salvar suas vidas, os companheiros de Oliver fogem deixando ele desmaiado na cela 211 - a única vazia do pavilhão. Ao acordar, Oliver compreende o perigo da situação e resolve se passar por um presidiário perante os amotinados. A partir desse momento, o protagonista tem que sobreviver a base de mentiras até que tudo muda de uma hora para outra. Confira o trailer original, com legendas em inglês:
Vencedor de 8 prêmios Goya em 2010 (o Oscar Espanhol), entre eles o de Melhor Filme, superando, inclusive, o sensacional "O Segredo dos seus Olhos", "Cela 211" se estabelece como uma crítica pesada às condições precárias a que os presos são submetidos e ao funcionamento do sistema carcerário espanhol. Porém esse é só o pano fundo para discutir algo muito mais profundo: a capacidade que o "meio" tem de corromper até aqueles de caráter (aparentemente) inabalável - e o pior de tudo é que damos razão a essa transformação do personagem porque o sistema é realmente falho e muitas vezes até desleal.
Sem dúvida que o ponto alto do filme é a bem estruturada construção da personalidade complexa do protagonista, que vai de um extremo ao outro durante as quase duas horas de filme, sempre motivado por situações onde as próprias relações com os presos e com os funcionários do presídio, vão sendo propostas - essa transformação me lembrou muito uma imperdível minissérie da HBO chamada "The Night Of". Como Riz Ahmed lá, Ammann se apoia em pequenas expressões, sem apelar para o exagero, trazendo uma realidade brutal para seu personagem que chega a ser impressionante, enquanto Luis Tosar nos entrega um antagonista, líder entre os presidiários, Malamadre, controlado e assustador - ambas performances, inclusive, foram vencedoras no Goya.
"Cela 211" é mais um belo trabalho do cinema espanhol, com uma narrativa ágil e muito bem construída,que chega ao ápice no final do segundo ato com uma reviravolta surpreendente e, na minha opinião, extremamente corajosa. Aliás, o filme do talentoso Daniel Monzón, em nenhum momento cai na covardia de encontrar o caminho mais fácil, mesmo nas passagens mais previsíveis, ele encontra camadas que geram, no mínimo, certa angústia em quem assiste. Com um tom independente, "Cela 211" deve agradar a todos que buscam um bom drama com ótimos elementos de ação.
Vale a pena!
Um filme lindo, mas que machuca profundamente! "Close" é uma raridade que vai além da nossa compreensão como audiência que está sempre em busca do "algo mais"! Sim, essa produção belga que concorreu ao Oscar de "Melhor Filme Internacional" em 2023 chega cheia de simbolismo, de honestidade, de sensibilidade - esse é um filme que sinceramente está longe de ser um entretenimento usual, eu diria até que, mais do que assistir, "Close" merece ser sentido! Dirigido pelo jovem e talentoso Lukas Dhont (de "Girl - O Florescer de Uma Garota"), "Close" nos presenteia com uma história de amizade verdadeira pela perspectiva de um olhar mais íntimo, apoiado na delicadeza das nuances não-ditas em uma atmosfera de emoções que transita perfeitamente entre a felicidade e a dor de uma maneira que dificilmente encontramos retratadas com tanta veracidade e respeito, nas telas.
Basicamente, o filme gira em trono de Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav De Waele), dois garotos de 13 anos que, unidos por um laço até então inquebrável, veem sua relação abalada após um evento inexplicavelmente trágico, deixando marcas que nunca mais poderão ser esquecidas. Confira o trailer (com legendas em inglês):
Ao assistir "Close" você vai entender perfeitamente o verdadeiro poder do silêncio como forma de comunicação. O exercício cinematográfico que Dhont impõe para o seu elenco é de se aplaudir de pé - pela proposta e pelo seu impressionante resultado. A performance do elenco está tão alinhada ao conceito narrativo sugerido pelo diretor, que temos a exata impressão de estarmos mergulhando em um complexo universo de sentimentos e sensações, onde a dor da perda se entrelaça com a beleza da saudade e a angústia da busca por respostas. Mais do que um filme sobre amizade adolescente, "Close" é um estudo honesto sobre masculinidade (e o preconceito) em suas mais diversas camadas, explorando temas como a repressão emocional, o bullying, a homofobia e a dificuldade de lidar com o luto.
Visualmente poético, a fotografia do veterano Frank van den Eeden (de 'Animals") captura a beleza pulsante da juventude com a mesma classe com que usa certos tons melancólicos e etéreos para retratar os eventos marcantes do roteiro. Veja, Eeden sabe o valor do simbolismo como estilo visual e não por acaso ele evoca, com o equilíbrio entre as lentes mais abertas e os super close-ups, o desfocado das paisagens em segundo plano com os personagens lindamente enquadrados em primeiro, os movimentos de câmera lineares de um lado e os nervosos do outro, "As flores do mal" de Charles Baudelaire - é como se aquele teor metafísico trouxesse a musicalidade para a alienação social ou o rigor formal criasse um caráter mais sinestésico para o filme. Reparem como seus planos são como uma pintura que utiliza cores vivas para se apropriar de uma temática mais onírica. enquanto a trilha sonora composta por Valentin Hadjadj emoldura perfeitamente cada cena com uma melodia, de fato, tocante.
Por tudo isso classifico "Close" como uma jornada sensorial e emocional que nos provoca refletir sobre os laços que nos unem, a fragilidade da vida e a importância de lidar com a dor de forma honesta e autêntica. Se as atuações de Dambrine e De Waele são arrebatadoras, transbordando química e emoção a cada cena, o que dizer do trabalho irretocável de Émilie Dequenne como a mãe Rémi? Nada em "Close" merece ser deixado de lado, seja na proposta de explorar as dores da adolescência de uma maneira bastante realista ou até como o filme traz para os holofotes os desafios e cuidados para com os jovens que reprimem suas emoções e acabam não suportando essa pressão!
Se prepare uma obra em que gestos, cores e silêncios falam mais alto do que as próprias palavras. Vale muito o seu play!
Um filme lindo, mas que machuca profundamente! "Close" é uma raridade que vai além da nossa compreensão como audiência que está sempre em busca do "algo mais"! Sim, essa produção belga que concorreu ao Oscar de "Melhor Filme Internacional" em 2023 chega cheia de simbolismo, de honestidade, de sensibilidade - esse é um filme que sinceramente está longe de ser um entretenimento usual, eu diria até que, mais do que assistir, "Close" merece ser sentido! Dirigido pelo jovem e talentoso Lukas Dhont (de "Girl - O Florescer de Uma Garota"), "Close" nos presenteia com uma história de amizade verdadeira pela perspectiva de um olhar mais íntimo, apoiado na delicadeza das nuances não-ditas em uma atmosfera de emoções que transita perfeitamente entre a felicidade e a dor de uma maneira que dificilmente encontramos retratadas com tanta veracidade e respeito, nas telas.
Basicamente, o filme gira em trono de Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav De Waele), dois garotos de 13 anos que, unidos por um laço até então inquebrável, veem sua relação abalada após um evento inexplicavelmente trágico, deixando marcas que nunca mais poderão ser esquecidas. Confira o trailer (com legendas em inglês):
Ao assistir "Close" você vai entender perfeitamente o verdadeiro poder do silêncio como forma de comunicação. O exercício cinematográfico que Dhont impõe para o seu elenco é de se aplaudir de pé - pela proposta e pelo seu impressionante resultado. A performance do elenco está tão alinhada ao conceito narrativo sugerido pelo diretor, que temos a exata impressão de estarmos mergulhando em um complexo universo de sentimentos e sensações, onde a dor da perda se entrelaça com a beleza da saudade e a angústia da busca por respostas. Mais do que um filme sobre amizade adolescente, "Close" é um estudo honesto sobre masculinidade (e o preconceito) em suas mais diversas camadas, explorando temas como a repressão emocional, o bullying, a homofobia e a dificuldade de lidar com o luto.
Visualmente poético, a fotografia do veterano Frank van den Eeden (de 'Animals") captura a beleza pulsante da juventude com a mesma classe com que usa certos tons melancólicos e etéreos para retratar os eventos marcantes do roteiro. Veja, Eeden sabe o valor do simbolismo como estilo visual e não por acaso ele evoca, com o equilíbrio entre as lentes mais abertas e os super close-ups, o desfocado das paisagens em segundo plano com os personagens lindamente enquadrados em primeiro, os movimentos de câmera lineares de um lado e os nervosos do outro, "As flores do mal" de Charles Baudelaire - é como se aquele teor metafísico trouxesse a musicalidade para a alienação social ou o rigor formal criasse um caráter mais sinestésico para o filme. Reparem como seus planos são como uma pintura que utiliza cores vivas para se apropriar de uma temática mais onírica. enquanto a trilha sonora composta por Valentin Hadjadj emoldura perfeitamente cada cena com uma melodia, de fato, tocante.
Por tudo isso classifico "Close" como uma jornada sensorial e emocional que nos provoca refletir sobre os laços que nos unem, a fragilidade da vida e a importância de lidar com a dor de forma honesta e autêntica. Se as atuações de Dambrine e De Waele são arrebatadoras, transbordando química e emoção a cada cena, o que dizer do trabalho irretocável de Émilie Dequenne como a mãe Rémi? Nada em "Close" merece ser deixado de lado, seja na proposta de explorar as dores da adolescência de uma maneira bastante realista ou até como o filme traz para os holofotes os desafios e cuidados para com os jovens que reprimem suas emoções e acabam não suportando essa pressão!
Se prepare uma obra em que gestos, cores e silêncios falam mais alto do que as próprias palavras. Vale muito o seu play!
"Corpo e Alma" foi o representante Húngaro na disputa do Oscar 2018. Ele chegou com a validação por ter ganho o Urso de Ouro em Berlin em 2017. O filme conta a história de um homem e uma mulher, colegas de trabalho, que passam a se conhecer melhor e acabam descobrindo que eles sonham as mesmas coisas durante a noite. Com isso, eles decidem tornar essa relação incomum em algo real, apesar das dificuldades no mundo real. Confira o trailer:
"On Body and Soul" (título internacional)é tecnicamente muito bem realizado e tem uma história até que interessante - embora, tenha uma ou outra cena mais chocante envolvendo animais, porém apresentada de forma gratuita - muito mais para chocar do que para mover a história para frente. Até acho que faz algum sentido no contexto cruel daquele universo, mas, admito, marca demais!
Analisando isoladamente é um filme que te prende e te instiga assim que a trama central é apresentada. Os atores húngaros estão muito bem, com destaque para o Géza Morcsányi. Já a Alexandra Borbély, mais experiente, achei um pouco fora do tom, quase esteriotipada, mas como seu personagem pedia isso, certamente foi uma escolha justificada pelo contexto - penso que se não estivesse tão robótica ficaria mais fácil criar uma empatia. O fato é que em nenhum momento torci ou me preocupei com ela, talvez por isso não tenha gostado tanto do filme quanto gostei de "Loveless" e "The Square" que também estão na disputa pelo Oscar.
A diretora, Ildikó Enyedi, já havia ganho a Camera de Ouro em Cannes em 89 e vale a pena conhecer o trabalho dela. Ela não inventa, faz um cinema mais clássico e com muita qualidade. Gostei!
No geral, o filme é bacana. O cinema húngaro foi um novidade para mim, mas eu gostei do que vi e por isso indico tranquilamente!
"Corpo e Alma" foi o representante Húngaro na disputa do Oscar 2018. Ele chegou com a validação por ter ganho o Urso de Ouro em Berlin em 2017. O filme conta a história de um homem e uma mulher, colegas de trabalho, que passam a se conhecer melhor e acabam descobrindo que eles sonham as mesmas coisas durante a noite. Com isso, eles decidem tornar essa relação incomum em algo real, apesar das dificuldades no mundo real. Confira o trailer:
"On Body and Soul" (título internacional)é tecnicamente muito bem realizado e tem uma história até que interessante - embora, tenha uma ou outra cena mais chocante envolvendo animais, porém apresentada de forma gratuita - muito mais para chocar do que para mover a história para frente. Até acho que faz algum sentido no contexto cruel daquele universo, mas, admito, marca demais!
Analisando isoladamente é um filme que te prende e te instiga assim que a trama central é apresentada. Os atores húngaros estão muito bem, com destaque para o Géza Morcsányi. Já a Alexandra Borbély, mais experiente, achei um pouco fora do tom, quase esteriotipada, mas como seu personagem pedia isso, certamente foi uma escolha justificada pelo contexto - penso que se não estivesse tão robótica ficaria mais fácil criar uma empatia. O fato é que em nenhum momento torci ou me preocupei com ela, talvez por isso não tenha gostado tanto do filme quanto gostei de "Loveless" e "The Square" que também estão na disputa pelo Oscar.
A diretora, Ildikó Enyedi, já havia ganho a Camera de Ouro em Cannes em 89 e vale a pena conhecer o trabalho dela. Ela não inventa, faz um cinema mais clássico e com muita qualidade. Gostei!
No geral, o filme é bacana. O cinema húngaro foi um novidade para mim, mas eu gostei do que vi e por isso indico tranquilamente!
Antes de mais nada é preciso dizer que "Culpa" (Den Skyldige, no original) é um filmaço! Mas calma, ele pode não te agradar pela forma, mas nunca pelo conteúdo. Veja, se em "Locke", de 2013, Tom Hardy passou o filme inteiro em uma BMW falando no celular e mais recentemente "Calls"se tornou uma das melhores séries de ficção científica apenas nos mostrando os diálogos de pessoas falando no telefone, é de se esperar que uma dinâmica narrativa bem executada nem sempre precise de ação para contar uma boa história - apenas os diálogos e um bom trabalho do elenco é o suficiente para nos provocar sensações e sentimentos que transformam aquela jornada em uma experiência única.
A "Culpa" é justamente isso: o policial Asger Holm (Jakob Cedergren) está acostumado a trabalhar nas ruas de Copenhagen, mas devido a um conflito ético no trabalho, ele é direcionado para cuidar da mesa de emergências da polícia. Encarregado de receber ligações e transmitir às delegacias responsáveis, ele é surpreendido pela chamada de uma mulher desesperada, tentando comunicar o seu sequestro sem chamar a atenção do sequestrador. Infelizmente, ela precisa desligar antes de ser descoberta, de modo que Asger dispõe de poucas informações para encontrá-la. É aí que começa uma corrida contra o relógio para descobrir onde ela está, para mobilizar os policiais mais próximos e salvar a vítima antes que uma tragédia aconteça. Confira o trailer:
Esse premiadíssimo filme dinamarquês é mais um ótimo exemplo do casamento perfeito entre um roteiro excelente e uma atuação muito acima da média. Jakob Cedergren (Forbrydelsen) dá uma aula de interpretação ao se apropriar do silêncio para expor seus sentimentos mais profundos e, descaradamente, manipular nossas percepções sobre aquela situação que está vivendo. O roteiro escrito pelo diretor Gustav Möller ao lado de Emil Nygaard Albertsen, é extremamente eficiente em pontuar vários momentos de tensão sem ao menos precisar nos mostrar tudo que está acontecendo. O fato da história ser contada pelo olhar de um único personagem a partir do que só ele imagina, cria uma sensação de angustia quase que indescritível. Möller, ainda é muito perspicaz como diretor ao nos conceder algum tempo para que possamos recuperar o fôlego e aí seguir em frente, porém sua gramática cinematográfica só alimenta nossa expectativa e também nos convida a imaginar o que vai acontecer do outro lado linha a cada toque do telefone (ou quando acende a luz vermelha assim que uma chamado acontece). Além de explicar gradativamente o motivo de Asger estar afastado de suas funções, o roteiro constrói sua personalidade sem precisar ser didático demais - o que faz todo sentido pelas atitudes que o protagonista tem durante os 90 minutos de filme.
A montagem de Carla Luffe, que fez sua carreira na publicidade, é outro aspecto que merece bastante destaque - ela é capaz de aplicar aquele conceito do "menos é mais" tão comum quando precisamos contar uma boa história em pouco tempo. Embora a escassez de tempo não fosse uma preocupação aqui, imagine o quão monótono seria um filme onde tudo que vemos se resume a um homem enquadrado atrás de uma mesa com um fone na cabeça. Em "Culpa" não existe monotonia, e sim um mergulho profundo na pré concepção de nossos estigmas e (in)seguranças - por mais incoerente que possa parecer essa definição!
"Culpa" funciona muito bem como um suspense, mas é no drama que o filme ganha outro valor - no drama pessoal mais precisamente! É um exercício cinematográfico dos mais complicados transformar o público em personagens ativos da história e em "Culpa" temos a exata sensação de estar ao lado de Asger Holm, escutando sua conversa, sem saber exatamente o que está acontecendo, mas julgando pelas atitudes dele (que também não tem todas as ferramentas para fazer isso com segurança e... ética)!
Vale muito a pena!
Antes de mais nada é preciso dizer que "Culpa" (Den Skyldige, no original) é um filmaço! Mas calma, ele pode não te agradar pela forma, mas nunca pelo conteúdo. Veja, se em "Locke", de 2013, Tom Hardy passou o filme inteiro em uma BMW falando no celular e mais recentemente "Calls"se tornou uma das melhores séries de ficção científica apenas nos mostrando os diálogos de pessoas falando no telefone, é de se esperar que uma dinâmica narrativa bem executada nem sempre precise de ação para contar uma boa história - apenas os diálogos e um bom trabalho do elenco é o suficiente para nos provocar sensações e sentimentos que transformam aquela jornada em uma experiência única.
A "Culpa" é justamente isso: o policial Asger Holm (Jakob Cedergren) está acostumado a trabalhar nas ruas de Copenhagen, mas devido a um conflito ético no trabalho, ele é direcionado para cuidar da mesa de emergências da polícia. Encarregado de receber ligações e transmitir às delegacias responsáveis, ele é surpreendido pela chamada de uma mulher desesperada, tentando comunicar o seu sequestro sem chamar a atenção do sequestrador. Infelizmente, ela precisa desligar antes de ser descoberta, de modo que Asger dispõe de poucas informações para encontrá-la. É aí que começa uma corrida contra o relógio para descobrir onde ela está, para mobilizar os policiais mais próximos e salvar a vítima antes que uma tragédia aconteça. Confira o trailer:
Esse premiadíssimo filme dinamarquês é mais um ótimo exemplo do casamento perfeito entre um roteiro excelente e uma atuação muito acima da média. Jakob Cedergren (Forbrydelsen) dá uma aula de interpretação ao se apropriar do silêncio para expor seus sentimentos mais profundos e, descaradamente, manipular nossas percepções sobre aquela situação que está vivendo. O roteiro escrito pelo diretor Gustav Möller ao lado de Emil Nygaard Albertsen, é extremamente eficiente em pontuar vários momentos de tensão sem ao menos precisar nos mostrar tudo que está acontecendo. O fato da história ser contada pelo olhar de um único personagem a partir do que só ele imagina, cria uma sensação de angustia quase que indescritível. Möller, ainda é muito perspicaz como diretor ao nos conceder algum tempo para que possamos recuperar o fôlego e aí seguir em frente, porém sua gramática cinematográfica só alimenta nossa expectativa e também nos convida a imaginar o que vai acontecer do outro lado linha a cada toque do telefone (ou quando acende a luz vermelha assim que uma chamado acontece). Além de explicar gradativamente o motivo de Asger estar afastado de suas funções, o roteiro constrói sua personalidade sem precisar ser didático demais - o que faz todo sentido pelas atitudes que o protagonista tem durante os 90 minutos de filme.
A montagem de Carla Luffe, que fez sua carreira na publicidade, é outro aspecto que merece bastante destaque - ela é capaz de aplicar aquele conceito do "menos é mais" tão comum quando precisamos contar uma boa história em pouco tempo. Embora a escassez de tempo não fosse uma preocupação aqui, imagine o quão monótono seria um filme onde tudo que vemos se resume a um homem enquadrado atrás de uma mesa com um fone na cabeça. Em "Culpa" não existe monotonia, e sim um mergulho profundo na pré concepção de nossos estigmas e (in)seguranças - por mais incoerente que possa parecer essa definição!
"Culpa" funciona muito bem como um suspense, mas é no drama que o filme ganha outro valor - no drama pessoal mais precisamente! É um exercício cinematográfico dos mais complicados transformar o público em personagens ativos da história e em "Culpa" temos a exata sensação de estar ao lado de Asger Holm, escutando sua conversa, sem saber exatamente o que está acontecendo, mas julgando pelas atitudes dele (que também não tem todas as ferramentas para fazer isso com segurança e... ética)!
Vale muito a pena!
Poucos filmes me incomodaram tanto pela realidade brutal quanto "Depois de Lucia". Essa produção mexicana que recebeu o prêmio “Un Certain Regard”, no Festival de Cannes de 2012, discute o bullying de uma forma tão visceral que é quase insuportável assistir as quase duas horas de filme - ele é tão provocador e profundo na sua proposta que gostaríamos que a história durasse pelo menos mais trinta minutos para que todos os "pontos nos is" fossem colocados. De fato a sensação não é agradável, ou seja, não estamos falando de entretenimento, por outro lado, a mensagem que mais vinha na minha cabeça de pai (de menina) era: precisamos olhar pelos nossos filhos, sempre!
Quando a esposa de Roberto (Gonzalo Vega Jr.) morre em um acidente de carro, a relação dele com sua filha Alejandra (Tessa Ia), de 15 anos, fica abalada. Para escapar da tristeza que toma conta da rotina dos dois, pai e filha deixam a cidade de Vallarda e rumam para a Cidade do México em busca de uma nova vida. Alejandra ingressa em um novo colégio, e passa a sentir toda a dificuldade de começar de novo quando, gratuitamente, começa sofrer abusos físicos e emocionais dos colegas. Envergonhada, a menina não conta nada para o pai, e à medida que a violência toma conta da vida dos dois, eles vão se afastando cada vez mais. Confira o trailer:
Se é preciso falar sobre bullying, assistir "Depois de Lucia" é um bom começo - embora a jornada seja das mais penosas e não porquê o filme seja ruim, muito pelo contrário, mas porquê ele é muito bom! As sensações que o diretor Michel Franco consegue nos provocar são doloridas, reflexivas, revoltantes até. Aqui, é impossível não se conectar com Ale e, claro, entender as dores de Roberto - e o filme não se apropria de diálogos expositivos ou de qualquer tipo de verborragia, são as ações, muitas vezes em silêncio, que nos tocam a alma.
Se em "13 Reasons Why" o conceito narrativo se apropriou de uma linguagem mais jovem para equilibrar a seriedade do assunto com uma certa leveza visual para expor a influência dos personagens (e do meio) no destino da protagonista, em "Depois de Lucia" o tom é praticamente o inverso - o drama é pesado e o terror psicológico é quase o ponto de partida do segundo ato. Veja, Franco não economiza nos planos mais longos, cirurgicamente ensaiados e extremamente bem dirigidos em um mise-en-scène tão bem executado que chega a soar que os diálogos são improvisados dado o poder da naturalidade dos jovens atores - de todos. A câmera está sempre no lugar certo para contar a história, muitas vezes estática e abdicando da gramática usual do "plano e contra-plano", tudo isso para nos colocar na raiz do problema, no olho do furacão, com a terrível função de apenas observar, tornando o filme (e a experiência) bastante desconfortável.
Tecnicamente o bullying é um mecanismo grupal através de onde um bode expiatório, objeto de projeções maciças do grupo, é escolhido e sacrificado. É uma forma patológica de manejar as tensões do grupo, descarregando sobre um de seus membros, geralmente o mais frágil e indefeso, a agressividade de todos. Dito isso, não se pode fechar os olhos para o problema, já que muitas das atitudes do grupo se apoiam na desculpa da imaturidade para se safar das responsabilidades. O filme explora perfeitamente essa dinâmica e, mais uma vez, mesmo indigesto, consegue nos fazer refletir e, principalmente, abrir os olhos para um problema que só vem piorando, de geração para geração.
Se você já for pai, assista. Se ainda não for, esteja preparado.
Vale muito o seu play!
Poucos filmes me incomodaram tanto pela realidade brutal quanto "Depois de Lucia". Essa produção mexicana que recebeu o prêmio “Un Certain Regard”, no Festival de Cannes de 2012, discute o bullying de uma forma tão visceral que é quase insuportável assistir as quase duas horas de filme - ele é tão provocador e profundo na sua proposta que gostaríamos que a história durasse pelo menos mais trinta minutos para que todos os "pontos nos is" fossem colocados. De fato a sensação não é agradável, ou seja, não estamos falando de entretenimento, por outro lado, a mensagem que mais vinha na minha cabeça de pai (de menina) era: precisamos olhar pelos nossos filhos, sempre!
Quando a esposa de Roberto (Gonzalo Vega Jr.) morre em um acidente de carro, a relação dele com sua filha Alejandra (Tessa Ia), de 15 anos, fica abalada. Para escapar da tristeza que toma conta da rotina dos dois, pai e filha deixam a cidade de Vallarda e rumam para a Cidade do México em busca de uma nova vida. Alejandra ingressa em um novo colégio, e passa a sentir toda a dificuldade de começar de novo quando, gratuitamente, começa sofrer abusos físicos e emocionais dos colegas. Envergonhada, a menina não conta nada para o pai, e à medida que a violência toma conta da vida dos dois, eles vão se afastando cada vez mais. Confira o trailer:
Se é preciso falar sobre bullying, assistir "Depois de Lucia" é um bom começo - embora a jornada seja das mais penosas e não porquê o filme seja ruim, muito pelo contrário, mas porquê ele é muito bom! As sensações que o diretor Michel Franco consegue nos provocar são doloridas, reflexivas, revoltantes até. Aqui, é impossível não se conectar com Ale e, claro, entender as dores de Roberto - e o filme não se apropria de diálogos expositivos ou de qualquer tipo de verborragia, são as ações, muitas vezes em silêncio, que nos tocam a alma.
Se em "13 Reasons Why" o conceito narrativo se apropriou de uma linguagem mais jovem para equilibrar a seriedade do assunto com uma certa leveza visual para expor a influência dos personagens (e do meio) no destino da protagonista, em "Depois de Lucia" o tom é praticamente o inverso - o drama é pesado e o terror psicológico é quase o ponto de partida do segundo ato. Veja, Franco não economiza nos planos mais longos, cirurgicamente ensaiados e extremamente bem dirigidos em um mise-en-scène tão bem executado que chega a soar que os diálogos são improvisados dado o poder da naturalidade dos jovens atores - de todos. A câmera está sempre no lugar certo para contar a história, muitas vezes estática e abdicando da gramática usual do "plano e contra-plano", tudo isso para nos colocar na raiz do problema, no olho do furacão, com a terrível função de apenas observar, tornando o filme (e a experiência) bastante desconfortável.
Tecnicamente o bullying é um mecanismo grupal através de onde um bode expiatório, objeto de projeções maciças do grupo, é escolhido e sacrificado. É uma forma patológica de manejar as tensões do grupo, descarregando sobre um de seus membros, geralmente o mais frágil e indefeso, a agressividade de todos. Dito isso, não se pode fechar os olhos para o problema, já que muitas das atitudes do grupo se apoiam na desculpa da imaturidade para se safar das responsabilidades. O filme explora perfeitamente essa dinâmica e, mais uma vez, mesmo indigesto, consegue nos fazer refletir e, principalmente, abrir os olhos para um problema que só vem piorando, de geração para geração.
Se você já for pai, assista. Se ainda não for, esteja preparado.
Vale muito o seu play!
"Disque Jane" vai te surpreender! Primeiro por ser uma história baseada em fatos reais e segundo por ser uma jornada tão envolvente capaz de provocar, além de muitas reflexões, inúmeros questionamentos sobre o aborto. Agora é preciso dizer: é inegável o tom ativista do filme, por outro lado, o filme de estreia da até então roteirista Phyllis Nagy (indicada ao Oscar por "Carol" em 2015), consegue equilibrar muito bem uma trama pautada no processo de transformação da protagonista (na linha de "Breaking Bad"), com todo contexto politico e social da mulher na Chicago do final dos anos 60.
A vida feliz de Joy (Elizabeth Banks), junto de sua família, se desestabiliza quando a tão desejada gravidez passa a ser um risco para a sua vida. Temendo pelo pior, ela busca ajuda médica, que se recusa a ajuda-la pelas leis da época. Sua jornada para encontrar uma solução acaba a levando até o grupo chamado "Janes" (The Jane Collective), uma organização clandestina de mulheres que lhe dará uma alternativa mais segura para seu problema, em um processo que mudará sua vida para sempre. Confira o trailer (em inglês):
"Disque Jane" foi apresentado no Festival de Berlin em 2022 com potencial de levar o Urso de Ouro (que acabou ficando com o espanhol "Alcarrás" de Carla Simon) e sem dúvida que isso chancela o interesse da audiência em conhecer a história de Joy. No entanto, alguns elementos do roteiro escrito pela Hayley Schore e pelo Roshan Sethi parecem não se conectar com a proposta inicial de Nagy de apenas contar um boa história de empoderamento - existem alguns diálogos que saem um pouco do tom por justamente parecer lacrar demais. Isso não é um problema, eu diria, mas é inegável que incomoda, principalmente por deixar de lado embates muito mais interessantes sobre ética e, por consequência, conflitos morais que colocariam camadas mais profundas no amadurecimento da personagem. No final, a impressão que fica, é que fosse uma série, os roteiristas teriam um material maravilhoso para trabalhar - Kate Mara (como Lana) que o diga.
Chama atenção, sem a menor dúvida, a performance de Elizabeth Banks (fique atento ao trabalho dessa atriz, em breve ela estará no Oscar, pode apostar) - seu trabalho é muito consistente e, aqui, provavelmente o melhor de sua carreira. Banks tem a capacidade de despertar empatia mesmo quando notavelmente está cometendo um crime - reparem como ao longo do filme, em alguns momentos realmente dramáticos, ela equilibra tão bem o silêncio com o texto mais expositivo, que temos a exata noção do tamanho de sua dor (ou de suas dúvidas como mulher). Sigourney Weaver como a manda-chuva, Virginia, e Cory Michael Smith, como o jovem médico, Dean, também merecem elogios.
Mesmo que "Call Jane" (no original) passe essa sensação de pressa ou de superficialidade ao tentar fechar rapidamente todas as pontas que ficariam abertas, ainda assim considero o filme um ótimo drama, bem estruturado, bem dirigido (sem grandes destaques conceituais, é verdade) e com ótimas performances, capaz de colocar o dedo em alguns temas delicados que ainda hoje merecem o debate em todas as esferas da sociedade e que vão dialogar com grande parte da audiência feminina.
Pode dar o play sem medo que as conversas pós-créditos estão garantidas.
"Disque Jane" vai te surpreender! Primeiro por ser uma história baseada em fatos reais e segundo por ser uma jornada tão envolvente capaz de provocar, além de muitas reflexões, inúmeros questionamentos sobre o aborto. Agora é preciso dizer: é inegável o tom ativista do filme, por outro lado, o filme de estreia da até então roteirista Phyllis Nagy (indicada ao Oscar por "Carol" em 2015), consegue equilibrar muito bem uma trama pautada no processo de transformação da protagonista (na linha de "Breaking Bad"), com todo contexto politico e social da mulher na Chicago do final dos anos 60.
A vida feliz de Joy (Elizabeth Banks), junto de sua família, se desestabiliza quando a tão desejada gravidez passa a ser um risco para a sua vida. Temendo pelo pior, ela busca ajuda médica, que se recusa a ajuda-la pelas leis da época. Sua jornada para encontrar uma solução acaba a levando até o grupo chamado "Janes" (The Jane Collective), uma organização clandestina de mulheres que lhe dará uma alternativa mais segura para seu problema, em um processo que mudará sua vida para sempre. Confira o trailer (em inglês):
"Disque Jane" foi apresentado no Festival de Berlin em 2022 com potencial de levar o Urso de Ouro (que acabou ficando com o espanhol "Alcarrás" de Carla Simon) e sem dúvida que isso chancela o interesse da audiência em conhecer a história de Joy. No entanto, alguns elementos do roteiro escrito pela Hayley Schore e pelo Roshan Sethi parecem não se conectar com a proposta inicial de Nagy de apenas contar um boa história de empoderamento - existem alguns diálogos que saem um pouco do tom por justamente parecer lacrar demais. Isso não é um problema, eu diria, mas é inegável que incomoda, principalmente por deixar de lado embates muito mais interessantes sobre ética e, por consequência, conflitos morais que colocariam camadas mais profundas no amadurecimento da personagem. No final, a impressão que fica, é que fosse uma série, os roteiristas teriam um material maravilhoso para trabalhar - Kate Mara (como Lana) que o diga.
Chama atenção, sem a menor dúvida, a performance de Elizabeth Banks (fique atento ao trabalho dessa atriz, em breve ela estará no Oscar, pode apostar) - seu trabalho é muito consistente e, aqui, provavelmente o melhor de sua carreira. Banks tem a capacidade de despertar empatia mesmo quando notavelmente está cometendo um crime - reparem como ao longo do filme, em alguns momentos realmente dramáticos, ela equilibra tão bem o silêncio com o texto mais expositivo, que temos a exata noção do tamanho de sua dor (ou de suas dúvidas como mulher). Sigourney Weaver como a manda-chuva, Virginia, e Cory Michael Smith, como o jovem médico, Dean, também merecem elogios.
Mesmo que "Call Jane" (no original) passe essa sensação de pressa ou de superficialidade ao tentar fechar rapidamente todas as pontas que ficariam abertas, ainda assim considero o filme um ótimo drama, bem estruturado, bem dirigido (sem grandes destaques conceituais, é verdade) e com ótimas performances, capaz de colocar o dedo em alguns temas delicados que ainda hoje merecem o debate em todas as esferas da sociedade e que vão dialogar com grande parte da audiência feminina.
Pode dar o play sem medo que as conversas pós-créditos estão garantidas.
Você aceitaria mil euros se soubesse que esse bônus resultaria no desligamento de uma colega de trabalho, que precisa do salário para ajudar sua família? Sim, eu sei que a resposta pode até parecer simples se olharmos pela perspectiva do "politicamente correto", no entanto a vida não é "politicamente correta"! "Dois Dias, Uma Noite", filme que levou sua protagonista, Marion Cotillard, para a disputa do Oscar de "Melhor Atriz" em 2015 e que ganhou mais de quarenta e um prêmios em festivais ao redor do globo, é um verdadeiro mergulho pela complexidade das relações humanas. Dirigido pelos mestres belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne (de "A Garota Desconhecida"), este filme transcende as fronteiras do drama social, adentrando profundamente na alma de quem luta por alguma dignidade quando o único caminho disponível para a sobrevivência é o trabalho. Indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes e aclamado pela crítica, essa é uma narrativa que ecoa na consciência da audiência, despertando reflexões interessantes sobre solidariedade, ética e o poder da resiliência. Se você busca um filme com uma identidade mais autoral, envolvente (mesmo dentro de uma certa cadência) e capaz explorar os cantos mais sombrios da condição humana, eu diria que esse play é fundamental!
Em "Deux Jours, Une Nuit" (no original) conhecemos Sandra (Marion Cotillard), uma operária de fábrica que ao retornar de uma licença médica descobre que seus colegas optaram por receber um bônus de mil euros em troca de sua demissão. Desesperada, Sandra tem apenas dois dias e uma noite para convencer seus colegas a desistirem do bônus para que ela mantenha seu emprego e assim consiga sustentar sua família com dignidade. Confira o trailer:
Com essa premissa aparentemente simples, a narrativa constrói um cenário perfeito para uma jornada emocional e ética muito provocativa. O mérito disso está na maneira habilidosa como os Dardenne desafiam nossas noções preconcebidas de certo e errado, nos deixando um questionamento legítimo sobre nossas possíveis escolhas e compromissos perante uma situação tão delicada. Veja, a câmera nunca se afasta de Sandra em sua odisseia, capturando cada nuance de sua luta interior e o como ela precisa lidar, olho no olho, com seus colegas de trabalho - embora em um primeiro olhar possa parecer repetitiva, essa estratégia narrativa nada mais é que um inteligente recorte social das relações humanas sob diferentes níveis de entendimento.
A escolha por uma abordagem mais realista, minimalista talvez, só amplifica a autenticidade da história, criando conexão imediata com a protagonista de uma forma visceral - os dilemas enfrentados por ela realmente nos machucam, ou seja, acompanhar Sandra lidando com aquela dor não é uma jornada das mais tranquilas. É aí que entra a performance magistral de Cotillard - ela adiciona uma série de camadas, com uma profundidade emocional impressionante, tornando sua personagem uma figura universalmente reconhecível tanto em sua vulnerabilidade quanto em sua determinação. Nesse sentido, a cinematografia de Alain Marcoen (de "Rosetta") soa até despojada, enquanto a trilha sonora complementa perfeitamente a atmosfera emocional do filme - repare como essa combinação cria sensações tão particulares perante o cotidiano implacável de Sandra e nos mantém interessados em saber como tudo vai acabar.
Sem julgamentos morais simplistas, "Dois Dias, Uma Noite" é um testemunho poderoso sobre a resiliência e a capacidade (ou a falta) de compaixão. É uma jornada cinematográfica que ressoa muito além da tela, deixando uma discussão pertinente sobre a estrutura moral e ética do ser humano, onde uma situação de medo (que certamente já tomou conta de todo trabalhador ao menos uma vez na vida, especialmente se ele tem uma família para sustentar) se transforma em um lembrete comovente sobre a fragilidade e a falta de responsabilidade que temos como sociedade "saudável".
Vale muito o seu play!
Você aceitaria mil euros se soubesse que esse bônus resultaria no desligamento de uma colega de trabalho, que precisa do salário para ajudar sua família? Sim, eu sei que a resposta pode até parecer simples se olharmos pela perspectiva do "politicamente correto", no entanto a vida não é "politicamente correta"! "Dois Dias, Uma Noite", filme que levou sua protagonista, Marion Cotillard, para a disputa do Oscar de "Melhor Atriz" em 2015 e que ganhou mais de quarenta e um prêmios em festivais ao redor do globo, é um verdadeiro mergulho pela complexidade das relações humanas. Dirigido pelos mestres belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne (de "A Garota Desconhecida"), este filme transcende as fronteiras do drama social, adentrando profundamente na alma de quem luta por alguma dignidade quando o único caminho disponível para a sobrevivência é o trabalho. Indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes e aclamado pela crítica, essa é uma narrativa que ecoa na consciência da audiência, despertando reflexões interessantes sobre solidariedade, ética e o poder da resiliência. Se você busca um filme com uma identidade mais autoral, envolvente (mesmo dentro de uma certa cadência) e capaz explorar os cantos mais sombrios da condição humana, eu diria que esse play é fundamental!
Em "Deux Jours, Une Nuit" (no original) conhecemos Sandra (Marion Cotillard), uma operária de fábrica que ao retornar de uma licença médica descobre que seus colegas optaram por receber um bônus de mil euros em troca de sua demissão. Desesperada, Sandra tem apenas dois dias e uma noite para convencer seus colegas a desistirem do bônus para que ela mantenha seu emprego e assim consiga sustentar sua família com dignidade. Confira o trailer:
Com essa premissa aparentemente simples, a narrativa constrói um cenário perfeito para uma jornada emocional e ética muito provocativa. O mérito disso está na maneira habilidosa como os Dardenne desafiam nossas noções preconcebidas de certo e errado, nos deixando um questionamento legítimo sobre nossas possíveis escolhas e compromissos perante uma situação tão delicada. Veja, a câmera nunca se afasta de Sandra em sua odisseia, capturando cada nuance de sua luta interior e o como ela precisa lidar, olho no olho, com seus colegas de trabalho - embora em um primeiro olhar possa parecer repetitiva, essa estratégia narrativa nada mais é que um inteligente recorte social das relações humanas sob diferentes níveis de entendimento.
A escolha por uma abordagem mais realista, minimalista talvez, só amplifica a autenticidade da história, criando conexão imediata com a protagonista de uma forma visceral - os dilemas enfrentados por ela realmente nos machucam, ou seja, acompanhar Sandra lidando com aquela dor não é uma jornada das mais tranquilas. É aí que entra a performance magistral de Cotillard - ela adiciona uma série de camadas, com uma profundidade emocional impressionante, tornando sua personagem uma figura universalmente reconhecível tanto em sua vulnerabilidade quanto em sua determinação. Nesse sentido, a cinematografia de Alain Marcoen (de "Rosetta") soa até despojada, enquanto a trilha sonora complementa perfeitamente a atmosfera emocional do filme - repare como essa combinação cria sensações tão particulares perante o cotidiano implacável de Sandra e nos mantém interessados em saber como tudo vai acabar.
Sem julgamentos morais simplistas, "Dois Dias, Uma Noite" é um testemunho poderoso sobre a resiliência e a capacidade (ou a falta) de compaixão. É uma jornada cinematográfica que ressoa muito além da tela, deixando uma discussão pertinente sobre a estrutura moral e ética do ser humano, onde uma situação de medo (que certamente já tomou conta de todo trabalhador ao menos uma vez na vida, especialmente se ele tem uma família para sustentar) se transforma em um lembrete comovente sobre a fragilidade e a falta de responsabilidade que temos como sociedade "saudável".
Vale muito o seu play!
Se há um filme que merece ser destacado como uma obra imperdível do cinema contemporâneo, esse é "Drive My Car" (2021), dirigido magistralmente por Ryûsuke Hamaguchi (de "Roda do Destino"). Esta produção japonesa, vencedora do Oscar de Melhor Filme Internacional em 2022, não apenas cativa a audiência com uma narrativa emocionante como mas também eleva o cinema a novos patamares de excelência técnica e artística - mais uma vez quebrando as barreiras do idioma em diversas formas (eu diria, inclusive, de uma maneira bem metalinguística)! Vencedor de inúmeros prêmios em festivais ao redor do mundo, "Drive My Car" é uma jornada que transcende as fronteiras culturais, deixando uma marca profunda na alma e na mente de quem o assiste ao discutir temas como a morte, o arrependimento, a perseverança e a redenção, sempre chancelado pelo texto do indiscutível dramaturgo russo Anton Tchekhov e de seu "Tio Vanya" (de 1897). Olha, para os apreciadores de um cinema independente que busca uma experiência tão intensa quanto reflexiva, mas sem perder a sensibilidade, esse filme é um verdadeiro achado!
Na trama, conhecemos Yusuke Kafuku (Hidetoshi Nishijima), um renomado ator e diretor de teatro que se vê confrontado com uma devastadora perda pessoal. Quando ele recebe uma oferta para dirigir uma produção de "Tio Vanya" em Hiroshima, Yusuke mergulha em uma jornada de autoconhecimento e cura. Ao longo do caminho, ele desenvolve uma conexão improvável com a jovem motorista Misaki (Tôko Miura), que, embora inicialmente tensa, se transforma em uma relação de confiança e afeto, permitindo que ambos explorem seus traumas e encontrem uma redenção definitiva. Confira o trailer:
Um fato: "Drive My Car" é impressionante em vários sentidos. A maneira como Hamaguchi cadencia sua narrativa em troca de tecer camadas complexas de emoção e cheias de significado, onde cada cena funciona como uma espécie de quebra-cabeça íntimo, sem dúvida, é o ponto alto do filme. Nada está ali por acaso. A fotografia do Hidetoshi Shinomiya (de "O Grito"), por exemplo, captura a beleza melancólica daquela paisagem marcante de Hiroshima, enquanto a trilha sonora sutilmente evoca uma gama de sentimentos, desde a nostalgia até a esperança - tudo isso 100% alinhado com o conceito do diretor, mas sem precisar aparecer demais.
A direção de Hamaguchi é verdadeiramente inspiradora, permitindo que os momentos silenciosos e introspectivos da narrativa ressoem com um poder emocional como poucas vezes vemos. A cena de "Tio Vanya" e sua mensagem final, faz tudo fazer sentido sem uma única palavra precisar sem dita - é um espetáculo inesquecível! E aqui cabe mais alguns elogios: a montagem meticulosa do Azusa Yamazaki cria um ritmo hipnótico, nos convidando para uma jornada interior de uma forma visceral e envolvente, enquanto Nishijima entrega uma performance monumental, transmitindo a angústia de seu personagem com uma capacidade técnica exemplar - reparem como a dor e a fragilidade estão nos seus olhos a cada interação.
O fato é que "Drive My Car" não é nada fácil - daqueles filmes que apenas contam uma história e tudo bem. Aqui temos uma incrível experiência sensorial e emocional que fica gravada na memória muito depois que os créditos finais rolam. Com sua narrativa profundamente comovente, performances excepcionais e uma direção habilidosa, esse filme é daquelas obras que nos faz refletir sobre o luto, sobre a memória e sobre o poder da arte como ferramenta de cura e transformação!
Imperdível!
Up-date: "Drive My Car" ganhou em uma categoria no Oscar 2022 (como adiantamos), mas foi indicado em mais três: Direção, Roteiro Adaptado e até Melhor Filme do Ano!
Se há um filme que merece ser destacado como uma obra imperdível do cinema contemporâneo, esse é "Drive My Car" (2021), dirigido magistralmente por Ryûsuke Hamaguchi (de "Roda do Destino"). Esta produção japonesa, vencedora do Oscar de Melhor Filme Internacional em 2022, não apenas cativa a audiência com uma narrativa emocionante como mas também eleva o cinema a novos patamares de excelência técnica e artística - mais uma vez quebrando as barreiras do idioma em diversas formas (eu diria, inclusive, de uma maneira bem metalinguística)! Vencedor de inúmeros prêmios em festivais ao redor do mundo, "Drive My Car" é uma jornada que transcende as fronteiras culturais, deixando uma marca profunda na alma e na mente de quem o assiste ao discutir temas como a morte, o arrependimento, a perseverança e a redenção, sempre chancelado pelo texto do indiscutível dramaturgo russo Anton Tchekhov e de seu "Tio Vanya" (de 1897). Olha, para os apreciadores de um cinema independente que busca uma experiência tão intensa quanto reflexiva, mas sem perder a sensibilidade, esse filme é um verdadeiro achado!
Na trama, conhecemos Yusuke Kafuku (Hidetoshi Nishijima), um renomado ator e diretor de teatro que se vê confrontado com uma devastadora perda pessoal. Quando ele recebe uma oferta para dirigir uma produção de "Tio Vanya" em Hiroshima, Yusuke mergulha em uma jornada de autoconhecimento e cura. Ao longo do caminho, ele desenvolve uma conexão improvável com a jovem motorista Misaki (Tôko Miura), que, embora inicialmente tensa, se transforma em uma relação de confiança e afeto, permitindo que ambos explorem seus traumas e encontrem uma redenção definitiva. Confira o trailer:
Um fato: "Drive My Car" é impressionante em vários sentidos. A maneira como Hamaguchi cadencia sua narrativa em troca de tecer camadas complexas de emoção e cheias de significado, onde cada cena funciona como uma espécie de quebra-cabeça íntimo, sem dúvida, é o ponto alto do filme. Nada está ali por acaso. A fotografia do Hidetoshi Shinomiya (de "O Grito"), por exemplo, captura a beleza melancólica daquela paisagem marcante de Hiroshima, enquanto a trilha sonora sutilmente evoca uma gama de sentimentos, desde a nostalgia até a esperança - tudo isso 100% alinhado com o conceito do diretor, mas sem precisar aparecer demais.
A direção de Hamaguchi é verdadeiramente inspiradora, permitindo que os momentos silenciosos e introspectivos da narrativa ressoem com um poder emocional como poucas vezes vemos. A cena de "Tio Vanya" e sua mensagem final, faz tudo fazer sentido sem uma única palavra precisar sem dita - é um espetáculo inesquecível! E aqui cabe mais alguns elogios: a montagem meticulosa do Azusa Yamazaki cria um ritmo hipnótico, nos convidando para uma jornada interior de uma forma visceral e envolvente, enquanto Nishijima entrega uma performance monumental, transmitindo a angústia de seu personagem com uma capacidade técnica exemplar - reparem como a dor e a fragilidade estão nos seus olhos a cada interação.
O fato é que "Drive My Car" não é nada fácil - daqueles filmes que apenas contam uma história e tudo bem. Aqui temos uma incrível experiência sensorial e emocional que fica gravada na memória muito depois que os créditos finais rolam. Com sua narrativa profundamente comovente, performances excepcionais e uma direção habilidosa, esse filme é daquelas obras que nos faz refletir sobre o luto, sobre a memória e sobre o poder da arte como ferramenta de cura e transformação!
Imperdível!
Up-date: "Drive My Car" ganhou em uma categoria no Oscar 2022 (como adiantamos), mas foi indicado em mais três: Direção, Roteiro Adaptado e até Melhor Filme do Ano!
Definitivamente "Duck Butter" não é um filme fácil, mas dentro da sua proposta é um filme que me atraiu, principalmente por ser muito bem dirigido pelo Porto-riquenho Miguel Arteta - diretor que veio da TV e que fez um belo trabalho de direção de atores nesse filme. "Duck Butter" bebe na fonte do francês "La vie d'Adèle" (Azul é a cor mais quente), mas sem a mesma força, na minha opinião.
O filme trata da relação entre duas jovens completamente diferentes que, por circunstâncias de vida, acabam se aproximando e vivendo uma intensa relação de 24 horas que vai minguando de acordo com a aproximação da realidade que é a vida e que é estar em uma relação! É preciso dizer que o filme é intenso no conteúdo e na maneira de expor essas "imperfeições" do ser humano. É um filme que discute até quanto "mandar tudo a m..." é um caminho a se considerar.
Miguel Arteta tem sensibilidade e aplica isso nas escolhas que faz com sua diretora de fotografia Hillary Spera. O filme foi finalista no Tribeca Film Festival de 2018 e tem como grande nome a Laia Costa uma jovem e talentosa atriz que merece atenção pelo seu trabalho - é o segundo filme que assisto dela (o primeiro foi "Newness") e em ambos ela mandou muito bem!
Filme complicado, mas para quem gosta de filmes independentes com ótima carreira em Festivais, é imperdível!!!
Definitivamente "Duck Butter" não é um filme fácil, mas dentro da sua proposta é um filme que me atraiu, principalmente por ser muito bem dirigido pelo Porto-riquenho Miguel Arteta - diretor que veio da TV e que fez um belo trabalho de direção de atores nesse filme. "Duck Butter" bebe na fonte do francês "La vie d'Adèle" (Azul é a cor mais quente), mas sem a mesma força, na minha opinião.
O filme trata da relação entre duas jovens completamente diferentes que, por circunstâncias de vida, acabam se aproximando e vivendo uma intensa relação de 24 horas que vai minguando de acordo com a aproximação da realidade que é a vida e que é estar em uma relação! É preciso dizer que o filme é intenso no conteúdo e na maneira de expor essas "imperfeições" do ser humano. É um filme que discute até quanto "mandar tudo a m..." é um caminho a se considerar.
Miguel Arteta tem sensibilidade e aplica isso nas escolhas que faz com sua diretora de fotografia Hillary Spera. O filme foi finalista no Tribeca Film Festival de 2018 e tem como grande nome a Laia Costa uma jovem e talentosa atriz que merece atenção pelo seu trabalho - é o segundo filme que assisto dela (o primeiro foi "Newness") e em ambos ela mandou muito bem!
Filme complicado, mas para quem gosta de filmes independentes com ótima carreira em Festivais, é imperdível!!!
"É apenas o Fim do Mundo" é um filme difícil, não por uma narrativa complicada ou por um conceito visual ou estético que nos provoque muito mais do que nos mostre; mas pela forma como o jovem diretor canadense Xavier Dolan constrói um espetáculo onde os personagens são profundos, machucados, amargurados e inconsequentes em seus atos e, pricipalmente, em suas palavras. É perceptível a dor enrustida em cada um deles, com motivos, claro, mas sem nenhum controle ou respiro para reflexão. É um "misancene" tão real, palpável e comum, que chega a ferir quem assiste - pelo simples fato de entender que toda história tem dois lados e mesmo sem a coragem de encarar os fatos, todos preferem em alimentar a dor, do que ter que enfrentá-la.
Baseado na peça homônima de Jean-Luc Lagarce de 1990, "É apenas o Fim do Mundo" acompanha um jovem e renomado dramaturgo, Louis (Gaspard Ulliel), que resolve visitar sua família após 12 anos de ausência. Seu objetivo, no entanto, é revelar sua iminente morte para sua mãe (Nathalie Baye), para sua irmã mais nova (Léa Seydoux) com quem praticamente não se relacionou, para o ressentido irmão mais velho (Vincent Cassel) e sua submissa esposa (Marion Cottilard). Confira o trailer:
Xavier Dolan praticamente dirige o filme com uma lente 85mm, ou seja, com planos extremamente fechado ele parece querer que as almas dos personagens sejam lidas, e vou te dizer: funciona! As relações estabelecidas assim que Louis entra na casa de sua família já nos indica exatamente onde estamos nos enfiando - no caos emocional! Ao acompanhar essa dinâmica, o roteiro nos dá o primeiro gatilho: é compreensível que Louis tenha se mantido afastado de sua família por tanto tempo, limitando-se a enviar cartões em datas comemorativas. Mas com o passar do tempo, vem o segundo e poderoso gatilho: mas e o outro lado? E o sentimento de inferioridade e inadequação do irmão mais velho? E a ansiedade de Suzanne para impressionar o irmão famoso que pouco conhece? E a tentativa da mãe em transformar tantas mágoas e recuperar essas relações completamente fragmentadas? Até Catherine, a cunhada, sofre com os reflexos de tudo isso ao ter que lidar com um marido ignorante que a transformou em uma mulher insegura que mal pode se expressar - e aqui cabe um comentário que merece sua atenção: Marion Cottilard é uma grande atriz e todos sabemos disso, mas a capacidade que ela tem de expressar seus sentimentos apenas com o olhar, é de cair o queixo! Reparem!
O filme brilha ao expor a capacidade de interpretação dos atores. "É apenas o Fim do Mundo" é um filme de diálogos, de confrontos, de atuação! Nenhuma discussão é por acaso e tudo ajuda a construir (ou desvendar) as inúmeras camadas de cada um dos personagens - estamos falando de um obra independente, autoral, de relação, com uma referência teatral enorme, cheio de poesia, metáforas, símbolos, sensibilidade - inclusive na fotografia que pontua a troca de atmosferas e a distância entre o que é dito e o que é pensado - a mudança de luz no terceiro ato, entre a chuva e o sol que surge é incrível! Isso é lindo e muito difícil de equilibrar com o realismo que o cinema pede nesse tipo de filme.
O fato é que se você gostou dos também franceses "Até a Eternidade" (ou Les Petits Mouchoirs) ou "Frankie" é muito provável que você vai se identificar com "É apenas o Fim do Mundo", mas se prepare: vai doer na alma!
"É apenas o Fim do Mundo" é um filme difícil, não por uma narrativa complicada ou por um conceito visual ou estético que nos provoque muito mais do que nos mostre; mas pela forma como o jovem diretor canadense Xavier Dolan constrói um espetáculo onde os personagens são profundos, machucados, amargurados e inconsequentes em seus atos e, pricipalmente, em suas palavras. É perceptível a dor enrustida em cada um deles, com motivos, claro, mas sem nenhum controle ou respiro para reflexão. É um "misancene" tão real, palpável e comum, que chega a ferir quem assiste - pelo simples fato de entender que toda história tem dois lados e mesmo sem a coragem de encarar os fatos, todos preferem em alimentar a dor, do que ter que enfrentá-la.
Baseado na peça homônima de Jean-Luc Lagarce de 1990, "É apenas o Fim do Mundo" acompanha um jovem e renomado dramaturgo, Louis (Gaspard Ulliel), que resolve visitar sua família após 12 anos de ausência. Seu objetivo, no entanto, é revelar sua iminente morte para sua mãe (Nathalie Baye), para sua irmã mais nova (Léa Seydoux) com quem praticamente não se relacionou, para o ressentido irmão mais velho (Vincent Cassel) e sua submissa esposa (Marion Cottilard). Confira o trailer:
Xavier Dolan praticamente dirige o filme com uma lente 85mm, ou seja, com planos extremamente fechado ele parece querer que as almas dos personagens sejam lidas, e vou te dizer: funciona! As relações estabelecidas assim que Louis entra na casa de sua família já nos indica exatamente onde estamos nos enfiando - no caos emocional! Ao acompanhar essa dinâmica, o roteiro nos dá o primeiro gatilho: é compreensível que Louis tenha se mantido afastado de sua família por tanto tempo, limitando-se a enviar cartões em datas comemorativas. Mas com o passar do tempo, vem o segundo e poderoso gatilho: mas e o outro lado? E o sentimento de inferioridade e inadequação do irmão mais velho? E a ansiedade de Suzanne para impressionar o irmão famoso que pouco conhece? E a tentativa da mãe em transformar tantas mágoas e recuperar essas relações completamente fragmentadas? Até Catherine, a cunhada, sofre com os reflexos de tudo isso ao ter que lidar com um marido ignorante que a transformou em uma mulher insegura que mal pode se expressar - e aqui cabe um comentário que merece sua atenção: Marion Cottilard é uma grande atriz e todos sabemos disso, mas a capacidade que ela tem de expressar seus sentimentos apenas com o olhar, é de cair o queixo! Reparem!
O filme brilha ao expor a capacidade de interpretação dos atores. "É apenas o Fim do Mundo" é um filme de diálogos, de confrontos, de atuação! Nenhuma discussão é por acaso e tudo ajuda a construir (ou desvendar) as inúmeras camadas de cada um dos personagens - estamos falando de um obra independente, autoral, de relação, com uma referência teatral enorme, cheio de poesia, metáforas, símbolos, sensibilidade - inclusive na fotografia que pontua a troca de atmosferas e a distância entre o que é dito e o que é pensado - a mudança de luz no terceiro ato, entre a chuva e o sol que surge é incrível! Isso é lindo e muito difícil de equilibrar com o realismo que o cinema pede nesse tipo de filme.
O fato é que se você gostou dos também franceses "Até a Eternidade" (ou Les Petits Mouchoirs) ou "Frankie" é muito provável que você vai se identificar com "É apenas o Fim do Mundo", mas se prepare: vai doer na alma!
"E então nós dançamos" é um belíssimo e sensível filme sobre a aceitação da homossexualidade em diversas esferas da sociedade, bem na linha de "Me chame pelo seu nome" - obviamente que respeitando suas particularidades culturais e talvez esteja aí o grande trunfo do roteiro, já que a história se passa na Geórgia, país extremamente preconceituoso, onde a figura do homem é exaltada e onde até o seu tradicional ballet se baseia em "movimentos masculinizados e de força impositiva".
O jovem Merab (Levan Gelbakhiani) faz parte de uma companhia georgiana de dança folclórica, seguindo os passos do pai. Descontente com a vida de precariedade financeira e o baixo reconhecimento artístico, ele tem sua vida transformada pela chegada de Irakli (Bachi Valishvili), dançarino novato que disputa com ele a mesma vaga em uma importante audição que pode coloca-lo no elenco principal do National Georgian Ensemble. Porém Merab descobre, pela primeira vez, sua paixão por outro rapaz, dentro de um contexto homofóbico e, não surpreendente, violento. Confira o trailer:
Como no já referenciado "Me chame pelo seu nome", esse premiado filme vindo da Geórgia deixa claro, já nos seus primeiros minutos, qual é o seu objetivo: assim que o novato Irakli entra na sala de dança onde se encontra com Merab, sabemos que os dois ficarão juntos em algum momento do filme, mesmo que o diretor sueco Levan Akin (de "O Círculo") sugira que a disputa será pelo protagonismo da companhia de dança. A grande questão, no entanto, ganha mais profundidade quando o comentário sobre um colega gay que foi agredido e expulso da companhia vem à tona - é a partir desse gatilho que Akin começa a construir as angústias e euforias das descobertas de Merab e até de Irakli.
Veja, ao mesmo tempo que Merab descobre uma nova paixão, é o seu amor pela dança que pode afasta-lo da felicidade - e mais uma vez o roteiro se aprofunda em questionar: onde está a felicidade? Essas nuances vão e voltam a cada aproximação entre os personagens em seus diversos ambientes sociais - essa dinâmica faz com que tenhamos a sensação de que, em outro país, o protagonista faria parte um grupo e encontraria seu caminho com mais tranquilidade, mas a barreira está na tradição cultural, na mente fechada da sociedade georgiana. Seja no ambiente familiar, caótico por sinal, no grupo de dança e até nas reuniões com os amigos, a história deixa claro que o homem precisa se relacionar com a mulher. Uma das cenas mais emblemáticas, na minha opinião, é quando Mary (Ana Javakishvili), parceira de dança e amiga intima de Merab, mostra uma camisinha, convidando ele para uma relação sexual casual que, obviamente, ele se esquiva.
"E então nós dançamos" é uma drama de relação onde o pano de fundo é a dança. Dito isso é de se esperar cenas bem coreografadas e culturalmente relevantes para nós que assistimos a produção do outro lado do planeta. Destaco as passagens ao som de ‘Take a Chance on Me’ do ABBA, e ‘Honey’, de Robyn; além da excelente cena final ao melhor estilo "Cisne Negro" / "Flashdance". Muito bem dirigido por Akin (reparem no complexo plano-sequência durante o casamento do irmão do protagonista), o cinema georgiano debuta com classe por aqui e por isso a recomendação - mesmo sabendo que apenas um pequeno nicho dos nosso usuários vão se relacionar bem com a história. Uma pena, já que o filme tem muita qualidade e mereceria maior atenção!
Vale seu play!
"E então nós dançamos" é um belíssimo e sensível filme sobre a aceitação da homossexualidade em diversas esferas da sociedade, bem na linha de "Me chame pelo seu nome" - obviamente que respeitando suas particularidades culturais e talvez esteja aí o grande trunfo do roteiro, já que a história se passa na Geórgia, país extremamente preconceituoso, onde a figura do homem é exaltada e onde até o seu tradicional ballet se baseia em "movimentos masculinizados e de força impositiva".
O jovem Merab (Levan Gelbakhiani) faz parte de uma companhia georgiana de dança folclórica, seguindo os passos do pai. Descontente com a vida de precariedade financeira e o baixo reconhecimento artístico, ele tem sua vida transformada pela chegada de Irakli (Bachi Valishvili), dançarino novato que disputa com ele a mesma vaga em uma importante audição que pode coloca-lo no elenco principal do National Georgian Ensemble. Porém Merab descobre, pela primeira vez, sua paixão por outro rapaz, dentro de um contexto homofóbico e, não surpreendente, violento. Confira o trailer:
Como no já referenciado "Me chame pelo seu nome", esse premiado filme vindo da Geórgia deixa claro, já nos seus primeiros minutos, qual é o seu objetivo: assim que o novato Irakli entra na sala de dança onde se encontra com Merab, sabemos que os dois ficarão juntos em algum momento do filme, mesmo que o diretor sueco Levan Akin (de "O Círculo") sugira que a disputa será pelo protagonismo da companhia de dança. A grande questão, no entanto, ganha mais profundidade quando o comentário sobre um colega gay que foi agredido e expulso da companhia vem à tona - é a partir desse gatilho que Akin começa a construir as angústias e euforias das descobertas de Merab e até de Irakli.
Veja, ao mesmo tempo que Merab descobre uma nova paixão, é o seu amor pela dança que pode afasta-lo da felicidade - e mais uma vez o roteiro se aprofunda em questionar: onde está a felicidade? Essas nuances vão e voltam a cada aproximação entre os personagens em seus diversos ambientes sociais - essa dinâmica faz com que tenhamos a sensação de que, em outro país, o protagonista faria parte um grupo e encontraria seu caminho com mais tranquilidade, mas a barreira está na tradição cultural, na mente fechada da sociedade georgiana. Seja no ambiente familiar, caótico por sinal, no grupo de dança e até nas reuniões com os amigos, a história deixa claro que o homem precisa se relacionar com a mulher. Uma das cenas mais emblemáticas, na minha opinião, é quando Mary (Ana Javakishvili), parceira de dança e amiga intima de Merab, mostra uma camisinha, convidando ele para uma relação sexual casual que, obviamente, ele se esquiva.
"E então nós dançamos" é uma drama de relação onde o pano de fundo é a dança. Dito isso é de se esperar cenas bem coreografadas e culturalmente relevantes para nós que assistimos a produção do outro lado do planeta. Destaco as passagens ao som de ‘Take a Chance on Me’ do ABBA, e ‘Honey’, de Robyn; além da excelente cena final ao melhor estilo "Cisne Negro" / "Flashdance". Muito bem dirigido por Akin (reparem no complexo plano-sequência durante o casamento do irmão do protagonista), o cinema georgiano debuta com classe por aqui e por isso a recomendação - mesmo sabendo que apenas um pequeno nicho dos nosso usuários vão se relacionar bem com a história. Uma pena, já que o filme tem muita qualidade e mereceria maior atenção!
Vale seu play!
Extremamente premiado na temporada 2016/2017, "Elle" ficou marcado por ter colocado a excelente atriz Isabelle Huppert na disputa do Oscar depois de uma performance, de fato, surpreendente. Dirigido pelo experiente diretor holandês Paul Verhoeven (de "Instinto Selvagem"), essa produção francesa é, no mínimo, intrigante - eu diria até que é um filme que desafia as nossas expectativas ao nos convidar para uma jornada profunda pelas entranhas da psique humana como poucos. Considerado por muitos uma obra de arte que merecia uma indicação de "Melhor Filme" em 2017, "Elle" se apropria de um tema denso e uma narrativa complexa para nos provocar inúmeras reflexões e, claro, fortes emoções.
Baseado no romance "Oh...", dePhilippe Djian, conhecemos Michèle (Isabelle Huppert), uma executiva-chefe de uma empresa de videogames que administra sua vida profissional do mesmo jeito que sua vida amorosa e sentimental: com mão de ferro, organizando de maneira precisa e ordenada para que tudo funcione - mas sabemos que a realidade não é bem assim. Sua rotina quase patológica é quebrada quando ela é atacada por um desconhecido, dentro de sua própria casa e ela decide não deixar que essa experiência traumática a abale. É aí que Michèle passa a observar e investigar quem poderia ser seu agressor - o problema é que o próprio agressor misterioso também não desistiu dela. Confira o trailer:
Sem dúvida alguma que "Elle" é o filme da vida de Verhoeven e mereceu todo o sucesso que teve nos festivais - para você ter uma ideia, foram mais de 65 prêmios em quase 100 indicações, incluindo vitórias no Globo de Ouro, no BAFTA e no Goya. Com uma narrativa que desafia convenções ao explorar a natureza dicotômica do trauma e do desejo, o filme nos mantém em estado de tensão e angustia enquanto tentamos decifrar os enigmas que permeiam a história de Michèle. O desempenho de Huppert é simplesmente fenomenal - reparem a maneira como ela dá vida a Michèle, retratando sua força e vulnerabilidade de forma tão convincente e visceral. E aqui cabe um rápido comentário: o elenco de apoio, incluindo nomes como Laurent Lafitte e Anne Consigny, também merece elogios - eles são o gatilho perfeito para Huppert brilhar ao mesmo tempo em que enriquecem a trama.
A direção de Paul Verhoeven é magistral! Ele é capaz de criar essa atmosfera de tensão extremamente provocante, se apoiando em um texto afiado, cheio de camadas, de dois roteiristas sem muita expressão: Philippe Djian (de "Betty Blue") e David Birke (de "Os 13 Pecados"). Equilibrando com maestria o suspense e o viés psicológico da trama, Verhoeven conduz a narrativa sempre no tom exato, sem escorregar como já havia feito antes. Outro mérito do diretor e é preciso admitir, é o fato dele ter trazido para o projeto o fotógrafo Stéphane Fontaine (de "Capitão Fantástico") e a compositora de Anne Dudley (de "Tudo ou Nada") - dois profissionais de primeira linha que foram essenciais para intensificar as nossas emoções exatamente como ele queria.
Veja, embora a recepção de "Elle" tenha dividido opiniões, provocando debates acalorados entre críticos e público, é preciso reconhecer e elogiar a coragem do filme em abordar temas tão delicados sem esquecer do seu valor como entretenimento - mais ou menos como o alemão, "Está tudo certo". É inegável que a obra provoca reações emocionais intensas, e isso deve ser considerado até como um testemunho de seu impacto, no entanto o filme tem uma precisão, um cuidado, um equilíbrio tão cirúrgico entre o humor negro e o sarcasmo inteligente que, olha, merece muito o seu play e voando!
Extremamente premiado na temporada 2016/2017, "Elle" ficou marcado por ter colocado a excelente atriz Isabelle Huppert na disputa do Oscar depois de uma performance, de fato, surpreendente. Dirigido pelo experiente diretor holandês Paul Verhoeven (de "Instinto Selvagem"), essa produção francesa é, no mínimo, intrigante - eu diria até que é um filme que desafia as nossas expectativas ao nos convidar para uma jornada profunda pelas entranhas da psique humana como poucos. Considerado por muitos uma obra de arte que merecia uma indicação de "Melhor Filme" em 2017, "Elle" se apropria de um tema denso e uma narrativa complexa para nos provocar inúmeras reflexões e, claro, fortes emoções.
Baseado no romance "Oh...", dePhilippe Djian, conhecemos Michèle (Isabelle Huppert), uma executiva-chefe de uma empresa de videogames que administra sua vida profissional do mesmo jeito que sua vida amorosa e sentimental: com mão de ferro, organizando de maneira precisa e ordenada para que tudo funcione - mas sabemos que a realidade não é bem assim. Sua rotina quase patológica é quebrada quando ela é atacada por um desconhecido, dentro de sua própria casa e ela decide não deixar que essa experiência traumática a abale. É aí que Michèle passa a observar e investigar quem poderia ser seu agressor - o problema é que o próprio agressor misterioso também não desistiu dela. Confira o trailer:
Sem dúvida alguma que "Elle" é o filme da vida de Verhoeven e mereceu todo o sucesso que teve nos festivais - para você ter uma ideia, foram mais de 65 prêmios em quase 100 indicações, incluindo vitórias no Globo de Ouro, no BAFTA e no Goya. Com uma narrativa que desafia convenções ao explorar a natureza dicotômica do trauma e do desejo, o filme nos mantém em estado de tensão e angustia enquanto tentamos decifrar os enigmas que permeiam a história de Michèle. O desempenho de Huppert é simplesmente fenomenal - reparem a maneira como ela dá vida a Michèle, retratando sua força e vulnerabilidade de forma tão convincente e visceral. E aqui cabe um rápido comentário: o elenco de apoio, incluindo nomes como Laurent Lafitte e Anne Consigny, também merece elogios - eles são o gatilho perfeito para Huppert brilhar ao mesmo tempo em que enriquecem a trama.
A direção de Paul Verhoeven é magistral! Ele é capaz de criar essa atmosfera de tensão extremamente provocante, se apoiando em um texto afiado, cheio de camadas, de dois roteiristas sem muita expressão: Philippe Djian (de "Betty Blue") e David Birke (de "Os 13 Pecados"). Equilibrando com maestria o suspense e o viés psicológico da trama, Verhoeven conduz a narrativa sempre no tom exato, sem escorregar como já havia feito antes. Outro mérito do diretor e é preciso admitir, é o fato dele ter trazido para o projeto o fotógrafo Stéphane Fontaine (de "Capitão Fantástico") e a compositora de Anne Dudley (de "Tudo ou Nada") - dois profissionais de primeira linha que foram essenciais para intensificar as nossas emoções exatamente como ele queria.
Veja, embora a recepção de "Elle" tenha dividido opiniões, provocando debates acalorados entre críticos e público, é preciso reconhecer e elogiar a coragem do filme em abordar temas tão delicados sem esquecer do seu valor como entretenimento - mais ou menos como o alemão, "Está tudo certo". É inegável que a obra provoca reações emocionais intensas, e isso deve ser considerado até como um testemunho de seu impacto, no entanto o filme tem uma precisão, um cuidado, um equilíbrio tão cirúrgico entre o humor negro e o sarcasmo inteligente que, olha, merece muito o seu play e voando!
"Encontros", novo filme do diretor francês Cédric Klapisch (Paris) parece um drama mais profundo sobre relações (ou a falta delas) ao melhor estilo "Encontros e Desencontros", mas no final não passa de uma comédia romântica com pitadas de drama, tipo "La délicatesse" ("A Delicadeza do Amor") - não que isso seja ruim, muito pelo contrário, acho que até funcionou, mas é preciso assistir preparado para não se decepcionar.
O filme conta a história de Mélanie (Ana Girardot), uma jovem de 30 anos que se apoia em um app de encontros para superar a solidão após o termino do seu mais recente relacionamento e, principalmente, por ter se distanciado tanto da sua família, ou melhor, da sua mãe que mora em uma outra cidade. Já Rémi (François Civil) carrega a dor de uma perda pessoal e está passando por uma transição profissional pouco inspiradora. Sua enorme dificuldade com o sono o coloca em um estado depressivo que dificulta seus relacionamentos - ele também vive sozinho! O interessante é que Mélanie e Rémi são vizinhos, frequentam o mesmo mercado, tem horários parecidos, mas nunca se conheceram! É nesse contexto que "Encontros" acompanha a vida desses dois jovens tão próximos geograficamente, mas tão distantes fisicamente. Suas histórias são contatadas de forma independente, mostrando os dois juntos apenas nos desencontros pontuais e deixando claro que, "sim", eles vão se encontrar e se conhecer em algum momento, mas que isso na verdade não é o mais importante e sim a jornada de auto-conhecimento que os dois estão passando para poder seguir seus respectivos caminhos - juntos ou separados.
Embora o filme trate de assuntos pesados com uma certa leveza, Klapisch peca em não definir o gênero do filme e isso incomoda um pouco - até o nome do filme mudou em português: começou como (Des)Encontros e passou para Encontros um dia antes da estreia! Eu até acho possível brincar com a audiência ao entregar logo de cara um final óbvio, provocando nossa criatividade para descobrir "como" esse final irá acontecer, porém o filme sofre com a falta de identidade e isso reflete muito na nossa experiência - ele transita muito aleatoriamente entre o drama e a comédia romântica, tornando essa "espera" um pouco cansativa. Talvez lendo algo como esse texto antes de assistir o filme, a percepção melhore, mas não se pode contar com isso!
Ter Paris como cenário faz com que a fotografia seja naturalmente muito bonita - os planos abertos são tão bem trabalhados quanto os fechados e isso trás uma enorme elegância para o filme. Klapisch tem o mérito de usar o cenário apenas como moldura para mostrar um sentimento de solidão da vida adulta dos dois personagens. A cor do filme também é linda! Agora, tecnicamente, existe um erro grave de continuidade quando os personagens entram em seus respectivos prédios de um lado, mas aparecem em lados trocados nas suas janelas - eu diria que é um pouco amador esse tipo de erro, mas acaba não interferindo tanto na história em si. Fica como curiosidade!
"Encontros" tenta se aprofundar nos sentimentos dos personagens, mas com um conceito narrativo mais leve e muitas vezes não dá o "match" ideal, por outro lado é um filme gostoso de assistir, com uma ou outra reflexão mais existencial ou por identificação, mas nada muito profundo. Se você gostou de "500 dias com ela" e "Antes do Pôr do Sol", mesmo eles sendo completamente diferentes, é bem possível que você goste de "Encontros" ou (Des)Encontros - como você preferir!
"Encontros", novo filme do diretor francês Cédric Klapisch (Paris) parece um drama mais profundo sobre relações (ou a falta delas) ao melhor estilo "Encontros e Desencontros", mas no final não passa de uma comédia romântica com pitadas de drama, tipo "La délicatesse" ("A Delicadeza do Amor") - não que isso seja ruim, muito pelo contrário, acho que até funcionou, mas é preciso assistir preparado para não se decepcionar.
O filme conta a história de Mélanie (Ana Girardot), uma jovem de 30 anos que se apoia em um app de encontros para superar a solidão após o termino do seu mais recente relacionamento e, principalmente, por ter se distanciado tanto da sua família, ou melhor, da sua mãe que mora em uma outra cidade. Já Rémi (François Civil) carrega a dor de uma perda pessoal e está passando por uma transição profissional pouco inspiradora. Sua enorme dificuldade com o sono o coloca em um estado depressivo que dificulta seus relacionamentos - ele também vive sozinho! O interessante é que Mélanie e Rémi são vizinhos, frequentam o mesmo mercado, tem horários parecidos, mas nunca se conheceram! É nesse contexto que "Encontros" acompanha a vida desses dois jovens tão próximos geograficamente, mas tão distantes fisicamente. Suas histórias são contatadas de forma independente, mostrando os dois juntos apenas nos desencontros pontuais e deixando claro que, "sim", eles vão se encontrar e se conhecer em algum momento, mas que isso na verdade não é o mais importante e sim a jornada de auto-conhecimento que os dois estão passando para poder seguir seus respectivos caminhos - juntos ou separados.
Embora o filme trate de assuntos pesados com uma certa leveza, Klapisch peca em não definir o gênero do filme e isso incomoda um pouco - até o nome do filme mudou em português: começou como (Des)Encontros e passou para Encontros um dia antes da estreia! Eu até acho possível brincar com a audiência ao entregar logo de cara um final óbvio, provocando nossa criatividade para descobrir "como" esse final irá acontecer, porém o filme sofre com a falta de identidade e isso reflete muito na nossa experiência - ele transita muito aleatoriamente entre o drama e a comédia romântica, tornando essa "espera" um pouco cansativa. Talvez lendo algo como esse texto antes de assistir o filme, a percepção melhore, mas não se pode contar com isso!
Ter Paris como cenário faz com que a fotografia seja naturalmente muito bonita - os planos abertos são tão bem trabalhados quanto os fechados e isso trás uma enorme elegância para o filme. Klapisch tem o mérito de usar o cenário apenas como moldura para mostrar um sentimento de solidão da vida adulta dos dois personagens. A cor do filme também é linda! Agora, tecnicamente, existe um erro grave de continuidade quando os personagens entram em seus respectivos prédios de um lado, mas aparecem em lados trocados nas suas janelas - eu diria que é um pouco amador esse tipo de erro, mas acaba não interferindo tanto na história em si. Fica como curiosidade!
"Encontros" tenta se aprofundar nos sentimentos dos personagens, mas com um conceito narrativo mais leve e muitas vezes não dá o "match" ideal, por outro lado é um filme gostoso de assistir, com uma ou outra reflexão mais existencial ou por identificação, mas nada muito profundo. Se você gostou de "500 dias com ela" e "Antes do Pôr do Sol", mesmo eles sendo completamente diferentes, é bem possível que você goste de "Encontros" ou (Des)Encontros - como você preferir!
"Entre Mulheres" é excelente, mas muito difícil! Veja, no cenário cinematográfico contemporâneo, obras que exploram a complexidade das relações humanas e abordam temas sensíveis como o estupro, o assédio e a violência contra a mulher, têm ganhado cada vez mais destaque e o filme dirigido por Sarah Pulley (de "Histórias que Contamos"), é mais um exemplo notável dessa tendência. No entanto, aqui, não encontramos uma narrativa tão fluida, pois, propositalmente, a diretora prefere explorar o texto de uma forma que mistura o simbolismo com a dura realidade e essa escolha certamente vai afastar parte da audiência. Existe uma poesia e uma profundidade nas entrelinhas que impressionam, mas a cadência de como a trama é desenvolvida exige muita boa vontade até alcançar o final.
Baseado no livro homônimo deMiriam Toews, "Entre Mulheres" acompanha um grupo de mulheres que moram em uma comunidade cristã menonita isolada nos EUA. Alvos de crimes sexuais cometidos pelos homens da comunidade, elas criam um plebiscito para decidir se deixam a comunidade, que representa tudo o que elas conhecem até então, ou se ficam e lutam para torná-la um lugar mais seguro para elas e para as próximas gerações – uma opção não muito mais fácil, visto que quase todos os homens adultos do local se dispuseram a pagar a fiança dos criminosos e deram às suas esposas, mães, irmãs e filhas um ultimato: ou elas perdoam os agressores, ou terão de arriscar a danação eterna. Confira o trailer:
Depois de um prólogo praticamente perfeito em sua estrutura dramática, não existiria forma mais irônica de iniciar o filme em si se não com a frase: “Esta história é fruto da fértil imaginação feminina”. É impressionante como Sarah Pulley contextualiza o problema, apresenta as personagens e nos indica exatamente qual o caminho sua narrativa vai seguir, em pouquíssimos planos, quase sem nenhum diálogo, mas com uma narração tão potente quanto profunda e um texto, de fato, digno de Oscar - aliás, "Entre Mulheres" ganhou o prêmio de "Roteiro Adaptado" em 2023 e concorreu como "Melhor Filme do Ano".
A direção de Pulley merece aplausos, especialmente pela maneira como ela constrói a narrativa visualmente - eu diria que o filme é uma poesia visual, como "Retrato de uma Jovem em Chamas". A paleta de cores mais esverdeada, quase sem saturação, reflete exatamente o momento íntimo que as personagens estão passando. Existe uma frieza que conectada à fotografia do diretor Luc Montpellier (de "Tales from the Loop") cria uma atmosfera delicada, porém densa, que serve de moldura para o excepcional elenco brilhar. Além disso, por favor, reparem na trilha sonora original e como ela contribui para uma imersão visceral, nos guiando pelas profundezas das emoções sem precisar se sobressair.
De fato, o elenco de "Entre Mulheres" oferece performances notáveis que elevam a narrativa aos patamares mais altos que uma produção tão intimista pode chegar. Pulley é sagaz em trabalhar o silêncio e em quebrar nossas expectativas com trocas de tom em um piscar de olhos - a verdade é que nunca sabemos o que vamos encontrar: se um conforto, uma palavra de sabedoria, uma passagem religiosa ou simplesmente uma discussão bastante ofensiva. Claire Foy, Rooney Mara, Judith Ivey e Jessie Buckley dão um verdadeiro show!
Para aqueles que se permitirem embarcar na proposta da diretora, eu adianto que "Entre Mulheres" tem uma capacidade única de mexer com nossas emoções de uma forma muito particular - essencialmente na audiência feminina. A narrativa não se contenta em apresentar uma história simples com superficialidade; em vez disso, ela mergulha fundo nas experiências das personagens, explorando temas como o amor, o perdão, o arrependimento e a reconciliação, mesmo que submersa naquela atmosfera de alienação, religião e violência.
Vale seu play, mas não assista com sono!
"Entre Mulheres" é excelente, mas muito difícil! Veja, no cenário cinematográfico contemporâneo, obras que exploram a complexidade das relações humanas e abordam temas sensíveis como o estupro, o assédio e a violência contra a mulher, têm ganhado cada vez mais destaque e o filme dirigido por Sarah Pulley (de "Histórias que Contamos"), é mais um exemplo notável dessa tendência. No entanto, aqui, não encontramos uma narrativa tão fluida, pois, propositalmente, a diretora prefere explorar o texto de uma forma que mistura o simbolismo com a dura realidade e essa escolha certamente vai afastar parte da audiência. Existe uma poesia e uma profundidade nas entrelinhas que impressionam, mas a cadência de como a trama é desenvolvida exige muita boa vontade até alcançar o final.
Baseado no livro homônimo deMiriam Toews, "Entre Mulheres" acompanha um grupo de mulheres que moram em uma comunidade cristã menonita isolada nos EUA. Alvos de crimes sexuais cometidos pelos homens da comunidade, elas criam um plebiscito para decidir se deixam a comunidade, que representa tudo o que elas conhecem até então, ou se ficam e lutam para torná-la um lugar mais seguro para elas e para as próximas gerações – uma opção não muito mais fácil, visto que quase todos os homens adultos do local se dispuseram a pagar a fiança dos criminosos e deram às suas esposas, mães, irmãs e filhas um ultimato: ou elas perdoam os agressores, ou terão de arriscar a danação eterna. Confira o trailer:
Depois de um prólogo praticamente perfeito em sua estrutura dramática, não existiria forma mais irônica de iniciar o filme em si se não com a frase: “Esta história é fruto da fértil imaginação feminina”. É impressionante como Sarah Pulley contextualiza o problema, apresenta as personagens e nos indica exatamente qual o caminho sua narrativa vai seguir, em pouquíssimos planos, quase sem nenhum diálogo, mas com uma narração tão potente quanto profunda e um texto, de fato, digno de Oscar - aliás, "Entre Mulheres" ganhou o prêmio de "Roteiro Adaptado" em 2023 e concorreu como "Melhor Filme do Ano".
A direção de Pulley merece aplausos, especialmente pela maneira como ela constrói a narrativa visualmente - eu diria que o filme é uma poesia visual, como "Retrato de uma Jovem em Chamas". A paleta de cores mais esverdeada, quase sem saturação, reflete exatamente o momento íntimo que as personagens estão passando. Existe uma frieza que conectada à fotografia do diretor Luc Montpellier (de "Tales from the Loop") cria uma atmosfera delicada, porém densa, que serve de moldura para o excepcional elenco brilhar. Além disso, por favor, reparem na trilha sonora original e como ela contribui para uma imersão visceral, nos guiando pelas profundezas das emoções sem precisar se sobressair.
De fato, o elenco de "Entre Mulheres" oferece performances notáveis que elevam a narrativa aos patamares mais altos que uma produção tão intimista pode chegar. Pulley é sagaz em trabalhar o silêncio e em quebrar nossas expectativas com trocas de tom em um piscar de olhos - a verdade é que nunca sabemos o que vamos encontrar: se um conforto, uma palavra de sabedoria, uma passagem religiosa ou simplesmente uma discussão bastante ofensiva. Claire Foy, Rooney Mara, Judith Ivey e Jessie Buckley dão um verdadeiro show!
Para aqueles que se permitirem embarcar na proposta da diretora, eu adianto que "Entre Mulheres" tem uma capacidade única de mexer com nossas emoções de uma forma muito particular - essencialmente na audiência feminina. A narrativa não se contenta em apresentar uma história simples com superficialidade; em vez disso, ela mergulha fundo nas experiências das personagens, explorando temas como o amor, o perdão, o arrependimento e a reconciliação, mesmo que submersa naquela atmosfera de alienação, religião e violência.
Vale seu play, mas não assista com sono!
Uma pancada! "Está tudo certo", filme alemão distribuído pela Netflix, merece sua atenção por tratar de um assunto extremamente delicado sem fazer qualquer pré-julgamento, deixando para quem assiste a total liberdade para refletir e interpretar cada uma das atitudes dos personagens (muito bem construídos, por sinal) em várias situações que nos tiram a direção. "Está tudo certo" fala sobre estupro e suas consequências!
"Alles Ist Gut", título original, conta a história de Janne, uma editora de livros que vive uma conturbada relação com o explosivo Piet. Ao ir a uma festa sem a companhia do namorado, Janne acaba aproveitando para se divertir e beber até altas horas com Martin, cunhado do seu chefe. Ao convidá-lo para dormir em sua casa, Martin acaba fazendo uma interpretação errada das intenções de Janne. Ele continua fazendo suas investidas mesmo com as constantes negativas de Janne, até que acaba forçando uma relação sexual. A partir daí, o que vemos é uma mulher tentando entender o que aconteceu realmente e fazendo de tudo para superar aquele trauma sem grandes dramas (ou marcas). Confira o trailer (em alemão):
O trabalho da atriz que interpreta Janne é sensacional. Aenne Schwarz traz para a personagem uma neutralidade assustadora. A dubiedade perante o acontecido e sua percepção sobre suas relações ganham muita força a partir de seu silêncio, do sorriso forçado, da necessidade de parecer mais forte que sua vulnerabilidade física. A direção da estreante Eva Trobisch é muito provocativa nesse sentido, pois ela faz questão de não entregar o que a audiência gostaria de ver acontecer - ela não cai na tentação de julgar e de promover um confronto, muito pelo contrário, ela só vai nos colocando indagações em cima de indagações que chegam a incomodar pela discussão sobre a (i)moralidade. Com muitos planos fechados, temos a impressão de estar dentro da cabeça da protagonista em vários momentos e de carregar toda a sua dor e insegurança. A câmera solta, os cortes bruscos e o desenho de som muito bem alinhados com a montagem só ajudam a fortalecer essa sensação de descontinuidade e desconforto. É lindo de ver!
Mas é bom deixar bem claro: "Está tudo certo" é um filme autoral, lento e silencioso - é um filme realmente difícil! Não é para qualquer um e muito menos para se entreter numa sexta-feira à noite. "Está tudo certo" é um filme de reflexão e de discussão pós-créditos - difícil de digerir, mas essencial! Vale dizer que o filme foi indicado ao Leopardo de Ouro de Locarno em 2018, e Eva Trobisch ganhou como "O Melhor Primeiro Filme" no festival - um dos mais importantes e prestigiados do mundo.
Com todas essas ressalvas, tem a minha indicação!
Uma pancada! "Está tudo certo", filme alemão distribuído pela Netflix, merece sua atenção por tratar de um assunto extremamente delicado sem fazer qualquer pré-julgamento, deixando para quem assiste a total liberdade para refletir e interpretar cada uma das atitudes dos personagens (muito bem construídos, por sinal) em várias situações que nos tiram a direção. "Está tudo certo" fala sobre estupro e suas consequências!
"Alles Ist Gut", título original, conta a história de Janne, uma editora de livros que vive uma conturbada relação com o explosivo Piet. Ao ir a uma festa sem a companhia do namorado, Janne acaba aproveitando para se divertir e beber até altas horas com Martin, cunhado do seu chefe. Ao convidá-lo para dormir em sua casa, Martin acaba fazendo uma interpretação errada das intenções de Janne. Ele continua fazendo suas investidas mesmo com as constantes negativas de Janne, até que acaba forçando uma relação sexual. A partir daí, o que vemos é uma mulher tentando entender o que aconteceu realmente e fazendo de tudo para superar aquele trauma sem grandes dramas (ou marcas). Confira o trailer (em alemão):
O trabalho da atriz que interpreta Janne é sensacional. Aenne Schwarz traz para a personagem uma neutralidade assustadora. A dubiedade perante o acontecido e sua percepção sobre suas relações ganham muita força a partir de seu silêncio, do sorriso forçado, da necessidade de parecer mais forte que sua vulnerabilidade física. A direção da estreante Eva Trobisch é muito provocativa nesse sentido, pois ela faz questão de não entregar o que a audiência gostaria de ver acontecer - ela não cai na tentação de julgar e de promover um confronto, muito pelo contrário, ela só vai nos colocando indagações em cima de indagações que chegam a incomodar pela discussão sobre a (i)moralidade. Com muitos planos fechados, temos a impressão de estar dentro da cabeça da protagonista em vários momentos e de carregar toda a sua dor e insegurança. A câmera solta, os cortes bruscos e o desenho de som muito bem alinhados com a montagem só ajudam a fortalecer essa sensação de descontinuidade e desconforto. É lindo de ver!
Mas é bom deixar bem claro: "Está tudo certo" é um filme autoral, lento e silencioso - é um filme realmente difícil! Não é para qualquer um e muito menos para se entreter numa sexta-feira à noite. "Está tudo certo" é um filme de reflexão e de discussão pós-créditos - difícil de digerir, mas essencial! Vale dizer que o filme foi indicado ao Leopardo de Ouro de Locarno em 2018, e Eva Trobisch ganhou como "O Melhor Primeiro Filme" no festival - um dos mais importantes e prestigiados do mundo.
Com todas essas ressalvas, tem a minha indicação!
Uma imersão pelo desespero humano perante uma burocracia desumana de um sistema hipócrita e ultrapassada! Talvez não exista forma melhor de definir “Eu, Daniel Blake” depois de assimilar a pancada que é se envolver com a narrativa proposta pelo brilhante diretor Ken Loach (de "Mundo Livre"). E aqui vale ressaltar que Loach não apenas levou para casa a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2016, mas também tocou corações e mentes ao redor do mundo como poucas vezes vimos no cinema moderno - seu filme recebeu mais de 30 prêmios em festivais, além de reconhecimento no Bafta, no Goya, em Locarno e no Cézar Awards. Embora o filme seja uma crítica contundente ao sistema de assistência social britânico, sua mensagem ressoa universalmente, ecoando as lutas de muitos que enfrentam a burocracia opressora em momentos de extrema vulnerabilidade - e isso dói demais! Comparável a outras produções do próprio Loach ao trazer para tela discussões profundas sobre dramas sociais, “Eu, Daniel Blake”, posso garantir, se destaca por seu realismo brutal e por sua jornada visceral na busca pelo que é certo por direito.
Daniel Blake (Dave Johns) é um carpinteiro de 59 anos que, após sofrer um ataque cardíaco, se vê incapaz de trabalhar e por isso precisa solicitar benefícios sociais. Durante sua jornada, ele conhece Katie (Hayley Squires), uma mãe solteira que também enfrenta as dificuldades de um sistema indiferente às necessidades humanas. Juntos, Daniel e Katie formam uma aliança improvável e comovente contra a desumanização burocrática, lutando para manter sua dignidade e, principalmente, a esperança. Confira o trailer:
Não tem como iniciar uma análise mais técnica sem citar Ken Loach - ele é simplesmente magistral como diretor ao transformar uma narrativa até certo ponto simples em uma poderosa crítica social sem soar politizado demais! Loach, conhecido por seu estilo realista e por sua abordagem direta, captura a essência da luta cotidiana dos menos favorecidos e decodifica narrativamente como um verdadeira jornada do herói, sem esteriótipos ou pré-conceitos. Repare como ele faz isso sem exageros melodramáticos, sempre se apoiando em uma honestidade brutal que nos obriga, de um lado, uma reflexão mais estruturada e de outro, uma certa necessidade de confronto perante as injustiças retratadas.
A partir de sua identidade fortemente estabelecida em sua filmografia, Loach brinca com nossa percepção sobre onde começa a "ficção" e termina o "documental" ao escolher atores amadores ou pouco conhecidos, como o próprio Dave Johns, adicionando assim uma camada de autenticidade impressionante e para muitos, até rara. Aliás, Johns, com sua atuação crua e sincera, é a personificação da resistência silenciosa e um símbolo da desesperança para muitos que estão à margem da sociedade. A belíssima fotografia de Robbie Ryan (indicado ao Oscar duas vezes, por "Pobres Criaturas" e "A Favorita") também merece destaque - existe uma simplicidade tão eficaz perante um trabalho tão complexo que é preciso aplaudir de pé. A câmera de Ryan segue de perto os personagens, quase como um documentário, reforçando a sensação de realidade e urgência. As cores são frias e a iluminação é natural, refletindo toda essa atmosfera mais opressiva e desoladora da vida de Daniel e Katie. Essa abordagem visual complementa perfeitamente o conceito narrativo do filme, nos levando em uma experiência onde o foco é unicamente os protagonistas sem distração estética alguma.
“Eu, Daniel Blake” é um filme que todos deveriam assistir - e você vai entender essa observação assim que os créditos subirem. Esse filme não apenas expõe as falhas de um sistema que deveria proteger os mais vulneráveis, mas também celebra a resiliência e a solidariedade humana por um olhar bem mais empático. Ken Loach está no melhor da sua forma, ele oferece uma visão implacável, porém essencial, da luta por dignidade em um mundo cada vez mais indiferente. Olha, não será uma jornada confortável, mas se você estiver disposto a encarar a dura realidade apresentada por Loach, “Eu, Daniel Blake” será uma experiência, de fato, inesquecível. Pode me cobrar depois!
Uma imersão pelo desespero humano perante uma burocracia desumana de um sistema hipócrita e ultrapassada! Talvez não exista forma melhor de definir “Eu, Daniel Blake” depois de assimilar a pancada que é se envolver com a narrativa proposta pelo brilhante diretor Ken Loach (de "Mundo Livre"). E aqui vale ressaltar que Loach não apenas levou para casa a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2016, mas também tocou corações e mentes ao redor do mundo como poucas vezes vimos no cinema moderno - seu filme recebeu mais de 30 prêmios em festivais, além de reconhecimento no Bafta, no Goya, em Locarno e no Cézar Awards. Embora o filme seja uma crítica contundente ao sistema de assistência social britânico, sua mensagem ressoa universalmente, ecoando as lutas de muitos que enfrentam a burocracia opressora em momentos de extrema vulnerabilidade - e isso dói demais! Comparável a outras produções do próprio Loach ao trazer para tela discussões profundas sobre dramas sociais, “Eu, Daniel Blake”, posso garantir, se destaca por seu realismo brutal e por sua jornada visceral na busca pelo que é certo por direito.
Daniel Blake (Dave Johns) é um carpinteiro de 59 anos que, após sofrer um ataque cardíaco, se vê incapaz de trabalhar e por isso precisa solicitar benefícios sociais. Durante sua jornada, ele conhece Katie (Hayley Squires), uma mãe solteira que também enfrenta as dificuldades de um sistema indiferente às necessidades humanas. Juntos, Daniel e Katie formam uma aliança improvável e comovente contra a desumanização burocrática, lutando para manter sua dignidade e, principalmente, a esperança. Confira o trailer:
Não tem como iniciar uma análise mais técnica sem citar Ken Loach - ele é simplesmente magistral como diretor ao transformar uma narrativa até certo ponto simples em uma poderosa crítica social sem soar politizado demais! Loach, conhecido por seu estilo realista e por sua abordagem direta, captura a essência da luta cotidiana dos menos favorecidos e decodifica narrativamente como um verdadeira jornada do herói, sem esteriótipos ou pré-conceitos. Repare como ele faz isso sem exageros melodramáticos, sempre se apoiando em uma honestidade brutal que nos obriga, de um lado, uma reflexão mais estruturada e de outro, uma certa necessidade de confronto perante as injustiças retratadas.
A partir de sua identidade fortemente estabelecida em sua filmografia, Loach brinca com nossa percepção sobre onde começa a "ficção" e termina o "documental" ao escolher atores amadores ou pouco conhecidos, como o próprio Dave Johns, adicionando assim uma camada de autenticidade impressionante e para muitos, até rara. Aliás, Johns, com sua atuação crua e sincera, é a personificação da resistência silenciosa e um símbolo da desesperança para muitos que estão à margem da sociedade. A belíssima fotografia de Robbie Ryan (indicado ao Oscar duas vezes, por "Pobres Criaturas" e "A Favorita") também merece destaque - existe uma simplicidade tão eficaz perante um trabalho tão complexo que é preciso aplaudir de pé. A câmera de Ryan segue de perto os personagens, quase como um documentário, reforçando a sensação de realidade e urgência. As cores são frias e a iluminação é natural, refletindo toda essa atmosfera mais opressiva e desoladora da vida de Daniel e Katie. Essa abordagem visual complementa perfeitamente o conceito narrativo do filme, nos levando em uma experiência onde o foco é unicamente os protagonistas sem distração estética alguma.
“Eu, Daniel Blake” é um filme que todos deveriam assistir - e você vai entender essa observação assim que os créditos subirem. Esse filme não apenas expõe as falhas de um sistema que deveria proteger os mais vulneráveis, mas também celebra a resiliência e a solidariedade humana por um olhar bem mais empático. Ken Loach está no melhor da sua forma, ele oferece uma visão implacável, porém essencial, da luta por dignidade em um mundo cada vez mais indiferente. Olha, não será uma jornada confortável, mas se você estiver disposto a encarar a dura realidade apresentada por Loach, “Eu, Daniel Blake” será uma experiência, de fato, inesquecível. Pode me cobrar depois!