Antes de iniciar esse review, uma pergunta: você mentiria para seu companheiro com o intuito de não desmotivá-lo perante uma jornada? Pois bem, é na tentativa de responder essa pergunta capciosa que a diretora e roteirista Nicole Holofcener (dos excelentes "Mrs. Fletcher" e "Togetherness") constrói um retrato ácido e comovente sobre as relações e as complexidades do casamento pela perspectiva da insegurança e da busca pela validação mesmo depois de uma certa idade. "Verdades Dolorosas" é um filme leve, divertido, mas muito realista - tão realista que não serão poucas as vezes que você vai se pegar rindo de si mesma ao se ver retratada na tela. Mas fica um aviso: ao melhor estilo Woody Allen, o filme ambientado em Nova York é quase uma crônica sobre as neuroses e os dilemas da classe média alta que, mais do que nos divertir, nos convida para ótimas reflexões, ou seja, é preciso gostar desse estilo narrativo onde o charme da história está naquilo com que nos identificamos, não necessariamente naquilo que estamos assistindo.
Protagonizado pela icônica Julia Louis-Dreyfus (de "Veep") e pelo versátil Tobias Menzies (de "The Crown" e "Game of Thrones"), "You Hurt My Feelings" (no original) acompanha a jornada de Beth, uma romancista de sucesso, e Don, seu marido, em uma vida aparentemente perfeita, mas que começa a ruir quando ela acidentalmente ouve ele criticando seu novo livro de forma brutal e honesta, mesmo dizendo repetidamente para ela que havia gostado! Confira o trailer:
A partir de um evento aparentemente banal, "Verdades Dolorosas" tece uma narrativa rica em nuances, explorando os meandros da comunicação, a fragilidade do ego e os questionamentos que surgem quando a verdade nua e crua é exposta. Como já havia provado em seus outros trabalhos, Holofcener demonstra maestria na construção de personagens para esse tipo de embate, explorando camadas e ambiguidades que os tornam extremamente humanos e cativantes - daí a facilidade de identificação com as dores e frustrações de cada um deles.
Obviamente que a química entre Louis-Dreyfus e Menzies ajuda muito nessa entrega - a relação de seus personagens é tão palpável quanto suas performances, transbordando sensações e sentimentos repletos de emoção. Veja, o trabalho de Holofcener como diretora (essencialmente de atores) permite que eles transitem com a mesma competência entre a comédia sutil até o drama mais intimista onde percebemos uma real e profunda dor, só que sem pesar muito na mão. Existe uma precisão e uma sensibilidade que somados ao trabalho magistral do fotógrafo Jeffrey Waldron (de "The Morning Show") elevam a qualidade da narrativa colocando-a em outro patamar - o que eu quero dizer é que, por mais que possa parecer bobinha em um primeiro olhar, "Verdades Dolorosas" vai te tocar. Waldron usa uma câmera mais fixa e lentes mais fechadas para criar uma atmosfera intimista e claustrofóbica que reflete o estado emocional dos personagens, enquanto seus planos mais abertos passeiam por uma charmosa e apaixonante Nova York. A trilha sonora mais minimalista, composta por Michael Andrews, sem dúvida, complementa essa atmosfera com notas melancólicas e introspectivas, ao mesmo tempo otimistas e emotivas.
O fato é que "Verdades Dolorosas" não se limita a ser apenas um filme sobre um casamento em crise. Aqui temos uma reflexão profunda (e divertida) sobre a natureza das relações verdadeiramente sinceras, senão pelas palavras, pelo receio de magoar quem realmente amamos. Discussões sobre a busca pela aprovação do outro e a importância de uma comunicação honesta em qualquer relacionamento estão ali, mas acredite: a beleza desse filme está no entendimento de que a última coisa que queremos é magoar aqueles que escolhemos para dividir essa jornada complicada chamada vida!
Vale seu play!
Antes de iniciar esse review, uma pergunta: você mentiria para seu companheiro com o intuito de não desmotivá-lo perante uma jornada? Pois bem, é na tentativa de responder essa pergunta capciosa que a diretora e roteirista Nicole Holofcener (dos excelentes "Mrs. Fletcher" e "Togetherness") constrói um retrato ácido e comovente sobre as relações e as complexidades do casamento pela perspectiva da insegurança e da busca pela validação mesmo depois de uma certa idade. "Verdades Dolorosas" é um filme leve, divertido, mas muito realista - tão realista que não serão poucas as vezes que você vai se pegar rindo de si mesma ao se ver retratada na tela. Mas fica um aviso: ao melhor estilo Woody Allen, o filme ambientado em Nova York é quase uma crônica sobre as neuroses e os dilemas da classe média alta que, mais do que nos divertir, nos convida para ótimas reflexões, ou seja, é preciso gostar desse estilo narrativo onde o charme da história está naquilo com que nos identificamos, não necessariamente naquilo que estamos assistindo.
Protagonizado pela icônica Julia Louis-Dreyfus (de "Veep") e pelo versátil Tobias Menzies (de "The Crown" e "Game of Thrones"), "You Hurt My Feelings" (no original) acompanha a jornada de Beth, uma romancista de sucesso, e Don, seu marido, em uma vida aparentemente perfeita, mas que começa a ruir quando ela acidentalmente ouve ele criticando seu novo livro de forma brutal e honesta, mesmo dizendo repetidamente para ela que havia gostado! Confira o trailer:
A partir de um evento aparentemente banal, "Verdades Dolorosas" tece uma narrativa rica em nuances, explorando os meandros da comunicação, a fragilidade do ego e os questionamentos que surgem quando a verdade nua e crua é exposta. Como já havia provado em seus outros trabalhos, Holofcener demonstra maestria na construção de personagens para esse tipo de embate, explorando camadas e ambiguidades que os tornam extremamente humanos e cativantes - daí a facilidade de identificação com as dores e frustrações de cada um deles.
Obviamente que a química entre Louis-Dreyfus e Menzies ajuda muito nessa entrega - a relação de seus personagens é tão palpável quanto suas performances, transbordando sensações e sentimentos repletos de emoção. Veja, o trabalho de Holofcener como diretora (essencialmente de atores) permite que eles transitem com a mesma competência entre a comédia sutil até o drama mais intimista onde percebemos uma real e profunda dor, só que sem pesar muito na mão. Existe uma precisão e uma sensibilidade que somados ao trabalho magistral do fotógrafo Jeffrey Waldron (de "The Morning Show") elevam a qualidade da narrativa colocando-a em outro patamar - o que eu quero dizer é que, por mais que possa parecer bobinha em um primeiro olhar, "Verdades Dolorosas" vai te tocar. Waldron usa uma câmera mais fixa e lentes mais fechadas para criar uma atmosfera intimista e claustrofóbica que reflete o estado emocional dos personagens, enquanto seus planos mais abertos passeiam por uma charmosa e apaixonante Nova York. A trilha sonora mais minimalista, composta por Michael Andrews, sem dúvida, complementa essa atmosfera com notas melancólicas e introspectivas, ao mesmo tempo otimistas e emotivas.
O fato é que "Verdades Dolorosas" não se limita a ser apenas um filme sobre um casamento em crise. Aqui temos uma reflexão profunda (e divertida) sobre a natureza das relações verdadeiramente sinceras, senão pelas palavras, pelo receio de magoar quem realmente amamos. Discussões sobre a busca pela aprovação do outro e a importância de uma comunicação honesta em qualquer relacionamento estão ali, mas acredite: a beleza desse filme está no entendimento de que a última coisa que queremos é magoar aqueles que escolhemos para dividir essa jornada complicada chamada vida!
Vale seu play!
"Viver duas vezes" é um filme interessante, pois ele transita entre a comédia e o drama em um piscar de olhos e isso, sem dúvida, nos provoca os mais diversos sentimentos - o que para um filme como esse, não poderia ser um melhor elogio. Esse filme espanhol (mais um dos bons) conta a história de um professor de matemática aposentado chamado Emilio (Oscar Martínez do excelente "O Cidadão Ilustre"). Mal humorado, metódico e completamente avesso ao uso de tecnologia, Emilio é um homem solitário que se contenta com uma vida pacata, tranquila, onde seus momentos de prazer se resumem em comer um pão com tomate e jogar Sudoku (que ele insiste em chamar de quadrado mágico) no seu Café preferido em Valência. Porém, sua vida vira de ponta cabeça quando ele é diagnosticado com Alzheimer. Resiliente com sua condição ele resolve procurar pelo seu grande amor adolescente antes que possa esquecê-la definitivamente por causa da doença. Confira o trailer, dublado:
Além de um Oscar Martínez brilhante como é de costume, o grande mérito de "Viver duas vezes" é, sem dúvida, a forma como a roteirista María Mínguez trata o assunto da doença e como a diretora Maria Ripoll imprime leveza e bom humor durante toda a jornada de Emilio na sua busca por Margarita (Isabel Requena). Enquanto Emilio não demonstra nenhum tipo de auto-piedade, sua neta Blanca (a divertida Mafalda Carbonell), uma pré-adolescente com deficiência física, escarancara uma relação verdadeira recheada de ironias e provocações bem humoradas devido as respectivas condições. O roteiro trás diálogos tão inteligentes que equilibra de uma forma magistral a comédia de situações e relações familiares com o drama e angustia da ação devastadora da doença! Olha, vale muito a pena - talvez o finalzinho deixe um pouco a desejar pela necessidade de entregar uma mensagem de amor, mas de resto é uma excelente pedida!
"Viver duas vezes" se apoia no trabalho do elenco sem deixar de valorizar um ótimo roteiro e uma direção bastante competente. Peço licença para repetir uma passagem que escrevi no review da série "O Método Kominsky" e que se encaixa perfeitamente aqui: "O mal humor tem seu charme (vide Dr. House) e o desprendimento ao lidar com ele de uma forma leve, trás muita coisa boa para essa comédia cheia de drama (e de verdade)". Reparem na forma como as relações são discutidas: entre marido e mulher, entre pai e filha, entre vô e neta; ou como a dinâmica social atual e escolhas pessoais fundamentadas na superficialidade são discutidas quando Blanca comenta sobre a profissão de Coach do pai: “É uma profissão que ele inventou para não admitir que está desempregado”. E até quando Emilio comenta sobre a profissão que a filha insiste em contextualizar como mais importante do que realmente é, apenas para impressionar os outros ou ganhar algum respeito!
Porém, nem tudo é perfeito! A crise no casamento entre Julia (Inma Cuesta) e Felipe (Nacho López) ou a descoberta do namorado virtual de Blanca e ainda a progressão da doença de Emilio no final do filme, poderiam ser melhor trabalhados. Algumas soluções narrativas não me agradaram: a maneira como Blanca consegue o endereço verdadeiro de Margarita é um bom exemplo - sem falar na cena do casamento, completamente dispensável, não fosse o alivio dramático que ela gerou na introdução do terceiro ato. Outro elemento muito bacana e que joga o filme lá para cima é a fotografia da diretora Núria Roldos (de "Merlí") - é impossível não desejar conhecer o visual deslumbrante de Valência e Navarra, na Espanha.
"Viver duas vezes" é um filme muito bacana, com muito mais acertos do que falhas. É uma dramédia característica do novo cinema espanhol e que vai conquistar muitos assinantes da Netflix. Se não tem a delicadeza ou a profundidade do cinema francês em filmes como "O melhor está por vir" ou "Intocáveis" tem o humor ácido e inteligente de "O Cidadão Ilustre" ou do argentino "Minha Obra-Prima". Pode dar o play sem o menor receio que a diversão e a emoção estão garantidos!
"Viver duas vezes" é um filme interessante, pois ele transita entre a comédia e o drama em um piscar de olhos e isso, sem dúvida, nos provoca os mais diversos sentimentos - o que para um filme como esse, não poderia ser um melhor elogio. Esse filme espanhol (mais um dos bons) conta a história de um professor de matemática aposentado chamado Emilio (Oscar Martínez do excelente "O Cidadão Ilustre"). Mal humorado, metódico e completamente avesso ao uso de tecnologia, Emilio é um homem solitário que se contenta com uma vida pacata, tranquila, onde seus momentos de prazer se resumem em comer um pão com tomate e jogar Sudoku (que ele insiste em chamar de quadrado mágico) no seu Café preferido em Valência. Porém, sua vida vira de ponta cabeça quando ele é diagnosticado com Alzheimer. Resiliente com sua condição ele resolve procurar pelo seu grande amor adolescente antes que possa esquecê-la definitivamente por causa da doença. Confira o trailer, dublado:
Além de um Oscar Martínez brilhante como é de costume, o grande mérito de "Viver duas vezes" é, sem dúvida, a forma como a roteirista María Mínguez trata o assunto da doença e como a diretora Maria Ripoll imprime leveza e bom humor durante toda a jornada de Emilio na sua busca por Margarita (Isabel Requena). Enquanto Emilio não demonstra nenhum tipo de auto-piedade, sua neta Blanca (a divertida Mafalda Carbonell), uma pré-adolescente com deficiência física, escarancara uma relação verdadeira recheada de ironias e provocações bem humoradas devido as respectivas condições. O roteiro trás diálogos tão inteligentes que equilibra de uma forma magistral a comédia de situações e relações familiares com o drama e angustia da ação devastadora da doença! Olha, vale muito a pena - talvez o finalzinho deixe um pouco a desejar pela necessidade de entregar uma mensagem de amor, mas de resto é uma excelente pedida!
"Viver duas vezes" se apoia no trabalho do elenco sem deixar de valorizar um ótimo roteiro e uma direção bastante competente. Peço licença para repetir uma passagem que escrevi no review da série "O Método Kominsky" e que se encaixa perfeitamente aqui: "O mal humor tem seu charme (vide Dr. House) e o desprendimento ao lidar com ele de uma forma leve, trás muita coisa boa para essa comédia cheia de drama (e de verdade)". Reparem na forma como as relações são discutidas: entre marido e mulher, entre pai e filha, entre vô e neta; ou como a dinâmica social atual e escolhas pessoais fundamentadas na superficialidade são discutidas quando Blanca comenta sobre a profissão de Coach do pai: “É uma profissão que ele inventou para não admitir que está desempregado”. E até quando Emilio comenta sobre a profissão que a filha insiste em contextualizar como mais importante do que realmente é, apenas para impressionar os outros ou ganhar algum respeito!
Porém, nem tudo é perfeito! A crise no casamento entre Julia (Inma Cuesta) e Felipe (Nacho López) ou a descoberta do namorado virtual de Blanca e ainda a progressão da doença de Emilio no final do filme, poderiam ser melhor trabalhados. Algumas soluções narrativas não me agradaram: a maneira como Blanca consegue o endereço verdadeiro de Margarita é um bom exemplo - sem falar na cena do casamento, completamente dispensável, não fosse o alivio dramático que ela gerou na introdução do terceiro ato. Outro elemento muito bacana e que joga o filme lá para cima é a fotografia da diretora Núria Roldos (de "Merlí") - é impossível não desejar conhecer o visual deslumbrante de Valência e Navarra, na Espanha.
"Viver duas vezes" é um filme muito bacana, com muito mais acertos do que falhas. É uma dramédia característica do novo cinema espanhol e que vai conquistar muitos assinantes da Netflix. Se não tem a delicadeza ou a profundidade do cinema francês em filmes como "O melhor está por vir" ou "Intocáveis" tem o humor ácido e inteligente de "O Cidadão Ilustre" ou do argentino "Minha Obra-Prima". Pode dar o play sem o menor receio que a diversão e a emoção estão garantidos!