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Verdade e Justiça

"Verdade e Justiça" chegou na Prime Vídeo da Amazon com status de ter representado a Estônia no Globo de Ouro e no Oscar 2021 e com isso chancelar sua qualidade narrativa e visual. De fato, o filme é irretocável tecnicamente e tem um conceito visual de cair o queixo, porém sua narrativa é muito difícil, lenta, cadenciada, sem muitos conflitos - me lembrou um filme espanhol de 2018 chamado "Sob a Pele do Lobo". Veja, o filme é lindo, profundo, mas será preciso certa persistência e explico a razão abaixo!

O filme conta a história de Andrés (Priit Loog), um homem de poucas posses que obtém uma fazenda num lugar inóspito (apesar de belo) na Estônia do século XIX, para estabelecer vida nova com sua mulher, Krõõt (Maiken Pius). Para melhorar de vida, no entanto, ele terá que lutar contra a resistência da terra úmida e pantanosa de sua nova propriedade, ao mesmo tempo que terá que lidar com seu grosseiro vizinho, Pearu (Priit Võigemast). Confira o trailer:

O primeiro elemento que chama a atenção, sem dúvida, é a fotografia do diretor Rein Kotov - ele foi o fotógrafo de outro filme indicado ao Oscar, dessa vez o representante da Geórgia: "Tangerinas" de 2013. A quantidade de planos abertos que enaltecem as belezas da Europa Oriental são tão imponentes quanto os planos fechados que expõe a alma dos personagens em momentos belíssimos, com performances de se aplaudir de pé. Destaco o trabalho de Loog, mas principalmente de Võigemast.  

Dirigido pelo estreante e talentoso Tanel Toom (guardem esse nome), "Verdade e Justiça" (Tõde ja õigus, no original) discute a complexidade dessas duas palavras e como um homem pode se perder enquanto persegue cada uma delas a todo custo. O filme fala da dor da perda, da insegurança do novo, da falta de controle sobre os eventos da vida, mas principalmente, da forma como lidamos com as adversidades e como a sequência de alguns atos podem mudar nossa forma de enxergar o mundo e o outro! É por isso que no início do filme não temos dificuldade de torcer por Andrés, mas após perceber que aquele lugar que ele construiu com a esperança de encontrar a felicidade, e que curiosamente é chamado de "Ascensão do Ladrão", deixa de representar um sonho para se tornar uma espécie de obsessão, corrompendo sua alma e nos apresentando um outro lado do personagem, somos obrigados a rever nossa opinião e passar a julgar, também, suas atitudes - como em "O Farol".

Mas por que será necessário ser persistente? Simplesmente pelo fato do filme ter mais de duas horas e meia, ser uma história que se passa em vinte e quatro anos, com pouquíssima ação e muitos diálogos, além de ter uma dinâmica narrativa lenta demais. Será necessário uma certa sensibilidade para mergulhar naquela atmosfera gélida e assim aproveitar as inúmeras reviravoltas que a história (como a vida) dá!

Vale a pena, para aqueles que buscam a complexidade da alma humana e sua relação com o meio em que está inserida! 

Assista Agora

"Verdade e Justiça" chegou na Prime Vídeo da Amazon com status de ter representado a Estônia no Globo de Ouro e no Oscar 2021 e com isso chancelar sua qualidade narrativa e visual. De fato, o filme é irretocável tecnicamente e tem um conceito visual de cair o queixo, porém sua narrativa é muito difícil, lenta, cadenciada, sem muitos conflitos - me lembrou um filme espanhol de 2018 chamado "Sob a Pele do Lobo". Veja, o filme é lindo, profundo, mas será preciso certa persistência e explico a razão abaixo!

O filme conta a história de Andrés (Priit Loog), um homem de poucas posses que obtém uma fazenda num lugar inóspito (apesar de belo) na Estônia do século XIX, para estabelecer vida nova com sua mulher, Krõõt (Maiken Pius). Para melhorar de vida, no entanto, ele terá que lutar contra a resistência da terra úmida e pantanosa de sua nova propriedade, ao mesmo tempo que terá que lidar com seu grosseiro vizinho, Pearu (Priit Võigemast). Confira o trailer:

O primeiro elemento que chama a atenção, sem dúvida, é a fotografia do diretor Rein Kotov - ele foi o fotógrafo de outro filme indicado ao Oscar, dessa vez o representante da Geórgia: "Tangerinas" de 2013. A quantidade de planos abertos que enaltecem as belezas da Europa Oriental são tão imponentes quanto os planos fechados que expõe a alma dos personagens em momentos belíssimos, com performances de se aplaudir de pé. Destaco o trabalho de Loog, mas principalmente de Võigemast.  

Dirigido pelo estreante e talentoso Tanel Toom (guardem esse nome), "Verdade e Justiça" (Tõde ja õigus, no original) discute a complexidade dessas duas palavras e como um homem pode se perder enquanto persegue cada uma delas a todo custo. O filme fala da dor da perda, da insegurança do novo, da falta de controle sobre os eventos da vida, mas principalmente, da forma como lidamos com as adversidades e como a sequência de alguns atos podem mudar nossa forma de enxergar o mundo e o outro! É por isso que no início do filme não temos dificuldade de torcer por Andrés, mas após perceber que aquele lugar que ele construiu com a esperança de encontrar a felicidade, e que curiosamente é chamado de "Ascensão do Ladrão", deixa de representar um sonho para se tornar uma espécie de obsessão, corrompendo sua alma e nos apresentando um outro lado do personagem, somos obrigados a rever nossa opinião e passar a julgar, também, suas atitudes - como em "O Farol".

Mas por que será necessário ser persistente? Simplesmente pelo fato do filme ter mais de duas horas e meia, ser uma história que se passa em vinte e quatro anos, com pouquíssima ação e muitos diálogos, além de ter uma dinâmica narrativa lenta demais. Será necessário uma certa sensibilidade para mergulhar naquela atmosfera gélida e assim aproveitar as inúmeras reviravoltas que a história (como a vida) dá!

Vale a pena, para aqueles que buscam a complexidade da alma humana e sua relação com o meio em que está inserida! 

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Volta pra Mim

"Volta pra Mim" é a típica comédia romântica, onde um texto leve, divertido a aparentemente despretensioso esconde boas reflexões - então eu recomendo: não menospreze a história pelo seu primeiro ato, com o tempo ela melhora e proporciona uma ótima experiência para quem gosta do gênero (mesmo achando, e essa é uma opinião muito pessoal, que o filme poderia ter terminado 15 minutos antes).

Peter (Charlie Day) e Emma (Jenny Slate) pensaram que estavam a um passo de viver os maiores momentos da vida – casamento, filhos e casa no subúrbio – até que seus respectivos parceiros, Noah (Scott Eastwood) e Anne (Gina Rodriguez), os abandonaram. Horrorizados ao saber que seus parceiros já seguiram em frente, Peter e Emma tramam um plano, para reconquistá-los, mas, claro, os resultados são inesperados. Confira o trailer:

"I Want You Back" (no original) é uma produção da Amazon Studios que aposta em um conceito que já deu certo durante muitos anos e mesmo com toda previsibilidade do roteiro (que nos dias de hoje parece fazer pouco sentido) ainda consegue impactar positivamente a audiência. Em seu segundo filme como diretor, Jason Orley (de "Amizade Adolescente" - que chegou a ser indicado como Melhor Filme em Drama no Festival de Sundance em 2019) deixa claro que conhece bem a gramática cinematográfica de um gênero que foi se transformando através dos anos, mas que parecia ter perdido o equilíbrio entre o "bobinho" e o "cabeça demais". Sem o propósito de criticar esses dois conceitos narrativos, Orley parece transitar bem entre eles e assim nos presentear com uma obra bastante agradável de assistir - mesmo quando cede à tentação do final "felizes para sempre".

Talvez o grande trunfo de "Volta pra Mim" seja seu objetivo oculto: discutir sobre o amadurecimento das pessoas fora de relações que pareciam os deixar no comodismo. Se em determinado momento Noah pergunta para sua ex: “porque você queria tanto voltar pra mim, se parecia sempre tão desmotivada em nossa relação?” e Emma passa a perceber que, de fato, algo dentro de si mudou, pode ter certeza que esse processo não diz respeito apenas àquela personagem - sim, todos nós já nos fizemos essa pergunta e pode reparar: esses momentos de identificação imediata surgem em várias passagens do filme (acredite: isso vai te fazer rir de si mesmo).

Charlie Day e Jenny Slate funcionam como protagonistas, mas demoram para encontrar o tom exato - principalmente Slate. Com o desenrolar da história começam a brilhar e suas performances ajudam o diretor a encontrar aquele equilíbrio que mencionamos acima. Mesmo com passagens menos, digamos, realistas, as situações criadas para simbolizar que na vida nem tudo será sempre divertido ou trágico, trazem um certo frescor para a narrativa. Nesse sentido não espere muita profundidade, mas sim uma história bacana - ao subir os créditos, eu diria que "Volta pra Mim" poderia ser tranquilamente um episódio engraçadinho de "Modern Love" (da mesma Prime Vídeo) ou de "Easy" (da Netflix), então vale o seu play!

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"Volta pra Mim" é a típica comédia romântica, onde um texto leve, divertido a aparentemente despretensioso esconde boas reflexões - então eu recomendo: não menospreze a história pelo seu primeiro ato, com o tempo ela melhora e proporciona uma ótima experiência para quem gosta do gênero (mesmo achando, e essa é uma opinião muito pessoal, que o filme poderia ter terminado 15 minutos antes).

Peter (Charlie Day) e Emma (Jenny Slate) pensaram que estavam a um passo de viver os maiores momentos da vida – casamento, filhos e casa no subúrbio – até que seus respectivos parceiros, Noah (Scott Eastwood) e Anne (Gina Rodriguez), os abandonaram. Horrorizados ao saber que seus parceiros já seguiram em frente, Peter e Emma tramam um plano, para reconquistá-los, mas, claro, os resultados são inesperados. Confira o trailer:

"I Want You Back" (no original) é uma produção da Amazon Studios que aposta em um conceito que já deu certo durante muitos anos e mesmo com toda previsibilidade do roteiro (que nos dias de hoje parece fazer pouco sentido) ainda consegue impactar positivamente a audiência. Em seu segundo filme como diretor, Jason Orley (de "Amizade Adolescente" - que chegou a ser indicado como Melhor Filme em Drama no Festival de Sundance em 2019) deixa claro que conhece bem a gramática cinematográfica de um gênero que foi se transformando através dos anos, mas que parecia ter perdido o equilíbrio entre o "bobinho" e o "cabeça demais". Sem o propósito de criticar esses dois conceitos narrativos, Orley parece transitar bem entre eles e assim nos presentear com uma obra bastante agradável de assistir - mesmo quando cede à tentação do final "felizes para sempre".

Talvez o grande trunfo de "Volta pra Mim" seja seu objetivo oculto: discutir sobre o amadurecimento das pessoas fora de relações que pareciam os deixar no comodismo. Se em determinado momento Noah pergunta para sua ex: “porque você queria tanto voltar pra mim, se parecia sempre tão desmotivada em nossa relação?” e Emma passa a perceber que, de fato, algo dentro de si mudou, pode ter certeza que esse processo não diz respeito apenas àquela personagem - sim, todos nós já nos fizemos essa pergunta e pode reparar: esses momentos de identificação imediata surgem em várias passagens do filme (acredite: isso vai te fazer rir de si mesmo).

Charlie Day e Jenny Slate funcionam como protagonistas, mas demoram para encontrar o tom exato - principalmente Slate. Com o desenrolar da história começam a brilhar e suas performances ajudam o diretor a encontrar aquele equilíbrio que mencionamos acima. Mesmo com passagens menos, digamos, realistas, as situações criadas para simbolizar que na vida nem tudo será sempre divertido ou trágico, trazem um certo frescor para a narrativa. Nesse sentido não espere muita profundidade, mas sim uma história bacana - ao subir os créditos, eu diria que "Volta pra Mim" poderia ser tranquilamente um episódio engraçadinho de "Modern Love" (da mesma Prime Vídeo) ou de "Easy" (da Netflix), então vale o seu play!

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Voo Noturno

Existem três tipos de filmes que me cativam, as obras-primas, os ótimos e os despretensiosos - que garantem um bom entretenimento para desligar o cérebro.“Voo Noturno” se enquadra nesse terceiro tipo de filme, que me pega pela mão e me convence aceitar uma jornada cheia de absurdos e clichês. Para que isso aconteça não só comigo, um roteiro precisa estar nas mãos de um diretor competente, que faz um trabalho com tanto entusiasmo que você acaba relevando alguns exageros - ou rindo deles -, sem comprometer a sua experiência.

Na trama, Lisa Reisert (Rachel McAdams) é uma gerente de hotel que detesta voar, mas precisa realizar uma viagem quando sua avó morre. No retorno para casa, ela conhece o charmoso Jackson Rippner (Cillian Murphy) no embarque, e fica feliz quando descobre que ele vai sentar ao seu lado no avião. Tudo se transforma em um pesadelo quando, após a decolagem, Jackson diz a Lisa que precisa de sua ajuda para matar um político que se hospedará no hotel em que ela trabalha, ou então ele manda assassinarem o pai dela com uma simples ligação. Confira o trailer (em inglês):

A direção de Wes Craven é frenética e faz com que uma hora e meia de filme termine num piscar de olhos. Você fica tão conectado nesse suspense que reserva diversos desdobramentos, que você mal tem tempo para se incomodar com as situações inverossímeis. O elenco também é um prato cheio, Rachel McAdams (a eterna Regina George de "Meninas Malvads") convence como a mocinha durona. Assim como o ator Cillian Murphy (o gângster de “Peaky Blinders”). Observem a sequência final, esse teria sido um ator perfeito como o Ghostface em um dos filmes da franquia “Pânico” - as semelhanças com “Scream” (título original) também está presente na trilha sonora que foi composta por Marco Beltrami (de "Loga" e "Amor e Monstros").

O fato é que “Voo Noturno” (ou "Red Eye" no original) é um thriller semelhante ao filme “Por Um Fio” (aquele onde Colin Farrell não pode desligar a ligação ou deixar a cabine telefônica, senão um homem será morto) e te prende da mesma forma numa trama envolvente do inicio ao fim.

Se você gosta de um pouco de tensão e está disposto a encarar alguma suspensão da realidade, vale muito o seu play!

Escrito por Mark Hewes - uma parceria @indiqueipraver

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Existem três tipos de filmes que me cativam, as obras-primas, os ótimos e os despretensiosos - que garantem um bom entretenimento para desligar o cérebro.“Voo Noturno” se enquadra nesse terceiro tipo de filme, que me pega pela mão e me convence aceitar uma jornada cheia de absurdos e clichês. Para que isso aconteça não só comigo, um roteiro precisa estar nas mãos de um diretor competente, que faz um trabalho com tanto entusiasmo que você acaba relevando alguns exageros - ou rindo deles -, sem comprometer a sua experiência.

Na trama, Lisa Reisert (Rachel McAdams) é uma gerente de hotel que detesta voar, mas precisa realizar uma viagem quando sua avó morre. No retorno para casa, ela conhece o charmoso Jackson Rippner (Cillian Murphy) no embarque, e fica feliz quando descobre que ele vai sentar ao seu lado no avião. Tudo se transforma em um pesadelo quando, após a decolagem, Jackson diz a Lisa que precisa de sua ajuda para matar um político que se hospedará no hotel em que ela trabalha, ou então ele manda assassinarem o pai dela com uma simples ligação. Confira o trailer (em inglês):

A direção de Wes Craven é frenética e faz com que uma hora e meia de filme termine num piscar de olhos. Você fica tão conectado nesse suspense que reserva diversos desdobramentos, que você mal tem tempo para se incomodar com as situações inverossímeis. O elenco também é um prato cheio, Rachel McAdams (a eterna Regina George de "Meninas Malvads") convence como a mocinha durona. Assim como o ator Cillian Murphy (o gângster de “Peaky Blinders”). Observem a sequência final, esse teria sido um ator perfeito como o Ghostface em um dos filmes da franquia “Pânico” - as semelhanças com “Scream” (título original) também está presente na trilha sonora que foi composta por Marco Beltrami (de "Loga" e "Amor e Monstros").

O fato é que “Voo Noturno” (ou "Red Eye" no original) é um thriller semelhante ao filme “Por Um Fio” (aquele onde Colin Farrell não pode desligar a ligação ou deixar a cabine telefônica, senão um homem será morto) e te prende da mesma forma numa trama envolvente do inicio ao fim.

Se você gosta de um pouco de tensão e está disposto a encarar alguma suspensão da realidade, vale muito o seu play!

Escrito por Mark Hewes - uma parceria @indiqueipraver

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X - A Marca da Morte

Antes de ler essa análise, acho que vale a pena uma rápida sugestão: quanto menos você souber sobre "X - A Marca da Morte", melhor!

Pensando nisso, vou tomar o máximo de cuidado para evitar qualquer tipo de spoiler que possa impactar diretamente na sua experiência, mas já te adiando que estamos falando de um filme muito bom (muito mesmo) - um slasherde respeito, com aquela atmosfera setentista na forma (que carrega um conceito visual muito particular, com movimentos de câmera extremamente alinhados à uma época onde o "susto" era até mais importante que uma boa história) e no conteúdo (que respeita uma gramática cinematográfica envolvente e nostálgica, além de contar com uma trama muito bem construída, inteligente e com a clara proposta de se perpetuar)!

Em 1979, Maxine (Mia Goth), uma jovem cheia de sonhos, Wayne (Martin Henderson), seu namorado, e mais um grupo de amigos vão passar um final de semana em uma fazenda em algum lugar do Texas - a ideia é aproveitar o cenário para gravar um filme pornográfico chamado "The Farmer's Daughters". Ao chegar na propriedade, o grupo é recebido pelo casal Howard e Pearl que nem imagina o real motivo da estadia, porém situações estranhas começam acontecer e passam a impactar diretamente na vida de cada uma dessas pessoas. Confira o trailer:

Embora possa ser classificado com um terror "clássico", existe um certo suspense psicológico que envolve a história e que só fortalece a narrativa desde o primeiro plano do filme - é muito interessante como as relações entre os personagens vão sendo construídas e como elas são muito bem estabelecidas no presente, mesmo carregando algumas marcas do passado. Conforme o filme vai se desenrolando, a atmosfera vai ganhando aquele ar denso de mistério e ao adentramos no cenário onde 100% da trama se desenrola (a fazenda de Howard e Pearl) temos a certeza de que não estamos diante um filme onde a violência será gratuita ou que ela será inserida com o simples objetivo de chocar. Eu diria que existe uma certa honestidade narrativa em "X - A Marca da Morte", pois até o momento do clímax, onde o conflito inevitável acontece, tudo é pacientemente desenvolvido.

Obviamente que essa escolha conceitual vai agradar muitas pessoas, mas também irritar muitas outras pela "demora" dos acontecimentos, então esteja preparado para ir se conectando com o mistério sem a pressão de ver a ação explodir logo cedo - faz parte do jogo. Os personagens são cheios de camadas - Maxine, obviamente justifica essa percepção de complexidade íntima, mas Wayne, Bobby-Lynne (Brittany Snow), Lorraine (Jenna Ortega) e Jackson (Kid Cudi) não ficam muito distantes. A montagem também é um show - a forma com que David Kashevaroff e o diretor Ti West (de "Them") conectam situações que estão em foco com elementos narrativos que estariam no segundo plano gratuitamente, é simplesmente genial. E aqui cabe outro comentário: nada é gratuito no filme, então preste bem atenção!

O fato é que "X - A Marca da Morte" pode ser considerada uma das melhores surpresas de 2022, com sua releitura clássica de um gênero por muito tempo esquecido (ou menosprezado) e que agora com um toque de modernidade e sem esquecer a força do cinema independente, voltou a brilhar! Ti West, aliás, mais uma vez surpreende e deixa claro sua capacidade de mexer com nossas sensações e emoções sem perder a mão - como muitas vezes vimos diretores mais experientes no gênero, como James Wan, perder. Olho nele!

Vale muito o seu play!

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Antes de ler essa análise, acho que vale a pena uma rápida sugestão: quanto menos você souber sobre "X - A Marca da Morte", melhor!

Pensando nisso, vou tomar o máximo de cuidado para evitar qualquer tipo de spoiler que possa impactar diretamente na sua experiência, mas já te adiando que estamos falando de um filme muito bom (muito mesmo) - um slasherde respeito, com aquela atmosfera setentista na forma (que carrega um conceito visual muito particular, com movimentos de câmera extremamente alinhados à uma época onde o "susto" era até mais importante que uma boa história) e no conteúdo (que respeita uma gramática cinematográfica envolvente e nostálgica, além de contar com uma trama muito bem construída, inteligente e com a clara proposta de se perpetuar)!

Em 1979, Maxine (Mia Goth), uma jovem cheia de sonhos, Wayne (Martin Henderson), seu namorado, e mais um grupo de amigos vão passar um final de semana em uma fazenda em algum lugar do Texas - a ideia é aproveitar o cenário para gravar um filme pornográfico chamado "The Farmer's Daughters". Ao chegar na propriedade, o grupo é recebido pelo casal Howard e Pearl que nem imagina o real motivo da estadia, porém situações estranhas começam acontecer e passam a impactar diretamente na vida de cada uma dessas pessoas. Confira o trailer:

Embora possa ser classificado com um terror "clássico", existe um certo suspense psicológico que envolve a história e que só fortalece a narrativa desde o primeiro plano do filme - é muito interessante como as relações entre os personagens vão sendo construídas e como elas são muito bem estabelecidas no presente, mesmo carregando algumas marcas do passado. Conforme o filme vai se desenrolando, a atmosfera vai ganhando aquele ar denso de mistério e ao adentramos no cenário onde 100% da trama se desenrola (a fazenda de Howard e Pearl) temos a certeza de que não estamos diante um filme onde a violência será gratuita ou que ela será inserida com o simples objetivo de chocar. Eu diria que existe uma certa honestidade narrativa em "X - A Marca da Morte", pois até o momento do clímax, onde o conflito inevitável acontece, tudo é pacientemente desenvolvido.

Obviamente que essa escolha conceitual vai agradar muitas pessoas, mas também irritar muitas outras pela "demora" dos acontecimentos, então esteja preparado para ir se conectando com o mistério sem a pressão de ver a ação explodir logo cedo - faz parte do jogo. Os personagens são cheios de camadas - Maxine, obviamente justifica essa percepção de complexidade íntima, mas Wayne, Bobby-Lynne (Brittany Snow), Lorraine (Jenna Ortega) e Jackson (Kid Cudi) não ficam muito distantes. A montagem também é um show - a forma com que David Kashevaroff e o diretor Ti West (de "Them") conectam situações que estão em foco com elementos narrativos que estariam no segundo plano gratuitamente, é simplesmente genial. E aqui cabe outro comentário: nada é gratuito no filme, então preste bem atenção!

O fato é que "X - A Marca da Morte" pode ser considerada uma das melhores surpresas de 2022, com sua releitura clássica de um gênero por muito tempo esquecido (ou menosprezado) e que agora com um toque de modernidade e sem esquecer a força do cinema independente, voltou a brilhar! Ti West, aliás, mais uma vez surpreende e deixa claro sua capacidade de mexer com nossas sensações e emoções sem perder a mão - como muitas vezes vimos diretores mais experientes no gênero, como James Wan, perder. Olho nele!

Vale muito o seu play!

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ZeroZeroZero

ZeroZeroZero

Você vai se surpreender com essa minissérie da Prime Vídeo que provavelmente você nem ouviu falar - ela, aliás, é uma mistura explosiva de "Sicário" do Denis Villeneuve e de "Traffic" do Steven Soderbergh, mas com aquele toque narrativo envolvente de "Narcos"! "ZeroZeroZero", criada por Leonardo Fasoli e Mauricio Katz, e baseada no livro homônimo de Roberto Saviano, é um daqueles raros exemplos em que o gênero de ação transcende a simples narrativa sobre tráfico de drogas para se transformar em um estudo profundo e eletrizante sobre poder, corrupção e as engrenagens invisíveis do crime organizado em escala mundial. Com direção primorosa do italiano Stefano Sollima, do dinamarquês Janus Metz e do argentino Pablo Trapero, essa belíssima produção mergulha no mundo sombrio e implacável da cocaína, capturando as complexas relações entre traficantes, distribuidores e intermediários que lucram (e muito) com essa indústria de proporções inimagináveis!

"ZeroZeroZero" acompanha a trajetória de uma enorme carga de cocaína, desde o momento em que é negociada e encomendada por membros da máfia italiana até a sua chegada na Europa, mostrando as intricadas operações que envolvem cartéis mexicanos, famílias mafiosas e intermediários americanos. Cada personagem envolvido na operação vê sua vida mudar radicalmente à medida que a carga cruza os continentes. Confira o trailer original:

Bem na linha do já mencionado "Traffic" (vencedor de 4 Oscars em 2001), "ZeroZeroZero" explora de forma brilhante três frentes do tráfico simultaneamente: a negociação inicial entre mafiosos italianos da 'Ndrangheta, o transporte realizado por uma família norte-americana especializada em logística e o fornecimento controlado por um poderoso cartel mexicano. Cada um desses núcleos tem uma identidade visual distinta, destacando-se especialmente pela fotografia magistral de Paolo Carnera (de "Suburra") que usa de cores sem saturação até tons escuros e contrastes agressivos para sublinhar a crueza quase documental e o perigo constante em que os personagens vivem. A narrativa, é preciso que se diga, causa algum estranhamento em um primeiro olhar, já que a história é contada de forma não-linear, com saltos temporais e mudanças geográficas constantes, mas calma: basta se acostumar para entender que essa dinâmica mantém um ritmo frenético e extremamente eficiente, conduzido com maestria pelo roteiro de Fasoli e Katz - tenha paciência que tudo vai fazer sentido!

Ao abordar diversos idiomas e culturas, "ZeroZeroZero" oferece uma visão global e perturbadora do tráfico de drogas, ao mesmo tempo em que tece uma crítica pontual sobre como o crime organizado corrompe e influencia a economia e a política mundial. A direção, especialmente nas mãos de Stefano Sollima ("Gomorra"), é impecável ao equilibrar cenas de ação violentas com momentos de tensão dramática profunda - ele domina com perfeição o ritmo narrativo, alternando entre uma sensação de perigo iminente quase insuportável com momentos mais contemplativos, permitindo que a audiência absorva a gravidade das consequências e das escolhas feitas por cada personagem. E aqui preciso citar alguns nomes do elenco: Andrea Riseborough brilha na pele da implacável Emma Lynwood, uma executiva fria e determinada que assume o comando dos negócios da família após um a morte de seu pai. Dane DeHaan que interpreta com competência Chris Lynwood, irmão de Emma - um jovem que precisa lidar com questões pessoais enquanto enfrenta a brutalidade da realidade fora de sua bolha social. E Harold Torres que entrega uma performance arrebatadora como Manuel Contreras - um militar mexicano cuja lealdade e (i)moralidade são constantemente testadas ao longo da história, destacando-se como uma das melhores performances da minissérie. Do lado italiano, impossível não citar Giuseppe De Domenico como o intragável Stefano La Piana.

Em suma, "ZeroZeroZero", posso te garantir, não é apenas uma minissérie superficial e só muito bem produzida sobre o tráfico de drogas, mas sim uma reflexão realmente contundente sobre as engrenagens ocultas do poder global e suas consequências devastadoras. Com uma direção elegante em vários sentidos, atuações marcantes (mesmo que em algumas passagens pareçam um tom acima), um roteiro afiado e uma fotografia (essa sim) deslumbrante, "ZeroZeroZero é uma obra das mais intensas e impactantes, daquelas que prendem a audiência do início ao fim, provocativa e impactante ao ponto de nos abrir os olhos sobre os mecanismos de um sistema bem estruturado que rege o mundo moderno.

Realmente imperdível!

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Você vai se surpreender com essa minissérie da Prime Vídeo que provavelmente você nem ouviu falar - ela, aliás, é uma mistura explosiva de "Sicário" do Denis Villeneuve e de "Traffic" do Steven Soderbergh, mas com aquele toque narrativo envolvente de "Narcos"! "ZeroZeroZero", criada por Leonardo Fasoli e Mauricio Katz, e baseada no livro homônimo de Roberto Saviano, é um daqueles raros exemplos em que o gênero de ação transcende a simples narrativa sobre tráfico de drogas para se transformar em um estudo profundo e eletrizante sobre poder, corrupção e as engrenagens invisíveis do crime organizado em escala mundial. Com direção primorosa do italiano Stefano Sollima, do dinamarquês Janus Metz e do argentino Pablo Trapero, essa belíssima produção mergulha no mundo sombrio e implacável da cocaína, capturando as complexas relações entre traficantes, distribuidores e intermediários que lucram (e muito) com essa indústria de proporções inimagináveis!

"ZeroZeroZero" acompanha a trajetória de uma enorme carga de cocaína, desde o momento em que é negociada e encomendada por membros da máfia italiana até a sua chegada na Europa, mostrando as intricadas operações que envolvem cartéis mexicanos, famílias mafiosas e intermediários americanos. Cada personagem envolvido na operação vê sua vida mudar radicalmente à medida que a carga cruza os continentes. Confira o trailer original:

Bem na linha do já mencionado "Traffic" (vencedor de 4 Oscars em 2001), "ZeroZeroZero" explora de forma brilhante três frentes do tráfico simultaneamente: a negociação inicial entre mafiosos italianos da 'Ndrangheta, o transporte realizado por uma família norte-americana especializada em logística e o fornecimento controlado por um poderoso cartel mexicano. Cada um desses núcleos tem uma identidade visual distinta, destacando-se especialmente pela fotografia magistral de Paolo Carnera (de "Suburra") que usa de cores sem saturação até tons escuros e contrastes agressivos para sublinhar a crueza quase documental e o perigo constante em que os personagens vivem. A narrativa, é preciso que se diga, causa algum estranhamento em um primeiro olhar, já que a história é contada de forma não-linear, com saltos temporais e mudanças geográficas constantes, mas calma: basta se acostumar para entender que essa dinâmica mantém um ritmo frenético e extremamente eficiente, conduzido com maestria pelo roteiro de Fasoli e Katz - tenha paciência que tudo vai fazer sentido!

Ao abordar diversos idiomas e culturas, "ZeroZeroZero" oferece uma visão global e perturbadora do tráfico de drogas, ao mesmo tempo em que tece uma crítica pontual sobre como o crime organizado corrompe e influencia a economia e a política mundial. A direção, especialmente nas mãos de Stefano Sollima ("Gomorra"), é impecável ao equilibrar cenas de ação violentas com momentos de tensão dramática profunda - ele domina com perfeição o ritmo narrativo, alternando entre uma sensação de perigo iminente quase insuportável com momentos mais contemplativos, permitindo que a audiência absorva a gravidade das consequências e das escolhas feitas por cada personagem. E aqui preciso citar alguns nomes do elenco: Andrea Riseborough brilha na pele da implacável Emma Lynwood, uma executiva fria e determinada que assume o comando dos negócios da família após um a morte de seu pai. Dane DeHaan que interpreta com competência Chris Lynwood, irmão de Emma - um jovem que precisa lidar com questões pessoais enquanto enfrenta a brutalidade da realidade fora de sua bolha social. E Harold Torres que entrega uma performance arrebatadora como Manuel Contreras - um militar mexicano cuja lealdade e (i)moralidade são constantemente testadas ao longo da história, destacando-se como uma das melhores performances da minissérie. Do lado italiano, impossível não citar Giuseppe De Domenico como o intragável Stefano La Piana.

Em suma, "ZeroZeroZero", posso te garantir, não é apenas uma minissérie superficial e só muito bem produzida sobre o tráfico de drogas, mas sim uma reflexão realmente contundente sobre as engrenagens ocultas do poder global e suas consequências devastadoras. Com uma direção elegante em vários sentidos, atuações marcantes (mesmo que em algumas passagens pareçam um tom acima), um roteiro afiado e uma fotografia (essa sim) deslumbrante, "ZeroZeroZero é uma obra das mais intensas e impactantes, daquelas que prendem a audiência do início ao fim, provocativa e impactante ao ponto de nos abrir os olhos sobre os mecanismos de um sistema bem estruturado que rege o mundo moderno.

Realmente imperdível!

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Zona de Interesse

Mais do que um soco no estômago (o que de fato, é), "Zona de Interesse" é um verdadeiro tapa na cara da audiência quando, respeitando a potência e a importância da história que está sendo contata, criamos uma certa analogia com o mundo que vivemos hoje - especialmente se olharmos pelo prisma das diferenças sociais tão latentes e que cada vez vem ganhando mais espaço e profundidade pelas mãos do cinema independente (basta olharmos para o sucesso de "Parasita", por exemplo). Pois bem, o filme do diretor Jonathan Glazer nem de longe será uma unanimidade e certamente deve afastar aqueles que buscam respostas claras em uma narrativa. Aqui temos uma experiência cinematográfica visceral e perturbadora, mas muito mais pelo que é sugerido do que pelo que é mostrado - não por acaso que o filme surpreendeu no Oscar 2024 ao levar o prêmio de Melhor Desenho de Som. Aclamado pela crítica e vencedor do prêmio FIPRESCI no Festival de Cannes, além do Oscar de Melhor Filme Internacional, "Zona de Interesse" nos leva a um olhar instigante sobre a banalidade do egoísmo e da relação humana perante o desconfortável.

Na trama acompanhamos o comandante Rudolf Höss (Christian Friedel) e sua esposa Hedwig (Sandra Hüller) enquanto constroem uma vida familiar bucólica em uma casa de luxo exatamente ao lado do campo de concentração de Auschwitz. A rotina doméstica, com seus afazeres banais e conversas triviais, contrasta brutalmente com os horrores que se desenrolam a poucos metros de distância - não raramente simbolizado pelos sons de tiros, gritos e até de um potente incinerador noturno. Essa justaposição cria um efeito tão desconcertante que temos a exata noção do que é morar ao lado do inferno sem ter que olhar para ele. Confira o trailer e sinta o clima:

"Zona de Interesse" não é um filme fácil de assistir - em sua forma e em seu conteúdo. Através de sua abordagem original e corajosa, o filme nos convida a confrontar os horrores do passado e a refletir sobre as raízes do mal, tanto na sociedade quanto no indivíduo - existe um tom de urgência em sua proposta conceitual que sem a menor dúvida coloca o filme naquela prateleira de obra tão necessária quanto importante.Glazer, que basicamente construiu sua carreira dirigindo videos musicais de bandas consagradas como "Massive Attack"e "Radiohead", utiliza uma série de recursos técnicos e estéticos para criar e desenvolver a atmosfera extremamente claustrofóbica e opressora de Auschwitz com o cuidado de não expor visualmente nenhum de seus horrores. Aqui o foco não é o horror em si, mas a percepção dele pelo olhar de quem não quer enfrentá-lo por estar em uma posição mais confortável socialmente.

A fotografia do grande Lukasz Zal (indicado ao Oscar por "Guerra Fria" e pelo fabuloso "Ida") se apropria de enquadramentos rigorosos para criar uma abismo estético entre o real e o fantasioso. Se de um lado do muro as cores brotam do chão a partir da delicadeza das flores em um encontro simbólico entre a paz, a segurança e a tranquilidade; do outro o que vemos é o frio e o monocromático dos tons de cinza e marrom. Reparem como essa experiência visual nos lembra o contraste tão marcante de "Florida Project". A direção precisa de Glazer (uma das melhores do ano) sabe nos provocar de uma maneira muito sensorial, nos jogando por uma jornada perturbadora, sem jamais cair na exploração gratuita da violência ou no sentimentalismo - e é com o apoio da trilha sonora minimalista e de um premiado desenho de som, que temos uma mixagem/aula sobre criação de desconforto e de angústia constantes.

"Zona de Interesse" é mesmo um filme imperdível, mas sua identidade mais independente tende a dividir opiniões. Sem perder aquele natural incômodo de um ritmo super cadenciado, Glazer parece não querer questionar os motivos das crueldades que acontecem do "outro lado do muro" ou até mesmo as motivações dos Höss em se fazerem de surdos em troca de uma vida pautada pela comodidade - e aqui é muito interessante reparar como os personagens secundários lidam com essa mesma condição, mas com propósitos diametralmente opostos. Ainda que o filme pareça trazer para os holofotes toda a crueldade nazista, seu objetivo mesmo é pontuar como o comportamento humano se adapta àquela zona de conforto (ou de interesse) sem muito questionar o status quo.

Imperdível em vários sentidos!

Assista Agora

Mais do que um soco no estômago (o que de fato, é), "Zona de Interesse" é um verdadeiro tapa na cara da audiência quando, respeitando a potência e a importância da história que está sendo contata, criamos uma certa analogia com o mundo que vivemos hoje - especialmente se olharmos pelo prisma das diferenças sociais tão latentes e que cada vez vem ganhando mais espaço e profundidade pelas mãos do cinema independente (basta olharmos para o sucesso de "Parasita", por exemplo). Pois bem, o filme do diretor Jonathan Glazer nem de longe será uma unanimidade e certamente deve afastar aqueles que buscam respostas claras em uma narrativa. Aqui temos uma experiência cinematográfica visceral e perturbadora, mas muito mais pelo que é sugerido do que pelo que é mostrado - não por acaso que o filme surpreendeu no Oscar 2024 ao levar o prêmio de Melhor Desenho de Som. Aclamado pela crítica e vencedor do prêmio FIPRESCI no Festival de Cannes, além do Oscar de Melhor Filme Internacional, "Zona de Interesse" nos leva a um olhar instigante sobre a banalidade do egoísmo e da relação humana perante o desconfortável.

Na trama acompanhamos o comandante Rudolf Höss (Christian Friedel) e sua esposa Hedwig (Sandra Hüller) enquanto constroem uma vida familiar bucólica em uma casa de luxo exatamente ao lado do campo de concentração de Auschwitz. A rotina doméstica, com seus afazeres banais e conversas triviais, contrasta brutalmente com os horrores que se desenrolam a poucos metros de distância - não raramente simbolizado pelos sons de tiros, gritos e até de um potente incinerador noturno. Essa justaposição cria um efeito tão desconcertante que temos a exata noção do que é morar ao lado do inferno sem ter que olhar para ele. Confira o trailer e sinta o clima:

"Zona de Interesse" não é um filme fácil de assistir - em sua forma e em seu conteúdo. Através de sua abordagem original e corajosa, o filme nos convida a confrontar os horrores do passado e a refletir sobre as raízes do mal, tanto na sociedade quanto no indivíduo - existe um tom de urgência em sua proposta conceitual que sem a menor dúvida coloca o filme naquela prateleira de obra tão necessária quanto importante.Glazer, que basicamente construiu sua carreira dirigindo videos musicais de bandas consagradas como "Massive Attack"e "Radiohead", utiliza uma série de recursos técnicos e estéticos para criar e desenvolver a atmosfera extremamente claustrofóbica e opressora de Auschwitz com o cuidado de não expor visualmente nenhum de seus horrores. Aqui o foco não é o horror em si, mas a percepção dele pelo olhar de quem não quer enfrentá-lo por estar em uma posição mais confortável socialmente.

A fotografia do grande Lukasz Zal (indicado ao Oscar por "Guerra Fria" e pelo fabuloso "Ida") se apropria de enquadramentos rigorosos para criar uma abismo estético entre o real e o fantasioso. Se de um lado do muro as cores brotam do chão a partir da delicadeza das flores em um encontro simbólico entre a paz, a segurança e a tranquilidade; do outro o que vemos é o frio e o monocromático dos tons de cinza e marrom. Reparem como essa experiência visual nos lembra o contraste tão marcante de "Florida Project". A direção precisa de Glazer (uma das melhores do ano) sabe nos provocar de uma maneira muito sensorial, nos jogando por uma jornada perturbadora, sem jamais cair na exploração gratuita da violência ou no sentimentalismo - e é com o apoio da trilha sonora minimalista e de um premiado desenho de som, que temos uma mixagem/aula sobre criação de desconforto e de angústia constantes.

"Zona de Interesse" é mesmo um filme imperdível, mas sua identidade mais independente tende a dividir opiniões. Sem perder aquele natural incômodo de um ritmo super cadenciado, Glazer parece não querer questionar os motivos das crueldades que acontecem do "outro lado do muro" ou até mesmo as motivações dos Höss em se fazerem de surdos em troca de uma vida pautada pela comodidade - e aqui é muito interessante reparar como os personagens secundários lidam com essa mesma condição, mas com propósitos diametralmente opostos. Ainda que o filme pareça trazer para os holofotes toda a crueldade nazista, seu objetivo mesmo é pontuar como o comportamento humano se adapta àquela zona de conforto (ou de interesse) sem muito questionar o status quo.

Imperdível em vários sentidos!

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