"Tio Frank" fala sobre aceitar o diferente, mesmo que pelo ponto de vista do caos familiar, de uma educação rígida, tradicional do interior dos EUA, e sem perspectiva alguma de conhecer as inúmeras possibilidades que a vida pode oferecer para quem não tem a oportunidade de sair de daquele universo tão limitado. O filme, embora discuta assuntos complexos, traz uma delicadeza impressionante nos seus diálogos, nos proporcionando uma jornada de reflexão, muito mais pelo que é falado do que pelo que é mostrado, e isso é um enorme mérito do roteiro e da direção de Alan Ball (vencedor do Oscar de Roteiro Original em 2000 por "Beleza Americana").
No filme acompanhamos a adolescente Beth Bledsoe (Sophia Lillis) que deixa sua cidade natal na zona rural do sul dos Estados Unidos para estudar na Universidade de Nova York, onde seu amado tio Frank (Paul Bettany) é um respeitado professor de literatura. Porém, ela acaba descobrindo que seu tio é gay e que mora com seu parceiro, Wally (Peter Macdissi), escondendo esse fato de toda a sua família há muitos anos. Após a morte repentina do seu pai, Frank é forçado a voltar para casa de sua infância, com relutância, para o funeral, e finalmente enfrentar um trauma pelo qual ele passou toda a sua vida adulta fugindo. Confira o trailer:
Essa é uma história de auto-conhecimento e de aceitação - e é construída com muita elegância estética e narrativa. Os diálogos são carregados de emoção, mas sem se tornar piegas; as pitadas de humor são tão inteligentes e bem colocadas que a experiência de assistir o filme acaba ficando muito leve - mais ou menos como encontramos em "Minhas Mães e Meu Pai". Outro ponto que merece ser destacado é o incrível trabalho do designer de produção Darcy Scanlin e do diretor de fotografia, com uma longa e respeitada carreira na publicidade, Khalid Mohtaseb - a concepção visual que os dois entregam para Ball cria uma sensação nostálgica dos anos 70, natural, cheia de cores e nada esteriotipada, tanto em NY quanto em Creekville, uma pequena cidade do interior da Carolina do Sul.
O trabalho do elenco também é dos melhores: além de uma dinâmica muito especial entre tio (Paul Bettany) e sobrinha (Sophia Lillis), é de se elogiar o relacionamento construído entre Frank e Wally - Macdissi é o tipo do ator que tem uma capacidade quase surreal de transitar entre o drama e a comédia com a mesma competência, tornando seu personagem muito agradável, simpático, alegre, esperançoso ao mesmo tempo que é complexo e cheio de cicatrizes emocionais. Wally, vale dizer, é um imigrante que veio da Arábia Saudita, que também mente para os pais sobre seus relacionamentos e que se mudou para os EUA com medo de ser morto pelo fato de ser homossexual - e o paralelo com a vida adolescente de Frank, que supostamente mora em um país livre, mas sofre das mesmas dores, é sensacional. Reparem nas cenas de flashback e como ela ganha ainda mais força depois de ouvir a história que Wally conta para Beth sobre como funciona o preconceito no seu país.
"Tio Frank", de fato, não parece ser uma história contada para enfatizar os problemas do preconceito e da ignorância, muito pelo contrário, o texto de Ball está muito mais preocupado em tentar corrigir a intolerância - o que deixa essa jornada mais fluida, empática e esperançosa. Mesmo nas cenas mais tensas, não existe o objetivo de chocar, apenas de mostrar o outro lado. Emocionante, leve e importante, "Tio Frank" merecia um maior reconhecimento na temporada de premiações - além de ser mais uma aula de roteiro de Ball, o elenco é simplesmente especial!
Vale muito o play! "Tio Frank" é daqueles filmes que terminamos sorrindo!
"Tio Frank" fala sobre aceitar o diferente, mesmo que pelo ponto de vista do caos familiar, de uma educação rígida, tradicional do interior dos EUA, e sem perspectiva alguma de conhecer as inúmeras possibilidades que a vida pode oferecer para quem não tem a oportunidade de sair de daquele universo tão limitado. O filme, embora discuta assuntos complexos, traz uma delicadeza impressionante nos seus diálogos, nos proporcionando uma jornada de reflexão, muito mais pelo que é falado do que pelo que é mostrado, e isso é um enorme mérito do roteiro e da direção de Alan Ball (vencedor do Oscar de Roteiro Original em 2000 por "Beleza Americana").
No filme acompanhamos a adolescente Beth Bledsoe (Sophia Lillis) que deixa sua cidade natal na zona rural do sul dos Estados Unidos para estudar na Universidade de Nova York, onde seu amado tio Frank (Paul Bettany) é um respeitado professor de literatura. Porém, ela acaba descobrindo que seu tio é gay e que mora com seu parceiro, Wally (Peter Macdissi), escondendo esse fato de toda a sua família há muitos anos. Após a morte repentina do seu pai, Frank é forçado a voltar para casa de sua infância, com relutância, para o funeral, e finalmente enfrentar um trauma pelo qual ele passou toda a sua vida adulta fugindo. Confira o trailer:
Essa é uma história de auto-conhecimento e de aceitação - e é construída com muita elegância estética e narrativa. Os diálogos são carregados de emoção, mas sem se tornar piegas; as pitadas de humor são tão inteligentes e bem colocadas que a experiência de assistir o filme acaba ficando muito leve - mais ou menos como encontramos em "Minhas Mães e Meu Pai". Outro ponto que merece ser destacado é o incrível trabalho do designer de produção Darcy Scanlin e do diretor de fotografia, com uma longa e respeitada carreira na publicidade, Khalid Mohtaseb - a concepção visual que os dois entregam para Ball cria uma sensação nostálgica dos anos 70, natural, cheia de cores e nada esteriotipada, tanto em NY quanto em Creekville, uma pequena cidade do interior da Carolina do Sul.
O trabalho do elenco também é dos melhores: além de uma dinâmica muito especial entre tio (Paul Bettany) e sobrinha (Sophia Lillis), é de se elogiar o relacionamento construído entre Frank e Wally - Macdissi é o tipo do ator que tem uma capacidade quase surreal de transitar entre o drama e a comédia com a mesma competência, tornando seu personagem muito agradável, simpático, alegre, esperançoso ao mesmo tempo que é complexo e cheio de cicatrizes emocionais. Wally, vale dizer, é um imigrante que veio da Arábia Saudita, que também mente para os pais sobre seus relacionamentos e que se mudou para os EUA com medo de ser morto pelo fato de ser homossexual - e o paralelo com a vida adolescente de Frank, que supostamente mora em um país livre, mas sofre das mesmas dores, é sensacional. Reparem nas cenas de flashback e como ela ganha ainda mais força depois de ouvir a história que Wally conta para Beth sobre como funciona o preconceito no seu país.
"Tio Frank", de fato, não parece ser uma história contada para enfatizar os problemas do preconceito e da ignorância, muito pelo contrário, o texto de Ball está muito mais preocupado em tentar corrigir a intolerância - o que deixa essa jornada mais fluida, empática e esperançosa. Mesmo nas cenas mais tensas, não existe o objetivo de chocar, apenas de mostrar o outro lado. Emocionante, leve e importante, "Tio Frank" merecia um maior reconhecimento na temporada de premiações - além de ser mais uma aula de roteiro de Ball, o elenco é simplesmente especial!
Vale muito o play! "Tio Frank" é daqueles filmes que terminamos sorrindo!
O senso de urgência que experienciamos ao assistir "Treze Vidas" é impressionante - muito similar ao "127 Horas", premiado filme de 2010 do diretor Danny Boyle, porém pelo prisma de quem está fora do problema em si. Essa excelente produção da Amazon tem alguns elementos que só potencializam o nosso envolvimento com a história: primeiro por ser um fato recente (que aconteceu em 2018) e segundo pelas vítimas serem crianças, o que mobilizou o mundo na busca por soluções que pudessem ajudar no sucesso do resgate - mais uma vez, nós queremos salvar, não sermos salvos! Olha, são duas horas e meia de filme onde você será incapaz de tirar os olhos da tela mesmo já sabendo o final.
Baseado na história real que tocou o mundo, "Treze Vidas" é o relato emocionante do resgate de um time de futebol infantil da caverna Tham Luang, na Tailândia, onde doze crianças e seu treinador ficaram presos devido a um fenômeno meteorológico que antecipou as chuvas torrenciais na região, pegando o grupo de surpresa, impossibilitando qualquer tentativa de socorro graças a inundação do local. Confira o trailer:
Ron Howard (de "O Código Da Vinci") é um craque em criar narrativas que nos prendem à trama e nos fazem torcer pelos protagonistas desde o primeiro minuto. Dito isso, pode até parecer superficial sobre o que se esperar de "Thirteen Lives" (no original), mas não, Howard encontra o exato equilíbrio entre a potência de um drama real e a dinâmica de ação que a história pede. Ao lado do roteirista William Nicholson (de "Terra das Sombras") e baseado na história desenvolvida pelo Don MacPherson (de "Os Vingadores"), o diretor não perde tempo com apresentações de personagens ou se aprofunda nas motivações que fizeram os mergulhadores britânicos Rick Stanton (Viggo Mortensen) e John Volanthen (Colin Farrell) encararem esse desafio - eles criam mesmo é uma análise quase documental sobre os acontecimentos, não sobre os envolvidos.
A escolha de Howard em trabalhar boa parte do filme com tailandeses (muitos nem atores) em sua língua nativa, cria uma atmosfera de realidade muito interessante. Algumas das falas nem legendadas são e isso gera uma sensação de desconforto, de falta de informação, de angustia por noticias. Já em inglês, a relação dos mergulhadores com a marinha tailandesa funciona muito mais como um gatilho dramático do que como parte essencial da trama - a impressão que temos é que para existir um herói seria preciso criar um bandido e aqui não funcionou, pois o problema era muito maior e se sustentaria por si só.
"Treze Vidas" não se interessa em mostrar como a equipe de futebol ficou presa ou o que se passou com os jovens e seu treinador durante o período - o olhar do filme é o de quem ficou do lado de fora de Tham Luang e como o problema poderia ser resolvido. Ao mostrar todos os perigos que envolvem a missão de resgate, Howard deixa muito claro como a caverna alagada era perigosa, como aquele complexo labirinto claustrofóbico poderia ser fatal. Com o uso cirúrgico de uma inserção gráfica para ilustrar a caverna, temos a perfeita noção de como era complicado chegar aos jovens e pior, como era quase impossível tira-los de lá - afinal, um trajeto de mais de 6 horas embaixo da água, digamos que não é para qualquer um.
Obviamente que diversos momentos foram omitidos ou elipsados para que a história fosse mais objetiva - e funcionou. O desenho de produção e a fotografia do tailandês Sayombhu Mukdeeprom (de "Me chame pelo seu nome") são invejáveis e ajudam a criar uma tensão quase insuportável para a audiência. O trabalho do elenco, embora não seja memorável, também não compromete - meu destaque, óbvio, fica com Mortensen.
Resumindo, "Treze Vidas" é uma história sobre a sobrevivência humana contra todas as probabilidades de sucesso, que emociona na mesma dimensão que entretém! Vale muito o seu play!
PS: Para nós brasileiros um fato curioso: o roteiro usa a Copa do Mundo de 2018 como ferramenta para estabelecer a época que os eventos aconteceram e, infelizmente, a derrota do Brasil para a Bélgica aconteceu em um momento importante da história e por isso é citada algumas vezes! (rs)
O senso de urgência que experienciamos ao assistir "Treze Vidas" é impressionante - muito similar ao "127 Horas", premiado filme de 2010 do diretor Danny Boyle, porém pelo prisma de quem está fora do problema em si. Essa excelente produção da Amazon tem alguns elementos que só potencializam o nosso envolvimento com a história: primeiro por ser um fato recente (que aconteceu em 2018) e segundo pelas vítimas serem crianças, o que mobilizou o mundo na busca por soluções que pudessem ajudar no sucesso do resgate - mais uma vez, nós queremos salvar, não sermos salvos! Olha, são duas horas e meia de filme onde você será incapaz de tirar os olhos da tela mesmo já sabendo o final.
Baseado na história real que tocou o mundo, "Treze Vidas" é o relato emocionante do resgate de um time de futebol infantil da caverna Tham Luang, na Tailândia, onde doze crianças e seu treinador ficaram presos devido a um fenômeno meteorológico que antecipou as chuvas torrenciais na região, pegando o grupo de surpresa, impossibilitando qualquer tentativa de socorro graças a inundação do local. Confira o trailer:
Ron Howard (de "O Código Da Vinci") é um craque em criar narrativas que nos prendem à trama e nos fazem torcer pelos protagonistas desde o primeiro minuto. Dito isso, pode até parecer superficial sobre o que se esperar de "Thirteen Lives" (no original), mas não, Howard encontra o exato equilíbrio entre a potência de um drama real e a dinâmica de ação que a história pede. Ao lado do roteirista William Nicholson (de "Terra das Sombras") e baseado na história desenvolvida pelo Don MacPherson (de "Os Vingadores"), o diretor não perde tempo com apresentações de personagens ou se aprofunda nas motivações que fizeram os mergulhadores britânicos Rick Stanton (Viggo Mortensen) e John Volanthen (Colin Farrell) encararem esse desafio - eles criam mesmo é uma análise quase documental sobre os acontecimentos, não sobre os envolvidos.
A escolha de Howard em trabalhar boa parte do filme com tailandeses (muitos nem atores) em sua língua nativa, cria uma atmosfera de realidade muito interessante. Algumas das falas nem legendadas são e isso gera uma sensação de desconforto, de falta de informação, de angustia por noticias. Já em inglês, a relação dos mergulhadores com a marinha tailandesa funciona muito mais como um gatilho dramático do que como parte essencial da trama - a impressão que temos é que para existir um herói seria preciso criar um bandido e aqui não funcionou, pois o problema era muito maior e se sustentaria por si só.
"Treze Vidas" não se interessa em mostrar como a equipe de futebol ficou presa ou o que se passou com os jovens e seu treinador durante o período - o olhar do filme é o de quem ficou do lado de fora de Tham Luang e como o problema poderia ser resolvido. Ao mostrar todos os perigos que envolvem a missão de resgate, Howard deixa muito claro como a caverna alagada era perigosa, como aquele complexo labirinto claustrofóbico poderia ser fatal. Com o uso cirúrgico de uma inserção gráfica para ilustrar a caverna, temos a perfeita noção de como era complicado chegar aos jovens e pior, como era quase impossível tira-los de lá - afinal, um trajeto de mais de 6 horas embaixo da água, digamos que não é para qualquer um.
Obviamente que diversos momentos foram omitidos ou elipsados para que a história fosse mais objetiva - e funcionou. O desenho de produção e a fotografia do tailandês Sayombhu Mukdeeprom (de "Me chame pelo seu nome") são invejáveis e ajudam a criar uma tensão quase insuportável para a audiência. O trabalho do elenco, embora não seja memorável, também não compromete - meu destaque, óbvio, fica com Mortensen.
Resumindo, "Treze Vidas" é uma história sobre a sobrevivência humana contra todas as probabilidades de sucesso, que emociona na mesma dimensão que entretém! Vale muito o seu play!
PS: Para nós brasileiros um fato curioso: o roteiro usa a Copa do Mundo de 2018 como ferramenta para estabelecer a época que os eventos aconteceram e, infelizmente, a derrota do Brasil para a Bélgica aconteceu em um momento importante da história e por isso é citada algumas vezes! (rs)
Filmaço! Bem na linha do genial "White Lotus", o surpreendente, e indicado ao Oscar 2023, "Triângulo da Tristeza" é uma verdadeira coleção de criticas sociais, políticas e até, com uma certa pitada proposital de hipocrisia, ideológicas. Com uma narrativa muito bem construída, se apoiando em uma sátira fundamentada, o filme que venceu a Palma de Ouro em Cannes em 2022 coloca em uma mesma prateleira as nuances (mesmo que estereotipadas) de uma luta de classes constante com os notáveis prazeres e desprazeres do capitalismo - na mesma linha de "Parasita", mas talvez aqui melhor posicionado quanto sua predileção.
Carl (Harris Dickinson) e Yaya (Charlbi Dean) são dois jovens modelos que acabam sendo convidados para um cruzeiro em um iate de luxo, repleto de milionários que esbanjam auto-confiança e desprezo pelos menos favorecidos. Porém, após uma noite de tormenta e um ataque de piratas, o barco acaba naufragando, deixando os sobreviventes presos numa ilha deserta. É nesse contexto que hierarquia social se inverte, afinal, ali, o dinheiro pouco importa e uma pessoa que sabe como sobreviver nesse local inóspito vira rei. Confira o trailer:
Dirigido e escrito pelo multi-talentoso sueco Ruben Östlund (de "The Square"), "Triângulo da Tristeza" expõe com muita inteligência a fragilidade de uma nova classe de privilegiados que nada se diferencia daquela usualmente criticada por eles mesmos através de suas inúmeras "#", os influencers! A partir de diálogos inteligentes, profundos e irônicos, os personagens vão se contradizendo a cada nova situação que aquele universo proporciona, normalmente de forma bem bem-humorada, mas nem por isso menos impactante - a cena da senhora rica tentando convencer a jovem que trabalha no iate a entrar e relaxar na piscina é tão desconcertante quanto genial e dá o exato tom do filme.
Como nas duas referências citadas, além do roteiro ácido na medida certa, o elenco também se sobressai - na verdade, os personagens são tão bem construídos que os diálogos acabam fluindo de uma maneira muito orgânica, dando a exata sensação que nada ali é por acaso. Veja, se Carl é inseguro, sua namorada, Yaya, é uma modelo famosa que quer mais ser influencer (ou troféu de marido, como ela mesmo diz) mesmo que seu conteúdo consista apenas em selfies mentirosas. O filme ainda apresenta um simpático casal de idosos britânicos cuja fortuna foi conquistada com a venda de armas (e que sobreviveu, vejam só, a taxação de 25% sobre as minas terrestres, campeã de vendas da empresa) e um magnata russo, Dimitry (Zlatko Buric), que cresceu às custas da exploração do Leste Europeu pós-União Soviética, vendendo adubo, e que está aproveitando o cruzeiro junto com sua antiga esposa e sua atual (e claro, mais jovem) namorada.
"Triângulo da Tristeza" tem o mérito de transitar por todas as camadas desse abismo social com a sensibilidade de quem consegue enxergar além do luxo e do dinheiro. O roteiro visivelmente critica uma elite tão cega e presa na sua própria bolha, que nem no choque de realidade é capaz de trazer um pouco de bom senso para o seu modo de se relacionar com o mundo. Mas não se enganem, esse é o tipo do filme onde é necessário um olhar atento aos detalhes, pois é na forma como um hóspede rejeita uma bebida ou como a tripulação se prepara para o cruzeiro pensando exclusivamente na gordas gorjetas, que entendemos perfeitamente como é a "ocasião que faz o ladrão".
Vale muito o seu play!
Ah, em tempo, "Triângulo da Tristeza" foi indicado em 3 categorias: "Melhor Roteiro Original", "Melhor Direção" e "Melhor Filme"!
Filmaço! Bem na linha do genial "White Lotus", o surpreendente, e indicado ao Oscar 2023, "Triângulo da Tristeza" é uma verdadeira coleção de criticas sociais, políticas e até, com uma certa pitada proposital de hipocrisia, ideológicas. Com uma narrativa muito bem construída, se apoiando em uma sátira fundamentada, o filme que venceu a Palma de Ouro em Cannes em 2022 coloca em uma mesma prateleira as nuances (mesmo que estereotipadas) de uma luta de classes constante com os notáveis prazeres e desprazeres do capitalismo - na mesma linha de "Parasita", mas talvez aqui melhor posicionado quanto sua predileção.
Carl (Harris Dickinson) e Yaya (Charlbi Dean) são dois jovens modelos que acabam sendo convidados para um cruzeiro em um iate de luxo, repleto de milionários que esbanjam auto-confiança e desprezo pelos menos favorecidos. Porém, após uma noite de tormenta e um ataque de piratas, o barco acaba naufragando, deixando os sobreviventes presos numa ilha deserta. É nesse contexto que hierarquia social se inverte, afinal, ali, o dinheiro pouco importa e uma pessoa que sabe como sobreviver nesse local inóspito vira rei. Confira o trailer:
Dirigido e escrito pelo multi-talentoso sueco Ruben Östlund (de "The Square"), "Triângulo da Tristeza" expõe com muita inteligência a fragilidade de uma nova classe de privilegiados que nada se diferencia daquela usualmente criticada por eles mesmos através de suas inúmeras "#", os influencers! A partir de diálogos inteligentes, profundos e irônicos, os personagens vão se contradizendo a cada nova situação que aquele universo proporciona, normalmente de forma bem bem-humorada, mas nem por isso menos impactante - a cena da senhora rica tentando convencer a jovem que trabalha no iate a entrar e relaxar na piscina é tão desconcertante quanto genial e dá o exato tom do filme.
Como nas duas referências citadas, além do roteiro ácido na medida certa, o elenco também se sobressai - na verdade, os personagens são tão bem construídos que os diálogos acabam fluindo de uma maneira muito orgânica, dando a exata sensação que nada ali é por acaso. Veja, se Carl é inseguro, sua namorada, Yaya, é uma modelo famosa que quer mais ser influencer (ou troféu de marido, como ela mesmo diz) mesmo que seu conteúdo consista apenas em selfies mentirosas. O filme ainda apresenta um simpático casal de idosos britânicos cuja fortuna foi conquistada com a venda de armas (e que sobreviveu, vejam só, a taxação de 25% sobre as minas terrestres, campeã de vendas da empresa) e um magnata russo, Dimitry (Zlatko Buric), que cresceu às custas da exploração do Leste Europeu pós-União Soviética, vendendo adubo, e que está aproveitando o cruzeiro junto com sua antiga esposa e sua atual (e claro, mais jovem) namorada.
"Triângulo da Tristeza" tem o mérito de transitar por todas as camadas desse abismo social com a sensibilidade de quem consegue enxergar além do luxo e do dinheiro. O roteiro visivelmente critica uma elite tão cega e presa na sua própria bolha, que nem no choque de realidade é capaz de trazer um pouco de bom senso para o seu modo de se relacionar com o mundo. Mas não se enganem, esse é o tipo do filme onde é necessário um olhar atento aos detalhes, pois é na forma como um hóspede rejeita uma bebida ou como a tripulação se prepara para o cruzeiro pensando exclusivamente na gordas gorjetas, que entendemos perfeitamente como é a "ocasião que faz o ladrão".
Vale muito o seu play!
Ah, em tempo, "Triângulo da Tristeza" foi indicado em 3 categorias: "Melhor Roteiro Original", "Melhor Direção" e "Melhor Filme"!
Provavelmente "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo" é o filme mais maluco que você vai assistir em muitos anos! Ele tem tudo para ser uma espécie de "Matrix" de sua geração - mesmo que seu conteúdo, sua forma e principalmente seu tom, em muito pouco faz lembrar o filme de Lana e Lilly Wachowski. A questão é que aqui existe o mesmo elemento de disrupção que a produção de 1999 - é algo bastante criativo no seu enredo, onde nada (absolutamente nada) chega a ser absurdo para contar uma história aparentemente "sem pé nem cabeça", mas que esconde uma jornada existencial bastante profunda e cheia de provocações filosóficas. Dito isso e mesmo com a indicação ao Oscar 2023 como "Melhor Filme" (e mais 10 categorias), não serão todos que vão se conectar com o seu estilo - e aqui não vou nem falar de gênero, pois estou até agora tentando defini-lo.
Evelyn Wang (Michelle Yeoh) é uma imigrante chinesa que vive em um verdadeiro caos familiar. Tudo parece piorar quando ela se vê no meio de uma aventura onde, sozinha, precisará salvar o mundo, explorando outros universos e outras vidas que, vejam só, ela poderia ter vivido. Não bastasse, as coisas se complicam ainda mais quando ela fica presa nessa infinidade de possibilidades sem conseguir retornar para casa onde, de fato, sua vida fazia algum sentido. Confira o trailer:
Os diretores Dan Kwan eDaniel Scheinert, também conhecidos como “Daniels”, aproveitam de um conceito completamente independente de produção para criar uma espécie de alegoria cinematográfica sobre alguns dos mais complexos dramas - o humano. É incrível como a simbologia acompanha os detalhes da narrativa a partir de um roteiro extremamente original (também indicado ao Oscar) que se apoia no inusitado como forma de representar as ansiedades modernas. Se Neo usava da tecnologia para construir sua persona e se conectar com as mais diversas habilidades, aqui é o número exaustivo de multiversos que basicamente serve de metáfora para a quantidade absurda de informações que buscamos no mundo virtual com o intuito de sermos melhores do que realmente somos. Digo isso sem diminuir a importância de buscar o aprendizado contínuo, mas sim como alusão à inutilidade de muitos dos conteúdos que encontramos e que acabam gerando muito mais confusão do que beneficio.
Mais uma vez citando as irmãs Wachowski em "A Viagem" de 2012 ou até em "Sense8" em 2015, é importante reparar como as múltiplas histórias, dos múltiplos universos, se sustentam com a dinâmica enlouquecedora da narrativa, se comunicando de forma bem mais orgânica do que lógica - e aqui cabe um elogio eloquente para a montagem digna de muitos prêmios de Paul Rogers (também indicado ao Oscar). Outro elemento que chama a atenção e pontua o mood do filme é, sem dúvida, a trilha sonora (com duas músicas originais indicadas) - com um toque de sensibilidade, ela nos conduz das cenas de ação ao melhor estilo Jackie Chan ao conturbado relacionamento entre Wang e sua filha Joy (Stephanie Hsu) em um piscar de olhos.
"Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo" tem uma história cheia de criticas ao mundo moderno (como os gatilhos que colocam os personagens em outros universos que emulam os desafios estúpidos que encontramos diariamente no TikTok) ao mesmo tempo em que revisita questões importantes como trauma geracional, maternidade, sexualidade e até o casamento. Pode parecer confuso e de fato até é - são tantos assuntos e tantas referências (muitas do cinema asiático), mas também existe um brilhantismo e até uma certa irresponsabilidade visual que empolga tanto quanto surpreende - agora, se você não está disposto a rir de um universo onde as pessoas tem dedos de salsicha ou acompanhar duas pedras discutindo sobre a vida, talvez o filme não seja para você!
Com mais de 275 prêmios em Festivais pelo mundo inteiro, fica difícil não dizer que esse filme vale seu play, né?
Up-date: "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo" ganhou em sete categorias no Oscar 2023, inclusive de Melhor Filme!
Provavelmente "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo" é o filme mais maluco que você vai assistir em muitos anos! Ele tem tudo para ser uma espécie de "Matrix" de sua geração - mesmo que seu conteúdo, sua forma e principalmente seu tom, em muito pouco faz lembrar o filme de Lana e Lilly Wachowski. A questão é que aqui existe o mesmo elemento de disrupção que a produção de 1999 - é algo bastante criativo no seu enredo, onde nada (absolutamente nada) chega a ser absurdo para contar uma história aparentemente "sem pé nem cabeça", mas que esconde uma jornada existencial bastante profunda e cheia de provocações filosóficas. Dito isso e mesmo com a indicação ao Oscar 2023 como "Melhor Filme" (e mais 10 categorias), não serão todos que vão se conectar com o seu estilo - e aqui não vou nem falar de gênero, pois estou até agora tentando defini-lo.
Evelyn Wang (Michelle Yeoh) é uma imigrante chinesa que vive em um verdadeiro caos familiar. Tudo parece piorar quando ela se vê no meio de uma aventura onde, sozinha, precisará salvar o mundo, explorando outros universos e outras vidas que, vejam só, ela poderia ter vivido. Não bastasse, as coisas se complicam ainda mais quando ela fica presa nessa infinidade de possibilidades sem conseguir retornar para casa onde, de fato, sua vida fazia algum sentido. Confira o trailer:
Os diretores Dan Kwan eDaniel Scheinert, também conhecidos como “Daniels”, aproveitam de um conceito completamente independente de produção para criar uma espécie de alegoria cinematográfica sobre alguns dos mais complexos dramas - o humano. É incrível como a simbologia acompanha os detalhes da narrativa a partir de um roteiro extremamente original (também indicado ao Oscar) que se apoia no inusitado como forma de representar as ansiedades modernas. Se Neo usava da tecnologia para construir sua persona e se conectar com as mais diversas habilidades, aqui é o número exaustivo de multiversos que basicamente serve de metáfora para a quantidade absurda de informações que buscamos no mundo virtual com o intuito de sermos melhores do que realmente somos. Digo isso sem diminuir a importância de buscar o aprendizado contínuo, mas sim como alusão à inutilidade de muitos dos conteúdos que encontramos e que acabam gerando muito mais confusão do que beneficio.
Mais uma vez citando as irmãs Wachowski em "A Viagem" de 2012 ou até em "Sense8" em 2015, é importante reparar como as múltiplas histórias, dos múltiplos universos, se sustentam com a dinâmica enlouquecedora da narrativa, se comunicando de forma bem mais orgânica do que lógica - e aqui cabe um elogio eloquente para a montagem digna de muitos prêmios de Paul Rogers (também indicado ao Oscar). Outro elemento que chama a atenção e pontua o mood do filme é, sem dúvida, a trilha sonora (com duas músicas originais indicadas) - com um toque de sensibilidade, ela nos conduz das cenas de ação ao melhor estilo Jackie Chan ao conturbado relacionamento entre Wang e sua filha Joy (Stephanie Hsu) em um piscar de olhos.
"Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo" tem uma história cheia de criticas ao mundo moderno (como os gatilhos que colocam os personagens em outros universos que emulam os desafios estúpidos que encontramos diariamente no TikTok) ao mesmo tempo em que revisita questões importantes como trauma geracional, maternidade, sexualidade e até o casamento. Pode parecer confuso e de fato até é - são tantos assuntos e tantas referências (muitas do cinema asiático), mas também existe um brilhantismo e até uma certa irresponsabilidade visual que empolga tanto quanto surpreende - agora, se você não está disposto a rir de um universo onde as pessoas tem dedos de salsicha ou acompanhar duas pedras discutindo sobre a vida, talvez o filme não seja para você!
Com mais de 275 prêmios em Festivais pelo mundo inteiro, fica difícil não dizer que esse filme vale seu play, né?
Up-date: "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo" ganhou em sete categorias no Oscar 2023, inclusive de Melhor Filme!
"Twilight Zone" da CBS (all access), distribuído pela Amazon Prime Vídeo aqui no Brasil, é uma grande homenagem ao clássico programa de 1959. Criada por Rod Serling, "Além da Imaginação", como ficou conhecido por aqui, possui episódios independentes que mostram histórias com personagens que por alguma razão existencial precisam enfrentar algum problema (normalmente apresentado de forma exagerada) tendo como pano de fundo elementos de suspense, mistério e fantasia. Eu diria que "Twilight Zone" é a versão raiz de "Black Mirror" e essa nova versão soube equilibrar muito bem a tradição e o conceito narrativo da série com a modernidade e as ferramentas de um cinema quase autoral. O resultado, embora satisfatório, varia de acordo com os episódios - existe sim uma inconsistência, mas que vai depender do gosto e das preferências de quem assiste e aí é que a série navega com tranquilidade, pois talvez não seja uma unanimidade total, mas vai divertir e entreter na maior parte do tempo. É uma boa pedida para maratonar da mesma forma que funciona em episódios isolados! Vale seu play!
Um dos elementos que encontramos no DNA de "Twilight Zone" e que depois foi muito bem trabalhado em "Amazing Stories" de Steven Spielberg - que aliás já está repaginando o seu formato com a equipe da Amblim e deve fazer seu lançamento ainda esse ano na Apple TV+ - é subtexto por trás de cada história central dos episódios. É fundamental para quem assiste, entender que a série usa desse artificio como justificativa para o exagero ou para o aproveitar seu direito de ser inexplicável! Nessa nova versão é muito fácil encontrar esse subtexto, mas em alguns episódios ele parece tão superficial que chegamos a duvidar da sua eficiência, mesmo com um elenco de peso. Vejamos:
- Episódio 1: O comediante Samir Wassan (Kumail Nanjiani - indicado ao Emmy 2019 como "melhor ator convidado") quer ser famoso a qualquer custo, mas para isso é preciso pagar um preço e o roteiro trabalha muito bem esse conceito que nos acompanha durante toda a vida: será que estamos dispostos a pagar o preço para nos diferenciarmos na multidão? A grande maioria não quer, mas os poucos que querem, em algum momento, se perguntam se valeu a pena, mas aí já pode ser tarde! - Para mim, esse é um dos melhores episódios dessa primeira temporada.
- Episódio 2: O jornalista Justin Sanderson (Adam Scott) encontra uma gravação que fala sobre o futuro e como suas decisões podem afetar o destino do Voo 1015, onde ele á passageiro. O episódio mostra a luta contra o tempo e a angustia de um homem que sabe como ajudar, mas é incompreendido pelas suas ações - tão atual, não?
- Episódio 3: Uma velha filmadora tem o poder de rebobinar o tempo e esse excelente episódio mostra como o racismo é tão incontrolável quanto a vida cotidiana. Sem dúvida um dos melhores episódios e que nos convida à uma reflexão profunda. Agora prepare-se, tenho a impressão que é a história mais visceral e sufocante da temporada. Muito dolorida!
- Episódio 4: É Natal e em uma cidade militar do Alaska, um viajante misterioso chega para movimentar a noite e provocar os mais diversos sentimentos nas pessoas. Esse episódio é meio arrastado. Mesmo com momentos interessantes, a história não me convenceu, embora o subtexto seja um dos mais provocativos ao trazer para discussão a hipocrisia humana!
- Episódio 5: Um profissional responsável por campanhas eleitorais está quase em ruínas quando resolve criar um novo ícone para concorrer a presidência dos EUA: no caso uma criança de 11 anos. Outro tema muito atual: a discussão do populismo e da força das mídias sociais - mas a história não me pareceu muito inspirada. Basta lembrar que o próprio "Black Mirror" fez algo muito parecido, porém com muito mais habilidade e criatividade em “The Waldo Moment”!
- Episódio 6: O mais "ficção científica" da temporada mostra uma tripulação tendo que fazer escolhas a todo momento para chegar a marte depois que os EUA sofrem um ataque nuclear da China! Mais um episódio arrastado na minha opinião. O conceito é excelente, mas na prática criou poucos conflitos interessantes e o final, embora cause uma certa surpresa, me pareceu bobo.
- Episódio 7: Depois de um chuva de meteoros, surge uma infecção que transforma a maneira como os homens reagem a determinadas situações. O assunto "a masculinidade tóxica" é discutido aqui com muita criatividade. Talvez esse seja o episódio com mais elementos de terror da temporada.
- Episódio 8: Uma rica dona de casa é levada para um centro de detenção sem entender muito bem os motivos, o que mexe com sua realidade e com seu passado. A discussão sobre os violentos centros de detenção de imigrantes nos EUA é o pano de fundo dessa história. Mais uma vez: embora o assunto seja excelente, o resultado do episódio fica muito aquém do seu potencial. Esse episódio eu achei chato!
- Episódio 9: Um professor de antropologia encontra um revolver que parece ter vida própria, no pente uma bala com seu nome. Esse é um episódio bem intrigante, fala sobre as mudanças da vida e como isso pode interferir na personalidade das pessoas. É interessante, mas não surpreende.
- Episódio 10: A roteirista (ficticia) do "Twilight Zone" é assombrada por uma entidade que representa muito do seu passado. Esse episódio é muito mais interessante pela homenagem as origens da série do que propriamente por uma história magnifica construída para encerrar a temporada em alto estilo. Na verdade eu diria até que o episódio fraco, mas o resgate do gênero com uma pegada mais de suspense e sobrenatural carregam a trama até um final de certa forma nostálgico.
De fato os episódios são muito bem produzidos, embora a maioria deles usem de um mesmo cenário para contar toda a história o que não seria um problema se o texto fosse muito bom - o que não é o caso! A dinâmica narrativa sofre com essa limitação e, certamente, acusa o golpe quando os roteiros são menos inspirados. Jordan Peele é o narrador perfeito para a série - tem o tom, as pausas dramáticas e uma postura enigmática, além de ser uma referência, ou melhor, a personificação do renascimento de um gênero que estava esquecido: o suspense fantástico!
Como disse anteriormente, "Twilight Zone" é agradável como entretenimento, mas não é e nem será o fenômeno que foi no final dos anos 50. Talvez uma segunda temporada traga mais oxigênio para série, quem sabe diminuindo o tempo dos episódios ou cuidando melhor das histórias, mas independente de qualquer coisa, vale como divertimento.
"Twilight Zone" da CBS (all access), distribuído pela Amazon Prime Vídeo aqui no Brasil, é uma grande homenagem ao clássico programa de 1959. Criada por Rod Serling, "Além da Imaginação", como ficou conhecido por aqui, possui episódios independentes que mostram histórias com personagens que por alguma razão existencial precisam enfrentar algum problema (normalmente apresentado de forma exagerada) tendo como pano de fundo elementos de suspense, mistério e fantasia. Eu diria que "Twilight Zone" é a versão raiz de "Black Mirror" e essa nova versão soube equilibrar muito bem a tradição e o conceito narrativo da série com a modernidade e as ferramentas de um cinema quase autoral. O resultado, embora satisfatório, varia de acordo com os episódios - existe sim uma inconsistência, mas que vai depender do gosto e das preferências de quem assiste e aí é que a série navega com tranquilidade, pois talvez não seja uma unanimidade total, mas vai divertir e entreter na maior parte do tempo. É uma boa pedida para maratonar da mesma forma que funciona em episódios isolados! Vale seu play!
Um dos elementos que encontramos no DNA de "Twilight Zone" e que depois foi muito bem trabalhado em "Amazing Stories" de Steven Spielberg - que aliás já está repaginando o seu formato com a equipe da Amblim e deve fazer seu lançamento ainda esse ano na Apple TV+ - é subtexto por trás de cada história central dos episódios. É fundamental para quem assiste, entender que a série usa desse artificio como justificativa para o exagero ou para o aproveitar seu direito de ser inexplicável! Nessa nova versão é muito fácil encontrar esse subtexto, mas em alguns episódios ele parece tão superficial que chegamos a duvidar da sua eficiência, mesmo com um elenco de peso. Vejamos:
- Episódio 1: O comediante Samir Wassan (Kumail Nanjiani - indicado ao Emmy 2019 como "melhor ator convidado") quer ser famoso a qualquer custo, mas para isso é preciso pagar um preço e o roteiro trabalha muito bem esse conceito que nos acompanha durante toda a vida: será que estamos dispostos a pagar o preço para nos diferenciarmos na multidão? A grande maioria não quer, mas os poucos que querem, em algum momento, se perguntam se valeu a pena, mas aí já pode ser tarde! - Para mim, esse é um dos melhores episódios dessa primeira temporada.
- Episódio 2: O jornalista Justin Sanderson (Adam Scott) encontra uma gravação que fala sobre o futuro e como suas decisões podem afetar o destino do Voo 1015, onde ele á passageiro. O episódio mostra a luta contra o tempo e a angustia de um homem que sabe como ajudar, mas é incompreendido pelas suas ações - tão atual, não?
- Episódio 3: Uma velha filmadora tem o poder de rebobinar o tempo e esse excelente episódio mostra como o racismo é tão incontrolável quanto a vida cotidiana. Sem dúvida um dos melhores episódios e que nos convida à uma reflexão profunda. Agora prepare-se, tenho a impressão que é a história mais visceral e sufocante da temporada. Muito dolorida!
- Episódio 4: É Natal e em uma cidade militar do Alaska, um viajante misterioso chega para movimentar a noite e provocar os mais diversos sentimentos nas pessoas. Esse episódio é meio arrastado. Mesmo com momentos interessantes, a história não me convenceu, embora o subtexto seja um dos mais provocativos ao trazer para discussão a hipocrisia humana!
- Episódio 5: Um profissional responsável por campanhas eleitorais está quase em ruínas quando resolve criar um novo ícone para concorrer a presidência dos EUA: no caso uma criança de 11 anos. Outro tema muito atual: a discussão do populismo e da força das mídias sociais - mas a história não me pareceu muito inspirada. Basta lembrar que o próprio "Black Mirror" fez algo muito parecido, porém com muito mais habilidade e criatividade em “The Waldo Moment”!
- Episódio 6: O mais "ficção científica" da temporada mostra uma tripulação tendo que fazer escolhas a todo momento para chegar a marte depois que os EUA sofrem um ataque nuclear da China! Mais um episódio arrastado na minha opinião. O conceito é excelente, mas na prática criou poucos conflitos interessantes e o final, embora cause uma certa surpresa, me pareceu bobo.
- Episódio 7: Depois de um chuva de meteoros, surge uma infecção que transforma a maneira como os homens reagem a determinadas situações. O assunto "a masculinidade tóxica" é discutido aqui com muita criatividade. Talvez esse seja o episódio com mais elementos de terror da temporada.
- Episódio 8: Uma rica dona de casa é levada para um centro de detenção sem entender muito bem os motivos, o que mexe com sua realidade e com seu passado. A discussão sobre os violentos centros de detenção de imigrantes nos EUA é o pano de fundo dessa história. Mais uma vez: embora o assunto seja excelente, o resultado do episódio fica muito aquém do seu potencial. Esse episódio eu achei chato!
- Episódio 9: Um professor de antropologia encontra um revolver que parece ter vida própria, no pente uma bala com seu nome. Esse é um episódio bem intrigante, fala sobre as mudanças da vida e como isso pode interferir na personalidade das pessoas. É interessante, mas não surpreende.
- Episódio 10: A roteirista (ficticia) do "Twilight Zone" é assombrada por uma entidade que representa muito do seu passado. Esse episódio é muito mais interessante pela homenagem as origens da série do que propriamente por uma história magnifica construída para encerrar a temporada em alto estilo. Na verdade eu diria até que o episódio fraco, mas o resgate do gênero com uma pegada mais de suspense e sobrenatural carregam a trama até um final de certa forma nostálgico.
De fato os episódios são muito bem produzidos, embora a maioria deles usem de um mesmo cenário para contar toda a história o que não seria um problema se o texto fosse muito bom - o que não é o caso! A dinâmica narrativa sofre com essa limitação e, certamente, acusa o golpe quando os roteiros são menos inspirados. Jordan Peele é o narrador perfeito para a série - tem o tom, as pausas dramáticas e uma postura enigmática, além de ser uma referência, ou melhor, a personificação do renascimento de um gênero que estava esquecido: o suspense fantástico!
Como disse anteriormente, "Twilight Zone" é agradável como entretenimento, mas não é e nem será o fenômeno que foi no final dos anos 50. Talvez uma segunda temporada traga mais oxigênio para série, quem sabe diminuindo o tempo dos episódios ou cuidando melhor das histórias, mas independente de qualquer coisa, vale como divertimento.
"Um Brinde ao Sucesso" é muito divertido e uma delícia de assistir! Embora discuta temas como a "inveja", o "rancor", a "insegurança" e a "falsidade", essa produção francesa dirigida pelo ótimo Daniel Cohen (de "Como um Chef") é daquelas que se destaca não apenas pela trama envolvente, mas também pela habilidade única de capturar a essência da vida cotidiana de uma maneira encantadoramente real. O filme, tranquilamente, poderia ser um episódio de "Modern Love" ou algo que Woody Allen adoraria ter feito, no entanto o toque francês contemporâneo que explora as complexidades das relações humanas com uma leve pitada de humor, olha, é incrível e mais uma vez mostra estar bem afiado.
Na trama, a dinâmica entre dois casais de "grandes" amigos é abalada quando a subestimada (e submissa) Léa Monteil (Bérénice Bejo) resolve escrever um livro que rapidamente se transforma em um super best-seller. Seu sucesso inesperado desperta inveja de sua melhor amiga Karine Léger (Florence Foresti) e a insegurança de seu namorado, Marc Seyriey (Vincent Cassel), gerando assim uma profunda crise pessoal em todos ao seu redor. Confira o trailer:
Embora o título nacional "Um Brinde ao Sucesso" seja absolutamente irônico e inteligente (coisa rara hoje em dia), o original em francês "Le bonheur des uns...", algo como “A felicidade de uns...”, transforma essas "reticências" em um gatilho tão alinhado ao roteiro e a forma como Cohen conduz a narrativa que chega ser um pecado não ter sido usado por aqui também. Sim, o filme é cheio de "reticências" que exige da audiência uma interpretação que vai além daquilo que é falado - e aqui fica impossível não citar o extraordinário trabalho do seu elenco.
Bejo, Foresti, Cassel e até o "sem noção" François Damiens (Francis Léger) dão uma aula de conexão. A química entre eles transforma nossa experiência em algo tão próximo que é impossível não nos projetarmos para as situações absurdas que todos vivem - sem falar nos comentários ácidos do casal Léger que certamente vai te fazer lembrar de alguém(s). A atuação magistral do elenco adiciona profundidade aos personagens, tornando a trama mais rica e envolvente, se apoiando na comédia de situação, sem esquecer do drama mais íntimo de cada um deles - essa dicotomia é perfeita para construir uma dinâmica que nos faz achar graça, mas que também nos incomoda (no bom sentido) em muitos momentos.
A trilha sonora de Maxime Desprez e de Michaël Tordjman (ambos de "Homens à Beira de um Ataque de Nervos") é tão sutil quanto eficaz, mas junto com a cinematografia de Stephan Massis (da ótima série francesa, "Engrenages") dão o tom daquela atmosfera moderna de Paris que transforma a vida urbana francesa em sequências e enquadramentos quase poéticos. O que eu quero dizer é que, ao capturar a autenticidade das relações humanas nesse cenário tão particular, especialmente quando confrontadas com as complexidades da ambição e do sucesso, o filme ganha força pela sua realidade quase que cruel. Mas calma, pois a abordagem do diretor pretende explorar muito mais as nuances da amizade e do ego com uma visão única sobre as escolhas que fazemos quando estamos buscando a felicidade que percebemos no outro, do que o embate constrangedor de quem não tem nada para nos acrescentar durante a vida (embora eu, no lugar da protagonista, não sei se teria tanta paciência)!
Acredite, "Um Brinde ao Sucesso" é mais um dos tesouros escondidos nas plataformas de streaming que merece o seu play!
"Um Brinde ao Sucesso" é muito divertido e uma delícia de assistir! Embora discuta temas como a "inveja", o "rancor", a "insegurança" e a "falsidade", essa produção francesa dirigida pelo ótimo Daniel Cohen (de "Como um Chef") é daquelas que se destaca não apenas pela trama envolvente, mas também pela habilidade única de capturar a essência da vida cotidiana de uma maneira encantadoramente real. O filme, tranquilamente, poderia ser um episódio de "Modern Love" ou algo que Woody Allen adoraria ter feito, no entanto o toque francês contemporâneo que explora as complexidades das relações humanas com uma leve pitada de humor, olha, é incrível e mais uma vez mostra estar bem afiado.
Na trama, a dinâmica entre dois casais de "grandes" amigos é abalada quando a subestimada (e submissa) Léa Monteil (Bérénice Bejo) resolve escrever um livro que rapidamente se transforma em um super best-seller. Seu sucesso inesperado desperta inveja de sua melhor amiga Karine Léger (Florence Foresti) e a insegurança de seu namorado, Marc Seyriey (Vincent Cassel), gerando assim uma profunda crise pessoal em todos ao seu redor. Confira o trailer:
Embora o título nacional "Um Brinde ao Sucesso" seja absolutamente irônico e inteligente (coisa rara hoje em dia), o original em francês "Le bonheur des uns...", algo como “A felicidade de uns...”, transforma essas "reticências" em um gatilho tão alinhado ao roteiro e a forma como Cohen conduz a narrativa que chega ser um pecado não ter sido usado por aqui também. Sim, o filme é cheio de "reticências" que exige da audiência uma interpretação que vai além daquilo que é falado - e aqui fica impossível não citar o extraordinário trabalho do seu elenco.
Bejo, Foresti, Cassel e até o "sem noção" François Damiens (Francis Léger) dão uma aula de conexão. A química entre eles transforma nossa experiência em algo tão próximo que é impossível não nos projetarmos para as situações absurdas que todos vivem - sem falar nos comentários ácidos do casal Léger que certamente vai te fazer lembrar de alguém(s). A atuação magistral do elenco adiciona profundidade aos personagens, tornando a trama mais rica e envolvente, se apoiando na comédia de situação, sem esquecer do drama mais íntimo de cada um deles - essa dicotomia é perfeita para construir uma dinâmica que nos faz achar graça, mas que também nos incomoda (no bom sentido) em muitos momentos.
A trilha sonora de Maxime Desprez e de Michaël Tordjman (ambos de "Homens à Beira de um Ataque de Nervos") é tão sutil quanto eficaz, mas junto com a cinematografia de Stephan Massis (da ótima série francesa, "Engrenages") dão o tom daquela atmosfera moderna de Paris que transforma a vida urbana francesa em sequências e enquadramentos quase poéticos. O que eu quero dizer é que, ao capturar a autenticidade das relações humanas nesse cenário tão particular, especialmente quando confrontadas com as complexidades da ambição e do sucesso, o filme ganha força pela sua realidade quase que cruel. Mas calma, pois a abordagem do diretor pretende explorar muito mais as nuances da amizade e do ego com uma visão única sobre as escolhas que fazemos quando estamos buscando a felicidade que percebemos no outro, do que o embate constrangedor de quem não tem nada para nos acrescentar durante a vida (embora eu, no lugar da protagonista, não sei se teria tanta paciência)!
Acredite, "Um Brinde ao Sucesso" é mais um dos tesouros escondidos nas plataformas de streaming que merece o seu play!
"Um Filho" é um grande filme, mas também uma pancada sem dó - daquelas que deixam marcas profundas mesmo após os créditos subirem! Antes de mais nada é preciso deixar claro que o filme dirigido pelo talentoso Florian Zeller não é uma continuação de seu projeto anterior, o extraordinário “Meu Pai” - talvez um prequel se encaixe melhor se olharmos pelo prisma de uma franquia, já que o personagem de Anthony Hopkins também está no filme e em uma única cena já explica justamente a razão de Peter (Hugh Jackman) nem ser citado em "Meu Pai". Pontuada essa sensível conexão entre as duas obras, temos mais uma vez uma história cheia de camadas, potente, densa e muito realista, onde a depressão de um filho e o relacionamento dele com seus pais separados constroem uma jornada de muita dor e angústia.
A agitada vida de Peter (Jackman) com sua nova parceira Beth (Vanessa Kirby) e seu filho recém-nascido, vira de cabeça para baixo quando sua ex-mulher Kate (Laura Dern) aparece com o filho adolescente do casal, Nicholas (Zen McGrath). O jovem está distante, irritado e ausente da escola há meses. Peter então, tenta cuidar do filho como gostaria que seu pai tivesse feito com ele, mas ao procurar o passado para corrigir seus erros, ele enfrenta enormes desafios para se conectar com Nicholas e o que parecia ser uma solução acaba se tornando um problema ainda maior. Confira o trailer:
"É preciso olhar para os nosso filhos, só que não da forma como achamos ser a correta, apenas baseado em nossas próprias experiências (boas e ruins), mas a partir de um cuidado individualizado, respeitando suas dores mais íntimas e, principalmente, o seu tempo". É com essa frase em mente que acompanhamos toda a jornada de Peter e Kate com seu filho Nicholas - reparem como o silêncio, o olhar e a postura dos personagens, geram uma angústia permanente, onde, de fora, fica claro que em algum momento algo de muito ruim pode acontecer. Mas como é possível que aqueles pais, claramente amorosos e cuidadosos, não percebam isso? Pois é, não percebem, pois não se trata de amor e sim de aceitar uma condição que foge do nosso controle - a depressão é isso e precisa ser levada a sério. Em uma das cenas mais impactantes do filme, Vanessa Kirby mostra todo seu talento justamente levantando essa questão e dói!
Mais uma vez Zeller vai arquitetando um trama sem a pressa de expor seus reais objetivos. A angústia sentimental genuína que Nicholas transmite para a audiência se materializa em inúmeras cenas onde o adolescente é confrontado diretamente por seus pais e até por sua madrasta, no entanto o outro lado também é verdadeiro, já que parece existir uma barreira etária (ou cultural) que impede que os diálogos fluam da maneira mais apropriada. Esse incômodo que o roteiro habilmente retrata, tem um impacto emocional em quem assiste que, como na história, vai minando as esperanças de um final feliz e olha que o terceiro ato, como uma cereja no bolo, sabe fechar sua proposta com um toque avassalador de realidade.
Tecnicamente perfeito em todos os seus aspectos, "Um Filho" de fato não alcançou as glórias de “Meu Pai”, mas acreditem: isso não faz a menor diferença na experiência que é lidar com essa história visceral. No entanto esse não é um filme que recomendaria para qualquer pessoa - os gatilhos são fortes e machucam demais! Embora pertinente, esse alerta não deve diminuir o valor cinematográfico que a obra tem. "The Son" (no original) é um excelente filme, com seu drama denso, emocionante e importante por trocar em um assunto tão sensível, só que dessa vez, pelo olhar e pela percepção de quem está de fora mas não tem como ajudar. Brilhante!
Vale cada segundo do seu play!
PS: Fechando a trilogia de relações familiares e saúde mental iniciada por "Meu Pai" e agora "Um Filho", "A Mãe" deve focar em Anne lidando com a famosa "síndrome do ninho vazio" quando seus dois filhos saem de casa para construir vidas próprias ao mesmo tempo em que ela também suspeita que seu marido, Paul (Rufus Sewell o interpretou em "Meu Pai"), está tendo um caso.
"Um Filho" é um grande filme, mas também uma pancada sem dó - daquelas que deixam marcas profundas mesmo após os créditos subirem! Antes de mais nada é preciso deixar claro que o filme dirigido pelo talentoso Florian Zeller não é uma continuação de seu projeto anterior, o extraordinário “Meu Pai” - talvez um prequel se encaixe melhor se olharmos pelo prisma de uma franquia, já que o personagem de Anthony Hopkins também está no filme e em uma única cena já explica justamente a razão de Peter (Hugh Jackman) nem ser citado em "Meu Pai". Pontuada essa sensível conexão entre as duas obras, temos mais uma vez uma história cheia de camadas, potente, densa e muito realista, onde a depressão de um filho e o relacionamento dele com seus pais separados constroem uma jornada de muita dor e angústia.
A agitada vida de Peter (Jackman) com sua nova parceira Beth (Vanessa Kirby) e seu filho recém-nascido, vira de cabeça para baixo quando sua ex-mulher Kate (Laura Dern) aparece com o filho adolescente do casal, Nicholas (Zen McGrath). O jovem está distante, irritado e ausente da escola há meses. Peter então, tenta cuidar do filho como gostaria que seu pai tivesse feito com ele, mas ao procurar o passado para corrigir seus erros, ele enfrenta enormes desafios para se conectar com Nicholas e o que parecia ser uma solução acaba se tornando um problema ainda maior. Confira o trailer:
"É preciso olhar para os nosso filhos, só que não da forma como achamos ser a correta, apenas baseado em nossas próprias experiências (boas e ruins), mas a partir de um cuidado individualizado, respeitando suas dores mais íntimas e, principalmente, o seu tempo". É com essa frase em mente que acompanhamos toda a jornada de Peter e Kate com seu filho Nicholas - reparem como o silêncio, o olhar e a postura dos personagens, geram uma angústia permanente, onde, de fora, fica claro que em algum momento algo de muito ruim pode acontecer. Mas como é possível que aqueles pais, claramente amorosos e cuidadosos, não percebam isso? Pois é, não percebem, pois não se trata de amor e sim de aceitar uma condição que foge do nosso controle - a depressão é isso e precisa ser levada a sério. Em uma das cenas mais impactantes do filme, Vanessa Kirby mostra todo seu talento justamente levantando essa questão e dói!
Mais uma vez Zeller vai arquitetando um trama sem a pressa de expor seus reais objetivos. A angústia sentimental genuína que Nicholas transmite para a audiência se materializa em inúmeras cenas onde o adolescente é confrontado diretamente por seus pais e até por sua madrasta, no entanto o outro lado também é verdadeiro, já que parece existir uma barreira etária (ou cultural) que impede que os diálogos fluam da maneira mais apropriada. Esse incômodo que o roteiro habilmente retrata, tem um impacto emocional em quem assiste que, como na história, vai minando as esperanças de um final feliz e olha que o terceiro ato, como uma cereja no bolo, sabe fechar sua proposta com um toque avassalador de realidade.
Tecnicamente perfeito em todos os seus aspectos, "Um Filho" de fato não alcançou as glórias de “Meu Pai”, mas acreditem: isso não faz a menor diferença na experiência que é lidar com essa história visceral. No entanto esse não é um filme que recomendaria para qualquer pessoa - os gatilhos são fortes e machucam demais! Embora pertinente, esse alerta não deve diminuir o valor cinematográfico que a obra tem. "The Son" (no original) é um excelente filme, com seu drama denso, emocionante e importante por trocar em um assunto tão sensível, só que dessa vez, pelo olhar e pela percepção de quem está de fora mas não tem como ajudar. Brilhante!
Vale cada segundo do seu play!
PS: Fechando a trilogia de relações familiares e saúde mental iniciada por "Meu Pai" e agora "Um Filho", "A Mãe" deve focar em Anne lidando com a famosa "síndrome do ninho vazio" quando seus dois filhos saem de casa para construir vidas próprias ao mesmo tempo em que ela também suspeita que seu marido, Paul (Rufus Sewell o interpretou em "Meu Pai"), está tendo um caso.
"Um Instante de Amor" é um filmaço, mas atenção: ele é um típico drama independente francês, ou seja, sua cadência narrativa é bastante complexa, existe uma certa poesia nos movimentos de câmera e uma tridimensionalidade absurda no desenvolvimento dos personagens. Resumindo, ele é um filme para quem gosta de fugir do óbvio e para quem se permite embarcar em uma imersão emocional mais elaborada e sensível. O filme dirigido pela talentosa Nicole Garcia (quatro vezes indicada à Palme d'Or em Cannes - a última com esse filme) é uma delicada exploração da alma humana, embalada por performances envolventes e por uma abordagem sensível sobre as complexidades da paixão, dos anseios reprimidos e dos desafios psicológicos na Europa dos anos 50.
Gabrielle (Marion Cotillard) é uma mulher bela e solitária que não sabe lidar muito bem com seus impulsos sexuais. Preocupada com a sanidade mental da filha, cada vez mais perturbada, sua mãe arma um casamento com o pedreiro José (Alex Brendemühl). Após sofrer um aborto e descobrir que tem problemas renais, Gabrielle vai se tratar durante algumas semanas em uma clínica particular, onde encontra a paixão, que jamais teve pelo marido, em um tenente à beira da morte (Louis Garrel). Confira o trailer:
Baseado na obra da italiana Milena Agus, "Um Instante de Amor" seria um presente para qualquer atriz. No caso, a essência da obra cobra do filme uma performance arrebatadora - que Marion Cotillard supre com muita competência. Sua entrega emocional é notável, nos permitindo compartilhar suas angústias e paixões de uma maneira extremamente visceral. É impressionante como Cotillard mergulha na complexidade da personagem, capturando os altos e baixos de seus sentimentos de uma forma, ao mesmo tempo, crua e delicada. Sua presença magnética em cena dá o tom do roteiro escrito pelo Jacques Fieschi (de "Ilusões Perdidas" e "La Californie") a partir de um texto cheio de metáforas e referências clínicas - a doença renal de Gabrielle, por exemplo, parte do seu desejo encarcerado dentro de um conceito muito bem definido pela medicina grega onde órgãos específicos adoeciam como causa e consequência de determinadas emoções em desequilíbrio.
Nicole Garcia, que também colaborou no roteiro ao lado de Natalie Carter (de "Um Segredo Em Família"), demonstra uma enorme capacidade técnica ao construir um universo visual que enriquece a narrativa através de gatilhos emocionais. Inclusive, a fotografia do Christophe Beaucarne (de "Coco antes de Chanel") exerce um papel crucial aqui, já que ela captura toda a atmosfera da França/Suíça do pós-guerra de maneira autêntica, com cenários rurais pitorescos e paisagens campestres belíssimas. O uso habilidoso de tons e texturas realça ainda mais as transformações íntimas da protagonista, enquanto a trilha sonora pontua cada momento crucial, aprofundando a conexão emocional com a história.
Veja, "Um Instante de Amor" não apenas nos envolve em uma história de amor, mas também mergulha na exploração da sexualidade e da autodescoberta. A diretora explora com sensibilidade a jornada de Gabrielle para compreender seus próprios desejos e identidade, rompendo com as expectativas sociais e as amarras da época. Essa abordagem corajosa adiciona camadas de profundidade à narrativa que ganham um valor inestimável no terceiro ato com uma resolução tão surpreendente quanto transformadora. Eu diria que Garcia foi capaz de criar, com invejável sabedoria, uma experiência única que merece todos os elogios!
Vale muito!
"Um Instante de Amor" é um filmaço, mas atenção: ele é um típico drama independente francês, ou seja, sua cadência narrativa é bastante complexa, existe uma certa poesia nos movimentos de câmera e uma tridimensionalidade absurda no desenvolvimento dos personagens. Resumindo, ele é um filme para quem gosta de fugir do óbvio e para quem se permite embarcar em uma imersão emocional mais elaborada e sensível. O filme dirigido pela talentosa Nicole Garcia (quatro vezes indicada à Palme d'Or em Cannes - a última com esse filme) é uma delicada exploração da alma humana, embalada por performances envolventes e por uma abordagem sensível sobre as complexidades da paixão, dos anseios reprimidos e dos desafios psicológicos na Europa dos anos 50.
Gabrielle (Marion Cotillard) é uma mulher bela e solitária que não sabe lidar muito bem com seus impulsos sexuais. Preocupada com a sanidade mental da filha, cada vez mais perturbada, sua mãe arma um casamento com o pedreiro José (Alex Brendemühl). Após sofrer um aborto e descobrir que tem problemas renais, Gabrielle vai se tratar durante algumas semanas em uma clínica particular, onde encontra a paixão, que jamais teve pelo marido, em um tenente à beira da morte (Louis Garrel). Confira o trailer:
Baseado na obra da italiana Milena Agus, "Um Instante de Amor" seria um presente para qualquer atriz. No caso, a essência da obra cobra do filme uma performance arrebatadora - que Marion Cotillard supre com muita competência. Sua entrega emocional é notável, nos permitindo compartilhar suas angústias e paixões de uma maneira extremamente visceral. É impressionante como Cotillard mergulha na complexidade da personagem, capturando os altos e baixos de seus sentimentos de uma forma, ao mesmo tempo, crua e delicada. Sua presença magnética em cena dá o tom do roteiro escrito pelo Jacques Fieschi (de "Ilusões Perdidas" e "La Californie") a partir de um texto cheio de metáforas e referências clínicas - a doença renal de Gabrielle, por exemplo, parte do seu desejo encarcerado dentro de um conceito muito bem definido pela medicina grega onde órgãos específicos adoeciam como causa e consequência de determinadas emoções em desequilíbrio.
Nicole Garcia, que também colaborou no roteiro ao lado de Natalie Carter (de "Um Segredo Em Família"), demonstra uma enorme capacidade técnica ao construir um universo visual que enriquece a narrativa através de gatilhos emocionais. Inclusive, a fotografia do Christophe Beaucarne (de "Coco antes de Chanel") exerce um papel crucial aqui, já que ela captura toda a atmosfera da França/Suíça do pós-guerra de maneira autêntica, com cenários rurais pitorescos e paisagens campestres belíssimas. O uso habilidoso de tons e texturas realça ainda mais as transformações íntimas da protagonista, enquanto a trilha sonora pontua cada momento crucial, aprofundando a conexão emocional com a história.
Veja, "Um Instante de Amor" não apenas nos envolve em uma história de amor, mas também mergulha na exploração da sexualidade e da autodescoberta. A diretora explora com sensibilidade a jornada de Gabrielle para compreender seus próprios desejos e identidade, rompendo com as expectativas sociais e as amarras da época. Essa abordagem corajosa adiciona camadas de profundidade à narrativa que ganham um valor inestimável no terceiro ato com uma resolução tão surpreendente quanto transformadora. Eu diria que Garcia foi capaz de criar, com invejável sabedoria, uma experiência única que merece todos os elogios!
Vale muito!
Antes de mais nada é preciso alinhar as expectativas para que você possa se conectar com a história de "Um lugar bem longe daqui" sem se decepcionar com sua trama - embora o trailer (e toda campanha de marketing) tenha sugerido, o filme não é um suspense policial, muito menos um drama de tribunal! "Um lugar bem longe daqui" é muito mais um drama de relação, quase adolescente, que se apoia nas descobertas do amadurecimento, nos fantasmas do passado e no pré-conceito social para construir uma narrativa muito interessante com a única intenção de te tocar a alma! E cá entre nós, funciona!
Abandonada quando menina, Kya (Daisy Edgar-Jones) cresceu isolada em uma pequena propriedade nos perigosos pântanos da Carolina do Norte. Quando Chase Andrews (Harris Dickinson), um rico garoto da cidade é encontrado morto, Kya imediatamente se torna a principal suspeita. À medida que o caso se desenrola, o veredicto torna-se cada vez mais obscuro, já que muitos elementos do passado podem mostrar o que de fato aconteceu com Andrews. Confira o trailer:
Baseado no fenômeno mundial que é o livro homônimo de Delia Owens, "Um lugar bem longe daqui"sofre por não encontrar sua identidade logo de cara, já que o prólogo escrito pela Lucy Alibar (indicada ao Oscar por "Indomável Sonhadora" em 2012) sugere um caminho que na realidade está bem distante do que realmente a história vai contar. Se inicialmente temos a sensação de estar assistindo um filme sobre um misterioso assassinato em uma pequena cidade dos EUA ao melhor estilo HBO, basta alguns minutos para entendermos que esse é apenas o pano de fundo distante para uma história bem mais água com açúcar. Isso é ruim? Não, mas é inegável que os dois gêneros não se conversam e com isso muitas pessoas tendem a se decepcionar.
Entendido o gênero de "Um lugar bem longe daqui", tudo muda! Embora a narrativa soe cadenciada demais, é de elogiar a forma como a diretora Olivia Newman (de "Minha primeira luta") vai conduzindo a história de Kya sem parecer apressada demais - é como se tudo tivesse seu tempo de acontecer e quando nos damos conta, não conseguimos mais tirar os olhos da tela. A história vai te envolvendo com delicadeza e potência ato a ato e mesmo com alguns clichês (muitos deles mais literários do que cinematográficos), nos conquista. Muito desse mérito tem nome e sobrenome: Daisy Edgar-Jones - essa menina é um verdadeiro talento e vem trilhando uma carreira que muito em breve vai fazer ela ser reconhecida como uma das melhores atrizes de sua geração!
"Um lugar bem longe daqui" é um ótimo e fácil entretenimento, com uma história honesta e dinâmica na sua construção, que parece sair do contexto cinematográfico para homenagear o leitor do best-seller. Competente tecnicamente, bem realizado artisticamente, o filme de Newman vai transitar perfeitamente entre o suspiro de "Uma Garota Exemplar" e o peso de "O Castelo de Vidro", mas que na verdade é muito mais um "O céu está em todo lugar" sem a pirotecnia gráfica ou a fantasia do amor perfeito - ops, o amor perfeito está lá sim!
Vale seu play!
Antes de mais nada é preciso alinhar as expectativas para que você possa se conectar com a história de "Um lugar bem longe daqui" sem se decepcionar com sua trama - embora o trailer (e toda campanha de marketing) tenha sugerido, o filme não é um suspense policial, muito menos um drama de tribunal! "Um lugar bem longe daqui" é muito mais um drama de relação, quase adolescente, que se apoia nas descobertas do amadurecimento, nos fantasmas do passado e no pré-conceito social para construir uma narrativa muito interessante com a única intenção de te tocar a alma! E cá entre nós, funciona!
Abandonada quando menina, Kya (Daisy Edgar-Jones) cresceu isolada em uma pequena propriedade nos perigosos pântanos da Carolina do Norte. Quando Chase Andrews (Harris Dickinson), um rico garoto da cidade é encontrado morto, Kya imediatamente se torna a principal suspeita. À medida que o caso se desenrola, o veredicto torna-se cada vez mais obscuro, já que muitos elementos do passado podem mostrar o que de fato aconteceu com Andrews. Confira o trailer:
Baseado no fenômeno mundial que é o livro homônimo de Delia Owens, "Um lugar bem longe daqui"sofre por não encontrar sua identidade logo de cara, já que o prólogo escrito pela Lucy Alibar (indicada ao Oscar por "Indomável Sonhadora" em 2012) sugere um caminho que na realidade está bem distante do que realmente a história vai contar. Se inicialmente temos a sensação de estar assistindo um filme sobre um misterioso assassinato em uma pequena cidade dos EUA ao melhor estilo HBO, basta alguns minutos para entendermos que esse é apenas o pano de fundo distante para uma história bem mais água com açúcar. Isso é ruim? Não, mas é inegável que os dois gêneros não se conversam e com isso muitas pessoas tendem a se decepcionar.
Entendido o gênero de "Um lugar bem longe daqui", tudo muda! Embora a narrativa soe cadenciada demais, é de elogiar a forma como a diretora Olivia Newman (de "Minha primeira luta") vai conduzindo a história de Kya sem parecer apressada demais - é como se tudo tivesse seu tempo de acontecer e quando nos damos conta, não conseguimos mais tirar os olhos da tela. A história vai te envolvendo com delicadeza e potência ato a ato e mesmo com alguns clichês (muitos deles mais literários do que cinematográficos), nos conquista. Muito desse mérito tem nome e sobrenome: Daisy Edgar-Jones - essa menina é um verdadeiro talento e vem trilhando uma carreira que muito em breve vai fazer ela ser reconhecida como uma das melhores atrizes de sua geração!
"Um lugar bem longe daqui" é um ótimo e fácil entretenimento, com uma história honesta e dinâmica na sua construção, que parece sair do contexto cinematográfico para homenagear o leitor do best-seller. Competente tecnicamente, bem realizado artisticamente, o filme de Newman vai transitar perfeitamente entre o suspiro de "Uma Garota Exemplar" e o peso de "O Castelo de Vidro", mas que na verdade é muito mais um "O céu está em todo lugar" sem a pirotecnia gráfica ou a fantasia do amor perfeito - ops, o amor perfeito está lá sim!
Vale seu play!
"Uma Ideia de Você" é uma graça - daquele tipo de comédia romântica leve e divertida que você assiste com um leve sorriso no rosto bem ao estilo "Um Lugar Chamado Notting Hill" ou até "Yesterday". Dito isso, não espere muitas novidades narrativas no filme do diretor Michael Showalter (de "Os olhos de Tammy Faye") ao mesmo tempo que também é preciso elogiar sua capacidade de equilibrar uma certa atmosfera pop com uma certa crítica perante uma sociedade tão moderninha quanto hipócrita. Se basicamente essa ótima adaptação do livro homônimo de Robinne Lee soa como uma releitura atual de "Notting Hill" em sua essência, posso te garantir que assistir a história de amor de Solène e Hayes deve sim arrancar alguns suspiros de sua audiência.
"The Idea of You" (no original), basicamente, gira em torno de Solène (Anne Hathaway), uma mãe solteira de 40 anos que embarca em um romance inesperado com Hayes Campbell (Nicholas Galitzine), o vocalista de 24 anos da August Moon, a boy band mais popular do planeta. No entanto, o que poderia ser uma linda e feliz história de amor, rapidamente se transforma em uma relação insustentável devido a fama da Campbell, o preconceito dos fãs perante Solène e a falta de privacidade que o casal precisa enfrentar. Confira o trailer:
Pode soar até pretensioso demais, mas "Uma Ideia de Você"não se contenta em ser apenas mais uma comédia romântica água com açúcar usual. Embora sua estrutura narrativa e seu conceito visual indiquem isso, basta olhar um pouco mais atento para o roteiro escrito pelo próprio diretor Michael Showalter ao lado da autora Robinne Lee e da roteiristaJennifer Westfeldt (da série "The First Lady"), para perceber que o filme sabe explorar com alguma sensibilidade temas como a diferença de idade nas relações, a pressão da mídia em tempos de rede social, a busca pela felicidade após um divórcio traumático e, claro, a importância de seguir seus sonhos mesmo quando tudo indica que esse não será o caminho mais tranquilo. Com um roteiro inteligente e bem escrito, saiba que o filme não foge da premissa fantasiosa e dos clichês com aquele toque de sensualidade, para contar uma história improvável de uma pessoa comum que se apaixona por uma celebridade. Se o filme não é tão original assim, tenha certeza que pelo menos ele te fará rir, chorar e até refletir sobre a vida - mas de um forma leve, ou seja, nada parecido como "Nasce uma Estrela", por exemplo.
A fotografia de "Uma Ideia de Você" é linda e colorida, capturando a energia vibrante da indústria musical - especialmente dos grandes concertos de pop. Jim Frohna (de "Big Little Lies") e o montadorPeter Teschner (de "Estrelas Além do Tempo"), estão alinhados com o estilo mais naturalista de Showalter - reparem na atenção aos detalhes e nas sensações que algumas cenas provocam. Existe uma beleza estética que lembra um filme mais autoral, independente. Sempre filmadas com lentes mais fechadas, recortadas por planos-detalhes rápidos, muitas vezes até sem uma trilha sonora ao fundo, algumas cenas expressam tanto sobre os personagens que é impossível não nos relacionarmos intimamente com eles.
É fácil perceber a química entre Hathaway e Galitzine - é inegável que os dois levam o filme para outro patamar! É possível que a comparação com Hugh Grant e com Julia Roberts soe desleal nesse sentido, mas não se pode deixar de lado a forma como Hathaway entrega uma performance comovente e divertida e como Galitzine nos surpreende com seu carisma e talento - eu prestaria mais atenção nesse rapaz. O fato é que "Uma Ideia de Você" realmente diverte com sua leveza e emoção e te conquista com sua simplicidade e sensibilidade. Ele poderia ser mais impactante se tivesse a coragem de seguir uma certa lógica em seu terceiro ato? Sim, mas aí não seria uma comédia romântica raiz com cara de sábado a tarde chuvoso, embaixo do cobertor e com um bom balde de pipoca na mão!
Vale muito o seu play
"Uma Ideia de Você" é uma graça - daquele tipo de comédia romântica leve e divertida que você assiste com um leve sorriso no rosto bem ao estilo "Um Lugar Chamado Notting Hill" ou até "Yesterday". Dito isso, não espere muitas novidades narrativas no filme do diretor Michael Showalter (de "Os olhos de Tammy Faye") ao mesmo tempo que também é preciso elogiar sua capacidade de equilibrar uma certa atmosfera pop com uma certa crítica perante uma sociedade tão moderninha quanto hipócrita. Se basicamente essa ótima adaptação do livro homônimo de Robinne Lee soa como uma releitura atual de "Notting Hill" em sua essência, posso te garantir que assistir a história de amor de Solène e Hayes deve sim arrancar alguns suspiros de sua audiência.
"The Idea of You" (no original), basicamente, gira em torno de Solène (Anne Hathaway), uma mãe solteira de 40 anos que embarca em um romance inesperado com Hayes Campbell (Nicholas Galitzine), o vocalista de 24 anos da August Moon, a boy band mais popular do planeta. No entanto, o que poderia ser uma linda e feliz história de amor, rapidamente se transforma em uma relação insustentável devido a fama da Campbell, o preconceito dos fãs perante Solène e a falta de privacidade que o casal precisa enfrentar. Confira o trailer:
Pode soar até pretensioso demais, mas "Uma Ideia de Você"não se contenta em ser apenas mais uma comédia romântica água com açúcar usual. Embora sua estrutura narrativa e seu conceito visual indiquem isso, basta olhar um pouco mais atento para o roteiro escrito pelo próprio diretor Michael Showalter ao lado da autora Robinne Lee e da roteiristaJennifer Westfeldt (da série "The First Lady"), para perceber que o filme sabe explorar com alguma sensibilidade temas como a diferença de idade nas relações, a pressão da mídia em tempos de rede social, a busca pela felicidade após um divórcio traumático e, claro, a importância de seguir seus sonhos mesmo quando tudo indica que esse não será o caminho mais tranquilo. Com um roteiro inteligente e bem escrito, saiba que o filme não foge da premissa fantasiosa e dos clichês com aquele toque de sensualidade, para contar uma história improvável de uma pessoa comum que se apaixona por uma celebridade. Se o filme não é tão original assim, tenha certeza que pelo menos ele te fará rir, chorar e até refletir sobre a vida - mas de um forma leve, ou seja, nada parecido como "Nasce uma Estrela", por exemplo.
A fotografia de "Uma Ideia de Você" é linda e colorida, capturando a energia vibrante da indústria musical - especialmente dos grandes concertos de pop. Jim Frohna (de "Big Little Lies") e o montadorPeter Teschner (de "Estrelas Além do Tempo"), estão alinhados com o estilo mais naturalista de Showalter - reparem na atenção aos detalhes e nas sensações que algumas cenas provocam. Existe uma beleza estética que lembra um filme mais autoral, independente. Sempre filmadas com lentes mais fechadas, recortadas por planos-detalhes rápidos, muitas vezes até sem uma trilha sonora ao fundo, algumas cenas expressam tanto sobre os personagens que é impossível não nos relacionarmos intimamente com eles.
É fácil perceber a química entre Hathaway e Galitzine - é inegável que os dois levam o filme para outro patamar! É possível que a comparação com Hugh Grant e com Julia Roberts soe desleal nesse sentido, mas não se pode deixar de lado a forma como Hathaway entrega uma performance comovente e divertida e como Galitzine nos surpreende com seu carisma e talento - eu prestaria mais atenção nesse rapaz. O fato é que "Uma Ideia de Você" realmente diverte com sua leveza e emoção e te conquista com sua simplicidade e sensibilidade. Ele poderia ser mais impactante se tivesse a coragem de seguir uma certa lógica em seu terceiro ato? Sim, mas aí não seria uma comédia romântica raiz com cara de sábado a tarde chuvoso, embaixo do cobertor e com um bom balde de pipoca na mão!
Vale muito o seu play
"Uma noite em Miami..." tem um roteiro extremamente original, criativo, inteligente; é muito bem dirigido pela estreante Regina King, fotografado pelo Tami Reiker; e o elenco é simplesmente incrível - mas o filme não será uma unanimidade! Na nossa opinião, o filme é excelente, mas é difícil, pois exige uma certa visão de mundo que aproxima a história muito mais dos americanos do que de outras platéias. Embora seja uma ficção, o roteiro usa de muitas referências reais, detalhes históricos que poucos conhecem e que será de difícil identificação - mais ou menos como aconteceu com "Era uma vez em Hollywood" do Tarantino.
O filme é uma adaptação de uma peça de teatro do dramaturgo Kemp Powers. Ele coloca o ativista Malcolm X (Kingsley Ben-Adir), o “rei do soul” Sam Cooke (Leslie Odom Jr.), o pugilista Muhammed Ali (Eli Goree) e o ator/jogador de futebol americano Jim Brown (Aldis Hodge) juntos em um quarto de hotel, numa noite de 1964 em que celebravam o título mundial de Cassius Clay. É ali que essas importantes personalidades confrontam seus próprios papéis perante a sociedade, sobretudo em relação ao racismo estrutural que imperava naquele momento. Confira o trailer:
Olha que genial: embora contemporâneos, amigos e militantes do movimento por direitos civis dos negros na década de 1960, essa noite que vemos no filme, nunca existiu na realidade, apenas na cabeça de Powers que foi capaz de criar uma atmosfera que transforma um inesperado bate-papo em um momento cheio de reflexões importantes para a sociedade (atual). Como em "Os 7 de Chicago", "One Night in Miami" (título original) faz uma poderosa introdução apresentando os quatro protagonistas individualmente, usando de um conceito narrativo criativo para expor exatamente suas respectivas personalidades e pontuando suas opiniões (e postura) em relação ao segregacionismo da época.
Além de tecnicamente perfeito e de entrar definitivamente em uma corrida por muitas indicações ao Oscar, “Uma Noite em Miami…” é muito inteligente ao evitar polemizar os momentos de racismo e violência contra negros como vemos em outras obras com essa temática. Muito pelo contrário, a obra foca no que é dito nas entrelinhas e na amplitude que essa reflexão ganha na voz de personagens tão marcantes para o movimento - mesmo sendo uma ficção, é de uma força impressionante! O filme é intenso, cadenciado, praticamente construído em diálogos profundos, mas que nos provoca muitas (e muitas) reflexões.
Vale muito a pena e reparem no incrível trabalho de Kingsley Ben-Adir como Malcolm X - é de aplaudir de pé!
"Uma noite em Miami..." tem um roteiro extremamente original, criativo, inteligente; é muito bem dirigido pela estreante Regina King, fotografado pelo Tami Reiker; e o elenco é simplesmente incrível - mas o filme não será uma unanimidade! Na nossa opinião, o filme é excelente, mas é difícil, pois exige uma certa visão de mundo que aproxima a história muito mais dos americanos do que de outras platéias. Embora seja uma ficção, o roteiro usa de muitas referências reais, detalhes históricos que poucos conhecem e que será de difícil identificação - mais ou menos como aconteceu com "Era uma vez em Hollywood" do Tarantino.
O filme é uma adaptação de uma peça de teatro do dramaturgo Kemp Powers. Ele coloca o ativista Malcolm X (Kingsley Ben-Adir), o “rei do soul” Sam Cooke (Leslie Odom Jr.), o pugilista Muhammed Ali (Eli Goree) e o ator/jogador de futebol americano Jim Brown (Aldis Hodge) juntos em um quarto de hotel, numa noite de 1964 em que celebravam o título mundial de Cassius Clay. É ali que essas importantes personalidades confrontam seus próprios papéis perante a sociedade, sobretudo em relação ao racismo estrutural que imperava naquele momento. Confira o trailer:
Olha que genial: embora contemporâneos, amigos e militantes do movimento por direitos civis dos negros na década de 1960, essa noite que vemos no filme, nunca existiu na realidade, apenas na cabeça de Powers que foi capaz de criar uma atmosfera que transforma um inesperado bate-papo em um momento cheio de reflexões importantes para a sociedade (atual). Como em "Os 7 de Chicago", "One Night in Miami" (título original) faz uma poderosa introdução apresentando os quatro protagonistas individualmente, usando de um conceito narrativo criativo para expor exatamente suas respectivas personalidades e pontuando suas opiniões (e postura) em relação ao segregacionismo da época.
Além de tecnicamente perfeito e de entrar definitivamente em uma corrida por muitas indicações ao Oscar, “Uma Noite em Miami…” é muito inteligente ao evitar polemizar os momentos de racismo e violência contra negros como vemos em outras obras com essa temática. Muito pelo contrário, a obra foca no que é dito nas entrelinhas e na amplitude que essa reflexão ganha na voz de personagens tão marcantes para o movimento - mesmo sendo uma ficção, é de uma força impressionante! O filme é intenso, cadenciado, praticamente construído em diálogos profundos, mas que nos provoca muitas (e muitas) reflexões.
Vale muito a pena e reparem no incrível trabalho de Kingsley Ben-Adir como Malcolm X - é de aplaudir de pé!
Após ser diagnosticado com poliomelite, o jovem Robin Cavendish (Andrew Garfield) fica confinado a uma cama. Contrariando a opinião dos médicos, ele e sua esposa decidem viver uma história de amor e aproveitar cada momento como se fosse o último.
O roteiro é inteligente em não perder tempo explicando com o que o tempo vai mostrar naturalmente: Robin se apaixona por Diana (Claire Foy) e rapidamente o casal feliz já espera seu primeiro filho. Robin gosta muito de viajar e em uma dessas viagens, ele começa apresentar os primeiros sintomas da doença. O diagnóstico dos médicos é simples: ele viverá durante algum tempo em uma cama de hospital e depois morrerá. Não existiam tratamentos para a poliomelite na época, remédios ou meios de fazê-lo ter uma vida melhor. Enquanto Diana assume uma postura mais inconformada, já Robin quer morrer de uma vez. Mas e o amor? O filho recém nascido? É aí que o filme fortalece o conflito em busca de repostas e transforma o desejo de viver de Robin!
"Uma Razão Para Viver" nem de longe pode ser comparado ao "Escafandro e a Borboleta" - ambos com a mesma temática, mas com conceitos narrativos completamente diferentes. É até triste o que vou escrever, mas fico imaginando o Andrew Garfield recebendo esse roteiro e pensando: vou ganhar todos os prêmios possíveis com esse personagem e de fato, existia esse perspectiva... o único problema é que colocaram o ator Andy Serkis para dirigir e aí entrou água no chopp!
O que vemos no filme é um Diretor de Fotografia extremamente competente, no caso o Robert Richardson (10 vezes indicado ao Oscar), tentando salvar a pele do Diretor que não consegue encontrar a profundidade e a sensibilidade que o filme merecia - um desperdício! Alias, belíssimas imagens Richardson conseguiu enquadrar - sem dúvida o ponto mais alto do filme!
O fato é que "Breathe" (título original) poderia ser muito melhor do que realmente é. Esse filme na mão de um diretor como Cianfrance (Blue Valentine) , Andrew Garfield estaria agradecendo até hoje!
Vale como entretenimento!
Após ser diagnosticado com poliomelite, o jovem Robin Cavendish (Andrew Garfield) fica confinado a uma cama. Contrariando a opinião dos médicos, ele e sua esposa decidem viver uma história de amor e aproveitar cada momento como se fosse o último.
O roteiro é inteligente em não perder tempo explicando com o que o tempo vai mostrar naturalmente: Robin se apaixona por Diana (Claire Foy) e rapidamente o casal feliz já espera seu primeiro filho. Robin gosta muito de viajar e em uma dessas viagens, ele começa apresentar os primeiros sintomas da doença. O diagnóstico dos médicos é simples: ele viverá durante algum tempo em uma cama de hospital e depois morrerá. Não existiam tratamentos para a poliomelite na época, remédios ou meios de fazê-lo ter uma vida melhor. Enquanto Diana assume uma postura mais inconformada, já Robin quer morrer de uma vez. Mas e o amor? O filho recém nascido? É aí que o filme fortalece o conflito em busca de repostas e transforma o desejo de viver de Robin!
"Uma Razão Para Viver" nem de longe pode ser comparado ao "Escafandro e a Borboleta" - ambos com a mesma temática, mas com conceitos narrativos completamente diferentes. É até triste o que vou escrever, mas fico imaginando o Andrew Garfield recebendo esse roteiro e pensando: vou ganhar todos os prêmios possíveis com esse personagem e de fato, existia esse perspectiva... o único problema é que colocaram o ator Andy Serkis para dirigir e aí entrou água no chopp!
O que vemos no filme é um Diretor de Fotografia extremamente competente, no caso o Robert Richardson (10 vezes indicado ao Oscar), tentando salvar a pele do Diretor que não consegue encontrar a profundidade e a sensibilidade que o filme merecia - um desperdício! Alias, belíssimas imagens Richardson conseguiu enquadrar - sem dúvida o ponto mais alto do filme!
O fato é que "Breathe" (título original) poderia ser muito melhor do que realmente é. Esse filme na mão de um diretor como Cianfrance (Blue Valentine) , Andrew Garfield estaria agradecendo até hoje!
Vale como entretenimento!
Não tem jeito, você vai se emocionar! "Uma Vida: A História de Nicholas Winton", dirigido pelo excelente James Hawes (de "Slow Horses"), é um filme biográfico que traz à tona a inspiradora história de Nicholas Winton, o humanitário britânico que resgatou centenas de crianças judias da Tchecoslováquia durante a Segunda Guerra Mundial. Com uma direção inspirada e uma narrativa realmente potente, o filme oferece uma visão profunda e comovente do efeito de um indivíduo diante de uma das épocas mais sombrias da história - olha, é impossível não lembrar de "A Lista de Schindler", no entanto, e é preciso que se diga, aqui a jornada é construída nos bastidores, fugindo daquele impacto visual do horror da guerra que estamos acostumados a encontrar em outras produções, mas nem por isso, e eu posso garantir, a história perde força.
"One Life" (no original), basicamente, acompanha a vida de Winton (interpretado por Anthony Hopkins nos tempos atuais e por Johnny Flynn no passado), que, em 1938, viajou para Praga e testemunhou a iminente ameaça nazista sobre a população judaica. Movido por um senso de urgência e compaixão, Winton organizou uma série de transportes que salvaram 669 crianças, levando-as para a Grã-Bretanha. O filme detalha, em retrospectiva, as dificuldades logísticas e emocionais enfrentadas por Winton e sua equipe para salvar o maior número de crianças possíveis antes da invasão alemã de Adolf Hitler. Confira o trailer (em inglês):
É chover no molhado dizer que Anthony Hopkins entrega uma performance magistral como Nicholas Winton - mas é impressionante como o ator captura a profundidade emocional e a determinação silenciosa do personagem. Hopkins, com sua presença imponente e sua inigualável habilidade de transmitir nuances sutis, dá vida a Winton de uma maneira que ressoa profundamente na audiência. James Hawes sabe do ator que tem nas mãos e justamente por isso dirige o filme com uma sensibilidade que evita o sensacionalismo, focando em contar a história de seu protagonista com honestidade e respeito. A fotografia de Zac Nicholson (de "A História Pessoal de David Copperfield") é visualmente impressionante, utilizando uma paleta de cores que realça o contraste entre os dias sombrios da guerra e os momentos de esperança e salvação - as cenas do pré-guerra em Praga, por exemplo, são capturadas com um realismo que é capaz de relativizar as limitações do orçamento quando exige mais da produção, enquanto os close-ups no rosto de Hopkins, já no presente, destacam a carga emocional das memórias e da forma como o personagem sempre olhou para o mundo.
O roteiro de Lucinda Coxon e de Nick Drake, baseado no livro de Barbara Winton, é bem estruturado, abordando não apenas os eventos históricos, mas também as motivações internas e os dilemas éticos enfrentados por Nicholas Winton através dos tempos. Coxon e Drake tecem uma narrativa que é ao mesmo tempo relevante como recorte histórico e emocionalmente envolvente como entretenimento, evitando didatismos e permitindo que a trama se desenrole de uma forma mais orgânica. As interações entre Winton e as crianças, bem como os seus momentos de conflito interno, são tratados com delicadeza trazendo uma camada de realismo absurda para o filme. A trilha sonora é outro elemento que merece destaque - composta por Volker Bertelmann (vencedor do Oscar por "Nada de Novo no Front"), trilha complementa a narrativa com músicas que variam entre o melancólico e o inspirador, sublinhando os momentos de tensão e triunfo ao ponto de "esmagar nosso coração".
"Uma Vida: A História de Nicholas Winton" não apenas celebra o heroísmo de Winton, mas também oferece uma reflexão sobre o impacto que uma única pessoa pode ter no mundo. O filme destaca a importância de uma ação altruísta e o poder das decisões morais, especialmente em tempos de crise. A humildade de Winton, que manteve suas ações em segredo por décadas, é um testemunho da verdadeira natureza do amor ao próximo, algo que o filme desenvolve de maneira eficaz e por isso nos conectamos tanto com ele. Para alguns o ritmo pode parecer um pouco lento, mas o que posso adiantar é que estamos diante de uma jornada profundamente comovente que não só ilumina um capítulo importante da história, mas também nos desafia a refletir sobre nosso próprio olhar para a bem maior.
Vale muito o seu play!
Não tem jeito, você vai se emocionar! "Uma Vida: A História de Nicholas Winton", dirigido pelo excelente James Hawes (de "Slow Horses"), é um filme biográfico que traz à tona a inspiradora história de Nicholas Winton, o humanitário britânico que resgatou centenas de crianças judias da Tchecoslováquia durante a Segunda Guerra Mundial. Com uma direção inspirada e uma narrativa realmente potente, o filme oferece uma visão profunda e comovente do efeito de um indivíduo diante de uma das épocas mais sombrias da história - olha, é impossível não lembrar de "A Lista de Schindler", no entanto, e é preciso que se diga, aqui a jornada é construída nos bastidores, fugindo daquele impacto visual do horror da guerra que estamos acostumados a encontrar em outras produções, mas nem por isso, e eu posso garantir, a história perde força.
"One Life" (no original), basicamente, acompanha a vida de Winton (interpretado por Anthony Hopkins nos tempos atuais e por Johnny Flynn no passado), que, em 1938, viajou para Praga e testemunhou a iminente ameaça nazista sobre a população judaica. Movido por um senso de urgência e compaixão, Winton organizou uma série de transportes que salvaram 669 crianças, levando-as para a Grã-Bretanha. O filme detalha, em retrospectiva, as dificuldades logísticas e emocionais enfrentadas por Winton e sua equipe para salvar o maior número de crianças possíveis antes da invasão alemã de Adolf Hitler. Confira o trailer (em inglês):
É chover no molhado dizer que Anthony Hopkins entrega uma performance magistral como Nicholas Winton - mas é impressionante como o ator captura a profundidade emocional e a determinação silenciosa do personagem. Hopkins, com sua presença imponente e sua inigualável habilidade de transmitir nuances sutis, dá vida a Winton de uma maneira que ressoa profundamente na audiência. James Hawes sabe do ator que tem nas mãos e justamente por isso dirige o filme com uma sensibilidade que evita o sensacionalismo, focando em contar a história de seu protagonista com honestidade e respeito. A fotografia de Zac Nicholson (de "A História Pessoal de David Copperfield") é visualmente impressionante, utilizando uma paleta de cores que realça o contraste entre os dias sombrios da guerra e os momentos de esperança e salvação - as cenas do pré-guerra em Praga, por exemplo, são capturadas com um realismo que é capaz de relativizar as limitações do orçamento quando exige mais da produção, enquanto os close-ups no rosto de Hopkins, já no presente, destacam a carga emocional das memórias e da forma como o personagem sempre olhou para o mundo.
O roteiro de Lucinda Coxon e de Nick Drake, baseado no livro de Barbara Winton, é bem estruturado, abordando não apenas os eventos históricos, mas também as motivações internas e os dilemas éticos enfrentados por Nicholas Winton através dos tempos. Coxon e Drake tecem uma narrativa que é ao mesmo tempo relevante como recorte histórico e emocionalmente envolvente como entretenimento, evitando didatismos e permitindo que a trama se desenrole de uma forma mais orgânica. As interações entre Winton e as crianças, bem como os seus momentos de conflito interno, são tratados com delicadeza trazendo uma camada de realismo absurda para o filme. A trilha sonora é outro elemento que merece destaque - composta por Volker Bertelmann (vencedor do Oscar por "Nada de Novo no Front"), trilha complementa a narrativa com músicas que variam entre o melancólico e o inspirador, sublinhando os momentos de tensão e triunfo ao ponto de "esmagar nosso coração".
"Uma Vida: A História de Nicholas Winton" não apenas celebra o heroísmo de Winton, mas também oferece uma reflexão sobre o impacto que uma única pessoa pode ter no mundo. O filme destaca a importância de uma ação altruísta e o poder das decisões morais, especialmente em tempos de crise. A humildade de Winton, que manteve suas ações em segredo por décadas, é um testemunho da verdadeira natureza do amor ao próximo, algo que o filme desenvolve de maneira eficaz e por isso nos conectamos tanto com ele. Para alguns o ritmo pode parecer um pouco lento, mas o que posso adiantar é que estamos diante de uma jornada profundamente comovente que não só ilumina um capítulo importante da história, mas também nos desafia a refletir sobre nosso próprio olhar para a bem maior.
Vale muito o seu play!
"Upload", nova série produzida pela Amazon para o seu Prime Vídeo, poderia ser, tranquilamente, um episódio engraçadinho (com uma ótima discussão existencial) de "Black Mirror" - já com grande potencial para um spin-offcomo "Nosedive" ou "San Junipero". Embora minha preferência seja pelos episódios mais dramáticos da série, é inegável que, desde sua criação, "Black Mirror" trás em seu DNA essa alternância inteligente e criativa entre gêneros. "Upload" não é uma antologia episódica, mas se aproveita dessa mesma estratégia para estabelecer seu universo e transitar entre vários temas, tendo como pano de fundo a tecnologia - e como tom, um certo sarcasmo!
Nathan Brown (Robbie Amell) é um jovem programador que, após sofrer um acidente bastante suspeito em um carro autônomo, tem seu "upload" feito para viver em uma espécie de paraíso tecnológico chamado Lakeview. Lá, ele percebe que a experiência pós-vida, exaustivamente anunciada pelo marketing da empresa "Horizon", não é tão perfeita quanto ele imaginava. Caro e vigiado por uma espécie de serviço de assistência 24h, chamado "Angel", Nathan percebe que estar alí não é um privilégio e sim a solução que sua namorada Ingrid Kannerman (Allegra Edwards) encontrou para manter seu relacionamento eternamente - já que a interação entre vivos e "mortos" funciona através de Realidade Virtual. Confira o trailer (em inglês):
"Upload" é uma mistura de "Black Mirror" (Netflix) com "Silicon Valley" (HBO) já que toda tecnologia nos é apresentada em uma versão (propositalmente) exagerada e com várias referências que, para os amantes desse universo, serão facilmente percebidas. Além disso, o roteiro insere várias situações que funcionam como uma espécie de crítica social - a própria contratação dos planos para viver nessa "eternidade virtual" se baseia em elementos que estamos bem acostumados, como a diferença entre aqueles que podem se dar ao luxo de comprar um pacote de dados ilimitados e outros que usam um "pré-pago" de 2GB que limitam suas ações e travam sua existência até o mês seguinte assim que o pacote acaba. De fato esses paralelos são divertidos e transformaram essa primeira temporada em um ótimo (e leve) entretenimento.
Criada por Greg Daniels, roteirista com passagens por "Os Simpsons" e "Saturday Night Live", e também responsável pela criação de sucessos como "The Office" e "Parks and Recreation" , "Upload" acerta ao equilibrar seu conteúdo com a forma: todas as discussões sociais e referências tecnológicas são pontuadas através da comédia pastelão, enquanto a trama principal esconde um certo mistério, quase policial; e a relação entre Nathan Brown e seu "anjo" Nora (Andy Allo) dão aquele toque final e frescor de uma comédia romântica - muitos podem até achar uma falta de identidade do roteiro, mas na minha interpretação, a série da Amazon aproveita dessa variação de gêneros como uma estratégia narrativa para criar uma ótima dinâmica ao mesmo tempo que nos mantém curiosos durante toda temporada.
Muito bem produzida, alternando (propositalmente também) ótimos efeitos visuais com outros extremamente toscos, "Upload" é um ótimo exemplo de alinhamento conceitual entre roteiro, direção e interpretação. Robbie Amell e Andy Allo estão excelentes nos papéis Nathan e Nora, com uma química invejável. Destaco também o trabalho de Kevin Bigley como o "sem noção" Luke e o ótimo Rhys Slack como Dylan.
Olha, posso dizer tranquilamente que a série me surpreendeu em vários aspectos e, mesmo não sendo meu gênero preferido, acabou me conquistando. A segunda temporada já foi confirmada pela Amazon e a esperança é que mantenha sua qualidade e, quem sabe, não desperdice tantas oportunidades de se aprofundar em alguns temas de maneira divertida e criativa - da mesma forma como foi capaz de apresentar ótimos personagens. Dez episódios de 30 minutos é a dose perfeita para esse tipo de série e "Upload" soube aproveitar desse formato muito bem! Não perca mais tempo e divirta-se!
"Upload", nova série produzida pela Amazon para o seu Prime Vídeo, poderia ser, tranquilamente, um episódio engraçadinho (com uma ótima discussão existencial) de "Black Mirror" - já com grande potencial para um spin-offcomo "Nosedive" ou "San Junipero". Embora minha preferência seja pelos episódios mais dramáticos da série, é inegável que, desde sua criação, "Black Mirror" trás em seu DNA essa alternância inteligente e criativa entre gêneros. "Upload" não é uma antologia episódica, mas se aproveita dessa mesma estratégia para estabelecer seu universo e transitar entre vários temas, tendo como pano de fundo a tecnologia - e como tom, um certo sarcasmo!
Nathan Brown (Robbie Amell) é um jovem programador que, após sofrer um acidente bastante suspeito em um carro autônomo, tem seu "upload" feito para viver em uma espécie de paraíso tecnológico chamado Lakeview. Lá, ele percebe que a experiência pós-vida, exaustivamente anunciada pelo marketing da empresa "Horizon", não é tão perfeita quanto ele imaginava. Caro e vigiado por uma espécie de serviço de assistência 24h, chamado "Angel", Nathan percebe que estar alí não é um privilégio e sim a solução que sua namorada Ingrid Kannerman (Allegra Edwards) encontrou para manter seu relacionamento eternamente - já que a interação entre vivos e "mortos" funciona através de Realidade Virtual. Confira o trailer (em inglês):
"Upload" é uma mistura de "Black Mirror" (Netflix) com "Silicon Valley" (HBO) já que toda tecnologia nos é apresentada em uma versão (propositalmente) exagerada e com várias referências que, para os amantes desse universo, serão facilmente percebidas. Além disso, o roteiro insere várias situações que funcionam como uma espécie de crítica social - a própria contratação dos planos para viver nessa "eternidade virtual" se baseia em elementos que estamos bem acostumados, como a diferença entre aqueles que podem se dar ao luxo de comprar um pacote de dados ilimitados e outros que usam um "pré-pago" de 2GB que limitam suas ações e travam sua existência até o mês seguinte assim que o pacote acaba. De fato esses paralelos são divertidos e transformaram essa primeira temporada em um ótimo (e leve) entretenimento.
Criada por Greg Daniels, roteirista com passagens por "Os Simpsons" e "Saturday Night Live", e também responsável pela criação de sucessos como "The Office" e "Parks and Recreation" , "Upload" acerta ao equilibrar seu conteúdo com a forma: todas as discussões sociais e referências tecnológicas são pontuadas através da comédia pastelão, enquanto a trama principal esconde um certo mistério, quase policial; e a relação entre Nathan Brown e seu "anjo" Nora (Andy Allo) dão aquele toque final e frescor de uma comédia romântica - muitos podem até achar uma falta de identidade do roteiro, mas na minha interpretação, a série da Amazon aproveita dessa variação de gêneros como uma estratégia narrativa para criar uma ótima dinâmica ao mesmo tempo que nos mantém curiosos durante toda temporada.
Muito bem produzida, alternando (propositalmente também) ótimos efeitos visuais com outros extremamente toscos, "Upload" é um ótimo exemplo de alinhamento conceitual entre roteiro, direção e interpretação. Robbie Amell e Andy Allo estão excelentes nos papéis Nathan e Nora, com uma química invejável. Destaco também o trabalho de Kevin Bigley como o "sem noção" Luke e o ótimo Rhys Slack como Dylan.
Olha, posso dizer tranquilamente que a série me surpreendeu em vários aspectos e, mesmo não sendo meu gênero preferido, acabou me conquistando. A segunda temporada já foi confirmada pela Amazon e a esperança é que mantenha sua qualidade e, quem sabe, não desperdice tantas oportunidades de se aprofundar em alguns temas de maneira divertida e criativa - da mesma forma como foi capaz de apresentar ótimos personagens. Dez episódios de 30 minutos é a dose perfeita para esse tipo de série e "Upload" soube aproveitar desse formato muito bem! Não perca mais tempo e divirta-se!
"Utøya 22.juli" (título original) é simplesmente perturbador! Filme norueguês, dirigido pelo Erik Poppe, que conta a história real de um ataque terrorista em uma ilha da Noruega em 2011, onde um grupo de jovens participavam de uma espécie de acampamento de verão.
Na verdade, eu estava muito curioso desde que o filme foi apresentado no Festival de Berlin de 2018, por duas razões: a primeira, se tratava de um filme em "real time", ou seja, os 71 minutos de terror que esses jovens passaram estão no filme pelo ponto de vista de uma das personagens - a câmera acompanha essa personagem 100% do tempo com uma sensibilidade impressionante. Em segundo, porque esses 71 minutos são um plano sequência de cair o queixo! Tudo funciona tão perfeitamente que você chega a duvidar se é possível rodar um filme assim - é uma dinâmica narrativa que te coloca no meio do inferno sem pedir licença. Confira o trailer:
O Diretor é um ex-fotografo de guerra e ele, magistralmente, conseguiu reproduzir com sua lente todo o medo, ansiedade, tensão e desespero que se imagina em uma situação de terror como essa, somente pelo olhar da protagonista (a incrível Andrea Berntzen). Não saber de onde vem perigo e poder sentir essa angustia assistindo o filme, sem dúvida, foi uma experiência genial - mérito do diretor, do fotógrafo e digno de muitos prêmios, inclusive! O filme é, de fato, uma experiência sensorial impressionante; é como se aquela famosa cena inicial do "Resgate do Soldado Ryan" durasse mais de uma hora!!!! Angustiante!!!
"Utoya 22 de Julho" não levou o Urso de Ouro em Berlin, mas tem muito potencial para ter uma carreira internacional de muito sucesso e para quem gosta de uma imersão cinematográfica com um nível de qualidade acima da média (e que certamente vai mexer com você), o filme é imperdível!!!! Um soco na boca do estômago em 24 frames por segundo!!!! Vale muito mais o play!!!!
PS: O assunto é tão marcante que rendeu mais duas produções: uma delas com o diretor Paul Greengrass (de Capitão Phillips e Vôo United 93) e produzido pela Netflix, chamado "22 July"! A outra, uma co-produção da Noruega, Suécia e Dinamarca que vai contar a história pelo ponto de vista de 4 sobreviventes do massacre.
"Utøya 22.juli" (título original) é simplesmente perturbador! Filme norueguês, dirigido pelo Erik Poppe, que conta a história real de um ataque terrorista em uma ilha da Noruega em 2011, onde um grupo de jovens participavam de uma espécie de acampamento de verão.
Na verdade, eu estava muito curioso desde que o filme foi apresentado no Festival de Berlin de 2018, por duas razões: a primeira, se tratava de um filme em "real time", ou seja, os 71 minutos de terror que esses jovens passaram estão no filme pelo ponto de vista de uma das personagens - a câmera acompanha essa personagem 100% do tempo com uma sensibilidade impressionante. Em segundo, porque esses 71 minutos são um plano sequência de cair o queixo! Tudo funciona tão perfeitamente que você chega a duvidar se é possível rodar um filme assim - é uma dinâmica narrativa que te coloca no meio do inferno sem pedir licença. Confira o trailer:
O Diretor é um ex-fotografo de guerra e ele, magistralmente, conseguiu reproduzir com sua lente todo o medo, ansiedade, tensão e desespero que se imagina em uma situação de terror como essa, somente pelo olhar da protagonista (a incrível Andrea Berntzen). Não saber de onde vem perigo e poder sentir essa angustia assistindo o filme, sem dúvida, foi uma experiência genial - mérito do diretor, do fotógrafo e digno de muitos prêmios, inclusive! O filme é, de fato, uma experiência sensorial impressionante; é como se aquela famosa cena inicial do "Resgate do Soldado Ryan" durasse mais de uma hora!!!! Angustiante!!!
"Utoya 22 de Julho" não levou o Urso de Ouro em Berlin, mas tem muito potencial para ter uma carreira internacional de muito sucesso e para quem gosta de uma imersão cinematográfica com um nível de qualidade acima da média (e que certamente vai mexer com você), o filme é imperdível!!!! Um soco na boca do estômago em 24 frames por segundo!!!! Vale muito mais o play!!!!
PS: O assunto é tão marcante que rendeu mais duas produções: uma delas com o diretor Paul Greengrass (de Capitão Phillips e Vôo United 93) e produzido pela Netflix, chamado "22 July"! A outra, uma co-produção da Noruega, Suécia e Dinamarca que vai contar a história pelo ponto de vista de 4 sobreviventes do massacre.
"Val" é um documentário sensacional, mas duro - pela coragem, pela humanidade e pela desconstrução de um símbolo de sucesso, fama e dinheiro tão particular dos astros de Hollywood nos anos 80 e 90 que trouxeram para os holofotes celebridades como Tom Cruise, Kevin Bacon e até Sean Penn. Essa produção original da A24 e distribuído pela Amazon, não suaviza em nenhum momento a jornada pessoal e profissional de Val Kilmer, mesmo quando rotulado de coadjuvante de luxo.
Val Kilmer, um dos atores mais inconstantes de Hollywood, vem documentando sua vida e arte em milhares de gravações: de filmes caseiros com os irmãos, a momentos vividos enquanto interpretava papeis icônicos em filmes de sucesso como "Top Gun" e "Batman". Este documentário franco e original revela uma vida pautada por extremos, e um olhar cheio de emoção sobre o que significa ser artista. Confira o trailer (em inglês):
Dirigido pela dupla de estreantes Ting Poo e Leo Scott, o documentário faz um passeio pela história do ator com o claro propósito de desconstruir a celebridade e humanizar a jornada - é um verdadeiro mergulho na experiência de entender quem é Val Kilmer. O tema central (e seu protagonista) pode até soar desinteressante para muitos, mas acredite: talvez seja um dos recortes mais sinceros que assisti recentemente sobre o outro lado de ser uma celebridade. E aqui não dá para deixar de citar um documentário que vai muito nessa linha e que também vale sua atenção: "Showbiz Kids"da HBO Max.
A escolha por uma narrativa não-linear dá um ritmo muito interessante para o documentário, criando uma espécie de contraposição entre imagens de um Val Kilmer insatisfeito e ansioso em seu auge como ator promissor, com cenas dele completamente fragilizado, graças ao efeito devastador das cirurgias e sessões de radioterapia e quimioterapia que salvaram sua vida quando ele precisou cancelar a turnê de sua peça teatral devido a um câncer na garganta, em 2017. É preciso dizer que essa dicotomia é muito impressionante - observar sua dificuldade ao lidar com o aparelho de traqueostomia instalado em seu pescoço, impacta.
Por outro lado, "Val" está cheio de curiosidades muito além dos bastidores de Hollywood - do desejo de se tornar ator, passando pela fase de estudos até as primeiras oportunidades, o documentário, de fato, não romantiza em nada a jornada de um aspirante ao sucesso. São inúmeras audições, decepções e intrigas. Mas também conquistas e reconhecimentos - os comentários dele sobre sua escolha para substituir Michael Keaton em "Batman" e sua dificuldade em atuar com o traje do herói, além dos problemas de relação com o diretor John Frankenheimer no set de "A Ilha do Dr. Moreau" onde contracenaria com seu ídolo Marlon Brando, são fascinantes.
"Val" é um documentário forte, melancólico e, sobretudo, de entendimento da vida e da obra do ator de 61 anos que teve momentos memoráveis, mas que também foi marcada pela irregularidade. De um jovem que trazia consigo um ideal romântico sobre a arte da atuação, mas que sucumbiu aos desejos comerciais dos Estúdios em uma época onde ser "Iceman" era mais valorizado do que ser "Hamlet".
Vale muito a pena!
"Val" é um documentário sensacional, mas duro - pela coragem, pela humanidade e pela desconstrução de um símbolo de sucesso, fama e dinheiro tão particular dos astros de Hollywood nos anos 80 e 90 que trouxeram para os holofotes celebridades como Tom Cruise, Kevin Bacon e até Sean Penn. Essa produção original da A24 e distribuído pela Amazon, não suaviza em nenhum momento a jornada pessoal e profissional de Val Kilmer, mesmo quando rotulado de coadjuvante de luxo.
Val Kilmer, um dos atores mais inconstantes de Hollywood, vem documentando sua vida e arte em milhares de gravações: de filmes caseiros com os irmãos, a momentos vividos enquanto interpretava papeis icônicos em filmes de sucesso como "Top Gun" e "Batman". Este documentário franco e original revela uma vida pautada por extremos, e um olhar cheio de emoção sobre o que significa ser artista. Confira o trailer (em inglês):
Dirigido pela dupla de estreantes Ting Poo e Leo Scott, o documentário faz um passeio pela história do ator com o claro propósito de desconstruir a celebridade e humanizar a jornada - é um verdadeiro mergulho na experiência de entender quem é Val Kilmer. O tema central (e seu protagonista) pode até soar desinteressante para muitos, mas acredite: talvez seja um dos recortes mais sinceros que assisti recentemente sobre o outro lado de ser uma celebridade. E aqui não dá para deixar de citar um documentário que vai muito nessa linha e que também vale sua atenção: "Showbiz Kids"da HBO Max.
A escolha por uma narrativa não-linear dá um ritmo muito interessante para o documentário, criando uma espécie de contraposição entre imagens de um Val Kilmer insatisfeito e ansioso em seu auge como ator promissor, com cenas dele completamente fragilizado, graças ao efeito devastador das cirurgias e sessões de radioterapia e quimioterapia que salvaram sua vida quando ele precisou cancelar a turnê de sua peça teatral devido a um câncer na garganta, em 2017. É preciso dizer que essa dicotomia é muito impressionante - observar sua dificuldade ao lidar com o aparelho de traqueostomia instalado em seu pescoço, impacta.
Por outro lado, "Val" está cheio de curiosidades muito além dos bastidores de Hollywood - do desejo de se tornar ator, passando pela fase de estudos até as primeiras oportunidades, o documentário, de fato, não romantiza em nada a jornada de um aspirante ao sucesso. São inúmeras audições, decepções e intrigas. Mas também conquistas e reconhecimentos - os comentários dele sobre sua escolha para substituir Michael Keaton em "Batman" e sua dificuldade em atuar com o traje do herói, além dos problemas de relação com o diretor John Frankenheimer no set de "A Ilha do Dr. Moreau" onde contracenaria com seu ídolo Marlon Brando, são fascinantes.
"Val" é um documentário forte, melancólico e, sobretudo, de entendimento da vida e da obra do ator de 61 anos que teve momentos memoráveis, mas que também foi marcada pela irregularidade. De um jovem que trazia consigo um ideal romântico sobre a arte da atuação, mas que sucumbiu aos desejos comerciais dos Estúdios em uma época onde ser "Iceman" era mais valorizado do que ser "Hamlet".
Vale muito a pena!
"Verdade e Justiça" chegou na Prime Vídeo da Amazon com status de ter representado a Estônia no Globo de Ouro e no Oscar 2021 e com isso chancelar sua qualidade narrativa e visual. De fato, o filme é irretocável tecnicamente e tem um conceito visual de cair o queixo, porém sua narrativa é muito difícil, lenta, cadenciada, sem muitos conflitos - me lembrou um filme espanhol de 2018 chamado "Sob a Pele do Lobo". Veja, o filme é lindo, profundo, mas será preciso certa persistência e explico a razão abaixo!
O filme conta a história de Andrés (Priit Loog), um homem de poucas posses que obtém uma fazenda num lugar inóspito (apesar de belo) na Estônia do século XIX, para estabelecer vida nova com sua mulher, Krõõt (Maiken Pius). Para melhorar de vida, no entanto, ele terá que lutar contra a resistência da terra úmida e pantanosa de sua nova propriedade, ao mesmo tempo que terá que lidar com seu grosseiro vizinho, Pearu (Priit Võigemast). Confira o trailer:
O primeiro elemento que chama a atenção, sem dúvida, é a fotografia do diretor Rein Kotov - ele foi o fotógrafo de outro filme indicado ao Oscar, dessa vez o representante da Geórgia: "Tangerinas" de 2013. A quantidade de planos abertos que enaltecem as belezas da Europa Oriental são tão imponentes quanto os planos fechados que expõe a alma dos personagens em momentos belíssimos, com performances de se aplaudir de pé. Destaco o trabalho de Loog, mas principalmente de Võigemast.
Dirigido pelo estreante e talentoso Tanel Toom (guardem esse nome), "Verdade e Justiça" (Tõde ja õigus, no original) discute a complexidade dessas duas palavras e como um homem pode se perder enquanto persegue cada uma delas a todo custo. O filme fala da dor da perda, da insegurança do novo, da falta de controle sobre os eventos da vida, mas principalmente, da forma como lidamos com as adversidades e como a sequência de alguns atos podem mudar nossa forma de enxergar o mundo e o outro! É por isso que no início do filme não temos dificuldade de torcer por Andrés, mas após perceber que aquele lugar que ele construiu com a esperança de encontrar a felicidade, e que curiosamente é chamado de "Ascensão do Ladrão", deixa de representar um sonho para se tornar uma espécie de obsessão, corrompendo sua alma e nos apresentando um outro lado do personagem, somos obrigados a rever nossa opinião e passar a julgar, também, suas atitudes - como em "O Farol".
Mas por que será necessário ser persistente? Simplesmente pelo fato do filme ter mais de duas horas e meia, ser uma história que se passa em vinte e quatro anos, com pouquíssima ação e muitos diálogos, além de ter uma dinâmica narrativa lenta demais. Será necessário uma certa sensibilidade para mergulhar naquela atmosfera gélida e assim aproveitar as inúmeras reviravoltas que a história (como a vida) dá!
Vale a pena, para aqueles que buscam a complexidade da alma humana e sua relação com o meio em que está inserida!
"Verdade e Justiça" chegou na Prime Vídeo da Amazon com status de ter representado a Estônia no Globo de Ouro e no Oscar 2021 e com isso chancelar sua qualidade narrativa e visual. De fato, o filme é irretocável tecnicamente e tem um conceito visual de cair o queixo, porém sua narrativa é muito difícil, lenta, cadenciada, sem muitos conflitos - me lembrou um filme espanhol de 2018 chamado "Sob a Pele do Lobo". Veja, o filme é lindo, profundo, mas será preciso certa persistência e explico a razão abaixo!
O filme conta a história de Andrés (Priit Loog), um homem de poucas posses que obtém uma fazenda num lugar inóspito (apesar de belo) na Estônia do século XIX, para estabelecer vida nova com sua mulher, Krõõt (Maiken Pius). Para melhorar de vida, no entanto, ele terá que lutar contra a resistência da terra úmida e pantanosa de sua nova propriedade, ao mesmo tempo que terá que lidar com seu grosseiro vizinho, Pearu (Priit Võigemast). Confira o trailer:
O primeiro elemento que chama a atenção, sem dúvida, é a fotografia do diretor Rein Kotov - ele foi o fotógrafo de outro filme indicado ao Oscar, dessa vez o representante da Geórgia: "Tangerinas" de 2013. A quantidade de planos abertos que enaltecem as belezas da Europa Oriental são tão imponentes quanto os planos fechados que expõe a alma dos personagens em momentos belíssimos, com performances de se aplaudir de pé. Destaco o trabalho de Loog, mas principalmente de Võigemast.
Dirigido pelo estreante e talentoso Tanel Toom (guardem esse nome), "Verdade e Justiça" (Tõde ja õigus, no original) discute a complexidade dessas duas palavras e como um homem pode se perder enquanto persegue cada uma delas a todo custo. O filme fala da dor da perda, da insegurança do novo, da falta de controle sobre os eventos da vida, mas principalmente, da forma como lidamos com as adversidades e como a sequência de alguns atos podem mudar nossa forma de enxergar o mundo e o outro! É por isso que no início do filme não temos dificuldade de torcer por Andrés, mas após perceber que aquele lugar que ele construiu com a esperança de encontrar a felicidade, e que curiosamente é chamado de "Ascensão do Ladrão", deixa de representar um sonho para se tornar uma espécie de obsessão, corrompendo sua alma e nos apresentando um outro lado do personagem, somos obrigados a rever nossa opinião e passar a julgar, também, suas atitudes - como em "O Farol".
Mas por que será necessário ser persistente? Simplesmente pelo fato do filme ter mais de duas horas e meia, ser uma história que se passa em vinte e quatro anos, com pouquíssima ação e muitos diálogos, além de ter uma dinâmica narrativa lenta demais. Será necessário uma certa sensibilidade para mergulhar naquela atmosfera gélida e assim aproveitar as inúmeras reviravoltas que a história (como a vida) dá!
Vale a pena, para aqueles que buscam a complexidade da alma humana e sua relação com o meio em que está inserida!
Eu comecei assistir "Vice" com o sentimento de que teria o meu filme favorito ao Oscar 2019 assim que terminasse. Não foi o que aconteceu!!! Na verdade o filme é ótimo, não tenha a menor dúvida disso, mas não será uma unanimidade... Não espere isso!!!
"Vice" conta a história Dick Cheney, vice-presidente do governo George W. Bush e responsável, entre outras coisas, por uma das passagens mais sombrias da história recente dos EUA - a invasão do Iraque, tendo como desculpa os ataques de 11 de setembro!!!! O personagem por si só é muito controverso e o mérito do filme, na minha opinião, é contar a história sem levantar nenhuma bandeira - ele conta os fatos, expõe as motivações e deixa toda a análise crítica para quem assiste; aliás, assim se faz cinema de verdade!!! O diretor e roteirista, Adam McKay, é muito talentoso e já tinha provado isso com "A Grande Aposta", mas tenho a impressão que em "Vice" ele é ainda mais autoral, disposto arriscar no conceito estético (como diretor) e narrativo (como roteirista) - e o resultado é excelente.
"Vice" concorreu em 8 categorias e vou usar essas indicações para analisar o filme: (1) "Edição", o filme tem um edição muito dinâmica, inteligente, provocadora e muito, mas muito, publicitária (e aqui falo sem demérito, e sim como elogio) - funciona muito bem, a favor do roteiro sem prejudicar a direção, por essa enorme qualidade, para mim, era um grande candidato a levar a estatueta!
(2) "Roteiro Original", Adam McKay domina essa parada. Já ganhou um Oscar na categoria "Roteiro Adaptado" alguns anos atrás e posso afirmar: o roteiro de "Vice" é ainda melhor que o da "A Grande Aposta"! Muito criativo, inventivo e inteligente - não é um filme fácil, mas passa a mensagem tão redonda que você sai do cinema apto a discutir sobre politica internacional com qualquer especialista.
(3) "Direção", esquece! Embora seja uma direção de qualidade, muito segura (e essa já é a segunda indicação), não dava para competir com Spike Lee e com o Cuaron naquele ano!
(4) "Melhor ator", bom, o mainstream queria o Rami Malek com a estatueta, ou até um Bradley Cooper da vida, mas bom, bom mesmo era o Christian Bale. Que trabalho sensacional!!! Era a minha melhor aposta e na época seria um pecado ele não levar, porque ele está simplesmente perfeito! O range de atuação dele é tão impressionante que você entende as razões de algumas das decisões (ou posições) esdrúxulas do personagem como inevitáveis! Claro que não eram, mas ele tem esse poder... "políticos" tem esse poder de convencimento!
(5) "Ator Coadjuvante", Sam Rockwell, como George Bush - o prêmio foi sua indicação, merecida e valeu!!!
(6) "Atriz Coadjuvante", Amy Adams - que atriz incrível! A sua primeira cena no filme já justificaria o prêmio, mas ela vai além (como sempre). Não era a favorita, mas poderia surpreender!
(7) "Maquiagem", segue a mesma linha do vencedor de 2018, "O destino de uma nação", e era a minha aposta!!!
Finalmente (8) "Melhor Filme" tinha potencial para levar, mas não acho que tinha a qualidade cinematográfica de "Roma" ou até de "Infiltrado na Klan"; só que o histórico recente credenciava o filme entre os favoritos: tinha muita chance, mas não levou!
O fato é que "Vice" vale muito a pena, mesmo a Academia tendo sido bem econômica na sua avaliação.
Up-date: "Vice" ganhou em uma categoria no Oscar 2019: Melhor Maquiagem e Cabelo!
Eu comecei assistir "Vice" com o sentimento de que teria o meu filme favorito ao Oscar 2019 assim que terminasse. Não foi o que aconteceu!!! Na verdade o filme é ótimo, não tenha a menor dúvida disso, mas não será uma unanimidade... Não espere isso!!!
"Vice" conta a história Dick Cheney, vice-presidente do governo George W. Bush e responsável, entre outras coisas, por uma das passagens mais sombrias da história recente dos EUA - a invasão do Iraque, tendo como desculpa os ataques de 11 de setembro!!!! O personagem por si só é muito controverso e o mérito do filme, na minha opinião, é contar a história sem levantar nenhuma bandeira - ele conta os fatos, expõe as motivações e deixa toda a análise crítica para quem assiste; aliás, assim se faz cinema de verdade!!! O diretor e roteirista, Adam McKay, é muito talentoso e já tinha provado isso com "A Grande Aposta", mas tenho a impressão que em "Vice" ele é ainda mais autoral, disposto arriscar no conceito estético (como diretor) e narrativo (como roteirista) - e o resultado é excelente.
"Vice" concorreu em 8 categorias e vou usar essas indicações para analisar o filme: (1) "Edição", o filme tem um edição muito dinâmica, inteligente, provocadora e muito, mas muito, publicitária (e aqui falo sem demérito, e sim como elogio) - funciona muito bem, a favor do roteiro sem prejudicar a direção, por essa enorme qualidade, para mim, era um grande candidato a levar a estatueta!
(2) "Roteiro Original", Adam McKay domina essa parada. Já ganhou um Oscar na categoria "Roteiro Adaptado" alguns anos atrás e posso afirmar: o roteiro de "Vice" é ainda melhor que o da "A Grande Aposta"! Muito criativo, inventivo e inteligente - não é um filme fácil, mas passa a mensagem tão redonda que você sai do cinema apto a discutir sobre politica internacional com qualquer especialista.
(3) "Direção", esquece! Embora seja uma direção de qualidade, muito segura (e essa já é a segunda indicação), não dava para competir com Spike Lee e com o Cuaron naquele ano!
(4) "Melhor ator", bom, o mainstream queria o Rami Malek com a estatueta, ou até um Bradley Cooper da vida, mas bom, bom mesmo era o Christian Bale. Que trabalho sensacional!!! Era a minha melhor aposta e na época seria um pecado ele não levar, porque ele está simplesmente perfeito! O range de atuação dele é tão impressionante que você entende as razões de algumas das decisões (ou posições) esdrúxulas do personagem como inevitáveis! Claro que não eram, mas ele tem esse poder... "políticos" tem esse poder de convencimento!
(5) "Ator Coadjuvante", Sam Rockwell, como George Bush - o prêmio foi sua indicação, merecida e valeu!!!
(6) "Atriz Coadjuvante", Amy Adams - que atriz incrível! A sua primeira cena no filme já justificaria o prêmio, mas ela vai além (como sempre). Não era a favorita, mas poderia surpreender!
(7) "Maquiagem", segue a mesma linha do vencedor de 2018, "O destino de uma nação", e era a minha aposta!!!
Finalmente (8) "Melhor Filme" tinha potencial para levar, mas não acho que tinha a qualidade cinematográfica de "Roma" ou até de "Infiltrado na Klan"; só que o histórico recente credenciava o filme entre os favoritos: tinha muita chance, mas não levou!
O fato é que "Vice" vale muito a pena, mesmo a Academia tendo sido bem econômica na sua avaliação.
Up-date: "Vice" ganhou em uma categoria no Oscar 2019: Melhor Maquiagem e Cabelo!
"Volta pra Mim" é a típica comédia romântica, onde um texto leve, divertido a aparentemente despretensioso esconde boas reflexões - então eu recomendo: não menospreze a história pelo seu primeiro ato, com o tempo ela melhora e proporciona uma ótima experiência para quem gosta do gênero (mesmo achando, e essa é uma opinião muito pessoal, que o filme poderia ter terminado 15 minutos antes).
Peter (Charlie Day) e Emma (Jenny Slate) pensaram que estavam a um passo de viver os maiores momentos da vida – casamento, filhos e casa no subúrbio – até que seus respectivos parceiros, Noah (Scott Eastwood) e Anne (Gina Rodriguez), os abandonaram. Horrorizados ao saber que seus parceiros já seguiram em frente, Peter e Emma tramam um plano, para reconquistá-los, mas, claro, os resultados são inesperados. Confira o trailer:
"I Want You Back" (no original) é uma produção da Amazon Studios que aposta em um conceito que já deu certo durante muitos anos e mesmo com toda previsibilidade do roteiro (que nos dias de hoje parece fazer pouco sentido) ainda consegue impactar positivamente a audiência. Em seu segundo filme como diretor, Jason Orley (de "Amizade Adolescente" - que chegou a ser indicado como Melhor Filme em Drama no Festival de Sundance em 2019) deixa claro que conhece bem a gramática cinematográfica de um gênero que foi se transformando através dos anos, mas que parecia ter perdido o equilíbrio entre o "bobinho" e o "cabeça demais". Sem o propósito de criticar esses dois conceitos narrativos, Orley parece transitar bem entre eles e assim nos presentear com uma obra bastante agradável de assistir - mesmo quando cede à tentação do final "felizes para sempre".
Talvez o grande trunfo de "Volta pra Mim" seja seu objetivo oculto: discutir sobre o amadurecimento das pessoas fora de relações que pareciam os deixar no comodismo. Se em determinado momento Noah pergunta para sua ex: “porque você queria tanto voltar pra mim, se parecia sempre tão desmotivada em nossa relação?” e Emma passa a perceber que, de fato, algo dentro de si mudou, pode ter certeza que esse processo não diz respeito apenas àquela personagem - sim, todos nós já nos fizemos essa pergunta e pode reparar: esses momentos de identificação imediata surgem em várias passagens do filme (acredite: isso vai te fazer rir de si mesmo).
Charlie Day e Jenny Slate funcionam como protagonistas, mas demoram para encontrar o tom exato - principalmente Slate. Com o desenrolar da história começam a brilhar e suas performances ajudam o diretor a encontrar aquele equilíbrio que mencionamos acima. Mesmo com passagens menos, digamos, realistas, as situações criadas para simbolizar que na vida nem tudo será sempre divertido ou trágico, trazem um certo frescor para a narrativa. Nesse sentido não espere muita profundidade, mas sim uma história bacana - ao subir os créditos, eu diria que "Volta pra Mim" poderia ser tranquilamente um episódio engraçadinho de "Modern Love" (da mesma Prime Vídeo) ou de "Easy" (da Netflix), então vale o seu play!
"Volta pra Mim" é a típica comédia romântica, onde um texto leve, divertido a aparentemente despretensioso esconde boas reflexões - então eu recomendo: não menospreze a história pelo seu primeiro ato, com o tempo ela melhora e proporciona uma ótima experiência para quem gosta do gênero (mesmo achando, e essa é uma opinião muito pessoal, que o filme poderia ter terminado 15 minutos antes).
Peter (Charlie Day) e Emma (Jenny Slate) pensaram que estavam a um passo de viver os maiores momentos da vida – casamento, filhos e casa no subúrbio – até que seus respectivos parceiros, Noah (Scott Eastwood) e Anne (Gina Rodriguez), os abandonaram. Horrorizados ao saber que seus parceiros já seguiram em frente, Peter e Emma tramam um plano, para reconquistá-los, mas, claro, os resultados são inesperados. Confira o trailer:
"I Want You Back" (no original) é uma produção da Amazon Studios que aposta em um conceito que já deu certo durante muitos anos e mesmo com toda previsibilidade do roteiro (que nos dias de hoje parece fazer pouco sentido) ainda consegue impactar positivamente a audiência. Em seu segundo filme como diretor, Jason Orley (de "Amizade Adolescente" - que chegou a ser indicado como Melhor Filme em Drama no Festival de Sundance em 2019) deixa claro que conhece bem a gramática cinematográfica de um gênero que foi se transformando através dos anos, mas que parecia ter perdido o equilíbrio entre o "bobinho" e o "cabeça demais". Sem o propósito de criticar esses dois conceitos narrativos, Orley parece transitar bem entre eles e assim nos presentear com uma obra bastante agradável de assistir - mesmo quando cede à tentação do final "felizes para sempre".
Talvez o grande trunfo de "Volta pra Mim" seja seu objetivo oculto: discutir sobre o amadurecimento das pessoas fora de relações que pareciam os deixar no comodismo. Se em determinado momento Noah pergunta para sua ex: “porque você queria tanto voltar pra mim, se parecia sempre tão desmotivada em nossa relação?” e Emma passa a perceber que, de fato, algo dentro de si mudou, pode ter certeza que esse processo não diz respeito apenas àquela personagem - sim, todos nós já nos fizemos essa pergunta e pode reparar: esses momentos de identificação imediata surgem em várias passagens do filme (acredite: isso vai te fazer rir de si mesmo).
Charlie Day e Jenny Slate funcionam como protagonistas, mas demoram para encontrar o tom exato - principalmente Slate. Com o desenrolar da história começam a brilhar e suas performances ajudam o diretor a encontrar aquele equilíbrio que mencionamos acima. Mesmo com passagens menos, digamos, realistas, as situações criadas para simbolizar que na vida nem tudo será sempre divertido ou trágico, trazem um certo frescor para a narrativa. Nesse sentido não espere muita profundidade, mas sim uma história bacana - ao subir os créditos, eu diria que "Volta pra Mim" poderia ser tranquilamente um episódio engraçadinho de "Modern Love" (da mesma Prime Vídeo) ou de "Easy" (da Netflix), então vale o seu play!
Antes de ler essa análise, acho que vale a pena uma rápida sugestão: quanto menos você souber sobre "X - A Marca da Morte", melhor!
Pensando nisso, vou tomar o máximo de cuidado para evitar qualquer tipo de spoiler que possa impactar diretamente na sua experiência, mas já te adiando que estamos falando de um filme muito bom (muito mesmo) - um slasherde respeito, com aquela atmosfera setentista na forma (que carrega um conceito visual muito particular, com movimentos de câmera extremamente alinhados à uma época onde o "susto" era até mais importante que uma boa história) e no conteúdo (que respeita uma gramática cinematográfica envolvente e nostálgica, além de contar com uma trama muito bem construída, inteligente e com a clara proposta de se perpetuar)!
Em 1979, Maxine (Mia Goth), uma jovem cheia de sonhos, Wayne (Martin Henderson), seu namorado, e mais um grupo de amigos vão passar um final de semana em uma fazenda em algum lugar do Texas - a ideia é aproveitar o cenário para gravar um filme pornográfico chamado "The Farmer's Daughters". Ao chegar na propriedade, o grupo é recebido pelo casal Howard e Pearl que nem imagina o real motivo da estadia, porém situações estranhas começam acontecer e passam a impactar diretamente na vida de cada uma dessas pessoas. Confira o trailer:
Embora possa ser classificado com um terror "clássico", existe um certo suspense psicológico que envolve a história e que só fortalece a narrativa desde o primeiro plano do filme - é muito interessante como as relações entre os personagens vão sendo construídas e como elas são muito bem estabelecidas no presente, mesmo carregando algumas marcas do passado. Conforme o filme vai se desenrolando, a atmosfera vai ganhando aquele ar denso de mistério e ao adentramos no cenário onde 100% da trama se desenrola (a fazenda de Howard e Pearl) temos a certeza de que não estamos diante um filme onde a violência será gratuita ou que ela será inserida com o simples objetivo de chocar. Eu diria que existe uma certa honestidade narrativa em "X - A Marca da Morte", pois até o momento do clímax, onde o conflito inevitável acontece, tudo é pacientemente desenvolvido.
Obviamente que essa escolha conceitual vai agradar muitas pessoas, mas também irritar muitas outras pela "demora" dos acontecimentos, então esteja preparado para ir se conectando com o mistério sem a pressão de ver a ação explodir logo cedo - faz parte do jogo. Os personagens são cheios de camadas - Maxine, obviamente justifica essa percepção de complexidade íntima, mas Wayne, Bobby-Lynne (Brittany Snow), Lorraine (Jenna Ortega) e Jackson (Kid Cudi) não ficam muito distantes. A montagem também é um show - a forma com que David Kashevaroff e o diretor Ti West (de "Them") conectam situações que estão em foco com elementos narrativos que estariam no segundo plano gratuitamente, é simplesmente genial. E aqui cabe outro comentário: nada é gratuito no filme, então preste bem atenção!
O fato é que "X - A Marca da Morte" pode ser considerada uma das melhores surpresas de 2022, com sua releitura clássica de um gênero por muito tempo esquecido (ou menosprezado) e que agora com um toque de modernidade e sem esquecer a força do cinema independente, voltou a brilhar! Ti West, aliás, mais uma vez surpreende e deixa claro sua capacidade de mexer com nossas sensações e emoções sem perder a mão - como muitas vezes vimos diretores mais experientes no gênero, como James Wan, perder. Olho nele!
Vale muito o seu play!
Antes de ler essa análise, acho que vale a pena uma rápida sugestão: quanto menos você souber sobre "X - A Marca da Morte", melhor!
Pensando nisso, vou tomar o máximo de cuidado para evitar qualquer tipo de spoiler que possa impactar diretamente na sua experiência, mas já te adiando que estamos falando de um filme muito bom (muito mesmo) - um slasherde respeito, com aquela atmosfera setentista na forma (que carrega um conceito visual muito particular, com movimentos de câmera extremamente alinhados à uma época onde o "susto" era até mais importante que uma boa história) e no conteúdo (que respeita uma gramática cinematográfica envolvente e nostálgica, além de contar com uma trama muito bem construída, inteligente e com a clara proposta de se perpetuar)!
Em 1979, Maxine (Mia Goth), uma jovem cheia de sonhos, Wayne (Martin Henderson), seu namorado, e mais um grupo de amigos vão passar um final de semana em uma fazenda em algum lugar do Texas - a ideia é aproveitar o cenário para gravar um filme pornográfico chamado "The Farmer's Daughters". Ao chegar na propriedade, o grupo é recebido pelo casal Howard e Pearl que nem imagina o real motivo da estadia, porém situações estranhas começam acontecer e passam a impactar diretamente na vida de cada uma dessas pessoas. Confira o trailer:
Embora possa ser classificado com um terror "clássico", existe um certo suspense psicológico que envolve a história e que só fortalece a narrativa desde o primeiro plano do filme - é muito interessante como as relações entre os personagens vão sendo construídas e como elas são muito bem estabelecidas no presente, mesmo carregando algumas marcas do passado. Conforme o filme vai se desenrolando, a atmosfera vai ganhando aquele ar denso de mistério e ao adentramos no cenário onde 100% da trama se desenrola (a fazenda de Howard e Pearl) temos a certeza de que não estamos diante um filme onde a violência será gratuita ou que ela será inserida com o simples objetivo de chocar. Eu diria que existe uma certa honestidade narrativa em "X - A Marca da Morte", pois até o momento do clímax, onde o conflito inevitável acontece, tudo é pacientemente desenvolvido.
Obviamente que essa escolha conceitual vai agradar muitas pessoas, mas também irritar muitas outras pela "demora" dos acontecimentos, então esteja preparado para ir se conectando com o mistério sem a pressão de ver a ação explodir logo cedo - faz parte do jogo. Os personagens são cheios de camadas - Maxine, obviamente justifica essa percepção de complexidade íntima, mas Wayne, Bobby-Lynne (Brittany Snow), Lorraine (Jenna Ortega) e Jackson (Kid Cudi) não ficam muito distantes. A montagem também é um show - a forma com que David Kashevaroff e o diretor Ti West (de "Them") conectam situações que estão em foco com elementos narrativos que estariam no segundo plano gratuitamente, é simplesmente genial. E aqui cabe outro comentário: nada é gratuito no filme, então preste bem atenção!
O fato é que "X - A Marca da Morte" pode ser considerada uma das melhores surpresas de 2022, com sua releitura clássica de um gênero por muito tempo esquecido (ou menosprezado) e que agora com um toque de modernidade e sem esquecer a força do cinema independente, voltou a brilhar! Ti West, aliás, mais uma vez surpreende e deixa claro sua capacidade de mexer com nossas sensações e emoções sem perder a mão - como muitas vezes vimos diretores mais experientes no gênero, como James Wan, perder. Olho nele!
Vale muito o seu play!