É praticamente impossível escrever um review de "Três Estranhos Idênticos" sem deixar escapar algum spolier, então vou tomar o mesmo cuidado de quando analisei "Diga quem sou", inclusive me permitindo copiar um parágrafo quase que na sua íntegra para antecipar o que você vai encontrar ao dar o play mais abaixo: "Se prepare, pois existe uma profunda discussão moral em "Três Estranhos Idênticos" que é surpreendente, principalmente por tudo que vamos descobrindo durante o filme. Agora, nem de longe será um documentário fácil de digerir ou de aceitar, mas certamente te fará refletir muito!
Na Nova York de 1980, três completos estranhos descobrem que são trigêmeos idênticos separados durante o nascimento. Aos 19 anos, a feliz reunião dos três os lança para uma fama internacional, mas também traz um segredo extraordinário e perturbador, capaz de transformar a compreensão da natureza humana. Confira o trailer:
A escolha do diretor Tim Wardle e da roteirista Grace Hughes-Hallett ao construir a narrativa do filme a partir da história do reencontro de três irmãos gêmeos idênticos que não se conheciam mesmo morando em um raio de 160 km entre eles, já nos fisga logo de cara, pois é o tipo premissa que parece muito mais uma ficção do que realidade. Caminhamos pela felicidade desse reencontro após 19 anos, que transformou os trigêmeos em celebridades instantâneas, e isso deixa a trama ainda mais gostosa de assistir, mas ao mesmo tempo vai nos colocando uma pulga atrás da orelha: o que vai acontecer para que toda essa alegria e cumplicidade acabe? É aí que Wardle e Hughes-Hallett começam a trazer um tom mais investigativo ao documentário, emprestando elementos de mistério conspiratório que deixariam "Arquivo X" e Dan Brown morrendo de inveja.
A história de Edward Galland, David Kellman e Robert Shafran é contada pelos depoimentos dos protagonistas, de seus familiares e amigos, e apoiada em inúmeras imagens de arquivo e vídeos caseiros. Muitas reportagens e programas de TV sobre o caso que fez muito sucesso na época, também se fundem ao conceito narrativo de Wardle muito naturalmente, com uma trilha sonora maravilhosa e uma edição exemplar. Talvez o único detalhe que pode incomodar os mais curiosos (e atentos) é o limite de informação disponível sobre o caso - não que o documentário se proponha a responder todas as perguntas, mas é preciso alertar: em "teorias" existem lacunas e aqui não será diferente!
Assistir "Três Estranhos Idênticos" sem muito mais informações talvez seja a melhor escolha para não impactar em nada sua experiência, pois ter uma história tão inacreditável contada por quem viveu de perto chega a ser surreal, principalmente quando algumas peças começam a surgir e assim podemos perceber como o ser humano pode ser egoísta, mesmo quando pautado pela premissa de estar pensando "no próximo". Com momentos realmente emocionantes, cheios de amor e alegria, o filme vai te conquistando, te preparando para passagens tristes, reflexivas e levantando discussões éticas de uma forma extraordinária.
Vale muito a pena, principalmente porque o filme chega com a propriedade de três indicações ao Emmy e mais de 60 participações em Festivais e Premiações ao redor do globo entre os anos de 2018 e 2019.
Imperdível!
É praticamente impossível escrever um review de "Três Estranhos Idênticos" sem deixar escapar algum spolier, então vou tomar o mesmo cuidado de quando analisei "Diga quem sou", inclusive me permitindo copiar um parágrafo quase que na sua íntegra para antecipar o que você vai encontrar ao dar o play mais abaixo: "Se prepare, pois existe uma profunda discussão moral em "Três Estranhos Idênticos" que é surpreendente, principalmente por tudo que vamos descobrindo durante o filme. Agora, nem de longe será um documentário fácil de digerir ou de aceitar, mas certamente te fará refletir muito!
Na Nova York de 1980, três completos estranhos descobrem que são trigêmeos idênticos separados durante o nascimento. Aos 19 anos, a feliz reunião dos três os lança para uma fama internacional, mas também traz um segredo extraordinário e perturbador, capaz de transformar a compreensão da natureza humana. Confira o trailer:
A escolha do diretor Tim Wardle e da roteirista Grace Hughes-Hallett ao construir a narrativa do filme a partir da história do reencontro de três irmãos gêmeos idênticos que não se conheciam mesmo morando em um raio de 160 km entre eles, já nos fisga logo de cara, pois é o tipo premissa que parece muito mais uma ficção do que realidade. Caminhamos pela felicidade desse reencontro após 19 anos, que transformou os trigêmeos em celebridades instantâneas, e isso deixa a trama ainda mais gostosa de assistir, mas ao mesmo tempo vai nos colocando uma pulga atrás da orelha: o que vai acontecer para que toda essa alegria e cumplicidade acabe? É aí que Wardle e Hughes-Hallett começam a trazer um tom mais investigativo ao documentário, emprestando elementos de mistério conspiratório que deixariam "Arquivo X" e Dan Brown morrendo de inveja.
A história de Edward Galland, David Kellman e Robert Shafran é contada pelos depoimentos dos protagonistas, de seus familiares e amigos, e apoiada em inúmeras imagens de arquivo e vídeos caseiros. Muitas reportagens e programas de TV sobre o caso que fez muito sucesso na época, também se fundem ao conceito narrativo de Wardle muito naturalmente, com uma trilha sonora maravilhosa e uma edição exemplar. Talvez o único detalhe que pode incomodar os mais curiosos (e atentos) é o limite de informação disponível sobre o caso - não que o documentário se proponha a responder todas as perguntas, mas é preciso alertar: em "teorias" existem lacunas e aqui não será diferente!
Assistir "Três Estranhos Idênticos" sem muito mais informações talvez seja a melhor escolha para não impactar em nada sua experiência, pois ter uma história tão inacreditável contada por quem viveu de perto chega a ser surreal, principalmente quando algumas peças começam a surgir e assim podemos perceber como o ser humano pode ser egoísta, mesmo quando pautado pela premissa de estar pensando "no próximo". Com momentos realmente emocionantes, cheios de amor e alegria, o filme vai te conquistando, te preparando para passagens tristes, reflexivas e levantando discussões éticas de uma forma extraordinária.
Vale muito a pena, principalmente porque o filme chega com a propriedade de três indicações ao Emmy e mais de 60 participações em Festivais e Premiações ao redor do globo entre os anos de 2018 e 2019.
Imperdível!
Se você assistir 2 episódios de "Treta", sua percepção será uma. Se você assistir 7, será outra. Se você assistir toda minissérie você vai entender perfeitamente a razão pela qual ela ganhou a maioria (para não dizer os principais) dos prêmios que disputou no Emmy 2023 e no Globo de Ouro 2024. Criada pelo sul-coreano Lee Sung Jin (um dos roteiristas de "Silicon Valley"), essa minissérie pode ser considerada uma das melhores produções da Netflix em todos os tempos - mas já te adiando: essa opinião não será uma unanimidade já que a trama, para alguns, pode parecer esquisita demais, um pouco maçante em alguns episódios e com um final, digamos, fora do usual, ao ponto de exigir muita reflexão para embarcar na proposta do seu criador. Veja, acompanhar a história de dois estranhos que se envolvem em uma briga de trânsito, passam a se perseguir e provocar um ao outro, não é algo tão criativo assim, mas a forma como isso se transforma em uma verdadeira provocação, inteligente eu pontuaria, sobre "causa e consequência", isso sim é! Além, obviamente, de ser um olhar dos mais interessantes sobre a raiva e suas implicações nas relações humanas no mundo moderno - algo que encontramos nas camadas mais profundas de "Parasita", por exemplo.
Danny Cho (Steven Yeun) é um empreiteiro frustrado com sérios problemas financeiros e de auto-estima. Amy Lau (Ali Wong) é uma empresária bem-sucedida, casada e com uma realidade muito diferente de Danny, mas nem por isso mais fácil. O caminho desses dois mundos acaba se cruzando inesperadamente após um desentendimento no trânsito. A raiva causada pelo incidente e o desejo de vingança que toma conta dos dois vão, pouco a pouco, consumindo suas mentes e trazendo consequências caóticas às suas vidas. Confira o trailer:
A partir de um olhar mais cuidadoso, é possível afirmar que a minissérie pode ser considerada imperdível por vários motivos e provavelmente o primeiro que vai te chamar atenção será o roteiro. Original e instigante, o roteiro do próprio Jin oferece uma visão diferente sobre um tema tão comum: a raiva. O texto é bem escrito, é inteligente, e sabe explorar com sensibilidade as nuances psicológicas dos personagens quando tomados por esse sentimento. Aqui não se trata apenas dos atos, mas também dos gatilhos que impulsionam um ser humano a agir de forma irracional em pleno século XXI.
Em segundo lugar, as performances dos premiados Steven Yeun e Ali Wong são simplesmente impecáveis. Yeun, que já havia se destacado em produções como "Minari" (quando foi, inclusive, indicado ao Oscar), mostra mais uma vez seu talento, interpretando um homem ressentido e violento que busca desesperadamente ser amado - sua capacidade de construir um personagem complexo na sua intimidade e simples na sua postura cotidiana, é de se aplaudir de pé. Já Wong entrega uma performance visceral, dando vida para uma mulher forte e impulsiva, mas ao mesmo tempo carente e que luta para ser aceita como mãe, trazendo do seu passado uma série de fantasmas que pontualmente impactam demais nas suas escolhas como ser humano.
A direção de Sung Jin é o terceiro pilar de "Treta". O diretor consegue criar uma atmosfera claustrofóbica e tensa, que reflete o estado emocional dos seus personagens a cada sequência que ele se propõe a construir com uma capacidade artística que me lembrou muito Bong Joon-ho. Ao alinhar uma fotografia elegante e o uso de uma trilha sonoro especialmente eficaz, Jin entrega um verdadeiro tratado crítico e mordaz sobre a sociedade contemporânea que alimenta a raiva e a intolerância a cada "mão na buzina". Saiba que "Beef" (no original) vai ficar na sua cabeça por muito tempo, te fazendo pensar ao ponto de transformar algumas de suas atitudes dependendo da sua sensibilidade e disposição!
Um drama com toques de humor non-sense para dar o play e esquecer (ou lembrar demais) da vida!
Se você assistir 2 episódios de "Treta", sua percepção será uma. Se você assistir 7, será outra. Se você assistir toda minissérie você vai entender perfeitamente a razão pela qual ela ganhou a maioria (para não dizer os principais) dos prêmios que disputou no Emmy 2023 e no Globo de Ouro 2024. Criada pelo sul-coreano Lee Sung Jin (um dos roteiristas de "Silicon Valley"), essa minissérie pode ser considerada uma das melhores produções da Netflix em todos os tempos - mas já te adiando: essa opinião não será uma unanimidade já que a trama, para alguns, pode parecer esquisita demais, um pouco maçante em alguns episódios e com um final, digamos, fora do usual, ao ponto de exigir muita reflexão para embarcar na proposta do seu criador. Veja, acompanhar a história de dois estranhos que se envolvem em uma briga de trânsito, passam a se perseguir e provocar um ao outro, não é algo tão criativo assim, mas a forma como isso se transforma em uma verdadeira provocação, inteligente eu pontuaria, sobre "causa e consequência", isso sim é! Além, obviamente, de ser um olhar dos mais interessantes sobre a raiva e suas implicações nas relações humanas no mundo moderno - algo que encontramos nas camadas mais profundas de "Parasita", por exemplo.
Danny Cho (Steven Yeun) é um empreiteiro frustrado com sérios problemas financeiros e de auto-estima. Amy Lau (Ali Wong) é uma empresária bem-sucedida, casada e com uma realidade muito diferente de Danny, mas nem por isso mais fácil. O caminho desses dois mundos acaba se cruzando inesperadamente após um desentendimento no trânsito. A raiva causada pelo incidente e o desejo de vingança que toma conta dos dois vão, pouco a pouco, consumindo suas mentes e trazendo consequências caóticas às suas vidas. Confira o trailer:
A partir de um olhar mais cuidadoso, é possível afirmar que a minissérie pode ser considerada imperdível por vários motivos e provavelmente o primeiro que vai te chamar atenção será o roteiro. Original e instigante, o roteiro do próprio Jin oferece uma visão diferente sobre um tema tão comum: a raiva. O texto é bem escrito, é inteligente, e sabe explorar com sensibilidade as nuances psicológicas dos personagens quando tomados por esse sentimento. Aqui não se trata apenas dos atos, mas também dos gatilhos que impulsionam um ser humano a agir de forma irracional em pleno século XXI.
Em segundo lugar, as performances dos premiados Steven Yeun e Ali Wong são simplesmente impecáveis. Yeun, que já havia se destacado em produções como "Minari" (quando foi, inclusive, indicado ao Oscar), mostra mais uma vez seu talento, interpretando um homem ressentido e violento que busca desesperadamente ser amado - sua capacidade de construir um personagem complexo na sua intimidade e simples na sua postura cotidiana, é de se aplaudir de pé. Já Wong entrega uma performance visceral, dando vida para uma mulher forte e impulsiva, mas ao mesmo tempo carente e que luta para ser aceita como mãe, trazendo do seu passado uma série de fantasmas que pontualmente impactam demais nas suas escolhas como ser humano.
A direção de Sung Jin é o terceiro pilar de "Treta". O diretor consegue criar uma atmosfera claustrofóbica e tensa, que reflete o estado emocional dos seus personagens a cada sequência que ele se propõe a construir com uma capacidade artística que me lembrou muito Bong Joon-ho. Ao alinhar uma fotografia elegante e o uso de uma trilha sonoro especialmente eficaz, Jin entrega um verdadeiro tratado crítico e mordaz sobre a sociedade contemporânea que alimenta a raiva e a intolerância a cada "mão na buzina". Saiba que "Beef" (no original) vai ficar na sua cabeça por muito tempo, te fazendo pensar ao ponto de transformar algumas de suas atitudes dependendo da sua sensibilidade e disposição!
Um drama com toques de humor non-sense para dar o play e esquecer (ou lembrar demais) da vida!
Se você acompanhou o dia a dia da Família Roy, dona de um dos maiores conglomerados de Mídia e Entretenimento do Mundo na ficção, certamente vai se envolver com a história real da família Getty, que fez fortuna com a indústria do petróleo e foi considerada uma das mais ricas do mundo, mas também uma das mais infelizes. Pelas mão do grande Danny Boyle (de "Steve Jobs") e do roteirista Simon Beaufoy (de "Quem Quer Ser um Milionário?"), a minissérie "Trust" faz um radiografia muito inteligente e provocativa sobre a dinâmica familiar dos Getty, proporcionando uma experiência que não por acaso nos remete aos clássicos como "O Poderoso Chefão" ou "Fargo". Dito isso, é muito fácil entender a razão pela qual não conseguimos tirar os olhos da tela desde o primeiro episódio e como somos cativados por uma narrativa tensa, angustiante e muitas vezes constrangedora, com atuações incríveis e uma direção capaz de nos inserir tanto no glamour quanto na decadência brutal da aristocracia britânica.
Ambientada em 1973, a trama inicia quando o jovem neto de J. Paul Getty (Donald Sutherland) é sequestrado em Roma e um resgate de milhões de dólares é exigido. O problema é que a família não demonstra tanto interesse em conseguir o rapaz de volta: o próprio avô de J. Paul Getty III (Harris Dickinson) se recusa a liberar a quantia e argumenta que se pagasse um centavo para os sequestradores, em breve teria os outros 14 netos sequestrados. Já o pai do sequestrado, envolvido em drogas, não responde os telefonemas dos sequestradores e sobra para mãe do rapaz, Gail Getty (Hilary Swank), com dificuldades financeiras, negociar pela vida do filho. Confira o trailer (em inglês):
O que realmente diferencia "Trust", e que mais uma vez nos faz lembrar de “Succession”, é a maneira como o texto de Beaufoy mergulha na psicologia doentia de seus personagens e na complexidade das relações entre eles. À medida que a história se desenrola, somos levados a questionar o que motiva esses indivíduos, com tanto dinheiro, a agir de uma forma tão extrema para proteger seus interesses. Ao confrontar questões morais profundas, enquanto nos mantém presos em um enredo de fato cativante, a minissérie se apropria da disfuncionalidade absurda da família para criar um palco onde Donald Sutherland brilha e Brendan Fraser, como James Fletcher Chace, entrega uma das melhores performances de sua carreira. Aliás, é inegável a química entre eles - de arrepiar.
Ao olhar sob o aspecto mais técnico de "Trust", posso te garantir: é igualmente impressionante! A direção de arte da Suttirat Anne Larlarb (de "Obi-Wan Kenobi") e a fotografia da dupla Christopher Ross e Monika Lenczewska, ambos sem muito destaque até aquele momento, mas extremamente talentosos, merecem nossa atenção - eles constroem uma atmosfera de ostentação e riqueza em detalhes. Cada cenário, figurino e enquadramento contribuem para uma imersão profunda na década de 1970 onde o luxo da família Getty salta aos olhos, mas também machuca o coração. Aqui cabe o elogio para a trilha sonora do James Lavelle (de "The Man From Mo' Wax") que combina músicas clássicas com contemporâneas que ressaltam, como poucas, as emoções e a tensão da narrativa durante todos os episódios.
O fato é que "Trust" é o tipo de obra-prima que merecia um maior reconhecimento - ser de 2018 e da FX certamente prejudicou seu alcance; e sim, a minissérie também tem alguns momentos mais lentos, escuros, introspectivos, mas repare como tudo é tão bem encaixado com a proposta de Boyle que olha, se você está em busca de uma trama inteligente e com algumas reviravoltas muito bem construídas, pode dar o play sem receio algum. Você certamente vai encontrar atuações soberbas, uma produção meticulosa e uma narrativa que desafia as convenções, entregando uma experiência realmente envolvente e intrigante.
Imperdível!
Se você acompanhou o dia a dia da Família Roy, dona de um dos maiores conglomerados de Mídia e Entretenimento do Mundo na ficção, certamente vai se envolver com a história real da família Getty, que fez fortuna com a indústria do petróleo e foi considerada uma das mais ricas do mundo, mas também uma das mais infelizes. Pelas mão do grande Danny Boyle (de "Steve Jobs") e do roteirista Simon Beaufoy (de "Quem Quer Ser um Milionário?"), a minissérie "Trust" faz um radiografia muito inteligente e provocativa sobre a dinâmica familiar dos Getty, proporcionando uma experiência que não por acaso nos remete aos clássicos como "O Poderoso Chefão" ou "Fargo". Dito isso, é muito fácil entender a razão pela qual não conseguimos tirar os olhos da tela desde o primeiro episódio e como somos cativados por uma narrativa tensa, angustiante e muitas vezes constrangedora, com atuações incríveis e uma direção capaz de nos inserir tanto no glamour quanto na decadência brutal da aristocracia britânica.
Ambientada em 1973, a trama inicia quando o jovem neto de J. Paul Getty (Donald Sutherland) é sequestrado em Roma e um resgate de milhões de dólares é exigido. O problema é que a família não demonstra tanto interesse em conseguir o rapaz de volta: o próprio avô de J. Paul Getty III (Harris Dickinson) se recusa a liberar a quantia e argumenta que se pagasse um centavo para os sequestradores, em breve teria os outros 14 netos sequestrados. Já o pai do sequestrado, envolvido em drogas, não responde os telefonemas dos sequestradores e sobra para mãe do rapaz, Gail Getty (Hilary Swank), com dificuldades financeiras, negociar pela vida do filho. Confira o trailer (em inglês):
O que realmente diferencia "Trust", e que mais uma vez nos faz lembrar de “Succession”, é a maneira como o texto de Beaufoy mergulha na psicologia doentia de seus personagens e na complexidade das relações entre eles. À medida que a história se desenrola, somos levados a questionar o que motiva esses indivíduos, com tanto dinheiro, a agir de uma forma tão extrema para proteger seus interesses. Ao confrontar questões morais profundas, enquanto nos mantém presos em um enredo de fato cativante, a minissérie se apropria da disfuncionalidade absurda da família para criar um palco onde Donald Sutherland brilha e Brendan Fraser, como James Fletcher Chace, entrega uma das melhores performances de sua carreira. Aliás, é inegável a química entre eles - de arrepiar.
Ao olhar sob o aspecto mais técnico de "Trust", posso te garantir: é igualmente impressionante! A direção de arte da Suttirat Anne Larlarb (de "Obi-Wan Kenobi") e a fotografia da dupla Christopher Ross e Monika Lenczewska, ambos sem muito destaque até aquele momento, mas extremamente talentosos, merecem nossa atenção - eles constroem uma atmosfera de ostentação e riqueza em detalhes. Cada cenário, figurino e enquadramento contribuem para uma imersão profunda na década de 1970 onde o luxo da família Getty salta aos olhos, mas também machuca o coração. Aqui cabe o elogio para a trilha sonora do James Lavelle (de "The Man From Mo' Wax") que combina músicas clássicas com contemporâneas que ressaltam, como poucas, as emoções e a tensão da narrativa durante todos os episódios.
O fato é que "Trust" é o tipo de obra-prima que merecia um maior reconhecimento - ser de 2018 e da FX certamente prejudicou seu alcance; e sim, a minissérie também tem alguns momentos mais lentos, escuros, introspectivos, mas repare como tudo é tão bem encaixado com a proposta de Boyle que olha, se você está em busca de uma trama inteligente e com algumas reviravoltas muito bem construídas, pode dar o play sem receio algum. Você certamente vai encontrar atuações soberbas, uma produção meticulosa e uma narrativa que desafia as convenções, entregando uma experiência realmente envolvente e intrigante.
Imperdível!
Provavelmente "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo" é o filme mais maluco que você vai assistir em muitos anos! Ele tem tudo para ser uma espécie de "Matrix" de sua geração - mesmo que seu conteúdo, sua forma e principalmente seu tom, em muito pouco faz lembrar o filme de Lana e Lilly Wachowski. A questão é que aqui existe o mesmo elemento de disrupção que a produção de 1999 - é algo bastante criativo no seu enredo, onde nada (absolutamente nada) chega a ser absurdo para contar uma história aparentemente "sem pé nem cabeça", mas que esconde uma jornada existencial bastante profunda e cheia de provocações filosóficas. Dito isso e mesmo com a indicação ao Oscar 2023 como "Melhor Filme" (e mais 10 categorias), não serão todos que vão se conectar com o seu estilo - e aqui não vou nem falar de gênero, pois estou até agora tentando defini-lo.
Evelyn Wang (Michelle Yeoh) é uma imigrante chinesa que vive em um verdadeiro caos familiar. Tudo parece piorar quando ela se vê no meio de uma aventura onde, sozinha, precisará salvar o mundo, explorando outros universos e outras vidas que, vejam só, ela poderia ter vivido. Não bastasse, as coisas se complicam ainda mais quando ela fica presa nessa infinidade de possibilidades sem conseguir retornar para casa onde, de fato, sua vida fazia algum sentido. Confira o trailer:
Os diretores Dan Kwan eDaniel Scheinert, também conhecidos como “Daniels”, aproveitam de um conceito completamente independente de produção para criar uma espécie de alegoria cinematográfica sobre alguns dos mais complexos dramas - o humano. É incrível como a simbologia acompanha os detalhes da narrativa a partir de um roteiro extremamente original (também indicado ao Oscar) que se apoia no inusitado como forma de representar as ansiedades modernas. Se Neo usava da tecnologia para construir sua persona e se conectar com as mais diversas habilidades, aqui é o número exaustivo de multiversos que basicamente serve de metáfora para a quantidade absurda de informações que buscamos no mundo virtual com o intuito de sermos melhores do que realmente somos. Digo isso sem diminuir a importância de buscar o aprendizado contínuo, mas sim como alusão à inutilidade de muitos dos conteúdos que encontramos e que acabam gerando muito mais confusão do que beneficio.
Mais uma vez citando as irmãs Wachowski em "A Viagem" de 2012 ou até em "Sense8" em 2015, é importante reparar como as múltiplas histórias, dos múltiplos universos, se sustentam com a dinâmica enlouquecedora da narrativa, se comunicando de forma bem mais orgânica do que lógica - e aqui cabe um elogio eloquente para a montagem digna de muitos prêmios de Paul Rogers (também indicado ao Oscar). Outro elemento que chama a atenção e pontua o mood do filme é, sem dúvida, a trilha sonora (com duas músicas originais indicadas) - com um toque de sensibilidade, ela nos conduz das cenas de ação ao melhor estilo Jackie Chan ao conturbado relacionamento entre Wang e sua filha Joy (Stephanie Hsu) em um piscar de olhos.
"Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo" tem uma história cheia de criticas ao mundo moderno (como os gatilhos que colocam os personagens em outros universos que emulam os desafios estúpidos que encontramos diariamente no TikTok) ao mesmo tempo em que revisita questões importantes como trauma geracional, maternidade, sexualidade e até o casamento. Pode parecer confuso e de fato até é - são tantos assuntos e tantas referências (muitas do cinema asiático), mas também existe um brilhantismo e até uma certa irresponsabilidade visual que empolga tanto quanto surpreende - agora, se você não está disposto a rir de um universo onde as pessoas tem dedos de salsicha ou acompanhar duas pedras discutindo sobre a vida, talvez o filme não seja para você!
Com mais de 275 prêmios em Festivais pelo mundo inteiro, fica difícil não dizer que esse filme vale seu play, né?
Up-date: "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo" ganhou em sete categorias no Oscar 2023, inclusive de Melhor Filme!
Provavelmente "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo" é o filme mais maluco que você vai assistir em muitos anos! Ele tem tudo para ser uma espécie de "Matrix" de sua geração - mesmo que seu conteúdo, sua forma e principalmente seu tom, em muito pouco faz lembrar o filme de Lana e Lilly Wachowski. A questão é que aqui existe o mesmo elemento de disrupção que a produção de 1999 - é algo bastante criativo no seu enredo, onde nada (absolutamente nada) chega a ser absurdo para contar uma história aparentemente "sem pé nem cabeça", mas que esconde uma jornada existencial bastante profunda e cheia de provocações filosóficas. Dito isso e mesmo com a indicação ao Oscar 2023 como "Melhor Filme" (e mais 10 categorias), não serão todos que vão se conectar com o seu estilo - e aqui não vou nem falar de gênero, pois estou até agora tentando defini-lo.
Evelyn Wang (Michelle Yeoh) é uma imigrante chinesa que vive em um verdadeiro caos familiar. Tudo parece piorar quando ela se vê no meio de uma aventura onde, sozinha, precisará salvar o mundo, explorando outros universos e outras vidas que, vejam só, ela poderia ter vivido. Não bastasse, as coisas se complicam ainda mais quando ela fica presa nessa infinidade de possibilidades sem conseguir retornar para casa onde, de fato, sua vida fazia algum sentido. Confira o trailer:
Os diretores Dan Kwan eDaniel Scheinert, também conhecidos como “Daniels”, aproveitam de um conceito completamente independente de produção para criar uma espécie de alegoria cinematográfica sobre alguns dos mais complexos dramas - o humano. É incrível como a simbologia acompanha os detalhes da narrativa a partir de um roteiro extremamente original (também indicado ao Oscar) que se apoia no inusitado como forma de representar as ansiedades modernas. Se Neo usava da tecnologia para construir sua persona e se conectar com as mais diversas habilidades, aqui é o número exaustivo de multiversos que basicamente serve de metáfora para a quantidade absurda de informações que buscamos no mundo virtual com o intuito de sermos melhores do que realmente somos. Digo isso sem diminuir a importância de buscar o aprendizado contínuo, mas sim como alusão à inutilidade de muitos dos conteúdos que encontramos e que acabam gerando muito mais confusão do que beneficio.
Mais uma vez citando as irmãs Wachowski em "A Viagem" de 2012 ou até em "Sense8" em 2015, é importante reparar como as múltiplas histórias, dos múltiplos universos, se sustentam com a dinâmica enlouquecedora da narrativa, se comunicando de forma bem mais orgânica do que lógica - e aqui cabe um elogio eloquente para a montagem digna de muitos prêmios de Paul Rogers (também indicado ao Oscar). Outro elemento que chama a atenção e pontua o mood do filme é, sem dúvida, a trilha sonora (com duas músicas originais indicadas) - com um toque de sensibilidade, ela nos conduz das cenas de ação ao melhor estilo Jackie Chan ao conturbado relacionamento entre Wang e sua filha Joy (Stephanie Hsu) em um piscar de olhos.
"Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo" tem uma história cheia de criticas ao mundo moderno (como os gatilhos que colocam os personagens em outros universos que emulam os desafios estúpidos que encontramos diariamente no TikTok) ao mesmo tempo em que revisita questões importantes como trauma geracional, maternidade, sexualidade e até o casamento. Pode parecer confuso e de fato até é - são tantos assuntos e tantas referências (muitas do cinema asiático), mas também existe um brilhantismo e até uma certa irresponsabilidade visual que empolga tanto quanto surpreende - agora, se você não está disposto a rir de um universo onde as pessoas tem dedos de salsicha ou acompanhar duas pedras discutindo sobre a vida, talvez o filme não seja para você!
Com mais de 275 prêmios em Festivais pelo mundo inteiro, fica difícil não dizer que esse filme vale seu play, né?
Up-date: "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo" ganhou em sete categorias no Oscar 2023, inclusive de Melhor Filme!
É possível encontrar alguma beleza no meio do caos, da poluição e do descaso perante a natureza e ainda assim perceber que existe um fio de esperança? É justamente essa pergunta que diretor indiano, Shaunak Sen (de "Cities of Sleep") pretende responder com o seu nomeado ao Oscar de "Melhor Documentário" e multi-premiado (foram mais de 20 prêmios em festivais pelo mundo inteiro), "Tudo o que Respira". No entanto é preciso que se diga, embora chancelado pelo "Grand Jury Prize" em Sundance e pelo "Golden Eye" em Cannes, ambos em 2022, esse longa-metragem deve dividir opiniões por dois motivos: primeiro por ter um roteiro que fragmenta a jornada de uma forma pouco usual (quase sempre sem maiores explicações) e segundo pela narrativa mais cadenciada que tenta equilibrar lindas imagens com a triste realidade que é viver em uma Nova Deli nada glamourosa.
O filme segue três jovens (Saud, Salik e Nadeem) que dirigem um hospital de aves dedicado ao resgate de "milhafres pretos" feridos em Nova Deli, uma das cidades mais populosas do mundo, na Índia. À medida que a toxicidade ambiental e a agitação civil aumentam, a relação entre o ser humano e algumas espécies negligenciadas formam uma espécie de crônica poética da ecologia em colapso e aprofunda debates que expõem o tamanho da falha social que conduz a evolução. Confira o trailer:
O milhafre-preto é uma espécie de ave carnívora que se alimenta de ratos e outros animais que são facilmente encontrados em locais onde existe um volume considerável de lixo. Acontece que a mesma poluição que alimenta, também mata - inclusive, existem partículas cancerígenas em níveis tão absurdos no ar de determinados locais de Nova Deli que fazem com que as aves simplesmente caiam do céu. Contextualizado o absurdo desse cenário apocalíptico, o roteiro se esforça para equilibrar as nuances de uma vida caótica controlada pelo ser humano (que não por acaso sofre com suas próprias diferenças - e isso é brilhantemente retratado em vários níveis dentro da história: das escolhas pessoais de Nadeem às ondas de protestos religiosos extremamente violentos nas ruas da capital da Índia) e de uma natureza que segue se adaptando e improvisando (onde os pássaros passaram, vejam só, a utilizar as bitucas de cigarro encontradas nos lixões para espantar parasitas).
Obviamente que a descrição até aqui retratada pode soar indigesta, e de fato a sensação de repulsa é enorme, porém Shaunak Sen ao lado dos fotógrafos Ben Bernhard, Riju Das e Saumyananda Sahi, aproveitam desse cenário para extrair o máximo de beleza possível - os planos, muitos deles sensíveis em bem executas panorâmicas, dão a exata noção do tamanho do problema. Não raramente Sen traz para o primeiro plano uma infinidade de ratos se alimentando de lixo, larvas se chacoalhando num tanque de água parada ou ainda o céu coberto por aves sobrevoando as ruas imundas ou os lixões abertos - reparem em como o diretor usa do desenho de som (quase insuportável) para provocar uma experiência imersiva tão impressionante quanto angustiante.
Mas nem só de "dor" vive "Tudo o que Respira", existe o "amor" e a maneira como o diretor retrata a jornada dos irmãos Mohammade constrói sua narrativa para que a audiência entenda as dificuldades, os medos, os anseios e as frustrações de cada um deles, é simplesmente genial - veja, o filme não se preocupa em se aprofundar ou entregar todas as informações, mas o que importa está sempre ali na tela, mesmo que exija uma certa interpretação como quando o silêncio, entre um assunto e outro, diz mais que qualquer diálogo.
Vale muito o seu play, desde que você esteja disposto a sair de uma bolha para encarar essa dura (e não tão distante assim) realidade!
É possível encontrar alguma beleza no meio do caos, da poluição e do descaso perante a natureza e ainda assim perceber que existe um fio de esperança? É justamente essa pergunta que diretor indiano, Shaunak Sen (de "Cities of Sleep") pretende responder com o seu nomeado ao Oscar de "Melhor Documentário" e multi-premiado (foram mais de 20 prêmios em festivais pelo mundo inteiro), "Tudo o que Respira". No entanto é preciso que se diga, embora chancelado pelo "Grand Jury Prize" em Sundance e pelo "Golden Eye" em Cannes, ambos em 2022, esse longa-metragem deve dividir opiniões por dois motivos: primeiro por ter um roteiro que fragmenta a jornada de uma forma pouco usual (quase sempre sem maiores explicações) e segundo pela narrativa mais cadenciada que tenta equilibrar lindas imagens com a triste realidade que é viver em uma Nova Deli nada glamourosa.
O filme segue três jovens (Saud, Salik e Nadeem) que dirigem um hospital de aves dedicado ao resgate de "milhafres pretos" feridos em Nova Deli, uma das cidades mais populosas do mundo, na Índia. À medida que a toxicidade ambiental e a agitação civil aumentam, a relação entre o ser humano e algumas espécies negligenciadas formam uma espécie de crônica poética da ecologia em colapso e aprofunda debates que expõem o tamanho da falha social que conduz a evolução. Confira o trailer:
O milhafre-preto é uma espécie de ave carnívora que se alimenta de ratos e outros animais que são facilmente encontrados em locais onde existe um volume considerável de lixo. Acontece que a mesma poluição que alimenta, também mata - inclusive, existem partículas cancerígenas em níveis tão absurdos no ar de determinados locais de Nova Deli que fazem com que as aves simplesmente caiam do céu. Contextualizado o absurdo desse cenário apocalíptico, o roteiro se esforça para equilibrar as nuances de uma vida caótica controlada pelo ser humano (que não por acaso sofre com suas próprias diferenças - e isso é brilhantemente retratado em vários níveis dentro da história: das escolhas pessoais de Nadeem às ondas de protestos religiosos extremamente violentos nas ruas da capital da Índia) e de uma natureza que segue se adaptando e improvisando (onde os pássaros passaram, vejam só, a utilizar as bitucas de cigarro encontradas nos lixões para espantar parasitas).
Obviamente que a descrição até aqui retratada pode soar indigesta, e de fato a sensação de repulsa é enorme, porém Shaunak Sen ao lado dos fotógrafos Ben Bernhard, Riju Das e Saumyananda Sahi, aproveitam desse cenário para extrair o máximo de beleza possível - os planos, muitos deles sensíveis em bem executas panorâmicas, dão a exata noção do tamanho do problema. Não raramente Sen traz para o primeiro plano uma infinidade de ratos se alimentando de lixo, larvas se chacoalhando num tanque de água parada ou ainda o céu coberto por aves sobrevoando as ruas imundas ou os lixões abertos - reparem em como o diretor usa do desenho de som (quase insuportável) para provocar uma experiência imersiva tão impressionante quanto angustiante.
Mas nem só de "dor" vive "Tudo o que Respira", existe o "amor" e a maneira como o diretor retrata a jornada dos irmãos Mohammade constrói sua narrativa para que a audiência entenda as dificuldades, os medos, os anseios e as frustrações de cada um deles, é simplesmente genial - veja, o filme não se preocupa em se aprofundar ou entregar todas as informações, mas o que importa está sempre ali na tela, mesmo que exija uma certa interpretação como quando o silêncio, entre um assunto e outro, diz mais que qualquer diálogo.
Vale muito o seu play, desde que você esteja disposto a sair de uma bolha para encarar essa dura (e não tão distante assim) realidade!
Olha, não será uma jornada das mais tranquilas - já aviso! "Tudo ou Nada" é intenso e emocionante, mas também uma pancada sem muita dó! Dirigido pela talentosa Delphine Deloget, esse filme chega chancelado pelos elogios do público e da crítica especializada ao receber a indicação "Um Certo Olhar" no Festival de Cannes 2023, além de outros reconhecimentos em vários festivais ao redor do mundo. Com uma narrativa dura, impactante e cheia de desconforto, eu diria que você está diante de uma experiência cinematográfica das mais profundas e tocantes por sua visão amarga da vida adulta - sem cortes, mas com algum pré-julgamento.
A trama, protagonizada pela brilhante Virginie Efira, acompanha a árdua jornada de Sylvie, uma mãe solteira que enfrenta a dor de perder a guarda de seu filho caçula, Sofiane, após um acidente doméstico. Determinada a recuperar a custódia do filho, Sylvie mergulha em uma batalha judicial e emocionalmente desgastante, confrontando um sistema implacável que coloca em xeque até sua capacidade como mãe. Confira o trailer:
Uma jornada de reflexão através da dor e da impotência - talvez essa seja a forma mais simples de definir a complexidade de "Rien à Perdre" (no original). Com uma narrativa bem construída, o que vemos na tela é um retrato comovente da realidade de Sylvie a partir de um olhar honesto e sem censura sobre ser mãe. Veja, o filme se propõe a explorar as nuances da maternidade, questionando os padrões sociais e as estruturas que marginalizam mulheres como Sylvie e é com essa forte premissa que Deloget mostra como sua luta transcende a esfera individual e passa a ser vista como um símbolo para tantas outras que enfrentam desafios semelhantes. Ao longo da narrativa, somos confrontados com questionamentos sobre os limites da maternidade (muitas vezes em meio ao caos), sobre o papel do Estado na vida familiar (carregada de hipocrisia) e sobre a fragilidade do sistema judicial em muitos pontos (especialmente fora de contextos).
Aqui, a direção de Deloget é precisa e sensível, explorando com muita competência os detalhes que a história tem para contar em suas diversas camadas - mesmo aquelas não tão óbvias. Sua câmera se torna uma extensão da protagonista, capturando a realidade cruel de Sylvie e a beleza fugaz dos momentos de ternura entre ela e seus filhos. Aliás, é impossível não elogiar Virginie Efira - ela entrega uma performance magistral, capaz de equilibrar a força interior e a fragilidade de sua personagem com a mesma maestria. Cada olhar, cada gesto, cada palavra e cada momento de silêncio, transbordam emoção, nos convidando para um mergulho mais profundo na dor e na resiliência de Sylvie. Tudo isso, alinhado a uma fotografia maravilhosa de Guillaume Schiffman (indicado ao Oscar por "O Artista"), rica em tons frios e melancólicos que traduzem a angústia e a solidão da personagem; e da trilha sonora minimalista que pontua a narrativa com notas de esperança e força. Olha, eu diria que que nada está nesse filme por acaso.
"Tudo ou Nada", é preciso pontuar, não oferece respostas fáceis, mas vai te convidar à reflexão sobre as complexas relações entre mães e filhos, e sobre o impacto que a sociedade pode exercer sobre essa dinâmica nada padronizada. Essencial em sua proposta, esse filme de fato toca nossa alma de uma maneira avassaladora e nos provoca a repensar alguns conceitos sobre maternidade, sobre justiça social e sobre a força do amor - com um pouco mais de empatia por um lado e de conservadorismo do outro. Grande filme, mas nada simples!
Vale muito o seu play!
Olha, não será uma jornada das mais tranquilas - já aviso! "Tudo ou Nada" é intenso e emocionante, mas também uma pancada sem muita dó! Dirigido pela talentosa Delphine Deloget, esse filme chega chancelado pelos elogios do público e da crítica especializada ao receber a indicação "Um Certo Olhar" no Festival de Cannes 2023, além de outros reconhecimentos em vários festivais ao redor do mundo. Com uma narrativa dura, impactante e cheia de desconforto, eu diria que você está diante de uma experiência cinematográfica das mais profundas e tocantes por sua visão amarga da vida adulta - sem cortes, mas com algum pré-julgamento.
A trama, protagonizada pela brilhante Virginie Efira, acompanha a árdua jornada de Sylvie, uma mãe solteira que enfrenta a dor de perder a guarda de seu filho caçula, Sofiane, após um acidente doméstico. Determinada a recuperar a custódia do filho, Sylvie mergulha em uma batalha judicial e emocionalmente desgastante, confrontando um sistema implacável que coloca em xeque até sua capacidade como mãe. Confira o trailer:
Uma jornada de reflexão através da dor e da impotência - talvez essa seja a forma mais simples de definir a complexidade de "Rien à Perdre" (no original). Com uma narrativa bem construída, o que vemos na tela é um retrato comovente da realidade de Sylvie a partir de um olhar honesto e sem censura sobre ser mãe. Veja, o filme se propõe a explorar as nuances da maternidade, questionando os padrões sociais e as estruturas que marginalizam mulheres como Sylvie e é com essa forte premissa que Deloget mostra como sua luta transcende a esfera individual e passa a ser vista como um símbolo para tantas outras que enfrentam desafios semelhantes. Ao longo da narrativa, somos confrontados com questionamentos sobre os limites da maternidade (muitas vezes em meio ao caos), sobre o papel do Estado na vida familiar (carregada de hipocrisia) e sobre a fragilidade do sistema judicial em muitos pontos (especialmente fora de contextos).
Aqui, a direção de Deloget é precisa e sensível, explorando com muita competência os detalhes que a história tem para contar em suas diversas camadas - mesmo aquelas não tão óbvias. Sua câmera se torna uma extensão da protagonista, capturando a realidade cruel de Sylvie e a beleza fugaz dos momentos de ternura entre ela e seus filhos. Aliás, é impossível não elogiar Virginie Efira - ela entrega uma performance magistral, capaz de equilibrar a força interior e a fragilidade de sua personagem com a mesma maestria. Cada olhar, cada gesto, cada palavra e cada momento de silêncio, transbordam emoção, nos convidando para um mergulho mais profundo na dor e na resiliência de Sylvie. Tudo isso, alinhado a uma fotografia maravilhosa de Guillaume Schiffman (indicado ao Oscar por "O Artista"), rica em tons frios e melancólicos que traduzem a angústia e a solidão da personagem; e da trilha sonora minimalista que pontua a narrativa com notas de esperança e força. Olha, eu diria que que nada está nesse filme por acaso.
"Tudo ou Nada", é preciso pontuar, não oferece respostas fáceis, mas vai te convidar à reflexão sobre as complexas relações entre mães e filhos, e sobre o impacto que a sociedade pode exercer sobre essa dinâmica nada padronizada. Essencial em sua proposta, esse filme de fato toca nossa alma de uma maneira avassaladora e nos provoca a repensar alguns conceitos sobre maternidade, sobre justiça social e sobre a força do amor - com um pouco mais de empatia por um lado e de conservadorismo do outro. Grande filme, mas nada simples!
Vale muito o seu play!
Talvez uma das experiências mais marcantes e sensacionais na vida de uma uma mulher (e de um homem) seja se tornar mãe (e pai) - a grande questão é que essa jornada não tem nada de romântica e é justamente isso que "Tully", com muita sensibilidade e uma boa dose de verdade, discute!
Marlo (Charlize Theron) é uma mãe de três filhos – um deles recém-nascido – que vive uma vida muito atarefada e exaustiva. Certo dia, seu irmão oferece para ela, como presente, a ajuda de uma babá para cuidar das crianças durante o período da noite, Tully (Mackenzie Davis). Mesmo hesitante, ela acaba se surpreendendo com a jovem e criando um laço emocional capaz de mudar sua vida. Confira o trailer:
Se em "Namorados Para Sempre"(“Blue Valentine”), o diretor Derek Cianfrance expõe as incertezas e inseguranças de um jovem casal que passa por uma profunda crise em seu casamento, "Tully" transporta essa dura realidade para a maternidade. Talvez o filme dirigido pelo sempre excelente Jason Reitman em mais uma parceria com a roteirista Diablo Cody (os mesmos de "Juno" e "Jovens Adultos") suavize na "forma", mas sem dúvida alguma continua respeitando a força e o impacto do "conteúdo". Veja, se em "Juno" a dupla discutiu a gravidez na adolescência e as implicações de uma adoção, agora eles retratam os meses seguintes ao nascimento de um terceiro filho e o que isso representa para uma mulher na casa dos 30 anos - sem esconder nenhum detalhe, aliás.
Alguns pontos chamam muito atenção em "Tully": o primeiro é que o filme é muito bem dirigido - ratificando o talento de Reitman no trabalho com os atores. A química entre Charlize Theron e Mackenzie Davis impressiona. O subtexto é tão bem trabalhado que somos capazes de imaginar exatamente o que as personagens estão vivendo internamente e como isso está refletindo na relação entre elas. É isso que nos leva ao segundo destaque: Charlize Theron está fantástica como Marlo - uma atriz belíssima (e aqui falo do seu talento e da sua beleza física) que já provou ser capaz de se desconstruir em pró da composição dramática de suas personagens, mais uma vez dá uma aula com sua performance. E por, fim, não menos importante, é o roteiro Cody: os diálogos são tão afiados, irônicos e incrivelmente sensíveis que é impossível qualquer mulher (mãe) não se conectar com a história - para os homens, pais, que muitas vezes são incapazes de ler com exatidão o que acontece com uma mulher após o nascimento de um filho, também vale o comentário.
"Tully" é um filme com alma, tecnicamente representada por uma edição capaz de potencializar e dar o tom exato de um excelente roteiro e uma direção muito competente. Lembrando que estamos falando das imperfeições da maternidade, que quebram velhas concepções de como uma família deve funcionar e que metaforicamente expõe as dores íntimas das mulheres com muita inteligência, sem a necessidade de uma exposição exagerada e muito menos de entregar todas as respostas - afinal, cada um é cada um!
Val muito o seu play!
Talvez uma das experiências mais marcantes e sensacionais na vida de uma uma mulher (e de um homem) seja se tornar mãe (e pai) - a grande questão é que essa jornada não tem nada de romântica e é justamente isso que "Tully", com muita sensibilidade e uma boa dose de verdade, discute!
Marlo (Charlize Theron) é uma mãe de três filhos – um deles recém-nascido – que vive uma vida muito atarefada e exaustiva. Certo dia, seu irmão oferece para ela, como presente, a ajuda de uma babá para cuidar das crianças durante o período da noite, Tully (Mackenzie Davis). Mesmo hesitante, ela acaba se surpreendendo com a jovem e criando um laço emocional capaz de mudar sua vida. Confira o trailer:
Se em "Namorados Para Sempre"(“Blue Valentine”), o diretor Derek Cianfrance expõe as incertezas e inseguranças de um jovem casal que passa por uma profunda crise em seu casamento, "Tully" transporta essa dura realidade para a maternidade. Talvez o filme dirigido pelo sempre excelente Jason Reitman em mais uma parceria com a roteirista Diablo Cody (os mesmos de "Juno" e "Jovens Adultos") suavize na "forma", mas sem dúvida alguma continua respeitando a força e o impacto do "conteúdo". Veja, se em "Juno" a dupla discutiu a gravidez na adolescência e as implicações de uma adoção, agora eles retratam os meses seguintes ao nascimento de um terceiro filho e o que isso representa para uma mulher na casa dos 30 anos - sem esconder nenhum detalhe, aliás.
Alguns pontos chamam muito atenção em "Tully": o primeiro é que o filme é muito bem dirigido - ratificando o talento de Reitman no trabalho com os atores. A química entre Charlize Theron e Mackenzie Davis impressiona. O subtexto é tão bem trabalhado que somos capazes de imaginar exatamente o que as personagens estão vivendo internamente e como isso está refletindo na relação entre elas. É isso que nos leva ao segundo destaque: Charlize Theron está fantástica como Marlo - uma atriz belíssima (e aqui falo do seu talento e da sua beleza física) que já provou ser capaz de se desconstruir em pró da composição dramática de suas personagens, mais uma vez dá uma aula com sua performance. E por, fim, não menos importante, é o roteiro Cody: os diálogos são tão afiados, irônicos e incrivelmente sensíveis que é impossível qualquer mulher (mãe) não se conectar com a história - para os homens, pais, que muitas vezes são incapazes de ler com exatidão o que acontece com uma mulher após o nascimento de um filho, também vale o comentário.
"Tully" é um filme com alma, tecnicamente representada por uma edição capaz de potencializar e dar o tom exato de um excelente roteiro e uma direção muito competente. Lembrando que estamos falando das imperfeições da maternidade, que quebram velhas concepções de como uma família deve funcionar e que metaforicamente expõe as dores íntimas das mulheres com muita inteligência, sem a necessidade de uma exposição exagerada e muito menos de entregar todas as respostas - afinal, cada um é cada um!
Val muito o seu play!
"Um Filho" é um grande filme, mas também uma pancada sem dó - daquelas que deixam marcas profundas mesmo após os créditos subirem! Antes de mais nada é preciso deixar claro que o filme dirigido pelo talentoso Florian Zeller não é uma continuação de seu projeto anterior, o extraordinário “Meu Pai” - talvez um prequel se encaixe melhor se olharmos pelo prisma de uma franquia, já que o personagem de Anthony Hopkins também está no filme e em uma única cena já explica justamente a razão de Peter (Hugh Jackman) nem ser citado em "Meu Pai". Pontuada essa sensível conexão entre as duas obras, temos mais uma vez uma história cheia de camadas, potente, densa e muito realista, onde a depressão de um filho e o relacionamento dele com seus pais separados constroem uma jornada de muita dor e angústia.
A agitada vida de Peter (Jackman) com sua nova parceira Beth (Vanessa Kirby) e seu filho recém-nascido, vira de cabeça para baixo quando sua ex-mulher Kate (Laura Dern) aparece com o filho adolescente do casal, Nicholas (Zen McGrath). O jovem está distante, irritado e ausente da escola há meses. Peter então, tenta cuidar do filho como gostaria que seu pai tivesse feito com ele, mas ao procurar o passado para corrigir seus erros, ele enfrenta enormes desafios para se conectar com Nicholas e o que parecia ser uma solução acaba se tornando um problema ainda maior. Confira o trailer:
"É preciso olhar para os nosso filhos, só que não da forma como achamos ser a correta, apenas baseado em nossas próprias experiências (boas e ruins), mas a partir de um cuidado individualizado, respeitando suas dores mais íntimas e, principalmente, o seu tempo". É com essa frase em mente que acompanhamos toda a jornada de Peter e Kate com seu filho Nicholas - reparem como o silêncio, o olhar e a postura dos personagens, geram uma angústia permanente, onde, de fora, fica claro que em algum momento algo de muito ruim pode acontecer. Mas como é possível que aqueles pais, claramente amorosos e cuidadosos, não percebam isso? Pois é, não percebem, pois não se trata de amor e sim de aceitar uma condição que foge do nosso controle - a depressão é isso e precisa ser levada a sério. Em uma das cenas mais impactantes do filme, Vanessa Kirby mostra todo seu talento justamente levantando essa questão e dói!
Mais uma vez Zeller vai arquitetando um trama sem a pressa de expor seus reais objetivos. A angústia sentimental genuína que Nicholas transmite para a audiência se materializa em inúmeras cenas onde o adolescente é confrontado diretamente por seus pais e até por sua madrasta, no entanto o outro lado também é verdadeiro, já que parece existir uma barreira etária (ou cultural) que impede que os diálogos fluam da maneira mais apropriada. Esse incômodo que o roteiro habilmente retrata, tem um impacto emocional em quem assiste que, como na história, vai minando as esperanças de um final feliz e olha que o terceiro ato, como uma cereja no bolo, sabe fechar sua proposta com um toque avassalador de realidade.
Tecnicamente perfeito em todos os seus aspectos, "Um Filho" de fato não alcançou as glórias de “Meu Pai”, mas acreditem: isso não faz a menor diferença na experiência que é lidar com essa história visceral. No entanto esse não é um filme que recomendaria para qualquer pessoa - os gatilhos são fortes e machucam demais! Embora pertinente, esse alerta não deve diminuir o valor cinematográfico que a obra tem. "The Son" (no original) é um excelente filme, com seu drama denso, emocionante e importante por trocar em um assunto tão sensível, só que dessa vez, pelo olhar e pela percepção de quem está de fora mas não tem como ajudar. Brilhante!
Vale cada segundo do seu play!
PS: Fechando a trilogia de relações familiares e saúde mental iniciada por "Meu Pai" e agora "Um Filho", "A Mãe" deve focar em Anne lidando com a famosa "síndrome do ninho vazio" quando seus dois filhos saem de casa para construir vidas próprias ao mesmo tempo em que ela também suspeita que seu marido, Paul (Rufus Sewell o interpretou em "Meu Pai"), está tendo um caso.
"Um Filho" é um grande filme, mas também uma pancada sem dó - daquelas que deixam marcas profundas mesmo após os créditos subirem! Antes de mais nada é preciso deixar claro que o filme dirigido pelo talentoso Florian Zeller não é uma continuação de seu projeto anterior, o extraordinário “Meu Pai” - talvez um prequel se encaixe melhor se olharmos pelo prisma de uma franquia, já que o personagem de Anthony Hopkins também está no filme e em uma única cena já explica justamente a razão de Peter (Hugh Jackman) nem ser citado em "Meu Pai". Pontuada essa sensível conexão entre as duas obras, temos mais uma vez uma história cheia de camadas, potente, densa e muito realista, onde a depressão de um filho e o relacionamento dele com seus pais separados constroem uma jornada de muita dor e angústia.
A agitada vida de Peter (Jackman) com sua nova parceira Beth (Vanessa Kirby) e seu filho recém-nascido, vira de cabeça para baixo quando sua ex-mulher Kate (Laura Dern) aparece com o filho adolescente do casal, Nicholas (Zen McGrath). O jovem está distante, irritado e ausente da escola há meses. Peter então, tenta cuidar do filho como gostaria que seu pai tivesse feito com ele, mas ao procurar o passado para corrigir seus erros, ele enfrenta enormes desafios para se conectar com Nicholas e o que parecia ser uma solução acaba se tornando um problema ainda maior. Confira o trailer:
"É preciso olhar para os nosso filhos, só que não da forma como achamos ser a correta, apenas baseado em nossas próprias experiências (boas e ruins), mas a partir de um cuidado individualizado, respeitando suas dores mais íntimas e, principalmente, o seu tempo". É com essa frase em mente que acompanhamos toda a jornada de Peter e Kate com seu filho Nicholas - reparem como o silêncio, o olhar e a postura dos personagens, geram uma angústia permanente, onde, de fora, fica claro que em algum momento algo de muito ruim pode acontecer. Mas como é possível que aqueles pais, claramente amorosos e cuidadosos, não percebam isso? Pois é, não percebem, pois não se trata de amor e sim de aceitar uma condição que foge do nosso controle - a depressão é isso e precisa ser levada a sério. Em uma das cenas mais impactantes do filme, Vanessa Kirby mostra todo seu talento justamente levantando essa questão e dói!
Mais uma vez Zeller vai arquitetando um trama sem a pressa de expor seus reais objetivos. A angústia sentimental genuína que Nicholas transmite para a audiência se materializa em inúmeras cenas onde o adolescente é confrontado diretamente por seus pais e até por sua madrasta, no entanto o outro lado também é verdadeiro, já que parece existir uma barreira etária (ou cultural) que impede que os diálogos fluam da maneira mais apropriada. Esse incômodo que o roteiro habilmente retrata, tem um impacto emocional em quem assiste que, como na história, vai minando as esperanças de um final feliz e olha que o terceiro ato, como uma cereja no bolo, sabe fechar sua proposta com um toque avassalador de realidade.
Tecnicamente perfeito em todos os seus aspectos, "Um Filho" de fato não alcançou as glórias de “Meu Pai”, mas acreditem: isso não faz a menor diferença na experiência que é lidar com essa história visceral. No entanto esse não é um filme que recomendaria para qualquer pessoa - os gatilhos são fortes e machucam demais! Embora pertinente, esse alerta não deve diminuir o valor cinematográfico que a obra tem. "The Son" (no original) é um excelente filme, com seu drama denso, emocionante e importante por trocar em um assunto tão sensível, só que dessa vez, pelo olhar e pela percepção de quem está de fora mas não tem como ajudar. Brilhante!
Vale cada segundo do seu play!
PS: Fechando a trilogia de relações familiares e saúde mental iniciada por "Meu Pai" e agora "Um Filho", "A Mãe" deve focar em Anne lidando com a famosa "síndrome do ninho vazio" quando seus dois filhos saem de casa para construir vidas próprias ao mesmo tempo em que ela também suspeita que seu marido, Paul (Rufus Sewell o interpretou em "Meu Pai"), está tendo um caso.
O que "House of Cards", "Succession", "Billions" e "The Night Of" tem em comum? Dada as suas respectivas perspectivas e contextos, sem dúvida que a "relação com o poder" é o que move seus personagens em suas jornadas mais íntimas. Em "Um Homem por Inteiro" o que encontramos é justamente isso - é como se essa adaptação do livro de Tom Wolfe buscasse o que existe de melhor nessas quatro fontes e transformasse em uma narrativa única, dinâmica, densa e muito envolvente. No entanto aqui cabe uma crítica: a minissérie de seis episódios da Netflix tem tantas camadas para explorar que a impressão que fica é que não seria nada absurdo se tivéssemos, pelo menos, mais dois episódios para tudo se conectar com mais tranquilidade.
Basicamente acompanhamos a trajetória de Charlie Croker (Jeff Daniels), um ex-atleta que construiu um verdadeiro império imobiliário do zero, mas que de repente se vê à beira do abismo após uma série de movimentos financeiros de seus credores. Enfrentando uma iminente falência que resultaria na perda de tudo que conquistou, inclusive seu status de vencedor, Croker passa lutar com todas as suas armas para recuperar seu negócio e se proteger daqueles que querem se aproveitar dessa situação. Confira o trailer:
Ter Regina King (de "This is Us") e Thomas Schlamme (de "House of Cards") na direção e David E. Kelley (de "Big Little Lies") na produção e roteiro, por si só, já colocaria "Um Homem por Inteiro" naquela prateleira de "precisamos assistir"! E acredite, você não vai se decepcionar - mas talvez fique com um certo gostinho de que a trama poderia ir mais longe. O que vemos na tela é uma minissérie que não se limita em ser um drama sobre negócios e ambição como a sinopse sugere. "A Man in Full" (no original) se apropria de temas mais universais como as relações familiares, a quebra de lealdade, a masculinidade tóxica, o racismo e até a redenção, para servir de gatilhos narrativos e assim oferecer uma reflexão mais profunda sobre a natureza humana nos tempos atuais - o próprio autor sugeriu que sua história captura o espírito dos anos 1990 como uma reimaginação para a os Estados Unidos de hoje, oferecendo um cenário instável que reflete desafios contemporâneos sem cortes.
De fato a jornada de Charlie Crokeré um lembrete de que a queda pode ser apenas o início de uma nova ascensão se olhada por uma perspectiva mais estoica. Veja, tanto Wolfe em seu livro, quanto Kelley em seu roteiro, acreditam que a verdadeira riqueza reside nos "valores" e nas "atitudes" do ser humano perante o seu meio, no entanto, o que a narrativa entrega propositalmente é a quebra dessa expectativa, a subversão de uma linha tênue entre o controle e o descontrole, tanto para aqueles que dominam a relação de poder quanto para aqueles que estão em uma posição de vulnerabilidade. Nesse ponto é impossível não citar o elenco que dá vida para personagens totalmente multidimensionais: Jeff Daniels brilha com seu protagonista bronco e resiliente; Diane Lane como Martha Croker, ex-esposa de Charlie, traz um mulher se redescobrindo depois do divórcio, mas que tem na idade sua maior barreira; enquanto Lucy Liu entrega uma performance impressionante pelo tamanho de sua personagem, a Joyce Newman, uma mulher marcada por um passado doloroso. Isso sem falar no núcleo de William Jackson Harper como Wes Jordan e de Jon Michael Hill como Conrad Hensley, que marca a luta por justiça e uma questão racial bastante pertinente. Mas olha, quem brilha mesmo é Tom Pelphrey ele está simplesmente impecável como o ressentido e invejoso, mas ambicioso, Raymond Peepgrass.
"Um Homem por Inteiro" é muito bem realizada e nos envolve rapidamente, especialmente para aqueles que se deliciam com "Succession" e "Billions", porém, com um olhar macro, é perceptível que a minissérie não tem a complexidade e a força crítica do material original de Tom Wolfe. Kelley cumpre o seu papel ao modernizar e simplificar a história para uma audiência menos exigente e mesmo que o resultado não seja tão profundo, a densidade narrativa e a relevância temática continuam lá - sem falar no excelente entretenimento.
Vale su play!
O que "House of Cards", "Succession", "Billions" e "The Night Of" tem em comum? Dada as suas respectivas perspectivas e contextos, sem dúvida que a "relação com o poder" é o que move seus personagens em suas jornadas mais íntimas. Em "Um Homem por Inteiro" o que encontramos é justamente isso - é como se essa adaptação do livro de Tom Wolfe buscasse o que existe de melhor nessas quatro fontes e transformasse em uma narrativa única, dinâmica, densa e muito envolvente. No entanto aqui cabe uma crítica: a minissérie de seis episódios da Netflix tem tantas camadas para explorar que a impressão que fica é que não seria nada absurdo se tivéssemos, pelo menos, mais dois episódios para tudo se conectar com mais tranquilidade.
Basicamente acompanhamos a trajetória de Charlie Croker (Jeff Daniels), um ex-atleta que construiu um verdadeiro império imobiliário do zero, mas que de repente se vê à beira do abismo após uma série de movimentos financeiros de seus credores. Enfrentando uma iminente falência que resultaria na perda de tudo que conquistou, inclusive seu status de vencedor, Croker passa lutar com todas as suas armas para recuperar seu negócio e se proteger daqueles que querem se aproveitar dessa situação. Confira o trailer:
Ter Regina King (de "This is Us") e Thomas Schlamme (de "House of Cards") na direção e David E. Kelley (de "Big Little Lies") na produção e roteiro, por si só, já colocaria "Um Homem por Inteiro" naquela prateleira de "precisamos assistir"! E acredite, você não vai se decepcionar - mas talvez fique com um certo gostinho de que a trama poderia ir mais longe. O que vemos na tela é uma minissérie que não se limita em ser um drama sobre negócios e ambição como a sinopse sugere. "A Man in Full" (no original) se apropria de temas mais universais como as relações familiares, a quebra de lealdade, a masculinidade tóxica, o racismo e até a redenção, para servir de gatilhos narrativos e assim oferecer uma reflexão mais profunda sobre a natureza humana nos tempos atuais - o próprio autor sugeriu que sua história captura o espírito dos anos 1990 como uma reimaginação para a os Estados Unidos de hoje, oferecendo um cenário instável que reflete desafios contemporâneos sem cortes.
De fato a jornada de Charlie Crokeré um lembrete de que a queda pode ser apenas o início de uma nova ascensão se olhada por uma perspectiva mais estoica. Veja, tanto Wolfe em seu livro, quanto Kelley em seu roteiro, acreditam que a verdadeira riqueza reside nos "valores" e nas "atitudes" do ser humano perante o seu meio, no entanto, o que a narrativa entrega propositalmente é a quebra dessa expectativa, a subversão de uma linha tênue entre o controle e o descontrole, tanto para aqueles que dominam a relação de poder quanto para aqueles que estão em uma posição de vulnerabilidade. Nesse ponto é impossível não citar o elenco que dá vida para personagens totalmente multidimensionais: Jeff Daniels brilha com seu protagonista bronco e resiliente; Diane Lane como Martha Croker, ex-esposa de Charlie, traz um mulher se redescobrindo depois do divórcio, mas que tem na idade sua maior barreira; enquanto Lucy Liu entrega uma performance impressionante pelo tamanho de sua personagem, a Joyce Newman, uma mulher marcada por um passado doloroso. Isso sem falar no núcleo de William Jackson Harper como Wes Jordan e de Jon Michael Hill como Conrad Hensley, que marca a luta por justiça e uma questão racial bastante pertinente. Mas olha, quem brilha mesmo é Tom Pelphrey ele está simplesmente impecável como o ressentido e invejoso, mas ambicioso, Raymond Peepgrass.
"Um Homem por Inteiro" é muito bem realizada e nos envolve rapidamente, especialmente para aqueles que se deliciam com "Succession" e "Billions", porém, com um olhar macro, é perceptível que a minissérie não tem a complexidade e a força crítica do material original de Tom Wolfe. Kelley cumpre o seu papel ao modernizar e simplificar a história para uma audiência menos exigente e mesmo que o resultado não seja tão profundo, a densidade narrativa e a relevância temática continuam lá - sem falar no excelente entretenimento.
Vale su play!
Existe uma linha tênue entre a genialidade de "Um Limite Entre Nós" e uma verborragia cansativa e sonolenta - quem vai definir o resultado dessa equação é o seu gosto pessoal! Partindo do principio que o filme é uma adaptação de um espetáculo teatral dos anos 80 chamado "Fences" (que também dá nome ao filme na sua versão original - algo como "Cercas"), é possível ter uma ideia de como a dinâmica narrativa está apoiada em diálogos profundos, muitas vezes longos, poucos cenários (basicamente o quintal do protagonista) e performances de cair o queixo - o que justifica a cara feia de Denzel Washington ao perder o Oscar de 2017 para Casey Affleck por "Manchester à Beira-Mar".
A premissa é até que simples: "Um Limite Entre Nós" é um filme que acompanha o casal Troy Maxson (Washington) e Rose Lee Maxson (Viola Davis), e que explora os relacionamentos entre eles, seus filhos e suas perspectivas e aspirações na vida, fazendo dos conflitos do dia-a-dia de seus personagens uma ferramenta para traçar uma poética análise sobre ciclos, culpa, rancor e, talvez, perdão. Confira ao trailer:
Ao lado de "Malcolm X", sem a menor dúvida, esse é o melhor trabalho de Denzel Washington no cinema. Infinitamente melhor que aqueles que lhe renderam o Oscar com "Tempos de Glória" e "Dia de Treinamento" - e olha que estamos falando de um ator que foi indicado 9 vezes, a última com "A Tragédia de Macbeth" que, para mim, completa o pódio de seus melhores trabalhos. Isso sem falar em Viola Davis, essa sim premiada em 2017 com o Oscar de melhor Atriz Coadjuvante! Tanto Washington quanto Davis seguram o filme em quase duas horas e meia de um drama que explora a profundidade dos personagens como poucas vezes vi. O trabalho é dificílimo, são inúmeras camadas para serem construídas e mesmo assim os dois brilham sem cair na armadilha de teatralizar a interpretação - o tom é perfeito para o cinema, mas meu amigo, o olhar, o silêncio, as nuances da respiração, das pausas, da interiorização sem querer expor nada além de um sentimento pontual, duro, sofrido; olha, uma verdadeira aula para quem aprecia essa arte!
E aqui cabe uma história interessante sobre o processo que levou Denzel Washington até a direção e produção dessa obra prima: Em meados dos anos 80, Washington foi ao teatro ver James Earl Jones (de "Star Wars") estrelar o espetáculo - sua identificação com o filho do protagonista foi imediata. Porém, o tempo passou e antes de morrer, em 2005, o autor August Wilson escreveu um roteiro que adaptava para o cinema sua peça. Este roteiro rodou Hollywood, sem sucesso. Dizem (e nunca ninguém confirmou esse fato) que havia um pedido importante feito pelo autor: o diretor deveria ser negro. Pois bem, quando esse roteiro chegou nas mãos de Denzel Washington, ele já era um ator respeitado e influente. Porém, lembrando de sua experiência no teatro, ele preferiu se manter fiel ao texto original e encenar a peça, ao invés de fazer um filme - que aliás rendeu para ele e para Viola Davis, que interpretou sua esposa também nos palcos, dois Tonys Awards, em 2010; além do troféu de Melhor Reencenação.
Em 2013, quando Washington resolveu assumir o projeto para o cinema, já era claro que o projeto despertaria a curiosidade do público e que a critica receberia a filme de braços abertos - foi o que aconteceu. Desde a fotografia de Charlotte Bruus Christensen (premiada em Cannes por "A Caça") ao desenho de produção de David Gropman (de "A Vida de Pi"), tudo funciona perfeitamente. O roteiro adaptado por Wilson é só a cereja do bolo, porque todo recheio é tão magistral que fica impossível afirmar que a história não foi feita para a telona. Denzel Washington como diretor, foi bem demais - sua capacidade como ator influenciou todo elenco, ou seja, todos estão perfeitos, inclusive Stephen Henderson que faz o melhor amigo de Maxson, o adorável Bono.
"Um Limite Entre Nós" foi indicado ao prêmio de Melhor Filme de 2016 e, na minha opinião, é muito mais profundo e sincero que o vencedor daquela noite (o ótimo, claro, mas muito mais fácil de assistir), "Moonlight: Sob a Luz do Luar".
Se você ainda não deu uma chance para "Um Limite Entre Nós", não perca tempo! Vale muito a pena!
Existe uma linha tênue entre a genialidade de "Um Limite Entre Nós" e uma verborragia cansativa e sonolenta - quem vai definir o resultado dessa equação é o seu gosto pessoal! Partindo do principio que o filme é uma adaptação de um espetáculo teatral dos anos 80 chamado "Fences" (que também dá nome ao filme na sua versão original - algo como "Cercas"), é possível ter uma ideia de como a dinâmica narrativa está apoiada em diálogos profundos, muitas vezes longos, poucos cenários (basicamente o quintal do protagonista) e performances de cair o queixo - o que justifica a cara feia de Denzel Washington ao perder o Oscar de 2017 para Casey Affleck por "Manchester à Beira-Mar".
A premissa é até que simples: "Um Limite Entre Nós" é um filme que acompanha o casal Troy Maxson (Washington) e Rose Lee Maxson (Viola Davis), e que explora os relacionamentos entre eles, seus filhos e suas perspectivas e aspirações na vida, fazendo dos conflitos do dia-a-dia de seus personagens uma ferramenta para traçar uma poética análise sobre ciclos, culpa, rancor e, talvez, perdão. Confira ao trailer:
Ao lado de "Malcolm X", sem a menor dúvida, esse é o melhor trabalho de Denzel Washington no cinema. Infinitamente melhor que aqueles que lhe renderam o Oscar com "Tempos de Glória" e "Dia de Treinamento" - e olha que estamos falando de um ator que foi indicado 9 vezes, a última com "A Tragédia de Macbeth" que, para mim, completa o pódio de seus melhores trabalhos. Isso sem falar em Viola Davis, essa sim premiada em 2017 com o Oscar de melhor Atriz Coadjuvante! Tanto Washington quanto Davis seguram o filme em quase duas horas e meia de um drama que explora a profundidade dos personagens como poucas vezes vi. O trabalho é dificílimo, são inúmeras camadas para serem construídas e mesmo assim os dois brilham sem cair na armadilha de teatralizar a interpretação - o tom é perfeito para o cinema, mas meu amigo, o olhar, o silêncio, as nuances da respiração, das pausas, da interiorização sem querer expor nada além de um sentimento pontual, duro, sofrido; olha, uma verdadeira aula para quem aprecia essa arte!
E aqui cabe uma história interessante sobre o processo que levou Denzel Washington até a direção e produção dessa obra prima: Em meados dos anos 80, Washington foi ao teatro ver James Earl Jones (de "Star Wars") estrelar o espetáculo - sua identificação com o filho do protagonista foi imediata. Porém, o tempo passou e antes de morrer, em 2005, o autor August Wilson escreveu um roteiro que adaptava para o cinema sua peça. Este roteiro rodou Hollywood, sem sucesso. Dizem (e nunca ninguém confirmou esse fato) que havia um pedido importante feito pelo autor: o diretor deveria ser negro. Pois bem, quando esse roteiro chegou nas mãos de Denzel Washington, ele já era um ator respeitado e influente. Porém, lembrando de sua experiência no teatro, ele preferiu se manter fiel ao texto original e encenar a peça, ao invés de fazer um filme - que aliás rendeu para ele e para Viola Davis, que interpretou sua esposa também nos palcos, dois Tonys Awards, em 2010; além do troféu de Melhor Reencenação.
Em 2013, quando Washington resolveu assumir o projeto para o cinema, já era claro que o projeto despertaria a curiosidade do público e que a critica receberia a filme de braços abertos - foi o que aconteceu. Desde a fotografia de Charlotte Bruus Christensen (premiada em Cannes por "A Caça") ao desenho de produção de David Gropman (de "A Vida de Pi"), tudo funciona perfeitamente. O roteiro adaptado por Wilson é só a cereja do bolo, porque todo recheio é tão magistral que fica impossível afirmar que a história não foi feita para a telona. Denzel Washington como diretor, foi bem demais - sua capacidade como ator influenciou todo elenco, ou seja, todos estão perfeitos, inclusive Stephen Henderson que faz o melhor amigo de Maxson, o adorável Bono.
"Um Limite Entre Nós" foi indicado ao prêmio de Melhor Filme de 2016 e, na minha opinião, é muito mais profundo e sincero que o vencedor daquela noite (o ótimo, claro, mas muito mais fácil de assistir), "Moonlight: Sob a Luz do Luar".
Se você ainda não deu uma chance para "Um Limite Entre Nós", não perca tempo! Vale muito a pena!
Mais do que um filme sobre o "perdão", "Um lindo dia na vizinhança" fala sobre se "reconectar", com uma sensibilidade impressionante - mesmo que em muitos momentos tenhamos a exata impressão de que aquilo tudo não passa de uma enorme forçada de barra! O interessante, inclusive, é que justamente por isso que o filme nos toca, já que a diretora Marielle Heller usa do carisma (inacreditável - no fiel sentido da palavra) de Fred Rogers, um apresentador de um programa infantil de TV dos anos 70, para contar a história de um jornalista marcado pelo rancor e pela relação nada saudável com seu pai.
Lloyd Vogel (Matthew Rhys) é um jornalista sobrecarregado psicologicamente, que recebe a missão de escrever um artigo sobre o apresentador Fred Rogers (Tom Hanks) para a revista Esquire. Lloyd é um homem cuja vida (aos seus olhos) nunca lhe foi generosa, apesar do seu sucesso profissional - ele carrega consigo uma mágoa profunda por seu pai, Jerry (Chris Cooper). Ao aceitar o trabalho, Vogel acaba se surpreendendo com a maneira como seu entrevistado enxerga a vida e, principalmente, se relaciona com as pessoas. Aos poucos, Vogel e Rogers tornam-se cada vez mais íntimos, dividindo detalhes sobre a vida, sobre suas relações pessoais, com as esposas, filhos e, claro, com as feridas que o convívio com a família pode deixar. Confira o trailer:
Que as pessoas não são 100% ruins, da mesma forma que não são 100% boas, nós já sabemos; ou pelo menos essa é a regra imposta pela sociedade. Mas antes de falar sobre como existem exceções para determinadas regras, vamos contextualizar a história: “Vizinhança de Mister Rogers” foi um dos programas infantis a ficar mais tempo em exibição nos EUA (perdendo apenas recentemente para Vila Sésamo), nele o apresentador Fred Rogers utilizava do lúdico para falar sobre temas do cotidiano e até assuntos mais pesados como morte, depressão, divórcio, raiva, guerra. A grande questão é que Fred parecia ser um personagem dentro e fora do estúdio de gravação e isso instigou demais Lloyd Vogel. Seria possível alguém ser tão carismático, bondoso e empático por tanto tempo e com todo mundo?
“Como é ser casada com um santo?”, questiona o jornalista. “Não gosto desse termo, é como se o que ele é, fosse algo inatingível”, retruca Joanne (Maryann Plunkett), esposa de Rogers. Veja, embora a alma do filme seja Fred, a diretora quer mesmo é contar a história de Lloyd Vogel e a forma com que ela brinca com os conceitos lúdicos do programa do Mister Rogers, fazendo transições entre as maquetes e os movimentos em stop motion com os lugares reais do cotidiano de Vogel criam, metaforicamente, pontos de vista muito interessantes sobre seus fantasmas e como ele se esforça enfrentá-los.
Obviamente que Tom Hanks é o nome do filme - apoiado em uma belíssima maquiagem e nos figurinos exatos de Fred Rogers, o ator dá mais uma aula de caracterização ao mergulhar nas camadas mais profundas do personagem, com expressões pontualmente contidas no silêncio pausado da forma como Rogers se comunicava aos pequenos vícios corporais do apresentador. Matthew Rhys também está muito bem - sua expressão demonstra exatamente toda a carga emocional que Lloyd carrega consigo. Outro elemento que merece destaque é a trilha sonora de Nate Heller - ela pontua perfeitamente o mood das cenas e traz a belíssima "The Promisse" na voz de Tracy Chapman.
"Um Lindo Dia na Vizinhança" é um filme que não fez tanto barulho, mas que vai te surpreender pela sensibilidade e beleza do seu roteiro (de Noah Harpster e Micah Fitzerman-Blue). É um filme com alma, emocionante, dramático e inteligente ao nos mostrar o lado bom de uma boa conversa. Vale a pena!
Up-date: "Um Lindo Dia na Vizinhança" garantiu mais uma indicação para Tom Hanks no Oscar 2020: Melhor Ator Coadjuvante!
Mais do que um filme sobre o "perdão", "Um lindo dia na vizinhança" fala sobre se "reconectar", com uma sensibilidade impressionante - mesmo que em muitos momentos tenhamos a exata impressão de que aquilo tudo não passa de uma enorme forçada de barra! O interessante, inclusive, é que justamente por isso que o filme nos toca, já que a diretora Marielle Heller usa do carisma (inacreditável - no fiel sentido da palavra) de Fred Rogers, um apresentador de um programa infantil de TV dos anos 70, para contar a história de um jornalista marcado pelo rancor e pela relação nada saudável com seu pai.
Lloyd Vogel (Matthew Rhys) é um jornalista sobrecarregado psicologicamente, que recebe a missão de escrever um artigo sobre o apresentador Fred Rogers (Tom Hanks) para a revista Esquire. Lloyd é um homem cuja vida (aos seus olhos) nunca lhe foi generosa, apesar do seu sucesso profissional - ele carrega consigo uma mágoa profunda por seu pai, Jerry (Chris Cooper). Ao aceitar o trabalho, Vogel acaba se surpreendendo com a maneira como seu entrevistado enxerga a vida e, principalmente, se relaciona com as pessoas. Aos poucos, Vogel e Rogers tornam-se cada vez mais íntimos, dividindo detalhes sobre a vida, sobre suas relações pessoais, com as esposas, filhos e, claro, com as feridas que o convívio com a família pode deixar. Confira o trailer:
Que as pessoas não são 100% ruins, da mesma forma que não são 100% boas, nós já sabemos; ou pelo menos essa é a regra imposta pela sociedade. Mas antes de falar sobre como existem exceções para determinadas regras, vamos contextualizar a história: “Vizinhança de Mister Rogers” foi um dos programas infantis a ficar mais tempo em exibição nos EUA (perdendo apenas recentemente para Vila Sésamo), nele o apresentador Fred Rogers utilizava do lúdico para falar sobre temas do cotidiano e até assuntos mais pesados como morte, depressão, divórcio, raiva, guerra. A grande questão é que Fred parecia ser um personagem dentro e fora do estúdio de gravação e isso instigou demais Lloyd Vogel. Seria possível alguém ser tão carismático, bondoso e empático por tanto tempo e com todo mundo?
“Como é ser casada com um santo?”, questiona o jornalista. “Não gosto desse termo, é como se o que ele é, fosse algo inatingível”, retruca Joanne (Maryann Plunkett), esposa de Rogers. Veja, embora a alma do filme seja Fred, a diretora quer mesmo é contar a história de Lloyd Vogel e a forma com que ela brinca com os conceitos lúdicos do programa do Mister Rogers, fazendo transições entre as maquetes e os movimentos em stop motion com os lugares reais do cotidiano de Vogel criam, metaforicamente, pontos de vista muito interessantes sobre seus fantasmas e como ele se esforça enfrentá-los.
Obviamente que Tom Hanks é o nome do filme - apoiado em uma belíssima maquiagem e nos figurinos exatos de Fred Rogers, o ator dá mais uma aula de caracterização ao mergulhar nas camadas mais profundas do personagem, com expressões pontualmente contidas no silêncio pausado da forma como Rogers se comunicava aos pequenos vícios corporais do apresentador. Matthew Rhys também está muito bem - sua expressão demonstra exatamente toda a carga emocional que Lloyd carrega consigo. Outro elemento que merece destaque é a trilha sonora de Nate Heller - ela pontua perfeitamente o mood das cenas e traz a belíssima "The Promisse" na voz de Tracy Chapman.
"Um Lindo Dia na Vizinhança" é um filme que não fez tanto barulho, mas que vai te surpreender pela sensibilidade e beleza do seu roteiro (de Noah Harpster e Micah Fitzerman-Blue). É um filme com alma, emocionante, dramático e inteligente ao nos mostrar o lado bom de uma boa conversa. Vale a pena!
Up-date: "Um Lindo Dia na Vizinhança" garantiu mais uma indicação para Tom Hanks no Oscar 2020: Melhor Ator Coadjuvante!
Antes de mais nada é preciso alinhar as expectativas para que você possa se conectar com a história de "Um lugar bem longe daqui" sem se decepcionar com sua trama - embora o trailer (e toda campanha de marketing) tenha sugerido, o filme não é um suspense policial, muito menos um drama de tribunal! "Um lugar bem longe daqui" é muito mais um drama de relação, quase adolescente, que se apoia nas descobertas do amadurecimento, nos fantasmas do passado e no pré-conceito social para construir uma narrativa muito interessante com a única intenção de te tocar a alma! E cá entre nós, funciona!
Abandonada quando menina, Kya (Daisy Edgar-Jones) cresceu isolada em uma pequena propriedade nos perigosos pântanos da Carolina do Norte. Quando Chase Andrews (Harris Dickinson), um rico garoto da cidade é encontrado morto, Kya imediatamente se torna a principal suspeita. À medida que o caso se desenrola, o veredicto torna-se cada vez mais obscuro, já que muitos elementos do passado podem mostrar o que de fato aconteceu com Andrews. Confira o trailer:
Baseado no fenômeno mundial que é o livro homônimo de Delia Owens, "Um lugar bem longe daqui"sofre por não encontrar sua identidade logo de cara, já que o prólogo escrito pela Lucy Alibar (indicada ao Oscar por "Indomável Sonhadora" em 2012) sugere um caminho que na realidade está bem distante do que realmente a história vai contar. Se inicialmente temos a sensação de estar assistindo um filme sobre um misterioso assassinato em uma pequena cidade dos EUA ao melhor estilo HBO, basta alguns minutos para entendermos que esse é apenas o pano de fundo distante para uma história bem mais água com açúcar. Isso é ruim? Não, mas é inegável que os dois gêneros não se conversam e com isso muitas pessoas tendem a se decepcionar.
Entendido o gênero de "Um lugar bem longe daqui", tudo muda! Embora a narrativa soe cadenciada demais, é de elogiar a forma como a diretora Olivia Newman (de "Minha primeira luta") vai conduzindo a história de Kya sem parecer apressada demais - é como se tudo tivesse seu tempo de acontecer e quando nos damos conta, não conseguimos mais tirar os olhos da tela. A história vai te envolvendo com delicadeza e potência ato a ato e mesmo com alguns clichês (muitos deles mais literários do que cinematográficos), nos conquista. Muito desse mérito tem nome e sobrenome: Daisy Edgar-Jones - essa menina é um verdadeiro talento e vem trilhando uma carreira que muito em breve vai fazer ela ser reconhecida como uma das melhores atrizes de sua geração!
"Um lugar bem longe daqui" é um ótimo e fácil entretenimento, com uma história honesta e dinâmica na sua construção, que parece sair do contexto cinematográfico para homenagear o leitor do best-seller. Competente tecnicamente, bem realizado artisticamente, o filme de Newman vai transitar perfeitamente entre o suspiro de "Uma Garota Exemplar" e o peso de "O Castelo de Vidro", mas que na verdade é muito mais um "O céu está em todo lugar" sem a pirotecnia gráfica ou a fantasia do amor perfeito - ops, o amor perfeito está lá sim!
Vale seu play!
Antes de mais nada é preciso alinhar as expectativas para que você possa se conectar com a história de "Um lugar bem longe daqui" sem se decepcionar com sua trama - embora o trailer (e toda campanha de marketing) tenha sugerido, o filme não é um suspense policial, muito menos um drama de tribunal! "Um lugar bem longe daqui" é muito mais um drama de relação, quase adolescente, que se apoia nas descobertas do amadurecimento, nos fantasmas do passado e no pré-conceito social para construir uma narrativa muito interessante com a única intenção de te tocar a alma! E cá entre nós, funciona!
Abandonada quando menina, Kya (Daisy Edgar-Jones) cresceu isolada em uma pequena propriedade nos perigosos pântanos da Carolina do Norte. Quando Chase Andrews (Harris Dickinson), um rico garoto da cidade é encontrado morto, Kya imediatamente se torna a principal suspeita. À medida que o caso se desenrola, o veredicto torna-se cada vez mais obscuro, já que muitos elementos do passado podem mostrar o que de fato aconteceu com Andrews. Confira o trailer:
Baseado no fenômeno mundial que é o livro homônimo de Delia Owens, "Um lugar bem longe daqui"sofre por não encontrar sua identidade logo de cara, já que o prólogo escrito pela Lucy Alibar (indicada ao Oscar por "Indomável Sonhadora" em 2012) sugere um caminho que na realidade está bem distante do que realmente a história vai contar. Se inicialmente temos a sensação de estar assistindo um filme sobre um misterioso assassinato em uma pequena cidade dos EUA ao melhor estilo HBO, basta alguns minutos para entendermos que esse é apenas o pano de fundo distante para uma história bem mais água com açúcar. Isso é ruim? Não, mas é inegável que os dois gêneros não se conversam e com isso muitas pessoas tendem a se decepcionar.
Entendido o gênero de "Um lugar bem longe daqui", tudo muda! Embora a narrativa soe cadenciada demais, é de elogiar a forma como a diretora Olivia Newman (de "Minha primeira luta") vai conduzindo a história de Kya sem parecer apressada demais - é como se tudo tivesse seu tempo de acontecer e quando nos damos conta, não conseguimos mais tirar os olhos da tela. A história vai te envolvendo com delicadeza e potência ato a ato e mesmo com alguns clichês (muitos deles mais literários do que cinematográficos), nos conquista. Muito desse mérito tem nome e sobrenome: Daisy Edgar-Jones - essa menina é um verdadeiro talento e vem trilhando uma carreira que muito em breve vai fazer ela ser reconhecida como uma das melhores atrizes de sua geração!
"Um lugar bem longe daqui" é um ótimo e fácil entretenimento, com uma história honesta e dinâmica na sua construção, que parece sair do contexto cinematográfico para homenagear o leitor do best-seller. Competente tecnicamente, bem realizado artisticamente, o filme de Newman vai transitar perfeitamente entre o suspiro de "Uma Garota Exemplar" e o peso de "O Castelo de Vidro", mas que na verdade é muito mais um "O céu está em todo lugar" sem a pirotecnia gráfica ou a fantasia do amor perfeito - ops, o amor perfeito está lá sim!
Vale seu play!
"Um Lugar Qualquer" fala de solidão, mas em uma outra camada, talvez até de uma forma mais cruel que é a de ter a impressão que temos tudo sob controle e que apenas as escolhas do passado foram a causa dessa situação. Entender que a felicidade não está no dinheiro ou na realização pessoal é um processo doloroso e, sim, o personagem Johnny Marco (Stephen Dorff) sente isso na pele - eu diria, inclusive, que por se tratar de uma relação "pai e filha" é até mais difícil lidar do que a situação do Bob Harris (Bill Murray) em "Encontros e Desencontros" (2003) - filme que discute sentimentos e sensações parecidos.
Em "Somewhere" (título original), acompanhamos o já citado Johnny Marco, um bem sucedido ator norte-americano que mora no lendário, mas impessoal, hotel Chateau Marmont enquanto se recupera de um leve acidente. A rotina do ator se resume em diversão, álcool e sexo, mas também no vazio, na falta de relação afetiva e muita melancolia, pois tudo (ou quase tudo) na vida de Marco lhe é entregue de bandeja, sem esforço, por conveniência da profissão. Quando sua filha Cleo (Elle Fanning) chega para passar uma temporada com ele, Marco percebe que a verdadeira felicidade não está nas conquistas profissionais ou na farra irresponsável, e sim na cumplicidade entre pai e filha, mas talvez já seja tarde demais para mudar algo que ele mesmo provocou. Confira o trailer:
Ser filha de um grande diretor não deve ser tarefa das mais fáceis, mas acredite: não foi por acaso que Sofia Coppola conquistou alguns dos principais prêmios que um diretor pode almejar na carreira - do Oscar de melhor roteiro original ao Leão de Ouro do Festival de Veneza. Dito isso, meu conselho é: quem não viu "Um Lugar Qualquer", veja, pois Sofia não é só a filha de Francis Ford Coppola! O filme é, de fato, muito bom, tem um roteiro muito bem escrito, com uma direção focada nos detalhes e toda aquela capacidade de captar o sentimento que ela mostrou em"Encontros e Desencontros" está ali, com a mesma maestria e sensibilidade.
Embora não seja uma jornada das mais fáceis, pelo estilo cadenciado do filme e pelo assunto que ele discute, "Um Lugar Qualquer" é muito provocador e merece muitos elogios. Claro que ele vai impactar um número limitado da audiência, possivelmente aquele que mergulha nas inúmeras camadas de um personagem bastante complexo e que se permite projetar na história suas próprias experiências e aqui, o silêncio e uma trilha sonora lindíssima facilitam essa imersão. Outro detalhe bem interessante: reparem como a Sofia Coppola conta essa história: ela usa uma câmera fixa, como se o ação fizesse parte de um quadro, de uma pintura, para que possamos acompanhar a cena e só julgar o que estamos vendo; e aí vem o golaço, porque ela nos mostra um dos lados em profundidade e logo depois já nos pergunta" qual é o seu lado que sentiria, justamente, aquele julgamento? É incrível, pois mesmo sem perceber, estamos julgando aquele estilo de vida o tempo todo, mas depois vamos entendendo o preço que se paga por esse tipo "escolha".
"Um Lugar Qualquer" é um grande filme, mas será preciso uma certa sensibilidade para entender o "vazio" que a diretora propõe e em muitas passagens não vamos nos permitir encarar esse sentimento de frente, com sinceridade - e isso vai refletir na sua critica perante o que você assistiu! Para nós, imperdível!
"Um Lugar Qualquer" fala de solidão, mas em uma outra camada, talvez até de uma forma mais cruel que é a de ter a impressão que temos tudo sob controle e que apenas as escolhas do passado foram a causa dessa situação. Entender que a felicidade não está no dinheiro ou na realização pessoal é um processo doloroso e, sim, o personagem Johnny Marco (Stephen Dorff) sente isso na pele - eu diria, inclusive, que por se tratar de uma relação "pai e filha" é até mais difícil lidar do que a situação do Bob Harris (Bill Murray) em "Encontros e Desencontros" (2003) - filme que discute sentimentos e sensações parecidos.
Em "Somewhere" (título original), acompanhamos o já citado Johnny Marco, um bem sucedido ator norte-americano que mora no lendário, mas impessoal, hotel Chateau Marmont enquanto se recupera de um leve acidente. A rotina do ator se resume em diversão, álcool e sexo, mas também no vazio, na falta de relação afetiva e muita melancolia, pois tudo (ou quase tudo) na vida de Marco lhe é entregue de bandeja, sem esforço, por conveniência da profissão. Quando sua filha Cleo (Elle Fanning) chega para passar uma temporada com ele, Marco percebe que a verdadeira felicidade não está nas conquistas profissionais ou na farra irresponsável, e sim na cumplicidade entre pai e filha, mas talvez já seja tarde demais para mudar algo que ele mesmo provocou. Confira o trailer:
Ser filha de um grande diretor não deve ser tarefa das mais fáceis, mas acredite: não foi por acaso que Sofia Coppola conquistou alguns dos principais prêmios que um diretor pode almejar na carreira - do Oscar de melhor roteiro original ao Leão de Ouro do Festival de Veneza. Dito isso, meu conselho é: quem não viu "Um Lugar Qualquer", veja, pois Sofia não é só a filha de Francis Ford Coppola! O filme é, de fato, muito bom, tem um roteiro muito bem escrito, com uma direção focada nos detalhes e toda aquela capacidade de captar o sentimento que ela mostrou em"Encontros e Desencontros" está ali, com a mesma maestria e sensibilidade.
Embora não seja uma jornada das mais fáceis, pelo estilo cadenciado do filme e pelo assunto que ele discute, "Um Lugar Qualquer" é muito provocador e merece muitos elogios. Claro que ele vai impactar um número limitado da audiência, possivelmente aquele que mergulha nas inúmeras camadas de um personagem bastante complexo e que se permite projetar na história suas próprias experiências e aqui, o silêncio e uma trilha sonora lindíssima facilitam essa imersão. Outro detalhe bem interessante: reparem como a Sofia Coppola conta essa história: ela usa uma câmera fixa, como se o ação fizesse parte de um quadro, de uma pintura, para que possamos acompanhar a cena e só julgar o que estamos vendo; e aí vem o golaço, porque ela nos mostra um dos lados em profundidade e logo depois já nos pergunta" qual é o seu lado que sentiria, justamente, aquele julgamento? É incrível, pois mesmo sem perceber, estamos julgando aquele estilo de vida o tempo todo, mas depois vamos entendendo o preço que se paga por esse tipo "escolha".
"Um Lugar Qualquer" é um grande filme, mas será preciso uma certa sensibilidade para entender o "vazio" que a diretora propõe e em muitas passagens não vamos nos permitir encarar esse sentimento de frente, com sinceridade - e isso vai refletir na sua critica perante o que você assistiu! Para nós, imperdível!
Um filme sobre a vida como ela é - linda, mas cheia de pancadas!
Talvez não tenha maneira mais direta de definir "Uma Bela Manhã", filme dirigido por uma das mais respeitadas cineastas francesas em atividade, Mia Hansen-Løve (de "O Que Está Por Vir"). Seguindo muito seu conceito cinematográfico de retratar a vida cotidiana e suas relações mais particulares, Mia, mais uma vez, lança um olhar dos mais interessantes sobre seus personagens ao mesmo tempo em que se revela disposta a confrontá-los com situações complexas, mas de fácil identificação. Veja, se você está a procura do embate natural das relações ou uma história que segue aquela estrutura mais tradicional, certamente esse filme não é para você. Por outro lado, se estiver disposto a mergulhar em uma narrativa profundamente intima, de uma personagem que tenta encontrar a alegria nas pequenas coisas e na esperança de que tudo vai se encaixar em algum momento, mesmo que para isso tenha que lidar com os tombos da vida e com o tempo que faz questão de mostrar a sua crueldade, você está no lugar certo - mas não será uma jornada fácil (e dependendo do momento em que está passando, será uma jornada dificílima)!
Sandra (Léa Seydoux) é uma jovem viúva que trabalha como tradutora e que cria sozinha sua filha de 8 anos, tendo que lidar com os desafios da maternidade ao mesmo tempo em que cuida de seu pai, Georg Kinsler (Pascal Greggory), um professor de Filosofia aposentado e que já não pode mais se esquivar de uma morte lenta diante de uma doença degenerativa. Enquanto ela embarca com sua família por obstáculos em hospitais e lares de idosos para instalar Georg em um lugar seguro, Sandra se envolve com Clément (Melvil Poupaud), um homem casado e amigo do seu falecido marido. Confira o trailer:
É impossível não olhar para "Un Beau Matin" (no original) e não ficar absolutamente boquiaberto com a performance de Léa Seydoux (de "Azul é a Cor Mais Quente"). Dentro daquela atmosfera tão deprimente quanto humana, Seydoux entrega no olhar, a sua dor - e saiba que o "deprimente" que cito não se vale do estereótipo ou do convencional, mas sim da sensibilidade de entender que longe da fantasia, existe uma batalha diária para lidar com sua própria cruz. E aqui, também é preciso que se diga, o roteiro da própria Mia enaltece essa perspectiva mais introspectiva em um confronto quase visceral entre o que se sente e o que se mostra! É impressionante como essa dualidade alcança tons tão marcantes na maneira como experienciamos o filme - é de sentir uma dor no peito, pelo outro, ou por nós mesmos.
A diretora sabe do tamanho de sua responsabilidade ao basear uma história de quase duas horas apenas na psicologia de seus personagens. Reparem como até mesmo um pedido aparentemente simples de uma ex-aluna de seu pai como “você poderia me passar o e-mail dele?”, é capaz de levar Sandra às lágrimas. Sim, é um pedido cotidiano, mas o impacto do "comum" é o que move Mia na exploração magistral da condição humana como ninguém. Ela usa gatilhos narrativos perfeitos para discutir a complexidade dos relacionamentos (a dúvida natural de Clément sobre seu casamento, é um ótimo ponto) e das mudanças ao longo do tempo (a relação com sua mãe e sua irmã, e depois com seu pai, exemplificam bem essa provocação).
A direção de arte de Mila Preli (de "História de um Olhar") é fantástica - reparem como os cenários ajudam a construir a personalidade dos personagens. Já a fotografia do Denis Lenoir (de "Irma Vep") ao mesmo tempo que cria um ambiente sutil e palpável, carrega uma densidade impressionante. O fato é que tecnicamente o filme é tão bom quanto artisticamente, mesmo com seu ar mais independente. "Uma Bela Manhã" tem mesmo esse olhar sensível sobre a vida, sobre o tempo e sobre os relacionamentos amorosos e familiares, oferecendo uma experiência que certamente irá ressoar muito depois dos créditos finais - principalmente se você for uma pessoa que sofre, que luta, que chora e que se recompõe, que é forte quando necessário, mas frágil quando lhe permitem.
Filmaço!
Um filme sobre a vida como ela é - linda, mas cheia de pancadas!
Talvez não tenha maneira mais direta de definir "Uma Bela Manhã", filme dirigido por uma das mais respeitadas cineastas francesas em atividade, Mia Hansen-Løve (de "O Que Está Por Vir"). Seguindo muito seu conceito cinematográfico de retratar a vida cotidiana e suas relações mais particulares, Mia, mais uma vez, lança um olhar dos mais interessantes sobre seus personagens ao mesmo tempo em que se revela disposta a confrontá-los com situações complexas, mas de fácil identificação. Veja, se você está a procura do embate natural das relações ou uma história que segue aquela estrutura mais tradicional, certamente esse filme não é para você. Por outro lado, se estiver disposto a mergulhar em uma narrativa profundamente intima, de uma personagem que tenta encontrar a alegria nas pequenas coisas e na esperança de que tudo vai se encaixar em algum momento, mesmo que para isso tenha que lidar com os tombos da vida e com o tempo que faz questão de mostrar a sua crueldade, você está no lugar certo - mas não será uma jornada fácil (e dependendo do momento em que está passando, será uma jornada dificílima)!
Sandra (Léa Seydoux) é uma jovem viúva que trabalha como tradutora e que cria sozinha sua filha de 8 anos, tendo que lidar com os desafios da maternidade ao mesmo tempo em que cuida de seu pai, Georg Kinsler (Pascal Greggory), um professor de Filosofia aposentado e que já não pode mais se esquivar de uma morte lenta diante de uma doença degenerativa. Enquanto ela embarca com sua família por obstáculos em hospitais e lares de idosos para instalar Georg em um lugar seguro, Sandra se envolve com Clément (Melvil Poupaud), um homem casado e amigo do seu falecido marido. Confira o trailer:
É impossível não olhar para "Un Beau Matin" (no original) e não ficar absolutamente boquiaberto com a performance de Léa Seydoux (de "Azul é a Cor Mais Quente"). Dentro daquela atmosfera tão deprimente quanto humana, Seydoux entrega no olhar, a sua dor - e saiba que o "deprimente" que cito não se vale do estereótipo ou do convencional, mas sim da sensibilidade de entender que longe da fantasia, existe uma batalha diária para lidar com sua própria cruz. E aqui, também é preciso que se diga, o roteiro da própria Mia enaltece essa perspectiva mais introspectiva em um confronto quase visceral entre o que se sente e o que se mostra! É impressionante como essa dualidade alcança tons tão marcantes na maneira como experienciamos o filme - é de sentir uma dor no peito, pelo outro, ou por nós mesmos.
A diretora sabe do tamanho de sua responsabilidade ao basear uma história de quase duas horas apenas na psicologia de seus personagens. Reparem como até mesmo um pedido aparentemente simples de uma ex-aluna de seu pai como “você poderia me passar o e-mail dele?”, é capaz de levar Sandra às lágrimas. Sim, é um pedido cotidiano, mas o impacto do "comum" é o que move Mia na exploração magistral da condição humana como ninguém. Ela usa gatilhos narrativos perfeitos para discutir a complexidade dos relacionamentos (a dúvida natural de Clément sobre seu casamento, é um ótimo ponto) e das mudanças ao longo do tempo (a relação com sua mãe e sua irmã, e depois com seu pai, exemplificam bem essa provocação).
A direção de arte de Mila Preli (de "História de um Olhar") é fantástica - reparem como os cenários ajudam a construir a personalidade dos personagens. Já a fotografia do Denis Lenoir (de "Irma Vep") ao mesmo tempo que cria um ambiente sutil e palpável, carrega uma densidade impressionante. O fato é que tecnicamente o filme é tão bom quanto artisticamente, mesmo com seu ar mais independente. "Uma Bela Manhã" tem mesmo esse olhar sensível sobre a vida, sobre o tempo e sobre os relacionamentos amorosos e familiares, oferecendo uma experiência que certamente irá ressoar muito depois dos créditos finais - principalmente se você for uma pessoa que sofre, que luta, que chora e que se recompõe, que é forte quando necessário, mas frágil quando lhe permitem.
Filmaço!
Até onde pode ir o amor de uma mãe?
Sem a menor dúvida, "Uma Prova de Amor" vai, no mínimo, te fazer refletir sobre essa questão - e não será muito fácil tirar uma conclusão. Como um bom drama deve ser, essa produção de 2009 segue a cartilha do gênero ao pé da letra, ou seja, em uma jornada nada tranquila, você vai rir, se apaixonar, se irritar, se emocionar e ainda assim vai demorar alguns segundos para se levantar depois que o créditos começarem a subir.
Anna Fitzgerald (Abigail Breslin - a simpática garotinha de "Little Miss Sunshine") foi concebida com o único intuito de ajudar a salvar sua irmã doente, Kate (Sofia Vassilieva). Em pouco tempo, Anna foi submetida a muitas doações, procedimentos extremamente invasivos, cirurgias, enfim, tudo para ajudar sua irmã. Cansada e disposta a ter uma vida normal, ela resolve levar seus pais para o tribunal afim de evitar uma doação de rim e assim conseguir o que seu advogado, Campbell Alexander (Alec Baldwin), definiu como "emancipação médica". Confira o trailer:
Embora a sinopse dê a entender que estamos diante de uma história onde o conflito principal seria decidido em um tribunal, posso garantir que "Uma Prova de Amor" vai muito além do sensacionalismo que o roteiro poderia criar em cima dessa premissa - mesmo tendo todos os elementos para fazer de "This is Us" um episódio da "Galinha Pintadinha". O diretor Nick Cassavetes (o mesmo de "Diário de uma Paixão") foi muito inteligente em construir uma dinâmica narrativa não-linear para a trama, fazendo com que toda questão judicial ficasse em segundo plano, priorizando assim a história de Kate e como sua condição impactou sua família em vários momentos - e aqui completo: inclusive nos momentos bons.
Veja, mesmo trazendo para discussão assuntos delicados e que exigem uma certa coragem para expo-los, Cassavetes não se aprofunda em nenhum deles com uma força desproporcional e impactante como no caso de "Alabama Monroe", por exemplo. Essa visão propositalmente superficial dá um tom fragmentado como se estivéssemos revisitando nossa memória, mas ao mesmo tempo suaviza o impacto emocional da trama - não que ele não exista, mas pelo menos temos tempo de nos recuperar entre um golpe e outro.
Abigail Breslin e Sofia Vassilieva criam uma relação incrível pela idade das duas atrizes - maduras, elas se comunicam com os olhos e isso é lindo. Cameron Diaz também vai muito bem e conduz perfeitamente o propósito do roteiro de coloca-la como antagonista, mesmo sendo a peça-chave da família e de toda aquela sensação que mistura nostalgia com dor - muito bem explorada pelo diretor de fotografia Caleb Deschanel (indicado a 6 Oscars, o último por "Nunca Deixe de Lembrar" em 2019). É como se estivéssemos assistindo uma espécie de "álbum de família" com direito a cenas felizes feitas em câmera lenta com uma música sentimental ao fundo.
Baseado no romance de Jodi Picoult, "Uma Prova de Amor" é um filme lindo em todos os aspectos - que será inesquecível para alguns, e apenas um bom entretenimento para outros, porém para ambos, ficará a certeza de que uma boa história, mesmo difícil de se adaptar, pode trazer uma narrativa cheia de sensibilidade e emoção sem se tornar, em nenhum momento, apelativa ou expositiva demais!
Vale seu play!
Até onde pode ir o amor de uma mãe?
Sem a menor dúvida, "Uma Prova de Amor" vai, no mínimo, te fazer refletir sobre essa questão - e não será muito fácil tirar uma conclusão. Como um bom drama deve ser, essa produção de 2009 segue a cartilha do gênero ao pé da letra, ou seja, em uma jornada nada tranquila, você vai rir, se apaixonar, se irritar, se emocionar e ainda assim vai demorar alguns segundos para se levantar depois que o créditos começarem a subir.
Anna Fitzgerald (Abigail Breslin - a simpática garotinha de "Little Miss Sunshine") foi concebida com o único intuito de ajudar a salvar sua irmã doente, Kate (Sofia Vassilieva). Em pouco tempo, Anna foi submetida a muitas doações, procedimentos extremamente invasivos, cirurgias, enfim, tudo para ajudar sua irmã. Cansada e disposta a ter uma vida normal, ela resolve levar seus pais para o tribunal afim de evitar uma doação de rim e assim conseguir o que seu advogado, Campbell Alexander (Alec Baldwin), definiu como "emancipação médica". Confira o trailer:
Embora a sinopse dê a entender que estamos diante de uma história onde o conflito principal seria decidido em um tribunal, posso garantir que "Uma Prova de Amor" vai muito além do sensacionalismo que o roteiro poderia criar em cima dessa premissa - mesmo tendo todos os elementos para fazer de "This is Us" um episódio da "Galinha Pintadinha". O diretor Nick Cassavetes (o mesmo de "Diário de uma Paixão") foi muito inteligente em construir uma dinâmica narrativa não-linear para a trama, fazendo com que toda questão judicial ficasse em segundo plano, priorizando assim a história de Kate e como sua condição impactou sua família em vários momentos - e aqui completo: inclusive nos momentos bons.
Veja, mesmo trazendo para discussão assuntos delicados e que exigem uma certa coragem para expo-los, Cassavetes não se aprofunda em nenhum deles com uma força desproporcional e impactante como no caso de "Alabama Monroe", por exemplo. Essa visão propositalmente superficial dá um tom fragmentado como se estivéssemos revisitando nossa memória, mas ao mesmo tempo suaviza o impacto emocional da trama - não que ele não exista, mas pelo menos temos tempo de nos recuperar entre um golpe e outro.
Abigail Breslin e Sofia Vassilieva criam uma relação incrível pela idade das duas atrizes - maduras, elas se comunicam com os olhos e isso é lindo. Cameron Diaz também vai muito bem e conduz perfeitamente o propósito do roteiro de coloca-la como antagonista, mesmo sendo a peça-chave da família e de toda aquela sensação que mistura nostalgia com dor - muito bem explorada pelo diretor de fotografia Caleb Deschanel (indicado a 6 Oscars, o último por "Nunca Deixe de Lembrar" em 2019). É como se estivéssemos assistindo uma espécie de "álbum de família" com direito a cenas felizes feitas em câmera lenta com uma música sentimental ao fundo.
Baseado no romance de Jodi Picoult, "Uma Prova de Amor" é um filme lindo em todos os aspectos - que será inesquecível para alguns, e apenas um bom entretenimento para outros, porém para ambos, ficará a certeza de que uma boa história, mesmo difícil de se adaptar, pode trazer uma narrativa cheia de sensibilidade e emoção sem se tornar, em nenhum momento, apelativa ou expositiva demais!
Vale seu play!
Não tem jeito, você vai se emocionar! "Uma Vida: A História de Nicholas Winton", dirigido pelo excelente James Hawes (de "Slow Horses"), é um filme biográfico que traz à tona a inspiradora história de Nicholas Winton, o humanitário britânico que resgatou centenas de crianças judias da Tchecoslováquia durante a Segunda Guerra Mundial. Com uma direção inspirada e uma narrativa realmente potente, o filme oferece uma visão profunda e comovente do efeito de um indivíduo diante de uma das épocas mais sombrias da história - olha, é impossível não lembrar de "A Lista de Schindler", no entanto, e é preciso que se diga, aqui a jornada é construída nos bastidores, fugindo daquele impacto visual do horror da guerra que estamos acostumados a encontrar em outras produções, mas nem por isso, e eu posso garantir, a história perde força.
"One Life" (no original), basicamente, acompanha a vida de Winton (interpretado por Anthony Hopkins nos tempos atuais e por Johnny Flynn no passado), que, em 1938, viajou para Praga e testemunhou a iminente ameaça nazista sobre a população judaica. Movido por um senso de urgência e compaixão, Winton organizou uma série de transportes que salvaram 669 crianças, levando-as para a Grã-Bretanha. O filme detalha, em retrospectiva, as dificuldades logísticas e emocionais enfrentadas por Winton e sua equipe para salvar o maior número de crianças possíveis antes da invasão alemã de Adolf Hitler. Confira o trailer (em inglês):
É chover no molhado dizer que Anthony Hopkins entrega uma performance magistral como Nicholas Winton - mas é impressionante como o ator captura a profundidade emocional e a determinação silenciosa do personagem. Hopkins, com sua presença imponente e sua inigualável habilidade de transmitir nuances sutis, dá vida a Winton de uma maneira que ressoa profundamente na audiência. James Hawes sabe do ator que tem nas mãos e justamente por isso dirige o filme com uma sensibilidade que evita o sensacionalismo, focando em contar a história de seu protagonista com honestidade e respeito. A fotografia de Zac Nicholson (de "A História Pessoal de David Copperfield") é visualmente impressionante, utilizando uma paleta de cores que realça o contraste entre os dias sombrios da guerra e os momentos de esperança e salvação - as cenas do pré-guerra em Praga, por exemplo, são capturadas com um realismo que é capaz de relativizar as limitações do orçamento quando exige mais da produção, enquanto os close-ups no rosto de Hopkins, já no presente, destacam a carga emocional das memórias e da forma como o personagem sempre olhou para o mundo.
O roteiro de Lucinda Coxon e de Nick Drake, baseado no livro de Barbara Winton, é bem estruturado, abordando não apenas os eventos históricos, mas também as motivações internas e os dilemas éticos enfrentados por Nicholas Winton através dos tempos. Coxon e Drake tecem uma narrativa que é ao mesmo tempo relevante como recorte histórico e emocionalmente envolvente como entretenimento, evitando didatismos e permitindo que a trama se desenrole de uma forma mais orgânica. As interações entre Winton e as crianças, bem como os seus momentos de conflito interno, são tratados com delicadeza trazendo uma camada de realismo absurda para o filme. A trilha sonora é outro elemento que merece destaque - composta por Volker Bertelmann (vencedor do Oscar por "Nada de Novo no Front"), trilha complementa a narrativa com músicas que variam entre o melancólico e o inspirador, sublinhando os momentos de tensão e triunfo ao ponto de "esmagar nosso coração".
"Uma Vida: A História de Nicholas Winton" não apenas celebra o heroísmo de Winton, mas também oferece uma reflexão sobre o impacto que uma única pessoa pode ter no mundo. O filme destaca a importância de uma ação altruísta e o poder das decisões morais, especialmente em tempos de crise. A humildade de Winton, que manteve suas ações em segredo por décadas, é um testemunho da verdadeira natureza do amor ao próximo, algo que o filme desenvolve de maneira eficaz e por isso nos conectamos tanto com ele. Para alguns o ritmo pode parecer um pouco lento, mas o que posso adiantar é que estamos diante de uma jornada profundamente comovente que não só ilumina um capítulo importante da história, mas também nos desafia a refletir sobre nosso próprio olhar para a bem maior.
Vale muito o seu play!
Não tem jeito, você vai se emocionar! "Uma Vida: A História de Nicholas Winton", dirigido pelo excelente James Hawes (de "Slow Horses"), é um filme biográfico que traz à tona a inspiradora história de Nicholas Winton, o humanitário britânico que resgatou centenas de crianças judias da Tchecoslováquia durante a Segunda Guerra Mundial. Com uma direção inspirada e uma narrativa realmente potente, o filme oferece uma visão profunda e comovente do efeito de um indivíduo diante de uma das épocas mais sombrias da história - olha, é impossível não lembrar de "A Lista de Schindler", no entanto, e é preciso que se diga, aqui a jornada é construída nos bastidores, fugindo daquele impacto visual do horror da guerra que estamos acostumados a encontrar em outras produções, mas nem por isso, e eu posso garantir, a história perde força.
"One Life" (no original), basicamente, acompanha a vida de Winton (interpretado por Anthony Hopkins nos tempos atuais e por Johnny Flynn no passado), que, em 1938, viajou para Praga e testemunhou a iminente ameaça nazista sobre a população judaica. Movido por um senso de urgência e compaixão, Winton organizou uma série de transportes que salvaram 669 crianças, levando-as para a Grã-Bretanha. O filme detalha, em retrospectiva, as dificuldades logísticas e emocionais enfrentadas por Winton e sua equipe para salvar o maior número de crianças possíveis antes da invasão alemã de Adolf Hitler. Confira o trailer (em inglês):
É chover no molhado dizer que Anthony Hopkins entrega uma performance magistral como Nicholas Winton - mas é impressionante como o ator captura a profundidade emocional e a determinação silenciosa do personagem. Hopkins, com sua presença imponente e sua inigualável habilidade de transmitir nuances sutis, dá vida a Winton de uma maneira que ressoa profundamente na audiência. James Hawes sabe do ator que tem nas mãos e justamente por isso dirige o filme com uma sensibilidade que evita o sensacionalismo, focando em contar a história de seu protagonista com honestidade e respeito. A fotografia de Zac Nicholson (de "A História Pessoal de David Copperfield") é visualmente impressionante, utilizando uma paleta de cores que realça o contraste entre os dias sombrios da guerra e os momentos de esperança e salvação - as cenas do pré-guerra em Praga, por exemplo, são capturadas com um realismo que é capaz de relativizar as limitações do orçamento quando exige mais da produção, enquanto os close-ups no rosto de Hopkins, já no presente, destacam a carga emocional das memórias e da forma como o personagem sempre olhou para o mundo.
O roteiro de Lucinda Coxon e de Nick Drake, baseado no livro de Barbara Winton, é bem estruturado, abordando não apenas os eventos históricos, mas também as motivações internas e os dilemas éticos enfrentados por Nicholas Winton através dos tempos. Coxon e Drake tecem uma narrativa que é ao mesmo tempo relevante como recorte histórico e emocionalmente envolvente como entretenimento, evitando didatismos e permitindo que a trama se desenrole de uma forma mais orgânica. As interações entre Winton e as crianças, bem como os seus momentos de conflito interno, são tratados com delicadeza trazendo uma camada de realismo absurda para o filme. A trilha sonora é outro elemento que merece destaque - composta por Volker Bertelmann (vencedor do Oscar por "Nada de Novo no Front"), trilha complementa a narrativa com músicas que variam entre o melancólico e o inspirador, sublinhando os momentos de tensão e triunfo ao ponto de "esmagar nosso coração".
"Uma Vida: A História de Nicholas Winton" não apenas celebra o heroísmo de Winton, mas também oferece uma reflexão sobre o impacto que uma única pessoa pode ter no mundo. O filme destaca a importância de uma ação altruísta e o poder das decisões morais, especialmente em tempos de crise. A humildade de Winton, que manteve suas ações em segredo por décadas, é um testemunho da verdadeira natureza do amor ao próximo, algo que o filme desenvolve de maneira eficaz e por isso nos conectamos tanto com ele. Para alguns o ritmo pode parecer um pouco lento, mas o que posso adiantar é que estamos diante de uma jornada profundamente comovente que não só ilumina um capítulo importante da história, mas também nos desafia a refletir sobre nosso próprio olhar para a bem maior.
Vale muito o seu play!
"Viver duas vezes" é um filme interessante, pois ele transita entre a comédia e o drama em um piscar de olhos e isso, sem dúvida, nos provoca os mais diversos sentimentos - o que para um filme como esse, não poderia ser um melhor elogio. Esse filme espanhol (mais um dos bons) conta a história de um professor de matemática aposentado chamado Emilio (Oscar Martínez do excelente "O Cidadão Ilustre"). Mal humorado, metódico e completamente avesso ao uso de tecnologia, Emilio é um homem solitário que se contenta com uma vida pacata, tranquila, onde seus momentos de prazer se resumem em comer um pão com tomate e jogar Sudoku (que ele insiste em chamar de quadrado mágico) no seu Café preferido em Valência. Porém, sua vida vira de ponta cabeça quando ele é diagnosticado com Alzheimer. Resiliente com sua condição ele resolve procurar pelo seu grande amor adolescente antes que possa esquecê-la definitivamente por causa da doença. Confira o trailer, dublado:
Além de um Oscar Martínez brilhante como é de costume, o grande mérito de "Viver duas vezes" é, sem dúvida, a forma como a roteirista María Mínguez trata o assunto da doença e como a diretora Maria Ripoll imprime leveza e bom humor durante toda a jornada de Emilio na sua busca por Margarita (Isabel Requena). Enquanto Emilio não demonstra nenhum tipo de auto-piedade, sua neta Blanca (a divertida Mafalda Carbonell), uma pré-adolescente com deficiência física, escarancara uma relação verdadeira recheada de ironias e provocações bem humoradas devido as respectivas condições. O roteiro trás diálogos tão inteligentes que equilibra de uma forma magistral a comédia de situações e relações familiares com o drama e angustia da ação devastadora da doença! Olha, vale muito a pena - talvez o finalzinho deixe um pouco a desejar pela necessidade de entregar uma mensagem de amor, mas de resto é uma excelente pedida!
"Viver duas vezes" se apoia no trabalho do elenco sem deixar de valorizar um ótimo roteiro e uma direção bastante competente. Peço licença para repetir uma passagem que escrevi no review da série "O Método Kominsky" e que se encaixa perfeitamente aqui: "O mal humor tem seu charme (vide Dr. House) e o desprendimento ao lidar com ele de uma forma leve, trás muita coisa boa para essa comédia cheia de drama (e de verdade)". Reparem na forma como as relações são discutidas: entre marido e mulher, entre pai e filha, entre vô e neta; ou como a dinâmica social atual e escolhas pessoais fundamentadas na superficialidade são discutidas quando Blanca comenta sobre a profissão de Coach do pai: “É uma profissão que ele inventou para não admitir que está desempregado”. E até quando Emilio comenta sobre a profissão que a filha insiste em contextualizar como mais importante do que realmente é, apenas para impressionar os outros ou ganhar algum respeito!
Porém, nem tudo é perfeito! A crise no casamento entre Julia (Inma Cuesta) e Felipe (Nacho López) ou a descoberta do namorado virtual de Blanca e ainda a progressão da doença de Emilio no final do filme, poderiam ser melhor trabalhados. Algumas soluções narrativas não me agradaram: a maneira como Blanca consegue o endereço verdadeiro de Margarita é um bom exemplo - sem falar na cena do casamento, completamente dispensável, não fosse o alivio dramático que ela gerou na introdução do terceiro ato. Outro elemento muito bacana e que joga o filme lá para cima é a fotografia da diretora Núria Roldos (de "Merlí") - é impossível não desejar conhecer o visual deslumbrante de Valência e Navarra, na Espanha.
"Viver duas vezes" é um filme muito bacana, com muito mais acertos do que falhas. É uma dramédia característica do novo cinema espanhol e que vai conquistar muitos assinantes da Netflix. Se não tem a delicadeza ou a profundidade do cinema francês em filmes como "O melhor está por vir" ou "Intocáveis" tem o humor ácido e inteligente de "O Cidadão Ilustre" ou do argentino "Minha Obra-Prima". Pode dar o play sem o menor receio que a diversão e a emoção estão garantidos!
"Viver duas vezes" é um filme interessante, pois ele transita entre a comédia e o drama em um piscar de olhos e isso, sem dúvida, nos provoca os mais diversos sentimentos - o que para um filme como esse, não poderia ser um melhor elogio. Esse filme espanhol (mais um dos bons) conta a história de um professor de matemática aposentado chamado Emilio (Oscar Martínez do excelente "O Cidadão Ilustre"). Mal humorado, metódico e completamente avesso ao uso de tecnologia, Emilio é um homem solitário que se contenta com uma vida pacata, tranquila, onde seus momentos de prazer se resumem em comer um pão com tomate e jogar Sudoku (que ele insiste em chamar de quadrado mágico) no seu Café preferido em Valência. Porém, sua vida vira de ponta cabeça quando ele é diagnosticado com Alzheimer. Resiliente com sua condição ele resolve procurar pelo seu grande amor adolescente antes que possa esquecê-la definitivamente por causa da doença. Confira o trailer, dublado:
Além de um Oscar Martínez brilhante como é de costume, o grande mérito de "Viver duas vezes" é, sem dúvida, a forma como a roteirista María Mínguez trata o assunto da doença e como a diretora Maria Ripoll imprime leveza e bom humor durante toda a jornada de Emilio na sua busca por Margarita (Isabel Requena). Enquanto Emilio não demonstra nenhum tipo de auto-piedade, sua neta Blanca (a divertida Mafalda Carbonell), uma pré-adolescente com deficiência física, escarancara uma relação verdadeira recheada de ironias e provocações bem humoradas devido as respectivas condições. O roteiro trás diálogos tão inteligentes que equilibra de uma forma magistral a comédia de situações e relações familiares com o drama e angustia da ação devastadora da doença! Olha, vale muito a pena - talvez o finalzinho deixe um pouco a desejar pela necessidade de entregar uma mensagem de amor, mas de resto é uma excelente pedida!
"Viver duas vezes" se apoia no trabalho do elenco sem deixar de valorizar um ótimo roteiro e uma direção bastante competente. Peço licença para repetir uma passagem que escrevi no review da série "O Método Kominsky" e que se encaixa perfeitamente aqui: "O mal humor tem seu charme (vide Dr. House) e o desprendimento ao lidar com ele de uma forma leve, trás muita coisa boa para essa comédia cheia de drama (e de verdade)". Reparem na forma como as relações são discutidas: entre marido e mulher, entre pai e filha, entre vô e neta; ou como a dinâmica social atual e escolhas pessoais fundamentadas na superficialidade são discutidas quando Blanca comenta sobre a profissão de Coach do pai: “É uma profissão que ele inventou para não admitir que está desempregado”. E até quando Emilio comenta sobre a profissão que a filha insiste em contextualizar como mais importante do que realmente é, apenas para impressionar os outros ou ganhar algum respeito!
Porém, nem tudo é perfeito! A crise no casamento entre Julia (Inma Cuesta) e Felipe (Nacho López) ou a descoberta do namorado virtual de Blanca e ainda a progressão da doença de Emilio no final do filme, poderiam ser melhor trabalhados. Algumas soluções narrativas não me agradaram: a maneira como Blanca consegue o endereço verdadeiro de Margarita é um bom exemplo - sem falar na cena do casamento, completamente dispensável, não fosse o alivio dramático que ela gerou na introdução do terceiro ato. Outro elemento muito bacana e que joga o filme lá para cima é a fotografia da diretora Núria Roldos (de "Merlí") - é impossível não desejar conhecer o visual deslumbrante de Valência e Navarra, na Espanha.
"Viver duas vezes" é um filme muito bacana, com muito mais acertos do que falhas. É uma dramédia característica do novo cinema espanhol e que vai conquistar muitos assinantes da Netflix. Se não tem a delicadeza ou a profundidade do cinema francês em filmes como "O melhor está por vir" ou "Intocáveis" tem o humor ácido e inteligente de "O Cidadão Ilustre" ou do argentino "Minha Obra-Prima". Pode dar o play sem o menor receio que a diversão e a emoção estão garantidos!
"Wish", que aqui no Brasil ganhou o subtítulo de "O Poder dos Desejos", é uma graça - e para muitos uma verdadeira viagem até uma época onde a técnica de animação funcionava a favor da história, não ao contrário. Talvez essa percepção mais nostálgica sobre os valores de uma filme com o "selo Disney" que para muitos representa uma força inimaginável, para outros tenha um impacto diametralmente inverso, ou seja, o da falta de criatividade e de ousadia para inovar - o que, acreditem, não é uma verdade absoluta. Sim, "Wish" pode despertar essa reflexão, mas dentro de um contexto mais amplo eu diria que o filme dirigido por Chris Buck (de "Frozen") e Fawn Veerasunthorn (de "Moana"), é um deleite atemporal para os amantes da animação clássica e um presente honesto e apaixonante pelo centenário do estúdio de animação fundado por Walt Disney.
A história é simples e direta, ela acompanha Asha (Ariana DeBose), uma jovem otimista e talentosa que vive em um reino onde os desejos podem se tornar realidade se o Rei Magnifico (Chris Pine) assim for convencido. Ao perceber que sua maior referência no mundo da magia é na verdade um ser desprezível, egocêntrico e egoísta, Asha embarca em uma aventura épica ao lado de Valentino (Alan Tudyk), determinada a encontrar a estrela cadente que realmente concede desejos e que pode ser a chave para desmascarar o Rei de Rosas. Confira o trailer:
Inteligente, "Wish" se apropria de inúmeras referências e até alguns easter eggs que funcionam como uma verdadeira homenagem aos clássicos do Estúdio, mesmo que em fases distintas de sua história. Com uma paleta de cores que nos remetem aos tons mágicos de uma aquarela, o visual do filme se conecta diretamente ao roteiro de Jennifer Lee (vencedora do Oscar por "Frozen") e de Allison Moore (do live-action de "A Bela e a Fera") que de repente transforma animais em personagens falantes, que entrega um vilão vaidoso e obcecado por espelhos logo de cara, e que dá para a protagonista sete amigos leais que vão ajuda-la em sua nobre missão. Entende o clima? Isso é Disney!
Mas calma, existem pontos que merecem ser mencionados: Asha, por exemplo, é uma protagonista forte e inspiradora que desafia os padrões tradicionais das princesas Disney. Sua inteligência, perspicácia e determinação fazem dela um modelo positivo, mesmo que inconsciente, para a jovem audiência - aqui existe uma atualização de conceito narrativo e de construção de personagem importantes. Ao longo da jornada, ela aprende o verdadeiro significado dos desejos e da felicidade, descobrindo que a força interior e a perseverança são as ferramentas mais poderosas para alcançar seus objetivos. Disney de novo! Já a trilha sonora original, composta por Dave Metzge (também de "Frozen"), é até competente, mas não tão grandiosa como estamos acostumados - talvez por isso "Wish" nos dê a sensação de que algo poderia ser melhor. Se antes as músicas complementavam nossa experiência com performances memoráveis que amplificavam nossas emoções, aqui ela soa mais protocolar. É fofo? Sim, mas não vai entrar naquela prateleira de "Alladin" ou da própria "Frozen".
Em resumo, em seus erros e acertos, "Wish" é uma carta de amor à rica história secular da Disney. Elementos mágicos e inspiradores estão de volta em uma combinação do clássico com o atual em uma narrativa com personagens cativantes que torna o filme uma delicia de assistir com a família. O objetivo de ser uma celebração da esperança, da perseverança e da magia que habita dentro de cada um de nós, é cumprido, no entanto isso não chancela a história como inesquecível - e aqui, os anos podem funcionar muito a seu favor. Tenha certeza que teremos, no futuro, um olhar mais carinhoso por "Wish".
Vale muito pelo entretenimento afetivo, daqueles com um leve sorriso no rosto!
"Wish", que aqui no Brasil ganhou o subtítulo de "O Poder dos Desejos", é uma graça - e para muitos uma verdadeira viagem até uma época onde a técnica de animação funcionava a favor da história, não ao contrário. Talvez essa percepção mais nostálgica sobre os valores de uma filme com o "selo Disney" que para muitos representa uma força inimaginável, para outros tenha um impacto diametralmente inverso, ou seja, o da falta de criatividade e de ousadia para inovar - o que, acreditem, não é uma verdade absoluta. Sim, "Wish" pode despertar essa reflexão, mas dentro de um contexto mais amplo eu diria que o filme dirigido por Chris Buck (de "Frozen") e Fawn Veerasunthorn (de "Moana"), é um deleite atemporal para os amantes da animação clássica e um presente honesto e apaixonante pelo centenário do estúdio de animação fundado por Walt Disney.
A história é simples e direta, ela acompanha Asha (Ariana DeBose), uma jovem otimista e talentosa que vive em um reino onde os desejos podem se tornar realidade se o Rei Magnifico (Chris Pine) assim for convencido. Ao perceber que sua maior referência no mundo da magia é na verdade um ser desprezível, egocêntrico e egoísta, Asha embarca em uma aventura épica ao lado de Valentino (Alan Tudyk), determinada a encontrar a estrela cadente que realmente concede desejos e que pode ser a chave para desmascarar o Rei de Rosas. Confira o trailer:
Inteligente, "Wish" se apropria de inúmeras referências e até alguns easter eggs que funcionam como uma verdadeira homenagem aos clássicos do Estúdio, mesmo que em fases distintas de sua história. Com uma paleta de cores que nos remetem aos tons mágicos de uma aquarela, o visual do filme se conecta diretamente ao roteiro de Jennifer Lee (vencedora do Oscar por "Frozen") e de Allison Moore (do live-action de "A Bela e a Fera") que de repente transforma animais em personagens falantes, que entrega um vilão vaidoso e obcecado por espelhos logo de cara, e que dá para a protagonista sete amigos leais que vão ajuda-la em sua nobre missão. Entende o clima? Isso é Disney!
Mas calma, existem pontos que merecem ser mencionados: Asha, por exemplo, é uma protagonista forte e inspiradora que desafia os padrões tradicionais das princesas Disney. Sua inteligência, perspicácia e determinação fazem dela um modelo positivo, mesmo que inconsciente, para a jovem audiência - aqui existe uma atualização de conceito narrativo e de construção de personagem importantes. Ao longo da jornada, ela aprende o verdadeiro significado dos desejos e da felicidade, descobrindo que a força interior e a perseverança são as ferramentas mais poderosas para alcançar seus objetivos. Disney de novo! Já a trilha sonora original, composta por Dave Metzge (também de "Frozen"), é até competente, mas não tão grandiosa como estamos acostumados - talvez por isso "Wish" nos dê a sensação de que algo poderia ser melhor. Se antes as músicas complementavam nossa experiência com performances memoráveis que amplificavam nossas emoções, aqui ela soa mais protocolar. É fofo? Sim, mas não vai entrar naquela prateleira de "Alladin" ou da própria "Frozen".
Em resumo, em seus erros e acertos, "Wish" é uma carta de amor à rica história secular da Disney. Elementos mágicos e inspiradores estão de volta em uma combinação do clássico com o atual em uma narrativa com personagens cativantes que torna o filme uma delicia de assistir com a família. O objetivo de ser uma celebração da esperança, da perseverança e da magia que habita dentro de cada um de nós, é cumprido, no entanto isso não chancela a história como inesquecível - e aqui, os anos podem funcionar muito a seu favor. Tenha certeza que teremos, no futuro, um olhar mais carinhoso por "Wish".
Vale muito pelo entretenimento afetivo, daqueles com um leve sorriso no rosto!
Se esse primeiro paragrafo fizer sentido, você nem vai precisar ler o restante do review para entender que seu entretenimento estará garantido por cinco temporadas até o seu final. Em "Yellowstone" saem os "Roy's" e entram os "Duttom's". Nova York dá seu lugar para Montana. E finalmente, a luta pela sucessão de um dos maiores conglomerados de mídia do mundo passa ser a de proteger muito mais do que uma propriedade, mas sim um legado!
"Yellowstone", lançada em 2018 e criada por John Linson e Taylor Sheridan, é um drama dos bons. Ambientada nos vastos e belos cenários das montanhas de Montana, combinando o estilo "faroeste moderno" com as mais envolventes intrigas familiares e políticas, a série só melhora, explorando temas como poder, lealdade, sobrevivência e a luta por um controle de terras "sem dono". Ao longo das temporadas, "Yellowstone" se consolidou como um verdadeiro épico, com disputas, conspirações e alguma emoção, sempre tendo sob seus holofotes mais uma família disfuncional liderada por John Dutton (Kevin Costner), patriarca de um dos maiores ranchos dos Estados Unidos.
A trama segue John Dutton, um fazendeiro poderoso e controlador que luta para proteger sua propriedade, o Rancho Yellowstone, contra ameaças externas, como investidores imobiliários, políticos corruptos e tribos nativas americanas que reivindicam as terras de seus antepassados. À medida que os conflitos se desenrolam, o drama familiar se intensifica, com Dutton tentando manter a ordem entre seus filhos, Beth (Kelly Reilly), Kayce (Luke Grimes) e Jamie (Wes Bentley); cada um com suas próprias ambições e problemas pessoais, que frequentemente entram em choque com os interesses do pai e do rancho. Confira o trailer:
Veja, a força de "Yellowstone" está muito mais no seu retrato cheio de camadas do poder e da sobrevivência em um território indomável do que na lógica brutal da luta por terras. Sim, a série até é.construída em torno da brutalidade e da complexidade do mundo rural americano, onde essa luta pelo controle da terra é tratada com seriedade e realismo, mas as tensões entre os diferentes grupos - os Duttons, os nativos americanos, e os empresários gananciosos - que criam um cenário de conflito constante que nos mantém envolvidos, em nada se compara ao poder da construção dos personagens e das relações familiares - é essa camada emocional mais profunda que impede que ela caia em rotinas mais previsíveis.
Taylor Sheridan (ele de novo), co-criador e roteirista da série, traz sua assinatura de diálogos afiados e uma economia narrativa, cheia de subtextos, que ele já havia demonstrado em trabalhos anteriores, como em "Sicário" (2015) ou em "A Qualquer Custo" (2016). Sheridan é conhecido por sua habilidade em construir dramas que exploram a moralidade ambígua dos personagens que operam, quase sempre, em zonas cinzentas - e isso está claramente presente aqui. John Dutton é retratado como um homem duro e implacável, disposto a tomar decisões moralmente questionáveis para proteger seu legado, no entanto, ele é muito mais complexo que essa unilateralidade - sua motivação vem do desejo de manter sua família unida e preservar o que ele acredita ser a alma da América rural, mas esquece que esse é o seu pensamento, não de seus filhos que buscam apenas sua aprovação.
Kevin Costner oferece uma performance sólida e poderosa, dando vida a um homem que carrega o peso de um império e de uma família em seus ombros. Sua presença faz dele o centro gravitacional da série, e seu retrato como Dutton é ao mesmo tempo implacável e melancólico. Outro destaque do elenco, sem a menor dúvida, é Kelly Reilly - ela brilha como a impetuosa e emocionalmente danificada Beth Dutton. Sua relação conturbada com o pai e com os irmãos adiciona uma força emocional para a narrativa que nem Sarah Snook alcançou em "Succession".
Belíssima visualmente "Yellowstone" captura a vastidão das paisagens de Montana em todo o seu esplendor. As cenas ao ar livre, com montanhas, rios e pastos, transformam o cenário em um personagem por si só, reforçando a importância da terra como fonte de conflito e identidade para os Duttons. A trilha sonora é outro ponto que merece destaque: a mistura de composições originais com canções de artistas da música country e folk, contribui demais para aquela atmosfera. Dito isso, fica fácil afirmar que "Yellowstone" já se posiciona como uma das séries mais influentes da última década quando o assunto é drama familiar - seu retrato do conflito entre o progresso e a preservação, entre a política e a moralidade, torna sua narrativa um espelho interessante da sociedade americana moderna, especialmente em regiões onde a luta pelo controle e poder continua a ser um tema central.
Imperdível!
Se esse primeiro paragrafo fizer sentido, você nem vai precisar ler o restante do review para entender que seu entretenimento estará garantido por cinco temporadas até o seu final. Em "Yellowstone" saem os "Roy's" e entram os "Duttom's". Nova York dá seu lugar para Montana. E finalmente, a luta pela sucessão de um dos maiores conglomerados de mídia do mundo passa ser a de proteger muito mais do que uma propriedade, mas sim um legado!
"Yellowstone", lançada em 2018 e criada por John Linson e Taylor Sheridan, é um drama dos bons. Ambientada nos vastos e belos cenários das montanhas de Montana, combinando o estilo "faroeste moderno" com as mais envolventes intrigas familiares e políticas, a série só melhora, explorando temas como poder, lealdade, sobrevivência e a luta por um controle de terras "sem dono". Ao longo das temporadas, "Yellowstone" se consolidou como um verdadeiro épico, com disputas, conspirações e alguma emoção, sempre tendo sob seus holofotes mais uma família disfuncional liderada por John Dutton (Kevin Costner), patriarca de um dos maiores ranchos dos Estados Unidos.
A trama segue John Dutton, um fazendeiro poderoso e controlador que luta para proteger sua propriedade, o Rancho Yellowstone, contra ameaças externas, como investidores imobiliários, políticos corruptos e tribos nativas americanas que reivindicam as terras de seus antepassados. À medida que os conflitos se desenrolam, o drama familiar se intensifica, com Dutton tentando manter a ordem entre seus filhos, Beth (Kelly Reilly), Kayce (Luke Grimes) e Jamie (Wes Bentley); cada um com suas próprias ambições e problemas pessoais, que frequentemente entram em choque com os interesses do pai e do rancho. Confira o trailer:
Veja, a força de "Yellowstone" está muito mais no seu retrato cheio de camadas do poder e da sobrevivência em um território indomável do que na lógica brutal da luta por terras. Sim, a série até é.construída em torno da brutalidade e da complexidade do mundo rural americano, onde essa luta pelo controle da terra é tratada com seriedade e realismo, mas as tensões entre os diferentes grupos - os Duttons, os nativos americanos, e os empresários gananciosos - que criam um cenário de conflito constante que nos mantém envolvidos, em nada se compara ao poder da construção dos personagens e das relações familiares - é essa camada emocional mais profunda que impede que ela caia em rotinas mais previsíveis.
Taylor Sheridan (ele de novo), co-criador e roteirista da série, traz sua assinatura de diálogos afiados e uma economia narrativa, cheia de subtextos, que ele já havia demonstrado em trabalhos anteriores, como em "Sicário" (2015) ou em "A Qualquer Custo" (2016). Sheridan é conhecido por sua habilidade em construir dramas que exploram a moralidade ambígua dos personagens que operam, quase sempre, em zonas cinzentas - e isso está claramente presente aqui. John Dutton é retratado como um homem duro e implacável, disposto a tomar decisões moralmente questionáveis para proteger seu legado, no entanto, ele é muito mais complexo que essa unilateralidade - sua motivação vem do desejo de manter sua família unida e preservar o que ele acredita ser a alma da América rural, mas esquece que esse é o seu pensamento, não de seus filhos que buscam apenas sua aprovação.
Kevin Costner oferece uma performance sólida e poderosa, dando vida a um homem que carrega o peso de um império e de uma família em seus ombros. Sua presença faz dele o centro gravitacional da série, e seu retrato como Dutton é ao mesmo tempo implacável e melancólico. Outro destaque do elenco, sem a menor dúvida, é Kelly Reilly - ela brilha como a impetuosa e emocionalmente danificada Beth Dutton. Sua relação conturbada com o pai e com os irmãos adiciona uma força emocional para a narrativa que nem Sarah Snook alcançou em "Succession".
Belíssima visualmente "Yellowstone" captura a vastidão das paisagens de Montana em todo o seu esplendor. As cenas ao ar livre, com montanhas, rios e pastos, transformam o cenário em um personagem por si só, reforçando a importância da terra como fonte de conflito e identidade para os Duttons. A trilha sonora é outro ponto que merece destaque: a mistura de composições originais com canções de artistas da música country e folk, contribui demais para aquela atmosfera. Dito isso, fica fácil afirmar que "Yellowstone" já se posiciona como uma das séries mais influentes da última década quando o assunto é drama familiar - seu retrato do conflito entre o progresso e a preservação, entre a política e a moralidade, torna sua narrativa um espelho interessante da sociedade americana moderna, especialmente em regiões onde a luta pelo controle e poder continua a ser um tema central.
Imperdível!
Mais do que um soco no estômago (o que de fato, é), "Zona de Interesse" é um verdadeiro tapa na cara da audiência quando, respeitando a potência e a importância da história que está sendo contata, criamos uma certa analogia com o mundo que vivemos hoje - especialmente se olharmos pelo prisma das diferenças sociais tão latentes e que cada vez vem ganhando mais espaço e profundidade pelas mãos do cinema independente (basta olharmos para o sucesso de "Parasita", por exemplo). Pois bem, o filme do diretor Jonathan Glazer nem de longe será uma unanimidade e certamente deve afastar aqueles que buscam respostas claras em uma narrativa. Aqui temos uma experiência cinematográfica visceral e perturbadora, mas muito mais pelo que é sugerido do que pelo que é mostrado - não por acaso que o filme surpreendeu no Oscar 2024 ao levar o prêmio de Melhor Desenho de Som. Aclamado pela crítica e vencedor do prêmio FIPRESCI no Festival de Cannes, além do Oscar de Melhor Filme Internacional, "Zona de Interesse" nos leva a um olhar instigante sobre a banalidade do egoísmo e da relação humana perante o desconfortável.
Na trama acompanhamos o comandante Rudolf Höss (Christian Friedel) e sua esposa Hedwig (Sandra Hüller) enquanto constroem uma vida familiar bucólica em uma casa de luxo exatamente ao lado do campo de concentração de Auschwitz. A rotina doméstica, com seus afazeres banais e conversas triviais, contrasta brutalmente com os horrores que se desenrolam a poucos metros de distância - não raramente simbolizado pelos sons de tiros, gritos e até de um potente incinerador noturno. Essa justaposição cria um efeito tão desconcertante que temos a exata noção do que é morar ao lado do inferno sem ter que olhar para ele. Confira o trailer e sinta o clima:
"Zona de Interesse" não é um filme fácil de assistir - em sua forma e em seu conteúdo. Através de sua abordagem original e corajosa, o filme nos convida a confrontar os horrores do passado e a refletir sobre as raízes do mal, tanto na sociedade quanto no indivíduo - existe um tom de urgência em sua proposta conceitual que sem a menor dúvida coloca o filme naquela prateleira de obra tão necessária quanto importante.Glazer, que basicamente construiu sua carreira dirigindo videos musicais de bandas consagradas como "Massive Attack"e "Radiohead", utiliza uma série de recursos técnicos e estéticos para criar e desenvolver a atmosfera extremamente claustrofóbica e opressora de Auschwitz com o cuidado de não expor visualmente nenhum de seus horrores. Aqui o foco não é o horror em si, mas a percepção dele pelo olhar de quem não quer enfrentá-lo por estar em uma posição mais confortável socialmente.
A fotografia do grande Lukasz Zal (indicado ao Oscar por "Guerra Fria" e pelo fabuloso "Ida") se apropria de enquadramentos rigorosos para criar uma abismo estético entre o real e o fantasioso. Se de um lado do muro as cores brotam do chão a partir da delicadeza das flores em um encontro simbólico entre a paz, a segurança e a tranquilidade; do outro o que vemos é o frio e o monocromático dos tons de cinza e marrom. Reparem como essa experiência visual nos lembra o contraste tão marcante de "Florida Project". A direção precisa de Glazer (uma das melhores do ano) sabe nos provocar de uma maneira muito sensorial, nos jogando por uma jornada perturbadora, sem jamais cair na exploração gratuita da violência ou no sentimentalismo - e é com o apoio da trilha sonora minimalista e de um premiado desenho de som, que temos uma mixagem/aula sobre criação de desconforto e de angústia constantes.
"Zona de Interesse" é mesmo um filme imperdível, mas sua identidade mais independente tende a dividir opiniões. Sem perder aquele natural incômodo de um ritmo super cadenciado, Glazer parece não querer questionar os motivos das crueldades que acontecem do "outro lado do muro" ou até mesmo as motivações dos Höss em se fazerem de surdos em troca de uma vida pautada pela comodidade - e aqui é muito interessante reparar como os personagens secundários lidam com essa mesma condição, mas com propósitos diametralmente opostos. Ainda que o filme pareça trazer para os holofotes toda a crueldade nazista, seu objetivo mesmo é pontuar como o comportamento humano se adapta àquela zona de conforto (ou de interesse) sem muito questionar o status quo.
Imperdível em vários sentidos!
Mais do que um soco no estômago (o que de fato, é), "Zona de Interesse" é um verdadeiro tapa na cara da audiência quando, respeitando a potência e a importância da história que está sendo contata, criamos uma certa analogia com o mundo que vivemos hoje - especialmente se olharmos pelo prisma das diferenças sociais tão latentes e que cada vez vem ganhando mais espaço e profundidade pelas mãos do cinema independente (basta olharmos para o sucesso de "Parasita", por exemplo). Pois bem, o filme do diretor Jonathan Glazer nem de longe será uma unanimidade e certamente deve afastar aqueles que buscam respostas claras em uma narrativa. Aqui temos uma experiência cinematográfica visceral e perturbadora, mas muito mais pelo que é sugerido do que pelo que é mostrado - não por acaso que o filme surpreendeu no Oscar 2024 ao levar o prêmio de Melhor Desenho de Som. Aclamado pela crítica e vencedor do prêmio FIPRESCI no Festival de Cannes, além do Oscar de Melhor Filme Internacional, "Zona de Interesse" nos leva a um olhar instigante sobre a banalidade do egoísmo e da relação humana perante o desconfortável.
Na trama acompanhamos o comandante Rudolf Höss (Christian Friedel) e sua esposa Hedwig (Sandra Hüller) enquanto constroem uma vida familiar bucólica em uma casa de luxo exatamente ao lado do campo de concentração de Auschwitz. A rotina doméstica, com seus afazeres banais e conversas triviais, contrasta brutalmente com os horrores que se desenrolam a poucos metros de distância - não raramente simbolizado pelos sons de tiros, gritos e até de um potente incinerador noturno. Essa justaposição cria um efeito tão desconcertante que temos a exata noção do que é morar ao lado do inferno sem ter que olhar para ele. Confira o trailer e sinta o clima:
"Zona de Interesse" não é um filme fácil de assistir - em sua forma e em seu conteúdo. Através de sua abordagem original e corajosa, o filme nos convida a confrontar os horrores do passado e a refletir sobre as raízes do mal, tanto na sociedade quanto no indivíduo - existe um tom de urgência em sua proposta conceitual que sem a menor dúvida coloca o filme naquela prateleira de obra tão necessária quanto importante.Glazer, que basicamente construiu sua carreira dirigindo videos musicais de bandas consagradas como "Massive Attack"e "Radiohead", utiliza uma série de recursos técnicos e estéticos para criar e desenvolver a atmosfera extremamente claustrofóbica e opressora de Auschwitz com o cuidado de não expor visualmente nenhum de seus horrores. Aqui o foco não é o horror em si, mas a percepção dele pelo olhar de quem não quer enfrentá-lo por estar em uma posição mais confortável socialmente.
A fotografia do grande Lukasz Zal (indicado ao Oscar por "Guerra Fria" e pelo fabuloso "Ida") se apropria de enquadramentos rigorosos para criar uma abismo estético entre o real e o fantasioso. Se de um lado do muro as cores brotam do chão a partir da delicadeza das flores em um encontro simbólico entre a paz, a segurança e a tranquilidade; do outro o que vemos é o frio e o monocromático dos tons de cinza e marrom. Reparem como essa experiência visual nos lembra o contraste tão marcante de "Florida Project". A direção precisa de Glazer (uma das melhores do ano) sabe nos provocar de uma maneira muito sensorial, nos jogando por uma jornada perturbadora, sem jamais cair na exploração gratuita da violência ou no sentimentalismo - e é com o apoio da trilha sonora minimalista e de um premiado desenho de som, que temos uma mixagem/aula sobre criação de desconforto e de angústia constantes.
"Zona de Interesse" é mesmo um filme imperdível, mas sua identidade mais independente tende a dividir opiniões. Sem perder aquele natural incômodo de um ritmo super cadenciado, Glazer parece não querer questionar os motivos das crueldades que acontecem do "outro lado do muro" ou até mesmo as motivações dos Höss em se fazerem de surdos em troca de uma vida pautada pela comodidade - e aqui é muito interessante reparar como os personagens secundários lidam com essa mesma condição, mas com propósitos diametralmente opostos. Ainda que o filme pareça trazer para os holofotes toda a crueldade nazista, seu objetivo mesmo é pontuar como o comportamento humano se adapta àquela zona de conforto (ou de interesse) sem muito questionar o status quo.
Imperdível em vários sentidos!