"Saltburn", novo filme da vencedora do Oscar de Melhor Roteiro por "Bela Vingança", Emerald Fennell, chegou ao streaming recheado de polêmicas - especialmente por algumas cenas que para muitos soaram desnecessárias. E inicio esse review discordando dessa percepção mais superficial sobre as escolhas conceituais de Fennell, já que não há nada mais cinematográfico que usar de imagens para manipular sensações, sejam elas boas ou ruins - e aqui ela queria realmente provocar as ruins! Dito isso, fica claro que "Saltburn", de fato, não será para todos e é compreensível, pois a trama tem esse elemento provocativo bastante autoral, independente e corajoso, que faz todo sentido nessa construção de camadas que vai se aprofundando até chegar no limite dos segredos mais íntimos de um personagem. O filme, indicado ao "Critics Choice Awards" como um dos melhores do ano, tem um mood mais obscuro, uma trama igualmente envolvente e uma dinâmica das mais interessantes e cheia de suspense, como se encontrássemos um ponto de conexão entre "Me Chame Pelo Seu Nome", "Ligações Perigosas" e "O Talentoso Ripley".
Lutando para encontrar seu lugar de pertencimento em Oxford, o bolsista Oliver Quick (Barry Keoghan) é atraído para o mundo de excessos do encantador e aristocrata Felix Catton (Jacob Elordi). Quando Quick é convidado por Felix para passar o verão em Saltburn, a enorme mansão de sua família excêntrica, toda essa relação de dinheiro, paixão e poder ganha outra dimensão em uma história perversa sobre privilégios e desejos ocultos. Confira o trailer:
"Saltburn" transita perfeitamente entre o drama de relações e o thriller psicológico com fortes elementos de erotismo. Ao fazer uma crítica mordaz à alta classe britânica, o roteiro escrito pela própria Fennell, mostra, pouco a pouco, como o dinheiro e o poder podem realmente corromper as pessoas, potencializando o vazio existencial e escancarando a fragilidade de uma forma muito visceral, talvez até insana. O interessante é que o filme sabe exatamente a importância das ligações entre os personagens, criando laços que soam indestrutíveis, mas que ao passar do tempo se mostram tão fugazes ao ponto de nos tomar por uma atmosfera de tensão e angústia constantes - repare como a gente nunca sabe o limite de cada um (especialmente do protagonista).
Claro que a direção Fennell é elegante e precisa, mas é a fotografia do grande Linus Sandgren (vencedor do Oscar por "La La Land") que dá o exato tom daquele universo ostensivo e opressor. Talvez minha única crítica (ou dúvida) sobre o conceito visual do filme seja pela escolha de uma janela 4:3 (mais quadrada) - na minha humilde opinião, o 16:9, com o aspecto mais alongado (retangular), daria uma sensação ainda maior de grandiosidade para as cenas em Saltburn. Por outro lado, e preciso admitir, é justamente essa escolha que captura a beleza e a melancolia da mansão Catton com a mesma competência.
Se a direção, a fotografia e o desenho de produção criam aquela atmosfera claustrofóbica e tentadora para a história acontecer, saiba que é no trabalho do elenco que o filme se sustenta. Barry Keoghan e Jacob Elordi estão ótimos. Keoghan, por sinal, entrega a melhor performance de sua carreira até aqui - madura e cheia de nuances, ele se credencia para uma indicação ao Oscar 2024. Elordi, por sua vez, mostra que é mais do que apenas um rostinho bonito, com uma atuação carismática e enigmática, ele é a força motriz para que Keoghan brilhe. Resumindo, "Saltburn" é um filme de nuances, detalhes, sensibilidade, com personagens fortes que, mesmo complexos na sua essência (o que vai dividir opiniões), vai te proporcionar uma jornada das mais desconfortáveis.
Vale muito o seu play!
"Saltburn", novo filme da vencedora do Oscar de Melhor Roteiro por "Bela Vingança", Emerald Fennell, chegou ao streaming recheado de polêmicas - especialmente por algumas cenas que para muitos soaram desnecessárias. E inicio esse review discordando dessa percepção mais superficial sobre as escolhas conceituais de Fennell, já que não há nada mais cinematográfico que usar de imagens para manipular sensações, sejam elas boas ou ruins - e aqui ela queria realmente provocar as ruins! Dito isso, fica claro que "Saltburn", de fato, não será para todos e é compreensível, pois a trama tem esse elemento provocativo bastante autoral, independente e corajoso, que faz todo sentido nessa construção de camadas que vai se aprofundando até chegar no limite dos segredos mais íntimos de um personagem. O filme, indicado ao "Critics Choice Awards" como um dos melhores do ano, tem um mood mais obscuro, uma trama igualmente envolvente e uma dinâmica das mais interessantes e cheia de suspense, como se encontrássemos um ponto de conexão entre "Me Chame Pelo Seu Nome", "Ligações Perigosas" e "O Talentoso Ripley".
Lutando para encontrar seu lugar de pertencimento em Oxford, o bolsista Oliver Quick (Barry Keoghan) é atraído para o mundo de excessos do encantador e aristocrata Felix Catton (Jacob Elordi). Quando Quick é convidado por Felix para passar o verão em Saltburn, a enorme mansão de sua família excêntrica, toda essa relação de dinheiro, paixão e poder ganha outra dimensão em uma história perversa sobre privilégios e desejos ocultos. Confira o trailer:
"Saltburn" transita perfeitamente entre o drama de relações e o thriller psicológico com fortes elementos de erotismo. Ao fazer uma crítica mordaz à alta classe britânica, o roteiro escrito pela própria Fennell, mostra, pouco a pouco, como o dinheiro e o poder podem realmente corromper as pessoas, potencializando o vazio existencial e escancarando a fragilidade de uma forma muito visceral, talvez até insana. O interessante é que o filme sabe exatamente a importância das ligações entre os personagens, criando laços que soam indestrutíveis, mas que ao passar do tempo se mostram tão fugazes ao ponto de nos tomar por uma atmosfera de tensão e angústia constantes - repare como a gente nunca sabe o limite de cada um (especialmente do protagonista).
Claro que a direção Fennell é elegante e precisa, mas é a fotografia do grande Linus Sandgren (vencedor do Oscar por "La La Land") que dá o exato tom daquele universo ostensivo e opressor. Talvez minha única crítica (ou dúvida) sobre o conceito visual do filme seja pela escolha de uma janela 4:3 (mais quadrada) - na minha humilde opinião, o 16:9, com o aspecto mais alongado (retangular), daria uma sensação ainda maior de grandiosidade para as cenas em Saltburn. Por outro lado, e preciso admitir, é justamente essa escolha que captura a beleza e a melancolia da mansão Catton com a mesma competência.
Se a direção, a fotografia e o desenho de produção criam aquela atmosfera claustrofóbica e tentadora para a história acontecer, saiba que é no trabalho do elenco que o filme se sustenta. Barry Keoghan e Jacob Elordi estão ótimos. Keoghan, por sinal, entrega a melhor performance de sua carreira até aqui - madura e cheia de nuances, ele se credencia para uma indicação ao Oscar 2024. Elordi, por sua vez, mostra que é mais do que apenas um rostinho bonito, com uma atuação carismática e enigmática, ele é a força motriz para que Keoghan brilhe. Resumindo, "Saltburn" é um filme de nuances, detalhes, sensibilidade, com personagens fortes que, mesmo complexos na sua essência (o que vai dividir opiniões), vai te proporcionar uma jornada das mais desconfortáveis.
Vale muito o seu play!
Se "Malcolm e Marie", do diretor Sam Levinson, se apoia em uma narrativa extremamente realista para discutir as relações entre casais, "Sempre em Frente" usa do mesmo conceito para explorar as relações familiares, focando em uma dinâmica bastante curiosa entre um tio e seu sobrinho de 9 anos. Aqui o talentoso diretor Mike Mills (de "Mulheres do Século 20") usa de toda a sua sensibilidade para traçar alguns paralelos entre a literatura e a realidade, entre a vida adulta e a de uma criança, mas, principalmente, entre o passado (e suas memórias) com o futuro (e suas expectativas).
"C’mon C’mon" (no original) acompanha Johnny (Joaquin Phoenix), um jornalista de meia-idade, que quando tem de tomar conta de seu sobrinho, Jesse (Woody Norman), embarca em uma viagem através do país entrevistando crianças sobre o que elas acham de suas vidas e do mundo em que vivem. Confira o trailer:
Definitivamente "Sempre em Frente" não é um filme que vai agradar a todos. Sua narrativa é bastante cadenciada e que ao se apropriar de um conceito (inteligente) que mistura realidade com ficção, vai criando camadas que poucas pessoas estarão dispostas a explorar - digo isso, pois mesmo tendo o "direito de fala" como fio condutor da história, nem tudo é dito. Tanto a direção quanto o roteiro do próprio Mills respeitam o silêncio, os sentimentos e as inúmeras sensações como saudade, dor e solidão, para se conectar com a audiência. Se temos a impressão de estarmos presenciando uma espécie de ensaio sobre as memórias marcantes da nossa infância, isso não necessariamente nos vai garantir uma jornada tranquila como audiência.
Veja, no prólogo entendemos que Johnny tem uma relação marcada por discussões com a irmã, Viv (Gaby Hoffman) - com quem não falava desde a morte de sua mãe, uma ano antes. Já Viv deixa claro que a maternidade não é uma viagem das mais tranquilas para ela, que é cansativa, difícil e desafiadora - ainda mais com um marido com sérios problemas psiquiátricos e com as memórias de uma relação conturbada com a mãe. Pelo lado da criança o que vemos é uma certa confusão, uma percepção crua e dolorida das lembranças recentes, além de uma dependência afetiva enorme. Quando o diretor de fotografia, Robbie Ryan (de "A Favorita" e "História de um Casamento"), enquadra isso tudo de uma forma magistral, com planos belíssimos em preto e branco que nos remetem aos mais profundos sentimentos, temos, de fato, um filme que vai muito além do que vemos na tela.
O trio de atores, Joaquin Phoenix, Woody Norman e Gaby Hoffman, estão simplesmente impecáveis - nas suas dores e alegrias de continuar vivendo. E é esse o princípio que Mills fortalece na narrativa ao colocar na trama a voz de crianças reais que discursam sobre suas visões de mundo, de futuro. A sinceridade desses depoimentos, lindamente inseridos e conectados por uma montagem muito competente da Jennifer Vecchiarello, cria um o mood reflexivo sobre a relação honesta entre os personagens - que normalmente não encontramos em qualquer filme.
Sim, "Sempre em Frente" vai te causar um certo desconforto, vai te provocar muitas reflexões e, pode apostar, alguma nostalgia. Como o escritor Charles Dickens defendeu em alguns de seus contos, as grandes memórias não são criadas, necessariamente, por momentos de plena felicidade e é exatamente isso que a obra de Mike Mills tenta equilibrar ao defender que mesmo a partir dessas experiências, algo bom e relevante pode ser construído ou recuperado para que a vida, nem sempre fácil, continue fazendo algum sentido.
Vale o seu play, mas tenha em mente que não se trata de um filme fácil.
Ps: Mesmo o filme tendo uma carreira de sucesso nos festivais e premiações pelo mundo, é inegável uma certa decepção por não tem atingido um nível de Oscar ou por ter tido apenas uma indicação ao BAFTA (Melhor Ator Coadjuvante para Woody Norman).
Se "Malcolm e Marie", do diretor Sam Levinson, se apoia em uma narrativa extremamente realista para discutir as relações entre casais, "Sempre em Frente" usa do mesmo conceito para explorar as relações familiares, focando em uma dinâmica bastante curiosa entre um tio e seu sobrinho de 9 anos. Aqui o talentoso diretor Mike Mills (de "Mulheres do Século 20") usa de toda a sua sensibilidade para traçar alguns paralelos entre a literatura e a realidade, entre a vida adulta e a de uma criança, mas, principalmente, entre o passado (e suas memórias) com o futuro (e suas expectativas).
"C’mon C’mon" (no original) acompanha Johnny (Joaquin Phoenix), um jornalista de meia-idade, que quando tem de tomar conta de seu sobrinho, Jesse (Woody Norman), embarca em uma viagem através do país entrevistando crianças sobre o que elas acham de suas vidas e do mundo em que vivem. Confira o trailer:
Definitivamente "Sempre em Frente" não é um filme que vai agradar a todos. Sua narrativa é bastante cadenciada e que ao se apropriar de um conceito (inteligente) que mistura realidade com ficção, vai criando camadas que poucas pessoas estarão dispostas a explorar - digo isso, pois mesmo tendo o "direito de fala" como fio condutor da história, nem tudo é dito. Tanto a direção quanto o roteiro do próprio Mills respeitam o silêncio, os sentimentos e as inúmeras sensações como saudade, dor e solidão, para se conectar com a audiência. Se temos a impressão de estarmos presenciando uma espécie de ensaio sobre as memórias marcantes da nossa infância, isso não necessariamente nos vai garantir uma jornada tranquila como audiência.
Veja, no prólogo entendemos que Johnny tem uma relação marcada por discussões com a irmã, Viv (Gaby Hoffman) - com quem não falava desde a morte de sua mãe, uma ano antes. Já Viv deixa claro que a maternidade não é uma viagem das mais tranquilas para ela, que é cansativa, difícil e desafiadora - ainda mais com um marido com sérios problemas psiquiátricos e com as memórias de uma relação conturbada com a mãe. Pelo lado da criança o que vemos é uma certa confusão, uma percepção crua e dolorida das lembranças recentes, além de uma dependência afetiva enorme. Quando o diretor de fotografia, Robbie Ryan (de "A Favorita" e "História de um Casamento"), enquadra isso tudo de uma forma magistral, com planos belíssimos em preto e branco que nos remetem aos mais profundos sentimentos, temos, de fato, um filme que vai muito além do que vemos na tela.
O trio de atores, Joaquin Phoenix, Woody Norman e Gaby Hoffman, estão simplesmente impecáveis - nas suas dores e alegrias de continuar vivendo. E é esse o princípio que Mills fortalece na narrativa ao colocar na trama a voz de crianças reais que discursam sobre suas visões de mundo, de futuro. A sinceridade desses depoimentos, lindamente inseridos e conectados por uma montagem muito competente da Jennifer Vecchiarello, cria um o mood reflexivo sobre a relação honesta entre os personagens - que normalmente não encontramos em qualquer filme.
Sim, "Sempre em Frente" vai te causar um certo desconforto, vai te provocar muitas reflexões e, pode apostar, alguma nostalgia. Como o escritor Charles Dickens defendeu em alguns de seus contos, as grandes memórias não são criadas, necessariamente, por momentos de plena felicidade e é exatamente isso que a obra de Mike Mills tenta equilibrar ao defender que mesmo a partir dessas experiências, algo bom e relevante pode ser construído ou recuperado para que a vida, nem sempre fácil, continue fazendo algum sentido.
Vale o seu play, mas tenha em mente que não se trata de um filme fácil.
Ps: Mesmo o filme tendo uma carreira de sucesso nos festivais e premiações pelo mundo, é inegável uma certa decepção por não tem atingido um nível de Oscar ou por ter tido apenas uma indicação ao BAFTA (Melhor Ator Coadjuvante para Woody Norman).
Na Sicília, Giuseppe (Gaetano Fernandez), um garoto de 13 anos, desaparece de uma pequena Vila à beira de uma floresta. Sua amiga Luna (Julia Jedlikowska) recusa-se a aceitar seu desaparecimento e resolve se rebelar contra o silêncio e a cumplicidade do todos. Para encontrá-lo, Luna precisa de coragem para enfrentar o desconhecido - um lago que é uma espécie de entrada misteriosa para o mundo sombrio que provavelmente engoliu Giuseppe.
A base da história é inspirada em um caso real ocorrido em 1993: o sequestro de Giuseppe di Matteo, filho de um ex-chefe da Máfia que passou a ser um informante da policia, porém os diretores Fabio Grassadonia e Antonio Piazza usam da fantasia para fazer um paralelo entre a forma de uma pré-adolescente ver a realidade e estabelecer o universo violento da região.
O roteiro usa e abusa da construção de arquétipos vindos dos contos de fada para contar a história: enquanto a mãe de Luna soa como uma versão das “madrastas más”, o caráter íntegro de Giuseppe o aproxima dos príncipes encantados e a sensibilidade sonhadora de Luna das princesas à espera do final feliz! A própria fotografia do diretor Luca Bigazzi aproveita da belíssima paisagem mediterrânea para abusar dos longos planos-sequência, panorâmicas, cheia de planos abertos, além de alguns momentos onde a perspectiva parece distorcida como se alguém observasse toda a ação. Todo conceito estético é ainda mais valorizado pela linda trilha sonora de Anton Spielmann criando o universo que transita entre o encantamento e o sinistro, entre a fantasia e o real, trazendo muitas referências dos Irmãos Grimm.
É preciso dizer que "O Fantasma da Sicília" (título em português) é um pouco longo demais, reflexo desse estilo mais autoral e artístico dos diretores, o que dá a impressão de um filme que não evolui. O primeiro e o terceiro atos são excelentes, mas o ponto fraco é, sem dúvida, o segundo ato - eisso tende a cansar quem não está envolvido com o filme ou se identifica com esse tipo de cinema.
Não é um filme fácil, é lento, mas é muito bom! Eu gostei, mas sei que vai agradar um nicho bem pequeno de cinéfilos!!!
Na Sicília, Giuseppe (Gaetano Fernandez), um garoto de 13 anos, desaparece de uma pequena Vila à beira de uma floresta. Sua amiga Luna (Julia Jedlikowska) recusa-se a aceitar seu desaparecimento e resolve se rebelar contra o silêncio e a cumplicidade do todos. Para encontrá-lo, Luna precisa de coragem para enfrentar o desconhecido - um lago que é uma espécie de entrada misteriosa para o mundo sombrio que provavelmente engoliu Giuseppe.
A base da história é inspirada em um caso real ocorrido em 1993: o sequestro de Giuseppe di Matteo, filho de um ex-chefe da Máfia que passou a ser um informante da policia, porém os diretores Fabio Grassadonia e Antonio Piazza usam da fantasia para fazer um paralelo entre a forma de uma pré-adolescente ver a realidade e estabelecer o universo violento da região.
O roteiro usa e abusa da construção de arquétipos vindos dos contos de fada para contar a história: enquanto a mãe de Luna soa como uma versão das “madrastas más”, o caráter íntegro de Giuseppe o aproxima dos príncipes encantados e a sensibilidade sonhadora de Luna das princesas à espera do final feliz! A própria fotografia do diretor Luca Bigazzi aproveita da belíssima paisagem mediterrânea para abusar dos longos planos-sequência, panorâmicas, cheia de planos abertos, além de alguns momentos onde a perspectiva parece distorcida como se alguém observasse toda a ação. Todo conceito estético é ainda mais valorizado pela linda trilha sonora de Anton Spielmann criando o universo que transita entre o encantamento e o sinistro, entre a fantasia e o real, trazendo muitas referências dos Irmãos Grimm.
É preciso dizer que "O Fantasma da Sicília" (título em português) é um pouco longo demais, reflexo desse estilo mais autoral e artístico dos diretores, o que dá a impressão de um filme que não evolui. O primeiro e o terceiro atos são excelentes, mas o ponto fraco é, sem dúvida, o segundo ato - eisso tende a cansar quem não está envolvido com o filme ou se identifica com esse tipo de cinema.
Não é um filme fácil, é lento, mas é muito bom! Eu gostei, mas sei que vai agradar um nicho bem pequeno de cinéfilos!!!
Minha primeira observação: não assista se estiver com sono. "Sob a Pele do Lobo" quase não tem diálogos, então tem que estar muito disposto, porque é realmente um filme difícil, reflexivo, profundo - e é justamente por isso é o tipo de filme que não vai agradar a todos!
Martinón (Mario Casas) é o último habitante de Auzal, uma vila nas montanhas onde vive completamente isolado, sem comunicação, apenas com a natureza. Ele só desce aos vales habitados duas vezes por ano para negociar e comprar algumas provisões. Porém, certo dia, ele se convence que precisa se casar - uma decisão que visa suavizar sua alma insensível, se afastar da solidão, mas que de certa forma vai transformar a sua vida para sempre!
Esse filme espanhol produzido pela Netflix, não é ruim, muito pelo contrário, é bom (eu diria até, muito bom); mas é lento! Seus planos são longos, repetitivos, quase sempre o mesmo movimento de câmera, a fotografia é fria, a locação é gelada (o que cria uma sensação incômoda), perde o ritmo em todo momento e com isso vai minando nossa empolgação como audiência. O forte da narrativa, sem a menor dúvida, está na interpretação dos atores, na imersão das emoções silenciosas de cada um deles - e nesse ponto tudo é bastante intenso! Eu assumo que tive dificuldades como os primeiros 30 minutos, mas depois que você se acostuma com o conceito proposto pelo diretor Samu Fuentes (de "Los últimos pastores"), o filme flui melhor.
Aqui, aliás, é o primeiro trabalho de Fuentes e isso é muito perceptivo nas suas escolhas e na tentativa de mostrar que sabe muito bem o que está fazendo - talvez aí esteja a grande fragilidade narrativa do filme: como o ritmo varia muito, a história em si não equilibra com esses deslizes, mesmo com a belíssima fotografia do Aitor Mantxola.
Resumindo: gostei muito da fotografia, da direção dos atores e da interpretação do (sempre muito bom) Mario Casas e da (irreconhecível) Irene Escolar, de resto é preciso estar disposto a enfrentar uma experiência diferente, mas não por isso ruim!
Indico, mas por sua conta e risco...
Minha primeira observação: não assista se estiver com sono. "Sob a Pele do Lobo" quase não tem diálogos, então tem que estar muito disposto, porque é realmente um filme difícil, reflexivo, profundo - e é justamente por isso é o tipo de filme que não vai agradar a todos!
Martinón (Mario Casas) é o último habitante de Auzal, uma vila nas montanhas onde vive completamente isolado, sem comunicação, apenas com a natureza. Ele só desce aos vales habitados duas vezes por ano para negociar e comprar algumas provisões. Porém, certo dia, ele se convence que precisa se casar - uma decisão que visa suavizar sua alma insensível, se afastar da solidão, mas que de certa forma vai transformar a sua vida para sempre!
Esse filme espanhol produzido pela Netflix, não é ruim, muito pelo contrário, é bom (eu diria até, muito bom); mas é lento! Seus planos são longos, repetitivos, quase sempre o mesmo movimento de câmera, a fotografia é fria, a locação é gelada (o que cria uma sensação incômoda), perde o ritmo em todo momento e com isso vai minando nossa empolgação como audiência. O forte da narrativa, sem a menor dúvida, está na interpretação dos atores, na imersão das emoções silenciosas de cada um deles - e nesse ponto tudo é bastante intenso! Eu assumo que tive dificuldades como os primeiros 30 minutos, mas depois que você se acostuma com o conceito proposto pelo diretor Samu Fuentes (de "Los últimos pastores"), o filme flui melhor.
Aqui, aliás, é o primeiro trabalho de Fuentes e isso é muito perceptivo nas suas escolhas e na tentativa de mostrar que sabe muito bem o que está fazendo - talvez aí esteja a grande fragilidade narrativa do filme: como o ritmo varia muito, a história em si não equilibra com esses deslizes, mesmo com a belíssima fotografia do Aitor Mantxola.
Resumindo: gostei muito da fotografia, da direção dos atores e da interpretação do (sempre muito bom) Mario Casas e da (irreconhecível) Irene Escolar, de resto é preciso estar disposto a enfrentar uma experiência diferente, mas não por isso ruim!
Indico, mas por sua conta e risco...
É para um domingo chuvoso: "A Ghost Story" (título original) e já completo: muito, muito bom! Com uma pegada mais experimental, o filme conta a história de um homem que acabou de morrer (Casey Affleck), mas retorna como fantasma para sua casa no subúrbio com a intenção de consolar sua esposa (Rooney Mara). Em sua nova forma espiritual, invisível para os mortais, ele percebe que não é afetado pelo tempo, sendo condenado a ser um mero espectador da vida que antes lhe pertencia, ao lado da mulher que amava. O fantasma inicia uma jornada pelas memórias e histórias, enfrentando perguntas eternas sobre a vida e a sua existência. Confira o trailer:
"Sombras da Vida" é muito bem construído, foge do óbvio e trabalha muito bem com as nossas sensações desde a primeira cena - até os planos longos demais (se prepare) do início, nos incomodam propositalmente. O filme foi a menina dos olhos dos críticos em 2017, custou cerca de $100.000 e faturou quase 20 vezes mais!
Muito bem dirigido pelo David Lowery - considerado um dos diretores mais promissores da sua geração! Com planos extremamente bem construídos, uma fotografia belíssima (rodado em uma janela 1.33) pelo diretor Andrew Droz Palermo, o filme é muito feliz ao nos remeter a uma espécie de sensação atemporal completamente alinhada ao roteiro do próprio Lowery. É fato que o filme não agradará todos - será preciso uma dose de sensibilidade e boa vontade para compreender a dinâmica do narrativa, mas uma história que fala tão bem sobre solidão e sobre nossas perdas, ganha uma força absurda através do silêncio e isso "Sombras da Vida" tem de sobra!
Daqueles filmes que se esperava ir além dos Festivais Independentes e aí que o sabor amargou um pouco, pois, embora cercado de muitos elogios, o filme foi muito bem com o publico, mas não alcançou uma indicação ao Oscar 2018 - mesmo sendo considerado um dos 10 melhores filmes daquela temporada no Festival de Boston!
É para um domingo chuvoso: "A Ghost Story" (título original) e já completo: muito, muito bom! Com uma pegada mais experimental, o filme conta a história de um homem que acabou de morrer (Casey Affleck), mas retorna como fantasma para sua casa no subúrbio com a intenção de consolar sua esposa (Rooney Mara). Em sua nova forma espiritual, invisível para os mortais, ele percebe que não é afetado pelo tempo, sendo condenado a ser um mero espectador da vida que antes lhe pertencia, ao lado da mulher que amava. O fantasma inicia uma jornada pelas memórias e histórias, enfrentando perguntas eternas sobre a vida e a sua existência. Confira o trailer:
"Sombras da Vida" é muito bem construído, foge do óbvio e trabalha muito bem com as nossas sensações desde a primeira cena - até os planos longos demais (se prepare) do início, nos incomodam propositalmente. O filme foi a menina dos olhos dos críticos em 2017, custou cerca de $100.000 e faturou quase 20 vezes mais!
Muito bem dirigido pelo David Lowery - considerado um dos diretores mais promissores da sua geração! Com planos extremamente bem construídos, uma fotografia belíssima (rodado em uma janela 1.33) pelo diretor Andrew Droz Palermo, o filme é muito feliz ao nos remeter a uma espécie de sensação atemporal completamente alinhada ao roteiro do próprio Lowery. É fato que o filme não agradará todos - será preciso uma dose de sensibilidade e boa vontade para compreender a dinâmica do narrativa, mas uma história que fala tão bem sobre solidão e sobre nossas perdas, ganha uma força absurda através do silêncio e isso "Sombras da Vida" tem de sobra!
Daqueles filmes que se esperava ir além dos Festivais Independentes e aí que o sabor amargou um pouco, pois, embora cercado de muitos elogios, o filme foi muito bem com o publico, mas não alcançou uma indicação ao Oscar 2018 - mesmo sendo considerado um dos 10 melhores filmes daquela temporada no Festival de Boston!
Se você procura uma narrativa convencional, mesmo gostando de filmes independentes, "Synonymes" não é para você!
O filme chega ao streaming com a chancela de ter vencido um dos festivais mais importantes e respeitados do mundo, o Festival de Berlin. Porém, se limitar em posicionar a obra como a escolha certa apenas pelo prêmio recebido chega a ser ingenuidade, já que seu caráter independente vem acompanhado de uma proposta bastante provocadora e, em muitas cenas, chocante. Assistir "Synonymes" não será uma jornada tranquila para quem não se adapta a uma linguagem mais conceitual, anos luz do cinema comercial, mas, por outro lado, é impossível não atestar que essa produção francesa realmente consegue alcançar todos os seus objetivos - desde que você se proponha chegar ao final!
Yoav (Tom Mercier), um jovem israelense, chega a Paris esperando que a França e os franceses o salvem da loucura de seu país. Determinado a extinguir suas origens e se tornar francês, ele abandona a língua hebraica e se esforça de todas as maneiras para encontrar uma nova identidade. No entanto, ele percebe que o extremismo religioso e a violência política ocorrem igualmente no país europeu, sendo praticados tanto pelos locais quanto por seus conterrâneos em solo francês. Confira o trailer:
O mais interessante de "Synonymes" é a sensação de solidão que o filme nos provoca - na verdade, "provocação" talvez não seja a palavra correta para definir esse sentimento e isso fica muito claro já na primeira sequência do filme. O diretor israelense Nadav Lapid eleva a máxima potência a percepção de incômodo perante o novo, a quebra de expectativa e a submissão que nossas escolhas nos cobram para não assumirmos uma dura realidade que é o dia a dia longe de casa, completamente fora da nossa zona de conforto - quem teve a oportunidade de morar em outro país, certamente, vai se conectar com esses pontos, mesmo que em diferentes níveis. O fato é que o conceito de incômodo está em toda narrativa e ele nos atinge com muita força graças ao total alinhamento com o conceito visual da obra.
Existe uma certa liberdade narrativa e estética que remete à Nouvelle Vague (movimento artístico do cinema francês que se insere no período contestatório dos anos sessenta), isso é inegável. A fotografia do premiado diretor Shai Goldman enquadra uma Paris cheia de contrastes, com uma câmera nervosa, criando uma estética turbulenta, pontuando perfeitamente a confusão Yoav. Mesmo quando ele se junta com Émile (Quentin Dolmaire) e Caroline (Louise Chevillotte), e aí temos uma câmera mais fixa, para discutir o amor, o futuro, a música e até as experiências literárias de cada um, o filme nos passa uma clara impressão de que, mesmo cultos, pedantes e livres em sua sexualidade, os personagens estão presos em uma condição burguesa completamente oposta. Se Yoav ostenta um orgulho de querer ser francês, seus amigos franceses sequer possuem essa pretensão. Reparem na cena do hino nacional, quando Yoav "percebe" que o orgulho francês está igualmente baseado na quantidade de sangue derramado em sua história - tudo naturalmente impresso na letra da Marselhesa.
"Synonymes" é um filme cheio de símbolos: do amigo compatriota que só quer arranjar confusão e fomenta o racismo estrutural na França ao "bico" de ator pornô fantasiado de trabalho de modelo no berço da industria da moda. E olha, eu nem vou me atrever a dizer que o filme vai dividir opiniões, pois ele será completamente indigesto para qualquer pessoa que insista em descobrir o cinema independente por "Synonyms" - não aconselho!
O vencedor de Urso de Ouro de 2019 é para poucos - ele faz "The Square"parecer um episódio da Galinha Pintadinha (se é que você me entende)!
Se você procura uma narrativa convencional, mesmo gostando de filmes independentes, "Synonymes" não é para você!
O filme chega ao streaming com a chancela de ter vencido um dos festivais mais importantes e respeitados do mundo, o Festival de Berlin. Porém, se limitar em posicionar a obra como a escolha certa apenas pelo prêmio recebido chega a ser ingenuidade, já que seu caráter independente vem acompanhado de uma proposta bastante provocadora e, em muitas cenas, chocante. Assistir "Synonymes" não será uma jornada tranquila para quem não se adapta a uma linguagem mais conceitual, anos luz do cinema comercial, mas, por outro lado, é impossível não atestar que essa produção francesa realmente consegue alcançar todos os seus objetivos - desde que você se proponha chegar ao final!
Yoav (Tom Mercier), um jovem israelense, chega a Paris esperando que a França e os franceses o salvem da loucura de seu país. Determinado a extinguir suas origens e se tornar francês, ele abandona a língua hebraica e se esforça de todas as maneiras para encontrar uma nova identidade. No entanto, ele percebe que o extremismo religioso e a violência política ocorrem igualmente no país europeu, sendo praticados tanto pelos locais quanto por seus conterrâneos em solo francês. Confira o trailer:
O mais interessante de "Synonymes" é a sensação de solidão que o filme nos provoca - na verdade, "provocação" talvez não seja a palavra correta para definir esse sentimento e isso fica muito claro já na primeira sequência do filme. O diretor israelense Nadav Lapid eleva a máxima potência a percepção de incômodo perante o novo, a quebra de expectativa e a submissão que nossas escolhas nos cobram para não assumirmos uma dura realidade que é o dia a dia longe de casa, completamente fora da nossa zona de conforto - quem teve a oportunidade de morar em outro país, certamente, vai se conectar com esses pontos, mesmo que em diferentes níveis. O fato é que o conceito de incômodo está em toda narrativa e ele nos atinge com muita força graças ao total alinhamento com o conceito visual da obra.
Existe uma certa liberdade narrativa e estética que remete à Nouvelle Vague (movimento artístico do cinema francês que se insere no período contestatório dos anos sessenta), isso é inegável. A fotografia do premiado diretor Shai Goldman enquadra uma Paris cheia de contrastes, com uma câmera nervosa, criando uma estética turbulenta, pontuando perfeitamente a confusão Yoav. Mesmo quando ele se junta com Émile (Quentin Dolmaire) e Caroline (Louise Chevillotte), e aí temos uma câmera mais fixa, para discutir o amor, o futuro, a música e até as experiências literárias de cada um, o filme nos passa uma clara impressão de que, mesmo cultos, pedantes e livres em sua sexualidade, os personagens estão presos em uma condição burguesa completamente oposta. Se Yoav ostenta um orgulho de querer ser francês, seus amigos franceses sequer possuem essa pretensão. Reparem na cena do hino nacional, quando Yoav "percebe" que o orgulho francês está igualmente baseado na quantidade de sangue derramado em sua história - tudo naturalmente impresso na letra da Marselhesa.
"Synonymes" é um filme cheio de símbolos: do amigo compatriota que só quer arranjar confusão e fomenta o racismo estrutural na França ao "bico" de ator pornô fantasiado de trabalho de modelo no berço da industria da moda. E olha, eu nem vou me atrever a dizer que o filme vai dividir opiniões, pois ele será completamente indigesto para qualquer pessoa que insista em descobrir o cinema independente por "Synonyms" - não aconselho!
O vencedor de Urso de Ouro de 2019 é para poucos - ele faz "The Square"parecer um episódio da Galinha Pintadinha (se é que você me entende)!
Nem de longe "Tár" é um filme fácil - e complemento: sua complexidade está em sua forma e em seu conteúdo. Dirigido brilhantemente por Todd Field (de "Pecados Íntimos"), o filme é uma uma espécie de drama psicológico, daqueles densos e envolventes, que explora as nuances do poder e da genialidade dentro de um contexto artístico muito particular. Assim como "Cisne Negro" de Darren Aronofsky ou "O Mestre" de Paul Thomas Anderson, "Tár" mergulha na psique de uma protagonista ambígua, revelando tanto seu talento quanto suas falhas mais palpáveis, através de uma narrativa que examina com muita inteligência a relação entre a arte e o ego, sempre questionando os limites da ambição em um universo onde a genialidade frequentemente é usada para justificar comportamentos tóxicos.
Lydia Tár (Cate Blanchett) é uma maestra renomada e diretora de uma importante orquestra sinfônica, cuja vida pessoal e carreira começam a se desintegrar em meio a acusações de abuso de poder e manipulação. A narrativa acompanha Lydia enquanto ela lida com a pressão de manter sua posição em um ambiente artístico altamente competitivo onde é lavada a enfrentar as consequências de suas próprias ações. A queda de Tár é retratada como uma exploração lenta e introspectiva dos reflexos psicológicos e sociais de seu comportamento, fazendo com que a audiência questione a linha tênue entre a genialidade e a tirania. Confira o belíssimo trailer aqui:
É impossível começar qualquer análise sobre "Tár" sem citar Cate Blanchett. É impressionante como ela é capaz de entregar uma atuação impecável atrás da outra - para mim, essa uma das mais marcantes da carreira, capturando com muita profundidade toda a complexidade de Lydia Tár através de uma performance poderosa e cheia de sensibilidade. Blanchett consegue transmitir tanto a genialidade quanto a arrogância da protagonista ao mesmo tempo que transita por uma área de vulnerabilidade oculta dificílima de alcançar como atriz. A forma como ela expressa o controle obsessivo de Tár sobre sua música, enquanto retrata a sua incapacidade de controlar sua vida pessoal, é hipnotizante. Sem dúvida que essa performance é essencial para a construção estética e narrativa do filme, já que o diretor se ancora, sem medo de errar, em uma personagem fascinante e imperfeita. A direção de Todd Field é precisa e contida nesse sentido, permitindo que a história se desenvolva de uma maneira deliberadamente imersiva. Obviamente que o filme evita julgamentos fáceis, optando por uma abordagem mais ambígua, que deixa espaço para diferentes interpretações sobre a protagonista e suas motivações. Repare como Field utiliza planos mais longos e uma estética bastante minimalista, capturando momentos de silêncio e criando uma tensão não-verbal para enriquecer o impacto emocional da trama. A atmosfera elegante e fria do filme reflete a sofisticação do mundo da música clássica, ao mesmo tempo que amplifica a sensação de isolamento que permeia a jornada de Tár.
A cinematografia do fotógrafo alemão Florian Hoffmeister (de "A Casa de Saddam") complementa a narrativa com uma estética extremamente precisa no sentido mais conceitual da palavra - ele pontua a cenas utilizando uma iluminação sutil com cores frias, para criar essa atmosfera opressiva e introspectiva proposta por Field. A câmera segue Tár em seus momentos mais íntimos, capturando a dualidade entre a figura pública brilhante e a mulher solitária e atormentada em sua vida pessoal. A escolha de filmar performances musicais em sequências mais longas e imersivas reflete tanto a beleza quanto o peso da criação artística - ao melhor estilo Darren Aronofsky (de "Cisne Negro"). Outro ponto que merece sua atenção é a montagem da indicada ao Oscar, Monika Willi (de "Amor") - seu trabalho intensifica a estrutura mais emocional do filme, refletindo a tensão crescente na vida de Tár como um elemento narrativo capaz de revelar os conflitos internos da protagonista a partir do ritmo, criando uma conexão contagiante com a música clássica.
Ao explorar questões relevantes sobre poder e abuso, pela perspectiva critica da responsabilidade pessoal em um mundo que muitas vezes idolatra o talento em detrimento da ética, "Tár" levanta muito mais perguntas incômodas do que respostas superficiais, especialmente sobre as consequências de um comportamento arbitrário e da forma como a sociedade lida com figuras poderosas, especialmente nesse universo das artes. Dito isso, antecipo: não espere nada muito usual com esse filme, já que o objetivo aqui é provocar reflexões sobre a ambiguidade moral e as circunstâncias fascinantes do seu redor.
Para aqueles que apreciam narrativas densas, "Tár" é de fato uma experiência cinematográfica que vale cada segundo.
Up-date: "Tár" recebeu seis indicações no Oscar 2023, inclusive de Melhor Filme.
Nem de longe "Tár" é um filme fácil - e complemento: sua complexidade está em sua forma e em seu conteúdo. Dirigido brilhantemente por Todd Field (de "Pecados Íntimos"), o filme é uma uma espécie de drama psicológico, daqueles densos e envolventes, que explora as nuances do poder e da genialidade dentro de um contexto artístico muito particular. Assim como "Cisne Negro" de Darren Aronofsky ou "O Mestre" de Paul Thomas Anderson, "Tár" mergulha na psique de uma protagonista ambígua, revelando tanto seu talento quanto suas falhas mais palpáveis, através de uma narrativa que examina com muita inteligência a relação entre a arte e o ego, sempre questionando os limites da ambição em um universo onde a genialidade frequentemente é usada para justificar comportamentos tóxicos.
Lydia Tár (Cate Blanchett) é uma maestra renomada e diretora de uma importante orquestra sinfônica, cuja vida pessoal e carreira começam a se desintegrar em meio a acusações de abuso de poder e manipulação. A narrativa acompanha Lydia enquanto ela lida com a pressão de manter sua posição em um ambiente artístico altamente competitivo onde é lavada a enfrentar as consequências de suas próprias ações. A queda de Tár é retratada como uma exploração lenta e introspectiva dos reflexos psicológicos e sociais de seu comportamento, fazendo com que a audiência questione a linha tênue entre a genialidade e a tirania. Confira o belíssimo trailer aqui:
É impossível começar qualquer análise sobre "Tár" sem citar Cate Blanchett. É impressionante como ela é capaz de entregar uma atuação impecável atrás da outra - para mim, essa uma das mais marcantes da carreira, capturando com muita profundidade toda a complexidade de Lydia Tár através de uma performance poderosa e cheia de sensibilidade. Blanchett consegue transmitir tanto a genialidade quanto a arrogância da protagonista ao mesmo tempo que transita por uma área de vulnerabilidade oculta dificílima de alcançar como atriz. A forma como ela expressa o controle obsessivo de Tár sobre sua música, enquanto retrata a sua incapacidade de controlar sua vida pessoal, é hipnotizante. Sem dúvida que essa performance é essencial para a construção estética e narrativa do filme, já que o diretor se ancora, sem medo de errar, em uma personagem fascinante e imperfeita. A direção de Todd Field é precisa e contida nesse sentido, permitindo que a história se desenvolva de uma maneira deliberadamente imersiva. Obviamente que o filme evita julgamentos fáceis, optando por uma abordagem mais ambígua, que deixa espaço para diferentes interpretações sobre a protagonista e suas motivações. Repare como Field utiliza planos mais longos e uma estética bastante minimalista, capturando momentos de silêncio e criando uma tensão não-verbal para enriquecer o impacto emocional da trama. A atmosfera elegante e fria do filme reflete a sofisticação do mundo da música clássica, ao mesmo tempo que amplifica a sensação de isolamento que permeia a jornada de Tár.
A cinematografia do fotógrafo alemão Florian Hoffmeister (de "A Casa de Saddam") complementa a narrativa com uma estética extremamente precisa no sentido mais conceitual da palavra - ele pontua a cenas utilizando uma iluminação sutil com cores frias, para criar essa atmosfera opressiva e introspectiva proposta por Field. A câmera segue Tár em seus momentos mais íntimos, capturando a dualidade entre a figura pública brilhante e a mulher solitária e atormentada em sua vida pessoal. A escolha de filmar performances musicais em sequências mais longas e imersivas reflete tanto a beleza quanto o peso da criação artística - ao melhor estilo Darren Aronofsky (de "Cisne Negro"). Outro ponto que merece sua atenção é a montagem da indicada ao Oscar, Monika Willi (de "Amor") - seu trabalho intensifica a estrutura mais emocional do filme, refletindo a tensão crescente na vida de Tár como um elemento narrativo capaz de revelar os conflitos internos da protagonista a partir do ritmo, criando uma conexão contagiante com a música clássica.
Ao explorar questões relevantes sobre poder e abuso, pela perspectiva critica da responsabilidade pessoal em um mundo que muitas vezes idolatra o talento em detrimento da ética, "Tár" levanta muito mais perguntas incômodas do que respostas superficiais, especialmente sobre as consequências de um comportamento arbitrário e da forma como a sociedade lida com figuras poderosas, especialmente nesse universo das artes. Dito isso, antecipo: não espere nada muito usual com esse filme, já que o objetivo aqui é provocar reflexões sobre a ambiguidade moral e as circunstâncias fascinantes do seu redor.
Para aqueles que apreciam narrativas densas, "Tár" é de fato uma experiência cinematográfica que vale cada segundo.
Up-date: "Tár" recebeu seis indicações no Oscar 2023, inclusive de Melhor Filme.
"Táxi Teerã" é essencialmente provocador, onde o principal objetivo é retratar a realidade de um país afogado em regras e restrições democráticas (e religiosas) que impactam, inclusive, na liberdade (e por que não na vida) do indivíduo. Antes de mais nada, é preciso alertar que o filme não tem uma narrativa convencional, na forma clássica de se contar uma história e muito menos no seu conteúdo. Não se trata de uma trama com começo, meio e fim, e sim um manifesto, independente - um recorte social e uma crítica sobre a censura institucional.
Jafar Panahi é um diretor favorável à democracia, o que resultou em uma longa perseguição por parte do regime iraniano que restringiu muito dos seus filmes em nome do "bom senso" e que chegou ao ponto de o levar para prisão. Proibido de fazer filmes pelo governo, Panahi, ao melhor estilo Wood Allen, se apresenta como um simples motorista de táxi e resolve gravar os desafios sociais no Irã personificados através de seus passageiros. Confira o trailer:
Panahi é uma pessoa real, um cineasta conhecido no seu país e isso sugere que, inicialmente, "Táxi Teerã" seja um documentário. De fato sua estrutura se assemelha muito mais ao reality do que ao ficcional, porém o filme começa a mostrar ao que veio quando a dinâmica entre os personagens vai se construindo naturalmente com a mediação discreta de Panahi - em vários momentos fica impossível definir se uma situação é real ou encenada. Essa proposta traz um certo charme ao filme, mas são os assuntos discutidos que fortalecem a narrativa: um homem e uma mulher, cada um com seu ponto de vista, usando, inclusive, argumentos divertidos sobre a validade da pena de morte, dão o tom ao que parece ser uma esquete de um "Late Night". Imediatamente esse mood se transforma quando somos surpreendido por um passageiro acidentado que ao entrar no taxi pede para Panahi gravar seu depoimento como forma de validar um testamento para sua mulher caso algo pior lhe aconteça. E assim as histórias vão sendo construídas e desconstruídas com a mesma velocidade que um passageiro entra e sai de um táxi.
Quando um vendedor de filmes piratas, reconhece Panahi e começa a conversar sobre o cinema alternativo e questionar se os passageiros que estavam no táxi eram atores, temos a exata noção do que o diretor quer entregar: uma crítica criativa, porém fantasiada de testemunhal. Com um ritmo ágil, "Táxi Teerã" tem um refinamento técnico e artístico peculiar já que a qualidade da imagem indica uma certa precariedade, mas sua montagem em nada remete à uma obra caseira feita por um diretor filmando escondido para não ser preso. Veja, um simples táxi se transforma em uma espécie de palco onde, para nós ocidentais, o absurdo das situações pode chocar e a ironia do texto serve justamente para criar uma linha tênue entre a lástima e o humor - que é perfeitamente transformada em ação na última cena do filme.
"Táxi Teerã" levou dois prêmios no Festival de Berlin em 2015 - o "FIPRESCI" e o "Urso de Ouro" para Jafar Panahi; mas tenha muito claro que o filme é quase experimental, completamente autoral e sem nenhuma preocupação de seguir qualquer conceito narrativo usual. Posso garantir que esse é um filme extremamente nichado, onde a mensagem por traz de cada cena tem um peso muito maior do que realmente pode parecer, então se você não estiver disposto a mergulhar nessa proposta, não dê o play; por outro lado, entender uma realidade tão distante chega a ser fascinante e se essa for sua vontade, você está de frente com uma obra importante, criativa e provocadora.
"Táxi Teerã" é essencialmente provocador, onde o principal objetivo é retratar a realidade de um país afogado em regras e restrições democráticas (e religiosas) que impactam, inclusive, na liberdade (e por que não na vida) do indivíduo. Antes de mais nada, é preciso alertar que o filme não tem uma narrativa convencional, na forma clássica de se contar uma história e muito menos no seu conteúdo. Não se trata de uma trama com começo, meio e fim, e sim um manifesto, independente - um recorte social e uma crítica sobre a censura institucional.
Jafar Panahi é um diretor favorável à democracia, o que resultou em uma longa perseguição por parte do regime iraniano que restringiu muito dos seus filmes em nome do "bom senso" e que chegou ao ponto de o levar para prisão. Proibido de fazer filmes pelo governo, Panahi, ao melhor estilo Wood Allen, se apresenta como um simples motorista de táxi e resolve gravar os desafios sociais no Irã personificados através de seus passageiros. Confira o trailer:
Panahi é uma pessoa real, um cineasta conhecido no seu país e isso sugere que, inicialmente, "Táxi Teerã" seja um documentário. De fato sua estrutura se assemelha muito mais ao reality do que ao ficcional, porém o filme começa a mostrar ao que veio quando a dinâmica entre os personagens vai se construindo naturalmente com a mediação discreta de Panahi - em vários momentos fica impossível definir se uma situação é real ou encenada. Essa proposta traz um certo charme ao filme, mas são os assuntos discutidos que fortalecem a narrativa: um homem e uma mulher, cada um com seu ponto de vista, usando, inclusive, argumentos divertidos sobre a validade da pena de morte, dão o tom ao que parece ser uma esquete de um "Late Night". Imediatamente esse mood se transforma quando somos surpreendido por um passageiro acidentado que ao entrar no taxi pede para Panahi gravar seu depoimento como forma de validar um testamento para sua mulher caso algo pior lhe aconteça. E assim as histórias vão sendo construídas e desconstruídas com a mesma velocidade que um passageiro entra e sai de um táxi.
Quando um vendedor de filmes piratas, reconhece Panahi e começa a conversar sobre o cinema alternativo e questionar se os passageiros que estavam no táxi eram atores, temos a exata noção do que o diretor quer entregar: uma crítica criativa, porém fantasiada de testemunhal. Com um ritmo ágil, "Táxi Teerã" tem um refinamento técnico e artístico peculiar já que a qualidade da imagem indica uma certa precariedade, mas sua montagem em nada remete à uma obra caseira feita por um diretor filmando escondido para não ser preso. Veja, um simples táxi se transforma em uma espécie de palco onde, para nós ocidentais, o absurdo das situações pode chocar e a ironia do texto serve justamente para criar uma linha tênue entre a lástima e o humor - que é perfeitamente transformada em ação na última cena do filme.
"Táxi Teerã" levou dois prêmios no Festival de Berlin em 2015 - o "FIPRESCI" e o "Urso de Ouro" para Jafar Panahi; mas tenha muito claro que o filme é quase experimental, completamente autoral e sem nenhuma preocupação de seguir qualquer conceito narrativo usual. Posso garantir que esse é um filme extremamente nichado, onde a mensagem por traz de cada cena tem um peso muito maior do que realmente pode parecer, então se você não estiver disposto a mergulhar nessa proposta, não dê o play; por outro lado, entender uma realidade tão distante chega a ser fascinante e se essa for sua vontade, você está de frente com uma obra importante, criativa e provocadora.
Um barril de pólvora prestes a explodir - é essa a sensação que vai te acompanhar durante os 90 minutos de "The Royal Hotel". Como não poderia deixar de ser, o filme dirigido pela talentosa cineasta australiana Kitty Green, dividiu opiniões ao brincar com a percepção de perigo de forma homeopática. Green se apropria do mesmo conceito narrativo de seu filme anterior, "A Assistente", para provar novamente que muitas vezes o que fica subentendido tem muito mais força dramática do que se explorado visualmente - é impressionante como o domínio dessa gramática é capaz de gerar ansiedade, angustia e até medo, já que as situações que assistimos na tela, infelizmente, são mais "normais" do que podemos imaginar. Perturbador na sua essência, "The Royal Hotel" é na verdade um drama psicológico cheio de nuances sobre a que ponto a hostilidade masculina pode chegar e como o machismo tóxico em um ambiente inóspito e decadente pode ser perigoso.
Na trama acompanhamos duas mochileiras canadenses, Hanna (Julia Garnere) e Liv (Jessica Henwick), que aceitam um emprego no remoto pub Royal Hotel para ganhar um dinheiro extra e depois seguirem em uma viagem de intercâmbio pela Austrália. Quando o comportamento dos habitantes locais, em sua maioria formado por mineradores alcoólatras e violentos, começa a ultrapassar os limites, as meninas ficam presas em uma situação que rapidamente foge de seu controle. Confira o trailer (em inglês):
No roteiro escrito pela própria Green ao lado do novato Oscar Redding, a princípio, o The Royal Hotel parece ser apenas mais um bar decadente no interior árido de qualquer país. Obviamente que à medida que a noite avança, Hanna e Liv se veem cada vez mais cercada pelo perigo - que se estivéssemos falando de "Um Drink no Inverno" seriam vampiros sedentos por sangue, mas aqui não! Aqui é pior! O que as protagonistas precisam enfrentar amedronta pela proximidade com a realidade, o horror está nos olhares lascivos, nos comentários maldosos e no comportamento abusivo por parte dos homens que frequentam o local. Green sabe como o tema é sensível e com muita inteligência ela eleva o clima de tensão gradativamente, transformando o que poderia ser uma simples passagem em um pesadelo realmente claustrofóbico e sufocante.
Como um recorte visceral da cultura do machismo e da violência, Green tenta não levantar bandeiras, mas deixa claro que existe uma situação normalizada pela sociedade (e aqui incluo as próprias mulheres) que tende a ser cada vez mais perigosa. Utilizando enquadramentos belíssimos para criar uma atmosfera sufocante, a fotografia do Michael Latham (de "Pelé'") transforma os tons desérticos da natureza australiana em uma extensão decadente com uma temperatura infernal que pontua o comportamento dentro do pub. Eu diria que o trabalho de Latham é tão bem realizado que é possível sentir o calor, o cheiro do álcool e a textura dos móveis empoeirados que compõem aquele cenário. Outro ponto que merece sua atenção diz respeito ao trabalho de desenho de som e mixagem - é impressionante como tudo contribui para potencializar essa sensação constante de desconforto.
Tanto Julia Garner quanto Jessica Henwick estão impecáveis - elas conseguem transmitir com maestria o medo e a vulnerabilidade de suas personagens apenas com o olhar, com as pausas, com a respiração. Daniel Henshall (como Dolly) e Ursula Yovich (como Carol) também entregam performances sólidas e críveis - o primeiro captura a essência da brutalidade masculina e da misoginia enraizada na cultura local e a segunda, a desesperança, a introspecção e um estado de negação dos mais incômodos.
"The Royal Hotel" não é apenas um excelente drama psicológico, é também um estudo contundente da cultura do machismo e da violência contra a mulher. Kitty Green não se furta em mostrar a crueza da realidade enfrentada por muitas mulheres, especialmente em locais remotos e patriarcais - o que nos provoca boas reflexões sobre a objetificação do corpo feminino e os perigos da cultura do estupro. Desconfortável, o filme escolhe não impactar visualmente, no entanto tudo é tão bem construído tecnicamente e soa tão palpável que a urgência que encontramos na narrativa, de fato, vai dialogar com todos - não apenas aqueles(as) mais sensíveis ao tema.
Vale muito o seu play!
Um barril de pólvora prestes a explodir - é essa a sensação que vai te acompanhar durante os 90 minutos de "The Royal Hotel". Como não poderia deixar de ser, o filme dirigido pela talentosa cineasta australiana Kitty Green, dividiu opiniões ao brincar com a percepção de perigo de forma homeopática. Green se apropria do mesmo conceito narrativo de seu filme anterior, "A Assistente", para provar novamente que muitas vezes o que fica subentendido tem muito mais força dramática do que se explorado visualmente - é impressionante como o domínio dessa gramática é capaz de gerar ansiedade, angustia e até medo, já que as situações que assistimos na tela, infelizmente, são mais "normais" do que podemos imaginar. Perturbador na sua essência, "The Royal Hotel" é na verdade um drama psicológico cheio de nuances sobre a que ponto a hostilidade masculina pode chegar e como o machismo tóxico em um ambiente inóspito e decadente pode ser perigoso.
Na trama acompanhamos duas mochileiras canadenses, Hanna (Julia Garnere) e Liv (Jessica Henwick), que aceitam um emprego no remoto pub Royal Hotel para ganhar um dinheiro extra e depois seguirem em uma viagem de intercâmbio pela Austrália. Quando o comportamento dos habitantes locais, em sua maioria formado por mineradores alcoólatras e violentos, começa a ultrapassar os limites, as meninas ficam presas em uma situação que rapidamente foge de seu controle. Confira o trailer (em inglês):
No roteiro escrito pela própria Green ao lado do novato Oscar Redding, a princípio, o The Royal Hotel parece ser apenas mais um bar decadente no interior árido de qualquer país. Obviamente que à medida que a noite avança, Hanna e Liv se veem cada vez mais cercada pelo perigo - que se estivéssemos falando de "Um Drink no Inverno" seriam vampiros sedentos por sangue, mas aqui não! Aqui é pior! O que as protagonistas precisam enfrentar amedronta pela proximidade com a realidade, o horror está nos olhares lascivos, nos comentários maldosos e no comportamento abusivo por parte dos homens que frequentam o local. Green sabe como o tema é sensível e com muita inteligência ela eleva o clima de tensão gradativamente, transformando o que poderia ser uma simples passagem em um pesadelo realmente claustrofóbico e sufocante.
Como um recorte visceral da cultura do machismo e da violência, Green tenta não levantar bandeiras, mas deixa claro que existe uma situação normalizada pela sociedade (e aqui incluo as próprias mulheres) que tende a ser cada vez mais perigosa. Utilizando enquadramentos belíssimos para criar uma atmosfera sufocante, a fotografia do Michael Latham (de "Pelé'") transforma os tons desérticos da natureza australiana em uma extensão decadente com uma temperatura infernal que pontua o comportamento dentro do pub. Eu diria que o trabalho de Latham é tão bem realizado que é possível sentir o calor, o cheiro do álcool e a textura dos móveis empoeirados que compõem aquele cenário. Outro ponto que merece sua atenção diz respeito ao trabalho de desenho de som e mixagem - é impressionante como tudo contribui para potencializar essa sensação constante de desconforto.
Tanto Julia Garner quanto Jessica Henwick estão impecáveis - elas conseguem transmitir com maestria o medo e a vulnerabilidade de suas personagens apenas com o olhar, com as pausas, com a respiração. Daniel Henshall (como Dolly) e Ursula Yovich (como Carol) também entregam performances sólidas e críveis - o primeiro captura a essência da brutalidade masculina e da misoginia enraizada na cultura local e a segunda, a desesperança, a introspecção e um estado de negação dos mais incômodos.
"The Royal Hotel" não é apenas um excelente drama psicológico, é também um estudo contundente da cultura do machismo e da violência contra a mulher. Kitty Green não se furta em mostrar a crueza da realidade enfrentada por muitas mulheres, especialmente em locais remotos e patriarcais - o que nos provoca boas reflexões sobre a objetificação do corpo feminino e os perigos da cultura do estupro. Desconfortável, o filme escolhe não impactar visualmente, no entanto tudo é tão bem construído tecnicamente e soa tão palpável que a urgência que encontramos na narrativa, de fato, vai dialogar com todos - não apenas aqueles(as) mais sensíveis ao tema.
Vale muito o seu play!
Talvez o maior mérito do "The Square", filme sueco e um dos favoritos para levar o Oscar de filme estrangeiro em 2018, tenha sido retratar com muita maestria o momento que vivemos hoje. O momento que se discute essencialmente "limites", mas também opiniões, posturas e, por quê não, caráter (só que dos outros) com o escudo do individualismo baseado na superficialidade de uma posição de especialista em "manchetes". O filme mostra o outro lado de vários assuntos que dominaram a timeline do facebook em 2017 e que, certamente, vão nos acompanhar enquanto nos apegarmos aquelas três palavras que "definem" um pensamento e, por consequência, uma pessoa. É patético, mas é real!!!!
Grande vencedor do Festival de Cannes em 2017, "The Square: A Arte da Discórdia" acompanha um gerente de museu de arte contemporânea de Estocolmo que está usando de todas as armas possíveis para promover o sucesso de uma nova instalação e por isso decide contratar uma empresa de relações públicas. Acontece que após ter seu celular roubado, ele perde o controle do seu trabalho, da sua vida, e acaba provocando situações drásticas capazes de colocar em jogo os seus próprios princípios e sua carreira! Confira o trailer:
"The Square" é um grande filme, com um grande roteiro e muito bem dirigido. Ruben Östlund, o diretor, já tinha ganhado o Festival de Berlin em 2010 com um curta "Incident by a Bank" rodado todo em plano sequência e com planos bem abertos, pontuando um ou outro momento com um preciso movimento de câmera lateral ou frontal. Em "The Square", ele trás essa assinatura, se não nos planos-sequência, nos enquadramentos mais abertos, mostrando (e comprovando) que nem sempre existe a necessidade de uma lente mais fechada para provocar uma sensação de certo impacto. É uma aula de cinematografia (em parceria com Fredrik Wenzel) e de direção de atores.
O roteiro é genial - ele traz um constrangimento que é difícil lidar! Sinceramente, eu não me surpreenderia se tivesse sido indicado como "Melhor Roteiro Original". Filme que mostra elementos novos na sua gramática e, principalmente, na genialidade da condução de história. Coincidentemente, uma frase do final que repito muito: "Ser bonzinho é fácil, difícil é ser justo" define muito bem o que é esse filme e onde ele quer nos provocar!
Se prepare, pois com "The Square" vale muito as 2:30 de filme!
Talvez o maior mérito do "The Square", filme sueco e um dos favoritos para levar o Oscar de filme estrangeiro em 2018, tenha sido retratar com muita maestria o momento que vivemos hoje. O momento que se discute essencialmente "limites", mas também opiniões, posturas e, por quê não, caráter (só que dos outros) com o escudo do individualismo baseado na superficialidade de uma posição de especialista em "manchetes". O filme mostra o outro lado de vários assuntos que dominaram a timeline do facebook em 2017 e que, certamente, vão nos acompanhar enquanto nos apegarmos aquelas três palavras que "definem" um pensamento e, por consequência, uma pessoa. É patético, mas é real!!!!
Grande vencedor do Festival de Cannes em 2017, "The Square: A Arte da Discórdia" acompanha um gerente de museu de arte contemporânea de Estocolmo que está usando de todas as armas possíveis para promover o sucesso de uma nova instalação e por isso decide contratar uma empresa de relações públicas. Acontece que após ter seu celular roubado, ele perde o controle do seu trabalho, da sua vida, e acaba provocando situações drásticas capazes de colocar em jogo os seus próprios princípios e sua carreira! Confira o trailer:
"The Square" é um grande filme, com um grande roteiro e muito bem dirigido. Ruben Östlund, o diretor, já tinha ganhado o Festival de Berlin em 2010 com um curta "Incident by a Bank" rodado todo em plano sequência e com planos bem abertos, pontuando um ou outro momento com um preciso movimento de câmera lateral ou frontal. Em "The Square", ele trás essa assinatura, se não nos planos-sequência, nos enquadramentos mais abertos, mostrando (e comprovando) que nem sempre existe a necessidade de uma lente mais fechada para provocar uma sensação de certo impacto. É uma aula de cinematografia (em parceria com Fredrik Wenzel) e de direção de atores.
O roteiro é genial - ele traz um constrangimento que é difícil lidar! Sinceramente, eu não me surpreenderia se tivesse sido indicado como "Melhor Roteiro Original". Filme que mostra elementos novos na sua gramática e, principalmente, na genialidade da condução de história. Coincidentemente, uma frase do final que repito muito: "Ser bonzinho é fácil, difícil é ser justo" define muito bem o que é esse filme e onde ele quer nos provocar!
Se prepare, pois com "The Square" vale muito as 2:30 de filme!
"Todos já sabem" é o primeiro filme do iraniano Asghar Farhadi fora do seu país. O filme é uma co-produção Espanha/França/Italia e nem por isso Farhadi precisou abrir mão do seu estilo e controle criativo em todo o processo. Mais uma vez ele escreve um roteiro com uma história bastante consistente e dirige o filme com a competência técnica e a segurança narrativa quase imperceptível que já virou sua marca. Sério, se você não conhece a filmografia do Asghar Farhadi, saiba que ele já ganhou um Oscar com "O Apartamento" (The Salesman) e outro com "A Separação", além da Palme d'Or (em Cannes) pelo seu "O Passado"!!! Ou seja, seus três últimos filmes ganharam quase todos os prêmios mais cobiçados do cinema mundial... Fraco o cara?
Em "Todos já sabem" ele coloca na tela uma ambientação muito particular, pois o filme se passa em um pequeno vilarejo próximo de Madrid, cidade natal de Laura (Penélope Cruz). Ela retorna, acompanhado dos seus filhos, para o casamento da sua irmã. Porém, durante a festa, sua filha mais velha desaparece em circunstâncias muito parecidas com um outro sequestro que marcou muito a região pelo seu fim trágico. O desaparecimento de Irene e sua investigação trás a tona uma série de segredos (ou não - por isso o nome do filme) e mágoas que só aumentaram com o passar dos anos. O mistério sobre o paradeiro de Irene é muito bem construído e como os personagens vão se envolvendo acaba criando uma sensação de superficialidade daquelas relações - é muito interessante pela particularidade das histórias mal resolvidas. É quase um arquétipo de uma família amargurada que vive apenas de aparências apoiada em um passado que não existe mais!!! Imaginem a força que isso ganha em uma cidade tão pequena onde todos se conhecem... Me lembrou muito o clima que o Walter Salles criou em "Abril Despedaçado" e de como o "ressentimento" foi consumindo aqueles personagens de dentro para fora e tudo em sua volta foi embolorando!
Um dos pontos altos do filme é, sem dúvida, o elenco! É uma interpretação melhor que a outra, com destaque para Bárbara Lennie (Bea) que dá um show pela sua capacidade de externar aqueles sentimentos tão silenciosos e de uma forma tão natural que chega a doer na gente! Obviamente que Ricardo Darín, Penélope Cruz, Javier Bardem e Eduard Fernández também estão voando, mas isso já era de se esperar!!! Um detalhe importante: Asghar Farhadi é um grande diretor de atores, todos os filmes dele estão apoiados em grandes atuações - reparem - o roteiro ajuda, mas os atores sempre estão no tom certo!!!! Bom, a fotografia do filme também merece um comentário: é um lindo trabalho do José Luis Alcaine, o mesmo de "A Pele que Habito" - se atentem para as cenas da festa de casamento e de quando o personagem do Javier Bardem procura pela esposa em casa, já mais para o final do filme!
Eu já escrevi dois reviews de filmes do Farhadi aqui no Viu Review, então gostaria de destacar uma frase que usei para iniciar o texto de The Salesman: "Tem Diretor que te dá a certeza de um grande filme e o iraniano Asghar Farhadi, para mim, é um desses caras". Dito isso, eu te convido a conhecer o trabalho dele, um cineasta extremamente autoral, mas que vai te surpreender com filmes intensos, envolventes e inteligentes, com qualidade técnica e artística incontestáveis!
Dê essa chance que você não vai se arrepender.
"Todos já sabem" é o primeiro filme do iraniano Asghar Farhadi fora do seu país. O filme é uma co-produção Espanha/França/Italia e nem por isso Farhadi precisou abrir mão do seu estilo e controle criativo em todo o processo. Mais uma vez ele escreve um roteiro com uma história bastante consistente e dirige o filme com a competência técnica e a segurança narrativa quase imperceptível que já virou sua marca. Sério, se você não conhece a filmografia do Asghar Farhadi, saiba que ele já ganhou um Oscar com "O Apartamento" (The Salesman) e outro com "A Separação", além da Palme d'Or (em Cannes) pelo seu "O Passado"!!! Ou seja, seus três últimos filmes ganharam quase todos os prêmios mais cobiçados do cinema mundial... Fraco o cara?
Em "Todos já sabem" ele coloca na tela uma ambientação muito particular, pois o filme se passa em um pequeno vilarejo próximo de Madrid, cidade natal de Laura (Penélope Cruz). Ela retorna, acompanhado dos seus filhos, para o casamento da sua irmã. Porém, durante a festa, sua filha mais velha desaparece em circunstâncias muito parecidas com um outro sequestro que marcou muito a região pelo seu fim trágico. O desaparecimento de Irene e sua investigação trás a tona uma série de segredos (ou não - por isso o nome do filme) e mágoas que só aumentaram com o passar dos anos. O mistério sobre o paradeiro de Irene é muito bem construído e como os personagens vão se envolvendo acaba criando uma sensação de superficialidade daquelas relações - é muito interessante pela particularidade das histórias mal resolvidas. É quase um arquétipo de uma família amargurada que vive apenas de aparências apoiada em um passado que não existe mais!!! Imaginem a força que isso ganha em uma cidade tão pequena onde todos se conhecem... Me lembrou muito o clima que o Walter Salles criou em "Abril Despedaçado" e de como o "ressentimento" foi consumindo aqueles personagens de dentro para fora e tudo em sua volta foi embolorando!
Um dos pontos altos do filme é, sem dúvida, o elenco! É uma interpretação melhor que a outra, com destaque para Bárbara Lennie (Bea) que dá um show pela sua capacidade de externar aqueles sentimentos tão silenciosos e de uma forma tão natural que chega a doer na gente! Obviamente que Ricardo Darín, Penélope Cruz, Javier Bardem e Eduard Fernández também estão voando, mas isso já era de se esperar!!! Um detalhe importante: Asghar Farhadi é um grande diretor de atores, todos os filmes dele estão apoiados em grandes atuações - reparem - o roteiro ajuda, mas os atores sempre estão no tom certo!!!! Bom, a fotografia do filme também merece um comentário: é um lindo trabalho do José Luis Alcaine, o mesmo de "A Pele que Habito" - se atentem para as cenas da festa de casamento e de quando o personagem do Javier Bardem procura pela esposa em casa, já mais para o final do filme!
Eu já escrevi dois reviews de filmes do Farhadi aqui no Viu Review, então gostaria de destacar uma frase que usei para iniciar o texto de The Salesman: "Tem Diretor que te dá a certeza de um grande filme e o iraniano Asghar Farhadi, para mim, é um desses caras". Dito isso, eu te convido a conhecer o trabalho dele, um cineasta extremamente autoral, mas que vai te surpreender com filmes intensos, envolventes e inteligentes, com qualidade técnica e artística incontestáveis!
Dê essa chance que você não vai se arrepender.
"Top Model" (ou "The Model") é um filme dinamarquês de 2016 pouco original, mas não digo isso com demérito e sim com certa preocupação. É mais uma história sobre o universo predatório da moda que serve de aviso para milhões de adolescentes que sonham em sair de uma cidade pequena e estampar as mais cobiçadas capas de revistas e desfilar para as mais importantes grifes - o diferencial aqui, é justamente a forma realista e provocadora como o diretor Mads Matthiesen (de "Equinox") retrata essa atmosfera tentadora e pouco ficcional.
Emma (Maria Palm) é uma modelo emergente no meio artístico que está lutando para conseguir um espaço no cenário da moda parisiense depois de sair de uma pequena cidade do interior da Dinamarca. Em meio a sua batalha por espaço, ela desenvolve uma certa obsessão por um famoso fotógrafo de moda, Shane White (Ed Skrein), depois que uma rápida relação se estabelece entre os dois. Confira o trailer:
Talvez o ponto a ser observado de imediato, são os sinais de uma jornada que parece tão comum à tantas modelos em inicio de carreira. Obviamente sem generalizar e respeitando inúmeros profissionais que transitam nesse universo, é mais uma história que se encaixa na receita de um estereótipo criado depois de inúmeras repetições: a rotina de uma jovem, no caso dinamarquesa, que se aventura em Paris, sob a desconfiança da sua família pouco presente e da crença de um namorado de colégio, a quem promete amor eterno. Porém, o amor é frágil demais diante da possibilidade de tantas realizações de uma profissão tão glamorosa - e Matthiesen equilibra perfeitamente o perrengue do dia a dia com as oportunidades sociais que a profissão facilmente impõe.
O contraste entre a Dinamarca, e a história construída por lá e que fica para trás rapidamente, e a Paris que surge iluminada como a oportunidade de uma vida, fazem com que os enquadramentos retratem exatamente essa dicotomia - reparem como o filme trabalha a beleza do silêncio em planos da cidade como se estivessem nos preparando para o caos que o dia vai se tornar, se estendendo até a altas horas da noite, afinal estamos falando da "metrópole da moda". Esse e outros detalhes que podem passar despercebidos, criam inúmeras camadas na personagem Emma - aliás, a atriz que interpreta a protagonista, Maria Palm, é modelo profissional e se aproveita perfeitamente da familiaridade com o universo da profissão para representar algum encantamento dentro do competitivo, mas deslumbrante, mundo da moda pelos olhos de quem sonhou mais do que viveu. Ela merece nosso elogio, pela neutralidade e ao mesmo tempo pela profundidade com que interioriza tantos sentimentos, tão comuns para a idade (ela tem 16 anos na história).
"Top Model" é mais provocador do que surpreendente. Tudo é muito claro e vai se encaixando quase que automaticamente sem a menor intenção de criar um plot twist matador (desculpem o trocadilho). Sua dinâmica é bem construída e nos leva para dentro de uma jovem em transformação e sem a menor capacidade intelectual de sobreviver a tantos predadores - sucesso, homens, oportunidades, mulheres, dinheiro, competição! Filme vencedor Göteborg Film Festival em 2016, com uma levada conceitual bem independente, mas fácil de acompanhar e de se entreter!
Pode te surpreender!
"Top Model" (ou "The Model") é um filme dinamarquês de 2016 pouco original, mas não digo isso com demérito e sim com certa preocupação. É mais uma história sobre o universo predatório da moda que serve de aviso para milhões de adolescentes que sonham em sair de uma cidade pequena e estampar as mais cobiçadas capas de revistas e desfilar para as mais importantes grifes - o diferencial aqui, é justamente a forma realista e provocadora como o diretor Mads Matthiesen (de "Equinox") retrata essa atmosfera tentadora e pouco ficcional.
Emma (Maria Palm) é uma modelo emergente no meio artístico que está lutando para conseguir um espaço no cenário da moda parisiense depois de sair de uma pequena cidade do interior da Dinamarca. Em meio a sua batalha por espaço, ela desenvolve uma certa obsessão por um famoso fotógrafo de moda, Shane White (Ed Skrein), depois que uma rápida relação se estabelece entre os dois. Confira o trailer:
Talvez o ponto a ser observado de imediato, são os sinais de uma jornada que parece tão comum à tantas modelos em inicio de carreira. Obviamente sem generalizar e respeitando inúmeros profissionais que transitam nesse universo, é mais uma história que se encaixa na receita de um estereótipo criado depois de inúmeras repetições: a rotina de uma jovem, no caso dinamarquesa, que se aventura em Paris, sob a desconfiança da sua família pouco presente e da crença de um namorado de colégio, a quem promete amor eterno. Porém, o amor é frágil demais diante da possibilidade de tantas realizações de uma profissão tão glamorosa - e Matthiesen equilibra perfeitamente o perrengue do dia a dia com as oportunidades sociais que a profissão facilmente impõe.
O contraste entre a Dinamarca, e a história construída por lá e que fica para trás rapidamente, e a Paris que surge iluminada como a oportunidade de uma vida, fazem com que os enquadramentos retratem exatamente essa dicotomia - reparem como o filme trabalha a beleza do silêncio em planos da cidade como se estivessem nos preparando para o caos que o dia vai se tornar, se estendendo até a altas horas da noite, afinal estamos falando da "metrópole da moda". Esse e outros detalhes que podem passar despercebidos, criam inúmeras camadas na personagem Emma - aliás, a atriz que interpreta a protagonista, Maria Palm, é modelo profissional e se aproveita perfeitamente da familiaridade com o universo da profissão para representar algum encantamento dentro do competitivo, mas deslumbrante, mundo da moda pelos olhos de quem sonhou mais do que viveu. Ela merece nosso elogio, pela neutralidade e ao mesmo tempo pela profundidade com que interioriza tantos sentimentos, tão comuns para a idade (ela tem 16 anos na história).
"Top Model" é mais provocador do que surpreendente. Tudo é muito claro e vai se encaixando quase que automaticamente sem a menor intenção de criar um plot twist matador (desculpem o trocadilho). Sua dinâmica é bem construída e nos leva para dentro de uma jovem em transformação e sem a menor capacidade intelectual de sobreviver a tantos predadores - sucesso, homens, oportunidades, mulheres, dinheiro, competição! Filme vencedor Göteborg Film Festival em 2016, com uma levada conceitual bem independente, mas fácil de acompanhar e de se entreter!
Pode te surpreender!
Olha, não será uma jornada das mais tranquilas - já aviso! "Tudo ou Nada" é intenso e emocionante, mas também uma pancada sem muita dó! Dirigido pela talentosa Delphine Deloget, esse filme chega chancelado pelos elogios do público e da crítica especializada ao receber a indicação "Um Certo Olhar" no Festival de Cannes 2023, além de outros reconhecimentos em vários festivais ao redor do mundo. Com uma narrativa dura, impactante e cheia de desconforto, eu diria que você está diante de uma experiência cinematográfica das mais profundas e tocantes por sua visão amarga da vida adulta - sem cortes, mas com algum pré-julgamento.
A trama, protagonizada pela brilhante Virginie Efira, acompanha a árdua jornada de Sylvie, uma mãe solteira que enfrenta a dor de perder a guarda de seu filho caçula, Sofiane, após um acidente doméstico. Determinada a recuperar a custódia do filho, Sylvie mergulha em uma batalha judicial e emocionalmente desgastante, confrontando um sistema implacável que coloca em xeque até sua capacidade como mãe. Confira o trailer:
Uma jornada de reflexão através da dor e da impotência - talvez essa seja a forma mais simples de definir a complexidade de "Rien à Perdre" (no original). Com uma narrativa bem construída, o que vemos na tela é um retrato comovente da realidade de Sylvie a partir de um olhar honesto e sem censura sobre ser mãe. Veja, o filme se propõe a explorar as nuances da maternidade, questionando os padrões sociais e as estruturas que marginalizam mulheres como Sylvie e é com essa forte premissa que Deloget mostra como sua luta transcende a esfera individual e passa a ser vista como um símbolo para tantas outras que enfrentam desafios semelhantes. Ao longo da narrativa, somos confrontados com questionamentos sobre os limites da maternidade (muitas vezes em meio ao caos), sobre o papel do Estado na vida familiar (carregada de hipocrisia) e sobre a fragilidade do sistema judicial em muitos pontos (especialmente fora de contextos).
Aqui, a direção de Deloget é precisa e sensível, explorando com muita competência os detalhes que a história tem para contar em suas diversas camadas - mesmo aquelas não tão óbvias. Sua câmera se torna uma extensão da protagonista, capturando a realidade cruel de Sylvie e a beleza fugaz dos momentos de ternura entre ela e seus filhos. Aliás, é impossível não elogiar Virginie Efira - ela entrega uma performance magistral, capaz de equilibrar a força interior e a fragilidade de sua personagem com a mesma maestria. Cada olhar, cada gesto, cada palavra e cada momento de silêncio, transbordam emoção, nos convidando para um mergulho mais profundo na dor e na resiliência de Sylvie. Tudo isso, alinhado a uma fotografia maravilhosa de Guillaume Schiffman (indicado ao Oscar por "O Artista"), rica em tons frios e melancólicos que traduzem a angústia e a solidão da personagem; e da trilha sonora minimalista que pontua a narrativa com notas de esperança e força. Olha, eu diria que que nada está nesse filme por acaso.
"Tudo ou Nada", é preciso pontuar, não oferece respostas fáceis, mas vai te convidar à reflexão sobre as complexas relações entre mães e filhos, e sobre o impacto que a sociedade pode exercer sobre essa dinâmica nada padronizada. Essencial em sua proposta, esse filme de fato toca nossa alma de uma maneira avassaladora e nos provoca a repensar alguns conceitos sobre maternidade, sobre justiça social e sobre a força do amor - com um pouco mais de empatia por um lado e de conservadorismo do outro. Grande filme, mas nada simples!
Vale muito o seu play!
Olha, não será uma jornada das mais tranquilas - já aviso! "Tudo ou Nada" é intenso e emocionante, mas também uma pancada sem muita dó! Dirigido pela talentosa Delphine Deloget, esse filme chega chancelado pelos elogios do público e da crítica especializada ao receber a indicação "Um Certo Olhar" no Festival de Cannes 2023, além de outros reconhecimentos em vários festivais ao redor do mundo. Com uma narrativa dura, impactante e cheia de desconforto, eu diria que você está diante de uma experiência cinematográfica das mais profundas e tocantes por sua visão amarga da vida adulta - sem cortes, mas com algum pré-julgamento.
A trama, protagonizada pela brilhante Virginie Efira, acompanha a árdua jornada de Sylvie, uma mãe solteira que enfrenta a dor de perder a guarda de seu filho caçula, Sofiane, após um acidente doméstico. Determinada a recuperar a custódia do filho, Sylvie mergulha em uma batalha judicial e emocionalmente desgastante, confrontando um sistema implacável que coloca em xeque até sua capacidade como mãe. Confira o trailer:
Uma jornada de reflexão através da dor e da impotência - talvez essa seja a forma mais simples de definir a complexidade de "Rien à Perdre" (no original). Com uma narrativa bem construída, o que vemos na tela é um retrato comovente da realidade de Sylvie a partir de um olhar honesto e sem censura sobre ser mãe. Veja, o filme se propõe a explorar as nuances da maternidade, questionando os padrões sociais e as estruturas que marginalizam mulheres como Sylvie e é com essa forte premissa que Deloget mostra como sua luta transcende a esfera individual e passa a ser vista como um símbolo para tantas outras que enfrentam desafios semelhantes. Ao longo da narrativa, somos confrontados com questionamentos sobre os limites da maternidade (muitas vezes em meio ao caos), sobre o papel do Estado na vida familiar (carregada de hipocrisia) e sobre a fragilidade do sistema judicial em muitos pontos (especialmente fora de contextos).
Aqui, a direção de Deloget é precisa e sensível, explorando com muita competência os detalhes que a história tem para contar em suas diversas camadas - mesmo aquelas não tão óbvias. Sua câmera se torna uma extensão da protagonista, capturando a realidade cruel de Sylvie e a beleza fugaz dos momentos de ternura entre ela e seus filhos. Aliás, é impossível não elogiar Virginie Efira - ela entrega uma performance magistral, capaz de equilibrar a força interior e a fragilidade de sua personagem com a mesma maestria. Cada olhar, cada gesto, cada palavra e cada momento de silêncio, transbordam emoção, nos convidando para um mergulho mais profundo na dor e na resiliência de Sylvie. Tudo isso, alinhado a uma fotografia maravilhosa de Guillaume Schiffman (indicado ao Oscar por "O Artista"), rica em tons frios e melancólicos que traduzem a angústia e a solidão da personagem; e da trilha sonora minimalista que pontua a narrativa com notas de esperança e força. Olha, eu diria que que nada está nesse filme por acaso.
"Tudo ou Nada", é preciso pontuar, não oferece respostas fáceis, mas vai te convidar à reflexão sobre as complexas relações entre mães e filhos, e sobre o impacto que a sociedade pode exercer sobre essa dinâmica nada padronizada. Essencial em sua proposta, esse filme de fato toca nossa alma de uma maneira avassaladora e nos provoca a repensar alguns conceitos sobre maternidade, sobre justiça social e sobre a força do amor - com um pouco mais de empatia por um lado e de conservadorismo do outro. Grande filme, mas nada simples!
Vale muito o seu play!
Talvez uma das experiências mais marcantes e sensacionais na vida de uma uma mulher (e de um homem) seja se tornar mãe (e pai) - a grande questão é que essa jornada não tem nada de romântica e é justamente isso que "Tully", com muita sensibilidade e uma boa dose de verdade, discute!
Marlo (Charlize Theron) é uma mãe de três filhos – um deles recém-nascido – que vive uma vida muito atarefada e exaustiva. Certo dia, seu irmão oferece para ela, como presente, a ajuda de uma babá para cuidar das crianças durante o período da noite, Tully (Mackenzie Davis). Mesmo hesitante, ela acaba se surpreendendo com a jovem e criando um laço emocional capaz de mudar sua vida. Confira o trailer:
Se em "Namorados Para Sempre"(“Blue Valentine”), o diretor Derek Cianfrance expõe as incertezas e inseguranças de um jovem casal que passa por uma profunda crise em seu casamento, "Tully" transporta essa dura realidade para a maternidade. Talvez o filme dirigido pelo sempre excelente Jason Reitman em mais uma parceria com a roteirista Diablo Cody (os mesmos de "Juno" e "Jovens Adultos") suavize na "forma", mas sem dúvida alguma continua respeitando a força e o impacto do "conteúdo". Veja, se em "Juno" a dupla discutiu a gravidez na adolescência e as implicações de uma adoção, agora eles retratam os meses seguintes ao nascimento de um terceiro filho e o que isso representa para uma mulher na casa dos 30 anos - sem esconder nenhum detalhe, aliás.
Alguns pontos chamam muito atenção em "Tully": o primeiro é que o filme é muito bem dirigido - ratificando o talento de Reitman no trabalho com os atores. A química entre Charlize Theron e Mackenzie Davis impressiona. O subtexto é tão bem trabalhado que somos capazes de imaginar exatamente o que as personagens estão vivendo internamente e como isso está refletindo na relação entre elas. É isso que nos leva ao segundo destaque: Charlize Theron está fantástica como Marlo - uma atriz belíssima (e aqui falo do seu talento e da sua beleza física) que já provou ser capaz de se desconstruir em pró da composição dramática de suas personagens, mais uma vez dá uma aula com sua performance. E por, fim, não menos importante, é o roteiro Cody: os diálogos são tão afiados, irônicos e incrivelmente sensíveis que é impossível qualquer mulher (mãe) não se conectar com a história - para os homens, pais, que muitas vezes são incapazes de ler com exatidão o que acontece com uma mulher após o nascimento de um filho, também vale o comentário.
"Tully" é um filme com alma, tecnicamente representada por uma edição capaz de potencializar e dar o tom exato de um excelente roteiro e uma direção muito competente. Lembrando que estamos falando das imperfeições da maternidade, que quebram velhas concepções de como uma família deve funcionar e que metaforicamente expõe as dores íntimas das mulheres com muita inteligência, sem a necessidade de uma exposição exagerada e muito menos de entregar todas as respostas - afinal, cada um é cada um!
Val muito o seu play!
Talvez uma das experiências mais marcantes e sensacionais na vida de uma uma mulher (e de um homem) seja se tornar mãe (e pai) - a grande questão é que essa jornada não tem nada de romântica e é justamente isso que "Tully", com muita sensibilidade e uma boa dose de verdade, discute!
Marlo (Charlize Theron) é uma mãe de três filhos – um deles recém-nascido – que vive uma vida muito atarefada e exaustiva. Certo dia, seu irmão oferece para ela, como presente, a ajuda de uma babá para cuidar das crianças durante o período da noite, Tully (Mackenzie Davis). Mesmo hesitante, ela acaba se surpreendendo com a jovem e criando um laço emocional capaz de mudar sua vida. Confira o trailer:
Se em "Namorados Para Sempre"(“Blue Valentine”), o diretor Derek Cianfrance expõe as incertezas e inseguranças de um jovem casal que passa por uma profunda crise em seu casamento, "Tully" transporta essa dura realidade para a maternidade. Talvez o filme dirigido pelo sempre excelente Jason Reitman em mais uma parceria com a roteirista Diablo Cody (os mesmos de "Juno" e "Jovens Adultos") suavize na "forma", mas sem dúvida alguma continua respeitando a força e o impacto do "conteúdo". Veja, se em "Juno" a dupla discutiu a gravidez na adolescência e as implicações de uma adoção, agora eles retratam os meses seguintes ao nascimento de um terceiro filho e o que isso representa para uma mulher na casa dos 30 anos - sem esconder nenhum detalhe, aliás.
Alguns pontos chamam muito atenção em "Tully": o primeiro é que o filme é muito bem dirigido - ratificando o talento de Reitman no trabalho com os atores. A química entre Charlize Theron e Mackenzie Davis impressiona. O subtexto é tão bem trabalhado que somos capazes de imaginar exatamente o que as personagens estão vivendo internamente e como isso está refletindo na relação entre elas. É isso que nos leva ao segundo destaque: Charlize Theron está fantástica como Marlo - uma atriz belíssima (e aqui falo do seu talento e da sua beleza física) que já provou ser capaz de se desconstruir em pró da composição dramática de suas personagens, mais uma vez dá uma aula com sua performance. E por, fim, não menos importante, é o roteiro Cody: os diálogos são tão afiados, irônicos e incrivelmente sensíveis que é impossível qualquer mulher (mãe) não se conectar com a história - para os homens, pais, que muitas vezes são incapazes de ler com exatidão o que acontece com uma mulher após o nascimento de um filho, também vale o comentário.
"Tully" é um filme com alma, tecnicamente representada por uma edição capaz de potencializar e dar o tom exato de um excelente roteiro e uma direção muito competente. Lembrando que estamos falando das imperfeições da maternidade, que quebram velhas concepções de como uma família deve funcionar e que metaforicamente expõe as dores íntimas das mulheres com muita inteligência, sem a necessidade de uma exposição exagerada e muito menos de entregar todas as respostas - afinal, cada um é cada um!
Val muito o seu play!
"Um Instante de Amor" é um filmaço, mas atenção: ele é um típico drama independente francês, ou seja, sua cadência narrativa é bastante complexa, existe uma certa poesia nos movimentos de câmera e uma tridimensionalidade absurda no desenvolvimento dos personagens. Resumindo, ele é um filme para quem gosta de fugir do óbvio e para quem se permite embarcar em uma imersão emocional mais elaborada e sensível. O filme dirigido pela talentosa Nicole Garcia (quatro vezes indicada à Palme d'Or em Cannes - a última com esse filme) é uma delicada exploração da alma humana, embalada por performances envolventes e por uma abordagem sensível sobre as complexidades da paixão, dos anseios reprimidos e dos desafios psicológicos na Europa dos anos 50.
Gabrielle (Marion Cotillard) é uma mulher bela e solitária que não sabe lidar muito bem com seus impulsos sexuais. Preocupada com a sanidade mental da filha, cada vez mais perturbada, sua mãe arma um casamento com o pedreiro José (Alex Brendemühl). Após sofrer um aborto e descobrir que tem problemas renais, Gabrielle vai se tratar durante algumas semanas em uma clínica particular, onde encontra a paixão, que jamais teve pelo marido, em um tenente à beira da morte (Louis Garrel). Confira o trailer:
Baseado na obra da italiana Milena Agus, "Um Instante de Amor" seria um presente para qualquer atriz. No caso, a essência da obra cobra do filme uma performance arrebatadora - que Marion Cotillard supre com muita competência. Sua entrega emocional é notável, nos permitindo compartilhar suas angústias e paixões de uma maneira extremamente visceral. É impressionante como Cotillard mergulha na complexidade da personagem, capturando os altos e baixos de seus sentimentos de uma forma, ao mesmo tempo, crua e delicada. Sua presença magnética em cena dá o tom do roteiro escrito pelo Jacques Fieschi (de "Ilusões Perdidas" e "La Californie") a partir de um texto cheio de metáforas e referências clínicas - a doença renal de Gabrielle, por exemplo, parte do seu desejo encarcerado dentro de um conceito muito bem definido pela medicina grega onde órgãos específicos adoeciam como causa e consequência de determinadas emoções em desequilíbrio.
Nicole Garcia, que também colaborou no roteiro ao lado de Natalie Carter (de "Um Segredo Em Família"), demonstra uma enorme capacidade técnica ao construir um universo visual que enriquece a narrativa através de gatilhos emocionais. Inclusive, a fotografia do Christophe Beaucarne (de "Coco antes de Chanel") exerce um papel crucial aqui, já que ela captura toda a atmosfera da França/Suíça do pós-guerra de maneira autêntica, com cenários rurais pitorescos e paisagens campestres belíssimas. O uso habilidoso de tons e texturas realça ainda mais as transformações íntimas da protagonista, enquanto a trilha sonora pontua cada momento crucial, aprofundando a conexão emocional com a história.
Veja, "Um Instante de Amor" não apenas nos envolve em uma história de amor, mas também mergulha na exploração da sexualidade e da autodescoberta. A diretora explora com sensibilidade a jornada de Gabrielle para compreender seus próprios desejos e identidade, rompendo com as expectativas sociais e as amarras da época. Essa abordagem corajosa adiciona camadas de profundidade à narrativa que ganham um valor inestimável no terceiro ato com uma resolução tão surpreendente quanto transformadora. Eu diria que Garcia foi capaz de criar, com invejável sabedoria, uma experiência única que merece todos os elogios!
Vale muito!
"Um Instante de Amor" é um filmaço, mas atenção: ele é um típico drama independente francês, ou seja, sua cadência narrativa é bastante complexa, existe uma certa poesia nos movimentos de câmera e uma tridimensionalidade absurda no desenvolvimento dos personagens. Resumindo, ele é um filme para quem gosta de fugir do óbvio e para quem se permite embarcar em uma imersão emocional mais elaborada e sensível. O filme dirigido pela talentosa Nicole Garcia (quatro vezes indicada à Palme d'Or em Cannes - a última com esse filme) é uma delicada exploração da alma humana, embalada por performances envolventes e por uma abordagem sensível sobre as complexidades da paixão, dos anseios reprimidos e dos desafios psicológicos na Europa dos anos 50.
Gabrielle (Marion Cotillard) é uma mulher bela e solitária que não sabe lidar muito bem com seus impulsos sexuais. Preocupada com a sanidade mental da filha, cada vez mais perturbada, sua mãe arma um casamento com o pedreiro José (Alex Brendemühl). Após sofrer um aborto e descobrir que tem problemas renais, Gabrielle vai se tratar durante algumas semanas em uma clínica particular, onde encontra a paixão, que jamais teve pelo marido, em um tenente à beira da morte (Louis Garrel). Confira o trailer:
Baseado na obra da italiana Milena Agus, "Um Instante de Amor" seria um presente para qualquer atriz. No caso, a essência da obra cobra do filme uma performance arrebatadora - que Marion Cotillard supre com muita competência. Sua entrega emocional é notável, nos permitindo compartilhar suas angústias e paixões de uma maneira extremamente visceral. É impressionante como Cotillard mergulha na complexidade da personagem, capturando os altos e baixos de seus sentimentos de uma forma, ao mesmo tempo, crua e delicada. Sua presença magnética em cena dá o tom do roteiro escrito pelo Jacques Fieschi (de "Ilusões Perdidas" e "La Californie") a partir de um texto cheio de metáforas e referências clínicas - a doença renal de Gabrielle, por exemplo, parte do seu desejo encarcerado dentro de um conceito muito bem definido pela medicina grega onde órgãos específicos adoeciam como causa e consequência de determinadas emoções em desequilíbrio.
Nicole Garcia, que também colaborou no roteiro ao lado de Natalie Carter (de "Um Segredo Em Família"), demonstra uma enorme capacidade técnica ao construir um universo visual que enriquece a narrativa através de gatilhos emocionais. Inclusive, a fotografia do Christophe Beaucarne (de "Coco antes de Chanel") exerce um papel crucial aqui, já que ela captura toda a atmosfera da França/Suíça do pós-guerra de maneira autêntica, com cenários rurais pitorescos e paisagens campestres belíssimas. O uso habilidoso de tons e texturas realça ainda mais as transformações íntimas da protagonista, enquanto a trilha sonora pontua cada momento crucial, aprofundando a conexão emocional com a história.
Veja, "Um Instante de Amor" não apenas nos envolve em uma história de amor, mas também mergulha na exploração da sexualidade e da autodescoberta. A diretora explora com sensibilidade a jornada de Gabrielle para compreender seus próprios desejos e identidade, rompendo com as expectativas sociais e as amarras da época. Essa abordagem corajosa adiciona camadas de profundidade à narrativa que ganham um valor inestimável no terceiro ato com uma resolução tão surpreendente quanto transformadora. Eu diria que Garcia foi capaz de criar, com invejável sabedoria, uma experiência única que merece todos os elogios!
Vale muito!
Um filme sobre a vida como ela é - linda, mas cheia de pancadas!
Talvez não tenha maneira mais direta de definir "Uma Bela Manhã", filme dirigido por uma das mais respeitadas cineastas francesas em atividade, Mia Hansen-Løve (de "O Que Está Por Vir"). Seguindo muito seu conceito cinematográfico de retratar a vida cotidiana e suas relações mais particulares, Mia, mais uma vez, lança um olhar dos mais interessantes sobre seus personagens ao mesmo tempo em que se revela disposta a confrontá-los com situações complexas, mas de fácil identificação. Veja, se você está a procura do embate natural das relações ou uma história que segue aquela estrutura mais tradicional, certamente esse filme não é para você. Por outro lado, se estiver disposto a mergulhar em uma narrativa profundamente intima, de uma personagem que tenta encontrar a alegria nas pequenas coisas e na esperança de que tudo vai se encaixar em algum momento, mesmo que para isso tenha que lidar com os tombos da vida e com o tempo que faz questão de mostrar a sua crueldade, você está no lugar certo - mas não será uma jornada fácil (e dependendo do momento em que está passando, será uma jornada dificílima)!
Sandra (Léa Seydoux) é uma jovem viúva que trabalha como tradutora e que cria sozinha sua filha de 8 anos, tendo que lidar com os desafios da maternidade ao mesmo tempo em que cuida de seu pai, Georg Kinsler (Pascal Greggory), um professor de Filosofia aposentado e que já não pode mais se esquivar de uma morte lenta diante de uma doença degenerativa. Enquanto ela embarca com sua família por obstáculos em hospitais e lares de idosos para instalar Georg em um lugar seguro, Sandra se envolve com Clément (Melvil Poupaud), um homem casado e amigo do seu falecido marido. Confira o trailer:
É impossível não olhar para "Un Beau Matin" (no original) e não ficar absolutamente boquiaberto com a performance de Léa Seydoux (de "Azul é a Cor Mais Quente"). Dentro daquela atmosfera tão deprimente quanto humana, Seydoux entrega no olhar, a sua dor - e saiba que o "deprimente" que cito não se vale do estereótipo ou do convencional, mas sim da sensibilidade de entender que longe da fantasia, existe uma batalha diária para lidar com sua própria cruz. E aqui, também é preciso que se diga, o roteiro da própria Mia enaltece essa perspectiva mais introspectiva em um confronto quase visceral entre o que se sente e o que se mostra! É impressionante como essa dualidade alcança tons tão marcantes na maneira como experienciamos o filme - é de sentir uma dor no peito, pelo outro, ou por nós mesmos.
A diretora sabe do tamanho de sua responsabilidade ao basear uma história de quase duas horas apenas na psicologia de seus personagens. Reparem como até mesmo um pedido aparentemente simples de uma ex-aluna de seu pai como “você poderia me passar o e-mail dele?”, é capaz de levar Sandra às lágrimas. Sim, é um pedido cotidiano, mas o impacto do "comum" é o que move Mia na exploração magistral da condição humana como ninguém. Ela usa gatilhos narrativos perfeitos para discutir a complexidade dos relacionamentos (a dúvida natural de Clément sobre seu casamento, é um ótimo ponto) e das mudanças ao longo do tempo (a relação com sua mãe e sua irmã, e depois com seu pai, exemplificam bem essa provocação).
A direção de arte de Mila Preli (de "História de um Olhar") é fantástica - reparem como os cenários ajudam a construir a personalidade dos personagens. Já a fotografia do Denis Lenoir (de "Irma Vep") ao mesmo tempo que cria um ambiente sutil e palpável, carrega uma densidade impressionante. O fato é que tecnicamente o filme é tão bom quanto artisticamente, mesmo com seu ar mais independente. "Uma Bela Manhã" tem mesmo esse olhar sensível sobre a vida, sobre o tempo e sobre os relacionamentos amorosos e familiares, oferecendo uma experiência que certamente irá ressoar muito depois dos créditos finais - principalmente se você for uma pessoa que sofre, que luta, que chora e que se recompõe, que é forte quando necessário, mas frágil quando lhe permitem.
Filmaço!
Um filme sobre a vida como ela é - linda, mas cheia de pancadas!
Talvez não tenha maneira mais direta de definir "Uma Bela Manhã", filme dirigido por uma das mais respeitadas cineastas francesas em atividade, Mia Hansen-Løve (de "O Que Está Por Vir"). Seguindo muito seu conceito cinematográfico de retratar a vida cotidiana e suas relações mais particulares, Mia, mais uma vez, lança um olhar dos mais interessantes sobre seus personagens ao mesmo tempo em que se revela disposta a confrontá-los com situações complexas, mas de fácil identificação. Veja, se você está a procura do embate natural das relações ou uma história que segue aquela estrutura mais tradicional, certamente esse filme não é para você. Por outro lado, se estiver disposto a mergulhar em uma narrativa profundamente intima, de uma personagem que tenta encontrar a alegria nas pequenas coisas e na esperança de que tudo vai se encaixar em algum momento, mesmo que para isso tenha que lidar com os tombos da vida e com o tempo que faz questão de mostrar a sua crueldade, você está no lugar certo - mas não será uma jornada fácil (e dependendo do momento em que está passando, será uma jornada dificílima)!
Sandra (Léa Seydoux) é uma jovem viúva que trabalha como tradutora e que cria sozinha sua filha de 8 anos, tendo que lidar com os desafios da maternidade ao mesmo tempo em que cuida de seu pai, Georg Kinsler (Pascal Greggory), um professor de Filosofia aposentado e que já não pode mais se esquivar de uma morte lenta diante de uma doença degenerativa. Enquanto ela embarca com sua família por obstáculos em hospitais e lares de idosos para instalar Georg em um lugar seguro, Sandra se envolve com Clément (Melvil Poupaud), um homem casado e amigo do seu falecido marido. Confira o trailer:
É impossível não olhar para "Un Beau Matin" (no original) e não ficar absolutamente boquiaberto com a performance de Léa Seydoux (de "Azul é a Cor Mais Quente"). Dentro daquela atmosfera tão deprimente quanto humana, Seydoux entrega no olhar, a sua dor - e saiba que o "deprimente" que cito não se vale do estereótipo ou do convencional, mas sim da sensibilidade de entender que longe da fantasia, existe uma batalha diária para lidar com sua própria cruz. E aqui, também é preciso que se diga, o roteiro da própria Mia enaltece essa perspectiva mais introspectiva em um confronto quase visceral entre o que se sente e o que se mostra! É impressionante como essa dualidade alcança tons tão marcantes na maneira como experienciamos o filme - é de sentir uma dor no peito, pelo outro, ou por nós mesmos.
A diretora sabe do tamanho de sua responsabilidade ao basear uma história de quase duas horas apenas na psicologia de seus personagens. Reparem como até mesmo um pedido aparentemente simples de uma ex-aluna de seu pai como “você poderia me passar o e-mail dele?”, é capaz de levar Sandra às lágrimas. Sim, é um pedido cotidiano, mas o impacto do "comum" é o que move Mia na exploração magistral da condição humana como ninguém. Ela usa gatilhos narrativos perfeitos para discutir a complexidade dos relacionamentos (a dúvida natural de Clément sobre seu casamento, é um ótimo ponto) e das mudanças ao longo do tempo (a relação com sua mãe e sua irmã, e depois com seu pai, exemplificam bem essa provocação).
A direção de arte de Mila Preli (de "História de um Olhar") é fantástica - reparem como os cenários ajudam a construir a personalidade dos personagens. Já a fotografia do Denis Lenoir (de "Irma Vep") ao mesmo tempo que cria um ambiente sutil e palpável, carrega uma densidade impressionante. O fato é que tecnicamente o filme é tão bom quanto artisticamente, mesmo com seu ar mais independente. "Uma Bela Manhã" tem mesmo esse olhar sensível sobre a vida, sobre o tempo e sobre os relacionamentos amorosos e familiares, oferecendo uma experiência que certamente irá ressoar muito depois dos créditos finais - principalmente se você for uma pessoa que sofre, que luta, que chora e que se recompõe, que é forte quando necessário, mas frágil quando lhe permitem.
Filmaço!
"Utøya 22.juli" (título original) é simplesmente perturbador! Filme norueguês, dirigido pelo Erik Poppe, que conta a história real de um ataque terrorista em uma ilha da Noruega em 2011, onde um grupo de jovens participavam de uma espécie de acampamento de verão.
Na verdade, eu estava muito curioso desde que o filme foi apresentado no Festival de Berlin de 2018, por duas razões: a primeira, se tratava de um filme em "real time", ou seja, os 71 minutos de terror que esses jovens passaram estão no filme pelo ponto de vista de uma das personagens - a câmera acompanha essa personagem 100% do tempo com uma sensibilidade impressionante. Em segundo, porque esses 71 minutos são um plano sequência de cair o queixo! Tudo funciona tão perfeitamente que você chega a duvidar se é possível rodar um filme assim - é uma dinâmica narrativa que te coloca no meio do inferno sem pedir licença. Confira o trailer:
O Diretor é um ex-fotografo de guerra e ele, magistralmente, conseguiu reproduzir com sua lente todo o medo, ansiedade, tensão e desespero que se imagina em uma situação de terror como essa, somente pelo olhar da protagonista (a incrível Andrea Berntzen). Não saber de onde vem perigo e poder sentir essa angustia assistindo o filme, sem dúvida, foi uma experiência genial - mérito do diretor, do fotógrafo e digno de muitos prêmios, inclusive! O filme é, de fato, uma experiência sensorial impressionante; é como se aquela famosa cena inicial do "Resgate do Soldado Ryan" durasse mais de uma hora!!!! Angustiante!!!
"Utoya 22 de Julho" não levou o Urso de Ouro em Berlin, mas tem muito potencial para ter uma carreira internacional de muito sucesso e para quem gosta de uma imersão cinematográfica com um nível de qualidade acima da média (e que certamente vai mexer com você), o filme é imperdível!!!! Um soco na boca do estômago em 24 frames por segundo!!!! Vale muito mais o play!!!!
PS: O assunto é tão marcante que rendeu mais duas produções: uma delas com o diretor Paul Greengrass (de Capitão Phillips e Vôo United 93) e produzido pela Netflix, chamado "22 July"! A outra, uma co-produção da Noruega, Suécia e Dinamarca que vai contar a história pelo ponto de vista de 4 sobreviventes do massacre.
"Utøya 22.juli" (título original) é simplesmente perturbador! Filme norueguês, dirigido pelo Erik Poppe, que conta a história real de um ataque terrorista em uma ilha da Noruega em 2011, onde um grupo de jovens participavam de uma espécie de acampamento de verão.
Na verdade, eu estava muito curioso desde que o filme foi apresentado no Festival de Berlin de 2018, por duas razões: a primeira, se tratava de um filme em "real time", ou seja, os 71 minutos de terror que esses jovens passaram estão no filme pelo ponto de vista de uma das personagens - a câmera acompanha essa personagem 100% do tempo com uma sensibilidade impressionante. Em segundo, porque esses 71 minutos são um plano sequência de cair o queixo! Tudo funciona tão perfeitamente que você chega a duvidar se é possível rodar um filme assim - é uma dinâmica narrativa que te coloca no meio do inferno sem pedir licença. Confira o trailer:
O Diretor é um ex-fotografo de guerra e ele, magistralmente, conseguiu reproduzir com sua lente todo o medo, ansiedade, tensão e desespero que se imagina em uma situação de terror como essa, somente pelo olhar da protagonista (a incrível Andrea Berntzen). Não saber de onde vem perigo e poder sentir essa angustia assistindo o filme, sem dúvida, foi uma experiência genial - mérito do diretor, do fotógrafo e digno de muitos prêmios, inclusive! O filme é, de fato, uma experiência sensorial impressionante; é como se aquela famosa cena inicial do "Resgate do Soldado Ryan" durasse mais de uma hora!!!! Angustiante!!!
"Utoya 22 de Julho" não levou o Urso de Ouro em Berlin, mas tem muito potencial para ter uma carreira internacional de muito sucesso e para quem gosta de uma imersão cinematográfica com um nível de qualidade acima da média (e que certamente vai mexer com você), o filme é imperdível!!!! Um soco na boca do estômago em 24 frames por segundo!!!! Vale muito mais o play!!!!
PS: O assunto é tão marcante que rendeu mais duas produções: uma delas com o diretor Paul Greengrass (de Capitão Phillips e Vôo United 93) e produzido pela Netflix, chamado "22 July"! A outra, uma co-produção da Noruega, Suécia e Dinamarca que vai contar a história pelo ponto de vista de 4 sobreviventes do massacre.
"Verdade e Justiça" chegou na Prime Vídeo da Amazon com status de ter representado a Estônia no Globo de Ouro e no Oscar 2021 e com isso chancelar sua qualidade narrativa e visual. De fato, o filme é irretocável tecnicamente e tem um conceito visual de cair o queixo, porém sua narrativa é muito difícil, lenta, cadenciada, sem muitos conflitos - me lembrou um filme espanhol de 2018 chamado "Sob a Pele do Lobo". Veja, o filme é lindo, profundo, mas será preciso certa persistência e explico a razão abaixo!
O filme conta a história de Andrés (Priit Loog), um homem de poucas posses que obtém uma fazenda num lugar inóspito (apesar de belo) na Estônia do século XIX, para estabelecer vida nova com sua mulher, Krõõt (Maiken Pius). Para melhorar de vida, no entanto, ele terá que lutar contra a resistência da terra úmida e pantanosa de sua nova propriedade, ao mesmo tempo que terá que lidar com seu grosseiro vizinho, Pearu (Priit Võigemast). Confira o trailer:
O primeiro elemento que chama a atenção, sem dúvida, é a fotografia do diretor Rein Kotov - ele foi o fotógrafo de outro filme indicado ao Oscar, dessa vez o representante da Geórgia: "Tangerinas" de 2013. A quantidade de planos abertos que enaltecem as belezas da Europa Oriental são tão imponentes quanto os planos fechados que expõe a alma dos personagens em momentos belíssimos, com performances de se aplaudir de pé. Destaco o trabalho de Loog, mas principalmente de Võigemast.
Dirigido pelo estreante e talentoso Tanel Toom (guardem esse nome), "Verdade e Justiça" (Tõde ja õigus, no original) discute a complexidade dessas duas palavras e como um homem pode se perder enquanto persegue cada uma delas a todo custo. O filme fala da dor da perda, da insegurança do novo, da falta de controle sobre os eventos da vida, mas principalmente, da forma como lidamos com as adversidades e como a sequência de alguns atos podem mudar nossa forma de enxergar o mundo e o outro! É por isso que no início do filme não temos dificuldade de torcer por Andrés, mas após perceber que aquele lugar que ele construiu com a esperança de encontrar a felicidade, e que curiosamente é chamado de "Ascensão do Ladrão", deixa de representar um sonho para se tornar uma espécie de obsessão, corrompendo sua alma e nos apresentando um outro lado do personagem, somos obrigados a rever nossa opinião e passar a julgar, também, suas atitudes - como em "O Farol".
Mas por que será necessário ser persistente? Simplesmente pelo fato do filme ter mais de duas horas e meia, ser uma história que se passa em vinte e quatro anos, com pouquíssima ação e muitos diálogos, além de ter uma dinâmica narrativa lenta demais. Será necessário uma certa sensibilidade para mergulhar naquela atmosfera gélida e assim aproveitar as inúmeras reviravoltas que a história (como a vida) dá!
Vale a pena, para aqueles que buscam a complexidade da alma humana e sua relação com o meio em que está inserida!
"Verdade e Justiça" chegou na Prime Vídeo da Amazon com status de ter representado a Estônia no Globo de Ouro e no Oscar 2021 e com isso chancelar sua qualidade narrativa e visual. De fato, o filme é irretocável tecnicamente e tem um conceito visual de cair o queixo, porém sua narrativa é muito difícil, lenta, cadenciada, sem muitos conflitos - me lembrou um filme espanhol de 2018 chamado "Sob a Pele do Lobo". Veja, o filme é lindo, profundo, mas será preciso certa persistência e explico a razão abaixo!
O filme conta a história de Andrés (Priit Loog), um homem de poucas posses que obtém uma fazenda num lugar inóspito (apesar de belo) na Estônia do século XIX, para estabelecer vida nova com sua mulher, Krõõt (Maiken Pius). Para melhorar de vida, no entanto, ele terá que lutar contra a resistência da terra úmida e pantanosa de sua nova propriedade, ao mesmo tempo que terá que lidar com seu grosseiro vizinho, Pearu (Priit Võigemast). Confira o trailer:
O primeiro elemento que chama a atenção, sem dúvida, é a fotografia do diretor Rein Kotov - ele foi o fotógrafo de outro filme indicado ao Oscar, dessa vez o representante da Geórgia: "Tangerinas" de 2013. A quantidade de planos abertos que enaltecem as belezas da Europa Oriental são tão imponentes quanto os planos fechados que expõe a alma dos personagens em momentos belíssimos, com performances de se aplaudir de pé. Destaco o trabalho de Loog, mas principalmente de Võigemast.
Dirigido pelo estreante e talentoso Tanel Toom (guardem esse nome), "Verdade e Justiça" (Tõde ja õigus, no original) discute a complexidade dessas duas palavras e como um homem pode se perder enquanto persegue cada uma delas a todo custo. O filme fala da dor da perda, da insegurança do novo, da falta de controle sobre os eventos da vida, mas principalmente, da forma como lidamos com as adversidades e como a sequência de alguns atos podem mudar nossa forma de enxergar o mundo e o outro! É por isso que no início do filme não temos dificuldade de torcer por Andrés, mas após perceber que aquele lugar que ele construiu com a esperança de encontrar a felicidade, e que curiosamente é chamado de "Ascensão do Ladrão", deixa de representar um sonho para se tornar uma espécie de obsessão, corrompendo sua alma e nos apresentando um outro lado do personagem, somos obrigados a rever nossa opinião e passar a julgar, também, suas atitudes - como em "O Farol".
Mas por que será necessário ser persistente? Simplesmente pelo fato do filme ter mais de duas horas e meia, ser uma história que se passa em vinte e quatro anos, com pouquíssima ação e muitos diálogos, além de ter uma dinâmica narrativa lenta demais. Será necessário uma certa sensibilidade para mergulhar naquela atmosfera gélida e assim aproveitar as inúmeras reviravoltas que a história (como a vida) dá!
Vale a pena, para aqueles que buscam a complexidade da alma humana e sua relação com o meio em que está inserida!
Só assista "Victoria" se conseguir lidar com a angustiante sensação do "vai dar m..." a todo momento - e se você for pai e de uma menina, tenho certeza que a experiência será ainda mais visceral!
Se em 2018 o diretor Erik Poppe nos colocou dentro da ilha de Utoya na Noruega e sofremos por 71 minutos o desespero daqueles jovens, tentando sobreviver a um ataque terrorista, com um plano sequência de tirar o fôlego e que um ano depois foi brilhantemente apropriado (mesmo que aqui com dois ou três cortes) pelo diretor Sam Mendes em 1917, agora é a vez de aplaudir de pé o resultado que o alemão Sebastian Schipper conseguiu com "Victoria" - foram 134 minutos sem cortes e melhor, trazendo um aspecto documental para o filme que vai nos consumindo de uma forma impressionante.
Victoria (Laia Costa) é uma jovem espanhola que está morando em Berlin há apenas 3 meses. Certa noite ela vai para um clube sozinha e acaba conhecendo Sonne (Frederick Lau) e seus três amigos (Boxer, Blinker e Fuss). Lentamente, Sonne vai se aproximando da garota e ganhando sua confiança até que ela resolve curtir o restinho da noite com o grupo. Acontece que a noite vai se mostrando mais perigosa do que Victoria poderia imaginar. Confira o trailer:
Inegavelmente que a gramática cinematográfica imposta por Schipper e pela talentosa diretora de fotografia norueguesa Sturla Brandth Grøvlen (que na época estava apenas em seu segundo longa-metragem, muito antes de explodir com "Druk - Mais Uma Rodada") é o que mais chama atenção logo de cara. Organicamente, a câmera segue os cinco personagens como se fossemos parte da cena. Com imagens que passeiam por uma Berlin prestes a amanhecer (emprestando um aspecto “Dogma 95” à obra) temos a exata impressão de viver aquela experiência sem ter que lidar com uma possível superficialidade de movimentos exagerados e tampouco com a instabilidade ou a perda de foco - de fato o aspecto técnico do filme impressiona.
É raro encontrarmos um filme que realmente nos coloca no meio da ação, criando uma experiência imersiva única e "Victoria" é muito bem sucedida nisso, porém a história também vai envolvendo e se aproveita muito bem de todas as escolhas conceituais que o diretor fez. Com um roteiro de certa forma enxuto e aproveitando a naturalidade (e o improviso) dos atores, em nenhum minuto sabemos o que vai acontecer com a protagonista, mas temos certeza que algo vai acontecer, pois a construção das relações e a concepção daquela dinâmica entre os personagens deixa claro que Victoria está em um barril de pólvora prestes a explodir - só não sabemos quando e como.
Não vai ser uma vez que você vai pensar: "Filha, vai para casa. Larga esses caras. Isso vai dar confusão". Obviamente que ela não vai te escutar e é essa expectativa não atendida que acaba sendo cruel para quem assiste. Não existe um aprofundamento relevante nas motivações ou personalidades dos personagens propositalmente - como tudo acontece em pouco mais de duas horas, em uma única noite, a proposta se encaixa e traz uma realidade brutal ao filme. Alemães (orientais) falando em um inglês quase monossilábico com uma jovem espanhola sozinha na madrugada em Berlin - tem como o clima se mostrar mais tenso?
"Victoria" é uma experiência imersiva imperdível! Vale muito o seu play!
Só assista "Victoria" se conseguir lidar com a angustiante sensação do "vai dar m..." a todo momento - e se você for pai e de uma menina, tenho certeza que a experiência será ainda mais visceral!
Se em 2018 o diretor Erik Poppe nos colocou dentro da ilha de Utoya na Noruega e sofremos por 71 minutos o desespero daqueles jovens, tentando sobreviver a um ataque terrorista, com um plano sequência de tirar o fôlego e que um ano depois foi brilhantemente apropriado (mesmo que aqui com dois ou três cortes) pelo diretor Sam Mendes em 1917, agora é a vez de aplaudir de pé o resultado que o alemão Sebastian Schipper conseguiu com "Victoria" - foram 134 minutos sem cortes e melhor, trazendo um aspecto documental para o filme que vai nos consumindo de uma forma impressionante.
Victoria (Laia Costa) é uma jovem espanhola que está morando em Berlin há apenas 3 meses. Certa noite ela vai para um clube sozinha e acaba conhecendo Sonne (Frederick Lau) e seus três amigos (Boxer, Blinker e Fuss). Lentamente, Sonne vai se aproximando da garota e ganhando sua confiança até que ela resolve curtir o restinho da noite com o grupo. Acontece que a noite vai se mostrando mais perigosa do que Victoria poderia imaginar. Confira o trailer:
Inegavelmente que a gramática cinematográfica imposta por Schipper e pela talentosa diretora de fotografia norueguesa Sturla Brandth Grøvlen (que na época estava apenas em seu segundo longa-metragem, muito antes de explodir com "Druk - Mais Uma Rodada") é o que mais chama atenção logo de cara. Organicamente, a câmera segue os cinco personagens como se fossemos parte da cena. Com imagens que passeiam por uma Berlin prestes a amanhecer (emprestando um aspecto “Dogma 95” à obra) temos a exata impressão de viver aquela experiência sem ter que lidar com uma possível superficialidade de movimentos exagerados e tampouco com a instabilidade ou a perda de foco - de fato o aspecto técnico do filme impressiona.
É raro encontrarmos um filme que realmente nos coloca no meio da ação, criando uma experiência imersiva única e "Victoria" é muito bem sucedida nisso, porém a história também vai envolvendo e se aproveita muito bem de todas as escolhas conceituais que o diretor fez. Com um roteiro de certa forma enxuto e aproveitando a naturalidade (e o improviso) dos atores, em nenhum minuto sabemos o que vai acontecer com a protagonista, mas temos certeza que algo vai acontecer, pois a construção das relações e a concepção daquela dinâmica entre os personagens deixa claro que Victoria está em um barril de pólvora prestes a explodir - só não sabemos quando e como.
Não vai ser uma vez que você vai pensar: "Filha, vai para casa. Larga esses caras. Isso vai dar confusão". Obviamente que ela não vai te escutar e é essa expectativa não atendida que acaba sendo cruel para quem assiste. Não existe um aprofundamento relevante nas motivações ou personalidades dos personagens propositalmente - como tudo acontece em pouco mais de duas horas, em uma única noite, a proposta se encaixa e traz uma realidade brutal ao filme. Alemães (orientais) falando em um inglês quase monossilábico com uma jovem espanhola sozinha na madrugada em Berlin - tem como o clima se mostrar mais tenso?
"Victoria" é uma experiência imersiva imperdível! Vale muito o seu play!
"Zola" é o típico filme que desde a primeira cena já entendemos que "vai dar ruim" - mais ou menos como a sensação de assistir "Victória"! Porém o que envolve sua premissa é o fato de que essa história é inteiramente baseada em uma sequência de 150 tweets, onde A’Ziah King conta uma experiência maluca que de fato aconteceu com ela. O filme estreou no Festival de Sundance em 2020 e recebeu, em sua maioria, críticas muito positivas o credenciando para um contrato de distribuição internacional pela HBO.
A história é relativamente simples, pois narra um período de 48 horas em que duas mulheres que se tornam amigas por acaso, Zola (Taylour Paige) e Stefani (Riley Keough), partem para uma viagem para se apresentar em casas noturnas de Tampa, na Flórida, mas acabam envolvidas no perigoso submundo da prostituição. Confira o trailer (em inglês):
Produzida pela A24 e muito fiel a um cenário pesado da noite americana, a diretora Janicza Bravo (de "Lemon") impõe uma identidade muito particular para sua narrativa, trazendo elementos quase experimentais, mas que a ajudam a criar um mood perfeito para essa jornada. Com cortes rapidíssimos, e aqui o filme merece muito destaque já que a montadora Joi McMillon (indicada ao Oscar por "Moonlight") foi muito premiada por esse trabalho; e muitos planos captados pelas câmeras de celular das próprias atrizes, Bravo cria uma dinâmica angustiante nos dando a impressão que a noite nunca vai acabar. Um detalhe interessante merece sua atenção: todos os personagens ao redor de Zola parecem estar sempre alucinados, porém em nenhum momento assistimos algum consumo de drogas durante o filme.
Visualmente o filme usa e abusa do neon e das cores marcantes que encontramos na Flórida, mesmo quando o cenário transita do luxo para o lixo (e vice-versa). O fato de ter sido filmado em 16 mm, também ajuda na percepção granulada e vintage da composição estética. Algumas referências vindas do "estilo Scorsese" de construir sua linha narrativa ficam claras - do ritmo frenético das ações à protagonista narrando sua história com freeze frames e um rock anos 50 de fundo. Mas tudo funciona. Tanto Taylour Paige quanto Riley Keough entregam ótimas (mas propositalmente diferentes) performances, porém é impossível não destacar o trabalho de Nicholas Braun (o eterno Greg de Succession).
"Zola" vai agradar mais aqueles que se conectam com produções independentes e circulam pelos festivais de cinema com muita propriedade. O fato da história ser real ajuda na nossa imersão pela história e nos faz torcer pela protagonista, porém uma coisa é fato: em nada o filme se aproxima da gramática convencional dos roteiros de cinema, ou seja. você vai assistir uma história que parece estar sendo cobrada por alguém ou lida em uma curiosa sequência de tweets.
Vale a pena!
"Zola" é o típico filme que desde a primeira cena já entendemos que "vai dar ruim" - mais ou menos como a sensação de assistir "Victória"! Porém o que envolve sua premissa é o fato de que essa história é inteiramente baseada em uma sequência de 150 tweets, onde A’Ziah King conta uma experiência maluca que de fato aconteceu com ela. O filme estreou no Festival de Sundance em 2020 e recebeu, em sua maioria, críticas muito positivas o credenciando para um contrato de distribuição internacional pela HBO.
A história é relativamente simples, pois narra um período de 48 horas em que duas mulheres que se tornam amigas por acaso, Zola (Taylour Paige) e Stefani (Riley Keough), partem para uma viagem para se apresentar em casas noturnas de Tampa, na Flórida, mas acabam envolvidas no perigoso submundo da prostituição. Confira o trailer (em inglês):
Produzida pela A24 e muito fiel a um cenário pesado da noite americana, a diretora Janicza Bravo (de "Lemon") impõe uma identidade muito particular para sua narrativa, trazendo elementos quase experimentais, mas que a ajudam a criar um mood perfeito para essa jornada. Com cortes rapidíssimos, e aqui o filme merece muito destaque já que a montadora Joi McMillon (indicada ao Oscar por "Moonlight") foi muito premiada por esse trabalho; e muitos planos captados pelas câmeras de celular das próprias atrizes, Bravo cria uma dinâmica angustiante nos dando a impressão que a noite nunca vai acabar. Um detalhe interessante merece sua atenção: todos os personagens ao redor de Zola parecem estar sempre alucinados, porém em nenhum momento assistimos algum consumo de drogas durante o filme.
Visualmente o filme usa e abusa do neon e das cores marcantes que encontramos na Flórida, mesmo quando o cenário transita do luxo para o lixo (e vice-versa). O fato de ter sido filmado em 16 mm, também ajuda na percepção granulada e vintage da composição estética. Algumas referências vindas do "estilo Scorsese" de construir sua linha narrativa ficam claras - do ritmo frenético das ações à protagonista narrando sua história com freeze frames e um rock anos 50 de fundo. Mas tudo funciona. Tanto Taylour Paige quanto Riley Keough entregam ótimas (mas propositalmente diferentes) performances, porém é impossível não destacar o trabalho de Nicholas Braun (o eterno Greg de Succession).
"Zola" vai agradar mais aqueles que se conectam com produções independentes e circulam pelos festivais de cinema com muita propriedade. O fato da história ser real ajuda na nossa imersão pela história e nos faz torcer pela protagonista, porém uma coisa é fato: em nada o filme se aproxima da gramática convencional dos roteiros de cinema, ou seja. você vai assistir uma história que parece estar sendo cobrada por alguém ou lida em uma curiosa sequência de tweets.
Vale a pena!