"Casa Gucci" é um bom filme, mas poderia ser uma temporada sensacional de "American Crime Story", tranquilamente. Se você assistiu a série, vai entender o que estou afirmando: todos os elementos dramáticos da série estão no roteiro de Becky Johnston e Roberto Bentivegna, porém sem muito aprofundamento devido ao tempo limitado de tela. - embora o filme tenha mais que duas horas e meia. Justamente por isso, a trama oscila e se em muitos momentos nos envolvemos com uma dinâmica narrativa interessante e direta, em outros temos e exata sensação de muita pressa para chegar em determinado ponto da história. Veja, se na segunda temporada da série vimos o que aconteceu com Gianni Versace, sua relação familiar, profissional e até com seu assassino, aqui o conceito é exatamente o mesmo, mas com Maurizio Gucci e Patrizia Reggiani, cercados de dinheiro, fama, glamour, poder, traição e, óbvio, morte!
O filme acompanha a ambiciosa Patrizia Reggiani (Lady Gaga) e seu inesperado romance com Maurizio Gucci (Adam Driver). Eles se conhecem meio que por acaso, se apaixonam, se casam, e ela entra na dinâmica familiar, dona de uma das marcas mais luxuosas da Itália. Quando Patrizia percebe que os negócios da família não atraem Maurizio e vê que o verdadeiro poder está nas mãos de seu sogro, Rodolfo (Jeremy Irons), e do irmão dele, Aldo (Al Pacino), ela tenta ganhar a confiança de todos para que seu marido passe a ser considerado um nome forte dentro do império Gucci, já que o outro herdeiro, seu primo Paolo (Jared Leto), exala mediocridade. O problema é que Patrizia escolhe uma tática bastante arriscada para isso: colocar a família uns contra os outros - mas vida dá voltas e acaba cobrando seu preço. Confira o trailer:
Visualmente bellissimo, resultado da longa parceira entre o fotógrafo Dariusz Wolsk (Prometheus) e Ridley Scott, "Casa Gucci" convence ao estabelecer aquela atmosfera quase caótica que sempre envolveu a família Gucci - sinônimo de riqueza e opulência, característico dos anos 70 e 80, onde a Máfia impactava diretamente na herança cultural dos italianos vindos da Sicília. E de fato, alguns bons personagens do filme como Rodolfo (em mais um competente trabalho de Jeremy Irons) e Aldo (aquele Al Pacino que conhecemos) parecem ter acabado de sair de uma reunião da "Cosa Nostra".
É inegável também, que o elenco se sobressai em relação ao roteiro. Lady Gaga merece uma indicação ao Oscar pela sua Patrizia Reggiani e Jared Leto, com seu Paolo, vai chegar como fortíssimo concorrente nas premiações de 2022 - ele, irreconhecível, está impecável, além de funcionar como um essencial alívio cômico em muitos momentos. Adam Driver é outro que brilha, embora mais contido, seu personagem não exige tanto do seu talento. Outro ponto que merece sua atenção e muitos elogios, diz respeito a todo departamento de arte, do Desenho de Produção de Arthur Max (Gladiador) até o Figurino de Janty Yates (também de "Gladiador") - todos ganhadores ou indicados ao Oscar. A maquiagem, especialmente de Leto, também está um espetáculo e a trilha sonora que mistura da ópera ao pop americano, perfeita.
É até interessante como Ridley Scott impõe um certo estilo mais novelesco ao filme - existe um sotaque italiano que soa forçado e o próprio Jared Leto parece sempre estar um tom acima, exagerado. Essa escolha conceitual do diretor cria um certo clima familiar para a história e o roteiro se aproveita desse dramalhão que durou quase 30 anos para expor um recorte importante da sociedade da época que se baseava na ganância e no poder para forma de conquistar sua (falsa) felicidade.
"Casa Gucci" é um filme sobre falsidade, que chega fácil, de uma forma divertida e equilibrando muito bem uma história interessante com um bom entretenimento. Vale a pena!
"Casa Gucci" é um bom filme, mas poderia ser uma temporada sensacional de "American Crime Story", tranquilamente. Se você assistiu a série, vai entender o que estou afirmando: todos os elementos dramáticos da série estão no roteiro de Becky Johnston e Roberto Bentivegna, porém sem muito aprofundamento devido ao tempo limitado de tela. - embora o filme tenha mais que duas horas e meia. Justamente por isso, a trama oscila e se em muitos momentos nos envolvemos com uma dinâmica narrativa interessante e direta, em outros temos e exata sensação de muita pressa para chegar em determinado ponto da história. Veja, se na segunda temporada da série vimos o que aconteceu com Gianni Versace, sua relação familiar, profissional e até com seu assassino, aqui o conceito é exatamente o mesmo, mas com Maurizio Gucci e Patrizia Reggiani, cercados de dinheiro, fama, glamour, poder, traição e, óbvio, morte!
O filme acompanha a ambiciosa Patrizia Reggiani (Lady Gaga) e seu inesperado romance com Maurizio Gucci (Adam Driver). Eles se conhecem meio que por acaso, se apaixonam, se casam, e ela entra na dinâmica familiar, dona de uma das marcas mais luxuosas da Itália. Quando Patrizia percebe que os negócios da família não atraem Maurizio e vê que o verdadeiro poder está nas mãos de seu sogro, Rodolfo (Jeremy Irons), e do irmão dele, Aldo (Al Pacino), ela tenta ganhar a confiança de todos para que seu marido passe a ser considerado um nome forte dentro do império Gucci, já que o outro herdeiro, seu primo Paolo (Jared Leto), exala mediocridade. O problema é que Patrizia escolhe uma tática bastante arriscada para isso: colocar a família uns contra os outros - mas vida dá voltas e acaba cobrando seu preço. Confira o trailer:
Visualmente bellissimo, resultado da longa parceira entre o fotógrafo Dariusz Wolsk (Prometheus) e Ridley Scott, "Casa Gucci" convence ao estabelecer aquela atmosfera quase caótica que sempre envolveu a família Gucci - sinônimo de riqueza e opulência, característico dos anos 70 e 80, onde a Máfia impactava diretamente na herança cultural dos italianos vindos da Sicília. E de fato, alguns bons personagens do filme como Rodolfo (em mais um competente trabalho de Jeremy Irons) e Aldo (aquele Al Pacino que conhecemos) parecem ter acabado de sair de uma reunião da "Cosa Nostra".
É inegável também, que o elenco se sobressai em relação ao roteiro. Lady Gaga merece uma indicação ao Oscar pela sua Patrizia Reggiani e Jared Leto, com seu Paolo, vai chegar como fortíssimo concorrente nas premiações de 2022 - ele, irreconhecível, está impecável, além de funcionar como um essencial alívio cômico em muitos momentos. Adam Driver é outro que brilha, embora mais contido, seu personagem não exige tanto do seu talento. Outro ponto que merece sua atenção e muitos elogios, diz respeito a todo departamento de arte, do Desenho de Produção de Arthur Max (Gladiador) até o Figurino de Janty Yates (também de "Gladiador") - todos ganhadores ou indicados ao Oscar. A maquiagem, especialmente de Leto, também está um espetáculo e a trilha sonora que mistura da ópera ao pop americano, perfeita.
É até interessante como Ridley Scott impõe um certo estilo mais novelesco ao filme - existe um sotaque italiano que soa forçado e o próprio Jared Leto parece sempre estar um tom acima, exagerado. Essa escolha conceitual do diretor cria um certo clima familiar para a história e o roteiro se aproveita desse dramalhão que durou quase 30 anos para expor um recorte importante da sociedade da época que se baseava na ganância e no poder para forma de conquistar sua (falsa) felicidade.
"Casa Gucci" é um filme sobre falsidade, que chega fácil, de uma forma divertida e equilibrando muito bem uma história interessante com um bom entretenimento. Vale a pena!
"Cherry - Inocência Perdida", novo filme dos irmão Russo para o AppleTV+, vem dividindo opiniões graças a quantidade enorme de elementos que os diretores Anthony e Joe escolheram para compor, tanto o conceito visual como o narrativo. Eu, pessoalmente, gostei muito do filme - especialmente do trabalho do Tom Holland que desde "O diabo de cada dia"vem se mostrando cada vez mais maduro e consciente do seu talento.
O fato é que "Cherry" não é linear como obra, sua cadência varia muito entre os "capítulos" (cinco no total + prólogo e epílogo) que pontuam a jornada do protagonista e, talvez por isso, tenha encontrado ainda mais resistência - acho até que se o filme tivesse poucas intervenções gráficas e vinte minutos a menos, tirando um epílogo completamente dispensável, a percepção pudesse até ser outra - e aqui estou falando de percepção mesmo, porque o filme está longe de ser ruim como vou explicar abaixo.
Holland é Cherry (algo como "cabaço" - em um jogo de palavras também usado para definir alguém fraco de cabeça e de postura perante a vida) é um jovem americano que se alista no Exército depois que sua namorada resolve estudar no Canadá apenas para se afastar dele. Nessa mistura entre o luto emocional e a busca por um novo propósito, Cherry acaba descobrindo o horror na Guerra do Iraque e seus terríveis reflexos pós-traumáticos. Essa ruína física e mental culmina em um profundo vicio, primeiro em remédios contra a ansiedade e depois em heroína, transformando sua vida em um verdadeiro caos - uma bola de neve que mistura drogas, crimes e solidão. Confira o trailer:
Primeiro a quebra da quarta parede (aquele artifício narrativo onde o personagem fala diretamente para câmera, no meio da ação, quase como um confidente para quem assiste - tão bem utilizada por Frank Underwood de "House of Cards", diga-se de passagem) e depois muita narração em off, passam a impressão de um filme com muita identidade logo de cara. O problema é que identidade demais pode ter justamente o efeito contrário e os irmão Russo sentem isso na pele ao se perderem em decisões um pouco ingênuas e na necessidade de ganhar dinâmica reproduzindo uma estética de videoclipe dos anos 90. O curioso, porém, é que o trabalho dos irmãos no set é irretocável! Tanto a direção de cena como na de atores, eles merecem muitos elogios - eles entregam um filme muito bonito, bem fotografado e com personagens interessantes! Aliás, não é só o Tom Holland (esse digno de Oscar) que está voando, destaco também o trabalho da ótima Ciara Bravo (como Emily).
Misturando vários gêneros, muitos sem nenhuma conexão, que vão do romance ao drama de guerra, "Cherry - Inocência Perdida" é um filme (propositalmente) caótico que cobre um período gigantesco da vida de um personagem bem complexo, um homem que definha por conta do sistema que ele claramente não estava preparado para lidar, sem nenhum apoio, e que é incapaz de encontrar uma oportunidade para tentar sair desse caos que ele mesmo entrou - mais ou menos como aconteceu com os irmão Russo na direção tentando ser os irmãos Cohen.
Eu recomendo "Cherry", é ótimo entretenimento, uma produção de extrema qualidade técnica e que tem um trabalho que chancela Tom Holland como um grande ator; mas aquele potencial de Oscar que tanto se comentou, pode até ter pesado no final - exatamente como aconteceu com "Malcolm e Marie".
Vale muito o play, mesmo assim.
"Cherry - Inocência Perdida", novo filme dos irmão Russo para o AppleTV+, vem dividindo opiniões graças a quantidade enorme de elementos que os diretores Anthony e Joe escolheram para compor, tanto o conceito visual como o narrativo. Eu, pessoalmente, gostei muito do filme - especialmente do trabalho do Tom Holland que desde "O diabo de cada dia"vem se mostrando cada vez mais maduro e consciente do seu talento.
O fato é que "Cherry" não é linear como obra, sua cadência varia muito entre os "capítulos" (cinco no total + prólogo e epílogo) que pontuam a jornada do protagonista e, talvez por isso, tenha encontrado ainda mais resistência - acho até que se o filme tivesse poucas intervenções gráficas e vinte minutos a menos, tirando um epílogo completamente dispensável, a percepção pudesse até ser outra - e aqui estou falando de percepção mesmo, porque o filme está longe de ser ruim como vou explicar abaixo.
Holland é Cherry (algo como "cabaço" - em um jogo de palavras também usado para definir alguém fraco de cabeça e de postura perante a vida) é um jovem americano que se alista no Exército depois que sua namorada resolve estudar no Canadá apenas para se afastar dele. Nessa mistura entre o luto emocional e a busca por um novo propósito, Cherry acaba descobrindo o horror na Guerra do Iraque e seus terríveis reflexos pós-traumáticos. Essa ruína física e mental culmina em um profundo vicio, primeiro em remédios contra a ansiedade e depois em heroína, transformando sua vida em um verdadeiro caos - uma bola de neve que mistura drogas, crimes e solidão. Confira o trailer:
Primeiro a quebra da quarta parede (aquele artifício narrativo onde o personagem fala diretamente para câmera, no meio da ação, quase como um confidente para quem assiste - tão bem utilizada por Frank Underwood de "House of Cards", diga-se de passagem) e depois muita narração em off, passam a impressão de um filme com muita identidade logo de cara. O problema é que identidade demais pode ter justamente o efeito contrário e os irmão Russo sentem isso na pele ao se perderem em decisões um pouco ingênuas e na necessidade de ganhar dinâmica reproduzindo uma estética de videoclipe dos anos 90. O curioso, porém, é que o trabalho dos irmãos no set é irretocável! Tanto a direção de cena como na de atores, eles merecem muitos elogios - eles entregam um filme muito bonito, bem fotografado e com personagens interessantes! Aliás, não é só o Tom Holland (esse digno de Oscar) que está voando, destaco também o trabalho da ótima Ciara Bravo (como Emily).
Misturando vários gêneros, muitos sem nenhuma conexão, que vão do romance ao drama de guerra, "Cherry - Inocência Perdida" é um filme (propositalmente) caótico que cobre um período gigantesco da vida de um personagem bem complexo, um homem que definha por conta do sistema que ele claramente não estava preparado para lidar, sem nenhum apoio, e que é incapaz de encontrar uma oportunidade para tentar sair desse caos que ele mesmo entrou - mais ou menos como aconteceu com os irmão Russo na direção tentando ser os irmãos Cohen.
Eu recomendo "Cherry", é ótimo entretenimento, uma produção de extrema qualidade técnica e que tem um trabalho que chancela Tom Holland como um grande ator; mas aquele potencial de Oscar que tanto se comentou, pode até ter pesado no final - exatamente como aconteceu com "Malcolm e Marie".
Vale muito o play, mesmo assim.
"Depois da Festa", produção original da Apple, é muito divertida e, sem a menor dúvida, veio para beber na mesma fonte de "Only Murders in the Building"- na sua forma e no seu conteúdo. Embora sejam histórias completamente diferentes, a série parte do mesmo principio: um assassinato onde todos são suspeitos (conteúdo). Misturando comédia com investigação (forma), "Depois da Festa" usa um conceito narrativo muito interessante: cada um dos interrogados conta sua versão da história respeitando as características de um determinado gênero de TV ou do cinema, criando uma dinâmica surpreendentemente criativa que vai do suspense à animação.
Na história acompanhamos a detetive Danner (Tiffany Haddish) que é chamada para investigar o assassinato do astro pop, Xavier (Dave Franco), morto em sua mansão durante uma festa entre amigos realizada após um evento de reencontro de 15 anos da sua turma do colégio. Confira o trailer:
Criada por Chris Miller, mente por trás do sucesso "Homem-Aranha no Aranhaverso"(2018), "Depois da Festa" agrada logo de cara, com sacadas muito bem inseridas no roteiro e com uma proposta narrativa das mais interessantes. O sucesso foi tão grande que mesmo antes do aguardado final da primeira temporada, a Apple já havia dado o sinal verde para uma segunda e confirmado o retorno de Haddish como detetive Danner para tentar desvendar o mistério de outro caso.
Veja, em um primeiro momento você pode até estranhar a forma como a história está sendo contada, com alguns erros de continuidade grosseiros e um certo descompasso entre os personagens e a trama que movimenta a história, porém logo percebemos que tudo isso faz parte da proposta - afinal as histórias são contadas pelo ponto de vista de quem viveu aquilo tudo e isso lhe dá o direito de construir a sua versão dos fatos, mesmo que soe fantasioso demais. A mudança de gênero que cada personagem escolhe para contar essa sua versão colabora para uma experiência única: o de tentar encontrar o assassino com as peças que nos são mostradas - e não se engane, essa peças são mostradas em todo momento, então preste muita atenção - o último episódio, inclusive, faz uso de uma montagem sensacional para nos provar que "quase" tudo foi realmente mostrado antes.
"The AfterParty" (no original) tem o mistério, ao melhor estilo "quem matou?", na sua essência, mas é durante a jornada que a série brilha (e brilha muito). Até o sétimo episódio, o mais fraco na minha opinião e que conta a história da detetive Danner, tem conexão com o arco central e se justifica logo no episódio seguinte. Esse cuidado em amarrar todas as pontas é uma aula de planejamento narrativo e faz de toda série imperdível - é impossível não ficar ansioso para conhecer as próximas pistas e assim construir a sua própria versão para o caso! Olha, se comentei no review de "Only Murders in the Building" que ao lado de "Ted Lasso" e "O Método Kominsky", aquela tinha sido a série que mais trouxe um frescor narrativo nos últimos anos, fico muito a vontade em adicionar mais um título nessa prateleira: "Depois da Festa"!
Vale muito o seu play!
"Depois da Festa", produção original da Apple, é muito divertida e, sem a menor dúvida, veio para beber na mesma fonte de "Only Murders in the Building"- na sua forma e no seu conteúdo. Embora sejam histórias completamente diferentes, a série parte do mesmo principio: um assassinato onde todos são suspeitos (conteúdo). Misturando comédia com investigação (forma), "Depois da Festa" usa um conceito narrativo muito interessante: cada um dos interrogados conta sua versão da história respeitando as características de um determinado gênero de TV ou do cinema, criando uma dinâmica surpreendentemente criativa que vai do suspense à animação.
Na história acompanhamos a detetive Danner (Tiffany Haddish) que é chamada para investigar o assassinato do astro pop, Xavier (Dave Franco), morto em sua mansão durante uma festa entre amigos realizada após um evento de reencontro de 15 anos da sua turma do colégio. Confira o trailer:
Criada por Chris Miller, mente por trás do sucesso "Homem-Aranha no Aranhaverso"(2018), "Depois da Festa" agrada logo de cara, com sacadas muito bem inseridas no roteiro e com uma proposta narrativa das mais interessantes. O sucesso foi tão grande que mesmo antes do aguardado final da primeira temporada, a Apple já havia dado o sinal verde para uma segunda e confirmado o retorno de Haddish como detetive Danner para tentar desvendar o mistério de outro caso.
Veja, em um primeiro momento você pode até estranhar a forma como a história está sendo contada, com alguns erros de continuidade grosseiros e um certo descompasso entre os personagens e a trama que movimenta a história, porém logo percebemos que tudo isso faz parte da proposta - afinal as histórias são contadas pelo ponto de vista de quem viveu aquilo tudo e isso lhe dá o direito de construir a sua versão dos fatos, mesmo que soe fantasioso demais. A mudança de gênero que cada personagem escolhe para contar essa sua versão colabora para uma experiência única: o de tentar encontrar o assassino com as peças que nos são mostradas - e não se engane, essa peças são mostradas em todo momento, então preste muita atenção - o último episódio, inclusive, faz uso de uma montagem sensacional para nos provar que "quase" tudo foi realmente mostrado antes.
"The AfterParty" (no original) tem o mistério, ao melhor estilo "quem matou?", na sua essência, mas é durante a jornada que a série brilha (e brilha muito). Até o sétimo episódio, o mais fraco na minha opinião e que conta a história da detetive Danner, tem conexão com o arco central e se justifica logo no episódio seguinte. Esse cuidado em amarrar todas as pontas é uma aula de planejamento narrativo e faz de toda série imperdível - é impossível não ficar ansioso para conhecer as próximas pistas e assim construir a sua própria versão para o caso! Olha, se comentei no review de "Only Murders in the Building" que ao lado de "Ted Lasso" e "O Método Kominsky", aquela tinha sido a série que mais trouxe um frescor narrativo nos últimos anos, fico muito a vontade em adicionar mais um título nessa prateleira: "Depois da Festa"!
Vale muito o seu play!
Simplesmente imperdível - pela trama e pelo selo do multi-premiado Alfonso Cuarón (vencedor de 4 Oscars com "Roma" e "Gravidade"). Certamente, "Disclaimer" já surge como forte candidata para "Melhor Minissérie de 2024" - e não é nenhum exagero. Essa minissérie da AppleTV+, criada e dirigida por Cuarón, adapta o thriller psicológico homônimo de Renée Knight, com muita competência. Ao explorar as consequências dos segredos e traumas enterrados no passado, o diretor mexicano traz o esmero de sua visão cinematográfica para criar uma narrativa impactante e cheia de tensão. Assim como em obras como "O Segredo dos Seus Olhos" e "Big Little Lies", "Disclaimer" vai revelando camadas de uma história complexa, que envolve a audiência desde os primeiros minutos em uma trama carregada de mistérios, de memórias reprimidas e de conflitos íntimos e pessoais que ameaçam não só desestabilizar a vida dos protagonistas como também transformar seu futuro.
A trama, basicamente, segue Catherine Ravenscroft (Cate Blanchett), uma jornalista investigativa renomada, cuja vida aparentemente estável começa a desmoronar quando ela recebe um livro misterioso que parece revelar segredos obscuros do seu passado. O livro expõe detalhes de um evento traumático e de uma relação extra-conjugal que ela acreditava estar enterrada há 20 anos, obrigando-a a confrontar memórias dolorosas e a lidar com ameaças à sua vida pessoal e profissional. Paralelamente, o autor do livro, Stephen Brigstocke (Kevin Kline), uma figura enigmática e perturbadora, parece ter um interesse mais do que pessoal em Catherine e em sua história, o que gera uma crescente tensão entre os dois, impactando diretamente no casamento e na relação da jornalista com seu filho. Confira o trailer:
Alfonso Cuarón, em sua estreia dirigindo uma minissérie, traz para o streaming sua assinatura visual incontestável - com planos longos, lindos enquadramentos, movimentos de câmera fluidos e um trabalho focado no elenco, pontuando a introspecção como ninguém, Cuarón constrói um drama profundo que se desenrola lentamente, permitindo que o mistério e as nuances dos personagens se revelem de forma gradual. Seu trabalho minucioso cria uma atmosfera de paranoia constante, onde a linha entre verdade e ilusão é frequentemente questionada pela audiência, refletindo como a fragilidade da memória e os efeitos devastadores do trauma podem ser devastadores mesmo tantos anos depois. O roteiro, também de Cuarón, adapta a obra de Knight com muita fidelidade, mas não deixa de incorporar elementos visuais e simbólicos que adicionam camadas muito interessantes para a narrativa. Veja, "Disclaimer" não se limita a ser um thriller psicológico com forte apelo sexual ao melhor estilo "Instinto Selvagem", ela também discute temas mais dramáticos como o peso da culpa ou a busca por perdão, sempre explorando o verdadeiro impacto das escolhas do passado.
Com um roteiro que utiliza a dualidade de uma obra literária como um símbolo de confronto interno, onde Catherine precisa lidar com suas memórias mais sombrias, e a relação com o autor como um reflexo de tensão entre o desejo de esconder algo e a necessidade de enfrentá-lo, Cate Blanchett surge com uma atuação poderosa, transmitindo a complexidade de uma mulher que, ao mesmo tempo que tenta se proteger, precisa enfrentar algumas verdades que ameaçam destruir tudo o que ela construiu. Blanchett domina a cena com um misto de intensidade e vulnerabilidade, mostrando o desgaste emocional da personagem enquanto lida com a pressão do arrependimento (ou da falta dele). Kevin Kline, por outro lado, também entrega uma performance inquietante, nesse caso oscilando entre a fragilidade e a ameaça, criando uma dinâmica intrigante e perigosa com a protagonista que vale o aplauso.
"Disclaimer" é mais um acerto da AppleTV+ e mesmo que alguns possam considerar lenta demais, te garanto: vale muito pela forma como Cuarón brinca com nossa percepção de "certo e errado" em uma narrativa que se concentra mais no desenvolvimento psicológico dos personagens do que em reviravoltas que tendem a surpreender a audiência. Essa escolha é tão intencional quanto acertada, afinal é ela que reforça o tom introspectivo da história e que potencializa as ambiguidades de uma conclusão que deixa espaço para múltiplas interpretações, ou seja, não espere respostas fáceis e sim uma jornada empolgante que vai te tirar da zona de conforto e te provocar muitas discussões (e teorias)!
Vale demais o seu play!
Simplesmente imperdível - pela trama e pelo selo do multi-premiado Alfonso Cuarón (vencedor de 4 Oscars com "Roma" e "Gravidade"). Certamente, "Disclaimer" já surge como forte candidata para "Melhor Minissérie de 2024" - e não é nenhum exagero. Essa minissérie da AppleTV+, criada e dirigida por Cuarón, adapta o thriller psicológico homônimo de Renée Knight, com muita competência. Ao explorar as consequências dos segredos e traumas enterrados no passado, o diretor mexicano traz o esmero de sua visão cinematográfica para criar uma narrativa impactante e cheia de tensão. Assim como em obras como "O Segredo dos Seus Olhos" e "Big Little Lies", "Disclaimer" vai revelando camadas de uma história complexa, que envolve a audiência desde os primeiros minutos em uma trama carregada de mistérios, de memórias reprimidas e de conflitos íntimos e pessoais que ameaçam não só desestabilizar a vida dos protagonistas como também transformar seu futuro.
A trama, basicamente, segue Catherine Ravenscroft (Cate Blanchett), uma jornalista investigativa renomada, cuja vida aparentemente estável começa a desmoronar quando ela recebe um livro misterioso que parece revelar segredos obscuros do seu passado. O livro expõe detalhes de um evento traumático e de uma relação extra-conjugal que ela acreditava estar enterrada há 20 anos, obrigando-a a confrontar memórias dolorosas e a lidar com ameaças à sua vida pessoal e profissional. Paralelamente, o autor do livro, Stephen Brigstocke (Kevin Kline), uma figura enigmática e perturbadora, parece ter um interesse mais do que pessoal em Catherine e em sua história, o que gera uma crescente tensão entre os dois, impactando diretamente no casamento e na relação da jornalista com seu filho. Confira o trailer:
Alfonso Cuarón, em sua estreia dirigindo uma minissérie, traz para o streaming sua assinatura visual incontestável - com planos longos, lindos enquadramentos, movimentos de câmera fluidos e um trabalho focado no elenco, pontuando a introspecção como ninguém, Cuarón constrói um drama profundo que se desenrola lentamente, permitindo que o mistério e as nuances dos personagens se revelem de forma gradual. Seu trabalho minucioso cria uma atmosfera de paranoia constante, onde a linha entre verdade e ilusão é frequentemente questionada pela audiência, refletindo como a fragilidade da memória e os efeitos devastadores do trauma podem ser devastadores mesmo tantos anos depois. O roteiro, também de Cuarón, adapta a obra de Knight com muita fidelidade, mas não deixa de incorporar elementos visuais e simbólicos que adicionam camadas muito interessantes para a narrativa. Veja, "Disclaimer" não se limita a ser um thriller psicológico com forte apelo sexual ao melhor estilo "Instinto Selvagem", ela também discute temas mais dramáticos como o peso da culpa ou a busca por perdão, sempre explorando o verdadeiro impacto das escolhas do passado.
Com um roteiro que utiliza a dualidade de uma obra literária como um símbolo de confronto interno, onde Catherine precisa lidar com suas memórias mais sombrias, e a relação com o autor como um reflexo de tensão entre o desejo de esconder algo e a necessidade de enfrentá-lo, Cate Blanchett surge com uma atuação poderosa, transmitindo a complexidade de uma mulher que, ao mesmo tempo que tenta se proteger, precisa enfrentar algumas verdades que ameaçam destruir tudo o que ela construiu. Blanchett domina a cena com um misto de intensidade e vulnerabilidade, mostrando o desgaste emocional da personagem enquanto lida com a pressão do arrependimento (ou da falta dele). Kevin Kline, por outro lado, também entrega uma performance inquietante, nesse caso oscilando entre a fragilidade e a ameaça, criando uma dinâmica intrigante e perigosa com a protagonista que vale o aplauso.
"Disclaimer" é mais um acerto da AppleTV+ e mesmo que alguns possam considerar lenta demais, te garanto: vale muito pela forma como Cuarón brinca com nossa percepção de "certo e errado" em uma narrativa que se concentra mais no desenvolvimento psicológico dos personagens do que em reviravoltas que tendem a surpreender a audiência. Essa escolha é tão intencional quanto acertada, afinal é ela que reforça o tom introspectivo da história e que potencializa as ambiguidades de uma conclusão que deixa espaço para múltiplas interpretações, ou seja, não espere respostas fáceis e sim uma jornada empolgante que vai te tirar da zona de conforto e te provocar muitas discussões (e teorias)!
Vale demais o seu play!
"É apenas o Fim do Mundo" é um filme difícil, não por uma narrativa complicada ou por um conceito visual ou estético que nos provoque muito mais do que nos mostre; mas pela forma como o jovem diretor canadense Xavier Dolan constrói um espetáculo onde os personagens são profundos, machucados, amargurados e inconsequentes em seus atos e, pricipalmente, em suas palavras. É perceptível a dor enrustida em cada um deles, com motivos, claro, mas sem nenhum controle ou respiro para reflexão. É um "misancene" tão real, palpável e comum, que chega a ferir quem assiste - pelo simples fato de entender que toda história tem dois lados e mesmo sem a coragem de encarar os fatos, todos preferem em alimentar a dor, do que ter que enfrentá-la.
Baseado na peça homônima de Jean-Luc Lagarce de 1990, "É apenas o Fim do Mundo" acompanha um jovem e renomado dramaturgo, Louis (Gaspard Ulliel), que resolve visitar sua família após 12 anos de ausência. Seu objetivo, no entanto, é revelar sua iminente morte para sua mãe (Nathalie Baye), para sua irmã mais nova (Léa Seydoux) com quem praticamente não se relacionou, para o ressentido irmão mais velho (Vincent Cassel) e sua submissa esposa (Marion Cottilard). Confira o trailer:
Xavier Dolan praticamente dirige o filme com uma lente 85mm, ou seja, com planos extremamente fechado ele parece querer que as almas dos personagens sejam lidas, e vou te dizer: funciona! As relações estabelecidas assim que Louis entra na casa de sua família já nos indica exatamente onde estamos nos enfiando - no caos emocional! Ao acompanhar essa dinâmica, o roteiro nos dá o primeiro gatilho: é compreensível que Louis tenha se mantido afastado de sua família por tanto tempo, limitando-se a enviar cartões em datas comemorativas. Mas com o passar do tempo, vem o segundo e poderoso gatilho: mas e o outro lado? E o sentimento de inferioridade e inadequação do irmão mais velho? E a ansiedade de Suzanne para impressionar o irmão famoso que pouco conhece? E a tentativa da mãe em transformar tantas mágoas e recuperar essas relações completamente fragmentadas? Até Catherine, a cunhada, sofre com os reflexos de tudo isso ao ter que lidar com um marido ignorante que a transformou em uma mulher insegura que mal pode se expressar - e aqui cabe um comentário que merece sua atenção: Marion Cottilard é uma grande atriz e todos sabemos disso, mas a capacidade que ela tem de expressar seus sentimentos apenas com o olhar, é de cair o queixo! Reparem!
O filme brilha ao expor a capacidade de interpretação dos atores. "É apenas o Fim do Mundo" é um filme de diálogos, de confrontos, de atuação! Nenhuma discussão é por acaso e tudo ajuda a construir (ou desvendar) as inúmeras camadas de cada um dos personagens - estamos falando de um obra independente, autoral, de relação, com uma referência teatral enorme, cheio de poesia, metáforas, símbolos, sensibilidade - inclusive na fotografia que pontua a troca de atmosferas e a distância entre o que é dito e o que é pensado - a mudança de luz no terceiro ato, entre a chuva e o sol que surge é incrível! Isso é lindo e muito difícil de equilibrar com o realismo que o cinema pede nesse tipo de filme.
O fato é que se você gostou dos também franceses "Até a Eternidade" (ou Les Petits Mouchoirs) ou "Frankie" é muito provável que você vai se identificar com "É apenas o Fim do Mundo", mas se prepare: vai doer na alma!
"É apenas o Fim do Mundo" é um filme difícil, não por uma narrativa complicada ou por um conceito visual ou estético que nos provoque muito mais do que nos mostre; mas pela forma como o jovem diretor canadense Xavier Dolan constrói um espetáculo onde os personagens são profundos, machucados, amargurados e inconsequentes em seus atos e, pricipalmente, em suas palavras. É perceptível a dor enrustida em cada um deles, com motivos, claro, mas sem nenhum controle ou respiro para reflexão. É um "misancene" tão real, palpável e comum, que chega a ferir quem assiste - pelo simples fato de entender que toda história tem dois lados e mesmo sem a coragem de encarar os fatos, todos preferem em alimentar a dor, do que ter que enfrentá-la.
Baseado na peça homônima de Jean-Luc Lagarce de 1990, "É apenas o Fim do Mundo" acompanha um jovem e renomado dramaturgo, Louis (Gaspard Ulliel), que resolve visitar sua família após 12 anos de ausência. Seu objetivo, no entanto, é revelar sua iminente morte para sua mãe (Nathalie Baye), para sua irmã mais nova (Léa Seydoux) com quem praticamente não se relacionou, para o ressentido irmão mais velho (Vincent Cassel) e sua submissa esposa (Marion Cottilard). Confira o trailer:
Xavier Dolan praticamente dirige o filme com uma lente 85mm, ou seja, com planos extremamente fechado ele parece querer que as almas dos personagens sejam lidas, e vou te dizer: funciona! As relações estabelecidas assim que Louis entra na casa de sua família já nos indica exatamente onde estamos nos enfiando - no caos emocional! Ao acompanhar essa dinâmica, o roteiro nos dá o primeiro gatilho: é compreensível que Louis tenha se mantido afastado de sua família por tanto tempo, limitando-se a enviar cartões em datas comemorativas. Mas com o passar do tempo, vem o segundo e poderoso gatilho: mas e o outro lado? E o sentimento de inferioridade e inadequação do irmão mais velho? E a ansiedade de Suzanne para impressionar o irmão famoso que pouco conhece? E a tentativa da mãe em transformar tantas mágoas e recuperar essas relações completamente fragmentadas? Até Catherine, a cunhada, sofre com os reflexos de tudo isso ao ter que lidar com um marido ignorante que a transformou em uma mulher insegura que mal pode se expressar - e aqui cabe um comentário que merece sua atenção: Marion Cottilard é uma grande atriz e todos sabemos disso, mas a capacidade que ela tem de expressar seus sentimentos apenas com o olhar, é de cair o queixo! Reparem!
O filme brilha ao expor a capacidade de interpretação dos atores. "É apenas o Fim do Mundo" é um filme de diálogos, de confrontos, de atuação! Nenhuma discussão é por acaso e tudo ajuda a construir (ou desvendar) as inúmeras camadas de cada um dos personagens - estamos falando de um obra independente, autoral, de relação, com uma referência teatral enorme, cheio de poesia, metáforas, símbolos, sensibilidade - inclusive na fotografia que pontua a troca de atmosferas e a distância entre o que é dito e o que é pensado - a mudança de luz no terceiro ato, entre a chuva e o sol que surge é incrível! Isso é lindo e muito difícil de equilibrar com o realismo que o cinema pede nesse tipo de filme.
O fato é que se você gostou dos também franceses "Até a Eternidade" (ou Les Petits Mouchoirs) ou "Frankie" é muito provável que você vai se identificar com "É apenas o Fim do Mundo", mas se prepare: vai doer na alma!
É preciso entender que a AppleTV+ está apenas no começo da sua jornada e talvez por isso eu fique muito tranquilo em afirmar: de tudo que assisti até agora no serviço de streaming da Apple, "Em defesa de Jacob" é disparado o melhor titulo - não que os outros sejam ruins, mas essa minissérie é impecável, no seu roteiro, na sua produção e no seu elenco!
Baseada no livro de 2012 do americano William Landay, "Em Defesa de Jacob" conta a história do promotor Andy Barber (Chris Evans), um homem que acreditava ter uma vida perfeita ao lado de sua esposa Laurie (Michelle Dockery) e do filho Jacob (Jaeden Martell). Porém quando Barber é escalado para investigar o assassinato de um adolescente de 14 anos que foi encontrado esfaqueado em um parque da pequena cidade de Massachusetts onde moram, ele começa a enfrentar um verdadeiro pesadelo. O garoto estudava com seu filho que, pouco tempo depois, passa a ser apontado como o principal suspeito de ter cometido o crime. A partir daí, a vida da família Barber vira de ponta-cabeça, sua intimidade é completamente exposta, a repercussão da acusação destrói seu convívio social e a dúvida sobre o que realmente aconteceu transforma a relação entre eles em um verdadeiro jogo de verdades e mentiras! Confira o trailer:
Antes de seguir, eu preciso dizer que "Em Defesa de Jacob" já começa genial pelo duplo sentido do seu título - isso só ficará claro no último episódio, porém o que você vai assistir nos outros sete que compõem a minissérie, é uma história dinâmica que, mesmo com algumas escolhas óbvias, nos mantém envolvidos e cheio de dúvidas sobre os fatos que levaram o crime ser cometido e sobre quem cometeu! É um verdadeiro exercício de adivinhação constante, mas que o roteiro insiste em nos afastar da solução a cada nova descoberta! Olha, vale muito a pena mesmo, entretenimento de primeira linha, nível HBO, mas na AppleTV+!
"Em Defesa de Jacob" foi criada por Mark Bomback, roteirista de "Planeta dos Macacos" e "Wolverine - Imortal". Seu roteiro traz muitas referências do excelente "Precisamos falar sobre Kevin" de 2011, mas com o frescor de se tratar de uma minissérie e de poder explorar uma história complexa, com personagens profundos, com muito mais tempo de desenvolvimento que as duas horas do filme. Toda a trama envolvendo o assassinato, a investigação criminal e o julgamento é equilibrada com momentos bastante particulares da relação familiar dos Barber. Aquela família perfeita de fato não existe, personagens impecáveis, acima do bem e do mal, muito menos, com isso, a todo momento, o roteiro nos coloca uma pulga atrás da orelha com diálogos inteligentes e, principalmente, atuações acima da média, principalmente de Jaeden Martell - o ator consegue entregar uma performance incrível, extremamente contido, trabalhando o silêncio de um forma sombria em alguns momentos e frágil em outros - reparem! Michelle Dockery também surpreende como Laurie e o contraponto da dúvida é tão bem trabalhado pela personagem que o ótimo trabalho do Chris Evans acaba ganhando ainda mais força - embora ele tenha um tendência absurda a trabalhar um tom acima, sua certeza sobre a inocência do filho é de emocionar!
A edição também é um ponto que merece ser comentado: ela é a responsável pela dinâmica narrativa que o premiadíssimo diretor Morten Tyldum (Jogo da Imitação) impõe à história. A quebra da linha temporal parece mais confundir do que explicar e , propositalmente, os cortes nos criam a sensação de insegurança que vai progredindo até chegarmos nos episódios 7 e 8, quando nossa angústia já está quase insuportável. O fato do diretor ser norueguês, certamente, contribuiu para a escolha do look gélido que a minissérie tem - se "Garota Exemplar" trazia uma dominância mais esverdeada, "Em Defesa de Jacob" usa do azul para retratar a frieza e a solidão dos momentos de dúvida e de introspecção que acompanham cada um dos personagens, ao seu modo, em toda história!
"Em Defesa de Jacob" vem forte para a temporada de premiações, com aquele empurrãozinho de sucessos como "Big Little Lies" ou "Em Prantos", mas com a coragem de um roteiro que nos tira da zona de conforto e nos provoca ao não responder a questão principal da trama, mas de expor as imperfeições dos relacionamentos familiares em várias camadas e situações até o seu limite!
Vale o seu play!
É preciso entender que a AppleTV+ está apenas no começo da sua jornada e talvez por isso eu fique muito tranquilo em afirmar: de tudo que assisti até agora no serviço de streaming da Apple, "Em defesa de Jacob" é disparado o melhor titulo - não que os outros sejam ruins, mas essa minissérie é impecável, no seu roteiro, na sua produção e no seu elenco!
Baseada no livro de 2012 do americano William Landay, "Em Defesa de Jacob" conta a história do promotor Andy Barber (Chris Evans), um homem que acreditava ter uma vida perfeita ao lado de sua esposa Laurie (Michelle Dockery) e do filho Jacob (Jaeden Martell). Porém quando Barber é escalado para investigar o assassinato de um adolescente de 14 anos que foi encontrado esfaqueado em um parque da pequena cidade de Massachusetts onde moram, ele começa a enfrentar um verdadeiro pesadelo. O garoto estudava com seu filho que, pouco tempo depois, passa a ser apontado como o principal suspeito de ter cometido o crime. A partir daí, a vida da família Barber vira de ponta-cabeça, sua intimidade é completamente exposta, a repercussão da acusação destrói seu convívio social e a dúvida sobre o que realmente aconteceu transforma a relação entre eles em um verdadeiro jogo de verdades e mentiras! Confira o trailer:
Antes de seguir, eu preciso dizer que "Em Defesa de Jacob" já começa genial pelo duplo sentido do seu título - isso só ficará claro no último episódio, porém o que você vai assistir nos outros sete que compõem a minissérie, é uma história dinâmica que, mesmo com algumas escolhas óbvias, nos mantém envolvidos e cheio de dúvidas sobre os fatos que levaram o crime ser cometido e sobre quem cometeu! É um verdadeiro exercício de adivinhação constante, mas que o roteiro insiste em nos afastar da solução a cada nova descoberta! Olha, vale muito a pena mesmo, entretenimento de primeira linha, nível HBO, mas na AppleTV+!
"Em Defesa de Jacob" foi criada por Mark Bomback, roteirista de "Planeta dos Macacos" e "Wolverine - Imortal". Seu roteiro traz muitas referências do excelente "Precisamos falar sobre Kevin" de 2011, mas com o frescor de se tratar de uma minissérie e de poder explorar uma história complexa, com personagens profundos, com muito mais tempo de desenvolvimento que as duas horas do filme. Toda a trama envolvendo o assassinato, a investigação criminal e o julgamento é equilibrada com momentos bastante particulares da relação familiar dos Barber. Aquela família perfeita de fato não existe, personagens impecáveis, acima do bem e do mal, muito menos, com isso, a todo momento, o roteiro nos coloca uma pulga atrás da orelha com diálogos inteligentes e, principalmente, atuações acima da média, principalmente de Jaeden Martell - o ator consegue entregar uma performance incrível, extremamente contido, trabalhando o silêncio de um forma sombria em alguns momentos e frágil em outros - reparem! Michelle Dockery também surpreende como Laurie e o contraponto da dúvida é tão bem trabalhado pela personagem que o ótimo trabalho do Chris Evans acaba ganhando ainda mais força - embora ele tenha um tendência absurda a trabalhar um tom acima, sua certeza sobre a inocência do filho é de emocionar!
A edição também é um ponto que merece ser comentado: ela é a responsável pela dinâmica narrativa que o premiadíssimo diretor Morten Tyldum (Jogo da Imitação) impõe à história. A quebra da linha temporal parece mais confundir do que explicar e , propositalmente, os cortes nos criam a sensação de insegurança que vai progredindo até chegarmos nos episódios 7 e 8, quando nossa angústia já está quase insuportável. O fato do diretor ser norueguês, certamente, contribuiu para a escolha do look gélido que a minissérie tem - se "Garota Exemplar" trazia uma dominância mais esverdeada, "Em Defesa de Jacob" usa do azul para retratar a frieza e a solidão dos momentos de dúvida e de introspecção que acompanham cada um dos personagens, ao seu modo, em toda história!
"Em Defesa de Jacob" vem forte para a temporada de premiações, com aquele empurrãozinho de sucessos como "Big Little Lies" ou "Em Prantos", mas com a coragem de um roteiro que nos tira da zona de conforto e nos provoca ao não responder a questão principal da trama, mas de expor as imperfeições dos relacionamentos familiares em várias camadas e situações até o seu limite!
Vale o seu play!
"Encontros", novo filme do diretor francês Cédric Klapisch (Paris) parece um drama mais profundo sobre relações (ou a falta delas) ao melhor estilo "Encontros e Desencontros", mas no final não passa de uma comédia romântica com pitadas de drama, tipo "La délicatesse" ("A Delicadeza do Amor") - não que isso seja ruim, muito pelo contrário, acho que até funcionou, mas é preciso assistir preparado para não se decepcionar.
O filme conta a história de Mélanie (Ana Girardot), uma jovem de 30 anos que se apoia em um app de encontros para superar a solidão após o termino do seu mais recente relacionamento e, principalmente, por ter se distanciado tanto da sua família, ou melhor, da sua mãe que mora em uma outra cidade. Já Rémi (François Civil) carrega a dor de uma perda pessoal e está passando por uma transição profissional pouco inspiradora. Sua enorme dificuldade com o sono o coloca em um estado depressivo que dificulta seus relacionamentos - ele também vive sozinho! O interessante é que Mélanie e Rémi são vizinhos, frequentam o mesmo mercado, tem horários parecidos, mas nunca se conheceram! É nesse contexto que "Encontros" acompanha a vida desses dois jovens tão próximos geograficamente, mas tão distantes fisicamente. Suas histórias são contatadas de forma independente, mostrando os dois juntos apenas nos desencontros pontuais e deixando claro que, "sim", eles vão se encontrar e se conhecer em algum momento, mas que isso na verdade não é o mais importante e sim a jornada de auto-conhecimento que os dois estão passando para poder seguir seus respectivos caminhos - juntos ou separados.
Embora o filme trate de assuntos pesados com uma certa leveza, Klapisch peca em não definir o gênero do filme e isso incomoda um pouco - até o nome do filme mudou em português: começou como (Des)Encontros e passou para Encontros um dia antes da estreia! Eu até acho possível brincar com a audiência ao entregar logo de cara um final óbvio, provocando nossa criatividade para descobrir "como" esse final irá acontecer, porém o filme sofre com a falta de identidade e isso reflete muito na nossa experiência - ele transita muito aleatoriamente entre o drama e a comédia romântica, tornando essa "espera" um pouco cansativa. Talvez lendo algo como esse texto antes de assistir o filme, a percepção melhore, mas não se pode contar com isso!
Ter Paris como cenário faz com que a fotografia seja naturalmente muito bonita - os planos abertos são tão bem trabalhados quanto os fechados e isso trás uma enorme elegância para o filme. Klapisch tem o mérito de usar o cenário apenas como moldura para mostrar um sentimento de solidão da vida adulta dos dois personagens. A cor do filme também é linda! Agora, tecnicamente, existe um erro grave de continuidade quando os personagens entram em seus respectivos prédios de um lado, mas aparecem em lados trocados nas suas janelas - eu diria que é um pouco amador esse tipo de erro, mas acaba não interferindo tanto na história em si. Fica como curiosidade!
"Encontros" tenta se aprofundar nos sentimentos dos personagens, mas com um conceito narrativo mais leve e muitas vezes não dá o "match" ideal, por outro lado é um filme gostoso de assistir, com uma ou outra reflexão mais existencial ou por identificação, mas nada muito profundo. Se você gostou de "500 dias com ela" e "Antes do Pôr do Sol", mesmo eles sendo completamente diferentes, é bem possível que você goste de "Encontros" ou (Des)Encontros - como você preferir!
"Encontros", novo filme do diretor francês Cédric Klapisch (Paris) parece um drama mais profundo sobre relações (ou a falta delas) ao melhor estilo "Encontros e Desencontros", mas no final não passa de uma comédia romântica com pitadas de drama, tipo "La délicatesse" ("A Delicadeza do Amor") - não que isso seja ruim, muito pelo contrário, acho que até funcionou, mas é preciso assistir preparado para não se decepcionar.
O filme conta a história de Mélanie (Ana Girardot), uma jovem de 30 anos que se apoia em um app de encontros para superar a solidão após o termino do seu mais recente relacionamento e, principalmente, por ter se distanciado tanto da sua família, ou melhor, da sua mãe que mora em uma outra cidade. Já Rémi (François Civil) carrega a dor de uma perda pessoal e está passando por uma transição profissional pouco inspiradora. Sua enorme dificuldade com o sono o coloca em um estado depressivo que dificulta seus relacionamentos - ele também vive sozinho! O interessante é que Mélanie e Rémi são vizinhos, frequentam o mesmo mercado, tem horários parecidos, mas nunca se conheceram! É nesse contexto que "Encontros" acompanha a vida desses dois jovens tão próximos geograficamente, mas tão distantes fisicamente. Suas histórias são contatadas de forma independente, mostrando os dois juntos apenas nos desencontros pontuais e deixando claro que, "sim", eles vão se encontrar e se conhecer em algum momento, mas que isso na verdade não é o mais importante e sim a jornada de auto-conhecimento que os dois estão passando para poder seguir seus respectivos caminhos - juntos ou separados.
Embora o filme trate de assuntos pesados com uma certa leveza, Klapisch peca em não definir o gênero do filme e isso incomoda um pouco - até o nome do filme mudou em português: começou como (Des)Encontros e passou para Encontros um dia antes da estreia! Eu até acho possível brincar com a audiência ao entregar logo de cara um final óbvio, provocando nossa criatividade para descobrir "como" esse final irá acontecer, porém o filme sofre com a falta de identidade e isso reflete muito na nossa experiência - ele transita muito aleatoriamente entre o drama e a comédia romântica, tornando essa "espera" um pouco cansativa. Talvez lendo algo como esse texto antes de assistir o filme, a percepção melhore, mas não se pode contar com isso!
Ter Paris como cenário faz com que a fotografia seja naturalmente muito bonita - os planos abertos são tão bem trabalhados quanto os fechados e isso trás uma enorme elegância para o filme. Klapisch tem o mérito de usar o cenário apenas como moldura para mostrar um sentimento de solidão da vida adulta dos dois personagens. A cor do filme também é linda! Agora, tecnicamente, existe um erro grave de continuidade quando os personagens entram em seus respectivos prédios de um lado, mas aparecem em lados trocados nas suas janelas - eu diria que é um pouco amador esse tipo de erro, mas acaba não interferindo tanto na história em si. Fica como curiosidade!
"Encontros" tenta se aprofundar nos sentimentos dos personagens, mas com um conceito narrativo mais leve e muitas vezes não dá o "match" ideal, por outro lado é um filme gostoso de assistir, com uma ou outra reflexão mais existencial ou por identificação, mas nada muito profundo. Se você gostou de "500 dias com ela" e "Antes do Pôr do Sol", mesmo eles sendo completamente diferentes, é bem possível que você goste de "Encontros" ou (Des)Encontros - como você preferir!
"Entre Facas e Segredos" poderia ser mais uma adaptação de um livro de Agatha Christie ou de um conto de Sherlock Holmes, tantas são as referências (ou homenagens como o próprio diretor Rian Johnson já admitiu) aos clássicos de investigação. O interessante, porém, é que o filme assume uma identidade muito particular ao não guiar o público pelos olhos de quem investiga e sim pelos de quem é investigado, mesmo repetindo um conceito narrativo já bastante explorado nesse tipo história: a não-linearidade dos fatos, os vários pontos de vista para uma mesma situação e ainda aquele equilíbrio cirúrgico entre o drama, a comédia e o mistério policial.
Basicamente, o filme acompanha uma investigação após a morte do famoso romancista, Harlan Thrombey (Christopher Plummer), que na manhã seguinte ao seu 85º aniversário, é encontrado morto em seu quarto. Embora a polícia local tenha admitido se tratar de um suicídio, um famoso detetive particular, Benoit Blanc (Daniel Craig), é contratado para investigar algumas suspeitas de que, na verdade, houve um assassinado. Confira o trailer:
"Entre Facas e Segredos" é daqueles filmes divertidos sobre investigação ao melhor estilo "quem matou?". Isso ganhar ainda mais força por se tratar de um universo que nos lembra o tabuleiro do jogo "Detetive" - como um dos policiais responsáveis pelo caso confidencia, inclusive. Talvez, essa seja a melhor definição para o filme escrito e dirigido pelo Rian Johnson: assistir "Entre Facas e Segredos" é como jogar "Detetive" e em pouco mais de 120 minutos temos todas as respostas, encaixadas perfeitamente, sem atalhos ou surpresas - mérito de um excelente roteiro que concorreu ao Oscar 2020.
Você pode até descobrir todas as respostas antes delas serem reveladas, afinal as pistas estão ali, basta prestar atenção; mas pode ter certeza, a diversão já vai ter valido muito a pena!
Mesmo classificada como uma comédia, nós preferimos catalogar "Entre Facas e Segredos" como "policial" e vamos explicar a razão: o filme trás algumas características que precisam ser observadas para que as pessoas não se decepcionem. A história não é necessariamente curta (característica importante das comédias), mas tenha certeza que cada minuto é necessário para encaixar as peças desse quebra-cabeça. O que ajuda muito na dinâmica narrativa é a montagem do Bob Ducsay - responsável em dar fluidez em vários filmes de ação de sucesso. Sem dúvida que essa característica do montador ajudou a equilibrar momentos mais monótonos, como os depoimentos dos personagens (que também servem como apresentação dos mesmos), com cenas muito interessantes como a construção da linha temporal que antecedeu o crime e uma perseguição bem coreografada que dá ares de "policia contra ladrão". O roteiro foi inteligente ao usar personagens estereotipados, mas com um humor nada escrachado - existe um certo ar de sarcasmo nos diálogos, com comentários carregados de cinismo, pontuados por críticas pessoais, sociais e até sobre assuntos políticos relevantes e super atuais, que não são de fácil percepção ou não tem a leveza que um comédia sugere.
A direção de Rian Johnson é muito criativa e ao lado do fotógrafo pouco badalado, Steve Yedlin, entregam uma atmosfera quase claustrofóbica. A forma como os cômodos da Mansão são mostradas, as estátuas, a decoração, tudo muito bem pensado pela direção de arte para servir, se não como pistas do crime, pelo menos como elementos que ajudam a compor aquele mistério. O elenco também está ótimo, destaque para Ana de Armas como Marta Cabrera e Toni Collette como Joni Thrombey, além dos já citados Christopher Plummer e Daniel Craig - vale ressaltar que o roteiro expõe características muito exageradas de cada personagem como "o filho ressentido e desprezado", o outro "charmoso vagabundo" ou um genro "pragmático e desprezível"; com isso temos uma composição que nos remete ao teatro, à commedia dell'arte, mas que, de forma alguma, se distancia de uma atmosfera realista, fria e constrangedora, de onde todos estão inseridos.
"Entre Facas e Segredos" é tecnicamente muito bem realizado e nos entrega um ótimo entretenimento, que nem de longe será um filme inesquecível, mas certamente vai render duas horas de diversão de alto nível - me surpreende apenas "Roteiro Original" ter sido indicado ao Oscar, certamente caberia uma indicação de "Desenho de Produção" e quem sabe até de "Montagem".
Vale muito o play!
"Entre Facas e Segredos" poderia ser mais uma adaptação de um livro de Agatha Christie ou de um conto de Sherlock Holmes, tantas são as referências (ou homenagens como o próprio diretor Rian Johnson já admitiu) aos clássicos de investigação. O interessante, porém, é que o filme assume uma identidade muito particular ao não guiar o público pelos olhos de quem investiga e sim pelos de quem é investigado, mesmo repetindo um conceito narrativo já bastante explorado nesse tipo história: a não-linearidade dos fatos, os vários pontos de vista para uma mesma situação e ainda aquele equilíbrio cirúrgico entre o drama, a comédia e o mistério policial.
Basicamente, o filme acompanha uma investigação após a morte do famoso romancista, Harlan Thrombey (Christopher Plummer), que na manhã seguinte ao seu 85º aniversário, é encontrado morto em seu quarto. Embora a polícia local tenha admitido se tratar de um suicídio, um famoso detetive particular, Benoit Blanc (Daniel Craig), é contratado para investigar algumas suspeitas de que, na verdade, houve um assassinado. Confira o trailer:
"Entre Facas e Segredos" é daqueles filmes divertidos sobre investigação ao melhor estilo "quem matou?". Isso ganhar ainda mais força por se tratar de um universo que nos lembra o tabuleiro do jogo "Detetive" - como um dos policiais responsáveis pelo caso confidencia, inclusive. Talvez, essa seja a melhor definição para o filme escrito e dirigido pelo Rian Johnson: assistir "Entre Facas e Segredos" é como jogar "Detetive" e em pouco mais de 120 minutos temos todas as respostas, encaixadas perfeitamente, sem atalhos ou surpresas - mérito de um excelente roteiro que concorreu ao Oscar 2020.
Você pode até descobrir todas as respostas antes delas serem reveladas, afinal as pistas estão ali, basta prestar atenção; mas pode ter certeza, a diversão já vai ter valido muito a pena!
Mesmo classificada como uma comédia, nós preferimos catalogar "Entre Facas e Segredos" como "policial" e vamos explicar a razão: o filme trás algumas características que precisam ser observadas para que as pessoas não se decepcionem. A história não é necessariamente curta (característica importante das comédias), mas tenha certeza que cada minuto é necessário para encaixar as peças desse quebra-cabeça. O que ajuda muito na dinâmica narrativa é a montagem do Bob Ducsay - responsável em dar fluidez em vários filmes de ação de sucesso. Sem dúvida que essa característica do montador ajudou a equilibrar momentos mais monótonos, como os depoimentos dos personagens (que também servem como apresentação dos mesmos), com cenas muito interessantes como a construção da linha temporal que antecedeu o crime e uma perseguição bem coreografada que dá ares de "policia contra ladrão". O roteiro foi inteligente ao usar personagens estereotipados, mas com um humor nada escrachado - existe um certo ar de sarcasmo nos diálogos, com comentários carregados de cinismo, pontuados por críticas pessoais, sociais e até sobre assuntos políticos relevantes e super atuais, que não são de fácil percepção ou não tem a leveza que um comédia sugere.
A direção de Rian Johnson é muito criativa e ao lado do fotógrafo pouco badalado, Steve Yedlin, entregam uma atmosfera quase claustrofóbica. A forma como os cômodos da Mansão são mostradas, as estátuas, a decoração, tudo muito bem pensado pela direção de arte para servir, se não como pistas do crime, pelo menos como elementos que ajudam a compor aquele mistério. O elenco também está ótimo, destaque para Ana de Armas como Marta Cabrera e Toni Collette como Joni Thrombey, além dos já citados Christopher Plummer e Daniel Craig - vale ressaltar que o roteiro expõe características muito exageradas de cada personagem como "o filho ressentido e desprezado", o outro "charmoso vagabundo" ou um genro "pragmático e desprezível"; com isso temos uma composição que nos remete ao teatro, à commedia dell'arte, mas que, de forma alguma, se distancia de uma atmosfera realista, fria e constrangedora, de onde todos estão inseridos.
"Entre Facas e Segredos" é tecnicamente muito bem realizado e nos entrega um ótimo entretenimento, que nem de longe será um filme inesquecível, mas certamente vai render duas horas de diversão de alto nível - me surpreende apenas "Roteiro Original" ter sido indicado ao Oscar, certamente caberia uma indicação de "Desenho de Produção" e quem sabe até de "Montagem".
Vale muito o play!
Pode até parecer um pouco confuso isso que vou dizer, mas "Falando a Real" é uma mistura extremamente bem equilibrada de "Ted Lasso" com "O Método Kominsky".Aliás, isso não acontece por acaso, já que a série é uma co-criação de Bill Lawrence (também criador de "Ted Lasso"), Brett Goldstein (o inesquecível Roy Kent) e Jason Segel (sim, o Marshall de "How I Met Your Mother"). O comparativo entre as séries não para por aí, já que Lawrence repete exatamente a mesma estrutura narrativa, só que dessa vez pontuando a vida de um terapeuta (pouco ortodoxo como Lasso) que tenta passar pelo luto da perda repentina de sua esposa (lembram do Norman?). De uma forma extremamente sensível, a série discute temas como o luto, a depressão, o relacionamento distante entre pai e filha e também, conforme a temporada vai se desenvolvendo, traz para os holofotes o drama diante do diagnóstico do Mal de Parkinson - com um Harrison Ford no melhor de sua forma.
Jimmy (Segel) é um terapeuta em luto que decide burlar todas as regras de sua profissão para dizer aos seus pacientes exatamente o que pensa. Deixando a ética profissional um pouco de lado, ele consegue transformar a vida de muitas pessoas a partir dessa nova abordagem, incluindo a sua. Jimmy é um dos protegidos do Dr. Phil Rodes (Ford), um psicólogo pé no chão, afiado e genial na área de terapia cognitivo-comportamental que acaba de ser diagnosticado com Mal de Parkinson. A relação entre eles ganha uma nova camada quando Phil passa a aconselhar a filha do amigo (e pupilo) na tentativa de uni-los após a tragédia familiar que ambos não conseguiram resolver juntos. Confira o trailer (em inglês):
Além de um texto dos mais inteligentes, irônico e divertido, é inegável que a força do elenco acaba colocando a série em outro patamar - o Jimmy de Segel é tão envolvente quanto humano, na forma como passa a tratar seus pacientes, quando diz sempre a "real", em um contraponto enorme ao tentar se relacionar com a filha, Alice (Lukita Maxwell), com quem tem enorme dificuldade de se comunicar, e assim quebrar todas as barreiras construídas pela maneira como cada um enfrentou o luto. A dobradinha Segel e Ford também entrega performances brilhantes, trazendo uma mistura de humor e emoção para seus personagens - mais ou menos como Douglas e Arkin em "Kominsky". A química entre os dois é palpável, e sua amizade, além da admiração profissional, rende diálogos afiados e situações cômicas ao mesmo tempo em que pontua temas mais sérios de uma maneira acessível, mantendo um equilíbrio entre o riso, a reflexão e a emoção.
Outro ponto muito interessante de "Falando a Real", sem dúvida, está nas camadas que o roteiro pincela com muita habilidade para construir momentos que exploram alguns sentimentos sem soar pragmático demais. Veja, é natural Jimmy sofrer pela perda da esposa, no entanto, Phil também precisa lidar com as suas sem ao menos se expor perante quem, na visão dele, precisa de ajuda naquele momento - a cena em que ele conta se permitir sofrer 15 minutos por dia, dada sua condição de saúde, e depois retomar a vida como se nada tivesse acontecido, dá o exato tom da profundidade das relações estabelecidas na série. Reparem que existe muito arrependimento, situações familiares e de amizade mal resolvidas nas entrelinhas e isso, meu amigo, mexe demais com a gente.
"Shrinking" (no original) é mais uma daquelas séries que consegue equilibrar habilmente momentos mais sérios com um humor inteligente, garantindo uma jornada cheia de nuances e, principalmente, emocionante. Encantadora na sua essência e bem executada na sua forma, a série da Apple sabe ser autêntica, espontânea e comovente com a mesma habilidade com que se posiciona após uma ou outra cena claramente estereotipada. Com performances excelentes, diálogos afiados e uma mistura equilibrada de comédia e drama, a série vai te conquistar - pode apostar!
Pode até parecer um pouco confuso isso que vou dizer, mas "Falando a Real" é uma mistura extremamente bem equilibrada de "Ted Lasso" com "O Método Kominsky".Aliás, isso não acontece por acaso, já que a série é uma co-criação de Bill Lawrence (também criador de "Ted Lasso"), Brett Goldstein (o inesquecível Roy Kent) e Jason Segel (sim, o Marshall de "How I Met Your Mother"). O comparativo entre as séries não para por aí, já que Lawrence repete exatamente a mesma estrutura narrativa, só que dessa vez pontuando a vida de um terapeuta (pouco ortodoxo como Lasso) que tenta passar pelo luto da perda repentina de sua esposa (lembram do Norman?). De uma forma extremamente sensível, a série discute temas como o luto, a depressão, o relacionamento distante entre pai e filha e também, conforme a temporada vai se desenvolvendo, traz para os holofotes o drama diante do diagnóstico do Mal de Parkinson - com um Harrison Ford no melhor de sua forma.
Jimmy (Segel) é um terapeuta em luto que decide burlar todas as regras de sua profissão para dizer aos seus pacientes exatamente o que pensa. Deixando a ética profissional um pouco de lado, ele consegue transformar a vida de muitas pessoas a partir dessa nova abordagem, incluindo a sua. Jimmy é um dos protegidos do Dr. Phil Rodes (Ford), um psicólogo pé no chão, afiado e genial na área de terapia cognitivo-comportamental que acaba de ser diagnosticado com Mal de Parkinson. A relação entre eles ganha uma nova camada quando Phil passa a aconselhar a filha do amigo (e pupilo) na tentativa de uni-los após a tragédia familiar que ambos não conseguiram resolver juntos. Confira o trailer (em inglês):
Além de um texto dos mais inteligentes, irônico e divertido, é inegável que a força do elenco acaba colocando a série em outro patamar - o Jimmy de Segel é tão envolvente quanto humano, na forma como passa a tratar seus pacientes, quando diz sempre a "real", em um contraponto enorme ao tentar se relacionar com a filha, Alice (Lukita Maxwell), com quem tem enorme dificuldade de se comunicar, e assim quebrar todas as barreiras construídas pela maneira como cada um enfrentou o luto. A dobradinha Segel e Ford também entrega performances brilhantes, trazendo uma mistura de humor e emoção para seus personagens - mais ou menos como Douglas e Arkin em "Kominsky". A química entre os dois é palpável, e sua amizade, além da admiração profissional, rende diálogos afiados e situações cômicas ao mesmo tempo em que pontua temas mais sérios de uma maneira acessível, mantendo um equilíbrio entre o riso, a reflexão e a emoção.
Outro ponto muito interessante de "Falando a Real", sem dúvida, está nas camadas que o roteiro pincela com muita habilidade para construir momentos que exploram alguns sentimentos sem soar pragmático demais. Veja, é natural Jimmy sofrer pela perda da esposa, no entanto, Phil também precisa lidar com as suas sem ao menos se expor perante quem, na visão dele, precisa de ajuda naquele momento - a cena em que ele conta se permitir sofrer 15 minutos por dia, dada sua condição de saúde, e depois retomar a vida como se nada tivesse acontecido, dá o exato tom da profundidade das relações estabelecidas na série. Reparem que existe muito arrependimento, situações familiares e de amizade mal resolvidas nas entrelinhas e isso, meu amigo, mexe demais com a gente.
"Shrinking" (no original) é mais uma daquelas séries que consegue equilibrar habilmente momentos mais sérios com um humor inteligente, garantindo uma jornada cheia de nuances e, principalmente, emocionante. Encantadora na sua essência e bem executada na sua forma, a série da Apple sabe ser autêntica, espontânea e comovente com a mesma habilidade com que se posiciona após uma ou outra cena claramente estereotipada. Com performances excelentes, diálogos afiados e uma mistura equilibrada de comédia e drama, a série vai te conquistar - pode apostar!
"Finch" é para você que procura entretenimento leve, com algum laço emocional e um toque de reflexão sobre as relações humanas, mesmo que, mais uma vez, Tom Hanks esteja praticamente sozinho em cena. Veja, se em "Náufrago" (de 2000), Hanks se relacionou com uma bola de vôlei e provou ser possível sobreviver em uma ilha deserta após um acidente aéreo, em "Finch" o conceito é praticamente o mesmo, mas dessa vez o personagem nos entrega uma espécie de manual de sobrevivência no fim do mundo e seus companheiros de jornada são: um cachorro (muito simpático por sinal) e um robô (muito bem desenhado) que está aprendendo a viver.
Na trama, Hanks interpreta Finch, um engenheiro de robótica e um dos poucos sobreviventes de um evento solar cataclísmico que praticamente dizimou a humanidade. Ao adquirir uma doença terminal, ele decide criar um robô (vivido por Caleb Landry Jones) para que ele possa cuidar do seu cachorro, Goodyear, quando morrer. Ao perceber que uma enorme tempestade se aproxima, os três embarcam em uma peculiar jornada de sobrevivência em meio a uma América completamente destruída, onde Finch precisa ensinar para um robô o real significado de ser um humano e como as relações de confiança podem criar laços tão profundos e sentimentais que nos movem na busca de algo maior, e muitas vezes inexplicável. Confira o trailer (em inglês):
Miguel Sapochnik (o cara por trás da Batalha dos Bastardos em "Game of Thrones"), dirige um filme que tinha tudo para ser "mais do mesmo", mas que não é, pela enorme habilidade de um roteiro aqui assinado por Craig Luck e Ivor Powell, que usa de alegorias para construir uma relação imperfeita entre os personagens - como aliás, é na vida real. Se em "Náufrago" o diretor Robert Zemeckis ("De volta para o Futuro") preferiu buscar na fantasia uma condição realista e dramática, Sapochnik faz justamente o caminho inverso ao respeitar a história como uma fantástica jornada de descobertas sem a necessidade de trazer o peso ou impacto dramático além do universo onde os personagens estão inseridos. Como em "O Mágico de Óz", vamos descobrindo os motivos da transformação do mundo em um caos junto com um dos personagens - nossa Dorothy é o robô Jeff. E aqui cabe um elogio: o ator Caleb Landry Jones que dá voz (e vida) ao robô, juntamente com o time de design de produção e de efeitos especiais, conseguem entregar um personagem com verdade, ingênuo até, mas divertido - basicamente um bebê robô perfeito que precisa aprender a se virar em um mundo imperfeito.
Embora você vá encontrar uma ou outra cena com mais ação (eu destacaria a cena do tornado e do hospital), "Finch" é essencialmente um drama existencial dentro de um road movie - um "Amor e Monstros"mais adulto e menos blockbuster. O fato é que Tom Hanks impulsiona a história com sua enorme capacidade de nos tocar, enquanto um time excepcional cria personagens coadjuvantes encantadores, dando um ar de leveza para a trama, mesmo nos momentos mais sensíveis. Sapochnik que sai das grandes séries e praticamente estreia em um longa-metragem, mostra que sua capacidade de construir narrativas visuais que vão além do "movimento"e da "ação" - existe "alma" e "reflexão" no seu trabalho!
Vale o play!
"Finch" é para você que procura entretenimento leve, com algum laço emocional e um toque de reflexão sobre as relações humanas, mesmo que, mais uma vez, Tom Hanks esteja praticamente sozinho em cena. Veja, se em "Náufrago" (de 2000), Hanks se relacionou com uma bola de vôlei e provou ser possível sobreviver em uma ilha deserta após um acidente aéreo, em "Finch" o conceito é praticamente o mesmo, mas dessa vez o personagem nos entrega uma espécie de manual de sobrevivência no fim do mundo e seus companheiros de jornada são: um cachorro (muito simpático por sinal) e um robô (muito bem desenhado) que está aprendendo a viver.
Na trama, Hanks interpreta Finch, um engenheiro de robótica e um dos poucos sobreviventes de um evento solar cataclísmico que praticamente dizimou a humanidade. Ao adquirir uma doença terminal, ele decide criar um robô (vivido por Caleb Landry Jones) para que ele possa cuidar do seu cachorro, Goodyear, quando morrer. Ao perceber que uma enorme tempestade se aproxima, os três embarcam em uma peculiar jornada de sobrevivência em meio a uma América completamente destruída, onde Finch precisa ensinar para um robô o real significado de ser um humano e como as relações de confiança podem criar laços tão profundos e sentimentais que nos movem na busca de algo maior, e muitas vezes inexplicável. Confira o trailer (em inglês):
Miguel Sapochnik (o cara por trás da Batalha dos Bastardos em "Game of Thrones"), dirige um filme que tinha tudo para ser "mais do mesmo", mas que não é, pela enorme habilidade de um roteiro aqui assinado por Craig Luck e Ivor Powell, que usa de alegorias para construir uma relação imperfeita entre os personagens - como aliás, é na vida real. Se em "Náufrago" o diretor Robert Zemeckis ("De volta para o Futuro") preferiu buscar na fantasia uma condição realista e dramática, Sapochnik faz justamente o caminho inverso ao respeitar a história como uma fantástica jornada de descobertas sem a necessidade de trazer o peso ou impacto dramático além do universo onde os personagens estão inseridos. Como em "O Mágico de Óz", vamos descobrindo os motivos da transformação do mundo em um caos junto com um dos personagens - nossa Dorothy é o robô Jeff. E aqui cabe um elogio: o ator Caleb Landry Jones que dá voz (e vida) ao robô, juntamente com o time de design de produção e de efeitos especiais, conseguem entregar um personagem com verdade, ingênuo até, mas divertido - basicamente um bebê robô perfeito que precisa aprender a se virar em um mundo imperfeito.
Embora você vá encontrar uma ou outra cena com mais ação (eu destacaria a cena do tornado e do hospital), "Finch" é essencialmente um drama existencial dentro de um road movie - um "Amor e Monstros"mais adulto e menos blockbuster. O fato é que Tom Hanks impulsiona a história com sua enorme capacidade de nos tocar, enquanto um time excepcional cria personagens coadjuvantes encantadores, dando um ar de leveza para a trama, mesmo nos momentos mais sensíveis. Sapochnik que sai das grandes séries e praticamente estreia em um longa-metragem, mostra que sua capacidade de construir narrativas visuais que vão além do "movimento"e da "ação" - existe "alma" e "reflexão" no seu trabalho!
Vale o play!
"Flora e Filho" que no Brasil ganhou o "inspirado" subtítulo de "Música em Família" é uma graça, daqueles que assistimos com um leve sorriso no rosto e que no final deixa nosso coração quentinho, sabe? E tudo isso não é por acaso, já que o diretor John Carney é o mesmo do imperdível "Apenas Uma Vez" e do excelente "Mesmo Se Nada Der Certo", e ainda traz uma premissa narrativa bem parecida com seus filmes anteriores, ou seja, contar uma história sobre um relacionamento difícil, dessa vez entre mãe e filho, que encontra um propósito em comum por meio da música. O filme distribuído pela Apple foi exibido noFestival de Toronto 2023 e acabou recebendo muitos elogios, tanto dos críticos quanto do público.
Flora (Eve Hewson) é uma mãe solteira que simplesmente não sabe mais o que fazer para se conectar com Max (Orén Kinlan), seu filho adolescente e, claro, rebelde. Quando a polícia sugere que Flora encontre um hobby para Max, ela entrega um antigo violão reformado para ele. O que ela imaginava que transformaria a vida do seu filho, acaba transformando a dela quando ela passa a ter aulas de violão pela internet com um músico fracassado de Los Angeles, Jeff (Joseph Gordon-Levitt). A partir daí, Flora e Max descobrem o poder que a música pode ter em uma relação que parecia impossível de funcionar. Confira o trailer (em inglês):
"Flora e Filho" é um filme que, de fato, transcende as barreiras do sub-gênero musical com aquele leve toque de comédia romântica. Como já faz parte da sua identidade, a direção de John Carney, se aproveita do drama familiar, ou da desconstrução dele, para discutir o real poder da conexão humana e a importância do perdão para que as coisas possam voltar a funcionar. E aqui não estamos falando do perdão entre mãe e filho, e sim sobre o "se perdoar". Obviamente que Carney não pesa na mão em nenhum momento, ou seja, não espere nada muito profundo ou desenvolvido demais, a ideia é mesmo contar uma história que nos faça lembrar que, mesmo nos momentos mais difíceis, a música pode iluminar nosso caminho e nos unir de maneiras inesperadas. Sim, eu sei que pode parecer poético demais e até soar um pouco "auto-ajuda", mas é por aí mesmo que encontramos a beleza do filme como um entretenimento despretensioso, mas muito acolhedor.
O roteiro do próprio Carney é bom, mas tem um certo desequilíbrio estrutural: os dois primeiros atos parecem mais cadenciados que sua conclusão, que soa apressada demais. É certo que o filme merecia pelo menos mais dez minutos de história - foi uma escolha conceitual do diretor e roteirista que funciona, mas também deixa uma sensação de que cabia mais. A fotografia cativante do experiente John Conroy (de "Westworld") ajuda a quebrar uma atmosfera de solidão com movimentos e soluções criativas que aproximam os personagens mesmo estando distantes - seja geograficamente ou emocionalmente. Reparem como de repente conexões são criadas e tudo parece fazer sentido. As poucas cenas de performances musicais funcionam como a "cereja do bolo" capturando a magia do processo criativo, proporcionando para audiência uma imersão emotiva na história. É aqui que, curiosamente, Eve Hewson mais se destaca - é impressionante como ela usa bem o seu olhar mais íntimo, criando um contra-ponto com ótimas e engraçadas passagens em que seu jeito "desbocado" de se expressar nos diverte.
Se a trilha sonora de "Flora e Filho" não tem a potência tão característica da filmografia de Carney (que já lhe rendeu dezenas de prêmios e uma indicação ao Oscar), saiba que a música original “High Life” vai sim te pegar! Agora um aviso: esteja preparado para um jornada que se recusa a romantizar a experiência da maternidade e que consegue incluir diálogos inquietantes quanto “às vezes eu gostaria que ele sumisse” sem fazer com que percamos a simpatia por uma mão que busca a todo custo se conectar com seu filho - o olhar para si, aqui, nunca é tratado como egoísmo e sim como autodescoberta; fica a reflexão!
Ps: Antes de finalizar, é impossível não citar a propaganda descarada do GarageBand. Embora o filme tenha sido adquirido pela Apple já basicamente pronto, o “papel” do software na trama não me parece apenas uma coincidência. Novos tempos, meu amigo!
"Flora e Filho" que no Brasil ganhou o "inspirado" subtítulo de "Música em Família" é uma graça, daqueles que assistimos com um leve sorriso no rosto e que no final deixa nosso coração quentinho, sabe? E tudo isso não é por acaso, já que o diretor John Carney é o mesmo do imperdível "Apenas Uma Vez" e do excelente "Mesmo Se Nada Der Certo", e ainda traz uma premissa narrativa bem parecida com seus filmes anteriores, ou seja, contar uma história sobre um relacionamento difícil, dessa vez entre mãe e filho, que encontra um propósito em comum por meio da música. O filme distribuído pela Apple foi exibido noFestival de Toronto 2023 e acabou recebendo muitos elogios, tanto dos críticos quanto do público.
Flora (Eve Hewson) é uma mãe solteira que simplesmente não sabe mais o que fazer para se conectar com Max (Orén Kinlan), seu filho adolescente e, claro, rebelde. Quando a polícia sugere que Flora encontre um hobby para Max, ela entrega um antigo violão reformado para ele. O que ela imaginava que transformaria a vida do seu filho, acaba transformando a dela quando ela passa a ter aulas de violão pela internet com um músico fracassado de Los Angeles, Jeff (Joseph Gordon-Levitt). A partir daí, Flora e Max descobrem o poder que a música pode ter em uma relação que parecia impossível de funcionar. Confira o trailer (em inglês):
"Flora e Filho" é um filme que, de fato, transcende as barreiras do sub-gênero musical com aquele leve toque de comédia romântica. Como já faz parte da sua identidade, a direção de John Carney, se aproveita do drama familiar, ou da desconstrução dele, para discutir o real poder da conexão humana e a importância do perdão para que as coisas possam voltar a funcionar. E aqui não estamos falando do perdão entre mãe e filho, e sim sobre o "se perdoar". Obviamente que Carney não pesa na mão em nenhum momento, ou seja, não espere nada muito profundo ou desenvolvido demais, a ideia é mesmo contar uma história que nos faça lembrar que, mesmo nos momentos mais difíceis, a música pode iluminar nosso caminho e nos unir de maneiras inesperadas. Sim, eu sei que pode parecer poético demais e até soar um pouco "auto-ajuda", mas é por aí mesmo que encontramos a beleza do filme como um entretenimento despretensioso, mas muito acolhedor.
O roteiro do próprio Carney é bom, mas tem um certo desequilíbrio estrutural: os dois primeiros atos parecem mais cadenciados que sua conclusão, que soa apressada demais. É certo que o filme merecia pelo menos mais dez minutos de história - foi uma escolha conceitual do diretor e roteirista que funciona, mas também deixa uma sensação de que cabia mais. A fotografia cativante do experiente John Conroy (de "Westworld") ajuda a quebrar uma atmosfera de solidão com movimentos e soluções criativas que aproximam os personagens mesmo estando distantes - seja geograficamente ou emocionalmente. Reparem como de repente conexões são criadas e tudo parece fazer sentido. As poucas cenas de performances musicais funcionam como a "cereja do bolo" capturando a magia do processo criativo, proporcionando para audiência uma imersão emotiva na história. É aqui que, curiosamente, Eve Hewson mais se destaca - é impressionante como ela usa bem o seu olhar mais íntimo, criando um contra-ponto com ótimas e engraçadas passagens em que seu jeito "desbocado" de se expressar nos diverte.
Se a trilha sonora de "Flora e Filho" não tem a potência tão característica da filmografia de Carney (que já lhe rendeu dezenas de prêmios e uma indicação ao Oscar), saiba que a música original “High Life” vai sim te pegar! Agora um aviso: esteja preparado para um jornada que se recusa a romantizar a experiência da maternidade e que consegue incluir diálogos inquietantes quanto “às vezes eu gostaria que ele sumisse” sem fazer com que percamos a simpatia por uma mão que busca a todo custo se conectar com seu filho - o olhar para si, aqui, nunca é tratado como egoísmo e sim como autodescoberta; fica a reflexão!
Ps: Antes de finalizar, é impossível não citar a propaganda descarada do GarageBand. Embora o filme tenha sido adquirido pela Apple já basicamente pronto, o “papel” do software na trama não me parece apenas uma coincidência. Novos tempos, meu amigo!
Seguindo a linha "e se...", que colocou "The Man in the High Castle" como uma das séries mais cultuadas da Amazon Prime Vídeo, "For All Mankind" bebe da mesma fonte, porém explorando uma das épocas mais controvérsas da politica mundial: quando EUA e URSS disputavam a tão falada "corrida espacial". Tudo o que eu escrever aqui pode soar como spoiler, então vou me limitar em dizer que a série mostra o que teria acontecido se os soviéticos tivessem liderado (ou pelo menos saído na frente) na conquista do espaço, em meio a Guerra Fria do final dos anos 60. Do ponto de vista dos americanos, é curioso reparar como a simples possibilidade de terminar esse cabo de guerra em segundo lugar, poderia ter impactado na história - e isso fica claro quando, com muita inteligência, o roteiro insere gravações reais de autoridades discutindo sobre o programa espacial sem a certeza de seu sucesso ou com a insegurança de quem não sabe muito bem como reagir perante a possibilidade de fracasso. O próprio presidente Nixon acaba se tornando um personagem onipresente sem ao menos aparecer na série.
É preciso destacar dois fatores: a qualidade da produção e as inúmeras possibilidades de tramas que o tema permite, mas por sua vez, um outro detalhe muito importante incomoda: faltam personagens mais carismáticos, ou pelo menos conflitos que possam inserir esses personagens em histórias sem a necessidade de criar novos núcleos de interação. De fato "For All Mankind" começa irregular, com alguns personagens sumindo, outros aparecendo, mas talvez, entendendo a proposta, seja a série de maior potencial da AppleTV+ até aqui.
"For All Mankind" tem uma estrutura narrativa bastante interessante: ela divide a temporada por episódios quase que independentes, que servem de escudo para um arco maior ainda sem muita relevância. O que eu quero dizer é que, em cada episódio, o conflito central praticamente se resolve (quase como um procedural) deixando pouco tempo para o desenvolvimento dos personagens e de suas tramas pessoais. Com isso a série precisa fazer alguns saltos temporais que, mesmo sendo limitados a um determinado período, dá a sensação que a história está sendo atropelada - é como se tudo tivesse que caber nos 60 minutos de duração do episódio a qualquer custo. O personagem de Joel Kinnaman, o astronauta Edward Baldwin, sente essa falta de linearidade e com isso não conquista a audiência. Outro núcleo que parece mal desenvolvido devido essa dinâmica do roteiro é o da família mexicana que entra ilegalmente nos EUA - essa trama está tão deslocada que se tirássemos todas as cenas, não sentiríamos a menor falta. É claro que existe uma razão deles estarem lá, mas, sinceramente, até agora, não interferiram em nada no andamento da série desde o primeiro episódio.
É fácil notar que algumas discussões politicas são muito bem inseridas dentro do contexto da série, outras já soam um pouco mais forçadas: o caso de nazismo do segundo episódio é um exemplo. Agora, quando entendemos que o objetivo da série é pegar um fato histórico, fazer uma releitura ou uma diferente interpretação para finalizar em, no máximo, dois episódios, fica mais fácil aceitar algumas inconsistências do roteiro, mas confesso que no início me causou muita estranheza! A direção do ótimo Seth Gordon tenta minimizar essa "correria" dos episódios com cenas um pouco mais introspectivas, dando a entender que o desenvolvimento dos personagens devem ganhar mais força e atenção que as próprias apresentações dos mesmos - em "See" vemos algo bem parecido e por consequência a dúvida é a mesma: quem assiste terá paciência para esperar os personagens (ou o arco maior) se estabelecerem?
"For All Mankind" é bom, e vai melhorando conforme os episódios vão passando. A série cresce com as intervenções na história baseada em fatos isolados que poderiam ter acontecido - e a sensação de conclusão que a série trás ajuda na experiência, isso é um fato! É perceptível o investimento da Apple na produção, trazendo elementos históricos (mesmo que destorcidos) no estilo Chernobyl ao mesmo tempo em que brinca com elementos mais hypados de filmes como "Top Gun" ou "Armagedom". Minha conclusão é a seguinte: a série já é boa, divertida e tende a melhorar, mas não deve se tornar inesquecível! Vale o play pelo entretenimento e pela qualidade da produção!
Seguindo a linha "e se...", que colocou "The Man in the High Castle" como uma das séries mais cultuadas da Amazon Prime Vídeo, "For All Mankind" bebe da mesma fonte, porém explorando uma das épocas mais controvérsas da politica mundial: quando EUA e URSS disputavam a tão falada "corrida espacial". Tudo o que eu escrever aqui pode soar como spoiler, então vou me limitar em dizer que a série mostra o que teria acontecido se os soviéticos tivessem liderado (ou pelo menos saído na frente) na conquista do espaço, em meio a Guerra Fria do final dos anos 60. Do ponto de vista dos americanos, é curioso reparar como a simples possibilidade de terminar esse cabo de guerra em segundo lugar, poderia ter impactado na história - e isso fica claro quando, com muita inteligência, o roteiro insere gravações reais de autoridades discutindo sobre o programa espacial sem a certeza de seu sucesso ou com a insegurança de quem não sabe muito bem como reagir perante a possibilidade de fracasso. O próprio presidente Nixon acaba se tornando um personagem onipresente sem ao menos aparecer na série.
É preciso destacar dois fatores: a qualidade da produção e as inúmeras possibilidades de tramas que o tema permite, mas por sua vez, um outro detalhe muito importante incomoda: faltam personagens mais carismáticos, ou pelo menos conflitos que possam inserir esses personagens em histórias sem a necessidade de criar novos núcleos de interação. De fato "For All Mankind" começa irregular, com alguns personagens sumindo, outros aparecendo, mas talvez, entendendo a proposta, seja a série de maior potencial da AppleTV+ até aqui.
"For All Mankind" tem uma estrutura narrativa bastante interessante: ela divide a temporada por episódios quase que independentes, que servem de escudo para um arco maior ainda sem muita relevância. O que eu quero dizer é que, em cada episódio, o conflito central praticamente se resolve (quase como um procedural) deixando pouco tempo para o desenvolvimento dos personagens e de suas tramas pessoais. Com isso a série precisa fazer alguns saltos temporais que, mesmo sendo limitados a um determinado período, dá a sensação que a história está sendo atropelada - é como se tudo tivesse que caber nos 60 minutos de duração do episódio a qualquer custo. O personagem de Joel Kinnaman, o astronauta Edward Baldwin, sente essa falta de linearidade e com isso não conquista a audiência. Outro núcleo que parece mal desenvolvido devido essa dinâmica do roteiro é o da família mexicana que entra ilegalmente nos EUA - essa trama está tão deslocada que se tirássemos todas as cenas, não sentiríamos a menor falta. É claro que existe uma razão deles estarem lá, mas, sinceramente, até agora, não interferiram em nada no andamento da série desde o primeiro episódio.
É fácil notar que algumas discussões politicas são muito bem inseridas dentro do contexto da série, outras já soam um pouco mais forçadas: o caso de nazismo do segundo episódio é um exemplo. Agora, quando entendemos que o objetivo da série é pegar um fato histórico, fazer uma releitura ou uma diferente interpretação para finalizar em, no máximo, dois episódios, fica mais fácil aceitar algumas inconsistências do roteiro, mas confesso que no início me causou muita estranheza! A direção do ótimo Seth Gordon tenta minimizar essa "correria" dos episódios com cenas um pouco mais introspectivas, dando a entender que o desenvolvimento dos personagens devem ganhar mais força e atenção que as próprias apresentações dos mesmos - em "See" vemos algo bem parecido e por consequência a dúvida é a mesma: quem assiste terá paciência para esperar os personagens (ou o arco maior) se estabelecerem?
"For All Mankind" é bom, e vai melhorando conforme os episódios vão passando. A série cresce com as intervenções na história baseada em fatos isolados que poderiam ter acontecido - e a sensação de conclusão que a série trás ajuda na experiência, isso é um fato! É perceptível o investimento da Apple na produção, trazendo elementos históricos (mesmo que destorcidos) no estilo Chernobyl ao mesmo tempo em que brinca com elementos mais hypados de filmes como "Top Gun" ou "Armagedom". Minha conclusão é a seguinte: a série já é boa, divertida e tende a melhorar, mas não deve se tornar inesquecível! Vale o play pelo entretenimento e pela qualidade da produção!
Se você é um amante da boa gastronomia, mais especificamente tem alguma ligação afetiva com o prazer de tomar algumas taças de vinho, pode parar tudo que está assistindo e dê o play nessa pérola escondida na AppleTV+. "Gotas Divinas" (ou "Drops of God") é de uma elegância cinematográfica e de uma profundidade narrativa que certamente vai te deixar com "água na boca" - e aqui, por favor, me desculpe o trocadilho, mas não existe maneira mais eficaz de traduzir o que vemos na tela sem estabelecer uma conexão, de fato, sensorial com a história de Camille Léger e de Issei Tomine.
Em oito episódios acompanhamos a jornada de Camille (Fleur Geffrier), uma jovem francesa e filha do especialista em vinhos Alexandre Léger (Stanley Weber), que acaba de falecer. Depois de ver seu pai pela última vez quando tinha ainda nove anos, Camille é levada para o Japão para a leitura de seu testamento. Lá, ela descobre que pode herdar a mais valiosa coleção de vinhos do mundo, avaliada em quase 150 milhões de dólares. No entanto, ela será submetida a três testes de enologia para finalmente receber sua herança, acontece que ela precisa passar por dois obstáculos: Issei Tomine (Tomohisa Yamashita), o talentoso pupilo de Léger, e o fato de que ela nunca antes ter provado uma gota de vinho sequer. Confira o trailer (em inglês):
Essa incrível co-produção França, EUA e Japão é baseado em um mangá de enorme sucesso, criado por Tadashi Agi e Shu Okimoto, e que foi lançado em 2004 no Japão. Adaptado pelo Quoc Dang Tran (do excelente "Dix Pour Cent"), "Gotas Divinas" é um verdadeiro mergulho na cultura e na história do vinho. A cada episódio somos apresentados a uma variedade de vinhos, regiões vinícolas e técnicas de degustação, nos proporcionando uma experiência tão divertida quanto educativa. Olha, a série é um convite para entender a diversidade e as sutilezas dessa bebida tão venerada no mundo inteiro.
Obviamente que como entretenimento, "Gotas Divinas" não se sustentaria apenas pela atmosfera onde a história está inserida - o drama, claramente focado em personagens complexos e muito cativantes, também expõe questões emocionais delicadas, colocando Camille em uma jornada de autodescoberta enquanto Issei busca se estabelecer como uma autoridade em enologia, mesmo indo contra as vontades de sua família tradicional japonesa. À medida que ambos vão encontrando seus propósitos com muita sensibilidade narrativa, vamos desvendando os segredos do mundo dos vinhos e nos conectando com os desafios de cada um deles. Talvez aí, inclusive, esteja o grande valor do roteiro escrito pelo próprio Tran ao lado de Clémence Madeleine-Perdrillat (da versão francesa de "Sessão de Terapia") e de Alice Vial (do inédito no Brasil, "La fille au coeur de cochon"): saber equilibrar os dramas dos protagonistas enquanto cria pontos em comum entre eles.
Com uma fotografia maravilhosa do Rotem Yaron (de "Losing Alice"), que enquadra com perfeição tanto as belas paisagens das vinícolas pelo mundo quanto as emoções mais profundas da personagem de Geffrier e de Yamashita; e uma trilha sonora sutil e elegante do (multi-plataforma) Kenma Shindo, "Gotas Divinas" chega até a brincar com aquela sensação de imersão nessa atmosfera tão particular e envolvente. Eu diria até que a série mereceria muito mais atenção do que recebeu aqui no Brasil, então não deixe essa oportunidade passar.
Para aqueles que têm interesse na cultura do vinho e apreciam uma abordagem mais contemplativa e profunda do ser humano, a série oferece uma experiência única! Vale muito o seu play!
Se você é um amante da boa gastronomia, mais especificamente tem alguma ligação afetiva com o prazer de tomar algumas taças de vinho, pode parar tudo que está assistindo e dê o play nessa pérola escondida na AppleTV+. "Gotas Divinas" (ou "Drops of God") é de uma elegância cinematográfica e de uma profundidade narrativa que certamente vai te deixar com "água na boca" - e aqui, por favor, me desculpe o trocadilho, mas não existe maneira mais eficaz de traduzir o que vemos na tela sem estabelecer uma conexão, de fato, sensorial com a história de Camille Léger e de Issei Tomine.
Em oito episódios acompanhamos a jornada de Camille (Fleur Geffrier), uma jovem francesa e filha do especialista em vinhos Alexandre Léger (Stanley Weber), que acaba de falecer. Depois de ver seu pai pela última vez quando tinha ainda nove anos, Camille é levada para o Japão para a leitura de seu testamento. Lá, ela descobre que pode herdar a mais valiosa coleção de vinhos do mundo, avaliada em quase 150 milhões de dólares. No entanto, ela será submetida a três testes de enologia para finalmente receber sua herança, acontece que ela precisa passar por dois obstáculos: Issei Tomine (Tomohisa Yamashita), o talentoso pupilo de Léger, e o fato de que ela nunca antes ter provado uma gota de vinho sequer. Confira o trailer (em inglês):
Essa incrível co-produção França, EUA e Japão é baseado em um mangá de enorme sucesso, criado por Tadashi Agi e Shu Okimoto, e que foi lançado em 2004 no Japão. Adaptado pelo Quoc Dang Tran (do excelente "Dix Pour Cent"), "Gotas Divinas" é um verdadeiro mergulho na cultura e na história do vinho. A cada episódio somos apresentados a uma variedade de vinhos, regiões vinícolas e técnicas de degustação, nos proporcionando uma experiência tão divertida quanto educativa. Olha, a série é um convite para entender a diversidade e as sutilezas dessa bebida tão venerada no mundo inteiro.
Obviamente que como entretenimento, "Gotas Divinas" não se sustentaria apenas pela atmosfera onde a história está inserida - o drama, claramente focado em personagens complexos e muito cativantes, também expõe questões emocionais delicadas, colocando Camille em uma jornada de autodescoberta enquanto Issei busca se estabelecer como uma autoridade em enologia, mesmo indo contra as vontades de sua família tradicional japonesa. À medida que ambos vão encontrando seus propósitos com muita sensibilidade narrativa, vamos desvendando os segredos do mundo dos vinhos e nos conectando com os desafios de cada um deles. Talvez aí, inclusive, esteja o grande valor do roteiro escrito pelo próprio Tran ao lado de Clémence Madeleine-Perdrillat (da versão francesa de "Sessão de Terapia") e de Alice Vial (do inédito no Brasil, "La fille au coeur de cochon"): saber equilibrar os dramas dos protagonistas enquanto cria pontos em comum entre eles.
Com uma fotografia maravilhosa do Rotem Yaron (de "Losing Alice"), que enquadra com perfeição tanto as belas paisagens das vinícolas pelo mundo quanto as emoções mais profundas da personagem de Geffrier e de Yamashita; e uma trilha sonora sutil e elegante do (multi-plataforma) Kenma Shindo, "Gotas Divinas" chega até a brincar com aquela sensação de imersão nessa atmosfera tão particular e envolvente. Eu diria até que a série mereceria muito mais atenção do que recebeu aqui no Brasil, então não deixe essa oportunidade passar.
Para aqueles que têm interesse na cultura do vinho e apreciam uma abordagem mais contemplativa e profunda do ser humano, a série oferece uma experiência única! Vale muito o seu play!
"Greyhound" merecia ser visto no cinema - de preferência em um IMax! Esse novo filme do Tom Hanks, que inclusive assina o roteiro, é uma adaptação o livro "The Good Shepherd", escrito em 1955 pelo autor C.S. Forester, e mostra a jornada do capitão Ernest Krause (Hanks) que, durante a Segunda Guerra Mundial, recebe a difícil missão de levar 37 navios aliados dos EUA até o Reino Unido, pelo Atlântico, em uma região repleta de submarinos U-Boats alemães. Confira o trailer (em inglês):
Embora o filme tenha uma dinâmica narrativa focada em um único personagem e nas decisões que ele precisa tomar para cumprir sua missão (e sobreviver), durante os 90 minutos de história, "Greyhound" está longe de ser um grande filme como "1917" - que se apoia na mesma premissa, porém em outro cenário! É claro que a tensão existe, que o visual é incrível e que o desenho de som e a mixagem criam um ambiente bastante interessante, como era de se esperar, mas o fato é que "Greyhound" não trás o diferencial estético que supere um roteiro sem muitos atrativos. O filme é um ótimo entretenimento, tem a ação que o gênero pede, mas no final não passa de mais um filme americano sobre a jornada do seu herói que luta com todas as adversidades e vence de maneira improvável seus inimigos - e fique tranquilo, isso não é spoiler, é só a constatação de um estilo de filme que se aproxima muito mais da estrutura de "Armagedom" ou "Pearl Harbor" do que de um genial "Dunkirk", por exemplo! Claro que "Greyhound" vale a pena, mas muito mais pela diversão e entretenimento, do que pela representatividade que o filme poderia ter na história!
Por incrível que possa parecer, o melhor do roteiro que Hanks escreveu está em um elemento que a maioria das pessoas nem tem condições de julgar - os diálogos técnicos entre o capitão e sua tripulação realmente condizem com a realidade da época e essa veracidade textual, de fato, nos coloca dentro do terror que aqueles personagens estão vivendo, embora a direção do Aaron Schneider, muito mais conhecido pelos filmes que fotografou do que pelos filmes que dirigiu e já tenha ganhado um Oscar de Curta-Metragem em 2003 com o excelente "Dois Soldados", não nos cause aquela sensação claustrofóbica que o roteiro pedia. Talvez por sua linha mais visual, faltou um cuidado maior em humanizar o capitão Ernest Krause, mesmo com todo esforço e talento de Tom Hanks - o recente "7500" é um bom exemplo do que um estilo de direção correto pode causar de angustia e tensão, sem precisar se apoiar em Computação Gráfica ou em movimentos de câmera grandiosos.
A dominância azulada de "Greyhound" é outra bengala no qual o filme se apoia para criar a sensação gélida daquela jornada - mais uma vez: não é que seja ruim, mas não é nada original - até quando o fotógrafo Shelly Johnson (Jurassic Park III) sugere um movimento de câmera interessante que sai do navio de Krause, abre o plano para mostrar o comboio no mar e depois sobe acima das nuvens para contrapor aquela suposta tensão com a poesia de uma Aurora Boreal, não soa orgânico e muito menos essencial para o filme! Por outro lado, as cenas de batalha naval são muito bem arquitetadas e criam uma dinâmica muito interessante para a narrativa porque ajudam a não aliviar a expectativa dos ataques - elas apenas sobrepõem uma ação à outra. Já li algumas críticas sobre essa escolha do Diretor, mas para mim, foi a estratégia que deu o tom de ação que o filme pedia, reparem!
"Greyhound" é uma espécie de "Sessão da Tarde", que funciona em sua proposta, mas não entrega um filme à altura da enorme expectativa que gerou desde a divulgação do seu trailer. Faltou um roteiro melhor, talvez com alguns minutos a mais de desenvolvimento de personagens para estabelecer melhor suas relações - como é o caso de Cleveland e Krause; e um diretor que além de ser capaz de criar uma atmosfera de tensão com as cenas de batalha, também explorasse o sofrimento humano e o incômodo que os jovens da tripulação estavam vivendo. Sem querer soar pedante, mas faltou um "Nolan" no comando!
Vale a pena pelo entretenimento e nada além disso!
"Greyhound" merecia ser visto no cinema - de preferência em um IMax! Esse novo filme do Tom Hanks, que inclusive assina o roteiro, é uma adaptação o livro "The Good Shepherd", escrito em 1955 pelo autor C.S. Forester, e mostra a jornada do capitão Ernest Krause (Hanks) que, durante a Segunda Guerra Mundial, recebe a difícil missão de levar 37 navios aliados dos EUA até o Reino Unido, pelo Atlântico, em uma região repleta de submarinos U-Boats alemães. Confira o trailer (em inglês):
Embora o filme tenha uma dinâmica narrativa focada em um único personagem e nas decisões que ele precisa tomar para cumprir sua missão (e sobreviver), durante os 90 minutos de história, "Greyhound" está longe de ser um grande filme como "1917" - que se apoia na mesma premissa, porém em outro cenário! É claro que a tensão existe, que o visual é incrível e que o desenho de som e a mixagem criam um ambiente bastante interessante, como era de se esperar, mas o fato é que "Greyhound" não trás o diferencial estético que supere um roteiro sem muitos atrativos. O filme é um ótimo entretenimento, tem a ação que o gênero pede, mas no final não passa de mais um filme americano sobre a jornada do seu herói que luta com todas as adversidades e vence de maneira improvável seus inimigos - e fique tranquilo, isso não é spoiler, é só a constatação de um estilo de filme que se aproxima muito mais da estrutura de "Armagedom" ou "Pearl Harbor" do que de um genial "Dunkirk", por exemplo! Claro que "Greyhound" vale a pena, mas muito mais pela diversão e entretenimento, do que pela representatividade que o filme poderia ter na história!
Por incrível que possa parecer, o melhor do roteiro que Hanks escreveu está em um elemento que a maioria das pessoas nem tem condições de julgar - os diálogos técnicos entre o capitão e sua tripulação realmente condizem com a realidade da época e essa veracidade textual, de fato, nos coloca dentro do terror que aqueles personagens estão vivendo, embora a direção do Aaron Schneider, muito mais conhecido pelos filmes que fotografou do que pelos filmes que dirigiu e já tenha ganhado um Oscar de Curta-Metragem em 2003 com o excelente "Dois Soldados", não nos cause aquela sensação claustrofóbica que o roteiro pedia. Talvez por sua linha mais visual, faltou um cuidado maior em humanizar o capitão Ernest Krause, mesmo com todo esforço e talento de Tom Hanks - o recente "7500" é um bom exemplo do que um estilo de direção correto pode causar de angustia e tensão, sem precisar se apoiar em Computação Gráfica ou em movimentos de câmera grandiosos.
A dominância azulada de "Greyhound" é outra bengala no qual o filme se apoia para criar a sensação gélida daquela jornada - mais uma vez: não é que seja ruim, mas não é nada original - até quando o fotógrafo Shelly Johnson (Jurassic Park III) sugere um movimento de câmera interessante que sai do navio de Krause, abre o plano para mostrar o comboio no mar e depois sobe acima das nuvens para contrapor aquela suposta tensão com a poesia de uma Aurora Boreal, não soa orgânico e muito menos essencial para o filme! Por outro lado, as cenas de batalha naval são muito bem arquitetadas e criam uma dinâmica muito interessante para a narrativa porque ajudam a não aliviar a expectativa dos ataques - elas apenas sobrepõem uma ação à outra. Já li algumas críticas sobre essa escolha do Diretor, mas para mim, foi a estratégia que deu o tom de ação que o filme pedia, reparem!
"Greyhound" é uma espécie de "Sessão da Tarde", que funciona em sua proposta, mas não entrega um filme à altura da enorme expectativa que gerou desde a divulgação do seu trailer. Faltou um roteiro melhor, talvez com alguns minutos a mais de desenvolvimento de personagens para estabelecer melhor suas relações - como é o caso de Cleveland e Krause; e um diretor que além de ser capaz de criar uma atmosfera de tensão com as cenas de batalha, também explorasse o sofrimento humano e o incômodo que os jovens da tripulação estavam vivendo. Sem querer soar pedante, mas faltou um "Nolan" no comando!
Vale a pena pelo entretenimento e nada além disso!
"Iris" (que em em inglês recebeu o título de "In the Shadow of Iris") é um excelente drama policial francês - daqueles que as informações mais embaralham nossa cabeça, mas que em nenhum momento rouba no jogo. Talvez sem a necessidade de uma suspensão da realidade tão marcante como em "Contratiempo", mas não menos competente na construção de seu mistério - eu diria até que "Iris" vem bem na linha do ótimo "O Amante Duplo".
Iris (Charlotte Le Bon) a linda esposa de Antoine (Jalil Lespert), um banqueiro muito rico e poderoso, desaparece no centro de Paris enquanto esperava do lado de fora de um restaurante enquanto o marido pagava a conta. Depois de apenas algumas horas, um sequestrador exige meio milhão de euros como resgate - a grande questão, porém, é que nem tudo é o que parece quando a corda começa a estourar para lado mais fraco. Confira o trailer com legendas em inglês:
"Iris" que na verdade é um remake do filme "Chaos" (2000), de Hideo Nakata, é instigante desde o primeiro plano. O roteiro do australiano Andrew Bovell vai construindo uma trama que parece previsível, mas que vai nos provocando um certo caos (e aqui fica impossível não citar o acerto do título original). Lespert, que também dirige o filme, foi muito feliz (e corajoso) ao escolher um conceito visual onde os planos (e os cortes) são rápidos e quase sempre "sujos", para justamente nos causar uma sensação de confusão - o fato é que o diretor não deixa de mostrar absolutamente nada durante as cenas, mas nunca ele expõe com clareza a razão de determinados movimentos dos atores em ação.
A dúvida sobre o que assistimos em uma cena, algum relance de personagem ou o que de fato aconteceu como um todo, ganha uma camada ainda mais corajosa quando Lespert não diferencia visualmente as ações na linha do tempo, ou seja, o que é flashback tem exatamente o mesmo conceito estético que o presente. A fotografia do Pierre-Yves Bastard (Versailles) é igualmente linda ao retratar Paris com a mesma competência em que cria esse mood de mistério que o roteiro tanto exige. O elenco também caminha alinhado com essa proposta: Charlotte Le Bon está impecável mais uma vez, mas quem rouba a cena, sem dúvida, é Camille Cottin - ela é uma das melhores atrizes da França na atualidade: versátil e sempre no tom certo!
"Iris" é o tipo do filme que está escondido no catálogo do streaming, mas que vale muito a pena e que é louco para entrar no boca a boca dos amantes de dramas policiais - eu diria, inclusive, que é um thriller que merece ser descoberto e apreciado como um ótimo entretenimento. Saíba que ele é desafiador - um prato cheio para quem gosta de mistério policial com um toque sex appeal!
Vale o play!
"Iris" (que em em inglês recebeu o título de "In the Shadow of Iris") é um excelente drama policial francês - daqueles que as informações mais embaralham nossa cabeça, mas que em nenhum momento rouba no jogo. Talvez sem a necessidade de uma suspensão da realidade tão marcante como em "Contratiempo", mas não menos competente na construção de seu mistério - eu diria até que "Iris" vem bem na linha do ótimo "O Amante Duplo".
Iris (Charlotte Le Bon) a linda esposa de Antoine (Jalil Lespert), um banqueiro muito rico e poderoso, desaparece no centro de Paris enquanto esperava do lado de fora de um restaurante enquanto o marido pagava a conta. Depois de apenas algumas horas, um sequestrador exige meio milhão de euros como resgate - a grande questão, porém, é que nem tudo é o que parece quando a corda começa a estourar para lado mais fraco. Confira o trailer com legendas em inglês:
"Iris" que na verdade é um remake do filme "Chaos" (2000), de Hideo Nakata, é instigante desde o primeiro plano. O roteiro do australiano Andrew Bovell vai construindo uma trama que parece previsível, mas que vai nos provocando um certo caos (e aqui fica impossível não citar o acerto do título original). Lespert, que também dirige o filme, foi muito feliz (e corajoso) ao escolher um conceito visual onde os planos (e os cortes) são rápidos e quase sempre "sujos", para justamente nos causar uma sensação de confusão - o fato é que o diretor não deixa de mostrar absolutamente nada durante as cenas, mas nunca ele expõe com clareza a razão de determinados movimentos dos atores em ação.
A dúvida sobre o que assistimos em uma cena, algum relance de personagem ou o que de fato aconteceu como um todo, ganha uma camada ainda mais corajosa quando Lespert não diferencia visualmente as ações na linha do tempo, ou seja, o que é flashback tem exatamente o mesmo conceito estético que o presente. A fotografia do Pierre-Yves Bastard (Versailles) é igualmente linda ao retratar Paris com a mesma competência em que cria esse mood de mistério que o roteiro tanto exige. O elenco também caminha alinhado com essa proposta: Charlotte Le Bon está impecável mais uma vez, mas quem rouba a cena, sem dúvida, é Camille Cottin - ela é uma das melhores atrizes da França na atualidade: versátil e sempre no tom certo!
"Iris" é o tipo do filme que está escondido no catálogo do streaming, mas que vale muito a pena e que é louco para entrar no boca a boca dos amantes de dramas policiais - eu diria, inclusive, que é um thriller que merece ser descoberto e apreciado como um ótimo entretenimento. Saíba que ele é desafiador - um prato cheio para quem gosta de mistério policial com um toque sex appeal!
Vale o play!
"Jovem e Bela" é um excelente drama francês sobre as dores da adolescência pelo ponto de vista de uma jovem de 17 anos que está descobrindo o sexo. Foi a partir dessa premissa que o diretor François Ozon (dos ótimos "O Amante Duplo"e "Dentro da Casa") construiu uma história de amadurecimento usando as quatro estações do ano de forma quase poética, que conquistou o Festival de San Sebastián e o fez concorrer à Palma de Ouro de Cannes em 2013.
No filme conhecemos a jovem Isabelle (Marine Vacth) que durante uma viagem de verão com a família, vive a sua primeira experiência sexual. Ao voltar para casa, em Paris, ela divide o seu tempo entre a escola e um novo trabalho que coloca a relação com sua mãe divorciada, Sylvie (Géraldine Pailhas), em cheque.
Antes de assistir o trailer, é preciso dizer que quanto menos você souber sobre o filme, mais impactante será sua experiência - mas a escolha é sua!
Se inicialmente "Jovem e Bela" pode parecer uma trama jovem sobre os amores de um verão de descobertas e suas consequências na relação com os pais como "Julho Agosto", basta assistir 20 minutos de filme para se surpreender com o caminho escolhido por Ozon para discutir as dores da adolescência. Claramente referenciado por Stanley Kubrick e a linha narrativa tênue entre o valor da imagem em contra-ponto com a riqueza do íntimo que o diretor gostava de imprimir em seus filmes de relação, Ozon chega a brincar com nossa percepção sobre o poder da escolha - principalmente no que diz respeito a hipocrisia do olhar "adulto" sobre o assunto.
Como de costume, o roteiro do próprio Ozon se apoia no jogo de palavras e de situações bem particulares (nem sempre inéditas) para nos conduzir em uma espécie de mergulho pela psiquê de Isabelle - de onde, aliás, conseguimos poucas respostas, mas muitas reflexões. Ao nos provocar, "Jovem e Bela" ganha nossa atenção por diversos motivos: o apelo sexual está presente, mas o entorno acaba sendo mais envolvente - algo como "De Olhos bem Fechados" ou "Lolita", mas com um leve toque de humor e ironia, graças a ótima participação de Frédéric Pierrot como o padrasto da protagonista. A escolha de Marine Vacth certamente foi a decisão mais acertada de Ozon - sua performance é também impecável: hipnotizante pela sua beleza e provocadora pela sua postura quase neutra em relação aos seus dramas.
Segmentado em quatro capítulos (representadas pelas estações do ano) e pontuado pelas músicas de Françoise Hardy, cantora francesa dos anos 1960/70 que, como Isabelle, transmite uma certa melancolia introspectiva e até enigmática, "Jovem e Bela" se apropria de "L’amour d'un garçon" (de 1963), "À quoi ça sert" (de 1969), "Première rencontre" (de 1973) e "Je suis moi" (de 1974) para entregar uma jornada de infinitas possibilidades que percorrem a adolescência de uma jovem impactada pelas suas escolhas e pelas escolhas das pessoas que a cercam em uma leitura que nos direciona para inegáveis julgamentos morais, brilhantemente ilustrado no roteiro pelo poema "Ninguém é sério aos 17 anos" de Arthur Rimbaud.
Vale muito o seu play!
"Jovem e Bela" é um excelente drama francês sobre as dores da adolescência pelo ponto de vista de uma jovem de 17 anos que está descobrindo o sexo. Foi a partir dessa premissa que o diretor François Ozon (dos ótimos "O Amante Duplo"e "Dentro da Casa") construiu uma história de amadurecimento usando as quatro estações do ano de forma quase poética, que conquistou o Festival de San Sebastián e o fez concorrer à Palma de Ouro de Cannes em 2013.
No filme conhecemos a jovem Isabelle (Marine Vacth) que durante uma viagem de verão com a família, vive a sua primeira experiência sexual. Ao voltar para casa, em Paris, ela divide o seu tempo entre a escola e um novo trabalho que coloca a relação com sua mãe divorciada, Sylvie (Géraldine Pailhas), em cheque.
Antes de assistir o trailer, é preciso dizer que quanto menos você souber sobre o filme, mais impactante será sua experiência - mas a escolha é sua!
Se inicialmente "Jovem e Bela" pode parecer uma trama jovem sobre os amores de um verão de descobertas e suas consequências na relação com os pais como "Julho Agosto", basta assistir 20 minutos de filme para se surpreender com o caminho escolhido por Ozon para discutir as dores da adolescência. Claramente referenciado por Stanley Kubrick e a linha narrativa tênue entre o valor da imagem em contra-ponto com a riqueza do íntimo que o diretor gostava de imprimir em seus filmes de relação, Ozon chega a brincar com nossa percepção sobre o poder da escolha - principalmente no que diz respeito a hipocrisia do olhar "adulto" sobre o assunto.
Como de costume, o roteiro do próprio Ozon se apoia no jogo de palavras e de situações bem particulares (nem sempre inéditas) para nos conduzir em uma espécie de mergulho pela psiquê de Isabelle - de onde, aliás, conseguimos poucas respostas, mas muitas reflexões. Ao nos provocar, "Jovem e Bela" ganha nossa atenção por diversos motivos: o apelo sexual está presente, mas o entorno acaba sendo mais envolvente - algo como "De Olhos bem Fechados" ou "Lolita", mas com um leve toque de humor e ironia, graças a ótima participação de Frédéric Pierrot como o padrasto da protagonista. A escolha de Marine Vacth certamente foi a decisão mais acertada de Ozon - sua performance é também impecável: hipnotizante pela sua beleza e provocadora pela sua postura quase neutra em relação aos seus dramas.
Segmentado em quatro capítulos (representadas pelas estações do ano) e pontuado pelas músicas de Françoise Hardy, cantora francesa dos anos 1960/70 que, como Isabelle, transmite uma certa melancolia introspectiva e até enigmática, "Jovem e Bela" se apropria de "L’amour d'un garçon" (de 1963), "À quoi ça sert" (de 1969), "Première rencontre" (de 1973) e "Je suis moi" (de 1974) para entregar uma jornada de infinitas possibilidades que percorrem a adolescência de uma jovem impactada pelas suas escolhas e pelas escolhas das pessoas que a cercam em uma leitura que nos direciona para inegáveis julgamentos morais, brilhantemente ilustrado no roteiro pelo poema "Ninguém é sério aos 17 anos" de Arthur Rimbaud.
Vale muito o seu play!
"Julho Agosto" (que em algumas plataformas de streaming ganhou o título de "Verão em Família") pode até soar como uma história adolescente com aquele tempero quase independente de um filme francês produzido para encantar o grande público - e de fato o filme escrito e dirigido pelo cineasta francês Diastème traz esses elementos, mas basta alguns minutos para perceber que a proposta é muito mais profunda, pois o roteiro se apoia em diversas camadas para expor um delicado retrato sobre a juventude e como essa realidade pode impactar no relacionamento entre pais (separados) e seus filhos.
As irmãs Laura (Luna Lou) e Josephine (Alma Jodorowsky) vão passar as férias de julho na casa de praia do padrasto. Enquanto a primeira se esforça para esconder uma grave travessura, a mais velha vive a dor e a delícia de uma intensa paixão de verão. No mês seguinte, elas vão visitar o pai em outra região da França e os problemas mudam de figura: enquanto Josephine lida com as consequências inimagináveis de seu romance, Luna se afasta a cada dia da infância em busca de respostas para suas próprias convicções. Confira o trailer:
Veja, "Juillet août" (no original) constrói uma narrativa interessante, mesmo que em alguns momentos pareça se perder na proposta - digo isso pelos caminhos que o roteiro escolhe para criar os conflitos e justificar a relação, essa sim muito mais interessante, entre as irmãs Laura e Josephine com seus pais que não estão mais juntos, mas fazem questão de se mostrar amorosos com elas e respeitosos entre si. Aqui, é bacana relatar que em nenhum momento (ou quase nenhum, graças a personalidade forte de Laura) o embate tem um tom dramático, pelo contrário, Diastème provoca a audiência muito mais por priorizar o diálogo do que por criar cenas impactantes - isso humaniza a relação familiar de tal maneira que fica impossível não nos colocarmos (como pais) nas situações vividas pelos personagens. Não existe a dicotomia usual dos filmes americanos do bom e do mal, ou do certo e do errado - como na vida real, são pontos de vista para uma mesma situação, e a partir daí as demonstrações de carinho, mesmo quando a bronca é necessária, são construídas com o intuito de educar e de encontrar as melhores soluções.
"Julho Agosto" tem o mérito de falar sobre o amadurecimento pelo olhar das jovens protagonistas - e como todos sabem, amadurecer não é um jornada das mais fáceis. O filme é realmente muito feliz ao discutir uma dinâmica de comunicação moderna observando uma nova estrutura familiar, com suas dores, mas também com seus pontos positivos: o papel do padrasto das meninas, é um bom exemplo, já que da sua forma mais simples, ele tenta passar ensinamentos e ainda deixa claro que está sempre disposto a ajudar no que elas precisarem; enquanto, ao mesmo tempo, Laura sente um enorme ciúme do pai e de forma honesta com seu sentimento tenta se colocar entre ele e sua pretendente. Entendem a complexidade das relações, mas com que delicadeza que esse filme trata do tema?
O filme é uma graça, muito mérito do seu roteiro. É incrível como a audiência se sente bem ao lado dos personagens e como eles são carismáticos - não é por acaso que nos interessamos por suas jornadas, entendemos suas motivações e principalmente torcemos para que tudo dê certo em nome da paz para aquela família. A mensagem é das melhores, mesmo que a vida teime em desafiar todos eles.
Vale muito a pena!
"Julho Agosto" (que em algumas plataformas de streaming ganhou o título de "Verão em Família") pode até soar como uma história adolescente com aquele tempero quase independente de um filme francês produzido para encantar o grande público - e de fato o filme escrito e dirigido pelo cineasta francês Diastème traz esses elementos, mas basta alguns minutos para perceber que a proposta é muito mais profunda, pois o roteiro se apoia em diversas camadas para expor um delicado retrato sobre a juventude e como essa realidade pode impactar no relacionamento entre pais (separados) e seus filhos.
As irmãs Laura (Luna Lou) e Josephine (Alma Jodorowsky) vão passar as férias de julho na casa de praia do padrasto. Enquanto a primeira se esforça para esconder uma grave travessura, a mais velha vive a dor e a delícia de uma intensa paixão de verão. No mês seguinte, elas vão visitar o pai em outra região da França e os problemas mudam de figura: enquanto Josephine lida com as consequências inimagináveis de seu romance, Luna se afasta a cada dia da infância em busca de respostas para suas próprias convicções. Confira o trailer:
Veja, "Juillet août" (no original) constrói uma narrativa interessante, mesmo que em alguns momentos pareça se perder na proposta - digo isso pelos caminhos que o roteiro escolhe para criar os conflitos e justificar a relação, essa sim muito mais interessante, entre as irmãs Laura e Josephine com seus pais que não estão mais juntos, mas fazem questão de se mostrar amorosos com elas e respeitosos entre si. Aqui, é bacana relatar que em nenhum momento (ou quase nenhum, graças a personalidade forte de Laura) o embate tem um tom dramático, pelo contrário, Diastème provoca a audiência muito mais por priorizar o diálogo do que por criar cenas impactantes - isso humaniza a relação familiar de tal maneira que fica impossível não nos colocarmos (como pais) nas situações vividas pelos personagens. Não existe a dicotomia usual dos filmes americanos do bom e do mal, ou do certo e do errado - como na vida real, são pontos de vista para uma mesma situação, e a partir daí as demonstrações de carinho, mesmo quando a bronca é necessária, são construídas com o intuito de educar e de encontrar as melhores soluções.
"Julho Agosto" tem o mérito de falar sobre o amadurecimento pelo olhar das jovens protagonistas - e como todos sabem, amadurecer não é um jornada das mais fáceis. O filme é realmente muito feliz ao discutir uma dinâmica de comunicação moderna observando uma nova estrutura familiar, com suas dores, mas também com seus pontos positivos: o papel do padrasto das meninas, é um bom exemplo, já que da sua forma mais simples, ele tenta passar ensinamentos e ainda deixa claro que está sempre disposto a ajudar no que elas precisarem; enquanto, ao mesmo tempo, Laura sente um enorme ciúme do pai e de forma honesta com seu sentimento tenta se colocar entre ele e sua pretendente. Entendem a complexidade das relações, mas com que delicadeza que esse filme trata do tema?
O filme é uma graça, muito mérito do seu roteiro. É incrível como a audiência se sente bem ao lado dos personagens e como eles são carismáticos - não é por acaso que nos interessamos por suas jornadas, entendemos suas motivações e principalmente torcemos para que tudo dê certo em nome da paz para aquela família. A mensagem é das melhores, mesmo que a vida teime em desafiar todos eles.
Vale muito a pena!
"Kiki: Os Segredos do Desejo" acompanha cinco história de amor e sexo que se desenrolam ao longo de uma temporada de verão em Madrid, quando os personagens descobrem fontes de prazer bem estranhas e extremamente incomuns com nomes impronunciáveis como: Dacrifilia, Hifefilia, Somnofilia, Harpaxofilia… vemos tabus sendo quebrados, um a um, conforme esses casais se envolvem em uma emocionante libertação onde nenhum prazer é negado, seja qual for a sua forma.
Antes de mais nada é preciso dizer que para se divertir assistindo "Kiki: Os Segredos do Desejo" é preciso estar acostumado com o humor "ácido" do cinema espanhol. Seu roteiro é um ótimo exemplo do equilíbrio entre comédia e drama que uma nova geração de diretores espanhóis vem produzindo - nesse caso temos um filme sobre relações, sobre sexo, sobre traços do comportamento humano que nem imaginaríamos que pudesse ser real ou verdadeiro. Embora muito bem feito, muito bem dirigido pelo também ator Paco León e com um roteiro excelente (embora constrangedor no melhor e engraçado sentido da palavra, se isso é possível), "Kiki" ganha ainda mais força com o elenco - é uma interpretação melhor que a outra!
Olha, dessa nova linha de filmes espanhóis que já analisamos, "El bar" ainda é melhor, mas "Kiki: Os Segredos do Desejo" também é divertidíssimo e se você tiver afim de ser provocado, com uma narrativa menos convencional, eu indico tranquilamente!
"Kiki: Os Segredos do Desejo" acompanha cinco história de amor e sexo que se desenrolam ao longo de uma temporada de verão em Madrid, quando os personagens descobrem fontes de prazer bem estranhas e extremamente incomuns com nomes impronunciáveis como: Dacrifilia, Hifefilia, Somnofilia, Harpaxofilia… vemos tabus sendo quebrados, um a um, conforme esses casais se envolvem em uma emocionante libertação onde nenhum prazer é negado, seja qual for a sua forma.
Antes de mais nada é preciso dizer que para se divertir assistindo "Kiki: Os Segredos do Desejo" é preciso estar acostumado com o humor "ácido" do cinema espanhol. Seu roteiro é um ótimo exemplo do equilíbrio entre comédia e drama que uma nova geração de diretores espanhóis vem produzindo - nesse caso temos um filme sobre relações, sobre sexo, sobre traços do comportamento humano que nem imaginaríamos que pudesse ser real ou verdadeiro. Embora muito bem feito, muito bem dirigido pelo também ator Paco León e com um roteiro excelente (embora constrangedor no melhor e engraçado sentido da palavra, se isso é possível), "Kiki" ganha ainda mais força com o elenco - é uma interpretação melhor que a outra!
Olha, dessa nova linha de filmes espanhóis que já analisamos, "El bar" ainda é melhor, mas "Kiki: Os Segredos do Desejo" também é divertidíssimo e se você tiver afim de ser provocado, com uma narrativa menos convencional, eu indico tranquilamente!
"Kursk" é um filme dos mais interessantes, pois ele equilibra muito bem a superficialidade de um filme catástrofe e a profundidade de um drama real. Baseado no livro "A Time to Die", de Robert Moore, essa co-produção Bélgica / Luxemburgo / França se arrisca ao trazer um roteirista americano como Robert Rodat (notavelmente um profissional de grandes estúdios, indicado ao Oscar por "O Resgate do Soldado Ryan") e um diretor como o dinamarquês Thomas Vinterberg de "A Caça" (extremamente autoral e que privilegia muito mais as profundas relações humanas aos dramas superficiais do gênero) - o que eu quero dizer com isso é que "Kursk" tinha tudo para ser uma espécie de "Armageddon" no fundo do mar, mas a qualidade do diretor nos entrega um trabalho mais bem cuidado, intimista em muitos momentos, muito mais próximo de "Chernobyl" da HBO, por exemplo!
Em agosto de 2000, o submarino nuclear da marinha russa "Kursk" é naufragado durante um exercício nas águas do mar de Barents. Uma falha no controle de temperatura dos torpedos e dos mísseis que o submarino transportava, desencadeou uma série de explosões e praticamente dizimou a tripulação. Os 23 marinheiros que sobreviveram começam então uma luta contra o tempo na esperança pelo resgate. Acontece que a Marinha Russa está falida e a única alternativa de chegar ao submarino preso no fundo do mar é incapaz de concluir a missão por problemas técnicos. Um desastre seguido por uma negligência acentuada do governo russo que teme em aceitar a ajuda internacional e ter seus segredos bélicos descobertos. Eu diria que o filme é duro, de difícil digestão e muito angustiante (embora muitos ainda se recordam do final da história). Vale a pena, e mesmo com algumas "bengalas" do roteiro (que explicarei adiante), o filme é um ótimo entretenimento!
Ao entender a dinâmica do filme, fica impossível não pensar em quão rico seria se "Kursk" fosse uma série e houvesse um tempo maior para o desenvolvimento dos personagens, mesmo que em flashbacks. Digo isso porque, mesmo com o esforço do Diretor, dirigindo uma cena belíssima de casamento e mostrando a espirito de irmandade que aqueles soldados tinham um com o outro, não dá tempo para se estabelecer uma profunda relação que nos permita se importar tanto com os personagens. Elementos como um marinheiro recém-casado, uma esposa gravida, um filho pequeno; tudo isso está filme para cortar esse caminho, mas a verdade é que funciona pouco. Nossa agonia é muito mais com o sofrimento do ser humano do que por identificação com os personagens - a cena em que o capitão Mikhail Averin (Matthias Schoenaerts de "Ferrugem e Osso") mergulha em busca das capsulas de oxigênio é um ótimo exemplo: poderia ser qualquer outro personagem que a angústia seria a mesma e, posso garantir, é enorme! Outros elementos de gênero que estragam o roteiro, estereotipando cenas, personagens e servem de bengalas emocionais são as passagens onde os soldados cantam seu hino ou quando resolvem trazer a história do relógio no final - o primeiro não se trata do conteúdo em si, mas da forma. A cena poderia ter ficado muito mais dramática sem esse artificio - para mim já batido desde a época de Top Gun. O mesmo serve para o segundo elemento - esse relógio não representa nada, por mais que o roteiro se esforce para tonar o objeto algo importante ou sentimental para os personagens.
As cenas das esposas e a relação politica das decisões sobre resgate são excelentes. Vinterberg cria uma atmosfera de vazio ao filmar lindos planos no conjunto habitacional da marinha onde todas as famílias dos soldados moram - lembram muito aquela decadência (ou precariedade) de Chernobyl dos anos 80 e fortalece muito a forma como a excelente Léa Seydoux se posiciona - ela é a esposa grávida (Tanya Averina) de Mikhail. É um trabalho de respeito! A fotografia do Anthony Dod Mantle (Quem quer ser um Milionário? e 127 Horas) é sensacional - não me surpreenderia se fosse indicado ao Oscar 2020! Aliás, dois pontos merecem nossa atenção: o desenho de som e a mixagem - muito bem construídos. Reparem como o som se propaga dentro do submarino e como ele quase desaparece nas explosões externas, mas mesmo assim nos causam um certo desespero. Os sustos que tomamos, a forma como os efeitos criam aquele clima de suspense; enfim, é sempre um desafio criar uma atmosfera debaixo da água - também colocaria como potenciais indicados.
Além da cena do mergulho em busca das capsulas de oxigênio que achei genial como foi realizada, existe um outra cena que talvez reflita tudo que comentei do filme no que diz respeito a qualidade técnica e artística - a cena do mini-submarino tentando se acoplar para fazer o resgate: é um câmera fixa, com efeito sonoros delicados, praticamente sem cortes (ou reações de personagens) e mesmo assim a tensão é altíssima - isso é sair do comum! Um outro momento muito delicado e sensível é o olhar do filho de Mikhail para o General burocrata Vladimir Petrenko (Max Von Sydon): simples, profunda e muito bem realizada - um exemplo de como o silêncio pode ser ensurdecedor!
É claro que por se tratar de um história real, nossa relação com o filme fica muito mais sensível, mas cinematograficamente falando, "Kursk" é mais um grande acerto do diretor Thomas Vinterberg - prestem muita atenção nos filmes desse cara porque valem muito a pena. Ele prova que tem a mesma capacidade para filmar cenas de explosão quanto de relações e sua escolha, muito pautada na força executiva do Luc Besson (do recente Anna), mostrou ter sido das mais acertadas.
"Kursk" é um filme dos mais interessantes, pois ele equilibra muito bem a superficialidade de um filme catástrofe e a profundidade de um drama real. Baseado no livro "A Time to Die", de Robert Moore, essa co-produção Bélgica / Luxemburgo / França se arrisca ao trazer um roteirista americano como Robert Rodat (notavelmente um profissional de grandes estúdios, indicado ao Oscar por "O Resgate do Soldado Ryan") e um diretor como o dinamarquês Thomas Vinterberg de "A Caça" (extremamente autoral e que privilegia muito mais as profundas relações humanas aos dramas superficiais do gênero) - o que eu quero dizer com isso é que "Kursk" tinha tudo para ser uma espécie de "Armageddon" no fundo do mar, mas a qualidade do diretor nos entrega um trabalho mais bem cuidado, intimista em muitos momentos, muito mais próximo de "Chernobyl" da HBO, por exemplo!
Em agosto de 2000, o submarino nuclear da marinha russa "Kursk" é naufragado durante um exercício nas águas do mar de Barents. Uma falha no controle de temperatura dos torpedos e dos mísseis que o submarino transportava, desencadeou uma série de explosões e praticamente dizimou a tripulação. Os 23 marinheiros que sobreviveram começam então uma luta contra o tempo na esperança pelo resgate. Acontece que a Marinha Russa está falida e a única alternativa de chegar ao submarino preso no fundo do mar é incapaz de concluir a missão por problemas técnicos. Um desastre seguido por uma negligência acentuada do governo russo que teme em aceitar a ajuda internacional e ter seus segredos bélicos descobertos. Eu diria que o filme é duro, de difícil digestão e muito angustiante (embora muitos ainda se recordam do final da história). Vale a pena, e mesmo com algumas "bengalas" do roteiro (que explicarei adiante), o filme é um ótimo entretenimento!
Ao entender a dinâmica do filme, fica impossível não pensar em quão rico seria se "Kursk" fosse uma série e houvesse um tempo maior para o desenvolvimento dos personagens, mesmo que em flashbacks. Digo isso porque, mesmo com o esforço do Diretor, dirigindo uma cena belíssima de casamento e mostrando a espirito de irmandade que aqueles soldados tinham um com o outro, não dá tempo para se estabelecer uma profunda relação que nos permita se importar tanto com os personagens. Elementos como um marinheiro recém-casado, uma esposa gravida, um filho pequeno; tudo isso está filme para cortar esse caminho, mas a verdade é que funciona pouco. Nossa agonia é muito mais com o sofrimento do ser humano do que por identificação com os personagens - a cena em que o capitão Mikhail Averin (Matthias Schoenaerts de "Ferrugem e Osso") mergulha em busca das capsulas de oxigênio é um ótimo exemplo: poderia ser qualquer outro personagem que a angústia seria a mesma e, posso garantir, é enorme! Outros elementos de gênero que estragam o roteiro, estereotipando cenas, personagens e servem de bengalas emocionais são as passagens onde os soldados cantam seu hino ou quando resolvem trazer a história do relógio no final - o primeiro não se trata do conteúdo em si, mas da forma. A cena poderia ter ficado muito mais dramática sem esse artificio - para mim já batido desde a época de Top Gun. O mesmo serve para o segundo elemento - esse relógio não representa nada, por mais que o roteiro se esforce para tonar o objeto algo importante ou sentimental para os personagens.
As cenas das esposas e a relação politica das decisões sobre resgate são excelentes. Vinterberg cria uma atmosfera de vazio ao filmar lindos planos no conjunto habitacional da marinha onde todas as famílias dos soldados moram - lembram muito aquela decadência (ou precariedade) de Chernobyl dos anos 80 e fortalece muito a forma como a excelente Léa Seydoux se posiciona - ela é a esposa grávida (Tanya Averina) de Mikhail. É um trabalho de respeito! A fotografia do Anthony Dod Mantle (Quem quer ser um Milionário? e 127 Horas) é sensacional - não me surpreenderia se fosse indicado ao Oscar 2020! Aliás, dois pontos merecem nossa atenção: o desenho de som e a mixagem - muito bem construídos. Reparem como o som se propaga dentro do submarino e como ele quase desaparece nas explosões externas, mas mesmo assim nos causam um certo desespero. Os sustos que tomamos, a forma como os efeitos criam aquele clima de suspense; enfim, é sempre um desafio criar uma atmosfera debaixo da água - também colocaria como potenciais indicados.
Além da cena do mergulho em busca das capsulas de oxigênio que achei genial como foi realizada, existe um outra cena que talvez reflita tudo que comentei do filme no que diz respeito a qualidade técnica e artística - a cena do mini-submarino tentando se acoplar para fazer o resgate: é um câmera fixa, com efeito sonoros delicados, praticamente sem cortes (ou reações de personagens) e mesmo assim a tensão é altíssima - isso é sair do comum! Um outro momento muito delicado e sensível é o olhar do filho de Mikhail para o General burocrata Vladimir Petrenko (Max Von Sydon): simples, profunda e muito bem realizada - um exemplo de como o silêncio pode ser ensurdecedor!
É claro que por se tratar de um história real, nossa relação com o filme fica muito mais sensível, mas cinematograficamente falando, "Kursk" é mais um grande acerto do diretor Thomas Vinterberg - prestem muita atenção nos filmes desse cara porque valem muito a pena. Ele prova que tem a mesma capacidade para filmar cenas de explosão quanto de relações e sua escolha, muito pautada na força executiva do Luc Besson (do recente Anna), mostrou ter sido das mais acertadas.
"Les Miserables" é incrível! Embora eu seja suspeito já que assisti o espetáculo original em NY, depois a versão em português em SP e por fim ainda comprei o Blu-ray de um show comemorativo de 25 anos da peça, confesso que minha surpresa não foi tão grande com relação a história ou ao musical em si, mas a maneira como toda a magia do teatro foi aplicada na adaptação para o filme, isso sim me surpreendeu!
Na história clássica, Jean Valjean é preso por roubar um pão. Décadas depois, após cumprir sua pena, ele é libertado, mas acaba violando sua em condicional e precisa desaparecer para não ser preso novamente. Disposto a esquecer quem foi e assumir uma vida nova, Jean Valjean passa a usar um novo nome. As coisas começam a se complicar quando o Inspector Javert surge, disposto a tudo para prender Valjean, ao mesmo tempo em que ele procura assegurar um futuro para a pequena Cosette, filha de Fantine, que, no leito de morte, lhe deu a criança e o fez jurar pela sua eterna proteção! Confira o belíssimo trailer:
Tom Hooper conduziu o filme de maneira brilhante! 98% dele é cantado e você tem a sensação que são simplesmente diálogos. A decisão de captar o áudio no set de filmagem e não no estúdio, fez toda a diferença, deu emoção, alma - você vai perceber que no lugar de interpretações artificiais, costumeiras em performances da Broadway, nos deparamos com uma espécie de monólogos com personagens reais, só que cantando com verdade e modulando a voz de acordo com as situações que estão vivendo no filme e isso, certamente, não existiria em uma adaptação mais convencional da obra de Vito Hugo - Samantha Barks dá um verdadeiro show com "On my own" (no vídeo a seguir) e Anne Hathaway com "I Dreamed a Dream"! Ponto para Hopper! Os movimentos de câmera e a fotografia do diretor Danny Cohen (O Discurso do Rei) estão impecáveis, bem como todo o departamento arte do filme que certamente deve render algum Oscar. Os figurinos, meu Deus, estão lindos!!!
O sucesso do filme abre um caminho muito interessante: adaptações realistas de espetáculos da Broadway para o cinema! Olha, "Les Miserables" é imperdível!!! Vale muito o seu play, mas com duas únicas ressalvas: o filme é longo (são quase 3 horas) e você precisa gostar de musicais!
Up-date: "Les Miserables" ganhou em três categorias no Oscar 2013: Melhor Mixagem, Melhor Maquiagem e Cabelo e Melhor Atriz Coadjuvante!
"Les Miserables" é incrível! Embora eu seja suspeito já que assisti o espetáculo original em NY, depois a versão em português em SP e por fim ainda comprei o Blu-ray de um show comemorativo de 25 anos da peça, confesso que minha surpresa não foi tão grande com relação a história ou ao musical em si, mas a maneira como toda a magia do teatro foi aplicada na adaptação para o filme, isso sim me surpreendeu!
Na história clássica, Jean Valjean é preso por roubar um pão. Décadas depois, após cumprir sua pena, ele é libertado, mas acaba violando sua em condicional e precisa desaparecer para não ser preso novamente. Disposto a esquecer quem foi e assumir uma vida nova, Jean Valjean passa a usar um novo nome. As coisas começam a se complicar quando o Inspector Javert surge, disposto a tudo para prender Valjean, ao mesmo tempo em que ele procura assegurar um futuro para a pequena Cosette, filha de Fantine, que, no leito de morte, lhe deu a criança e o fez jurar pela sua eterna proteção! Confira o belíssimo trailer:
Tom Hooper conduziu o filme de maneira brilhante! 98% dele é cantado e você tem a sensação que são simplesmente diálogos. A decisão de captar o áudio no set de filmagem e não no estúdio, fez toda a diferença, deu emoção, alma - você vai perceber que no lugar de interpretações artificiais, costumeiras em performances da Broadway, nos deparamos com uma espécie de monólogos com personagens reais, só que cantando com verdade e modulando a voz de acordo com as situações que estão vivendo no filme e isso, certamente, não existiria em uma adaptação mais convencional da obra de Vito Hugo - Samantha Barks dá um verdadeiro show com "On my own" (no vídeo a seguir) e Anne Hathaway com "I Dreamed a Dream"! Ponto para Hopper! Os movimentos de câmera e a fotografia do diretor Danny Cohen (O Discurso do Rei) estão impecáveis, bem como todo o departamento arte do filme que certamente deve render algum Oscar. Os figurinos, meu Deus, estão lindos!!!
O sucesso do filme abre um caminho muito interessante: adaptações realistas de espetáculos da Broadway para o cinema! Olha, "Les Miserables" é imperdível!!! Vale muito o seu play, mas com duas únicas ressalvas: o filme é longo (são quase 3 horas) e você precisa gostar de musicais!
Up-date: "Les Miserables" ganhou em três categorias no Oscar 2013: Melhor Mixagem, Melhor Maquiagem e Cabelo e Melhor Atriz Coadjuvante!