"Retrato de uma Jovem em Chamas" é um grande filme! Certamente um dos melhores de 2019, mas que não vai agradar a todos já que tem uma narrativa bastante cadenciada, extremamente poética, focada nos pequenos detalhes, no silêncio, no olhar, na sensibilidade e no texto bem elaborado que é capaz de unir todos esses elementos e entregar uma história com alma, feminina!
A história se passa na França do século 18, Marianne (Noémie Merlant) é contratada para pintar o retrato da jovem Héloïse (Adèle Haenel); já que sua mãe pretende enviar a obra para um pretendente que está na Itália e assim convencê-lo a casar-se com ela. Como a noiva reluta em posar para qualquer artista que possa retrata-la, Marianne precisa se disfarçar de dama de companhia durante dia, para poder pintar o retrato de Héloïse durante as noites, usando apenas sua memória. Acontece que a aproximação entre as duas vai se tornando cada vez mais íntima e uma relação muito além da amizade parece nascer da sensibilidade de uma artista e do desejo de uma mulher em busca de descobertas. Confira o trailer:
Alguns pontos merecem destaque nesse belíssimo filme: ele é tecnicamente perfeito e todos os elementos artísticos conversam entre si com uma singularidade tamanha que em muitos momentos somos impactados por planos visualmente tão perfeitos que parecem pinturas e em outros, por diálogos tão profundos, que acabam soando muito mais como uma poesia do que como uma narrativa em 3 atos. Reparem, por exemplo, como Merlant e Haenel possuem uma conexão tão natural que tudo parece extremamente bem ensaiado, quase como um espetáculo de teatro - e, claro, isso não é por acaso, a diretora Céline Sciamma não só tem essa consciência, como usa da própria gramática teatral para criar uma relação quase platônica ou até espiritual entre as duas personagens.
A fotografia de Claire Mathon (do também incrível "Atlantique") é outro bom exemplo dessa unidade: ela capta todas essas nuances da relação, sempre com a lente certa, com o enquadramento perfeito e com as cores que constroem uma espécie de dicotomia imaginária, que na verdade não passa de uma confusão, ou melhor, de uma busca pelo único sentimento que parece estar escondido (ou adormecido) entre elas: o amor verdadeiro! "Retrato de uma Jovem em Chamas" é um filme que fala essencialmente do amor, mas apenas pelos olhos femininos, com uma narrativa mais sensível e que nos envolve rapidamente. Não é um filme fácil, mas assim que embarcamos na história e entendemos sua razão de existir, o único caminho passa ser o de apreciar, sem pressa, uma verdadeira poesia visual!
Vale muito a pena - mas precisa gostar do estilo!
"Retrato de uma Jovem em Chamas" é um grande filme! Certamente um dos melhores de 2019, mas que não vai agradar a todos já que tem uma narrativa bastante cadenciada, extremamente poética, focada nos pequenos detalhes, no silêncio, no olhar, na sensibilidade e no texto bem elaborado que é capaz de unir todos esses elementos e entregar uma história com alma, feminina!
A história se passa na França do século 18, Marianne (Noémie Merlant) é contratada para pintar o retrato da jovem Héloïse (Adèle Haenel); já que sua mãe pretende enviar a obra para um pretendente que está na Itália e assim convencê-lo a casar-se com ela. Como a noiva reluta em posar para qualquer artista que possa retrata-la, Marianne precisa se disfarçar de dama de companhia durante dia, para poder pintar o retrato de Héloïse durante as noites, usando apenas sua memória. Acontece que a aproximação entre as duas vai se tornando cada vez mais íntima e uma relação muito além da amizade parece nascer da sensibilidade de uma artista e do desejo de uma mulher em busca de descobertas. Confira o trailer:
Alguns pontos merecem destaque nesse belíssimo filme: ele é tecnicamente perfeito e todos os elementos artísticos conversam entre si com uma singularidade tamanha que em muitos momentos somos impactados por planos visualmente tão perfeitos que parecem pinturas e em outros, por diálogos tão profundos, que acabam soando muito mais como uma poesia do que como uma narrativa em 3 atos. Reparem, por exemplo, como Merlant e Haenel possuem uma conexão tão natural que tudo parece extremamente bem ensaiado, quase como um espetáculo de teatro - e, claro, isso não é por acaso, a diretora Céline Sciamma não só tem essa consciência, como usa da própria gramática teatral para criar uma relação quase platônica ou até espiritual entre as duas personagens.
A fotografia de Claire Mathon (do também incrível "Atlantique") é outro bom exemplo dessa unidade: ela capta todas essas nuances da relação, sempre com a lente certa, com o enquadramento perfeito e com as cores que constroem uma espécie de dicotomia imaginária, que na verdade não passa de uma confusão, ou melhor, de uma busca pelo único sentimento que parece estar escondido (ou adormecido) entre elas: o amor verdadeiro! "Retrato de uma Jovem em Chamas" é um filme que fala essencialmente do amor, mas apenas pelos olhos femininos, com uma narrativa mais sensível e que nos envolve rapidamente. Não é um filme fácil, mas assim que embarcamos na história e entendemos sua razão de existir, o único caminho passa ser o de apreciar, sem pressa, uma verdadeira poesia visual!
Vale muito a pena - mas precisa gostar do estilo!
"Rocketman" é mais um filme biográfico de um astro da música com vários elementos dramáticos de "Bohemian Rhapsody" e "Judy", para citar apenas duas recentes produções! Porém, o conceito narrativo de "Rocketman" é diferente: ele traz para dentro do roteiro performances extremamente alinhadas com a história, que explicam determinadas passagens da vida do protagonista ao som de suas próprias músicas. Com isso, eu diria que o filme se torna um híbrido entre um drama biográfico e um musical da Broadway!
"Rocketman" acompanha a jornada do Elton John desde sua infância até sua transformação em um astro pop! Para contar essa história, porém, o roteirista Lee Hall colocou o protagonista em uma espécie de reunião dos Alcóolicos Anônimos para criar um mecanismo onde Elton John se mostrasse mais vulnerável e, de alguma forma, defendesse apenas seu ponto de vista, mesmo que a sua versão não fosse exatamente um reflexo da realidade, e sim a forma como ele enxergava essa "realidade"! Confira o trailer e sinta o clima que te espera:
O que mais me chamou a atenção é que "Rocketman" não estrutura sua história tendo o sucesso de Elton John como foco, mas sim a sua trajetória de fracasso. Rocketman, além do apelido famoso, tem outro significado: o do artista que alcançou um sucesso tão meteórico que mal conseguiu prever o tombo gigantesco que levaria da vida e é isso que humaniza o personagem, que deixa sua história menos romântica, se mostrando mais pessoal e sincera. Talvez "Judy" tenha um pouco disso também, mas nesse caso, o fato do próprio Elton John e do seu marido, David Furnish (que, inclusive, já fez um documentário sobre a vida do artista) terem participado da produção, fez toda a diferença! Olha, não é uma jornada das mais tranquilas, algumas cenas podem incomodar por diversos fatores, mas posso garantir que é um grande filme - certamente um dos mais injustiçados no Oscar 2020 ao lado de "Jóias Brutas" e "A Despedida"!
“Oi, meu nome é Elton Hercules John. Eu sou viciado em álcool, drogas em geral, cocaína, maconha, sou bulímico, tenho acessos de raiva e sou víciado em sexo” - esse é o cartão de visitas de um roteiro muito bem escrito pelo já citado Lee Hal (de "Billy Elliot" - filme que lhe garantiu uma indicação ao Oscar). Sua capacidade de condensar um história tão poderosa em tão pouco tempo merece elogios - mesmo que alguns possam reclamar que faltou profundidade em determinadas passagens! Eu discordaria, pois Hal foi cirúrgico em mostrar como o "caos" ajudou a construir o personagem que se transformou em Elton John!
O roteiro se mostra mais inteligente ainda em seus alívios dramáticos, sem perder a linha biográfica, quando, ao invés de focar em como o protagonista criou cada uma de suas composições, as músicas são inseridas para ressaltar o sentimento dos personagens, criando um clima de fantasia em uma história verdadeiramente real - mesmo que pelos olhos do próprio Elton! É lindo - mas será preciso gostar daquele estilo musical mais clássico do cinema antigo, embora modernizado por lindos movimentos de câmera e um aspecto gráfico belíssimo! Reparem na paleta de cores levemente desbotada da primeira intervenção musical do filme: ela serve para mostrar a difícil e pobre infância do garoto em contraponto com o colorido e exuberância do que ele gostaria de se tornar (e fazia questão de explorar em seus figurinos)!
A direção de Dexter Fletcher - que também trabalhou em "Bohemian Rhapsody", mas que não ganhou seus créditos pela assistência na direção; é exemplar! Ele explora a construção da personalidade de Elton John sem remediar nenhum dos seus excessos, com isso ele fortalece o drama pessoal do personagem, dando o tempo para que o grande Taron Egerton (vencedor do Globo de Ouro e, incrivelmente, nem indicado ao Oscar) encontre o sentimento de vazio que permeia a história de vida do astro - essa vida sem amor construiu uma pessoa cheia de buracos que só foi preenchida com a música e isso está no filme, com trocas de estilos narrativos tão orgânicas que muitas vezes nem nos damos conta! Ainda no elenco, destaco a química impressionante entre o Taron Egerton e Jamie Bell que interpreta o parceiro profissional de uma vida, Bernie Taupin - desde as primeiras cenas juntos, eles se completam. Reparem na cena em que surge a música "Your Song˜. Richard Madden como o empresário John Reid também merece seu destaque!
"Rocketman" segue a linha do gênero, mas é diferente por não cair no clichê da volta por cima a qualquer custo sem mostrar as marcas de quando se esteve por baixo - a última cena é um lindo e poético fechamento para essa jornada quase conceitual! Elton John descobriu que o pior do inferno não está na postura dos outros e sim que a responsabilidade de seus atos são exclusivamente dele, o que desperta um nível de honestidade absurdo - e como em uma reunião dos Alcóolicos Anônimos, esse é o primeiro passo para a redenção e as legendas finais comprovam a tese!
Dê o play!
"Rocketman" é mais um filme biográfico de um astro da música com vários elementos dramáticos de "Bohemian Rhapsody" e "Judy", para citar apenas duas recentes produções! Porém, o conceito narrativo de "Rocketman" é diferente: ele traz para dentro do roteiro performances extremamente alinhadas com a história, que explicam determinadas passagens da vida do protagonista ao som de suas próprias músicas. Com isso, eu diria que o filme se torna um híbrido entre um drama biográfico e um musical da Broadway!
"Rocketman" acompanha a jornada do Elton John desde sua infância até sua transformação em um astro pop! Para contar essa história, porém, o roteirista Lee Hall colocou o protagonista em uma espécie de reunião dos Alcóolicos Anônimos para criar um mecanismo onde Elton John se mostrasse mais vulnerável e, de alguma forma, defendesse apenas seu ponto de vista, mesmo que a sua versão não fosse exatamente um reflexo da realidade, e sim a forma como ele enxergava essa "realidade"! Confira o trailer e sinta o clima que te espera:
O que mais me chamou a atenção é que "Rocketman" não estrutura sua história tendo o sucesso de Elton John como foco, mas sim a sua trajetória de fracasso. Rocketman, além do apelido famoso, tem outro significado: o do artista que alcançou um sucesso tão meteórico que mal conseguiu prever o tombo gigantesco que levaria da vida e é isso que humaniza o personagem, que deixa sua história menos romântica, se mostrando mais pessoal e sincera. Talvez "Judy" tenha um pouco disso também, mas nesse caso, o fato do próprio Elton John e do seu marido, David Furnish (que, inclusive, já fez um documentário sobre a vida do artista) terem participado da produção, fez toda a diferença! Olha, não é uma jornada das mais tranquilas, algumas cenas podem incomodar por diversos fatores, mas posso garantir que é um grande filme - certamente um dos mais injustiçados no Oscar 2020 ao lado de "Jóias Brutas" e "A Despedida"!
“Oi, meu nome é Elton Hercules John. Eu sou viciado em álcool, drogas em geral, cocaína, maconha, sou bulímico, tenho acessos de raiva e sou víciado em sexo” - esse é o cartão de visitas de um roteiro muito bem escrito pelo já citado Lee Hal (de "Billy Elliot" - filme que lhe garantiu uma indicação ao Oscar). Sua capacidade de condensar um história tão poderosa em tão pouco tempo merece elogios - mesmo que alguns possam reclamar que faltou profundidade em determinadas passagens! Eu discordaria, pois Hal foi cirúrgico em mostrar como o "caos" ajudou a construir o personagem que se transformou em Elton John!
O roteiro se mostra mais inteligente ainda em seus alívios dramáticos, sem perder a linha biográfica, quando, ao invés de focar em como o protagonista criou cada uma de suas composições, as músicas são inseridas para ressaltar o sentimento dos personagens, criando um clima de fantasia em uma história verdadeiramente real - mesmo que pelos olhos do próprio Elton! É lindo - mas será preciso gostar daquele estilo musical mais clássico do cinema antigo, embora modernizado por lindos movimentos de câmera e um aspecto gráfico belíssimo! Reparem na paleta de cores levemente desbotada da primeira intervenção musical do filme: ela serve para mostrar a difícil e pobre infância do garoto em contraponto com o colorido e exuberância do que ele gostaria de se tornar (e fazia questão de explorar em seus figurinos)!
A direção de Dexter Fletcher - que também trabalhou em "Bohemian Rhapsody", mas que não ganhou seus créditos pela assistência na direção; é exemplar! Ele explora a construção da personalidade de Elton John sem remediar nenhum dos seus excessos, com isso ele fortalece o drama pessoal do personagem, dando o tempo para que o grande Taron Egerton (vencedor do Globo de Ouro e, incrivelmente, nem indicado ao Oscar) encontre o sentimento de vazio que permeia a história de vida do astro - essa vida sem amor construiu uma pessoa cheia de buracos que só foi preenchida com a música e isso está no filme, com trocas de estilos narrativos tão orgânicas que muitas vezes nem nos damos conta! Ainda no elenco, destaco a química impressionante entre o Taron Egerton e Jamie Bell que interpreta o parceiro profissional de uma vida, Bernie Taupin - desde as primeiras cenas juntos, eles se completam. Reparem na cena em que surge a música "Your Song˜. Richard Madden como o empresário John Reid também merece seu destaque!
"Rocketman" segue a linha do gênero, mas é diferente por não cair no clichê da volta por cima a qualquer custo sem mostrar as marcas de quando se esteve por baixo - a última cena é um lindo e poético fechamento para essa jornada quase conceitual! Elton John descobriu que o pior do inferno não está na postura dos outros e sim que a responsabilidade de seus atos são exclusivamente dele, o que desperta um nível de honestidade absurdo - e como em uma reunião dos Alcóolicos Anônimos, esse é o primeiro passo para a redenção e as legendas finais comprovam a tese!
Dê o play!
Nem de longe "Tár" é um filme fácil - e complemento: sua complexidade está em sua forma e em seu conteúdo. Dirigido brilhantemente por Todd Field (de "Pecados Íntimos"), o filme é uma uma espécie de drama psicológico, daqueles densos e envolventes, que explora as nuances do poder e da genialidade dentro de um contexto artístico muito particular. Assim como "Cisne Negro" de Darren Aronofsky ou "O Mestre" de Paul Thomas Anderson, "Tár" mergulha na psique de uma protagonista ambígua, revelando tanto seu talento quanto suas falhas mais palpáveis, através de uma narrativa que examina com muita inteligência a relação entre a arte e o ego, sempre questionando os limites da ambição em um universo onde a genialidade frequentemente é usada para justificar comportamentos tóxicos.
Lydia Tár (Cate Blanchett) é uma maestra renomada e diretora de uma importante orquestra sinfônica, cuja vida pessoal e carreira começam a se desintegrar em meio a acusações de abuso de poder e manipulação. A narrativa acompanha Lydia enquanto ela lida com a pressão de manter sua posição em um ambiente artístico altamente competitivo onde é lavada a enfrentar as consequências de suas próprias ações. A queda de Tár é retratada como uma exploração lenta e introspectiva dos reflexos psicológicos e sociais de seu comportamento, fazendo com que a audiência questione a linha tênue entre a genialidade e a tirania. Confira o belíssimo trailer aqui:
É impossível começar qualquer análise sobre "Tár" sem citar Cate Blanchett. É impressionante como ela é capaz de entregar uma atuação impecável atrás da outra - para mim, essa uma das mais marcantes da carreira, capturando com muita profundidade toda a complexidade de Lydia Tár através de uma performance poderosa e cheia de sensibilidade. Blanchett consegue transmitir tanto a genialidade quanto a arrogância da protagonista ao mesmo tempo que transita por uma área de vulnerabilidade oculta dificílima de alcançar como atriz. A forma como ela expressa o controle obsessivo de Tár sobre sua música, enquanto retrata a sua incapacidade de controlar sua vida pessoal, é hipnotizante. Sem dúvida que essa performance é essencial para a construção estética e narrativa do filme, já que o diretor se ancora, sem medo de errar, em uma personagem fascinante e imperfeita. A direção de Todd Field é precisa e contida nesse sentido, permitindo que a história se desenvolva de uma maneira deliberadamente imersiva. Obviamente que o filme evita julgamentos fáceis, optando por uma abordagem mais ambígua, que deixa espaço para diferentes interpretações sobre a protagonista e suas motivações. Repare como Field utiliza planos mais longos e uma estética bastante minimalista, capturando momentos de silêncio e criando uma tensão não-verbal para enriquecer o impacto emocional da trama. A atmosfera elegante e fria do filme reflete a sofisticação do mundo da música clássica, ao mesmo tempo que amplifica a sensação de isolamento que permeia a jornada de Tár.
A cinematografia do fotógrafo alemão Florian Hoffmeister (de "A Casa de Saddam") complementa a narrativa com uma estética extremamente precisa no sentido mais conceitual da palavra - ele pontua a cenas utilizando uma iluminação sutil com cores frias, para criar essa atmosfera opressiva e introspectiva proposta por Field. A câmera segue Tár em seus momentos mais íntimos, capturando a dualidade entre a figura pública brilhante e a mulher solitária e atormentada em sua vida pessoal. A escolha de filmar performances musicais em sequências mais longas e imersivas reflete tanto a beleza quanto o peso da criação artística - ao melhor estilo Darren Aronofsky (de "Cisne Negro"). Outro ponto que merece sua atenção é a montagem da indicada ao Oscar, Monika Willi (de "Amor") - seu trabalho intensifica a estrutura mais emocional do filme, refletindo a tensão crescente na vida de Tár como um elemento narrativo capaz de revelar os conflitos internos da protagonista a partir do ritmo, criando uma conexão contagiante com a música clássica.
Ao explorar questões relevantes sobre poder e abuso, pela perspectiva critica da responsabilidade pessoal em um mundo que muitas vezes idolatra o talento em detrimento da ética, "Tár" levanta muito mais perguntas incômodas do que respostas superficiais, especialmente sobre as consequências de um comportamento arbitrário e da forma como a sociedade lida com figuras poderosas, especialmente nesse universo das artes. Dito isso, antecipo: não espere nada muito usual com esse filme, já que o objetivo aqui é provocar reflexões sobre a ambiguidade moral e as circunstâncias fascinantes do seu redor.
Para aqueles que apreciam narrativas densas, "Tár" é de fato uma experiência cinematográfica que vale cada segundo.
Up-date: "Tár" recebeu seis indicações no Oscar 2023, inclusive de Melhor Filme.
Nem de longe "Tár" é um filme fácil - e complemento: sua complexidade está em sua forma e em seu conteúdo. Dirigido brilhantemente por Todd Field (de "Pecados Íntimos"), o filme é uma uma espécie de drama psicológico, daqueles densos e envolventes, que explora as nuances do poder e da genialidade dentro de um contexto artístico muito particular. Assim como "Cisne Negro" de Darren Aronofsky ou "O Mestre" de Paul Thomas Anderson, "Tár" mergulha na psique de uma protagonista ambígua, revelando tanto seu talento quanto suas falhas mais palpáveis, através de uma narrativa que examina com muita inteligência a relação entre a arte e o ego, sempre questionando os limites da ambição em um universo onde a genialidade frequentemente é usada para justificar comportamentos tóxicos.
Lydia Tár (Cate Blanchett) é uma maestra renomada e diretora de uma importante orquestra sinfônica, cuja vida pessoal e carreira começam a se desintegrar em meio a acusações de abuso de poder e manipulação. A narrativa acompanha Lydia enquanto ela lida com a pressão de manter sua posição em um ambiente artístico altamente competitivo onde é lavada a enfrentar as consequências de suas próprias ações. A queda de Tár é retratada como uma exploração lenta e introspectiva dos reflexos psicológicos e sociais de seu comportamento, fazendo com que a audiência questione a linha tênue entre a genialidade e a tirania. Confira o belíssimo trailer aqui:
É impossível começar qualquer análise sobre "Tár" sem citar Cate Blanchett. É impressionante como ela é capaz de entregar uma atuação impecável atrás da outra - para mim, essa uma das mais marcantes da carreira, capturando com muita profundidade toda a complexidade de Lydia Tár através de uma performance poderosa e cheia de sensibilidade. Blanchett consegue transmitir tanto a genialidade quanto a arrogância da protagonista ao mesmo tempo que transita por uma área de vulnerabilidade oculta dificílima de alcançar como atriz. A forma como ela expressa o controle obsessivo de Tár sobre sua música, enquanto retrata a sua incapacidade de controlar sua vida pessoal, é hipnotizante. Sem dúvida que essa performance é essencial para a construção estética e narrativa do filme, já que o diretor se ancora, sem medo de errar, em uma personagem fascinante e imperfeita. A direção de Todd Field é precisa e contida nesse sentido, permitindo que a história se desenvolva de uma maneira deliberadamente imersiva. Obviamente que o filme evita julgamentos fáceis, optando por uma abordagem mais ambígua, que deixa espaço para diferentes interpretações sobre a protagonista e suas motivações. Repare como Field utiliza planos mais longos e uma estética bastante minimalista, capturando momentos de silêncio e criando uma tensão não-verbal para enriquecer o impacto emocional da trama. A atmosfera elegante e fria do filme reflete a sofisticação do mundo da música clássica, ao mesmo tempo que amplifica a sensação de isolamento que permeia a jornada de Tár.
A cinematografia do fotógrafo alemão Florian Hoffmeister (de "A Casa de Saddam") complementa a narrativa com uma estética extremamente precisa no sentido mais conceitual da palavra - ele pontua a cenas utilizando uma iluminação sutil com cores frias, para criar essa atmosfera opressiva e introspectiva proposta por Field. A câmera segue Tár em seus momentos mais íntimos, capturando a dualidade entre a figura pública brilhante e a mulher solitária e atormentada em sua vida pessoal. A escolha de filmar performances musicais em sequências mais longas e imersivas reflete tanto a beleza quanto o peso da criação artística - ao melhor estilo Darren Aronofsky (de "Cisne Negro"). Outro ponto que merece sua atenção é a montagem da indicada ao Oscar, Monika Willi (de "Amor") - seu trabalho intensifica a estrutura mais emocional do filme, refletindo a tensão crescente na vida de Tár como um elemento narrativo capaz de revelar os conflitos internos da protagonista a partir do ritmo, criando uma conexão contagiante com a música clássica.
Ao explorar questões relevantes sobre poder e abuso, pela perspectiva critica da responsabilidade pessoal em um mundo que muitas vezes idolatra o talento em detrimento da ética, "Tár" levanta muito mais perguntas incômodas do que respostas superficiais, especialmente sobre as consequências de um comportamento arbitrário e da forma como a sociedade lida com figuras poderosas, especialmente nesse universo das artes. Dito isso, antecipo: não espere nada muito usual com esse filme, já que o objetivo aqui é provocar reflexões sobre a ambiguidade moral e as circunstâncias fascinantes do seu redor.
Para aqueles que apreciam narrativas densas, "Tár" é de fato uma experiência cinematográfica que vale cada segundo.
Up-date: "Tár" recebeu seis indicações no Oscar 2023, inclusive de Melhor Filme.
Essa recomendação faz parte do nosso projeto "Semana dos Clássicos", onde convidamos você a revisitar filmes que mudaram os rumos da narrativa cinematográfica e que merecem um olhar mais critico sem esquecer, claro, do que pode ter representado emocionalmente na nossa vida!
Talvez essa tenha sido a maior prova de como Steven Spielberg é genial - e resiliente! "Tubarão", lançado em 1975, é considerado um dos filmes mais influentes da história do cinema - especialmente pela forma criativa com que Spielberg, com todas as limitações de produção, soube criar uma atmosfera realmente tensa. Baseado no romance de Peter Benchley, "Jaws" (no original) não apenas redefiniu o status de blockbuster, como também consolidou um conceito pouco explorado até então, onde um thriller de suspense seria capaz de combinar uma forte presença de tensão psicológica, alguma ação e muito drama, criando uma narrativa envolvente que explora o medo do desconhecido a partir de uma relação primitiva com um predador invisível.
A trama é basicamente centrada em Amity Island, uma cidade turística fictícia cuja economia depende do verão e de suas praias. Quando um grande tubarão-branco começa a atacar e matar banhistas, o chefe de polícia local, Martin Brody (Roy Scheider), se junta ao oceanógrafo Matt Hooper (Richard Dreyfuss) e ao caçador de tubarões Quint (Robert Shaw) para tentar capturar a criatura. O filme explora a tensão crescente entre as necessidades econômicas da cidade, o medo dos turistas e a força incontrolável da natureza. Confira o trailer:
Acho que o que faz de "Tubarão" uma referência, é sua impecável construção de suspense. Spielberg utiliza o tubarão de maneira inteligente, fazendo com que a ameaça seja sentida muito antes de ser vista. Os conhecidos problemas técnicos com o modelo mecânico do tubarão durante a produção forçaram Spielberg a adotar uma abordagem mais sutil, usando a câmera subjetiva para sugerir a presença do predador sem mostrá-lo explicitamente. Essa decisão criativa acabou se tornando uma das maiores forças do filme. A invisibilidade do tubarão nas primeiras cenas aumenta a sensação de terror, permitindo que o medo do desconhecido se infiltre na mente da audiência como um gatilho de pânico! É aqui que a trilha sonora icônica de John Williams entra como elemento essencial para a construção dessa tensão. O tema de "Tubarão", com suas notas repetitivas e ameaçadoras, tornou-se um dos mais reconhecidos da história do cinema justamente por compor a sensação constante de iminente perigo, preparando o público para os momentos de ataque e reforçando a presença mítica do tubarão - Williams , inclusive, ganhou o Oscar de Melhor Trilha Sonora por esse trabalho.
Repare como Spielberg também demonstra um domínio impressionante do ritmo de sua narrativa. "Tubarão" começa com um mood agradável e leve de verão, antes de gradualmente mergulhar em um suspense quase insuportável. As cenas de ataque construídas por Spielberg são rápidas e chocantes, com o diretor intercalando momentos de terror no mar com diálogos cheios de angustia entre os personagens principais em terra. Veja, os protagonistas lutam não apenas contra o tubarão, mas também contra suas próprias inseguranças e diferenças - isso confere ao filme uma camada emocional que vai além de um simples filme de suspense. Roy Scheider oferece uma performance equilibrada e realista, retratando um homem comum que é forçado a enfrentar um perigo extraordinário. A luta de Brody com seu medo de água e sua responsabilidade como protetor da comunidade criam um arco de personagem realmente envolvente. Richard Dreyfuss, como o oceanógrafo Matt Hooper, traz um certo humor irônico para a narrativa, com seu personagem funcionando como um contraponto mais científico e racional ao caçador de tubarões Quint. E aqui cabe um comentário: o monólogo sobre o naufrágio do USS Indianapolis feito por Quinn é um dos momentos mais intensos e memoráveis do filme.
Os efeitos especiais de "Tubarão", embora datados, foram revolucionários para a época. O tubarão mecânico de certa forma consegue ser uma presença aterrorizante na tela - mas o mérito do realismo das cenas de ataque, combinado com o uso inovador da câmera em primeira pessoa, é mérito exclusivo de Spielberg e de seu fotografo Bill Butler (de "Rocky II"). Eles criaram um senso palpável de perigo, mas é importante dizer que o verdadeiro terror não vem apenas dessa criatura quase mitológica, mas também do pavor crescente em relação àquilo que não pode ser controlado ou compreendido totalmente - esse medo arquetípico do predador invisível, que espreita sob a superfície da água, esperando o momento certo para atacar fez muita gente ficar com medo de entrar até na piscina depois do filme!
Décadas após seu lançamento, "Tubarão" continua a aterrorizar e cativar audiências, por isso merece ser visto (ou revisto)!
Essa recomendação faz parte do nosso projeto "Semana dos Clássicos", onde convidamos você a revisitar filmes que mudaram os rumos da narrativa cinematográfica e que merecem um olhar mais critico sem esquecer, claro, do que pode ter representado emocionalmente na nossa vida!
Talvez essa tenha sido a maior prova de como Steven Spielberg é genial - e resiliente! "Tubarão", lançado em 1975, é considerado um dos filmes mais influentes da história do cinema - especialmente pela forma criativa com que Spielberg, com todas as limitações de produção, soube criar uma atmosfera realmente tensa. Baseado no romance de Peter Benchley, "Jaws" (no original) não apenas redefiniu o status de blockbuster, como também consolidou um conceito pouco explorado até então, onde um thriller de suspense seria capaz de combinar uma forte presença de tensão psicológica, alguma ação e muito drama, criando uma narrativa envolvente que explora o medo do desconhecido a partir de uma relação primitiva com um predador invisível.
A trama é basicamente centrada em Amity Island, uma cidade turística fictícia cuja economia depende do verão e de suas praias. Quando um grande tubarão-branco começa a atacar e matar banhistas, o chefe de polícia local, Martin Brody (Roy Scheider), se junta ao oceanógrafo Matt Hooper (Richard Dreyfuss) e ao caçador de tubarões Quint (Robert Shaw) para tentar capturar a criatura. O filme explora a tensão crescente entre as necessidades econômicas da cidade, o medo dos turistas e a força incontrolável da natureza. Confira o trailer:
Acho que o que faz de "Tubarão" uma referência, é sua impecável construção de suspense. Spielberg utiliza o tubarão de maneira inteligente, fazendo com que a ameaça seja sentida muito antes de ser vista. Os conhecidos problemas técnicos com o modelo mecânico do tubarão durante a produção forçaram Spielberg a adotar uma abordagem mais sutil, usando a câmera subjetiva para sugerir a presença do predador sem mostrá-lo explicitamente. Essa decisão criativa acabou se tornando uma das maiores forças do filme. A invisibilidade do tubarão nas primeiras cenas aumenta a sensação de terror, permitindo que o medo do desconhecido se infiltre na mente da audiência como um gatilho de pânico! É aqui que a trilha sonora icônica de John Williams entra como elemento essencial para a construção dessa tensão. O tema de "Tubarão", com suas notas repetitivas e ameaçadoras, tornou-se um dos mais reconhecidos da história do cinema justamente por compor a sensação constante de iminente perigo, preparando o público para os momentos de ataque e reforçando a presença mítica do tubarão - Williams , inclusive, ganhou o Oscar de Melhor Trilha Sonora por esse trabalho.
Repare como Spielberg também demonstra um domínio impressionante do ritmo de sua narrativa. "Tubarão" começa com um mood agradável e leve de verão, antes de gradualmente mergulhar em um suspense quase insuportável. As cenas de ataque construídas por Spielberg são rápidas e chocantes, com o diretor intercalando momentos de terror no mar com diálogos cheios de angustia entre os personagens principais em terra. Veja, os protagonistas lutam não apenas contra o tubarão, mas também contra suas próprias inseguranças e diferenças - isso confere ao filme uma camada emocional que vai além de um simples filme de suspense. Roy Scheider oferece uma performance equilibrada e realista, retratando um homem comum que é forçado a enfrentar um perigo extraordinário. A luta de Brody com seu medo de água e sua responsabilidade como protetor da comunidade criam um arco de personagem realmente envolvente. Richard Dreyfuss, como o oceanógrafo Matt Hooper, traz um certo humor irônico para a narrativa, com seu personagem funcionando como um contraponto mais científico e racional ao caçador de tubarões Quint. E aqui cabe um comentário: o monólogo sobre o naufrágio do USS Indianapolis feito por Quinn é um dos momentos mais intensos e memoráveis do filme.
Os efeitos especiais de "Tubarão", embora datados, foram revolucionários para a época. O tubarão mecânico de certa forma consegue ser uma presença aterrorizante na tela - mas o mérito do realismo das cenas de ataque, combinado com o uso inovador da câmera em primeira pessoa, é mérito exclusivo de Spielberg e de seu fotografo Bill Butler (de "Rocky II"). Eles criaram um senso palpável de perigo, mas é importante dizer que o verdadeiro terror não vem apenas dessa criatura quase mitológica, mas também do pavor crescente em relação àquilo que não pode ser controlado ou compreendido totalmente - esse medo arquetípico do predador invisível, que espreita sob a superfície da água, esperando o momento certo para atacar fez muita gente ficar com medo de entrar até na piscina depois do filme!
Décadas após seu lançamento, "Tubarão" continua a aterrorizar e cativar audiências, por isso merece ser visto (ou revisto)!