"A Mão de Deus" é o representante da Itália no Oscar 2022 - e com todo merecimento. O filme fala sobre a "solidão", ou melhor, sobre "de repente estar sozinho" e para isso o premiado diretor Paolo Sorrentino retorna a Nápoles em busca de um retrato profundamente nostálgico que se divide em dois momentos: o primeiro é barulhento, colorido, animado - um recorte divertido de uma família napolitana que vivia a expectativa do melhor jogador de futebol do mundo (pelo menos para eles), Maradona, ser contratado pelo time da cidade. O segundo, completamente silencioso, quase monocromático, triste, mas ainda assim maduro para discutir o luto - justamente quando o sonho de ver o Napoli campeão italiano se concretizava graças ao talento do jogador argentino!
Na década de 1980, o jovem Fabietto Schisa (Filippo Scotti) mora em Nápoles junto de seu pai Saverio (Toni Servillo) e sua mãe Maria (Teresa Saponangelo). Embora não seja um rapaz introvertido, Fabietto não tem muitos amigos ou namoradas, tendo como foco se preparar para cursar filosofia na faculdade. Apaixonado pela música e principalmente pelo seu time do coração, o Napoli de Diego Maradona, o jovem sempre se dedicou a família, inclusive seguindo seu irmão Marchino (Marlon Joubert) durante alguns testes para atuar em filmes do cineasta Frederico Felinni - de onde começa a despertar nele um certo interesse pelo cinema, e não necessariamente apenas pela arte. Até que uma tragédia atinge sua família, e Fabietto se vê chegando na maioridade de uma forma cruel e solitária. Confira o trailer:
Com uma narrativa que mistura elementos de "Roma" com o conceito visual e nostálgico de "Me chame pelo seu nome", "A Mão de Deus" é praticamente um filme de personagem, tendo em Fabietto uma espécie de alter-ego de Sorrentino - mais ou menos como Almodóvar fez no seu "Dor e Glória". Embora aqui a proposta do diretor não seja provocar uma enorme reflexão e muito menos se colocar como um personagem egocêntrico e saudosista como o espanhol, "A Mão de Deus" não deixa de ser um recorte sobre a família napolitana contada por quem viveu aquela história. Filippo Scotti (uma versão carismática de Timothée Chalamet) traz um tom extremamente naturalista, sem nenhum tipo de exagero, para o personagem, criando uma abordagem quase que documental da sua própria vida - nos bons e nos maus momentos.
O interessante da história é que Sorrentino brinca com nossa imaginação em todo momento, como se aquela vida fosse contada apenas a partir das lembranças de Fabietto - o que não necessariamente funciona como um relato fiel dos acontecimentos em si. Será que a Baronesa solitária (Betty Pedrazzi), vizinha da sua família, era realmente daquela forma e reagiu daquela maneira durante o período de luto do jovem? Ou Patrizia (Luisa Ranieri), ela realmente agia daquela forma ou não passava de uma fantasia de Fabietto? E sua irmã, ela realmente vivia trancada no banheiro? Veja, os demais personagens são tão alegóricos que nos faz duvidar sobre a veracidade daquilo que assistimos - agora uma coisa é fato: as reuniões da família Schisa são deliciosas de vivenciar.
"È stata la mano di Dio" (no original) explora paisagens belíssimas da cidade costeira italiana de um modo mágico - mérito do diretor de fotografia Daria D'Antoni. Mas sem dúvida que é na atmosfera nostálgica criada por Sorrentino que o filme ganha um valor inestimável - sua capacidade de estabelecer os laços familiares pelas alegrias de algumas passagens e pela tristeza marcante de outros momentos, mexem com nossos sentimentos mais profundos e criam uma experiência quase sensorial ao pontuar determinadas tradições familiares através da memória, da linha do tempo e, por que não, de Diego Maradona.
Vale muito a pena!
"A Mão de Deus" é o representante da Itália no Oscar 2022 - e com todo merecimento. O filme fala sobre a "solidão", ou melhor, sobre "de repente estar sozinho" e para isso o premiado diretor Paolo Sorrentino retorna a Nápoles em busca de um retrato profundamente nostálgico que se divide em dois momentos: o primeiro é barulhento, colorido, animado - um recorte divertido de uma família napolitana que vivia a expectativa do melhor jogador de futebol do mundo (pelo menos para eles), Maradona, ser contratado pelo time da cidade. O segundo, completamente silencioso, quase monocromático, triste, mas ainda assim maduro para discutir o luto - justamente quando o sonho de ver o Napoli campeão italiano se concretizava graças ao talento do jogador argentino!
Na década de 1980, o jovem Fabietto Schisa (Filippo Scotti) mora em Nápoles junto de seu pai Saverio (Toni Servillo) e sua mãe Maria (Teresa Saponangelo). Embora não seja um rapaz introvertido, Fabietto não tem muitos amigos ou namoradas, tendo como foco se preparar para cursar filosofia na faculdade. Apaixonado pela música e principalmente pelo seu time do coração, o Napoli de Diego Maradona, o jovem sempre se dedicou a família, inclusive seguindo seu irmão Marchino (Marlon Joubert) durante alguns testes para atuar em filmes do cineasta Frederico Felinni - de onde começa a despertar nele um certo interesse pelo cinema, e não necessariamente apenas pela arte. Até que uma tragédia atinge sua família, e Fabietto se vê chegando na maioridade de uma forma cruel e solitária. Confira o trailer:
Com uma narrativa que mistura elementos de "Roma" com o conceito visual e nostálgico de "Me chame pelo seu nome", "A Mão de Deus" é praticamente um filme de personagem, tendo em Fabietto uma espécie de alter-ego de Sorrentino - mais ou menos como Almodóvar fez no seu "Dor e Glória". Embora aqui a proposta do diretor não seja provocar uma enorme reflexão e muito menos se colocar como um personagem egocêntrico e saudosista como o espanhol, "A Mão de Deus" não deixa de ser um recorte sobre a família napolitana contada por quem viveu aquela história. Filippo Scotti (uma versão carismática de Timothée Chalamet) traz um tom extremamente naturalista, sem nenhum tipo de exagero, para o personagem, criando uma abordagem quase que documental da sua própria vida - nos bons e nos maus momentos.
O interessante da história é que Sorrentino brinca com nossa imaginação em todo momento, como se aquela vida fosse contada apenas a partir das lembranças de Fabietto - o que não necessariamente funciona como um relato fiel dos acontecimentos em si. Será que a Baronesa solitária (Betty Pedrazzi), vizinha da sua família, era realmente daquela forma e reagiu daquela maneira durante o período de luto do jovem? Ou Patrizia (Luisa Ranieri), ela realmente agia daquela forma ou não passava de uma fantasia de Fabietto? E sua irmã, ela realmente vivia trancada no banheiro? Veja, os demais personagens são tão alegóricos que nos faz duvidar sobre a veracidade daquilo que assistimos - agora uma coisa é fato: as reuniões da família Schisa são deliciosas de vivenciar.
"È stata la mano di Dio" (no original) explora paisagens belíssimas da cidade costeira italiana de um modo mágico - mérito do diretor de fotografia Daria D'Antoni. Mas sem dúvida que é na atmosfera nostálgica criada por Sorrentino que o filme ganha um valor inestimável - sua capacidade de estabelecer os laços familiares pelas alegrias de algumas passagens e pela tristeza marcante de outros momentos, mexem com nossos sentimentos mais profundos e criam uma experiência quase sensorial ao pontuar determinadas tradições familiares através da memória, da linha do tempo e, por que não, de Diego Maradona.
Vale muito a pena!
As pessoas são essencialmente egoístas quando uma atitude (impensada ou não) pode imediatamente se reverter em algo muito prejudicial para elas mesmas - é quase um súbito de auto-preservação. Isso pode parecer banal ou até mesmo generalista demais, afinal o caráter não se põe a prova, certo? Errado! "Capital Humano", produção italiana de 2013, provoca justamente essa reflexão sobre a desvalorização da condição humana, partindo de eventos simples (mesmo que com reflexos sérios), com pessoas diferentes e em momentos de vida distantes, mas que, de alguma maneira, querem algo em comum, com o poder da escolha e a chance de mudar uma vida - que não necessariamente é a própria.
Dividido em quatros atos, cada um mostrando o ponto de vista de um personagem-chave (mais um epílogo), "Capital Humano" acompanha o destino de três famílias de classes sociais completamente diferentes (Ossola, Bernaschi e Ambrosini), que estão irrevogavelmente conectadas depois que um ciclista é acidentalmente atropelado enquanto voltava para casa depois de uma longa noite de trabalho. Confira o trailer:
O filme se baseia no livro homônimo do crítico de cinema Stephen Amidon para fazer um retrato de uma Itália decadente em que a ganância e o egoísmo fazem com que as pessoas não meçam suas atitudes, mesmo quando existe um outro ser humano no centro da equação. Dirigido pelo premiado diretor italiano Paolo Virzì, "Capital Humano" tem uma narrativa extremamente dinâmica e envolvente, onde, com o passar dos atos, juntamos todas as peças até entendermos o que de fato aconteceu naquela noite - esse conceito narrativo, muito utilizado por roteiristas mexicanos e argentinos do circuito mais independente, traz uma certa elegância para a história e, nesse caso, um tom de mistério muito bem desenvolvido na trama por personagens cheios de camadas (e que são absolutamente surpreendentes).
Ligue os pontos: Primeiro Dino Ossola (Fabrizio Bentivoglio), um pacato corretor de imóveis, quer ganhar um dinheiro que nunca viu na vida, pedindo um empréstimo no banco apenas para aplicar na empresa de Giovanni Bernaschi (Fabrizio Gifuni), um bem sucedido empresário e pai do namorado da sua filha. Depois temos Carla (Valeria Bruni Tedeschi), mulher de Giovanni, que busca encontrar um ressignificado para sua vida e assim recuperar uma paixão antiga pelas artes a partir de tudo que o marido conquistou ao seu lado. E por fim, Serena (Matilde Gioli), filha de Dino, que conhece Luca (Giovanni Anzaldo), um rapaz recém saído do reformatório após ser detido com drogas e paciente de sua madrasta, a psicóloga Roberta (Valeria Golino), por quem se apaixona mesmo tendo o namorado "ideal", Massimiliano (Guglielmo Pinelli).
Com essa espécie de mosaico de personagens e situações, Virzì vai costurando um drama com um leve tom de ironia e acaba entregando um filme muito mais profundo do que parece - bem ao estilo "Parasita" no conteúdo e "Amores Perros" na forma. Sua habilidade como diretor transforma a performance desse elenco incrível em um conjunto caricato (aqui no bom sentido) de sensações e sentimentos que retratam toda a podridão da humanidade a partir de gestos "inofensivos", mas que impactam diretamente no próximo, sem a menor preocupação com a empatia.
Só por isso o filme já valeria a pena, mas antecipo que "Capital Humano" foi uma das produções mais premiadas no circuito de festivais independentes entre 2013 e 2014, ganhando 7 prêmios no Oscar Italiano (das 18 indicações), inclusive, o de "Melhor Filme do Ano".
Pode dar play sem medo!
Em tempo, "Capital Humano" ganhou uma versão americana com a direção de Marc Meyers e tendo no elenco Marisa Tomei e Liev Schreiber.
As pessoas são essencialmente egoístas quando uma atitude (impensada ou não) pode imediatamente se reverter em algo muito prejudicial para elas mesmas - é quase um súbito de auto-preservação. Isso pode parecer banal ou até mesmo generalista demais, afinal o caráter não se põe a prova, certo? Errado! "Capital Humano", produção italiana de 2013, provoca justamente essa reflexão sobre a desvalorização da condição humana, partindo de eventos simples (mesmo que com reflexos sérios), com pessoas diferentes e em momentos de vida distantes, mas que, de alguma maneira, querem algo em comum, com o poder da escolha e a chance de mudar uma vida - que não necessariamente é a própria.
Dividido em quatros atos, cada um mostrando o ponto de vista de um personagem-chave (mais um epílogo), "Capital Humano" acompanha o destino de três famílias de classes sociais completamente diferentes (Ossola, Bernaschi e Ambrosini), que estão irrevogavelmente conectadas depois que um ciclista é acidentalmente atropelado enquanto voltava para casa depois de uma longa noite de trabalho. Confira o trailer:
O filme se baseia no livro homônimo do crítico de cinema Stephen Amidon para fazer um retrato de uma Itália decadente em que a ganância e o egoísmo fazem com que as pessoas não meçam suas atitudes, mesmo quando existe um outro ser humano no centro da equação. Dirigido pelo premiado diretor italiano Paolo Virzì, "Capital Humano" tem uma narrativa extremamente dinâmica e envolvente, onde, com o passar dos atos, juntamos todas as peças até entendermos o que de fato aconteceu naquela noite - esse conceito narrativo, muito utilizado por roteiristas mexicanos e argentinos do circuito mais independente, traz uma certa elegância para a história e, nesse caso, um tom de mistério muito bem desenvolvido na trama por personagens cheios de camadas (e que são absolutamente surpreendentes).
Ligue os pontos: Primeiro Dino Ossola (Fabrizio Bentivoglio), um pacato corretor de imóveis, quer ganhar um dinheiro que nunca viu na vida, pedindo um empréstimo no banco apenas para aplicar na empresa de Giovanni Bernaschi (Fabrizio Gifuni), um bem sucedido empresário e pai do namorado da sua filha. Depois temos Carla (Valeria Bruni Tedeschi), mulher de Giovanni, que busca encontrar um ressignificado para sua vida e assim recuperar uma paixão antiga pelas artes a partir de tudo que o marido conquistou ao seu lado. E por fim, Serena (Matilde Gioli), filha de Dino, que conhece Luca (Giovanni Anzaldo), um rapaz recém saído do reformatório após ser detido com drogas e paciente de sua madrasta, a psicóloga Roberta (Valeria Golino), por quem se apaixona mesmo tendo o namorado "ideal", Massimiliano (Guglielmo Pinelli).
Com essa espécie de mosaico de personagens e situações, Virzì vai costurando um drama com um leve tom de ironia e acaba entregando um filme muito mais profundo do que parece - bem ao estilo "Parasita" no conteúdo e "Amores Perros" na forma. Sua habilidade como diretor transforma a performance desse elenco incrível em um conjunto caricato (aqui no bom sentido) de sensações e sentimentos que retratam toda a podridão da humanidade a partir de gestos "inofensivos", mas que impactam diretamente no próximo, sem a menor preocupação com a empatia.
Só por isso o filme já valeria a pena, mas antecipo que "Capital Humano" foi uma das produções mais premiadas no circuito de festivais independentes entre 2013 e 2014, ganhando 7 prêmios no Oscar Italiano (das 18 indicações), inclusive, o de "Melhor Filme do Ano".
Pode dar play sem medo!
Em tempo, "Capital Humano" ganhou uma versão americana com a direção de Marc Meyers e tendo no elenco Marisa Tomei e Liev Schreiber.
"Lazzaro Felice" é um filme bastante peculiar, principalmente se você embarcar nessa jornada sem a menor expectativa do que vai encontrar. Pode parecer contraditório ler um review sobre o filme ao mesmo tempo que sugiro não se aprofundar na história para escolher o título, mas é isso mesmo que eu proponho nesse texto. Saiba que esse filme italiano de 2018 venceu na categoria "Melhor Roteiro" no Festival de Cannes, "Melhor Filme" no Festival de Chicago e em Rotterdam - onde recebeu a seguinte resenha: "Acreditamos que o "Lazzaro" inspirará um futuro público a ser mais humano e refletir sobre suas experiências e interações diárias".
Pelo trailer já dá para se ter uma ideia de que "Lazzaro Felice" trás um conceito narrativo muito baseado na poesia, na alegoria, o que, certamente, agradará mais o público sensível e disposto a reinterpretar aquilo que assiste na tela, porém é preciso que se diga que o filme da (excelente) diretora italiana Alice Rohrwacher trabalha tão bem as sensações que chega a ser impressionante. "Lazzaro Felice" conta a história de um jovem camponês chamado Lazzaro (Adriano Tardiolo), que por ser tão inocente (e bondoso) acaba sendo explorado por todos da comunidade onde vive, no interior da Itália. Pouco mais de 50 pessoas, entre idosos, crianças e adultos, exercem alguma função para manter o local vivo, embora em condições precárias, essas pessoas sobrevivem como escravos sob as ordens da marquesa Alfonsina De Luna (Nicoletta Braschi) - que acredita que todo e qualquer ser humano deve explorar e ser explorado por alguém, em uma pirâmide social abusiva, hierárquica e viciada em padrões estabelecidos pelo conhecimento e a cultura. Acontece que essa dinâmica acaba sendo desfeita quando a polícia chega na comunidade para investigar o falso sequestro do filho da marquesa e é aí que a história se transforma completamente, transitando entre a fantasia e a realidade de uma forma muito sensível e profunda. Confira o trailer:
"Lazzaro Felice" não vai agradar a todos, isso é um fato, mas se você gostou de "Atlantique" (também na Netflix) é bem provável que se identifique com esse belíssimo filme, pois ele mistura com a mesma eficiência, o drama e o sobrenatural graças a um roteiro muito bem escrito, uma direção extremamente competente e uma fotográfica digna de muitos prêmios! Vale muito a pena - filme independente com carreira consistente em festivais!
Embora o conceito de exploração do mais fraco (defendido pela marquesa) seja o fio condutor de "Lazzaro Felice", é muito curioso a forma como a Rohrwacher usa a figura do protagonista para representar um limite que precisa ser respeitado e que vai nos provocar a reflexão. Estar na base da pirâmide não nos deixa saída, afinal não há em quem se apoiar (ou explorar), porém essa realidade não influencia ou define o caráter de uma pessoa - e o filme usa de vários exemplos, muitos deles apenas em diálogos pontuais ou em ações que parecem despretensiosas, para justificar essa tese. Se uma personagem pode enganar uma pessoa que acabou de ajuda-la só para faturar 30 euros, isso não exime da mesma personagem a escolha de abrir mão de algo quando alguém pede sua ajuda - mesmo que esse "alguém" já tenha mal tratado ela no passado! Essa dualidade do roteiro é explorada a todo momento e ganha ainda mais força quando entendemos a alegoria bíblica que a história se propõe a discutir - existe um Lázaro descrito na Bíblia e como o personagem do filme, ele é alguém que foi ressuscitado por Jesus e que destoa da fragilidade moral do mundo em que vive. Reparem na cena da igreja e vejam como a diretora, em nenhum momento levanta uma bandeira, seja ela politica ou religiosa, sem mostrar o outro lado ou criticar a distorção pela qual o ser humano se apoia!
Filmado 100% em 16 mm, o que dá um aspecto granulado a imagem e sugere uma certa abstração da realidade, e finalizado com uma margem irregular como se estivéssemos assistindo um filme projetado em um pergaminho, "Lazzaro Felice" é um excelente exemplo de como uma identidade narrativa baseada em um conceito fortemente estabelecido com propósito, funciona a favor da história. Nada que acontece na tela é por acaso - da maneira como o protagonista se movimenta, se comunica ou simplesmente observa uma ação, até os planos abertos enquadrando uma geografia rural que vai se desfazer em um cenário urbano caótico e opressor, um pouco mais a frente. É um grande trabalho da fotógrafa Hélène Louvart (de "A vida invisível" do brasileiro Karim Aïnouz). O elenco também está irretocável: Adriano Tardiolo dá uma aula de neutralidade na interpretação, daquelas que o ator fala com os olhos, com a alma, com o sentimento! Tommaso Ragno como o Tancredi adulto também dá um show, mas quem rouba a cena mesmo é a ótima Alba Rohrwacher como Antonia - que trabalho maravilhoso!
"Lazzaro Felice" é um filme autoral de quem conhece a gramática cinematográfica e sabe exatamente onde quer chegar com aquela história. Um show de roteiro que usa da alegoria para tocar em temas delicados e atuais como as consequências do êxodo rural e do desemprego, a violência contra a mulher, a desigualdade social, o capitalismo predatório, etc. Saiba que não será um jornada fácil, a diretora acerta em não nos entregar as informações de mão beijada, nos sugerindo muito mais do que impondo (com excessão da cena posterior a da igreja, onde a música segue os personagens, que destoa das escolhas acertadas até ali). "Lazzaro Felice" pode causar um certo estranhamento inicial, mas que aos poucos vai se encontrando e, claro, nos deixando com mais dúvidas do que certezas e nos tirando de uma zona de conforto como poucas vezes sentimos - a lembrança que me vem a cabeça, respeitando suas peculiaridades de gênero, é a sensação de assistir "Abre los Ojos" do Alejandro Amenábar pela primeira vez!
Não vacile, dê o play!
"Lazzaro Felice" é um filme bastante peculiar, principalmente se você embarcar nessa jornada sem a menor expectativa do que vai encontrar. Pode parecer contraditório ler um review sobre o filme ao mesmo tempo que sugiro não se aprofundar na história para escolher o título, mas é isso mesmo que eu proponho nesse texto. Saiba que esse filme italiano de 2018 venceu na categoria "Melhor Roteiro" no Festival de Cannes, "Melhor Filme" no Festival de Chicago e em Rotterdam - onde recebeu a seguinte resenha: "Acreditamos que o "Lazzaro" inspirará um futuro público a ser mais humano e refletir sobre suas experiências e interações diárias".
Pelo trailer já dá para se ter uma ideia de que "Lazzaro Felice" trás um conceito narrativo muito baseado na poesia, na alegoria, o que, certamente, agradará mais o público sensível e disposto a reinterpretar aquilo que assiste na tela, porém é preciso que se diga que o filme da (excelente) diretora italiana Alice Rohrwacher trabalha tão bem as sensações que chega a ser impressionante. "Lazzaro Felice" conta a história de um jovem camponês chamado Lazzaro (Adriano Tardiolo), que por ser tão inocente (e bondoso) acaba sendo explorado por todos da comunidade onde vive, no interior da Itália. Pouco mais de 50 pessoas, entre idosos, crianças e adultos, exercem alguma função para manter o local vivo, embora em condições precárias, essas pessoas sobrevivem como escravos sob as ordens da marquesa Alfonsina De Luna (Nicoletta Braschi) - que acredita que todo e qualquer ser humano deve explorar e ser explorado por alguém, em uma pirâmide social abusiva, hierárquica e viciada em padrões estabelecidos pelo conhecimento e a cultura. Acontece que essa dinâmica acaba sendo desfeita quando a polícia chega na comunidade para investigar o falso sequestro do filho da marquesa e é aí que a história se transforma completamente, transitando entre a fantasia e a realidade de uma forma muito sensível e profunda. Confira o trailer:
"Lazzaro Felice" não vai agradar a todos, isso é um fato, mas se você gostou de "Atlantique" (também na Netflix) é bem provável que se identifique com esse belíssimo filme, pois ele mistura com a mesma eficiência, o drama e o sobrenatural graças a um roteiro muito bem escrito, uma direção extremamente competente e uma fotográfica digna de muitos prêmios! Vale muito a pena - filme independente com carreira consistente em festivais!
Embora o conceito de exploração do mais fraco (defendido pela marquesa) seja o fio condutor de "Lazzaro Felice", é muito curioso a forma como a Rohrwacher usa a figura do protagonista para representar um limite que precisa ser respeitado e que vai nos provocar a reflexão. Estar na base da pirâmide não nos deixa saída, afinal não há em quem se apoiar (ou explorar), porém essa realidade não influencia ou define o caráter de uma pessoa - e o filme usa de vários exemplos, muitos deles apenas em diálogos pontuais ou em ações que parecem despretensiosas, para justificar essa tese. Se uma personagem pode enganar uma pessoa que acabou de ajuda-la só para faturar 30 euros, isso não exime da mesma personagem a escolha de abrir mão de algo quando alguém pede sua ajuda - mesmo que esse "alguém" já tenha mal tratado ela no passado! Essa dualidade do roteiro é explorada a todo momento e ganha ainda mais força quando entendemos a alegoria bíblica que a história se propõe a discutir - existe um Lázaro descrito na Bíblia e como o personagem do filme, ele é alguém que foi ressuscitado por Jesus e que destoa da fragilidade moral do mundo em que vive. Reparem na cena da igreja e vejam como a diretora, em nenhum momento levanta uma bandeira, seja ela politica ou religiosa, sem mostrar o outro lado ou criticar a distorção pela qual o ser humano se apoia!
Filmado 100% em 16 mm, o que dá um aspecto granulado a imagem e sugere uma certa abstração da realidade, e finalizado com uma margem irregular como se estivéssemos assistindo um filme projetado em um pergaminho, "Lazzaro Felice" é um excelente exemplo de como uma identidade narrativa baseada em um conceito fortemente estabelecido com propósito, funciona a favor da história. Nada que acontece na tela é por acaso - da maneira como o protagonista se movimenta, se comunica ou simplesmente observa uma ação, até os planos abertos enquadrando uma geografia rural que vai se desfazer em um cenário urbano caótico e opressor, um pouco mais a frente. É um grande trabalho da fotógrafa Hélène Louvart (de "A vida invisível" do brasileiro Karim Aïnouz). O elenco também está irretocável: Adriano Tardiolo dá uma aula de neutralidade na interpretação, daquelas que o ator fala com os olhos, com a alma, com o sentimento! Tommaso Ragno como o Tancredi adulto também dá um show, mas quem rouba a cena mesmo é a ótima Alba Rohrwacher como Antonia - que trabalho maravilhoso!
"Lazzaro Felice" é um filme autoral de quem conhece a gramática cinematográfica e sabe exatamente onde quer chegar com aquela história. Um show de roteiro que usa da alegoria para tocar em temas delicados e atuais como as consequências do êxodo rural e do desemprego, a violência contra a mulher, a desigualdade social, o capitalismo predatório, etc. Saiba que não será um jornada fácil, a diretora acerta em não nos entregar as informações de mão beijada, nos sugerindo muito mais do que impondo (com excessão da cena posterior a da igreja, onde a música segue os personagens, que destoa das escolhas acertadas até ali). "Lazzaro Felice" pode causar um certo estranhamento inicial, mas que aos poucos vai se encontrando e, claro, nos deixando com mais dúvidas do que certezas e nos tirando de uma zona de conforto como poucas vezes sentimos - a lembrança que me vem a cabeça, respeitando suas peculiaridades de gênero, é a sensação de assistir "Abre los Ojos" do Alejandro Amenábar pela primeira vez!
Não vacile, dê o play!
Foi no verão de 1983, quando Oliver (Armie Hammer), um americano de 24 anos, foi passar o verão na Lombardia, Itália, com a família de Elio (Timothée Chalamet). Interpretado porMichael Stuhlbarg, o pai de Elio é professor e todo ano recebe um aluno para trabalhar como seu assistente de pesquisa. Elio com 17 anos, é imediatamente fisgado pela postura confiante, quase arrogante, de Oliver. Ao se sentir atraído fisicamente, Elio passa por um processo extremamente confuso de descobertas, medos e sentimentos que pareciam completamente distante da sua realidade.
"Call me by your name" (título original), para mim, vale muito pelo final do terceiro ato onde vemos uma cena linda entre um pai e um filho conversando com a mais pura sinceridade e afeto - no tom certo e com um trabalho sensacional do veterano Stuhlbarg com o jovem Chalamet. Penso que a indicação para o Oscar de 2018 como melhor ator é muito reflexo dessa cena! Fora isso, o filme é muito bem realizado, bem dirigido pelo Luca Guadagnino, mas não passa disso! A indicação como Melhor Filme, sem dúvida, já foi seu maior prêmio e talvez, sua maior chance esteja na categoria "Roteiro Adaptado" - seria a minha maior aposta!
Na verdade, acho até que esperava mais, mas entendo que para algumas pessoas o filme deve ter uma conexão mais forte, com isso a recomendação precisa ser relativizada, pois vai ficar claro, nos primeiros minutos, se esse filme é ou não para você!
Up-date: "Me chame pelo seu nome" ganhou em uma categoria no Oscar 2018: Melhor Roteiro Adaptado!
Foi no verão de 1983, quando Oliver (Armie Hammer), um americano de 24 anos, foi passar o verão na Lombardia, Itália, com a família de Elio (Timothée Chalamet). Interpretado porMichael Stuhlbarg, o pai de Elio é professor e todo ano recebe um aluno para trabalhar como seu assistente de pesquisa. Elio com 17 anos, é imediatamente fisgado pela postura confiante, quase arrogante, de Oliver. Ao se sentir atraído fisicamente, Elio passa por um processo extremamente confuso de descobertas, medos e sentimentos que pareciam completamente distante da sua realidade.
"Call me by your name" (título original), para mim, vale muito pelo final do terceiro ato onde vemos uma cena linda entre um pai e um filho conversando com a mais pura sinceridade e afeto - no tom certo e com um trabalho sensacional do veterano Stuhlbarg com o jovem Chalamet. Penso que a indicação para o Oscar de 2018 como melhor ator é muito reflexo dessa cena! Fora isso, o filme é muito bem realizado, bem dirigido pelo Luca Guadagnino, mas não passa disso! A indicação como Melhor Filme, sem dúvida, já foi seu maior prêmio e talvez, sua maior chance esteja na categoria "Roteiro Adaptado" - seria a minha maior aposta!
Na verdade, acho até que esperava mais, mas entendo que para algumas pessoas o filme deve ter uma conexão mais forte, com isso a recomendação precisa ser relativizada, pois vai ficar claro, nos primeiros minutos, se esse filme é ou não para você!
Up-date: "Me chame pelo seu nome" ganhou em uma categoria no Oscar 2018: Melhor Roteiro Adaptado!
Mais do que uma história sobre amizade, "My Brilliant Friend" é uma verdadeira jornada de descoberta! Premiadíssima, "L'amica geniale" (no original) é uma adaptação das mais ambiciosas e delicadas da obra de Elena Ferrante, e acompanha a complexa e intensa relação entre duas mulheres ao longo de décadas, retratando tanto as mudanças pessoais quanto os contextos sociais e políticos que moldam suas vidas. A narrativa é uma fusão de um profundo drama íntimo com uma pertinente reflexão social, tecendo uma história envolvente sobre a identidade e os desafios da emancipação feminina em uma sociedade patriarcal.
Criada por Saverio Costanzo, a série começa nos anos 1950, em um bairro pobre de Nápoles, e segue a vida de Elena Greco (apelidada de Lenù) e Raffaella Cerullo (a Lila), duas meninas de personalidades opostas, mas ligadas por uma amizade verdadeira. Lenù (Margherita Mazzucco e Elisa Del Genio) é introspectiva e estudiosa, enquanto Lila (Gaia Girace e Ludovica Nasti) é determinada e impulsiva, com um intelecto brilhante que desafia sua condição social. À medida que crescem, a amizade das duas passa por transformações, da infância para a adolescência, e depois para a vida adulta; enquanto lidam com expectativas, com a violência e com oportunidades desiguais. Confira o trailer:
Pode ser que você não se apaixone imediatamente por "My Brilliant Friend" - seu ritmo é lento e sua abordagem é mais contemplativa. Para aqueles acostumados com narrativas mais aceleradas, essa produção da HBO em parceira com a RAI pode parecer excessivamente meticulosa, mas acredite: é justamente essa escolha conceitual, parte de sua identidade e do compromisso em capturar a profundidade das emoções e dos dilemas vividos pelas protagonistas, que vai fazer você não tirar os olhos da tela por algumas boas temporadas. Costanzo faz um trabalho cuidadoso na reconstrução dos cenários e na criação de uma atmosfera que envolve a audiência através dos anos do pós-guerra. Com uma fotografia linda, ele utiliza de uma paleta de cores sombria e uma estética realista para nos deixar imersos nas ruas apertadas de Nápoles onde as fachadas desgastadas dos prédios refletem a dureza da vida cotidiana e a opressão social que define os destinos de seus personagens. Esse realismo cru se estende ao uso do dialeto napolitano, que intensifica a sensação palpável do contraste entre o mundo local e as aspirações intelectuais e culturais de Lenù, por exemplo.
A direção de Costanzo é muito feliz ao evitar o melodrama, mantendo um tom introspectivo que dá espaço para que as emoções dos personagens sejam sentidas de forma orgânica. Mesmo com uma narrativa cadenciada, focada nos detalhes da vida cotidiana, é nas nuances das relações humanas que a série ganha seu brilho. A amizade entre Lenù e Lila é retratada com verdade diante de sua complexidade, revelando tanto a cumplicidade quanto a competição que define o vínculo entre elas. A tensão constante entre admiração e ressentimento é um dos eixos de "My Brilliant Friend", assim como a forma com que elas tentam escapar das limitações impostas por sua classe social e gênero - olha, é lindo de se ver. Margherita Mazzucco e Gaia Girace, que interpretam as versões adolescentes de Lenù e Lila, trazem uma intensidade visceral ao capturar a dualidade de suas personagens - a admiração mútua e a rivalidade, a esperança e a frustração. De maneira autêntica e envolvente, a transição para a vida adulta é marcada por muitos desafios - algo que a série explora com inteligência e competência durante as temporadas. É impressionante como o nível não cai, eu diria até que só melhora.
Com um roteiro fiel à obra de Ferrante, preservando a estrutura literária e o tom introspectivo do texto original, e uma narração em off (de Lenù), que reflete sobre os eventos com o distanciamento de alguém que olha para o passado, temos uma jornada que, de fato, mantém a essência contemplativa do livro. Ou seja, "My Brilliant Friend" é uma aula de adaptação bem sucedida, que aborda questões amplas como a violência de gênero, a educação como forma de ascensão social e a opressão patriarcal através dos tempos, sem jamais perder de vista a intimidade e a amizade que é o coração dessa história imperdível! Olha, acho que é o respeito ao espírito da obra original e a profundidade psicológica das protagonistas que tornam essa série uma experiência realmente envolvente - mas é só para aqueles que buscam uma narrativa que vai além do entretenimento superficial.
Mais do que uma história sobre amizade, "My Brilliant Friend" é uma verdadeira jornada de descoberta! Premiadíssima, "L'amica geniale" (no original) é uma adaptação das mais ambiciosas e delicadas da obra de Elena Ferrante, e acompanha a complexa e intensa relação entre duas mulheres ao longo de décadas, retratando tanto as mudanças pessoais quanto os contextos sociais e políticos que moldam suas vidas. A narrativa é uma fusão de um profundo drama íntimo com uma pertinente reflexão social, tecendo uma história envolvente sobre a identidade e os desafios da emancipação feminina em uma sociedade patriarcal.
Criada por Saverio Costanzo, a série começa nos anos 1950, em um bairro pobre de Nápoles, e segue a vida de Elena Greco (apelidada de Lenù) e Raffaella Cerullo (a Lila), duas meninas de personalidades opostas, mas ligadas por uma amizade verdadeira. Lenù (Margherita Mazzucco e Elisa Del Genio) é introspectiva e estudiosa, enquanto Lila (Gaia Girace e Ludovica Nasti) é determinada e impulsiva, com um intelecto brilhante que desafia sua condição social. À medida que crescem, a amizade das duas passa por transformações, da infância para a adolescência, e depois para a vida adulta; enquanto lidam com expectativas, com a violência e com oportunidades desiguais. Confira o trailer:
Pode ser que você não se apaixone imediatamente por "My Brilliant Friend" - seu ritmo é lento e sua abordagem é mais contemplativa. Para aqueles acostumados com narrativas mais aceleradas, essa produção da HBO em parceira com a RAI pode parecer excessivamente meticulosa, mas acredite: é justamente essa escolha conceitual, parte de sua identidade e do compromisso em capturar a profundidade das emoções e dos dilemas vividos pelas protagonistas, que vai fazer você não tirar os olhos da tela por algumas boas temporadas. Costanzo faz um trabalho cuidadoso na reconstrução dos cenários e na criação de uma atmosfera que envolve a audiência através dos anos do pós-guerra. Com uma fotografia linda, ele utiliza de uma paleta de cores sombria e uma estética realista para nos deixar imersos nas ruas apertadas de Nápoles onde as fachadas desgastadas dos prédios refletem a dureza da vida cotidiana e a opressão social que define os destinos de seus personagens. Esse realismo cru se estende ao uso do dialeto napolitano, que intensifica a sensação palpável do contraste entre o mundo local e as aspirações intelectuais e culturais de Lenù, por exemplo.
A direção de Costanzo é muito feliz ao evitar o melodrama, mantendo um tom introspectivo que dá espaço para que as emoções dos personagens sejam sentidas de forma orgânica. Mesmo com uma narrativa cadenciada, focada nos detalhes da vida cotidiana, é nas nuances das relações humanas que a série ganha seu brilho. A amizade entre Lenù e Lila é retratada com verdade diante de sua complexidade, revelando tanto a cumplicidade quanto a competição que define o vínculo entre elas. A tensão constante entre admiração e ressentimento é um dos eixos de "My Brilliant Friend", assim como a forma com que elas tentam escapar das limitações impostas por sua classe social e gênero - olha, é lindo de se ver. Margherita Mazzucco e Gaia Girace, que interpretam as versões adolescentes de Lenù e Lila, trazem uma intensidade visceral ao capturar a dualidade de suas personagens - a admiração mútua e a rivalidade, a esperança e a frustração. De maneira autêntica e envolvente, a transição para a vida adulta é marcada por muitos desafios - algo que a série explora com inteligência e competência durante as temporadas. É impressionante como o nível não cai, eu diria até que só melhora.
Com um roteiro fiel à obra de Ferrante, preservando a estrutura literária e o tom introspectivo do texto original, e uma narração em off (de Lenù), que reflete sobre os eventos com o distanciamento de alguém que olha para o passado, temos uma jornada que, de fato, mantém a essência contemplativa do livro. Ou seja, "My Brilliant Friend" é uma aula de adaptação bem sucedida, que aborda questões amplas como a violência de gênero, a educação como forma de ascensão social e a opressão patriarcal através dos tempos, sem jamais perder de vista a intimidade e a amizade que é o coração dessa história imperdível! Olha, acho que é o respeito ao espírito da obra original e a profundidade psicológica das protagonistas que tornam essa série uma experiência realmente envolvente - mas é só para aqueles que buscam uma narrativa que vai além do entretenimento superficial.
Para mim, um dos grandes diferenciais da Netflix atualmente, são os títulos de filmes premiados em festivais importantes que ela adquire os direitos de distribuição. Normalmente filmes independentes, esse material dificilmente chegaria ao grande público sem a atuação de um grande player como a Netflix. Só lamento que o marketing da empresa não invista na sua divulgação como faz com alguns lançamentos de gosto bem duvidosos, mas enfim, regras da casa, regras do mercado.
O filme conta a história real do que aconteceu com Stefano Cucchi durante a semana que ficou preso após uma corriqueira batida policial no seu bairro. Com elementos narrativos muito parecidos com "Bicho de 7 Cabeças" e "Olhos que Condenam", esse premiado filme italiano é imperdível, mas esteja preparado, pois digerir aqueles fatos que vemos durante pouco mais 100 minutos, não é tarefa fácil.
"Na própria pele: o caso Stefano Cucchi" é uma dessas pérolas escondidas no catálogo que, para quem aprecia um cinema de qualidade, nos faz acreditar na importância de uma boa história, de uma produção bem realizada e de uma direção autoral bastante competente, mas já adianto: o filme é duro, dolorido, intenso e ao mesmo tempo ótimo.
Stefano Cucchi era um jovem italiano de 31 anos que, em 2009, foi detido em uma abordagem policial enquanto fumava um simples cigarro com um amigo de infância. Embora não estivesse usando drogas no momento de sua prisão, os policiais que o abordaram naquela noite, encontraram dois cigarros de maconha e 2g de cocaína com ele. Após revistar a casa dos seus pais e não encontrar nada, Stefano passaria apenas uma noite na prisão e seria liberado, porém uma série de fatos transformaram a vida do rapaz. Uma atuação desastrosa da policia, uma postura extremamente arrogante das autoridades e com vários dos seus direitos simplesmente ignorados, Stefano Cucchi morreu apenas uma semana depois de ser condenado por, acreditem, tráfico de drogas! É importante ressaltar que trata-se de um caso real que mobilizou a Itália na época e que por isso, o valor do filme não está no resultado trágico dessa história e, sim, em que circunstâncias os fatos foram acontecendo e como se tornou uma enorme bola de neve. É terrível a velocidade como tudo se desenrola e como isso reflete na sua família. É uma realidade que incomoda pela naturalidade de como tudo é mostrado e de como as pessoas se relacionam com um ser humano pré julgado, impotente, assustado e ingênuo - sim, Stefano Cucchi foi muito ingênuo (e talvez aqui caiba a única crítica em relação ao roteiro)!!!
"Na própria pele" chega validado por inúmeros prêmios em festivais pelo mundo, inclusive em Veneza - além de uma importante indicação como melhor filme na Mostra "Novos Horizontes". É um trabalho irretocável do diretor Alessio Cremonini, com uma fotografia linda de Matteo Cocco - reparem como a câmera passeia lentamente pelo ambiente até chegar no protagonista, nos causando uma sensação absurda de ansiedade. Ou como o Diretor escolhe simplesmente travar a câmera e não acompanhar uma determinada ação até o fim, deixando que a imaginação de quem assiste construa parte dessa narrativa - assim foi no que seria a cena mais chocante do filme (o espancamento de Stefano)! Isso é cinema autoral de qualidade e com propósito conceitual que justificam as escolhas! Palmas!!!!
Com um trabalho sensacional de um irreconhecível Alessandro Borghi (Suburra), fica impossível não se emocionar ou se revoltar com o que assistimos. "Na própria pele: o caso Stefano Cucchi" é daqueles filmes que ficam martelando na nossa cabeça, que nos trazem sensações únicas e que nos faz ficar em silêncio enquanto os créditos sobem - aliás, durante os créditos ouvimos os áudios reais do julgamento de Stefano e isso potencializa a dor que sentimos por aqueles personagens da vida real. O fato é que o filme vale muito a pena, mas esteja preparado para digerir uma história cruel que até hoje não foi totalmente explicada. Indico de olhos fechados!
Para mim, um dos grandes diferenciais da Netflix atualmente, são os títulos de filmes premiados em festivais importantes que ela adquire os direitos de distribuição. Normalmente filmes independentes, esse material dificilmente chegaria ao grande público sem a atuação de um grande player como a Netflix. Só lamento que o marketing da empresa não invista na sua divulgação como faz com alguns lançamentos de gosto bem duvidosos, mas enfim, regras da casa, regras do mercado.
O filme conta a história real do que aconteceu com Stefano Cucchi durante a semana que ficou preso após uma corriqueira batida policial no seu bairro. Com elementos narrativos muito parecidos com "Bicho de 7 Cabeças" e "Olhos que Condenam", esse premiado filme italiano é imperdível, mas esteja preparado, pois digerir aqueles fatos que vemos durante pouco mais 100 minutos, não é tarefa fácil.
"Na própria pele: o caso Stefano Cucchi" é uma dessas pérolas escondidas no catálogo que, para quem aprecia um cinema de qualidade, nos faz acreditar na importância de uma boa história, de uma produção bem realizada e de uma direção autoral bastante competente, mas já adianto: o filme é duro, dolorido, intenso e ao mesmo tempo ótimo.
Stefano Cucchi era um jovem italiano de 31 anos que, em 2009, foi detido em uma abordagem policial enquanto fumava um simples cigarro com um amigo de infância. Embora não estivesse usando drogas no momento de sua prisão, os policiais que o abordaram naquela noite, encontraram dois cigarros de maconha e 2g de cocaína com ele. Após revistar a casa dos seus pais e não encontrar nada, Stefano passaria apenas uma noite na prisão e seria liberado, porém uma série de fatos transformaram a vida do rapaz. Uma atuação desastrosa da policia, uma postura extremamente arrogante das autoridades e com vários dos seus direitos simplesmente ignorados, Stefano Cucchi morreu apenas uma semana depois de ser condenado por, acreditem, tráfico de drogas! É importante ressaltar que trata-se de um caso real que mobilizou a Itália na época e que por isso, o valor do filme não está no resultado trágico dessa história e, sim, em que circunstâncias os fatos foram acontecendo e como se tornou uma enorme bola de neve. É terrível a velocidade como tudo se desenrola e como isso reflete na sua família. É uma realidade que incomoda pela naturalidade de como tudo é mostrado e de como as pessoas se relacionam com um ser humano pré julgado, impotente, assustado e ingênuo - sim, Stefano Cucchi foi muito ingênuo (e talvez aqui caiba a única crítica em relação ao roteiro)!!!
"Na própria pele" chega validado por inúmeros prêmios em festivais pelo mundo, inclusive em Veneza - além de uma importante indicação como melhor filme na Mostra "Novos Horizontes". É um trabalho irretocável do diretor Alessio Cremonini, com uma fotografia linda de Matteo Cocco - reparem como a câmera passeia lentamente pelo ambiente até chegar no protagonista, nos causando uma sensação absurda de ansiedade. Ou como o Diretor escolhe simplesmente travar a câmera e não acompanhar uma determinada ação até o fim, deixando que a imaginação de quem assiste construa parte dessa narrativa - assim foi no que seria a cena mais chocante do filme (o espancamento de Stefano)! Isso é cinema autoral de qualidade e com propósito conceitual que justificam as escolhas! Palmas!!!!
Com um trabalho sensacional de um irreconhecível Alessandro Borghi (Suburra), fica impossível não se emocionar ou se revoltar com o que assistimos. "Na própria pele: o caso Stefano Cucchi" é daqueles filmes que ficam martelando na nossa cabeça, que nos trazem sensações únicas e que nos faz ficar em silêncio enquanto os créditos sobem - aliás, durante os créditos ouvimos os áudios reais do julgamento de Stefano e isso potencializa a dor que sentimos por aqueles personagens da vida real. O fato é que o filme vale muito a pena, mas esteja preparado para digerir uma história cruel que até hoje não foi totalmente explicada. Indico de olhos fechados!
Na Sicília, Giuseppe (Gaetano Fernandez), um garoto de 13 anos, desaparece de uma pequena Vila à beira de uma floresta. Sua amiga Luna (Julia Jedlikowska) recusa-se a aceitar seu desaparecimento e resolve se rebelar contra o silêncio e a cumplicidade do todos. Para encontrá-lo, Luna precisa de coragem para enfrentar o desconhecido - um lago que é uma espécie de entrada misteriosa para o mundo sombrio que provavelmente engoliu Giuseppe.
A base da história é inspirada em um caso real ocorrido em 1993: o sequestro de Giuseppe di Matteo, filho de um ex-chefe da Máfia que passou a ser um informante da policia, porém os diretores Fabio Grassadonia e Antonio Piazza usam da fantasia para fazer um paralelo entre a forma de uma pré-adolescente ver a realidade e estabelecer o universo violento da região.
O roteiro usa e abusa da construção de arquétipos vindos dos contos de fada para contar a história: enquanto a mãe de Luna soa como uma versão das “madrastas más”, o caráter íntegro de Giuseppe o aproxima dos príncipes encantados e a sensibilidade sonhadora de Luna das princesas à espera do final feliz! A própria fotografia do diretor Luca Bigazzi aproveita da belíssima paisagem mediterrânea para abusar dos longos planos-sequência, panorâmicas, cheia de planos abertos, além de alguns momentos onde a perspectiva parece distorcida como se alguém observasse toda a ação. Todo conceito estético é ainda mais valorizado pela linda trilha sonora de Anton Spielmann criando o universo que transita entre o encantamento e o sinistro, entre a fantasia e o real, trazendo muitas referências dos Irmãos Grimm.
É preciso dizer que "O Fantasma da Sicília" (título em português) é um pouco longo demais, reflexo desse estilo mais autoral e artístico dos diretores, o que dá a impressão de um filme que não evolui. O primeiro e o terceiro atos são excelentes, mas o ponto fraco é, sem dúvida, o segundo ato - eisso tende a cansar quem não está envolvido com o filme ou se identifica com esse tipo de cinema.
Não é um filme fácil, é lento, mas é muito bom! Eu gostei, mas sei que vai agradar um nicho bem pequeno de cinéfilos!!!
Na Sicília, Giuseppe (Gaetano Fernandez), um garoto de 13 anos, desaparece de uma pequena Vila à beira de uma floresta. Sua amiga Luna (Julia Jedlikowska) recusa-se a aceitar seu desaparecimento e resolve se rebelar contra o silêncio e a cumplicidade do todos. Para encontrá-lo, Luna precisa de coragem para enfrentar o desconhecido - um lago que é uma espécie de entrada misteriosa para o mundo sombrio que provavelmente engoliu Giuseppe.
A base da história é inspirada em um caso real ocorrido em 1993: o sequestro de Giuseppe di Matteo, filho de um ex-chefe da Máfia que passou a ser um informante da policia, porém os diretores Fabio Grassadonia e Antonio Piazza usam da fantasia para fazer um paralelo entre a forma de uma pré-adolescente ver a realidade e estabelecer o universo violento da região.
O roteiro usa e abusa da construção de arquétipos vindos dos contos de fada para contar a história: enquanto a mãe de Luna soa como uma versão das “madrastas más”, o caráter íntegro de Giuseppe o aproxima dos príncipes encantados e a sensibilidade sonhadora de Luna das princesas à espera do final feliz! A própria fotografia do diretor Luca Bigazzi aproveita da belíssima paisagem mediterrânea para abusar dos longos planos-sequência, panorâmicas, cheia de planos abertos, além de alguns momentos onde a perspectiva parece distorcida como se alguém observasse toda a ação. Todo conceito estético é ainda mais valorizado pela linda trilha sonora de Anton Spielmann criando o universo que transita entre o encantamento e o sinistro, entre a fantasia e o real, trazendo muitas referências dos Irmãos Grimm.
É preciso dizer que "O Fantasma da Sicília" (título em português) é um pouco longo demais, reflexo desse estilo mais autoral e artístico dos diretores, o que dá a impressão de um filme que não evolui. O primeiro e o terceiro atos são excelentes, mas o ponto fraco é, sem dúvida, o segundo ato - eisso tende a cansar quem não está envolvido com o filme ou se identifica com esse tipo de cinema.
Não é um filme fácil, é lento, mas é muito bom! Eu gostei, mas sei que vai agradar um nicho bem pequeno de cinéfilos!!!